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Domenico Losurdo - Nietzsche, o Rebelde Aristocrata. Biografia Intelectual e Balanço Crítico.-Revan (2009)
Domenico Losurdo - Nietzsche, o Rebelde Aristocrata. Biografia Intelectual e Balanço Crítico.-Revan (2009)
Nietzsche
o rebelde aristocrata
Biografia intelectual e balanço crítico
E,e
Editora Revan
Copyright © 2009 by Domenico Losurdo
Todos os direitos reservados no Brasil pela Editora Revan Ltda. Nenhuma parte desta publi
cação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos ou via cópia xerográfica,
sem a autorização prévia da Editora.
Tradução
Jaime A. Clasen
Revisiio da traduçiio
Giovanni Semeraro
Revisiio
Roberto Teixeira
Capa
Sense Design & Comunicação
/mpresstlo e acabamento
(Em papel off-set 75g após paginação eletrônica em tipo Times New Roman, 11/13)
Divisão Gráfica da Editora Revan.
L89n
Losurdo, Domenico, 1941-
Nietzsche : o rebelde aristocrata : biografia intelectual e balanço
critico / Domenico Losl1rdo ; tradução de Jaime A. Clasen. - Rio de Janeiro :
Revan, 2009.
1108p.
Tradução de: Il ribelle aristocratico : biografia intellettuale e bilancio critico
Apêndices
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-7106-399-0
Aos jovens e aos menos jovens que em longos anos, na Universidade de Urbino
ou nos cursos organizados pelo Instituto Italiano para os Estudos Filosóficos,
seguiram, discutiram e estimularam esta minha interpretação de Nietzsche.
A presente tradução brasileira do livro, bem como a tradução alemã (que
sai simultaneamente) e a tradução inglesa (que está em preparação) são de
certo modo uma segunda edição. Além das falhas tipográficas, corrigi alguns
erros que me foram indicados por Jan Rehman no âmbito de uma resenha
ensaio amigável e simpática, e por Giuliano Campioni, no âmbito de uma rese
nha-ensaio bastante polêmica. A ambos. vai o meu agradecimento.
socratismo e o judaísmo
!l
5. "Liga antialemã" e golpe de Estado contra Guilhenne II /
6. Grande capital judeu, "oficialidade aristoaática" prussiana e cruzamento eugâlioo /548
7. O "radicalismo aristocrático" e o partido de Frederico ill /551
ll
5. Reconstrução histórica, "autoengano" de Nietzsche e direito à "deformação" por parte do
intérprete n34
6. Filósofos e historiadores ou o pathos antipolítico como remédio e como doença n42
7. Uma hermenêutica seletiva da inocência: Nietzsche e Wagner n47
8. Gobineau e Chamberlain à luz da hermenêutica da inocência n5 l
ll
Sétima Parte - Niett,Sche e nós - Radicalidade e carga
desmistificadora do projeto reacionário
"O drama musical está de fato morto, morto para sempre? { ..]
Esta é a mais séria pergunta da nossa arte, e quem, como alemão,
não compreende a seriedade desta pergunta, caiu vítima do socratismo
dos nossos dias. { .] Este socratismo é a imprensa judaica;
.
gregos não eram pessimistas; sobre este ponto, como sobre todo o resto,
Schopenhauer se enganou (EH, O nascimento da tragédia 1).
ll
4. O suicídio da grecidade trágica como metáfora do suicídio do
Antigo Regime
24 Taine, 1 899, vol. VI, p. 179 nota 1 (=Taine, 1989, tomo 2, p. 1082, nota 105).
25 Taine, 1899, vol. VI, pp. 172-3 e nota 1 (=Taine, 1989, tomo 2, pp. 1074-5 e nota 88); cf.
Burckhardt, 1978 b, p. 410.
26 Taine, 1899, vol. VI, p. 171 (=Taine, 1989, tomo 2, p. 1073).
27 Taine, 1899, vol. VI, pp. 169, 174-5 e nota 3 (= Taine, 1989, tomo 2, pp. 1071, 1077-8 e
nota 96 e 108 1).
28 Tocqueville, 195 1 , vol. II, 1, p. 196 (AR, livro III, cap. 1).
29 Tocqueville, 195 1 , vol. II, 2, p. 109.
Na véspera do desmoronamento da aristocracia, Taine, por sua vez, ob
serva que a ela está "imbuída de máximas humanitárias e radicais". 30 Nesse
momento - prossegue o historiador francês citando e subscrevendo a análise
de um contemporâneo - "uma piedade ativa enchia os espíritos, o que os ricos
temiam mais era passar por insensíveis". 3 1 Tendo se tornado "epicureus e fi
lantropos", os nobres enchem a boca com as "grandes palavras liberdade, jus
tiça, bem-estar público, dig1tidade do homem". 32 Novamente nos deparamos
com uma palavra de ordem do jovem Nietzsche projetada e condenada na
Grécia do século v1 AC. Se se quer sair da crise - sublinha O nascimento da
tragédia - é preciso acabar com as "doutrinas de moleza", próprias do "oti
mismo" e da "cultura socrática" (GT, 1 8 ; 1, 1 1 9).
Em confirmação da perspectiva de leitura aqui sugerida, podemos fazer inter
vir duas resenhas, particularmente significativas pelo fato de que o seu autor conhe
ce e partilha das ideias e das preocupações do amigo resenhado e exprime ou é
chamado a exprimir, como escreve Nietzsche numa carta endereçada a ele, "a
nossa posição" (B, II, 3, p. 1 2). Pois bem, Erwin Rohde - é dele que se fala -
sintetiza assim o significado do Nascimento d tragédia: "Do tratamento histórico
da distante antiguidade o autor avança através da amplidão dos tempos até o pre
sente". Não se trata de um salto lógico ou de uma divagação: "o otimismo teórico
herdado de Sócrates" transformou-se, no mundo moderno, em "otimismo prático,
que, tendo-se tornado pretensão estridente, sempre mais ameaça desencadear contra
esta civilização podre um inferno de potências destrutivas",33 e já desembocou no
"vandalismo de bárbaros socialistas".34 Volta aos partidários da Comuna a acusa
ção de terem posto fogo ao Louvre e, através dela, ressoa o apelo a tomar consci
ência da dramaticidade de situação. Felizmente, nem tudo está perdido. Ao exorci
zar o espectro do socialismo e da sua carga de atos de vandalismo e ao representar
uma esperança de salvação para a civilização - prossegue o recenseador, identifi
cando-se mais uma vez com o autor resenhado - convoca o "povo alemão", a
"nação alemã", cuja grande música parece anunciar a retomada da grecidade trá
gica e o fim do ciclo ruinoso iniciado há mais de dois mil anos. 35
Se Rohde sublinha que, longe de se limitar a denunciar "o mal do tempo" pre
sente, o autor do O nascimento da tragédia "convida todos aqueles que vivem na
Agora está claro: o país que sofreu em Sedan uma irremediável derrota era
símbolo não só da subversão, mas também da "civilização". Neste ponto, a opo
sição entre Alemanha e França se configura como a antítese entre Cultur e
Civilisation. Particularmente significativa para tal propósito é a carta a Gersdorff,
muitas vezes citada, de 2 1 de junho de 1 87 1 . Depois de ter celebrado a "antiga
saúde alemã" da qual deram prova o exército e a nação, Nietzsche prossegue
assim: "Sobre essa base é possível edificar: podemos de novo esperar! ". Trata-se
de não perder de vista a "cabeça da hidra internacional que repentinamente se
levantou com tanta monstruosidade para anunciar outras lutas futuras". No en
tanto, a catástrofe da Comuna de Paris é o resultado de uma devastação de longa
data e de caráter mais geral: "a 'civilização' latina, agora por toda parte dominan
te, revela o mal incrível que aflige o mundo" (B, II, l , pp. 203-4).
Somos reconduzidos mais uma vez ao clima ideológico que acompanha o
choque entre França e Prússia. No momento em que se iniciam as hostilidades,
Napoleão III se volta para os seus soldados, dizendo: "A França inteira vos
segue com seus votos ardentes e o universo tem os olhos voltados para vós . Do
nosso sucesso depende a sorte da liberdade e da civilização" (civilisation).53
Bismarck zomba dessa pretensão quando, fazendo referência à Comuna, acentua
que, sem a intervenção do "bárbaro" prussiano, teria sobrado bem pouco da
"capital da arte e da civilização" (Civilisation).54 Surgem assim as duas ideo
logias contrapostas da guerra. À França, que se autoproclama representante
59 Wagner, 1 9 10 f, p. 1 15.
60
Wagner, 1 9 10 f, p. 1 1 8.
61
Wagner, 1 9 10 f, p. 1 1 3.
62
Wagner, 1 9 10 f, p. 120.
63 Mauzi, 1960.
felicidade", que aqui é o gozo tranquilo de uma confortável esfera privada. O
processo de radicalização plebeia da Revolução Francesa é acompanhado pelo
pathos crescente da ideia de felicidade. Em 1 793, aparece a nova Declaração
dos direitos do homem e do cidadão, que, no artigo 1, proclama: "O fim da
sociedade é a felicidade (bonheur) comum". O artigo 2 1 esclarece: "Os socor
ros públicos são uma divida sagrada. A sociedade deve a subsistência aos cida
dãos desafortunados [literalmente: infelizes, malheureux], seja arranjando-lhes
um trabalho, seja dando àqueles que não estão em condições de trabalhar os
meios para viver". Atravessando o Atlântico, o direito negativo à felicidade (o
qual garante à esfera privada a ausência de toda interferência estranha) transfor
mou-se em direito positivo (o qual exige a intervenção pública para sanar situa
ções de miséria e de infelicidade de outro modo irremediáveis).
A reivindicação desse direito positivo encontra a sua formulação mais
apaixonada nos dois célebres discursos pronunciados por Saint-Just no Ventoso
do ano II, a poucos meses do fatal Termidor de 1 794, que veria também
Robespierre subir à guilhotina:
A felicidade é uma ideia nova na Europa [. . . ]. Não tolereis que haja no
Estado um só pobre e infeliz [ . . . ]: que a Europa saiba que não quereis mais no
território francês nem um infeliz nem um opressor. . . Os infelizes são as potências
da terra; têm o direito de falar como donos aos governos que deles descuidam. 64
Quem cita de tal modo Saint-Just, unificando dois discursos diferentes, é
um outro revolucionário, Babeuf, no momento em que se dirige aos juízes do
tribunal que dali a pouco condenariam também a ele à pena capital. 65 E o
babeuvismo, nas suas diversas transformações e configurações, desempenha
depois um papel não irrelevante na Comuna de Paris. Não há dúvida, Nietzsche
tem razão: a ideia de felicidade age de modo explosivo por ao menos um século,
que vai do triunfo do iluminismo à catástrofe de 1 87 1 . Mesmo depois desta
data, ela não cessa de estender a sua carga revolucionária. Uma terrível ame
aça que continua a pairar sobre a civilização: não só o longo ciclo revolucioná
rio que se desenvolveu no Ocidente, o próprio "socialismo", o novo perigo com
o qual é preciso acertar as contas, deve ser considerado "um fruto daquele
otimismo" que já provocou tantas desgraças (VII, 379).
Ao argumentar desse modo, Nietzsche não está absolutamente isolado na
cultura do seu tempo. Alguns anos antes da revolução de 1 848, Stimer obser
vava: "é a 'felicidade do povo' que se busca depois da revolução";66 o ciclo de
65 Cf Babeuf, 1988, p. 3 1 6.
66 Stirner, 1979, p. 244.
modo algum está concluído ! Na véspera da Comuna de Paris, Renan chega à
conclusão de que a maldição e a ruína da França residem na ideia de "felicida
de vulgar" e na pretensão de realizar uma sociedade para a qual "os indivíduos
que a compõem gozam da soma de bem-estar máxima possível". 67 Cerca de
dez anos depois, Gumplowicz, expoente de primeiro plano do socialdarwinismo,
sublinha a relação que subsiste entre "Revolução Francesa, socialismo, comu
nismo", por um lado, e "visãe otimista" e esperança de uma ordem social me
lhor e mais feliz, por outro lado. 68
No conjunto, entre os séculos xvm e XIX, a denúncia da revolução se de
senvolve sob a bandeira da crítica da ideia de felicidade. Segundo Gentz, que
rer pôr fim mediante transformações políticas a "toda miséria da vida", querer
proporcionar ao homem nesta terra uma "redenção" e uma libertação dos "ce
nários de dor" em que ele está inevitavelmente imerso, significa desconhecer
"a natureza das coisas" e a "natureza do homem". 69 A difusão destes temas
ideológicos conhece um ulterior desenvolvimento em seguida à revolução de
1 848 e à revolta operária do junho parisiense; na Alemanha, os nacional-liberais
Zeller e Treitschke assimilam o socialismo ao "epicurismo", em busca do "mai
or gozo possível", à "supervalorização dos bens materiais" e ao "materialismo
mais ávido";70 na França, Tocqueville condena em bloco a filosofia "sensualista
e socialista"; 71 na Itália, Rosmini troveja contra "a felicidade terrena e carnal",
que constitui o fim ilusório das diversas tendências socialistas e comunistas. 72
É uma condenação que, em 1 878, encontra a sua consagração numa encíclica
de Leão XIII; o que impele a humanidade "quase à sua extrema ruína" é, em
primeiro lugar, "o ardente desejo da felicidade" terrena.73
Na vertente oposta, o movimento proto-socialista está empenhado em rei
vindicar, nas palavras de Saint-Simon, a "felicidade social do pobre'',74 ou seja,
nas palavras de Weitling, um autor repetidamente citado e criticado por Stirner,75
a "felicidade humana", a "felicidade terrena". Owen, por sua vez, proclama:
"A FELICIDADE DE TODOS será a finalidade e o objetivo de toda parte desta reorga-
Neste ponto talvez fique mais claro o alvo da polêmica contra a "serenidade
grega". O que se visa não é tanto a leitura de Winckelmann, agora remota por
causa, seja da distância temporal, seja porque está separada em relação ao pre
sente pelos conflitos e as paixões de um longo ciclo revolucionário que a tomou
totalmente obsoleta. Outro alvo é o do questionamento do "conceito de 'serenida
de grega'" cara a "escritores sensuais" (DW, 2; 1, p. 56 1). A referência é em
primeiro lugar a Heine, explicitamente citado noutra ocasião e considerado culpa
do de ter teorizado e celebrado uma presumida "serenidade grega", entendida
como sinônimo de "conforto (Behagen) sem perigo" e de "sensualismo cômodo"
(VII, 35 1 -2). De fato, em contraposição com o cristianismo, o autor objeto dessa
crítica celebra de modo explícito e repetido a griechische Heiterkeit ou hellenische
Heiterkeit, cuja redescoberta no Renascimento e na modernidade assinala a
libertação ou a possibilidade de libertação de um ')ugo milenar" . 102
102
Heine, 1 969-78, vol. III, pp. 370 e 684-5 e vol. VI, 1 , p. 367.
No entanto, por outro lado, Heine parece partir de pressupostos análogos
àqueles de Nietzsche. Também ele é da opinião que ó cristianismo está agora
moribundo:
Desde o momento em que uma religião pede ajuda à filosofia, o seu fim é
inevitável. Ela procura defender-se, mas com todas as suas tagarelices aftm
da sempre mais na sua ruína. Como todo absolutismo, a religião não deve ser
justificada [... ]. Ape1ias a religião publica um catecismo arrazoado, apenas o
absolutismo político publica um diário oficial - no fim, ambos são vizinhos. 103
Somos imediatamente levados a pensar no diagnóstico de O nascimento
da tragédia sobre a doença que ameaça o cristianismo enquanto "religião
emdita". Mas, em Heine, para provocar o mal, ou melhor, a morte, intervém
outro fator, talvez ainda mais relevante. Isto está esclarecido numa carta a
Heinrich Laube de l O de julho de 1 83 3 :
A religião espiritualista que dominou até agora era benéfica e necessária, até
que a maior parte da humanidade vivesse na miséria e devesse consolar-se
com a religião celeste. Mas desde que, graças aos progressos da indústria e
da economia, tomou-se possível arrancar os homens da sua miséria material
e fazê-los felizes na terra, desde então . . O senhor me compreende. E as
.
m Wagner, 1 9 1 O a, p. 4 1 .
124 Wagner, 1 9 10 f, p. 1 2 1 .
que toma possível a "separação e divisão da massa caótica" em castas. Sur
gem assim as "castas militares" (CV, 3; 1, 775) e "a organização das castas
intelectuais" (VII, 380 e 4 1 3). Enquanto mantém os escravos e as "grandes
massas" com a sua "mordaça de aço" (CV, 3 ; 1, 769 e 772), o Estado, de quem
Apolo é o símbolo, promove a guerra, a qual, além da educação dos guerreiros,
provê também o recrutamento dos próprios escravos: "para o Estado, a guerra
é uma necessidade, do mesmo modo que para a sociedade é necessária a
escravidão" (CV, 3; 1, 774). Não obstante a sua "horrível origem", está bem
claro que o Estado constitui "talvez o objeto mais alto e mais venerável para a
massa cega e egoísta" (CV, 3; 1, 771).
A história da grecidade é a história da sua luta contra o dionisíaco bárbaro:
"Nunca a grecidade correra um perigo maior que o do aproximar-se tempestu
oso do novo deus" (DW, 1 ; 1, 556). Foi Apolo, com "a sua potência de amansar
Dionísio que vinha da conquista da Á sia"; "foi o povo apolíneo a cativar com a
beleza aquele instinto extremamente poderoso" (DW, 1 ; 1, 556 e 55 8). Por
outro lado, essa vitória não é conseguida de uma vez para sempre:
De fato, posso explicar o Estado dórico e a arte dórica apenas como um
contínuo campo de batalha do apolíneo: só numa contínua oposição à natu
reza titânico-bárbara do dionisíaco podiam ter longa duração uma arte tão
teimosamente desdenhosa, circundada de baluartes, uma educação tão guer
reira e áspera, um Estado tão cruel e desapiedado (GT, 4; 1, 4 1 ).
O reconhecimento tributado à "visão dionisíaca do mundo" não deve fazer
perder de vista aquele tributado à "visão dórica do mundo", além de ao "Estado
dórico" e à "arte dórica" (GT. 4; 1, 4 1 -2). A luta não é só de longa duração, mas,
até certo ponto, deixa de ser vitoriosa: "O mundo helênico de Apolo é pouco a
pouco interiormente dominado pelas forças dionisíacas. O cristianismo já estava
pronto" (VII, 137).
Portanto, o dionisíaco não subjugado por Apolo e pela grecidade autêntica é a
barbárie asiática e oriental. Com o Oriente, Nietzsche participa da representação
comum pela qual ele é sinônimo de um panteísmo no plano religioso e de um
organicismo no plano político, que não deixam espaço para a objetividade emergir.
Para dizer com Hegel, "dissipam a diferença e a determinação", enquanto tem
lugar "a imersão na falta de consciência, a unidade com Brahma, a aniquilação": se
pense no ''Nirvana budista".125 Na medida em que comporta "a dissolução do
momento da autoconsciência na essência" e no qual a individualidade singular e
toda realidade "éjogada nesse abismo do aniquilamento", também o panteísmo de
11
Spinoza é expressão de uma "visão oriental", 126 ou seja, de uma "representação
oriental". 127
Aos olhos de Nietzsche, o cristianismo já remete ao Oriente, pois, ao afir
mar a ideia de igualdade entre os homens, mesmo que seja declinando-a em
termos religiosos, cancela as diferenças e absolutiza o elemento dionisíaco:
"com o movimento cristão-oriental, a antiga religião dionisíaca inundou o mun
do, e todo o trabalho da grecidade pareceu vão" (VII, 1 1 8). O doentio "desen
volvimento do dionisíaco" desemboca na "mística absoluta" (VII, 1 54), no total
abandono a uma "devoradora meditação estática" (ekstatische Brüte) (GT,
2 1 ; 1, 1 3 3-4) . Uma vez absolutizado, o elemento "estático" (e dionisíaco) age
ruinosamente, ao fazer desaparecer num todo indistinto a individualidade, o
principium individuationis, as diferenças e as hierarquias que são as únicas
que tornam possível o Estado e a civilização autêntica.
Mas então, por que o jovem Nietzsche insiste nos limites de um apolíneo não
fecundado pelo dionisíaco? Noutras palavras, quais são os elementos positivos
introduzidos na cultura e na civilização enquanto tal por um dionisíaco que foi
depurado pela sua carga bárbara dissolvente? Temos nos detido amplamente
num aspecto. Trata-se de refutar de uma vez para sempre o otimismo, cujas
consequências desastrosas se manifestam no incessante ciclo revolucionário: a
visão unilateralmente apolínea da antiguidade grega não é outra coisa senão o
otimismo vazio e superficial que os hodiernos intérpretes projetam sobre o passa
do, com o resultado de privar a modernidade de alternativas. Separado de Dionísio
e do fundo trágico da existência, Apolo se toma a bandeira do "iluminismo" e das
"convicções políticas iluministas": é um deus "invadido de luzes" (aufgekltirt), o
protótipo do indivíduo "apolíneo, sereno e sensato, mas um pouco imoral" (BA, 3 ;
1 , 70 1 -2), com o qual tende a identificar-se o homem moderno.
Mas não é tudo . Nesses anos, Nietzsche espera apaixonadamente uma
recuperação alemã da grecidade autêntica. Portanto, tem em vista uma
sociedade que seja capaz de unidade e o seja, sobretudo, em ocasiões de
momentos cruciais como aquele que viu a Prússia e a Alemanha enfrenta
rem a potência militarmente hegemônica da Europa continental, o país da
"civilização" e da subversão moderna. O dionisíaco responde também a
essa exigência. É o momento da unidade cordial, ou melhor, da "comunida
de superior" que já conhecemos . É graças a ela que a Grécia consegue
fazer frente ao formidável ataque da Pérsia; sem ela, nenhuma sociedade
estaria em condições nem de legitimar o recurso permanente à escravidão
128
ln Janz, 1981, vol. 1, p. 470.
tragédia as "nobres aspirações a uma civilização verdadeiramente artística".
Com isso, está confirmada e avalizada a leitura em perspectiva eminentemente
estética? Na realidade, a "nova civilização" é pensada por Rohde em
contraposição à "civilização podre" do presente e ao seu "inferno de potências
destrutivas". 129 A invocação de uma nova civilização artística é, em primeiro
lugar, um projeto político, que implica a luta sem quartel contra certas institui
ções e certas relações políticas e sociais e a edificação de outros bem diversos,
a liquidação de uma ideologia e visão do mundo e a elaboração e difusão de
outra bem diferente. Não é por acaso que, ao escrever a Nietzsche, o amigo
Romundt se lamenta por viver numa "sociedade moderna da civilização, sem
religião, arte e metafisica" (B, II, 2, p. 454).
Certamente - observa por sua vez Nietzsche - é preciso assumir "o artis
ta como mestre'', mas só porque ele pode esclarecer algo de fundamental que
vai muito além da arte; "A grecidade é a única forma em que se pode viver o
horrendo sob a máscara do belo" (VII, 80). Se o otimismo moderno estimula a
revolta dos escravos e o triunfo da barbárie, o pessimismo cristão é a fuga do
mundo. A arte-religião grega revela, ao contrário, a sua solitária grandeza pelo
fato de promover a "felicidade da existência" apesar do pessimismo (VII, 8 1 ),
apesar da clara consciência da carga de sofrimento e de dor (a escravidão e o
esgotamento da massa), que está no fundamento da civilização. Só a arte toma
possível na Grécia "a exaltação da vontade" e, por isso, a aceitação da "reali
dade cruel" da civilização, que "edifica os seus arcos triunfais sobre a escravi
dão e sobre a destruição" (VII, 140). Por outro lado, o renascimento da arte
autêntica é uma condição preliminar da regeneração da Alemanha e do
relançamento da sua "missão" na luta contra a civilização e a modernidade.
Que o tema da arte não tenha um significado meramente estético e menos
ainda possa servir para mergulliar O nascimento da tragédia num banho de
pureza, segundo o costume de não poucos intérpretes, é ulteriormente confirma
do pelo fato de que a referência de Nietzsche à arte vai facilmente além de uma
referência à sociologia da arte, como surge da análise e das perguntas acerca das
forças sociais que inspiram ou consagram o sucesso de Eurípides e, à distância
de dois milênios, do melodrama latino. E essa sociologia da arte acaba, por sua
vez, configurando-se como uma sociologia dos "partidos" políticos que continuam
a se confrontar também no terreno ideológico, cultural e artístico, bem como se
confrontavam há mais de dois milênios, no tempo de Sócrates e Eurípides.
Compreende-se então por que o Prefácio afirma que não há "oposição
entre comoção patriótica e vontade estética" (GT, Prefácio; 1, 24), e um texto
130 Heine, 1969-78, vol. III, p. 416; sobre isto, cf. Losurdo, 1997 a, cap. VI, 3. (p. 271).
Em todo caso, se impõe uma "nova consideração da civilização" (VII,
3 3 1 ) ; não é mais adiável a prestação de contas com o presente e com as ame
aças que pairam sobre o futuro.
77
A palavra de ordem com que nos deparamos ao analisar a correspondên
cia, os trabalhos preparatórios e os fragmentos contemporâneos da obra que
marca a estreia filosófica de Nietzsche - "Luta contra a civilização" (VII. 385)
- dá o que pensar. Não se trata de um tema isolado; a carta a Gersdorff de 7 de
novembro de 1 8 70 sublinha: "Para o período que está diante de nós, a civiliza
ção precisa de gente que lute: devemos conservar-nos sãos para esse fim" (B,
II, 1, p. 1 5 6). Alguns meses ames, no momento em que estourou a guerra
franco-prussiana, uma carta dera expressão à angústia diante da sorte da "nos
sa civilização gasta": poderia até tratar-se do "começo do fim !" (B, II, 1 , p.
1 30). É uma angústia ligada também ao desenvolvimento do conflito social. Um
fragmento, que se refere à preparação de uma das conferências da Basileia,
sublinha a necessidade de elaborar "propostas (contra o socialismo)" (VII, 298);
algum tempo depois, um "rascunho das Considerações inatuais" elenca entre
os títulos programados, ou a se levar eventualmente em consideração, também
"a crise social" (VII, 699) .
As preocupações por essa crise desempenham um papel importante já
em O nascimento da tragédia. Nas conferências do mesmo período de Basileia,
o chamado à luta é repetido e agudo, e a ambição de ganhar a juventude para o
conflito que se prepara é explícita e declarada. É até um reconhecimento do
terreno com uma avaliação das diversas formações e das forças em campo. O
inimigo é localizado naqueles que se identificam sem problemas com o presen
te, considerando óbvia e pacífica a sua aceitação e a própria existência de
filisteus satisfeitos: são os "'óbvios '". Na vertente oposta vemos a "solidão" e
o desespero dos que, considerando agora inútil qualquer tentativa de resistência
e de oposição, não percebem mais a "necessidade de combater". Entre uns e
outros se erguem "os combatentes (die Kampfenden), isto é, aqueles que são
ricos de esperança" (BA, Introdução; 1, 646).
Estes últimos têm como pontos de referência, de um lado, aquele "sublime
combatente" que é Wagner (GT, Prefácio), do outro lado, Schopenhauer, que
pouco depois será incluído, na terceira Inatual dedicada a ele, entre os "bons e
corajosos combatentes ", empenhados em opor-se à parábola catastrófica do
otimismo e da modernidade (SE, 3; 1, 359). Os combatentes que já tomaram
posição, entre os quais Nietzsche pretende claramente colocar-se, têm a tarefa
de atrair e unir a si, numa frente comum de luta, aqueles que até àquele mo
mento se deixaram dominar por um sentido de impotência:
Deixai-vos encontrar, ó isolados, em cuja existência creio! Vós, desinteressa
dos, que carregais as dores pela corrupção do espírito alemão [. . . ]. Eu me
dirijo a vós. Pelo menos por esta vez não vos escondais na caverna do vosso
isolamento e da vossa desconfiança (CV, 2, 1, 763).
A situação que se criou impõe uma decisão. Todos são colocados "diante
da encruzilhada" (BA, 4; 1, 728). De um lado, temos os "bárbaros do século
x1x", que, como veremos, podem contar com uma terrível força de choque.
Nem por isso aqueles que mais sofrem por causa da "nossa atual barbárie"
(CV, 2; 1, 763) devem abandonar-se ao desânimo e à deserção do "campo de
batalha". É necessário estar à altura da situação:
Nada queremos para nós; não devemos nos preocupar em saber quantos indiví
duos cairão nessa luta, nem devemos pensar em nós mesmos cairmos entre os
primeiros. É exatamente porque levamos a coisa a sério que não devemos levar
tão a sério a nossa individualidade: no instante em que caímos, um outro sem
dúvida pegará a bandeira, em cujas insígnias cremos (BA, 3; 1, 695-96).
Reprováveis não são apenas o "desânimo" e a "fuga na solidão". É preciso
também evitar a atitude de quem está pronto até ao sacrifício extremo, mas,
como num gesto estetizante, que não se põe o problema de incidir concretamente
sobre a realidade. Apesar de tudo, a situação não é, de modo algum, desespera
da; pode-se muito bem ter "confiança". O domínio da cultura moderna na escola
e na sociedade de modo algum é estável, ou melhor, "a época de tudo isso aca
bou, os seus dias estão contados"; bastará dar início à luta e esta suscitará imedi
atamente um "eco" em "mil almas corajosas" (BA, 2; 1, 673). Da mobilização
que se impõe, Nietzsche pretende ser o arauto destinado a tornar-se substancial
mente supérfluo graças exatamente ao sucesso da sua ação: "Se vós mesmos
forneceis vossas armas, apresentai-vos no campo de batalha, quem terá vontade
de olhar para trás, para o arauto que vos chamou?" (BA, Prefácio; 1, 650).
O chamado à mobilização dirigido àqueles que pretendem opor-se e rechaçar
os bárbaros da modernidade caracteriza já um terreno potencialmente favorável
para iniciar a batalha. O nascimento da tragédia lamenta aquela espécie de
abdicação ou de traição que se verificaram "naqueles círculos cuja dignidade
poderia consistir em extrair incansavelmente da fonte grega, nos círculos dos que
ensinam nos institutos superiores de cultura" (GT, 20; 1, 1 30). É uma questão de
importância central para o futuro da Alemanha e da civilização corno tal. Para
citar ainda a carta de Gersdorff: "De vez em quando porei a nu as instituições
escolásticas" (B, II, 1 , pp . 1 55-6). Segundo o testemunho de Cosirna Wagner, as
conversas a três com Nietzsche versavam, além do terna já visto da autêntica
"essência alemã", também sobre "reforma das escolas", que tal essência era
chamada a salvar e regenerar.131 Por outro lado, ao tomar a defesa de O nasci
mento da tragédia contra Wilamowitz, Richard Wagner sublinha a contribuição
m Treitschke, 1878, p. 6.
se encontraria numa situação não desprovida de vantagens . Não lhe faltaria
"nem coroa nem recompensa". Mas, sobretudo, ganharia uma sensação de
segurança e de força irresistíveis :
Tanto atrás como diante dele terá outros tantos companheiros de ideias e,
quando o chefe de fila lançar a palavra de ordem, ela ecoará por toda a fila.
Aqui o primeiro dever:_diz: "combater arregimentados" (in Reih ' und Glied),
o segundo: tratar como inimigos todos aqueles que não quiserem deixar-se
arregimentar (SE, 6; 1, 402).
Mais grave é a ameaça a enfrentar pelo fato de ela assumir uma dimen
são que vai muito além da Alemanha. Conhecemos o grito de alarme contra a
Internacional lançado por Nietzsche por ocasião da Comuna de Paris. Dois
anos depois, o estado de espírito não mudou, como revela uma carta a Rohde
de l O de outubro de 1 873 . Aí se denuncia uma "sinistra maquinação" da "Inter
nacional'', que agora se prepara para pôr as mãos sobre tipografias e sobre
editoras alemãs. Tudo está tomando dimensões "gigantescas": diante da enor
midade do perigo, "até por carta, para tal propósito só é consentido sussurrar,
não falar com clareza" (B, II, 3, pp. 1 67-8).
Desde o início, Nietzsche se coloca no terreno da luta contra o movimento
socialista, no qual, a seus olhos, culmina a ameaça que pesa sobre a civilização:
como opor-se a essa terrível máquina de guerra, que não hesita em intimidar e
até em "aniquilar" não só os seus inimigos, mas também todos os que quiserem
permanecer neutros e no entanto vacilam? Não menos combativo e não menos
decidido dos antagonistas é o jovem professor de filologia, o qual chama, por
sua vez, a "aniquilar" a obra impregnada de ideias e sentimentos revolucionári
os. Estamos, pois, na presença de uma luta sem limitação de golpes. Com que
plataforma teórica ela pode ser vitoriosamente enfrentada pelos inimigos da
civilização, da modernidade e da subversão?
P
ara confirmar o papel central que a denúncia do ciclo revolucionário fran
cês desempenha em O nascimento da tragédia e nos textos e fragmentos
coevos, convém proceder a uma comparação entre as categorias teóricas aqui
utilizadas e aquelas que podemos ler na cultura europeia empenhada na conde
nação ou na crítica da Revolução Francesa.
Segundo Nietzsche, a Hélade trágica nos coloca na presença de um povo
que sabe olhar a realidade: "Os gregos são ingênuos como a natureza quando
falam dos escravos"; reconhecem neles e na condição deles um pressuposto
ineludível da civilização (VII, 1 3 8). Aqui, ingenuidade designa a "harmonia",
melhor, aquela "unidade do homem com a natureza, contemplada com tanta
. nostalgia pelos homens modernos" e que pode ser definida, na esteira de Schiller,
com o "termo técnico 'ingênuo"' (GT, 3 ; 1, 37). É a ausência do artificio e a
rejeição de esquemas abstratos, que falsificam e violentam o real: "Os escra
vos existem onde quer que exista uma civilização. Acho horrível sacrificar a
civilização por amor de um esquema. Em que os homens são iguais? Em que
são livres?" (VII, 1 3 8). E, de novo, dessa louca mistificação se busca refúgio
na Hélade: "S implicidade daquilo que é grego: a voz da natureza permanece
incorrupta diante das mulheres e dos escravos" ou do "inimigo vencido" (VII,
1 27). Dizer natureza significa também dizer instinto: "A escravidão é algo ins
tintivo no mundo helênico" (VII, 46).
No fundamento desse discurso surgem duas dicotomias fundamentais
estreitamente interligadas : à natureza se contrapõe o artificio, assim como
ao sadio instinto se contrapõe um intelectualismo turvo; se o instinto na sua
simplicidade e ingenuidade segue a natureza, ao artificio e ao esquema abs
trato recorre uma razão que é, na realidade, sinônimo de contorções cere
brais. Estas duas dicotomias estão amplamente difundidas na cultura e na
publicística europeias empenhadas em criticar a Revolução Francesa. Em
polêmica contra a palavra de ordem da égalité que surgiu dela, Haller ce
lebra a lei natural da desigualdade e do domínio dos poucos sobre muitos,
fundada na "ordem divina, eterna, imutável" (ewige, unabãnderliche
Ordnung Gottes) . 1 40
Mas convém apresentar o que Burke diz. Talvez este autor não seja total
mente desconhecido de Nietzsche, pois na Alemanha goza logo de um sucesso
extraordinário, particularmente no âmbito da cultura romântica.141 É preciso
não perder de vista outros fios possíveis: o grande antagonista da Revolução
Francesa desempenha, obviamente, um papel central na História da reação
de Stirner. 142 E, sobretudo, Emerson se exprime sobre ele com muito entusias
mo . 143 Pois bem, podemos ler em Burke que o ideal da égalité, a reivindicação
"abstrata" da igualdade jurídica viola "a ordem natural das coisas", a "ordem
social natural", ou melhor, é manchada pela "mais abominável das usurpações",
aquela que se toma culpada de espezinhar as "prerrogativas da natureza", ou
seja, o método da natureza".144 Gentz é ainda mais drástico: na sua tradução,
"the method of nature" se toma o "divino método da natureza" (gõttliche
Methodik der Natur). 145 Esta última expressão lembra imediatamente uma
expressão análoga de Nietzsche, a "sagrada ordem da natureza" (hei/ige
Naturodnung), segundo a qual os homens, na sua imensa maioria, "nasceram
para servir, para obedecer" (BA; 3, 1, 698).
Sem perder de vista a primeira, passemos agora à segunda dicotomia. O
"instinto" sadio . é chamado por Nietzsche a dar testemunho acerca do caráter
vão e ilusório da égalité e dos direitos do homem, acerca da inevitabilidade da
escravidão. Infelizmente, "o iluminismo despreza o instinto" (VII, 1 04). Mas o
"instinto" do qual se fala aqui faz imediatamente pensar no sábio "preconceito'',
celebrado por Burke em contraposição ao racionalismo revolucionário abstrato:
Nós, ingleses, somos, geralmente, homens ligados aos sentimentos mais
naturais (untaught fee/ings), homens que, ao contrário de se desfazer de
todos os velhos preconceitos, preferem cultivá-los. [ ... ] A simplicidade do
nosso caráter nacional condicionou o nosso modo de ser, que é inteiramente
fruto daquela simplicidade natural.146
As características exemplares postas por Nietzsche em evidência no mundo
grego em contraposição à modernidade ("simplicidade" e capacidade de escu-
140
Hegel, 1969-79, vol. VII, p. 403 (Grundlinien der Phi/osophie desRechts, § 258 A, nota).
141 Cf. Losurdo, 1 997 a, cap. V, 4 e Losurdo, 2001, cap. XV, 2.
142
Stirner, 1 967, vol. 1, pp. 135 s. e 169 s. e passim.
143 Cf. Parrington, 1 969, vol. II, p. 491.
144
Burke, 1 826, vol. V, pp. 104 e 79 ( Burke, 1 963, pp. 210 e 193).
=
147 Burke, 1826, vol. V, pp. 168 e 174-6 ( Burke, 1963, pp. 257 e 262-3).
=
148
Burke, 1 826, vol. V, pp. 168-9 ( Burke, 1963, pp. 257-8).
=
149 Burke, 1 826, vol. VII, pp. 13-14; sobre isto cf. Losurdo, 1996, cap. III, 4.
15º Burke, 1 826, vol. V, p. 83 (cf. Burke, 1963, p. 195) e Gentz, 1 967, p. 73.
vez, denuncia a "atividade missionária de Sócrates", o qual acha "a sua erística
improdutiva" exatamente com "a seriedade e a dignidade de uma missão divi
na" (ST; 1, 5 4 1 ) .
Segundo Burke, o que leva a fazer calar "o sentimento comum do natural"
(the commonfeeling ofnature) é o "fanatismo", ou melhor, o "fanatismo selva
gem" (direfanaticism) da consciência revolucionária151 que, na França de 1 789,
já se alastra na agitação anabatista de dois séculos antes. Uma linha de continui
dade, dentro do princípio de um exaltado espírito missionário, leva das guerras
religiosas às lutas desencadeadas pelos protagonistas de 1 789 e, com maior ra
zão, pelo jacobinismo.152 Também esses temas estão bem presentes em Nietzsche,
que rotula Sócrates como um "fanático da consciência" (VII, 4 1 ), um "fanático
da dialética" (VII, 22), ou seja, um "dialético fanático" (VII, 1 7).
Uma clara linha de continuidade, de Burke a Nietzsche, caracteriza o diag
nóstico da doença, mas o seu surgimento conhece agora uma drástica retrodatação.
As origens da cruzada contra o "preconceito", ou seja, contra o "instinto" são
pesquisadas e investigadas já em terra grega, mais de dois milênios antes da
difusão do iluminismo propriamente dito. "Eurípides é o poeta do racionalismo
(Rationalismus) socrático (ST; 1, 540), e tanto o filósofo como o poeta são um e
outro expressões de um "intelectualismo temerário" (verwegene Verstéindigkeit)
(ST; 1, 537-8) e de uma "dúvida filosófica das luzes" (zweife/hafte Aujk/arung)
(GT, 13; 1, 88). Ambos se posicionam como "agitadores do povo" (VolksveljUher),
como bem compreendem os "sequazes do 'bom tempo antigo "', os defensores,
em última análise, do Antigo Regime (GT, 13; 1, 88). É apartir dessa agitação que
se cria uma "massa influenciada pelas luzes" (aufgeklarte Masse), uma "cama
da burguesa média" (bürgerlicher Mittelstand) e uma "mediocridade burgue
sa" (bürgerliche Mittelmaj3igkeit), sobre os quais Eurípides pode fundar "as
suas esperanças políticas" (ST; 1, 535; SGT; 1, 605 ) .
Não há dúvida. Já em terra grega se manifesta o fanatismo das luzes, pelo
qual são afetados o "ímpio Eurípides" e os "Lucianos zombadores da antiguida
de" (GT, 1 0; 1, 74). Significativamente, a referência crítica ataca um autor defini
do e celebrado por Engels como "o Voltaire da antiguidade clássica".153 O fana
tismo da lógica chega ao seu ápice em Sócrates. A pretensão insana segundo a
qual "tudo deve ser consciente para ser ético" (VII, 4 1 ) comporta não só o ani
quilamento da tragédia (VII, 22), mas também o advento da "democracia", a qual
"vence enquanto racionalismo e enquanto combate contra o instinto" (VII, 46).
1 5 1 Burke, 1 826, vol. V, pp. 278 e 279 nota (= Burke, 1963, pp. 334 e 335 nota).
152
Cf. Losurdo, 1996, cap. III, 4.
1 53 Marx-Engels, 1955, vol. XXII, p. 45 1.
Platão é continuador de Sócrates. Ele
travava uma luta mortal contra todas as relações estatais existentes e era um
revolucionário do tipo mais radical. A exigência de formar os conceitos jus
tos de tudo parece inócua; mas o filósofo que crê tê-los encontrado trata
todos os outros homens como ignorantes e imorais, e todas as suas institui
ções como tolices e obstáculos ao verdadeiro pensar. O homem dos concei
tos justos querjulgaie dominar; acreditar possuir a verdade foma fanáticos.
Essa filosofia partia do desprezo da realidade e dos homens; ela revela bas
tante depressa uma tendência tirânica (KGA, II, 4, p. 155).
Como na cultura liberal e conservadora do tempo, também em Nietzsche a
critica das ideologias revolucionárias abstratas acompanha a denúncia dos inte
lectuais que as incarnam: "Do meu Estado ideal expulsarei os chamados 'intelec
tuais' (Gebildeten), como Platão queria expulsar os poetas" (VII, 1 64). São os
anos em que Treitschke exprime a esperança de "que o terror desta guerra leve
embora, como uma chuva purificadora, o calor sufocante brumoso do moderno
intelectualismo" ( Üb erbildung), da pseudocultura iluminista e revolucionária.154
Aliás, é o próprio Bismarck que, a partir da denúncia do movimento niilista, previ
ne contra os efeitos ruinosos, tanto na Rússia como na Alemanha, da Überbildung,
de um intelectualismo abstrato e intrinsecamente subversivo.155
Alvo da polêmica tanto de Nietzsche e de Treitschke como de Bismarck, é,
em última análise, a figura do intelectual sem raízes e engagé, que, exatamente
naqueles anos, começa a adquirir na França uma consistente evidência sociológica
e política; só que o primeiro acha que pode situarjá em Sócrates o ponto de partida
e o modelo de tal figura. Já em terra grega surgiu o intelectual "iluminista e dissolvente
(Aujkléirer und Aujloser) da natureza e do instinto" e, ao mesmo tempo, animado
por "paixão política" (VII, 85), o "homem teórico" empenhado não só em "comba
ter a sabedoria e a arte dionisíacas" e em "dissolver o mito'', mas também em
produzir "uma correção do mundo por meio do saber" (GT, 17; 1, 1 1 5).
1 54 ln Fenske, 1 977, p. 426; sobre isto cf. Losurdo, 1997 a, cap. XIII, 12 .
1 55 Bismarck, s. d., vol. III, p. 50.
.2.1
As consequências de tal atitude são desastrosas. Burke exprime todo o seu "hor
ror" por aqueles revolucionários ou reformadores impetuosos, os quais não hesi
taram em "cortar em pedaços o corpo do seu velho genitor para pô-lo no caldei
rão do feiticeiro na esperança de que ervas venenosas e encantamentos estra
nhos possam devolver-lhe saúde e vigor".156 Com uma imagem diferente, mas
de significado análogo, se exprime Nietzsche, sempre partindo daquele proto
iluminsta que, aos seus olhos, é S.ócrates: "Quem é esse que ousa sozinho negar
a essência (Wesen) grega", dissolvendo a "estupefata admiração" que ela mere
ce? "Que força demoníaca é essa, que pode atrever-se a derrubar no pó um tal
filtro encantado? Que semideus é esse, para o qual o coro dos espíritos dos mais
nobres entre os homens deve gritar: 'Ai! ai! tu destruíste o belo mundo, com pulso
poderoso; ele cai, ele desaba! "' (GT, 13; 1, 90).
Mais ainda que a Burke, somos remetidos a Taine, também ele empenha
do em sublinhar as consequências desastrosas da cruzada iluminista contra o
"preconceito" com uma linguagem que faz pensar mais uma vez na linguagem
de Nietzsche: eis que "o encanto está quebrado" e com ele dissipa-se o prestí
gio e a solidariedade de uma ordem político-social, de um mundo inteiro.157 É o
início de uma ferida que não consegue mais cicatrizar.
A denúncia da hybris da razão, a qual leva a julgar que a sociedade seja
manipulável à vontade, está largamente difundidá nos intelectuais ocupados na
crítica da revolução. O livro de um membro da emigração contra-revolucioná
ria francesa tem um título explícito: De l 'usage et de l 'abus de l 'esprit
philosophique au dix-huitieme siecle . [Do uso e do abuso do espírito filo
sófico no Século XVJl/}158 Em terra alemã, Adam Müller polemiza contra a
louca pretensão dos filósofos de transformar o Estado num objeto dos "seus
experimentos", 1 59 com o olhar mais propriamente voltado para o jacobinismo e
para o proto-socialismo; Tocqueville põe as ruinosas expérimentalions do ci
clo revolucionário francês na conta da louca pretensão, iluminista e racionalista,
de poder descobrir e impor um "remédio [político] contra esse mal hereditário e
incurável da pobreza e do trabalho".160
Para voltar à proximidade imediata de Nietzsche, vemos Rohde indicar a
Comuna de Paris como a saída final da "ilusória representação de poder medir
todos os abismos com a corrente da lógica", da "ética puramente lógica", do
92
otimismo teórico e prático.1 61 A consciência criticista dos limites da razão se
configura agora como o único antídoto possível para a loucura revolucionária.
É mérito da grande filosofia e cultura alemã tê-lo preparado: "De fato, no nosso
povo, aquela presumida onipotência do conhecimento lógico foi vitoriosamente
rechaçada com o criticismo kantiano no seu âmbito de força que está limitado
ao fenômeno" . 1 62
Quem se exprime assim é o resenhista de O nascimento da tragédia, o
qual extrai esse argumento da obra resenhada. Esta chama respeitosamente a
atenção contra "a desgraça que cochila no seio da cultura teórica"; é preciso,
de uma vez para sempre, "esconjurar o perigo" inerente à pretensão iluminista
e racionalista de poder penetrar completamente o real. Felizmente, "grandes
criaturas, com dons universais, souberam utilizar com incrível perspicácia o
aparato da própria ciência para mostrar os limites e a natureza condicionada do
conhecimento enquanto tal e para negar de modo tão decisivo a pretensão da
ciência a uma validade universal e a objetivos universais". Sim, "a enorme
coragem e sabedoria de Kant e Schopenhauer conseguiram obter a vitória
mais difícil, a vitória sobre o otimismo que se esconde na essência da lógica, a
qual é, afinal, o substrato da nossa cultura" (GT, 1 8; 1, 1 1 7-8).
Vale a pena notar que esse reconheCimento ocorre no mesmo parágrafo
que denuncia o horror da Comuna de Paris e o perigo iminente da "classe
bárbara dos escravos" em revolta. Isto é, toma-se de decisiva importância
pol ítica adquirir, na esteira de Kant e Schopenhauer, a consciência do absurdo
da crença "na cognoscibilidade e atingibilidade de todos os enigmas do mundo"
(GT, 1 8; 1, 1 1 8). A hybris da razão é o pressuposto da engenharia social revo
lucionária: o "intelecto unilateral", próprio do racionalismo socrático, alimenta
"uma vontade monstruosa" (ungeheuer) (ST; 1, 541).
Deparamo-nos aqui com um tema central de O nascimento da tragédia
e dos textos que o prepararam: "Pela sua excessiva (übermãj3ig) sabedoria,
que resolveu o enigma da Esfinge, Édipo teve de precipitar-se num irresistível
turbilhão de atrocidades" (GT, 4; 1, 40). Mas um significado análogo tem tam
bém o recurso ao mito de Prometeu, como esclarece particularmente um escri
to do mesmo período: "Com Prometeu, é mostrado à grecidade um exemplo de
como um excessivo (übergroj3) avanço no conhecimento humano atua de modo
igualmente ruinoso para quem promove tal avanço e para quem usufrui dele"
(DW, 2; 1, 5 65). E de novo somos reconduzidos à publicística envolvida na
crítica da revolução; para dizer com Gentz, o tradutor de Burke na Alemanha,
178
Weisse, 1 832, pp. 42-3.
cas ' as potências que desviam o olhar do devir, voltando-o para o que dá à
existência o caráter do eterno e do imutável, à arte e à religião" (HL, 1 O; 1,
330). Seja como for, os dois temas tendem a fundir-se num só: "A minha reli
gião, se posso ainda definir assim a minha atitude, reside no trabalho para a
produção do gênio" (VIII, 46). Como se vê, delineia-se uma virada: A luta
contra a hybris da razão é conduzida, sobretudo, em nome da arte. Para dizer
com Rohde, o "altíssimo ato de consciência científica", a que se elevaram Kant
e Schopenhauer, abre o espaço para "as niais nobres aspirações a uma civiliza
ção verdadeiramente artística". 179
Por outro lado, como para os grandes críticos da revolução, também para o
jovem Nietzsche a ciência que se desenvolve unilateralmente e sem controle é
sinônimo de destruição e de morte. O antídoto é representado por uma "sabedoria"
superior, que respeite os instintos e seja amiga da verdade, que agora coincide com
a arte. "O socratismo despreza o instinto e por isso nega a arte. Ele nega a sabedo
ria exatamente lá onde se encontra a sua esfera mais peculiar"; pelo fato de desco
nhecer a "sabedoria instintiva", a "sabedoria inconsciente", o mundo de Sócrates é
"um mundo absurdo e invertido" (ST; 1, 542). Mas "a arte é mais poderosa que o
conhecimento, pois quer a vida, enquanto o conhecimento alcança como seu fim
último somente o aniquilamento" (Vernichtung) (CV, 1 ; 1, 760).
1 03
direito à violência, se limita a reivindicar para "o homem forte e de gênio [ . . . ] a
liberdade de indicar o caminho" para a massa. 194
Estamos, pois, em presença de um motivo que conhece notável sorte a nível
europeu. Se este "elitismo cultural" - como foi definido195 - começa a partir
sobretudo da segunda metade do século XIX, tem pelo menos um século de histó
ria. Já na segunda metade do século xvm, antes ainda do estouro da Revolução
Francesa, em reação à luta c9ntra o privilégio feudal auspiciada pelos ambientes
reformadores e às vezes promovida pelo absolutismo monárquico, tinha surgido
no âmbito do primeiro conservadorismo alemão a celebração do "gênio", humi
lhado pelo "despotismo" dos "medíocres" e pelo prevalecimento, no mundo mo
derno, de regras "gerais" e niveladoras. 196 Em termos análogos, Rivarol censu
rara ao absolutismo monárquico uma obra de achatamento que humilhara a aris
tocracia e colocara "as obras do gênio" ao "alcance do populacho".197 A partir
do estouro da Revolução Francesa, esta fora considerada como culpada por des
prezar o "gênio" e faltar com "respeito pelas grandes personalidades". 198
Poder-se-ia dizer que a elaboração e a difusão do elitismo cultural são contem
porâneas à crise do Antigo regime e ao desenvolvimento do processo de "massificação"
moderna. Agora se compreende porque Marx se compromete a combater tal tema.
A ideologia alemã parte de Stirner. Este, em polêmica contra as reivindicações
niveladoras agitadas pela massa e pelo movimento socialista, à intercambiabilidade
dos trabalhos e dos indivíduos comuns contrapõe a incomparabilidade e a unicidade
de um pintor como Rafael. 199 Contra a pretensão de estabelecer uma espécie de
barreira naturalista intransponível entre os homens, o teÀto de Marx e Engels chama
a atenção para as condições sociais e materiais que tomam possível o surgimento
dessas personalidades eÀtraordinárias da arte e da cultura: "A concentração exclusi
va do talento artístico em alguns indivíduos e o seu sufocamento na grande massa, que
está ligado a ela, é consequência da divisão do trabalho". 200
Já em Smith, Marx pudera ler:
A diferença entre os talentos naturais dos homens é de fato muito menor do que
se pensa, e, em muitos casos, as inclinações muito diversas que parecem distin
guir na idade madura os homens de diversas profissões são mais efeito do que
Nessa luta contra a corrente, um modelo pode ser constituído pela "verda
deira república platônica", cuja essência é "a organização do Estado dos gênios"
(VII, 379) Não há dúvida, pelo menos um mérito é preciso reconhecer a Platão.
.
No vértice do "Estado perfeito" por ele sonhado colocou o gênio, mesmo se não
tivesse em mente esta categoria no seu significado geral, excluindo dela, por
influência destruidora do ')uízo socrático sobre a arte'', os "artistas geniais". No
entanto, esta "lacuna exterior e quase casual" não prejudica o mérito de ter visto
a "ligação entre Estado e gênio'', de ter compreendido que "a verdadeira finalida
de do Estado" reside na geração e preparação do gênio, em comparação com o
qual todo o resto é apenas um instrumento (CV, 3; 1, 776-7).
No Estado aqui tomado como modelo desempenha um papel essencial "o
gênio militar", que deve ser "reconhecido por nós como o fundador original dos
Estados" (CV, 3 ; 1, 775). É preciso não se deixar enganar "por aquele fictício
esplendor com o qual os modernos envolveram a origem e o significado do
Estado". O seu dever único, e decisivo, é tornar possível e defender uma "con
figuração da sociedade" que gire em torno da "contínua e dolorosa procriação
daqueles privi legiados homens da cultura, em cujo serviço deve esgotar-se
(verzehren) todo o resto" (CV, 3 ; 1, 769). A organização da sociedade, a civili
zação enquanto tal, a criação artística "apoia-se numa base terrível'', num "lado
horrendo, digno de um animal feroz" (CV, 3 ; 1, 767).
As insensatas palavras de ordem modernas, como "dignidade do homem" e
"dignidade do trabalho", mistificam a realidade e dão partida ao carro da civilização.
Que sentido tem falar de "dignidade" para o "trabalho devorante" (verzehrende
Arheit) ao qual está condenada a massa, e que sentido tem falar de "dignidade do
homem" para "todos os milhões de homens", cuja condição é caracterizada por
uma "terrível miséria" (farchtbare Noth) e pela "necessidade de encontrar um
traball10" (Arbeitsnolh), por "devorante" que seja, de modo a poder sobreviver?
Apesar de s�ias frases altissonantes, também o mundo moderno "se comporta de
modo totalmente escravista" (CV, 3; I, 764). Na tentativa de fugir da morte por
inanição e "continuar a tcxlo custo a vegetar'', a maioria dos homens aceita sujeitar
se a um trabalho e a uma condição em última análise servil (VII, 336-37).
Esta construção poderosa não é isenta de elementos de fragilidade. As classes
dominantes pcxleriam retroceder horroriz.adas diante da vista da enorme carga de dor,
da "crueldade que descobrimos na essência de toda civilização". Em tal caso "o uivo
da compaixão" e "o impulso para a justiça e para uma igual distribuição da dor"
fariam "desabar os muros da civilização". A educação guerreira ajuda a superar estes
elementos de fraqueza, enquanto uma forte organização militar impede a "sublevação
da massa oprimida" (CV, 3; 1, 768). Portanto, por motivação mais de política interna
do que internacional, a guerra e a "classe militar" fornecem "o arquétipo do Estado":
são elas que tomam possível "uma 'sociedade guerreira', semelhante a uma pirâmide
apoiada sobre uma vastíssima base de escravos" (CV, 3; I, 775).
Junto com a "categoria militar", são chamados a desempenhar funções de
disciplinammto da sociedade também um "�ago para ajustiça do espírito" e ''verda
deiras autoridades eh instrução", que gozam de amplíssimos poderes (VII, 385). Estas
fonnulações de Nietzsche às vezes foram lidas como a teorização de wna "ditadura
pedagógica".:n> Esta categoria, porém, é enganosa. Ela pode resultar adequada na pre
sença de uma elite que considere o seu domínio como algo provisório, destinado a tomar
se supérfluo depois que as massas conseguiram elevar-se ao seu nível. Mas aqui estamos
na presença de uma perspectiva totalmente diferente, que parte do pressuposto do caráter
irrecuperável da diferença. A ditadura do gênio está destinada a durar eternamente e a
fàz.er com que ninguém possa "nunca perturbar a organização de casta e a série hierárqui
ca das classes" (WL; 1, 882), impondo para esse fim um controle social férreo, que age
seja através do instituto da escravidão, seja através eh guerra. Neste sentido, é "Apolo o
verdadeiro deus que consagra e purifica o Estado". Ele, "como se diz no início da Ilíada,
atira a flecha contra os burros e os cães. E logo depois golpeia os próprios homens, e por
toda parte se espalham as fogueiras dos cadáveres" (CV, 3; I, 774).
É o "Estado dórico", o "Estado tão cruel e sem piedade'', que já conhecemos, e
em cujo fundamento está a "visão dórica do mw1do". E essa visão deve agora ser
retomada e reatualizada pelaAlemanha: "os grandes gêníos" hão de ser considerados
"como guias e condutores (Führer und Wegweiser) - genuínos e fiéis - do verdadei
ro espírito alemão" (BA, 4; 1, 723). A autêntica civilização chamada a impor-se sobre
as ruínas da civilização deve ser caracterizada pela "hannonia preestabelecida entre
aquele que guia e aqueles que são guiados (Führer und Gefahrtem) (BA, 5; 1, 752).
Mesmo difimdido a nível europeu e ocidental, o elitismo cultural se caracteriza na
Alemanha pelos tons marcadamente cesaristas que tende a assumir.
ili!
(VII, 1 02); "para os hebreus do Antigo Testamento a ameaça mais terrível não
são as penas eternas, mas a destruição completa"; "o pior dos males é o não
ser" (VII, 140- 1 ) . Em conclusão, temos a ver com uma religião que, olhando só
o "bem-estar sobre a terra" (VII, 1 1 9), alimentou e alimenta a ruinosa busca da
felicidade. Ao fazer do mundo terreno o lugar de realização de esperanças
exaltadas, o judaísmo exprime o mesmo otimismo que se manifesta nos movi
mentos e nas desordens da revolução. Uma conclusão se impõe: defender a
civilização da destruição que a ameaça significa também "atacar a desprezível
frase hebraica, a qual fala do céu sobre a terra" (VII, 1 2 1).
A denúncia do otimismo judeu está amplamente difundida na cultura europeia
do tempo. Pense-se, por exemplo, em Kierkegaard, o qual exprime também todo
o desprezo pelo "otimismo judaico", caracterizado pela "gana de viver em grau
máximo, com a qual nunca se viu alguém tão agarrado à vida". 208 Por outro lado,
tal tema está bem presente, mas desta vez com um juízo de valor positivo, igual
mente no Strauss que depois se tornará o alvo da crítica feroz de Nietzsche. No
final do século XIX, o encontramos ainda numa personalidade de primeira cate
goria do judaísmo francês, a qual descobre no "eudaimonismo" o mérito de fundo
da ''filosofia do judeu", estimulado assim na busca de uma vida não aflita por
desgraça e injustiça, porém "doce" e rica também de "prazeres materiais".209
Mas, para compreender o modo de se comportar do autor de O nasci
mento da tragédia, é necessário obviamente ter presente, em primeiro lugar, a
influência exercida sobre ele por Schopenhauer e Wagner. No primeiro, é cons
tante a condenação do 'judaísmo otimista" (e da "sua variante, o islã").21 º Já
com o seu "otimismo'', Spinoza demonstra ser judeu: sim, "os judeus são mais
serenos do que as outras nações".21 1 A polêmica de Schopenhauer se dirige
sobretudo contra o Antigo Testamento, caracterizado por uma concepção ba
nalmente otimista da vida, como resulta já da ideia de um Deus criador do nada
de um mundo que, dada a sua origem, não pode não ter um valor fundamental
mente positivo e, portanto, se presta a ser o lugar da realização da aspiração à
felicidade.212 O segundo não tem dúvida sobre o fato de que os "otimistas
rasos por antonomásia" são os "filhos de Abraão, cheios de belas esperan
ças". 213 De modo análogo se exprimem os interlocutores daquele que é agora
l!l
professor de filologia clássica em Basileia: numa carta dirigida a ele, Malwida
von Meysenbug denuncia o "otimismo colossal" dos franceses, que "de modo
algum é inferior ao dos judeus" (B, II, 4, p. 2 1 9).
Ignorando a dimensão trágica da existência, os seguidores do "otimismo"
abandonam-se a uma "serenidade" vazia e superficial. Antes ainda da publica
ção de O nascimento da tragédia, Wagner declara que os discursos relativos
à presumida "serenidade grega" são expressão da tendência, bem presente na
música e na cultura judaica, a transformar a Hélade numa "sinagoga neo
helênica"214 (talvez seja uma alusão, em particular, a Heine: O judaísmo na
música terminava com um ataque dirigido a ele) .215 Portanto, ao judaísmo con
duz não só o otimismo em geral, mas também a leitura em chave banalmente
otimista e serena da grecidade clássica. Estamos na presença de um texto
(Sobre dirigir) que deve ter influenciado notavelmente Nietzsche. Numa car
ta a Gersdorff, de março de 1 870, ele anuncia a publicação deste "pequeno
escrito" que, pela sua importância, é aproximado ao ensaio de Schopenhauer
Sobre a.filosofia nas universidades (B, II, 1 , p. 1 05), um ensaio que, não por
acaso, ao pronunciar a sua dura acusação contra o otimismo, o coloca na conta
da persistente influência do ')udaísmo". 21 6
Na verdade, não tem um sentido único a relação entre mestre e discípulo,
ou seja, entre musicista e filólogo-filósofo. Este observa, num apontamento do
inverno de 1 869-70, que a visão da Hélade cara a Winckelmann não significa
apenas o temível "achatamento" de um mundo bem mais profundo e trágico do
seu superficial intérprete. Tampouco se trata apenas de um erro de perspecti
va, sobre o qual, aliás, não se pode passar: "Tinha-se na frente a imagem da
grecidade romana e universalista, ou seja, o alexandrinismo". Tudo isso é verdade,
mas no triunfo moderno dessa visão há muito mais: "a beleza e a rasura aliadas,
deveras necessariamente. Teoria escandalosa! Judia! " (VII, 8 1 ).
Tal como a denúncia do "otimismo", assim a denúncia da "serenidade",
pseudogrega e na realidade moderna, encontra unido o partido da visão trágica
do mundo. Numa carta marcada por venenosos temas antijudaicos, Cosima
zomba da presumida "serenidade grega" e daqueles que pretendem estar
"tranquilos" e "serenos à maneira grega" (griechisch heiteren). Está em ques
tão um joalheiro que, com seu aspecto, já de longe evoca a "Judeia" e que se
distingue pela sua "natureza nada problemática": para ele "tudo é harmônico"
(B, II, 2, pp. 1 5 9-60). Gersdorff, por sua vez, ao dar livre desabafo a seu des-
2 1 4 Wagner, 1910 g, p. 3 1 7.
215
Wagner, 19 10 b, pp. 84-5.
m Schopenhauer, 1 976-82 e, vol. IV, p. 236.
1ll
prezo pelo "homem da serenidade" (Heiterkeitsmensch}, faz a ligação dessa
figura não só com a rasura da "época presente", mas também com o judaísmo
que, pelo que parece, celebra os seus triunfos em Berlim (B, II, 2, p. 46 1).
Otimismo, serenidade, judaísmo e civilização moderna tendem a constituir
um conjunto unitário e repugnante. É um ponto sobre o qual Wagner insiste;
mas de modo análogo pensam e sentem os seus discípulos, entre os quais nesse
momento, se coloca Nietzsche, que desempenha também um papel de primeiro
plano no âmbito da escola. É ele quem converte Gersdorff ao amor ou ao culto
do Mestre, e no decorrer dessa obra de conversão, não só o convida a ler os
textos teóricos do musicista, mas também claramente o previne a respeito da
polêmica em andamento com os ambientes judeus. Numa carta presumivelmente
do início de março de 1 870, Gersdorffagradece a ele por ter-lhe "calorosamen
te recomendado" a leitura de Ópera e drama. Depois acrescenta: "Até este
momento, sobre o Teu Amigo, escutei apenas as fofocas e os insultos da im
prensa judaizada (verjüde/t) [ . . ] O judaísmo na música me abriu completa
.
mente os olhos" (B, II, 2, pp. 1 63-4). A resposta de Nietzsche não se faz espe
rar: é bom que a amizade esteja agora consolidada por uma admiração comum
a uma personalidade tão grande, mas ao mesmo tempo tão hostilizada; "não é
fácil e precisa de uma sólida coragem viril para não se deixar transtornar pelos
gritos terríveis" do "partido contrário", entre cujas fileiras se distinguem - su
blinha a carta - os "nossos 'judeus '". Sim, são aqueles que, colocados à frente
da "maior parte dos homens da nossa época moderna" (Jetztzeit), repelem
com horror, junto com a "ascese e negação da vontade" schopenhaueriana, "a
incrível seriedade e a profundidade alemã na visão da vida e do mundo de
Wagner, que jorra de cada nota" (B, II, 1 , p. 1 05).
A obra de persuasão se torna plenamente eficaz. Gersdorff, que nesse
meio tempo, graças à mediação do amigo, pôde assistir a uma representação
do musicista e entrou em relação direta com ele, faz questão de sublinhar isso
numa carta de 4 de abril de 1 870, sempre dirigida a Nietzsche. Declara ter
compreendido plenamente a "indignidade (Nichtswürdigkeit) do judaísmo".
Diante da luta da ''vulgaridade contra o gênio", é preciso saber assumir uma
posição clara e inequívoca, sem se deixar impressionar pela desordenada "rai
va do judaísmo" (B, II, 2, pp. 1 88 e 1 92).
Vimos Nietzsche denunciar o "partido contrário" ao da visão trágica do
mundo. Aos olhos dos amigos, ele parece ser o líder do partido que se reúne em
tomo de Wagner, empenhando-se em defendê-lo também na polêmica suscita
da pela sua declaração de guerra contra a presença poluidora do ')udaísmo -
sim - na música" - como soa o título de seu pamph/et -, mas também, mais
em geral, na cultura e na vida político-social no seu conjunto. Quando Nietzsche
ill.
informa a Rohde sobre sua aspiração a ocupar a cátedra de filosofia que ficou
disponível em Basileia, o amigo lhe responde encorajando-o: o próprio
Schopenhauer "teria sorrido" com a ascensão de um discípulo seu, que "anun
ciará a verdade ao mundo e repelirá da sua sinagoga os judeus e aqueles que
são mal circuncidados no espírito" (B, II, 2, p. 332).
Não há mais dúvida: neste momento, não é só Wagner a ter a opinião
segundo a qual "a nossa inteira civilização é uma mistura bárbaro-judaica".217
Também no jovem Nietzsche, que celebra o musicista como "o grande irmão
espiritual" de Schopenhauer (B, II, 1 , p. 8), a condenação da civilização e da
modernidade é, ao mesmo tempo, a denúncia do caráter raso e vulgar do juda
ísmo. Pelo menos na correspondência e nos cadernos de apontamentos que
preparam O nascimento da tragédia. E no texto entregue para impressão?
ill.
1, 54 1 ); mas Cosima lhe dá a recomendação "materna" de não atiçar de modo
prematuro "o ninho de vespas" ( Wespennest) representado pelos ambientes e
pelo poder judaicos (B, II, 2, p. 1 40). Motivo de preocupação é sobretudo a
conclusão: ela questiona diretamente, sem ulteriores explicações e, portanto,
com uma certa falta de jeito, a "imprensa judaica", que, alguns anos depois,
será um dos pontos centrais da polêmica sobre o antissemitismo.218 Nietzsche
se apressa a substituir o adjetivo; agora, na nova versão, é a "imprensa hodierna"
que representa o "socratismo". Esta modificação é tanto mais cômoda porque,
aos olhos dos amigos de Tribschen, não mudou substancialmente nada: devia
ser universalmente sabido, segundo Wagner, que "todos os jornais da Europa
estão quase exclusivamente nas mãos dos judeus"219 e que o ''jornalismo ju
deu" é uma potência bastante inquietante.22º Esta é a opinião também de
Nietzsche : um apontamento do início de 1 874 confirma que os judeus "agora na
Alemanha possuem a maior parte do dinheiro e da imprensa" (VII, 766).
Mas não é só neste ponto que o jovem professor de Basileia aceita o
autorizado conselho de Cosima. Ao relatar ao amigo Deussen acerca da sua
conferência, ele observa:
Em parte ela provocou ódio e raiva. O choque é inevitável. Sobre a questão
principal já aprendi a deixar de lado qualquer cuidado: compassivos e con
descendentes em relação ao indivíduo, devemos ser rígidos como a antiga
virtude romana ao exprimir a nossa visão do mundo (B, II, 1 , pp. 98-9).
Portanto, em Tribschen têm razão: certos temas estão carregados de ma
terial explosivo; ambientes bem precisos estão à espreita. Isso não significa
que se deva recuar covardemente. Se for o caso, pode ser oportuna uma certa
cautela verbal. É o que esclarece uma carta de alguns dias antes enviada ao
amigo Rohde. Depois de ter relatado a conferência, Nietzsche acrescenta:
Graças a ela estreitou-se ainda mais a ligação com os meus amigos de
Tribschen. Para eles sou esperança a caminho. O próprio Richard Wagner
me fez perceber do modo mais comovente qual missão (Bestimmug) ele vê
prefigurada em mim. Tudo isto é fonte de grande angústia. Sabes como
Ritschl se exprimiu a meu respeito. Mas não quero deixar-me tentar: não
tenho absolutamente qualquer ambição literária e não tenho necessidade
alguma de seguir modelos dominantes, porque não aspiro a posições bri-
ll1
eia germânica, aquele socratismo aparece como um mundo totalmente absur
do" (ST, 1, 541 ). A dicotomia germanismo-judaísmo coincide com a dicotomia
germanismo-socratismo. E não poderia ser diferente: socratismo é sinônimo de
judaísmo, como demonstra o final, depois modificado, que identifica e rotula na
"imprensa judaica" o porta-voz do "socratismo dos nossos dias".
A oposição germanismo-socratismo atravessa em profundidade O nasci
mento da tragédia: "Do fundo dionisíaco do espírito alemão saiu uma força
que não tem nada em comum com as condições postas a fundamento
( Urbedingungen) da cultura socrática" (GT, 1 9; 1, 1 27). Certamente, não se
fala de judaísmo, mas o socratismo, ao qual se faz referência de modo explícito,
não tem mais nada a ver com o judaísmo? Seria muito surpreendente: nesse
caso, o texto efetivamente publicado resultaria em total contradição com os
cadernos de apontamentos. Aqui encontramos formulada a tese segundo a qual
o "socratismo da nossa época" não é só uma força hostil à arte em sentido
genérico, mas é também "sem simpatia pelo futuro da arte germânica"; ele
"não tem o sentido da pátria, mas apenas do Estado" (VII, 1 3). Uma diferença
abissal o separa dos gregos autênticos, caracterizados pelos "mais naturais
instintos de pátria" (Heimatsinstincte) (GT, 2 1 ; 1, 1 3 2). Isto é, os judeus podem
até respeitar as leis do país em que vivem, mas são, de qualquer modo, estra
nhos à nação; não é por acaso que constituem um povo sem pátria, heimatslos,
por excelência !
Conhecemos o papel decisivo atribuído por O nascimento da tragédia
a Sócrates na destruição da tragédia. Mas um apontamento preparatório do
inverno de 1 869-70 diz "aniquilamento da civilização grega por obra do mun
do judeu" (VII, 83). A morte da Hélade trágica se torna responsabilidade do
judaísmo ou do socratismo? O problema não existe, os dois termos são
indissolúveis.
Tem-se até a impressão de que o que liga ao mundo judaico o filósofo
coveiro da grecidade autêntica seja uma afinidade não apenas eletiva. Estamos
na presença de uma figura que salta aos olhos não só pela sua visão intrinseca
mente anti-helênica do mundo, mas também pela sua "feiura externa
bizarramente atraente" (ST; 1, p. 541). Não se trata de uma particularidade
negligenciável . "É significativo que Sócrates fosse o primeiro grande grego a
ser feio" (ST; 1, 545). Somos levados a pensar nos "feios focinhos judeus", os
quais, quando estudante universitário, Nietzsche queria evitar ver. Por outro
lado, ainda no verão de 1 877, Rohde, numa carta endereçada ao amigo então
professor em Basileia, exprime o seu desgosto pela "horrível cara semita" que
caracteriza em geral esses judeus "de pernas tortas" (B, II, 6, 1 , p. 595-6). Por
trás está, obviamente, Wagner, segundo o qual as "fisionomias" judaicas em
geral não causam "uma boa impressão";221 em todo caso, já por seu "aspecto
exterior", o judeu se revela "desagradavelmente alheio com relação à naciona
lidade" alemã e europeia. 222 Aos olhos de Nietzsche, não menos "desagrada
velmente alheio" com respeito aos gregos é Sócrates, com "os seus olhos sali
entes, os seus lábios inchados, o seu ventre caído" (ST; 1, p. 544). Mais tarde,
o filósofo grego será explicitamente rotulado como judeu. E Nietzsche chegará
a essa conclusão denunciando em Sócrates uma "feiura" tisica, indício de "um
desenvolvimento híbrido (gekreuzten), impedido pelo cruzamento" (Kreuzung)
(infra, cap . 1 5 § 2 e cap. 1 9 § 1). Agora, porém, nesses anos juvenis, se tem a
clara impressão de estar diante de uma figura estranha em todo nível com
respeito à Hélade autêntica.
Que o socratismo continue a remeter ao judaísmo é, aliás, confirmado
pelas reações, à primeira vista bastante singulares, de Nietzsche e do seu cír
culo de amigos, às polêmicas suscitadas por O nascimento da tragédia. O
primeiro deles define o autor da crítica feroz, Wilamowitz, como um "rapazola
acometido de arrogância judaica" (B, II, 3, p. 3 0). Até aqui nos encontramos na
presença de um estereótipo banal e genérico.223 Mais interessante é o juízo
formulado sobre Ritschl. Como é sabido, Ritschl se declara "alexandrino" de
mais para poder aderir às teses de seu discípulo ou ex-discípulo (B, II, 2, p.
54 1 ); este, poucos meses depois, se lamenta com o amigo Rohde porque o
Mestre ou ex-Mestre lhe mandou um "ensaio judeu-romano" (B, II, 3, p. 1 8 1 ).
Talvez nesta definição haja ainda uma referência malévola à origem judaica da
mulher de Ritschl, que Nietzsche já mencionara alguns anos antes (KGA, 1, 4,
p. 5 1 9). O mais interessante, porém, não é o aspecto pessoal .
Vej amos a tomada de posição de Rohde. Numa carta de 5 de junho de
1 972, ele vê a capital do Reich, onde está ocorrendo um impetuoso desenvolvi
mento capitalista, com destacada participação das finanças judaicas, e de onde
Wilamowitz lançou o seu ataque contra O nascimento da tragédia (e a visão
trágica da vida), como uma cidade caracterizada pela "mais repelente opulên
cia judia" (widerwiirtigste Judenüppigkeit) (B, II, 4, p. I I ). Presente já, como
vimos, no Nietzsche estudante universitário e largamente difundido nas publi
cações do tempo, este tema judiófobo ou antissemita se torna agora estreita
mente interligado com a crítica da modernidade. 224 Como aparece com clareza
de duas sucessivas cartas de Rohde:
ili.
Diante desta Berlim sinto uma verdadeira repugnância; é como se todos os
elementos mais horríveis da civilização hodierna estivessem aqui unidos
num grande tumor para permitir que o mundo compreenda em que realmente
consiste esta civilização.
Imagine-se o vagar sem regra da fantasia artística, não freado por nenhum mito
pátrio; imaginemos uma cultura que não tenha nenhuma sede originária fixa e
sagrada, mas que seja condenada a exaurir todas as possibilidades e a nutrir
se afanosamente de todas as culturas (GT, 23; 1, pp. 145-46).
225 Wagner, 1 9 1 0 b, p, 7 1 .
226 Wagner, 1 9 1 0 b, p, 85.
227 Wagner, 1 9 1 0 t>, p. 77.
errante não consegue reconhecer como pátria própria nenhum dos países em
que se estabelece, acabando por agir como elemento de dissolução de todas as
tradições culturais com que entra em contato; e por isto é que ele encarna o
"demônio implacável da negação".228 Neste sentido, o judaísmo ou o socratismo,
segundo a linguagem de O nascimento da tragédia, é sinônimo do iluminismo
destruidor do mito. Então irrompe "o homem abstrato (não mais guiado por
mitos), a educação abstrata, o costume abstrato, o direito abstrato, o Estado
abstrato" (GT, 23; 1, 1 45).
Wagner não se cansa de insistir na "fria indiferença", 229 na "incapacidade
interior de vida" do judeu. 230 Desprovido de uma língua materna real, irremedi
avelmente estrangeiro na terra e no povo em que vive, ele é "quase incapaz de
exprimir artisticamente os seus sentimentos e as suas visões",231 no máximo
pode tomar-se "pensador", jamais autêntico "poeta".232 Somos reconduzidos
ao O nascimento da tragédia: Sócrates é um "homem teórico" e um declara
do "adversário da arte trágica" (GT, 1 7 e 13; 1, 1 1 5 e 89); enquanto poeta do
socratismo estético", Eurípides se comporta como "o primeiro poeta 'sóbrio'
(nüchtern)", comprometido em "condenar os poetas 'judeus"' (GT, 1 2; 1, 87).
É a Nüchternheit já denunciada por Wagner, o qual desenvolve ulterior
mente a sua requisitória acrescentando uma nova acusação. Esta mesma situ
ação objetiva impede o judeu de ser artista autêntico, favorece o seu desenvol
vimento intelectual unilateral:
O verdadeiro poeta, seja qual for o gênero artístico em que se ponha a fazer
poesia, recebe os seus estímulos sempre e só a partir da visão fiel e amorosa
da vida espontânea (uwillkürlich), da vida que se lhe manifesta apenas no
povo. Mas onde o judeu culto encontra este povo?"233
ili
com hostilidade e toma suspeitos as normas e os modelos de vida seguidos "só
por instinto" (GT, 13; 1, 89). A arte é assim condenada pelo "socratismo estéti
co", cuja "lei suprema soa mais ou menos assim: 'Tudo deve ser acessível ao
intelecto (verstandig) para ser belo'" (GT, 12; 1, 85). Mas isto, segundo Wagner,
é exatamente o modo de se comportar do judaísmo: a limitada "capacidade de
percepção musical do judeu culto" permite que ele aprecie "só aquilo que lhe
parece acessível ao intelecto'; (verstandlich); fica impedida a ele a dimensão
mais profundamente "popular (volkstümlich) e artística".235
Separada do povo e dos seus sentimentos mais profundos, reduzida ao exer
cício intelectualista, nos judeus não só a arte, mas a cultura enquanto tal, "a cultu
ra apreendida e paga pode valer apenas como luxo". Por outro lado - insiste
sempre Wagner - o peso exercido pelo judaísmo fez com que "as nossas artes
modernas e a própria música" se tenham reduzido a artigos ou exibições de
"luxo".236 No Prefácio a Richard Wagner, O nascimento da tragédia declara
que não se espera, certamente, compreensão e simpatia da parte daqueles que
não estão "em condição de ver na arte mais que um acessório agradável, um
tinido de guizos diante da 'seriedade da existência'" (GT; Prefácio, 1, p. 24).
Junto com o intelectualismo, e enlaçada com ele, para caracterizar os
judeus e selar a sua frigidez estética - prossegue Wagner - está a visão vulgar
e mercantil da vida: "O olho deles sempre se ocupou com coisas muito mais
práticas" do que com a arte.237 Mas tampouco o socratismo tem razão, aos
olhos de Nietzsche, de contrapor negativamente a arte trágica não só ao "inte
lecto", mas também ao "útil" (GT, 14; 1, 92). Empenhado em "defender os seus
atos com razões e contra-razões", na tragédia euripideana o herói parece tor
nar-se infeliz só por causa de "erros de cálculo"; agora já não surge a "como
ção", mas um involuntário efeito "cômico", e a vida é assim nivelada pela "co
média nova com o seu contínuo triunfo da manha e da astúcia" (ST; 1, 54 7). Até
nos seus melhores expoentes, a música judaica - declara por sua vez Wagner
- não consegue "produzir em nós o efeito profundo que agarra coração e alma";
e não poderia ser diferente, dada a sua intrínseca "característica da frieza, da
indiferença até à trivialidade e o ridículo".238
Irremediavelmente marcados pelo seu intelectualismo, privados de uma
relação orgânica com a língua, a cultura, os sofrimentos e as alegrias, o destino
do país em que vivem, obrigados a se exprimir numa "língua de macaquice'', os
235 Wagner, 1 9 1 0 b, p. 7 1 .
236 Wagner, 1 9 1 0 b, p. 74.
237 Wagner, 1 9 1 0 b, pp. 72-3.
238 Wagner, 1 9 1 0 b, p. 79
.
judeus podem produzir apenas uma música imitativa, à semelhança dos "papa
gaios". A estas "aves estúpidas" - como Wagner as define239 - O nascimento
da tragédia parece contrapor "a ave dionisíaca", que indica ao povo alemão o
caminho de volta para si e da reconquista da tragédia e da visão trágica da vida
(GT, 23 ; 1, 149).
Como é sabido, o alvo privilegiado da polêmica de Wagner, mais do que
Mendelssohn, é Meyerbeer. Referência explícita a ele faz a segunda conferência
Sobre o futuro das nossas escolas: considera-o expressão daquele "agregado
cosmopolita" (profundamente influenciado pela "civilização francesa,
antigermânica no seu íntimo" e com uma forte presença também na "imprensa"),
do qual o país saído triunfalmente da guerra é chamado a livrar-se de uma vez
para sempre (BA, 2 ; 1, 690). Em O nascimento da tragédia, ao contrário,
Meyerbeer não é explicitamente citado. No entanto, o compositor alemão de
origem judaica, ou seja, o discípulo de Rossini, que recorre a um libretista italiano,
é contagiado, segundo a opinião de Heine, pela alegria e pela "sensualidade itali
ana"240 e celebra o seu triunfo na Paris saída da revolução de Julho; em suma,
Meyerbeer está claramente envolvido na condenação da "ópera" latina, otimista
e intrinsecamente subversiva, sentenciada pelo O nascimento da tragédia.
Para entender, voltemos à acusação de Wagner: "O judeu fala, sim, a
língua da nação no seio da qual vive de geração em geração, mas a fala sempre
como estrangeira"; já clara em relação ao "discurso", a sua incapacidade artís
tica se revela de modo desastroso no "canto", esta espécie de "discurso excita
do de extrema paixão".241 E agora leiamos Nietzsche: estão irremediavelmen
te excluídos da compreensão da tragédia todos os que "não falam a música
como língua materna"; ao mito trágico podem ter acesso "só aqueles que, apa
rentados com a música de maneira imediata, encontram nela por assim dizer o
seu seio matemo e estão em ligação com as coisas quase só em virtude de
relações musicais inconscientes" (unbewusst) (GT, 2 1 ; 1, 1 35). Não é este o
caso dos musicistas judeus, os quais - vimos em Wagner - não têm e não
podem ter uma relação "espontânea'', "inconsciente'', orgânica com o povo
com o qual vivem. Desprovidos de comunhão autêntica com o "objeto'',242
estão interessados só no "como", na forma exterior, não já no conteúdo, não já
em ·'algo determinado, necessário e real".243 No entanto, não se produz arte e
1 24
4. A Alemanha dionisíaca e os ''pérfidos anões "
125
valer "a ambição e a rompetição da educação" se reronhece (VII, p. 394). Por outro
lado, se os "pérfidos anões" se referissem apenas à Igreja Católica, não se compreen
deria a ênfase do apelo à Alemanha, a toda a Alemanha, a libertar-se de uma presen
ça estrangeira que ameaça a cultura do povo alemão enquanto tal.
Aliás, o cristianismo no seu conjunto se apresenta nesses anos aos olhos
de Nietzsche muito mais profundo e mais metafisico (no sentido positivo que
agora o termo tem) da modernidade filisteia e vulgar, que encontra expressão
em Strauss e nos outros autores empenhados em difundir a pretensa visão leiga
e científica da vida. Enfim, levem-se em consideração a desconfiança ou hos
tilidade com que o filósofo olha para a Kulturkampf, que desenvolve uma dura
polêmica contra Roma e os "padres" (infra, cap. 7 § 2).
Se ainda houvesse dúvida sobre o fato de que a alusão maligna de O nasci
mento da tragédia visa os judeus, há um outro trecho que pode afugentá-la defini
tivamente. Uma vez desperta, a Alemanha autêntica "matará os dragões, aniquilará
os pérfidos anãos e despertará Brunilda - nem a lança de Wotan poderá barrar o
seu caminho" (GT, 24; 1, 1 54). É transparente a referência a Alberich, Mime e
Hagen e à raça wagneriana dos anões que, no Anel dos Nibelungos, simboliza o
maléfico espírito mercantil atribuído ao judaísmo. Todos os três pertencem, na
tetralogia de Wagner, a uma "estirpe" (Art) que não é a "estirpe" (Art) de Siegfried,253
o herói intrépido e sem medo que simboliza a Alemanha. Estes "anãos" movidos só
pela "avidez"254 e interessados exclusivamente na riqueza e no poder, apátridas,
sem nenhuma ligação com o "solo da pátria" e com o "seio materno",255 pensam,
agem, devolvem até de modo "pérfido" (tückisch),256 à semelhança dos "pérfidos
(tückisch) anões" visados por O nascimento da tragédia. Além do adjetivo que
acabamos de ver, Wagner recorre a toda uma série de sinônimos. Emerge a figura
' rita"'258 "teimoso e frio"'259
repelente de um "anão falso"'257 "infiel" (treulos)' "hipoc
"manhoso" e "malicioso",260 que apela para a "astúcia tenaz", para enganar e ferir
os seus itúmigos,261 da figura de um "anão feio",262 de um "anão malvado".263
127
dia, 1 e 2). Mas a surdez aos valores estéticos é censurada pelo jovem Nietzsche,
na esteira de Wagner, também ao judaísmo. Se, nos primeiros anos de Basileia,
judaico ou judaizante é Sócrates que, com seu moralismo, profana e destroi o
mundo encantado da tragédia e da arte grega, mais tarde serão os judeus en
quanto tais que representarão o povo moral por excelência (infra, cap. 1 5 § 2).
Noutra ocasião, em vez dos "pérfidos anões'', O nascimento da tragédia
fala de "monstruosas potências vindas de fora" para desnaturar e dominar o
povo e o "espírito alemão'', o qual agora é chamado a "voltar à fonte originária
da sua essência". Neste caso, o elemento estranho do qual libertar-se está
indicado na "civil ização romana" (GT, 1 9; 1, 1 28-9). Não há dúvida, a referên
cia imediata é à França, clamorosamente derrotada pela Alemanha dionisíaca
ou que se prepara para reconquistar a sua essência dionisíaca. Mas é preciso
não perder de vista o fato de que o país do iluminismo, do otimismo e da civili
zação remete para a "Judeia". Isto não vale só para Wagner, que, exatamente
na conclusão da sua polêmica contra o ')udaísmo na música", declara que o
judaísmo é a expressão concentrada da odiosa "civilização moderna". 269
Particularmente significativo é o retrato que, um ano antes de morrer, o musicista
alemão traça de Renan: em virtude do "otimismo" que o permeia, este se reve
la na realidade um judeu; do outro lado, o que o define são "elegância e estrei
teza" próprias dos franceses, uma visão do mundo atenta apenas às comodida
des e às aparências da existência mundana.270 Já vimos a condenação que
Nietzsche faz da '"elegância' francês-judaica", bem como a assimilação, por
obra de Malwida von Meysenbug, de franceses e judeus, por causa do "colos
sal otimismo" comum a ambos . Por outro lado, um indício provisório de O
nascimento da tragédia aproxima de modo explícito o ')udaísmo" da "Fran
ça" (VII, 1 04). Além da civilização, é o otimismo que une os dois termos. Já na
análise de Schopenhauer, ele remete ao país das incessantes agitações revolu
cionárias, todas alimentadas pela louca pretensão de realizar instituições que
garantam a felicidade terrena de todos, dando concretude ao ideal que está no
centro do judaísmo. 271 Em termos análogos, Treitschke condena o "radicalismo
judaico-francês".272 Na cultura empenhada a celebrar a germanicidade em
contraposição a civilização e revolução, franceses e judeus tendem a fazer o
mesmo. Assim também em Nietzsche.
Se eles tivessem algo a ver com o cristianismo, os "pérfidos anões" pode
riam ser sinônimo do cristianismo judaizado, como rotulado por Schopenhauer,
269 Wagner, 191 0 b, p. 85.
21° C. Wagner, 1976-82, vol . II, p. 879.
27 1 Schopenhauer, 1976-82 e, vol. IV, p. 236.
272 Treitschke, 198 1 , vol. IV, p. 486.
ou seja, daquela igreja que mais tarde Wagner definirá como "igrej a latino
semítica". 273 · De qualquer modo, o fato é que, no jovem Nietzsche, é o Evange
lho de João que é valorizado positivamente, aquele no qual o cristianismo tende
a separar-se das origens hebraicas para se aproximar da Grécia.
Se na França está intimamente fundido e agora forma uma coisa só com
a cultura nacional e popular, o judaísmo sinônimo de civilização constitui, feliz
mente, um corpo ainda amplámente estranho na Alemanha. Por isso é somente
daqui que pode partir a desejada regeneração trágica e dionisíaca:
Dever-se-ia dolorosamente desesperar também da nossa essência alemã, se
ela estivesse já inextricavelmente entrelaçada com a sua cultura, ou melhor,
se fosse identificada com ela do mesmo modo como, para nosso horror,
podemos obseivar na França civilizada; e o que por longo tempo foi a grande
vantagem da França e a causa da sua esmagadora hegemonia, exatamente a
unidade entre povo e cultura, poderia obrigar-nos, neste ponto de vista, a
considerar uma sorte o fato de que esta nossa cultura discutível não tenha
nada em comum com o nobre núcleo do caráter do nosso povo.
ili
(BA, 3; 1, 700). E de novo somos reconduzidos a um tema polêmico agora bem
conhecido: apátrida e obrigado a exprimir-se numa língua que é sempre adqui
rida, o judeu é incapaz, segundo Wagner, de verdadeira genialidade e criatividade
artística: não é possível "fazer poesia verdadeira numa língua estrangeira". 277
Junto com a falta de uma língua materna, também o intelectualismo man
tém os judeus irremediavelmente longe da autêntica criação artística e da
genialidade em geral. WagAer é um crítico implacável da "fala dialética judai
ca" e da "dialética", artificiosa, ainda que "elegante", à qual recorrem os inimi
gos judeus do musicista (infra, cap. 6 § 2). Por sua vez, Nietzsche não só
denuncia repetidamente o papel da dialética ("o elemento peculiar do socratismo")
e da "superfetação do elemento lógico" na destruição da tragédia (ST; 1, 545-6;
VII, 1 2-3), mas faz a ligação da dialética com o "socratismo da nossa época" e
com a "imprensa". Sabemos que "a dialética é a imprensa" (VII, 1 3), e a
imprensa lembra o judaísmo. Tampouco se deve esquecer que a dialética é
sinônimo de "otimismo" (GT, 14; 1, 94-5), ou melhor, de "avidez (Gier) de co
nhecimento insaciável e otimista" (GT, 1 5 ; 1, 1 02). Como se não bastassem o
intelectualismo e o otimismo, agora irrompem também a "avidez" e a
"insaciabilidade": mais uma vez somos reconduzidos ao judaísmo ou, mais exa
tamente, aos estereótipos judiófobos.
Podemos agora compreender melhor a análise desenvolvida pelo O nas
cimento da tragédia e pelos apontamentos que a precedem e a preparam. Na
Hélade trágica, o dionisíaco intervinha para evitar que "nessa tendência apolínea
a forma não se enrijecesse em egípcia dureza e frieza" (GT, 9; 1, 70); só assim
a grecidade autêntica conseguia temporizar "a grecidade egitizante" (VII, 46).
Não podemos deixar de pôr esta categoria em relação com as declarações dos
anos seguintes, que falam do "refinado egitismo" dos judeus (M, 72), ou seja,
dos 'judeus corroídos pelo cativeiro egípcio" (X, 242). Por outro lado, Sócrates
e Platão estão afetados pelo "egitismo" pelo fato de que, em última análise, são
judeus (infra, cap. 1 5 § 2). A "grecidade egitizante" é a grecidade judaizante
que triunfa com Sócrates: a dialética e a "superfetação do elemento lógico"
matam a tragédia e a arte.
Há de se ter presente que, no Nietzsche desses anos, os dois autores de
referência são Wagner e Schopenhauer, do qual o primeiro derivou - sublinha
rá mais tarde A gaia ciência - "o ódio pelos judeus" (FW, 99). Dadas essas
premissas, não é surpreendente o fato de que a obra juvenil contraponha nega
tivamente a versão semita do pecado original à versão ariana. Não se trata de
um tema isolado. Quando lemos que "o cortejo dionisíaco" provém "da Índia
278 Schopenhauer, 1976-82 c, vol. IV, p. 236; Schopenhauer, 1976-82 c, pp. 503, 347 e 299;
Schopenhauer, 1976-82 d, p. 638.
279 Schopenhauer, 1976-82 c, vol. V, p. 263.
28º Mommsen, 1965, p. 2 14.
133
te. O Estado grego põe em conexão os fenômenos de decadência do mundo
moderno com a agitação e as manobras de "homens" particulares, estranhos
pelo "seu nascimento" à nação. Inequívoca é a referência aos judeus: em
todo objetivo de gozo material e de acumulação da riqueza, eles olham em
primeiro lugar para a "segurança" e, portanto, aspiram, dentro de qualquer
comunidade particular e a nível internacional, a uma organização política con
forme esse seu ideal e inteiesse supremo . Pretendem então expulsar todo
perigo e a guerra, a fim de construir um mundo à medida da sua natureza
vulgar e mercantil (CV, 3; I, 772-3).
Convém deter-se um instante nesta acusação. São os anos em que o senti
mento de horror pela Comuna forma uma coisa só com a denúncia do
internacionalismo e do ideal da paz perpétua: o governo revolucionário parisiense
tinha decidido e levado a cabo a derrubada da "coluna da vitória na Praça Vendôme,
fundida depois da guerra de 1 809 com canhões capturados por Napoleão e eleva
da a símbolo do chauvinismo e da instigação ao ódio contra os povos".281 Talvez
a isso faça referência O Estado grego quando denuncia as ilusões e a vulgarida
de daqueles que aspiram a "tornar maciçamente inverossímil o sucesso de uma
guerra de agressão e, portanto, a própria guerra" (CV, 3; I, 773).
Por outro lado, já antes de 1 87 1 , a Internacional, nos escritos de Marx, tinha
chamado a lutar pelo advento de "uma nova sociedade cujo princípio internacio
nal será a paz, pelo fato de que em cada nação domina o mesmo princípio, o
trabalho", 282 Nesse espírito foram celebrados toda uma série de congressos. Um
deles se realizou em 1 869, em Basileia, onde Nietzsche tinha chegado há poucos
meses, enquanto outro ocorrera, em 1 867, em Lausanne.283 O eco suscitado por
estas iniciativas deve ter sido notável. Strauss faz referência irônica ao "famoso
Congresso pela paz de Lausanne",284 estando também ele empenhado na polê
mica contra a Comuna, a Internacional e o ideal da paz perpétua. Querer abolir a
guerra não é menos quixotesco que bater-se pela "abolição dos temporais": "Como
nas nuvens se condensará sempre eletricidade, assim, de tempo em tempo, entre
os povos se condensará material bélico".285 É uma afirmação contida num texto
sobre o qual se desencadeará depois a polêmica de Nietzsche. Mas sobre este
ponto, a consonância entre os dois autores é plena. As "terríveis nuvens da guer
ra entre os povos", os "trovões e relâmpagos" - observa O Estado grego - são
1 35
da vida, adquire uma conotação étnico-religiosa e tende assim a tomar as fei
ções do judeu. Sim - insiste Nietzsche - quem quer banir a guerra e a visão
trágica da vida ligada a ela é um círculo de pessoas bem determinado e com
características peculiares:
Não posso deixar de ver como aqueles que propriamente têm medo sejam
aqueles solitários do dinheiro, verdadeiramente internacionais e sem pátria,
os quais, na sua falta113tural do instinto estatal, aprenderam a abusar da
política como instrumento da Bolsa e a explorar o Estado e a sociedade como
aparelhos para o seu enriquecimento (CV, 3 ; 1, 774).
A Internacional "vermelha", da qual Strauss fala, parece configurar-se no
Nietzsche destes anos como a internacional judia, sinônimo de finanças
desenraizadas e apátridas, comprometida em evitar as tensões e os choques en
tre as diversas potências europeias. Que interesse tal "Internacional" podia ter
num conflito, pois ela, por definição, se movia ignorando os limites estatais e
nacionais? É um tema amplamente difundido na cultura do tempo. Com um jogo
de palavras e retomando um tema bastante difundido na cultura e na publicística
do tempo, Wagner tinha observado que o "credor dos reis" acabara conquistando
também o poder político, além do econômico, e, ao se transformar no "rei dos
crentes", suplantando as diversas monarquias nacionais e unificando-as sob um
cetro judeu supranacional, de modo que agora eram os crentes cristãos dos diver
sos países que deviam conseguir a "emancipação dos judeus".290 Um estudioso
autorizado do antissemitismo observou que "os Rothschild faziam de tudo para
evitar carnificinas inúteis" e que "a paz era a grande palavra de ordem da ban
ca". Mas nem todos estavam felizes com esta "paz dos Rothschild ou paxjudai
ca". Certamente não o estava aquele furioso antissemita que responde pelo nome
de Toussenel, o qual advertia assim: ''Não agradeçais o judeu pela paz que vos
dá. Se tivesse interesse em fazer a guerra, ele a faria". 291
Para estas finanças cosmopolitas e ligadas aos centros do poder nos di
versos países - prossegue Nietzsche -, o horror da guerra é funcional para o
tranquilo desenrolar dos próprios negócios. Os judeus veem no Estado um sim
ples "instrumento". Deste modo acabam por se encontrar numa situação de
clara vantagem com respeito aos outros cidadãos, tanto mais embaraçados em
seu comportamento quanto mais longe estão dessa visão inescrupulosa e ins
trumental. O resultado é certo: dadas as premissas, "é totalmente inevitável
que tais homens [os judeus] adquiram uma grande influência sobre o Estado",
137
Talvez, porém, Nietzsche pareça lançar-se ainda além. "A enorme difu
são do otimismo liberal" e dos "pensamentos da Revolução" não é sem cone
xão com a influência e as manobras dos judeus: "os indivíduos mencionados
acima" estão ativamente empenhados em "destruir lentamente os instintos
monárquicos dos povos", de modo a puxar para si "o problema da paz e da
guerra" e o poder político enquanto tal (CV, 3 ; 1, 773-4). Estamos no limiar da
teoria do complô. Talvez seja wn limiar transposto pela versão preparatória do
Estado grego, que denuncia a "utilização" e a "difusão consciente das ideias
revolucionárias" por obra de uma aristocracia financeira que age na sombra
(KGA, III, 5/2, p. 1 068). São os anos em que Wagner acusa o movimento
democrático e revolucionário na Alemanha de "agitadores provenientes de uma
estirpe não alemã",296 enquanto Dühring faz ironia sobre a "estirpe marxista de
social-democratas judaizados"297 e acentua que o próprio Lassalle não supe
rou "os hábitos e inclinações inatos da sua raça".298 O jovem Nietzsche, que
tomou consciência da teoria do complô através de suas leituras sobre a revolu
ção francesa (;nfra, cap. 28, § 2), sente claramente este clima.
ili
mais secreta do homem e que constituía a fonte da sua criatividade, dos seus
sentimentos mais profundos, da sua individualidade, da sua comunhão com os
outros membros do Volk".306
Para corroborar com maior força e maior clareza esta visão, surge um
termo novo, Vo/k<;thum (a "comunidade popular"), cujo significado é esclareci
do por F. L. Jalm (que por primeiro recorre a ele) da seguinte maneira:
O que há de comum 11um povo, a sua essência íntima, o seu sentimento e a sua
vida, a sua força de regeneração, a sua capacidade de reprodução. Por isso em
todos os membros do povo há um comum (volksthümliches) pensamento e
sentimento, amor e ódio, alegria e tristeza, sofrimento e atividade, sacrificio e
prazer, esperança e nostalgia, pressentimento e fé. Desse modo, todo indiví
duo do povo entra numa relação múltipla e multilateral com todos os outros
numa comurudade unida, sem que a sua liberdade e autonomia seja anulada,
mas ao contrário, exatamente assim, é reforçada ulteriormente. 307
Nunca realmente esquecida, a ideologia que preside à luta contra Napoleão
1 ganha nova vitalidade e atualidade à medida que avança o processo de re
construção da unidade nacional alemã. Agora há as condições para fundar o
novo Reich sobre bases realmente volksthümlich. Antes ainda da guerra con
tra Napoleão III, falando da Grécia de Homero, mas com o olhar constante
mente voltado para a Alemanha de Wagner, Nietzsche eleva um hino à "mara
vilhosa capacidade do povo" (Volksseele) de "infundir na forma da personali
dade as condições do costume e da fé" (HKP, p. 255). É neste contexto que é
preciso colocar a produção da arte: "O pensamento de uma poesia popular
(Volksdichtung) tem algo de inebriante; percebe-se o amplo, possante desen
volvimento de um caráter popular (volksthümlich) com um sentido de bem
estar artístico" (HKP, p. 258). Bem diferente e bem mais infeliz é, ao contrário,
a poesia "que não cresceu no terreno dos sentimentos populares (volksthümliche
Empjindungen), mas que remete a um criador não popular (unvolksthümlich)
e viu a luz numa atmosfera não popular (unvolksthümlich), por exemplo, no
estudo de um sábio" (HKP, p. 26 1).
Depois da conclusão triunfal da guerra com a França, Nietzsche exprime
a "esperança de uma cultura nacional ainda por vir", caracterizada pela
"genuinidade e imediatez do sentimento (Empjindung) alemão", pela "unidade
do sentimento popular" ( Volksempjinden), por um robusto e incontaminado
"instinto do povo" (Jnstinct des Volkes) (HL, 4; 1, 277-8). É necessário, e
308 "A social-democracia exige o Estado popular" ( Volksstaat): Stõcker, 1891 a, p. 13.
Neste momento Nietzsche olha para a Grécia corno para um modelo tam
bém de comunidade intimamente unida e fundida. Mesmo caracterizado por
um esplêndido florescimento da arte e da civilização, o Renascimento está,
porém, bem longe de suscitar um sentimento de entusiasmo. Um fragmento de
primavera-verão de 1 875 o condena em termos ásperos, denunciando o seu
"horrível" jeito unvolksthümlich, que é de alheiamento e separação com res
peito ao povo (VIII, 69). O- mérito da arte de Wagner é deixar de lado "a
linguagem da cultura de urna casta" e, por isso, superar "a diferença entre
cultos e incultos". Desse modo, ele se distingue claramente de todos aqueles
que, "no requinte e esterilidade da sua cultura, são decididamente não popula
res" (unvolksthümlich). Deixando para trás aquela "representação do enigma
não popular" (unvolksthümlich) que é o Fausto de Goethe, a arte de Wagner
"põe-se em desacordo com toda a cultura do renascimento, que tinha até agora
envolvido na sua luz e na sua sombra a nós, homens modernos" (WB, 1 0; 1,
502-3). Por isso a arte de Wagner tem importância decisiva, também no plano
político, para a nova Alemanha nascida em Sedan e da derrota do país que,
mais que qualquer outro, representa a decadência e o despedaçamento da civi
lização moderna.
ili
altas" da imitação servil da civilização francesa: o país vencedor toma do ven
cido "as artes e as amabilidades (Artigkeiten) com que a vida é embelezada,
inclusive a inventiva dos mestres de dança e dos tapeceiros" (SE, 6; 1, 39 1 ).
A partir da conclusão da guerra, uma palavra de ordem parece triunfar no país
vencedor: '"devemos aprender com os franceses', mas o quê? 'A elegância! "'. E
assim "a elegância de Renan" é aquela à qual em vão Strauss aspira (VII, 804).
Mas é só um exemplo: "Já foi �ncontrado até o cientista alemão elegante; agora é
de se esperar que tudo isso, que ainda não queria realmente adaptar-se ·àquela lei da
elegância - a música, a tragédia e a filosofia alemãs - já seja posto de lado como
não alemão" (SE, 6; 1, 390-1). "A 'elegância' francês-judaica", denunciada logo
depois da Comuna de Paris, agora faz escola também na Alemanha.
É uma traição contra a qual já prevenira a "alma rude e um pouco severa
de Schopenhauer", o qual alertara "não tanto a ter saudade quanto a detestar a
agilidade e a graça amável dos bons escritores franceses" (SE, 2; 1, 347).
Concluindo, Nietzsche sintetiza assim as sua polêmica: "Sinto que aquela cultu
ra alemã, em cujo futuro se tem fé - a cultura da riqueza, da polidez e da
imitação afétada - é o exato e hostil oposto da cultura alemã em que tenho fé"
(SE, 6; 1, 392). O nascimento da tragédia e os escritos contemporâneos se
preocuparam em sublinhar que os gregos não eram "aqueles homens práticos e
·
falsamente serenos, prosaicos e pedantes como os imagina o douto filisteu dos
nossos dias" (PHG, 1 ; 1, 805). Por desdita, é exatamente por esta estrada que a
nova Alemanha parece ter enveredado. Mesmo em condições novas e carac
terizadas por dificuldades imprevistas, o mito genealógico greco-germânico con
tinua a inspirar poderosamente o filólogo-filósofo.
A distância dos acontecimentos do II Reich não marca uma ruptura com
o mito da superior e trágica "essência alemã'', tanto é que a primeira Inatual
sente a necessidade, com o olhar voltado para as autoridades políticas, de pre
venir contra o perigo constituído por Strauss e pelos ambientes próximos dele.
A tendência representada por eles compromete a autonomia e a sobrevivência
do "espírito alemão" e - acrescenta Nietzsche - "não sei se depois se poderá
fazer algo com o corpo alemão que permanecer!" Já agora, "pode-se ficar
maravilhado" porque aquela tendência "tem impedido tão pouco esses requisi
tos militares necessários para um grande sucesso". Talvez porque essa tendên
cia ')ulgou mais vantajoso para si mostrar-se desta vez serviçal". Destaquei
com itálico uma expressão que visa·claramente lançar uma sombra de suspei
ta. Uma coisa é certa - conclui Nietzsche a esse respeito - se ela for "deixada
crescer e vicejar", a tendência ao praticismo e à remoção da missão cultural da
nova Alemanha acabará se tomando perigosa também no plano da existência
política e da força militar (DS, l ; 1, 160).
1 52
É preciso reagir com decisão. A terceira Inatual cita e subscreve o dito
de Wagner: "O alemão é intratável e desajeitado quando quer fazer-se passar
por rebuscado; mas é sublime e superior a todos quando pega fogo". Segue
depois um comentário igualmente significativo: "Os elegantes têm todos os
motivos para estar em guarda contra este fogo alemão, pois de outro modo um
belo dia poderiam ser devorados por ele, com todos os seus bonecos e simula
cros de cera" (SE, 6; 1, 3 9 1 -2}. Ao contrário da Grécia, da qual deveria mesmo
ter sido o herdeiro, o II Reich não "conduz pela mão" nenhuma Helena, mas a
invocação desta esplêndida figura não é em Nietzsche, pelo menos por enquan
to, a colocação em discussão da potência militar que, bem ou mal, derrotou o
país da revolução; assim como a áspera crítica dos desenvolvimentos políticos
verificados na nova Alemanha não é de modo algum a renúncia, pelo menos
neste momento, da ideia de missão que ela é chamada a encarnar.
155
obra de subversão legitimada pela filosofia de Feuerbach: para ele "toda a histó
ria maravilhosa da Igreja, que tantos séculos encheu de espírito e de vida, era
apenas uma horrível doença, e dado que nenhum homem está em condições de
viver sem fé, o ateu radical é apenas alguém que crê no Estado, no homem
verdadeiro, que deve alcançar a sua perfeição na forma da república".330 Mas é
exatamente nos termos aqui asperamente criticados que se exprime o autor de A
velha e a nova fe, o qual, assumindo neste caso tons bastante radicais, se per
gunta "para que deve posteriormente servir uma associação particular como a
Igreja, ao lado do Estado, da escola, da consciência, da arte, dos quais todos nós
fazemos parte".331 Sim, ao contrário de Feuerbach, Strauss não faz profissão de
fé republicana; mas a desvalorização da dimensão religiosa em proveito daquela
mundana e política não teria aplanado a estrada a republicanos e socialistas?
1 57
eco nos anos que precederam à revolução de 1 848, agora elas se tornam sus
peitas e odiosas aos olhos dos nacional-liberais e do próprio Nietzsche.
Este, quando estudante universitário, deve ter partilhado algo do conteúdo
da carta de junho de 1 866 enviada a ele por Paul Deussen, segundo o qual A vida
de Jesus escrita por Strauss não está em condições de explicar "a aparição mais
enigmática da História" (B, 1, 3, p. 95). E algo o novo professor de filologia
clássica deve ter partilhado da carta que, em setembro de l 872, lhe envia o amigo
Rohde: este estabelece uma comparação entre a Berlim devastada pela civiliza
ção e a "grande prostituta", como era Roma aos olhos dos primeiros cristãos.
Pois, a sua fé, "por louca que pudesse ser", constituía, todavia, "algo de grande e
edificante" (B, II, 4, p. 78). Quer dizer, mesmo representando uma ruinosa deca
dência com respeito à antiguidade greco-romana, mesmo assim o cristianismo
pode ainda constituir um dique, embora pouco firme e provisório, diante dos as
pectos mais repugnantes e mais inquietantes da modernidade.
De qualquer modo, na primeira Inatual, a defesa das razões da religião
não é menos clara do que na costumeira publicidade nacional-liberal . Os "rai
vosos ataques contra o cristianismo" (VII, 595) são repelidos com decisão:
"Strauss, pondo à luz os mitos, iludiu-se em destruir o cristianismo. Mas a es
sência da religião consiste exatamente na liberdade e na força produtora de
mitos" (VII, 587). Não há dúvida, o autor da A velha e a nova fé é surdo às
"forças eternizantes da arte e da religião" (HL, 10; 1, 330). Infelizmente, "es
queceu o lado melhor do cristianismo, ou seja, os grandes eremitas e os santos,
em suma, o seu aspecto genial"; ele "considera o cristianismo, a arte, sempre
do modo mais restrito, trivial, democrático, e depois refuta" (VII, 587-8). Con
cluindo, indiscutivelmente é a condenação da "verdadeira descrença" da qual
Strauss dá prova (VII, 504).
Compreende-se agora o interesse empático e até o entusiasmo que a pri
meira Inatual provoca em certos ambientes religiosos. Com efeito, nenhum
crente teria podido evocar de modo mais angustiado as consequências catas
tróficas do "triste crepúsculo ateu" do materialismo do século XVII à maneira
de Holbach: "O chão parece coberto de cinzas, todos os astros parecem escu
recidos; toda árvore morta, todo campo devastado lhe grita: tudo é estéril e
perdido! Aqui não haverá mais primavera!" (DS, 7; 1, 200).
Em tons igualmente aflitos, a terceira Inatual descreve as consequências
do processo de secularização do mundo moderno:
As águas da religião estão baixando e deixam para trás pântanos e lamaçais;
as nações se dividem de novo do modo mais hostil e desejam dilacerar-se.
As ciências, cultivadas sem nenhuma medida e no mais cego /aisser faire,
despedaçam e dissolvem tudo o que era firmemente crido, e os estratos
cultos e os estados civis foram arrastados por uma economia do dinheiro
gigantesca e desprezível. Nunca o mundo foi mais mundo, nunca foi mais
pobre de amor e de bondade [... ]. Tudo serve à próxima barbárie, inclusive a
arte e a ciência modernas (SE, 4; 1, 366).
A "completa mundanização" (vo/lige Verwe/tlichung) é sinônimo de "su
bordinação da cultura, considerada como meio, ao lucro e à felicidade terrena
grosseiramente entendida" (Vfi, 243). Volta o tema central de O nascimento
da tragédia . Tanto mais facilmente a busca da felicidade terrena impele os
escravos à revolta, pelo fato de que, desmitizada e dessacralizada, a ordem
existente não está em condições de opor uma resistência de qualquer tipo ao
assalto dos projetos de transformação ou destruição. A "visão leiga" (Laientum)
da arte e da vida e o "sereno otimismo do homem teórico" ligado a ela (GT, 19;
1, 1 24) estimulam a esperança de que, mediante a política, seja possível mudar
o mundo e levar o indivíduo a sentir-se satisfeito com sua existência mundana.
Que ilusão miserável:
Toda filosofia que crê que um acontecimento político afasta ou resolve o
problema da existência é uma brincadeira de filosofia, uma pseudo-filosofia
(Spass- und Aflerphilosophie). Já muitas vezes, desde que o mundo existe,
foram fundados Estados; é uma velha comédia. Como poderia uma inovação
política bastar para tornar os homens, de uma vez para sempre, habitantes
satisfeitos da terra? (SE, 4; 1, 365).
Por miserável que seja, porém, esta ilusão não deixa de ter efeitos ruinosos.
"A filosofia mundanizou-se" (verweltlicht) anuncia Marx confiantemente em
-
DE STRAUSS
"besta rara" sobre a qual também Ecce homo ironizará (EH, As considerações
inatuais 2), o autor que, ademais, no seu nome, David, remete explicitamente
para uma figura central da história da religião hebraica?
No momento em que a polêmica contra Wagner se tomar mais áspera,
Nietzsche recorrerá a uma insinuação semelhante: o nome do seu padrasto (e
talvez na realidade pai naturaij não é Geyer (abutre)? Pois bem, "um abutre já
é quase uma águia" (Ein Geyer ist beinahe schon ein Adler): quer dizer,
trata-se de dois sobrenomes que traem a ascendência judia. Portanto, uma
pergunta se impõe: "Wagner é alemão?" (WA, anotação ao Pós-escrito).368
Ou nas suas veias corre sangue da estirpe por ele considerada irremediavel
mente estranha e hostil àquela germanicidade da qual queria tomar-se paladi
no? Com base em alguns fragmentos maldosos, a dúvida parece ser mais que
justificada: "Que Wagner seja semita?" (VIII, 5 00).
Ao insinuar que o mau alemão de Strauss remeteria à sua judaica distân
cia do povo que o acolhe, o jovem Nietzsche toca num tema que desempenha
um papel importante no debate sobre o antissemitismo dos anos seguintes, mas
que já nesse momento está no centro da campanha antijudaica de Wagner.
Este, ao apelar para a defesa da língua alemã contra as contaminações que,
deturpando-a, ameaçam a sua pureza, beleza e identidade, assim liquida
Meyerbeer: "como judeu, ele não tinha uma língua materna que crescesse
indissoluvelmente ligada ao mais íntimo de seu ser"; por isso, "a sua indiferença
em relação ao espírito de qualquer língua".369
Muito além de Meyerbeer (que, ao contrário de muitos correligionários seus,
rejeita a conversão até porque, graças ao seu patrimônio, não tem necessidade do
cartão de visita do batismo para passar a fazer parte da sociedade boa),370 a
campanha de Wagner vai contra outras personalidades que, mesmo professan
do-se cristãs ou alemãs, são, no entanto, suspeitas de estarem ligadas, por afini
dade natural ou eletiva, ao mundo judeu. É o caso de Eduard Devrient, homem de
teatro e autor de um livro de memórias sobre Félix Mendelssolm-Bartholdy, o
grande musicista de origem hebraica. Este texto é objeto de uma crítica feroz que
se concentra quase exclusivamente no aspecto lingüístico e gramatical : é um
"estilo &em dignidade"; encontram-se "descuidos e deformações no uso da língua
alemã", ou antes um "estropiamento da língua alemã", que exige uma resposta
dura.37 1 Não pode ser tolerado este "alemão de trabalhador braçal" (Handlanger-
***
l1l
estilo de Wagner está afetado por todas aquelas pústulas e excrescências" (FW,
99), que também ele pretende denunciar no judeu Devrient.
Mas voltemos à requisitória que a primeira Inatual faz contra Strauss:
Quem pecou contra a língua alemã, profanou o mistério de toda a nossa
gennanicidade; só ela salvou, como por um encanto metafisico, a si mesma, e
consigo o espírito alemão, através de toda a mistura e a mudança das naciona
lidades e dos costumes. Álém disso, só ela garante este espírito para o futuro,
se ela mesma não perecerá pelas mãos malvadas do presente (DS, 12; 1, 228).
A versão preparatória deste trecho da primeira Inatual é talvez ainda
mais clara. Convém citá-la por extenso:
O costume alemão, a vida social alemã, as administrações e os organismos
.representativos alemães, tudo tem um ar estrangeiro e parece uma imitação sem
talento, que se esquece completamente que é uma imitação: não há originalidade
que derive do esquecimento. Nesta situação de crise me atenho à língua alemã
que, na verdade, é a única coisa que hoje conseguiu salvar-se através de toda a
nústura de nacionalidades e da mudança dos tempos e dos costumes [ ... ] . E por
este motivo devemos colocar os mais severos guardas para vigiar esta língua
unificante, que garante a nossa gennanicidade futura (VII, 583-3).
Portanto, "a mistura e a mudança das nacionalidades e dos costumes", de que
fala o te,..10 entregue para impressão, são entendidas como "a mistura de naciona
lidades e a mudança de tempos e de costumes". No curso da sua história atormen
tada, o povo alemão conseguiu conservar fundamentalmente pura a sua língua, não
obstante a irrupção de indivíduos e grupos étnicos estranhos a ele. A identidade do
país se deve sobretudo à língua, e aqueles que a maculam se tomam culpados de
uma espécie de atentado contra a unidade e a identidade da Alemanha.
Surge um pathos da germanicidade ainda mais exaltado que no Nasci
mento da tragédia . Só que agora desapareceram não poucas das esperanças
anteriormente alimentadas . Certamente, a essência alemã continua a ser cele-
··brada, contudo, tal celebração não está mais ligada ao presente, mas a um
futuro sempre mais problemático: "A essência alemã não existe ainda, ela deve
nascer ainda; num dia ou noutro ela deverá finalmente ser gerada, para que se
tome, sobretudo, visível e honesta diante de si mesma. Mas todo nascimento é
doloroso e violento" (VII, 687).
O campo de batalha principal para a conquista da essência alemã parece,
neste momento, ser constittiído pela língua. Em tal contexto é que estão inseridas as
repetidas e martelantes acusações contra o "domador da língua Strauss" (DS, 12;
1, 24 1), este "paquiderme estilístico" (DS, 12; 1, 235). E como Wagner troveja
contra o "alemão de trabalhador braçal" e de "carroceiros", assim Nietzsche de
nuncia o ') argão da ralé''. (Lumpen-Jargon) (DS, 12; 1, 235 e 230). O grande
musicista constroi a sua requisitória com um crescendo que culmina na acusação a
Devrient de não ter o "sentido (Sinn) das regras mais elementares da língua" ale
mã378 e de recorrer, exatamente por isso, a um "alemão de judeus". Analogamente,
para Nietzsche o "alemão straussiano" (DS, 12; 1, 236) se caracteriza pela "falta de
sentido da língua" (Mangel an Sprachgefahl) (DS, 12; 1, 229).
A mesma insinuação sobre a presumida origemjudaica de Strauss, embo
ra não formulada com a clareza dos apontamentos preparatórios, acaba surgin
do também no texto entregue para impressão graças a uma série de alusões
malévolas, que pintam o autor da A velha e a nova Jé recorrendo amplamente
aos estereótipos da imprensa judiófoba e antissemita. Eis, então, o apego ao
mundo do dinheiro e da especulação e a surdez aos autênticos valores espiritu
ais : Strauss "gosta de se exprimir de maneira tão vulgarmente mercantil em
coisas tão pouco vulgares" (DS, 12; 1, 233), "atormenta-se para tirar as suas
comparações" da "Bolsa", além "da ferrovia, do telégrafo, da máquina a va
por" (DS, 1 1 ; 1, 223). Estas declarações revelam todo o seu significado quando
comparadas com aquelas proferidas alguns anos depois por Treitschke durante
a campanha desencadeada por ele contra o judaísmo alemão: ele "tenta intro
duzir na literatura o clamor publicitário do mundo dos negócios e, no sacrário da
nossa língua, o jargão bárbaro da Bolsa".379
Na caracterização que Nietzsche faz de Strauss vêm depois a sovinice e a
trapaça. Estamos diante de um autor que não hesita em perpetrar "uma ignomi
niosa violência" em prejuízo da língua alemã para "poupar ou usurpar uma frase"
(DS, 1 2; 1, 23 1). E depois volt.a o parasitismo: "O filisteu straussiano habita nas
obras de nossos grandes poetas e musicistas como um ninho de vermes que
vivem destruindo, que admiram devorando, que adoram digerindo" (DS, 6; 1,
1 88). Enfim, a hipocrisia e o servilismo: Strauss adota a atitude de patriota fervo
roso, mas, na realidade, mais que uma adesão sincera e a partir do seio da comu
nidade nacional para a causa da Alemanha, assistimos nele a "reverências ser
vis" (Rückenkrümmungen) 6; 1, 1 9 1). Não
diante das condições alemãs (DS,
falta também o toque relativo à sujeira: o autor da Avelha e a nova fé faz parte
de uma "gentalha de porcalhões" (Sudler-Gesindel) (DS, 12; 1, 23 1 ) ou de sujos
"escrevinhadores" (Tintenklexer) (DS, 12; 1, 233). Pois não é Wagner que subli
nha o "aspecto extremamente nojento" que é próprio dos j udeus em geral?380
1 77
pela perda da pureza, pela contaminação sofrida não só pelo "espírito", mas
também pelo "solo" alemão.
NaAlemanha, um abismo separa a realidade da "crença satisfeita, antes
triunfante" de possuir já uma "verdadeira cultura", capaz de moldar de modo
unitário e coerente toda a vida nacional. Clamorosa e à vista de todos deveria ser
o contraste, e no entanto é como se uma proibição confusa, mas tanto mais
eficaz, impedisse de tomar consciência: "Como é possível isso? Que força é tão
poderosa que possa presérever um tal 'não deve'? Que espécie (Gattung) de
homens chegou a dominar na Alemanha para poder vetar sentimentos tão fortes
e simples ou, de qualquer modo, impedir a sua expressão?" (DS, 2; 1, 1 64-5).
Para exercer realmente o poder, para ser hegemônico na Alemanha, pelo
menos no que diz respeito ao discurso público sobre a arte e a cultura, mais do
que um tipo humano no sentido meramente psicológico do termo, parece ser uma
Gattung, uma espécie ou talvez uma estirpe bem determinada. As analogias são
transparentes com a denúncia wagneriana do enorme poder judeu. Mas Nietzsche
responde assim à pergunta formulada por ele: "Quero chamar este poder, esta
espécie (Gattung) de. homens pelo nome - são os filisteus cultos" (DS, 2; 1, 164-
5). Seria, pois, vão buscar neste trecho uma alusão ainda que vaga ao judaísmo?
389 Wagner, 1 9 10 g, p. 3 1 3.
os afirmam que ''existe uma natural e necessária aliança entre 'inteligência e
posse', entre 'riqueza e cultura"' (SE, 6; 1, 387-8). A identidade de tais persona
gens será esclarecida de uma vez para sempre por um fragmento de alguns anos
mais tarde: ..Aristocracia do espírito é um mote favorito dos judeus" (infra, cap.
1 O § 4). No âmbito da visão do mundo assim recomendada, "espírito" e "cultura"
estão apenas em função da ascensão social e da acumulação do capital. Numa
carta de pouco depois da publicação da primeira Inatual, Nietsche exprime todo
o seu desprezo pela "irrequieta plebe judia da cultura" (unruhige Bildungs-Juden
Põbel) (B, II, 3, p. 1 94-5).
Seja financeiro ou "cultural", tal capital não tem de qualquer modo nenhu
ma relação íntima com a vida do sujeito e a sua espiritualidade mais profunda.
No entanto - Wagner dá livre vazão à sua indignação - "esta culturama vazia
se arroga um julgamento sobre o espírito e o significado da nossa esplêndida
música".390 Nietzsche não está menos escandalizado com a pretensão de Strauss
de erigir-se juiz da realidade desconhecida e estranha a ele. Infelizmente, "ele
se permite fazer publicamente o sinal da cruz diante dos produtos maiores e
mais puros do gênio germânico, como se tivesse visto alguma coisa obscena e
ímpia (DS, 5 ; 1, 1 87).
Segundo Wagner, a "culturama" (Gebildetheit) judaica é caracterizada pelo
nivelamento, pelo apego a "uma bela e tranquila clareza", pela desconfiança em
relação a tudo aquilo que na arte e na cultura não tem "caráter inócuo". O capital
judeu, seja intelectual ou propriamente financeiro, de qualquer modo olha apenas
o conforto e, portanto, liquida como "excessos e exageros" tudo "o que é extre
mo, divino e demoníaco".391 É exatamente desse modo que, aos olhos de Nietzsche,
se posiciona Strauss. Quando topa com o autor do O mundo como vontade e
representação, ele "pragueja, fala absurdos, blasfêmias, intãmias, diz diretamen
te que Schopenhauer não tinha a cabeça no lugar" (DS, 6; 1, 1 89).
Em última análise, Gebildetheit faz parte de um grupo de termos e de
neologismos que, já desde as guerras contra Napoleão, surgem durante a polê
mica contra o intelectual subversivo e apátrida, frequentemente e de boa von
tade identificado com o intelectual judeu, contra uma cultura rotulada como
desenraizada e desenraizadora. A propósito disso Treitschke e Bismarck falam
de "intelectualismo" ( Üb erbildung) (supra, cap. 2 § 1). Mas aparecem, neste
ou naquele autor ou até em dicionários, Verbildung e Verbildetheit. É uma
pseudo-cultura hostil às "potências da vida", ou seja, nas palavras de Dühring,
que tem em mente explicitamente os judeus, estranha aos "instintos originários,
ili
diferente a censura que Nietzsche faz a Strauss: ele "se comporta como o mais
orgulhoso vadio da felicidade ( Glück), como se a existência não fosse uma
coisa terrível e preocupante" (DS, 8; 1, 202).
Mas é Rohde quem dissipa qualquer dúvida sobre o componente antijudeu da
crítica do filisteísmo. Depois de ter feito a ligação, como sabemos, entre o autor da
dura crítica do Nascimento da tragédia com a repelente civilização e opulência
judaica de Berlim, ele o rotula sucessivamente, numa carta de 1 de novembro de
1 872, como "filisteu estúpido" (gaffender Philister) (B, II, 4, p. 1 15).
Por outro lado, o nexo entre judaísmo e filisteísmo é confirmado pela história
que age por trás desta última categoria. A primeira Inatual nos diz: "Como se
sabe, a palavra filisteu é tomada da vida estudantil" (DS, 2; 1, 1 65 ). Somos reme
tidos ao período da luta contra a ocupação napoleônica: difundem-se sociedades
secretas patrióticas, que excluem do seu seio seja os "filisteus'', seja os judeus,
mesmo se batizados, uns e outros acusados ou suspeitos de querer acomodar-se
à situação vivendo tranquilamente ou por cumplicidade ideológica e política com
os ocupantes, por causa de uma comum visão da vida banáusica e surda a qual
quer ideal . '"Judeus, franceses e filisteus ' valiam então como representantes do
iluminismo" e pela sua intrínseca chateza: a observação é de Arendt, que faz
referência em particular a Brentano, «>1 um autor que Nietzsche conhece e apre
cia (IX, 600). Nos anos da primeira juventude, ele leu também Menzel (infra,
cap . 28 § 2), o qual também articula a sua acusação contra o "liberal filisteu", ou
seja, o "filisteu satisfeito e seguro de si" (selbstgerecht); olhou com indiferença e
até com simpatia para a "ocupação estrangeira" do exército proveniente de Além
Reno; embebido de "iluminismo cosmopolita", está empenhado na "imitação do
liberalismo francês"; "em nome da cultura (Bildung), tem ódio a tudo o que é
cristão e alemão", "serve a ídolos estrangeiros e se inclina diante de falsos profe
tas". São claras as suas ligações não só com a "maçonaria'', mas também com o
judaísmo: não é por acaso que se inspira no "pequeno judeu Heine". Uma das
encarnações dessa figura repugnante é por Menzel identificada em Strauss. 402
Na luta para sacudir de suas costas o jugo militar napoleônico desempe
nharam um papel importante as Burschenschaften, as associações e
corporações estudantis. Segundo Brentano, enquanto mergulhado na "busca
do eterno, da ciência ou de Deus", enquanto "adorador da ideia", o "estudante"
é a antítese mais radical do "filisteu" fechado, como um caracol, na concha da
sua banalidade cotidiana. É a antítese entre Burschenthum e Philisterthum.403
4 12 Wagner, 1 9 1 0 b, p. 67.
413 Wagner, 1 9 1 0 b, p. 84.
4 1 4 Wagner, 1 9 1 O b, pp. 66-7 e 76.
415 Wagner, 1 9 1 0 b, p. 85.
4 16 Wagner, 1 9 10 p, p. 265.
417 C. Wagner, 1976-82, vol. 1, p. 667.
claramente emerge a rudeza naturalista da judiofobia, do antissemitismo subs
tancial de Wagner. É preciso acrescentar que o antijudaísmo ou a judiofobia do
jovem professor de filologia desempenha um papel significativo na denúncia da
modernidade, mas através de uma série de filtros. Neste sentido pode ter agido
positivamente o convite de Cosima à cautela lingüística: longe de ficar confina
da ao nível verbal, a autocensura estimulou uma espécie de sublimação e de
transcendência da imediatez, no sentido de que a análise impiedosa da
modernidade se autonomizou em certa medida com respeito aos temas
judeófobos que a acompanham. Por exemplo, não há dúvida que a crítica de
uma cultura reduzida a jornalismo massificado se nutre de temas judeófobos;
no entanto, continua firme o fascínio e o frescor de uma análise da modernidade
como "uma sociedade homogênea que parece ter jurado apoderar-se das horas
de lazer e de digestão do homem moderno, ou seja, dos seus 'momentos cultu
rais', e aturdi-lo ainda com o papel impresso" (DS, l ; 1, 1 6 1 ).
É provável que antijudaísmo e judiofobia tenham um papel também na
crítica da pressa e da inquietação do intelectual moderno. Repetidamente
Wagner se refere ao "espírito judeu azafamado e i rrequieto",418 à "costumeira
inquietação dos judeus",419 à "precipitação" que em Eduard Devrient está em
plena consonância com o seu alemão horrível. 420 Contudo, nem por isso deixa
de ser instrutiva em Nietzsche a denúncia do intelectual reduzido pela pressa e
pela agitação a "operário exaurido" e, portanto, sem qualquer criticidade:
"Estranhamente não vem à mente dos nossos sábios sequer o problema mais
imediato: para que serve o seu trabalho, o seu frenesi, a sua dolorosa agitação"
(DS, 8; 1, 202-3).
Algumas análises revelam uma excedência não só em relação à judiofobia,
mas também com respeito às intenções declaradamente reacionárias do autor.
Algo análogo pode ser dito também a propósito de Wagner: a mesmíssima
relação que existe entre os seus escritos de prosa, por um lado, e suas obras
musicais, por outro, existe em Nietzsche entre as cartas e os cadernos de apon
tamento, por um lado, e O nascimento da tragédia, as conferências Sobre o
.fitturo das nossas escolas e a primeira Inatual, por outro lado.
418
Wagner, 1 9 10 e, p. 256.
4 1 9 Wagner, 1982, p. 237.
420
Wagner, 1 9 1 O d, p. 226.
Segunda parte
42 1
Smith, 1 98 1 , p. 782 (livro V, cap. 1, parte III, art. 2).
422
Smith, 1 98 1 , pp. 787-8 (livro V, cap. 1, parte III, art. 2).
uma visão tão perigosa da cultura? Infelizmente, impõe-se uma resposta que
deixa sempre menos espaço à dúvida:
Porque o genuíno (echt) espírito alemão é odiado, porque se teme a natu
reza aristocrática da verdadeira cultura, porque propagando e alimentando as
pretensões culturais da multidão (Vie/en) quer-se estimular os grandes indiví
duos a buscar um exílio voluntário, porque se busca evitar a severa e dura
disciplina dos grandes guias, levando a massa a crer que encontrará sozinha o
caminho, guiada pelo Estado, verdadeira estrela polar. Aqui está um fenômeno
novo ! O Estado como estrela polar da cultura! (BA, 3 ; 1, 7 1 0).
Por trás desta desconfiança e hostilidade nas comparações da Prússia há
uma longa tradição, que frequentemente viu naquele país a encarnação do
iluminismo: em nenhuma outra parte do mundo - trovejava Gentz pelo fim de
1 803 as ideias francesas encontraram tantos adeptos como na Prússia. E, três
-
anos depois, Friedrich Schlegel acentuava que "nenhum governo alemão" é tão
semelhante ao francês como o prussiano. Enchia de horror uma burocracia rotu
lada por Adam Müller de covil de ')acobinos do alto" que grassavam "particular
mente nas administrações estatais (Staatsadministrationen) alemãs"! Ainda
pouco depois da revolução de 1 848, o próprio Bismarck denunciava a "tendência
de uma grande parte da burocracia prussiana ao nivelamento e à centralização"
e até à "democracia vermelha" de maneira que o funcionário público acabava
desmascarando-se como o "Régio Prussiano Jacobino da Corte".423
Na esteira dessa tradição se colocam a desilusão e o ressentimento de
Nietzsche para com a política realmente adotada pela Alemanha nascida de Sedan.
Centrada como está, ou como parece, num Reichstag eleito por sufrágio univer
sal (masculino) e comprometida como está na difusão em massa da instrução, ela
não constitui uma alternativa para a modernidade nem no plano político, nem no
cultural. Pelo contrário, não se poderia imaginar abdicação mais completa e mais
vergonhosa para a missão de luta contra a civilização e de barreira contra a
subversão. É a derrota do "autêntico espírito alemão" que agora "arrasta a sua
existência isolado, esmiuçado e degenerado" (BA, 4; 1, 725).
protestantes.
A guerra franco-prussiana coincide com o centésimo aniversário do nas
cimento de Hegel. A derrota do país admirado por ele é também a ocasião de a
Alemanha autêntica expulsar o filósofo. Nietzsche faz referência explícita à
data. Depois de ter descrito, numa carta ao amigo Gersdorff, de 7 de novembro
de 1 870, o entusiasmo suscitado nele por Burckhardt, acrescenta: "Na lição de
hoje ele tratou da filosofia da história de Hegel de um modo certamente digno
do jubileu" (B, II, l , p. 1 5 5-6) .
Não há dúvida sobre o fato de que o estadismo censurado em Hegel seja
estranho à germanicidade. Mas é apenas à França e à tradição revolucionária
francesa que ele se refere? Vimos a relação entre "apoteose do Estado", oti
mismo e judaísmo instituído por Schopenhauer, que, nas suas conversas priva
das acentua a esse respeito: "Que os judeus sejam malditos ! Eles são ainda
p i o re s que os hege l ianos ! "428 Por outro lado, quando nos Pare rga e
Paralipomena junta no seu desprezo "sinagogas e salas da faculdade de filo
sofia'',429 é claro que Schopenhauer tem presente também, ou principalmente,
a influência há muito tempo exercida na Alemanha pelo filósofo por ele odiado
acima de tudo.
Além do estadismo e do otimismo ligado a ele, toma-se suspeita também
a legitimação que a filosofia hegeliana confere à modernidade . Judaísmo e
modernidade são uma só coisa em Wagner, o qual não se cansa de bradar
contra os ') udeus liberal-modemos"430 e contra a "vitória do moderno mundo
judaico".431 Para citar outro autor acompanhado com atenção pelo Nietzsche
desses anos, Lagarde afirma que foi o povo judeu que, mais do que qualquer
outro, identificou-se com a "cultura modema".432 A filosofia hegeliana parece
remeter ao judaísmo também por outra razão: ao sancionar a legitimidade do
427 Haym, 1 974, p. 262; para o quadro geral aqui delineado, cf Losurdo, 1997 a, cap. XIII , 1 .
428 Schopenhauer, 1971, p. 33 1.
429 Schopenhauer, 1976-82 c, vol. V, p. 443.
430 Wagner, 1910 m, p. 60.
431 Wagner, 1910 m, p. 58.
432 Lagarde, 1 937, p. 365.
moderno e da.Jetztzeit, ela exprime, segundo Schopenhauer, "o filisteísmo mais
raso" e até a "apoteose do filisteísmo". 433 Por outro lado, já durante a resistên
cia antinapoleônica, Hegel se tomara o "filisteu" por excelência aos olhos dos
autores e movimentos não privados de acentos j udeófobos. 434
Nos ambientes influenciados pela teutomania e animados pelo pathos da
germanicidade, a afinidade, pelo menos eletiva, de Hegel com o judaísmo pare
ce estar fora de discussão. C.om a sua elevação do Estado a "fim em si" e com
a sua tese segundo a qual o homem consegue "realidade espiritual [ . . . ] só me
diante o Estado", Hegel - observa Lagarde - revela-se estranho à "essência
alemã" de suscitar as dúvidas mais inquietantes. Olhou com admiração para
Napoleão e, por sua vez, p ôde gozar da p roteção dos "apóstatas" da
germanicidade; sobretudo, entre os seus discípulos mais famosos inclui um Eduard
Gans, o qual - é clara a alusão à sua origem judia - "não podia compreender
nada da estirpe (Art) alemã".435
Nietzsche não chega a esse ponto. No entanto, é significativo o fato que,
nos seus anos juvenis, ele não se limita a condenar Hegel por causa da sua
"visão otimista banal do mundo" (VII, 595), mas o colocará entre as "desgra
ças da cultura alemã em formação" e o aproxima repetidamente de Heine,
neste momento talvez o mais conhecido dos discípulos de origem j udaica do
grande filósofo (VII, 504, 595, 598 e 600- 1). Portanto, é sintomática a caracte
rização do poeta: ele "destroi o senso da cor artística unitária e ama o casaco
arlequinesco, com a mais viva variação de cores [ . . . ], domina como um virtuo
so todos os tipos de estilo, mas apenas para misturá-los confusamente" (VII,
595). Pelo menos no plano cultural, é evidente a natureza apátrida de Heine,
incapaz de aderir seriamente a qualquer conteúdo, estranho como é ao povo e
ao país em que vive. É neste sentido que Treitschke fala de "talento formal
vi rtuosístico", mas "sem alma", e identifica nisso um elemento essencial da
"irrupção do judaísmo", felizmente de breve duração, na literatura alemã.436
Por outro lado, vimos Nietzsche sublinhar o ruinoso efeito exercido por Heine e
Hegel sobre autores que já por "razões nacionais", enquanto judeus, se reve
lam estranhos à "língua alemã" (supra, cap. 5 § 2); pode-se dizer que "os
hegelianos e a sua descendência estropiada" são " os mais "celerados de todos
os corruptores alemães" (DS, 1 2; 1, 228). Talvez uma alusão à origem judaica
de Lassalle possa ser lida na observação pela qual, alimentando o descontenta-
197
socratismo (judaísmo), do outro. Mas não se deve esquecer que Sócrates é
apenas "o protótipo e o arquétipo" do homem teórico (GT, 1 8; 1, 1 1 6) e que essa
figura continua a viver em Hegel e na sua escola e em todos aqueles que não
compreendem ou se opõem à visão trágica do mundo. Aos olhos do amigo
Gersdorff, "homem teórico" é Wilamowitz que, com a sua "dialética ao modo
de Lessing" e com o seu ataque a O nascimento da tragédia, passou agora a
fazer parte do "judaísmo lit_erário berlinense" (B, II, 4, pp. 9-1 O).
Frente a esse ajuste de contas tão radical com a modernidade, como pare
cem medíocres os propósitos e as perspectivas de Strauss, também ele crítico
da revolução. No entanto, ele se contenta com bem pouca coisa: "Algum dese
jo piedoso, anulação do sufrágio universal, a manutenção da pena de morte, a
limitação do direito de greve e a introdução de Nathan e de Hermann e Dorotea
nas escolas elementares". O fato é que para ele "tudo o que é dado vale [ . . . ]
mais ou menos como racional" (VII, 5 96-7).
Claramente, reconhecer e contrastar "a irracionalidade da natureza desta
época", apagando "a deformidade da atual natureza humana" (SE, 7; 1 , 407),
reagir com força ao "costume moderno prejudicial" (GMD; 1, 5 1 8), tomar cons
ciência do fato de que "todo o nosso mundo moderno não tem absolutamente
um aspecto tão sólido e durável que possa profetizar uma existência eterna
também para o seu conceito de cultura" (SE, 6; 1, 40 1 ); em suma, não é possí
vel colocar de novo radicalmente em discussão o bimilenar ciclo histórico inici
ado com Sócrates sem acertar as contras com a tese hegeliana da racionalidade
do real e do processo histórico.
A condenação dessa tese é um topos no âmbito da cultura conservadora
e reacionária do século XIX. Ela certamente não podia reconhecer-se na afir
mação de Hegel segundo o qual "a história universal é um p roduto da eterna
razão e a razão determinou as suas grandes revoluções". Com base nesta
visão - objetava um eminente expoente do conservadorismo como Stahl - "o
tempo moderno seria decididamente superior à Idade Média". Ou então - ob
servava outro crítico -, se estaria obrigado a inclinar-se também diante da
"predileção unilateral pelos chamados interesses materiais", própria do "espí
rito do tempo", e até diante do sansimonismo (e do socialismo).444
Mais do que com a deslegitimação da Idade Média, Nietzsche está obvia
mente preocupado com a deslegitimação da Grécia para a qual olha como um
modelo. A tese da racionalidade do real - afirmam já as conferências Sobre o
futuro de nossas escolas está empenhada em transfigurar uma modernidade
-
lli
escola histórica alemã corre o risco de consagrar e fossilizar uma situação
intolerável aos olhos de Nietzsche:
O sentido antiquário de um homem, de uma cidade ou de todo um povo
sempre tem um campo de visão muito limitado [ ... ]. Aqui há sempre um perigo
muito perto: no fim, tudo o que de antigo e passado entra em geral ainda no
hori:z:onte é sempre aceito como igualmente venerável, enquanto tudo o que
não se dirige coni veneração a esta antiguidade, ou seja, o novo e o que vem
a ser, é rejeitado e contrariado.
Desse modo, a história antiquária não consegue o fim ao qual declara
aspirar: "Quando o sentido histórico não conserva mais a vida, mas a mumifica,
então árvore morre, de maneira não natural, secando pouco a pouco até à raiz
- e acaba geralmente morrendo pela raiz" (HL, 3, 1, 267-8).
Em todo caso, a visão antiquária da história se revela desajeitada e pesa
da, claramente inferior em relação à visão da história cara aos revolucionários
franceses, os quais - subl inhará mais tarde A gaia ciência - "se apoderaram
da antiguidade romana" (FW, 83), e com essa operação, mesmo bastante dis
cutível no plano do rigor fi lológico e historiográfico, trouxeram-lhe alimento e
vigor. Inspirando-se num passado transfigurado e reinterpretado em função da
luta contra o Antigo regime e venerado como monumento e aviso imorredouro
para as gerações seguintes, os jacobinos conseguiram estimular no presente
uma ação vigorosa, ainda que louca e criminosa:
A história monumental engana com as analogias: com semelhanças seduto
ras ela excita o corajoso à temeridade, o entusiasta ao fanatismo; e se depois
se imagina essa história nas mãos e nas mentes dos egoístas dotados e dos
patifes fanáticos, eis que reinos são destruídos, príncipes assassinados,
!:,'llerras e revoluções desencadeadas (HL, 2; 1, 262-3).
Há, portanto, necessidade de uma visão da história que estimule à ação
aqueles que pretendem rediscutir o longo e incessante ciclo revolucionário. Se
a história antiga está em condições de promover só um tradicionalismo fraco,
uma ação que queira opor-se ao uso revolucionário da história monumental não
pode passar sem a contribuição da história crítica. Só ela pode levar a tomar
consciência do fato que "a existência de algo, de um privilégio, de uma casta,
de uma dinastia, por exemplo," se tomou injusta e merece, portanto, o fim:
"então o seu passado é considerado criticamente, então se atacam com faca
(Messer) as suas raízes, então se pisa cruelmente toda a piedade" (HL, 3 ; 1,
270). A essa altura fica evidente a diferença com relação ao tradicionalismo.
Segundo Savigny, o sentido histórico tem uma "tarefa [ . . . ] sagrada", que é a de
prevenir severamente contra a tentação de manipular a realidade política exis
tente com um "bisturi cirúrgico" (wundéirztliches Messer), que correria inevi
tavelmente o risco de ferir também a "carne sadia".459
Significativamente, a imagem da "faca" ou "bisturi" volta no jovem Marx,
o qual, porém, se serve dela para afirmar que a "crítica" não deve l imitar-se a
ser um anatomisches Messer, ou seja, uma faca que serve para dissecar ana
liticamente o real, mas deve constitui r ao mesmo tempo uma "arma" para mo
dificar a realidade.460 O imobilismo tradicionalista é contestado por duas teori
as da ação sens ivelmente diferentes, como fica logo evidente pelos esclareci
mentos que Nietzsche se apressa a fazer. Cortar as raízes de instituições que
agora se tomaram e são consideradas injustas significa pôr em discussão "o
que foi adquirido e é inato há muito tempo". Todavia, não se pode fugir ao
desafio. "Cá e lá a vitória sorri para ele", e então o novo "se toma um novo
hábito, um novo instinto, uma segunda natureza", ou até uma "primeira nature
za" (HL, 3; 1, 270). Para introduzir um novo "hábito" e uma nova "natureza" é
de qualquer modo necessária uma ação enérgica.
A luta contra a revolução não pode ser travada inclinando-se com reve
rência diante de institutos consagrados pela tradição. Como os inimigos que
pretende combater, também Nietzsche percebe agora a urgência da ação: "Pre
cisamos da história, mas precisamos dela exatamente como o vagabundo vici
ado nos jardins do saber" (HL, Prefácio; 1, 245). Além do saber histórico, a
crítica ataca a figura do cientista puro enquanto tal : no seu mundo acolchoado,
a "dor" é "algo inoportuno e incompreensível, e, portanto, no máximo, é, ainda
uma vez, um problema". Sim, "a ciência vê em toda parte apenas problemas do
conhecimento", mas contra esta atitude meramente teórica e contemplativa é
p reciso acentuar que se deve desp rezar todo "saber frio, puro, sem
consequências" (SE, 6; 1, 393-4), incapaz de transformar-se em ação.
2 13
uma figura que tem bem pouca utilidade na luta contra a revolução: na melhor
das hipóteses pode agir como "o corretivo e o calmante próprio daqueles peri
gosos estímulos, dos quais está em poder o homem de Rousseau", este
"catilinário" e esta "potência tão ameaçadora" (SE, 4; 1, 369-3 7 1 ), que inspira
e promove as convulsões que devastam a Europa. Mas com "o homem de
Goethe" não se pode contar para uma transformação da sociedade, para o
cobiçado renascimento � grecidade trágica.
Bem diferente é o "homem de Schopenhauer": também animado pela
paixão do conhecimento, ele certamente não é um cultor da "ciência pura" (SE,
3; 352 e 3 60) . Está "bem longe da frieza e da desdenhosa neutralidade do
chamado homem de ciência"; nunca perde de vista a relação entre saber e vida
real ; está "sempre pronto a sacrificar a si mesmo como a primeira vítima da
verdade conhecida"; não só dá mostras de "coragem'', mas toma também so
bre si o peso e a responsabilidade de uma "vida heroica" (SE, 4; 1, 372-3).
À primeira vista pode parecer estranho que, ao evocar a figura do homem
da ação contrarrevolucionária, a terceira Inatual se inspire no teórico da no/untas
como fim supremo a perseguir. Procuremos, porém, reconstruir o raciocínio de
Nietzsche. A seus olhos, Schopenhauer, tendo passado pela escola de Kant e pela
sua distinção entre essência e aparência, tem em primeiro lugar o mérito de ter
problematizado a existência tornando mais dificil a satisfação do filisteu e a ime
diata identificação com o presente. Dando prova de um "estimulante desprezo
pelo seu tempo" (VII, 807) e sem deixar-se de modo algum seduzir pela "atuali
dade", ele "até a primeira juventude recalcitrou diante daquela mãe falsa, vã e
indigna, a sua época, e, quase expulsando-a de si, purificou e restabeleceu o seu
ser e reencontrou a si mesmo na saúde e na pureza próprias dele" (SE, 3 ; 1, 3 62).
Mas a grandeza, e sobretudo a robustez, de Schopenhauer surge com
particular clareza do confronto com Kleist, envolvido também ele por aquela
"nuvem de saudade", que é o sinal da seriedade e profundidade das almas
nobres (SE, 3 ; 1, 354), "daqueles que não se sentem cidadãos do próprio tem
po" (SE, 1 ; 1, 339) e rejeitam a adaptação a uma realidade medíocre ou repug
nante . No entanto, no poeta, a tese kantiana da incognoscibilidade do em-si
provoca "aquele desencorajamento e aquele desespero de toda a verdade",
que depois o conduz ao suicídio (SE, 3 ; 1, 355). Schopenhauer, ao contrário, se
aproveita da lição antifilisteia de Kant sem sucumbir ao risco mortal implícito
na sua filosofia (SE, 3; 1, 354). Ele não permanece prisioneiro de uma "contem
plação hipocondríaca e aborrecida" da real idade (SE, 3 ; 1, 354), e graças a isso
se toma "o guia que conduz para fora da caverna do abatimento cético e da
renúncia crítica, para o alto, em direção aos cumes da contemplação trágica"
(SE, 3; 1, 356).
Tanto mais forte é o impulso à ação que brota desta filosofia pelo fato de
que ''uma vida feliz é impossível" e que "o máximo que o homem pode alcançar
é uma vida heroica", posta ao serviço de um grande fim (SE, 4; 1, 3 73). Aqui
emerge uma figura de homem que, tendo se livrado de toda vã "esperança à
felicidade terrena", rejeita desdenhosamente "todo amolecimento da existên
cia" (VII, 794), antes não hesita em andar até o fundo: "com a sua coragem ele
aniquila a sua felicidade terrena" (SE, 4; 1, 372-3). Este homem é chamado por
Schopenhauer a "matar a própria vontade pessoal" (Eigenwillen) (SE, 4; 1,
3 7 1 ). Mas isto não significa absolutamente um apelo à inércia. Ao contrário, a
renúncia ao apego obstinado e narcisista ao próprio eu permite que se dedique
plenamente e com abandono ao grande fim a perseguir. Em conclusão, sem se
deixar assustar ou enganar por causa da no/untas e da rejeição da política, a
terceira Inatual lê Schopenhauer como o filósofo que, com a sua carga de
dessacralização da modernidade, pode bem estimular urna resposta ativa e enérgi
ca, politicamente eficaz, ao desafio da revolução.
A sua coragem se manifesta já a nível do conhecimento. É "o gênio da
veracidade heroica" (VII, 803). Desdenhando as meias medidas, e dando pro
va de "virilidade inflexível e rude" (SE, 7; 1, 408), ele não hesita em pôr em
discussão a organização existente no seu conjunto. Nesse sentido, "aquele que
quisesse viver schopenhauerianamente assemelhar-se-ia provavelmente mais
a um Mefistófeles do que a um Fausto", pelo menos "para os olhos fracos dos
modernos, os quais na negação divisam sempre a marca da maldade" (SE, 4; 1,
37 1 -2). Empenhado duramente na luta contra uma subversão de longa data, no
cumprimento uma tarefa imensa e ingrata, o homem de Schopenhauer
deve ser ininúgo também dos homens que ama, das instituições de cujo seio
saiu; não lhe é lícito poupar nem homens nem coisas, embora sofra com eles
quando os fere; será menosprezado e por longo tempo será considerado como
aliado de forças que ele detesta; segundo uma medida humana da sua visão,
deverá ser injusto, apesar da aspiração àjustiça (SE, 4; 1, 372-3).
Nietzsche preocupa-se em prevenir contra as comparações superficiais.
Alguns anos antes, Rosenkranz tinha criticado a "concepção mefistofélica"
dos intérp retes em perspectiva revolucionária de Hegel, segundo os quais "tudo
o que nasce é digno de morrer (alles was entsteht, werth ist zu Grunde zu
gehen) e por isso seria melhor não nascer".461 Mais tarde Engels verá o resul
tado último da dialética exatamente na afirmação segundo a qual "tudo o que
existe é digno de morrer" (Alies was besteht, ist wert, daf3 es zugrunde
215
geht).462 Para o Schopenhauer lido por Nietzsche, ao contrário, o âmbito da
negação parece ser mais limitado: "toda existência que pode ser negada, mere
ce também ser negada" (SE, 4; 1, 372). Mas em outro lugar se atribui a
Schopenhauer o mérito de ter ousado tomar consciência do fato de que no
mundo moderno "nada mais merece ser poupado" e que "tudo está partido e
podre" (VII, 803 -4).
Portanto, o elemento.realmente discriminante é outro. É verdade, também
no filósofo aqui indicado como modelo há "uma aspiração dissolvente,
aniquiladora". Todavia, não obstante as analogias superficiais, ele não tem nada
a ver com a subversão; é "o destruidor libertador no seu tempo" (VII, 803-4).
Nietzsche começa a esclarecer que o homem, de cuja necessidade avisa, tam
bém não deve retroceder diante das "decisões terríveis" de que o homem de
Rousseau é capaz (infra, cap . 7 § 8). "É necessário que pelo menos uma vez
sejamos verdadeiramente maus" (SE, 4; 1, 3 7 1 ) . A clara tomada de distância da
terceira Inatual em relação ao "homem de Goethe" leva a pensar na análise
crítica que a Fenomenologia do espírito desenvolve da "alma bela":
Falta-lhe a força da exteriorização, a força de tomar-se coisa e de suportar o ser.
A consciência vive na angústia de manchar com a ação e o realizar-se, o esplen
dor da sua interioridade; e, para conservar a pureza do seu coração, evita o
contato com a realidade [... ]. Na pureza ela se conserva boa porque não age.463
De modo análogo, aos olhos de Nietzsche o homem de Goethe tem este
grave defeito: "odeia qualquer violência, qualquer salto, o que quer dizer: qual
quer ação" (SE, 4; 1, 370). Ao contrário, bem longe de estar narcisisticamente
apegado à própria pureza moral, "o homem heroico despreza o fato de estar
bem ou mal, as suas virtudes e os seus vícios e, em geral, medir as coisas a
partir de si mesmo" (SE, 4; 1, 375); desse modo, ele se choca com os filisteus
para os quais "a conservação da sua mediocridade e balelas é um dever huma
nitário" (SE, 4; 1, 3 7 1). Se, na crítica da "alma bela'', Hegel visa à legitimação
da Revolução Francesa, na tomada de distância em relação ao "homem de
Goethe" Nietzsche olha para a construção de uma alternativa combativa do
"homem de Rousseau" e da revolução.
222
7
Ü " REBELDE SOLITÁRIO " SE TORNA " ILUMINISTA"
233
<lido o costume de sacrificar homens sobre altares de pedra" (IX, 80). Também
esta última observação revela uma ponta polêmica contra os zelotas cristão
germânicos: não era um tema caro da propaganda antissemita, cara a eles, a
acusação contra os judeus de homicídio ritual?
47 1 Wagner, 1 9 1 0 1.
Vimos as conferências Sobre o faturo das nossas escolas celebrar con
juntamente a filosofia e o "soldado alemão" (supra, cap. 1 § 5). Paradoxal
mente, trata-se do estereótipo que, mesmo comjuízo de valor invertido, encon
tramos naqueles que tinham olhado com pavor para a derrota da França. Pen
semos em Carducci stJ ue, sempre com referência à guerra franco-prussiana,
exclama: "Mas o ferro e o bronze estão na mão dos tiranos; ! e Kant aguça
com sua Razão / Apura a fria agulha do fuzil prussiano".472 Agora se diria que,
depois da condenação do chauvinismo do II Reich, a queda do "soldado" arras
tou consigo também os grandes protagonistas da cultura alemã e a Alemanha
como tal. Uma anotação do outono de 1 878 transcreve um mote fustigante
retomado de Wieland: "Não consigo recordar que a palavra 'alemão' jamais
tenha sido empregada em sentido honroso" (VIII, 572-3).
Junto com as guerras antinapoleônicas, o duro juízo de condenação ata
ca S chil ler. Fora o autor querido dos jovens dos Freiheitskriege e dos
Burschenschaftler que se alimentavam das recordações daqueles anos e
daquelas batalhas apaixonantes . Uns e outros viam prefigurado o seu sagra
do compromisso contra Napoleão 1 e Napoleão III no solene juramento pro
nunciado no Guilherme Tell: "Queremos ser livres como nossos pais [ . . . ] /
não nos separe nenhuma emergência e nenhum perigo";473 ou se tinham
identificado - como o próprio Nietzsche lembra - com a revolta dos Bando
leiros contra os ·'tiranos" (BA, 4; 1 , 74 8). Schiller se tomara também o sím
bolo do antifilisteísmo, o campeão da recusa de uma visão do mundo incapaz
de compreender os "sonhos da juventude" e s inônimo - tinha declarado
Schelling, citando Dom Carlos - de uma "sabedoria do pó" que "blasfema o
entusiasmo filho do céu".4í4
Dessa leitura teutômana e antifilisteia o jovem Nietzsche participara p le
namente, e para celebrar a "natureza germanicamente entendida" (não con
fundir com a "natureza comum, empírica" e menos ainda com aquela cara ao
Emílio de Rousseau), se referira ao Passeio de Schiller (VII, 3 02), ou seja, o
""grande Schiller" (BA, Introdução; 1, 646). Agora, porém, é pungente a ironia
sobre o poeta e dramaturgo, o qual suscita o entusiasmo dos jovens só porque
vem ao encontro de "seu gosto pela sonoridade das palavras morais (que pelos
trinta anos de idade costuma sumir)" (VM, 1 70). É uma grandiloqüência que
pesa bastante negativamente em cada caso sobre o pensamento e sobre a
471 Per il L'L\'V/11 Anniversario dei/a proclamazione dei/a Repubblica Francese, vv.
1 7-20 (Carducci, 1 964, p. 96).
473 IVilhelm Te//, Ato II, cena II.
474 Schelling, 1856-6 1 , vol. XIII, p. 28; Dom Carlos, Ato IV, cena 2 1 .
prosa de Schiller: ele é "sob todo aspecto um modelo de como não é lícito
encarar problemas científicos de estética e de moral" {WS, 1 23).
A declamação moral é a prova da influência onipenetrante que, a séculos
de distância, a Reforma e o cristianismo continuam a exercer. Sim, a cultura
alemã se revela pobre e também fundamentalmente hipócrita se for compara
da com o Renascimento italiano e com o iluminismo francês ! Bem considerado,
Kant sublinhou os limffes d,a razão a fim de "abrir a estrada para a fé" e,
portanto, deve ser colocado entre os "obscurantistas", é a expressão de um
"obscurantismo extremamente refinado e perigoso, antes, do obscurantismo
mais perigoso" (VM, 27). Neste sentido, é "um atentado semi-teológico contra
Helvétius", "na Alemanha o mais difamado entre todos os moralistas e homens
de valor" {WS , 2 1 6). É levado em consideração por Nietzsche o autor que
introduz de novo pela janela dos postulados morais o conteúdo metafísico apa
rentemente expulso pela porta da razão pura: infelizmente, Kant "foi enredado
pelo imperativo categórico, e com ele no coração refez o caminho para trás
perdendo-se em ' Deus', 'alma', ' imortal idade', como uma raposa que, tendo
se perdido, volta para sua gaiola; embora tivesse sido a sua força e a sua
sagacidade que tinham arrombado essa gaiola" (FW, 335).
O acerto de contas por um lado com a judeofobia de Wagner e por outro
lado com a recuperação da metafisica de Kant não pode não influir p rofunda
mente sobre a imagem do filósofo anteriormente assumido e venerado como
Mestre. É verdade, trata-se de uma dívida de gratidão a honrar: "O homem de
Schopenhauer me impeliu à dúvida filosófica acerca de todas as coisas respei
tadas, consideradas honrosas, até aquele momento defendidas [ . . . ]. Por essa
via indireta cheguei até o cume onde sopram os ventos mais frescos" (VIII,
500). Além mesmo da teoria há o ensinamento que deriva de um autor que
"viveu e morreu como voltairiano" (FW, 99). No entanto, este iluminismo se
revela medroso e inconseqüente . Considerando bem, Schopenhauer era "ape
nas um discípulo demasiado dócil do Mestre da ciência do seu tempo, todos os
quais ovacionavam o romantismo e tinham abjurado ao espírito do iluminismo".
Explica-se assim a tentativa de atribuir à religião um significado qualquer, "com
respeito à inteligência da massa". Talvez se trate de um erro a ser colocado
mais na conta do contexto histórico e cultural que de Schopenhauer: "Se ele
tivesse nascido no nosso tempo, não teria absolutamente podido falar do sensus
allegoricus da religião; teria certamente prestado homenagem à verdade, como
costumava fazer", pronunciando-se de modo explícito pelo ateísmo (MA, 1 1 O).
No entanto, apesar deste reconhecimento, é inequívoco o ajuste de contas
com o ex-Mestre. Para o Nietzsche desembarcado no "iluminismo", não pode
mos nos limitar a liquidar o credo, o conteúdo de fé da religião positiva. É
possível observar "como os espíritos livres menos atentos se escandalizam exa
tamente só com os dogmas, mas conhecem muito bem o encanto do sentimento
religioso"; agora surge "uma teologia estéril, pretensamente livre" (MA, 1 3 1 -
2). Mesmo formulada com referência explícita apenas a Schleiermacher, esta
crítica acaba de algum modo atacando também o filósofo que se empenhara na
descoberta das religiões orientais e na recuperação antipelagiana do cristianis
mo. Então o seu na�o com Voltaire não deve levar ao engano: "A concepção
inteira do mundo e o sentimento do homem medievais e cristãos puderam cele
brar na doutrina de Schopenhauer, apesar da destruição já há muito tempo
alcançada de todos os dogmas cristãos, uma ressurreição". É verdade, "muita
ciência ecoa na sua doutrina, mas ela não a domina, e sim a velha e bem
conhecida 'necessidade metafisica'" (MA, 26).
Portanto, verifica-se uma inversão do juízo de valor também no que diz respei
to ao termo "metafisica". Agora, Nietzsche olha para os anos passados como para
um "período metafisico" felizmente superado pela sua evolução (infra, cap. 10 §
1). Não faz mais parte nem pretende mais fazer parte daqueles "metafisicas de
raça nobre ou baixa" que são "os filósofos nebulosos e os escurecedores do mun
do" (VM, l O). A Alemanha continua a ser o país metafisico por excelência, mas
isto significa apenas o seu obscurantismo e o seu atraso irremediável.
As duras críticas dirigidas a autores anteriormente celebrados andam jun
to com algumas reabilitações significativas . É em particular o caso de Goethe.
O nascimento da tragédia o tinha excluído do panteão dos autores chamados
a dar de novo vida ao helenismo trágico em terra alemã. Foi de algum modo
atacado pela polêmica contra a imagem serena e puramente apolínea da Hélade:
ele também não conseguira "forçar a porta enfeitiçada que conduz à montanha
encantada helênica", a "penetrar no núcleo da essência helênica e estabelecer
uma ligação amorosa durável entre a cultura alemã e a cultura grega" (GT, 20;
1, 1 3 1 e 1 29). É uma crítica que continua a mostrar-se na terceira Inatual, que
sublinha a inclinação ao fi listeísmo do "homem de Goethe" (supra, cap. 6 § 8).
Agora, porém, a releitura radical da história da Alemanha lança uma luz
completamente diversa sobre Goethe, o autor muitas vezes acusado de paganis
mo e de indiferença ou de hostilidade em relação à resistência nacional
antinapoleônica, e portanto estranho tanto à cristomania como à teutomania. Em
1 808- 1 809 Friedrich Schlegel tinha condenado o "espírito alemão" como estra
nho e não sem analogia com Voltaire; na vertente oposta, Heine lhe tinha atribu
ído o mérito de ter declarado guerra à "arte neoalemã cristão-patriótica" e de ter
assim afugentado "os espectros da Idade Média".475 Nesse ponto, se toma de
251
O pressuposto de todo fiel de qualquer tendência era de não poder ser refuta
do; se as razões contrárias se mostravam muito fortes, restava-lhe sempre a
possibilidade de difamar a razão em geral ou talvez diretamente hastear o credo
quia absurdum est como bandeira do mais violento fanatismo (MA, 630).
Trata-se, pois, de denunciar a "loucura cega" daqueles que "deram o pró
prio coração a um príncipe", ou "a uma ordem religiosa" ou "a uma mulher", ou
então "a um partido". São grávidas de perigos e sinistras tanto a "devoção
entusiástica" (a referência é em particular ao fanatismo religioso) como a "có
lera" e a "vingança flamejante" (a referência é em particular ao fanatismo
político revolucionário) (MA, 629).
Se O nascimento da tragédia condena o iluminismo socrático, que tende
a descobrir e denunciar a falta de racionalidade e a "potência da loucura"
(Macht des Wahns) na sabedoria da tradição e em tudo o que ele não está em
condições de compreender (supra, cap . 2 § 1 ), agora, pelo contrário, um frag
mento do período "iluminista" declara que é preciso saber sorrir da "loucura
( Wahn) política como os contemporâneos sorriram da loucura ( Wahn) religiosa
dos tempos passados" (IX, 504).
5 1 9 Baxa, 1 966, vol. I, p. 3 1 1 (o próprio Gentz relata isto numa carta a Adam Müller de 22
setembro de 1 807).
520
ln Matteucci, 1 957, p. 375.
52 1 Losurdo, 1997 a, cap. IV, 2.
1 O. O filósofo "andarilho "
523 Ross, 1 984, pp. 522-3 ; Janz, 198 1 , vol. II, p. 99.
a judeofobia anterior. Considerações análogas valem também para o segundo
encontro. A sua eficácia foi provavelmente além do que teriam pensado Richard
e Cosima Wagner, os quais fazem referência sobretudo ao calor com que o
historiador de Basileia se exprime sobre o Renascimento e ao "tom fanfarrão,
friamente depreciativo" com que liquida a mitologia da Idade Média
germânica. 524
Há mais . O quadro i_mpiedoso que Burckhardt traça do início do II Reich
deve ter contribuído para ridicularizar, também aos olhos de Nietzsche, a pre
tensão da nova Alemanha de erguer-se como paladino da luta contra a "civili
zação" ou, de qualquer modo, representar uma alternativa com respeito à
massificação e à vulgaridade moderna. Na realidade - observa o historiador de
Basileia - assistimos ao "aumento ininterrupto, extraordinário do sentido do
lucro", com as especulações e as fraudes ligadas a ele. "As chamadas 'melho
res cabeças ' se dedicam ao comércio"; "a produção espiritual no campo da
arte e da ciência deve fazer um grande esforço para não se degradar a simples
ramo da economia da metrópole, para ser independente da publicidade e da
caça do sensacional". Não parece haver mais espaço para a cultura autêntica:
"Tudo deve tomar-se um simples business, como na América?"525
Além do quadro alemão, também a análise da situação que se criou na
Europa no seu conjunto está agindo por trás de Humano, demasiado humano .
"Sentido de potência e sentido democrático estão no mais das vezes interliga
dos", observa Burckhardt,526 que revela assim a Nietzsche uma nova perspec
tiva de leitura da política internacional de Bismarck e, além dela, das tendências
de fundo da modernidade. O advento do sufrágio universal não tinha talvez
acompanhado, estimulado e consagrado a construção do II Reich? E o aumen
to do aparelho militar não andava lado a lado, como já tinham observado as
conferências Sobre o futuro das nossas escolas, com o acesso de novas
camadas à instrução e com perspectivas de mobilidade social, isto é, com a
ulterior massificação e democratização da sociedade?
Aliás, é muito provável que a influência tenha sido recíproca. Quando
vemos Burckhardt sublinhar o "otimismo" próprio da Revolução Francesa e da
sociedade industrial, ou seja, pôr em evidência a sombra sempre mais pesada
que a "imprensa diária" lança sobre a cultura,527 somos levados a pensar nas
denúncias angustiadas que faz o jovem colega do historiador de Basileia.
55 1 In Fenske, 1 978, p. 4 1 6.
552 Wagner, 1 9 1 O o, p. 263.
m Wagner, 1 9 10 i, p. 49.
554 ln Fenske, 1978, pp. 4 1 6-7: " Und esmag am deutschen Wesen /Einmal noch die Welt
genesen/ '·.
mesmo desiludido com certos acontecimentos, continua a reivindicar para o seu
país "uma missão para todas as nações da terra". 555
Também Nietzsche deve ter se ocupado de Geibel, seja quando era ainda
um cantor apaixonado da "essência alemã" (XIV, 1 04), seja no momento da
ruptura com a teutomania (B, II, 6/2, p. 907 e 95 7). Humano, demasiado
humano responde à permanente agitação da ideia de missão dissecando
impiedosamente a história e as ideologias da Alemanha. É insuperável o abismo
que separa a realidade do II Reich dos mitos genealógicos que acompanharam
a sua fundação. As mudanças ocorridas no plano político-social são um estímu
lo poderoso para ir muito além das dúvidas e das incertezas que tinham come
çado a manifestar-se bastante depressa. Trata-se agora de tomar plena consci
ência da insustentabilidade da plataforma ideológica de O nascimento da tra
gédia e das Considerações Inatuais, apelando ao mesmo tempo para Dionísio
e para o teórico da negação da vontade de viver, para a antiguidade clássica e
para Lutero, com a celebração da Alemanha como herdeira tanto do helenismo
trágico como da Reforma, com a homenagem prestada ao Volksthum, mas
também ao gesto elitista com o qual o Burschenschaftler rotulava os filisteus
e a consciência comum; enfim, com a invocação de uma comunidade orgânica
(o Volksthum) fundada, porém, na escravidão, à qual deve ser inevitavelmente
submetida uma camada não só rebelde, mas constituída em última análise de
bárbaros estranhos à civilização.
271
no fundo de sua alma havia o pensamento do fanatismo moral, do qual se sentia
e se confessava executor um outro discípulo, ou seja, Robespierre'', compro
metido, como proclama no seu discurso de 7 de junho de 1 794, a ''fonder sur la
ferre l 'empire de la sagesse, de la justice et de la vertu" (M, Prefácio, 3).
Essa análise é desenvolvida no Prefácio que N ietzsche sente necessidade
de antepor a Aurora em 1 886, tornando explícita a dimensão política do discur
so aqui contido. Mas ela �urge com clareza já no período "iluminista". Por que
"agora é necessário que a observação moral ressurja"? E por que "a humani
dade não pode mais ser poupada da cruel vista da mesa de dissecação p sicoló
gica e dos seus bisturis e pinças"? A resposta não se faz esperar: "Porque aqui
impera aquela ciência que pesquisa a origem e a história dos chamados senti
mentos morais e que, com o seu avanço, deve colocar e resolver os complexos
problemas sociológicos (sociologisch)" (MA, 37). De quais problemas se trata
está claro por um ulterior aforismo que tem em vista o socialismo. Trata-se de um
movimento político que "se prepara secretamente para dominar com o terror".
Pois bem, qual é a sua estratégia? "Enfia como um prego na cabeça das massas
semicultas a palavra 'justiça', para privá-las completamente da sua inteligência
(após esse intelecto ter já sofrido muito por causa da semicultura)": desse modo
amadurecem as condições para a violência e a insurreição {MA, 473).
A análise crítica, no plano filosófico, histórico e psicológico, da consciên
cia moral é chamada a fazer frente à tradição jacobino-socialista, a persistente
ou incessante agitação revolucionária. Vimos Nietzsche denunciar, desde o seu
início, as implicações subversivas do tema rousseauiano da bondade original do
homem: esse alvo permanece claro também no período "iluminista". Se O nas
cimento da tragédia refuta o otimismo racionalista recorrendo ao mito do peca
do original em roupagem ariana ou semita, agora, para se opor a "uma certa fé
cega na bondade da natureza humana" (MA, 36), intervém a pesquisa psicológi
ca. Os "socialistas" se revelam "ridículos" com o "seu otimismo vazio do 'ho
mem bom"' (XI, 245). Desmentem-nos clamorosamente aqueles que têm real
familiaridade com a alma humana. "O resultado global de todos os moralistas"
parece inequívoco: "o homem é mau, um animal predador" (XI, 3 6).
Depois de se ter transformado de crítico do iluminismo e de defensor das
razões do mito em "iluminista", agora o Nietzsche "iluminista" se torna um
adversário implacável não só da religião ou pseudo-religião revolucionária, mas
também dos enfáticos sentimentos morais. Nesses anos, ele parece seguir Taine
de modo particularmente atento, como aparece da organização dos seus livros
(B, II, 5 , pp. 307 e 355). Na reconstrução da preparação ideológica da Revolu
ção Francesa, o grande historiador sublinha o papel importante que desempe
nha aí o pathos moral de Rousseau: "Até aqui as instituições dominantes eram
acusadas apenas de serem incômodas e irracionais; agora são acusadas tam
bém de serem injustas e corruptoras". O ataque ao Antigo Regime alcança
assim um nível superior e muito mais perigoso: "a gente se indigna" (on
s 'indigne), e este sentimento abre uma brecha para além dos salões até à
multidão sofredora e rude, para a qual ninguém ainda se tinha voltado, cujo
ressentimento surdo encontra pela primeira vez um intérprete". 562 Também
Nietzsche exprime a sua preocupação com a difusão de "um sentimento de
indignação" (Emporung) entre os "operários" europeus (VIII, 48 1 -2) e conde
na, com referência em particular ao movimento revolucionário russo, "o
anarquismo da indignação" (Entrüstungs-Anarchismus). É um tema no qual o
filósofo continua a insistir até o fim: à "bela indignação" (schône Entrüstung)
recorre "o socialista" quando "exige 'justiça ', 'direito', 'igualdade de direitos' "
(XI II, 2 3 3 ), mas contagiar-se com a "estupidez d a indignação moral"
(moralische Entrüstung) é "sinal infalível, num filósofo, do fato de que o sen
tido filosófico do cômico sumiu" (JGB, 25).
Os "instintos destruidores" das massas - prossegue Taine - encontram
no pathos moral o seu "arauto" (héraut) .563 E Nietzsche, por sua vez, condena
"os arautos (Herolde) das afecções simpáticas", comprometidos em pôr re
médio à dor que descobrem ou imaginam por toda parte (M, 1 74).
Infelizmente - prossegue o historiador francês - a denúncia moralizante do
Antigo regime acaba criando raízes também nos salões, entre os nobres que se
"acham frustrados na distribuição dos cargos e das graças", entre os "cortesãos,
para quem sobram apenas as migalhas, ao passo que para os favoritos do peque
no círculo íntimo são reservados todos os bocados maiores". Eis que "estes
epicureus descontentes pouco devotos" se tomam "filântropos", começam tam
bém eles a encher a boca com as "belas" e "grandes palavras de liberdade,
justiça, bem-estar público, dignidade do homem". Mesmo continuando a fazer
parte de uma classe privilegiada, por que negar-se esse prazer intelectual que
parece não custar nada e que pode eventualmente conferir interesse para um dia
muito atarefado?564 Ainda que mais sutil, a análise de Nietzsche não deixa de ter
pontos de contato com esta que se acabou de ver. Tomemos um rebento degene
rado e "falido" das classes abastadas: "infelizmente, por causa de alguma heran
ça que recebeu, tem sido defraudado também do último consolo, a 'bênção do
trabalho', o esquecimento de si na ' labuta diária"'. Pois bem, de que esse precisa
para ostentar "uma aparência de superioridade" com respeito à sociedade e à
562 Taine, 1899, vol. II, p. 34-5 (= Taine, 1986, pp. 404-5).
563 Taine, 1899, vol. II, p. 35 (= Taine, 1 986, p. 405).
564 Taine, 1 899, vol. II, p. 132 (= Taine, 1 986, p. 501).
própria existência, das quais agora se sente rechaçado, e contra as quais quer
consumar até o fundo a sua "vingança"? A resposta não é difícil: "Sempre se
pode ter certeza da moralidade, das grandes palavras da moral, de alardear justi
ça, sabedoria, santidade, virtude". Concluindo, "Onde credes que a moral encon
tra os seus mais perigosos e insidiosos advogados?" (FW, 359).
A pergunta é retórica, mas de qualquer modo Taine já tinha dado a respos
ta, tendo sintetizado assim a situação da França na véspera do desmoronamen
to do Antigo regime: "Jamáis se vira num salão um tal luxo de frases genéricas
e de belas palavras".565 Por outro lado, ainda que com um juízo de valor dife
rente e oposto, à mesma conclusão tinha chegado, ainda antes, um dos protago
nistas da Revolução Francesa, ou seja, Sieyês, que tinha chamado a atenção
para um fato à primeira vista bastante surpreendente: mais ainda que do Ter
ceiro Estado, era das "duas primeiras ordens privilegiadas" que provinham "os
mais importantes defensores da justiça e da humanidade".56(,
É um fenômeno que se concluiu com a Revolução Francesa, ou está des
tinado a repetir-se, de maneiras diferentes, com a temida ou ansiada, conforme
os pontos de vista, nova onda de perturbações que parece surgir no horizonte?
Um fragmento do verão de 1 878 nota com preocupação a difusão das "ideias
socialistas" entre as "classes superiores" (VII, 522). Segundo o Manifesto do
partido comunista, "como antes uma parte da nobreza passou para a burgue
sia, assim agora uma parte da burguesia passa para o proletariado".567 A gaia
ciência parece chegar a conclusões semelhantes:
Se penso no desejo de fazer algo, que incessantemente agita e estimula
milhões de jovens europeus, incapazes de suportar o tédio e a si mesmos -
compreendo que neles deve haver uma vontade de sofrer, voltada a obter do
seu sofrimento uma provável razão para agir, para a ação. É necessário an
gustiar-se! Daí a gritaria dos políticos, daí as muitas, falsas, fabuladas, exa
geradas "condições de privação" de todas as classes possíveis e a cega
propensão a crer nelas (FW, 56).
275
mais que nossos inimigos, aqueles que desprezam o nosso valor e a nossa
vontade. Na maior parte dos atos de beneficência em favor dos desventura
dos há algo - na frivolidade intelectual com que o compassivo faz a essa
altura o papel do destino - que suscita desdém (FW, 338).
Taine invoca "um crítico e um psicólogo" para que investiguem profunda
mente a psicologia e a psicopatologia da revolução, a partir daquele "caso clínico
singular" que é Rousseau. Este, "não obstante as extravagâncias, as más ações,
os crimes cometidos, conservou até o fim uma sensibilidade delicada e profunda,
a humanidade, a compaixão, o dom das lágrimas, a capacidade de amar, a paixão
pela justiça, o sentimento religioso e o entusiasmo". 571 O fato é - observa por sua
vez Burckhardt - que o que inspirava esse "plebeu" eram "mais sentimentos
virtuosos que virtudes" reais; "o calor da sua alma era apenas aparente".572 O
enigma Rousseau é de qualquer modo o enigma da revolução enquanto tal.
A figura do "crítico" e "psicólogo" evocada por Taine parece tomar corpo
em Nietzsche, o qual mais tarde, ao atribuir ao historiador francês o mérito de
ter conseguido importantes resultados na leitura da história "dolorosa da alma
moderna" (infra, cap . 28 § 2), sublinha a dificuldade da tarefa a enfrentar e
cumprir. Trata-se, em primeiro lugar, de superar "uma enraizada aversão à
análise das ações humanas, uma espécie de pudor diante da nudez da alma"
(MA, 36). Para os que sonham com grandiosas transformações em nome da
justiça é mais fácil abandonar-se à crença confortável na nobreza dos próprios
sentimentos morais: "o espectador que não é guiado pelo espírito da ciência,
mas ,também pelo amor à humanidade, amaldiçoa no fim uma arte que parece
plantar nas almas dos homens o sentido do rebaixamento e da suspeita"
(Verdachtigung) (MA, 3 6).
O conflito político-social tende assim a configurar-se, no plano cultural,
como o choque entre entusiasmo moral ingênuo e saber científico maduro.
Superando as resistências e as dúvidas que procuram bloqueá-la e pôr-lhe obstá
culo, a impiedosa dissecação psicológica é chamada a descobrir "o que é hu
mano, demasiado humano" (MA, 37). Não basta liquidar o mito da "bondade
original" do homem; é preciso saber identificar "o preto da natureza humana"
(MA, 36) também no impulso moral e religioso a favor dos sofredores; até
agora considerados sagrados e intocáveis, "todos os sentimentos superiores
devem ser objeto de suspeita (verdachtig) para o homem da ciência" (M, 3 3).
Também esta denúncia não é de modo algum genérica. Na sua luta contra
a injustiça, Weitling faz apelo ao "espírito de benevolência, confiança e afeto,
e "ao serviço de uma tal moral está agora toda espécie de sacrificio, de ultra
passagem de si mesmo e de martírio" (M, 1 83 ) .
. É um sacrificio que parece projetar uma luz favorável também sobre o
partido a favor do qual ele se verifica. E de novo ressoa o contracanto irônico
de Nietzsche: "No fundo se pensa que, se alguém acreditou honestamente em
alguma coisa e lutou e morreu pela sua fé, seria injusto demais que apenas um
erro o tivesse animado". Bastaria dar uma olhada na história para tomar cons
ciência do absurdo de tal atitude, e, no entanto, se teima em não querer "admitir
que tudo aquilo que os homens defenderam nos séculos passados, com sacrifi
cio de felicidade e de vida, era apenas um erro" (MA, 5 3).
São os anos em que, a partir de pontos de vista diferentes, tanto Renan
como Engels fazem uma comparação entre as "primeiras comunidades cris
tãs" e as seções locais da Internacional operária (infra, cap . 1 5 § 3). A compa
ração está presente também em Nietzsche, que se serve dela, porém, para
"suspeitar" e deslegitimar a figura do "mártir" revolucionário junto com a do
santo e do profeta religioso.
No esforço de refutar em qualquer nível o mito das "chamadas ações
altruístas" (MA, 37), Nietzsche submete à investigação também a relação eró
tica: "Os homens sempre entenderam mal o amor - eles crêem que são altru-
ístas no amor" e não percebem o "forte antagonismo" que sopra no amor e no
"matrimônio" como em qualquer outra realidade (IX, 579 e 558); surpreenden
temente, não obstante a "selvagem avidez de posse" e a "injustiça" que o ca
racterizam, o "amor sexual" foi transfigurado a tal ponto que se pretendeu tirar
dele ·'o conceito de amor como contraposto ao egoísmo, ao passo que ele talvez
seja exatamente a expressão mais descarada do próprio egoísmo". Vale a pena
notar que também essa análi�e está inspirada por motivações políticas. De fato,
o aforismo prossegue assim: "Evidentemente os despossuidos e os necessita
dos em busca de posse (Nichtsbezitzende und Begehrende) -eles sempre
foram muitos - inventaram este uso verbal" (FW, 1 4). Eles gostam de agitar
um trinômio que é um pouco a paráfrase daquele que presidiu a Revolução
Francesa: "' Liberdade ', 'Justiça' e 'Amor ' ! ! ! " (XII, 4 1 9).
Se do amante passarmos para o cientista e para o intelectual, o resultado
não é diferente: "Também o instinto do conhecimento é um instinto superior de
propriedade" (IX, 45 9). A essa altura, Nietzsche define assim a sua tarefa
geral : "Descrever a história do sentimento do eu, e indicar como, também no
altruísmo, o aspecto essencial é o 'querer possuir'" (IX, 450). Em conclusão, o
egoísmo deve ser reconhecido como uma realidade inevitável: "Todo o concei
to de 'ação altruísta' , numa análise mais rigorosa, desvanece no ar [ . . . ]. Como
poderia o ego agir sem o ego?" (MA, 1 33 ) .
Tanto o santo da religião como o mártir da revolução está pronto a reivin
dicar a sua sinceridade e a sacrificar-se pela sua fé. E, certamente, "nenhuma
potência pode sustentar-se se aqueles que a representam são apenas hipócri
tas" (MA, 55). Um e o outro são sinceros, mas nem por isso são melhores do
que o mentiroso consciente: "O visionário (Phantast) nega a verdade diante de
si, o mentiroso apenas diante dos outros" (VM, 6). Num exame psicológico
mais atento, a sinceridade do visionário religioso ou revolucionário se revela
como uma mentira mais radical, e adquire essa sua radicalidade removendo
sistematicamente toda dúvida e toda tentação de sinceridade real . Com respei
to aos comuns "grandes enganadores", os "fundadores de religiões" diferem
pelo fato de nunca saírem do "estado de engano de si mesmos"; se, apesar de
tudo, a dúvida vem à mente deles, ela é imediatamente repelida e considerada
como enganos e seduções do "adversário maligno" (MA, 52). Sim, "a sinceri
dade é a grande tentadora de todos os fanáticos" (M, 5 1 1 ) .
O "crítico" e o "psicólogo", invocados por Taine, agora põem a nu a alma
visionária e religiosa enquanto tal e o pathos moral com que ela se enche e se
compraz.
4. A história, a ciência e a moral
5. Moral e revolução
E LIBERALISMO EUROPEU
maior do que jamais fora antes pe lo príncipe. Os gregos são os loucos pelo
falado da história antiga - na moderna são outros povos (WS, 232).
60 1 Taine, 1 899, vol. II, pp. 65-7 (= Taine, vol. II, pp. 435-7).
602 Burckhardt, 1 978 a, pp. 68 e passim.
603 Gobineau, 19 17, pp. 20- 1 .
604 Tocqueville, 1 864-7, vol. IX, p. 570.
indivíduo apenas o empreiteiro provisório, estraga-se a terra". É preciso não
perder de vista um fato essencial : "o homem não se preocupa e não se sacrifica
por tudo aquilo que possui apenas temporariamente e, em tal caso, se comporta
como explorador, como predador e como esbanjador negligente" (WS, 285).
É isto que o socialismo antigo e moderno teima em não querer compreen
der: "A melodia utópica fundamental de Platão, que ainda hoje é cantada pelos
socialistas, repousa num coqhecimento defeituoso do homem". De fato, quan
do "diz que o egoísmo seria suprimido com a supressão da propriedade, pode
se responder-lhe que, depois que o egoísmo fosse tirado do homem, em todo
caso não sobrariam as quatro virtudes cardeais [ . . . ]. Sem vaidade e egoísmo, o
que seriam então as virtudes humanas?" (WS, 285).
Vimos que o interesse de Nietzsche pela política é tão forte que ele não
desdenha prestar atenção ao fenômeno do abstencionismo e aos diversos pro
jetos de engenharia eleitoral antidemocrática. É natural que a este "realismo"
se ligue o utopismo singular de um filólogo Clássico que é ao mesmo tempo um
filósofo ligado à antiguidade. Um exemplo é particularmente significativo. De
pois de ter condenado como absurdo o gozo dos direitos políticos por parte
daqueles que não têm descendentes, Nietzsche prossegue assim:
Parece igualmente absurdo que aquele que escolheu como tarefa o conheci
mento mais universal e a valorização de toda a existência, assuma tornar
conta pessoalmente de urna fanúlia, da manutenção, da segurança, da prote
ção de mulheres e filhos [ . . . ] . Por isso também eu afirmo que nas coisas da
mais alta natureza filosófica todos os casados são suspeitos (MA, 436).
ili
tante dos Estados Unidos para a terra. Apenas a religião o faz de vez em
quando levantar o olhar passageiro e distraído para o céu". 627
Vimos que, durante a polêmica com Strauss, o próprio Nietzsche opõe a
seriedade da problemática religiosa à grosseria da visão filisteia e mercantil da
vida. Mesmo tomando nota de "certa sujeição do intelecto" implícita no "senti
mento religioso", Humano, demasiado humano continua a reconhecer "os
surpreendentes efeitos" que ele estende sobre a "produção do gênio". No en
tanto, mesmo querendo omitir suas outras considerações, não tem sentido aban
donar-se à saudade de um mundo irremediavelmente passado: o sentimento
religioso "teve o seu tempo e fez muitas coisas bastante boas que não poderão
mais ocorrer, porque só poderão ser produzidos graças a ele" (MA, 234). To
davia, dir-se-ia que esta conclusão não é sem um sofrimento interno. Também
Aurora, depois de ter sublinhado "a poderosa beleza e excelência dos príncipes
da Igreja", se põe uma pergunta inquietante: tudo isso "também deveria ser
sepultado com o fim das religiões? E nada de mais elevado se deixaria conse
guir e sequer idear?" (M, 60).
627 Tocqueville, 195 1 , vol. 1, 2, p. 43 (DA, livro II, parte l, cap. IX).
628 Herzen, 1 994, p. 203.
629 Tocqueville, 195 1 , vol. IV, 1, p. 58.
neceram assim por milhares de anos, e se conseguirem melhorar, deverá ser
por obra de estrangeiros". 630
Enquanto o liberal inglês se exprime assim, está em andamento na China
uma revolução, a de Taiping, gigantesca pelas forças em campo (os mortos são
contados aos milhões) e de um notável radicalismo no plano ideológico: rom
pendo com a tradição confuciana, ela toma do cristianismo a expectativa
messiânica do novum da justiça e da emancipação; centenas de milhares de
insurretos preferem suicidar-se a render-se. 631 Contribui de modo decisivo para
sua derrota a intervenção da Grã-Bretanha, o país a partir do qual Mill denun
cia o milenar imobilismo da China. Estamos, pois, na presença de uma imagem
estereotipada. A ideologia tradicional do expansionismo colonial, a qual fazia
referência à necessidade da difusão da civilização, mal se aplicava à China, ou
seja, a um país de antiqüíssima civilização, bem anterior à europeia. Contudo
pareciam rebater os conquistadores e os seus ideólogos - ela estava agora
mumificada e sem vida.
Também em Nietzsche a imagem da China é a estereotipada dos anos da
expansão colonial do Ocidente: "a vingança mais pérfida" é, obviamente, "a vin
gança chinesa" (FW, 69) e a única "paixão" deste povo são "ópio, jogo, mulhe
res" (IX, 454). Mas o ponto mais importante é outro: "a mentalidade chinesa" e
"o monumento mais notável do espírito da duração" (IX, 541 ). Talvez um mínimo
de atenção a mais é agora reservado às agitações e sublevações que na China
continuam a manifestar-se e que frequentemente têm como alvo o expansionismo
militar, econômico e religioso do Ocidente. No entanto, a julgar por um fragmen
to, se trata apenas da "surda pressão de uma descarga libertadora insatisfeita"
(IX, 453), de uma explosão que não surte efeitos e que não muda o quadro geral .
Continua claro que na China o homem permaneceu "quase imutável por milêni
os" (IX, 547). Mas exatamente esta múmia putrescente é o modelo dos revoluci
onários ocidentais: "Não só os socialistas, mas também os estatólatras" gostari
am de reduzir a Europa "a condições chinesas e a uma 'beatitude' chinesa",
sobre o modelo de um país "no qual há muitos séculos desapareceu totalmente a
insatisfação e a capacidade da transformação" (FW, 24).
É um tema bem presente na cultura liberal da Europa do tempo. Mais que
os socialistas, Tocqueville visa os "economistas" e iluministas protagonistas da
preparação ideológica da Revolução Francesa. Ao perseguir os seus ideais de
"igualdade absoluta", de "socialismo" e de "onipotência do Estado", eles olham
cheios de admiração para a China: "Aquele governo imbecil e bárbaro, que um
ili
punhado de europeus domina ao bel prazer, parece a eles o modelo mais perfei
to a propor a todas as nações do mundo". 632
Segundo Nietzsche, junto com o socialismo, também a "filosofia positiva",
com a sua obsessão por "eliminar a anarquia dos espíritos'', parece inspirar-se
no país da imobilidade sem vida (IX, 453 ). Bastante semelhantes são os tons,
embora seja mais vago o alvo interno da acusação que John Stuart Mill desen
volve contra os chineses:
Tiveram êxito além de toda expectativa naquilo para o qual tendem tão indus
triosamente os filantropos ingleses - a formar um povo todo igual , cujos
pensamentos e cujas ações são guiadas pelas mesmas máximas e normas: e
aqui estão os resultados. O moderno domínio da opinião pública é, de forma
desorganizada, o que o sistema educativo e político chinês é de forma orga
nizada; e se a individualidade não conseguir fazer-se valer contra este jugo,
a Europa, não obstante o seu nobre passado e o seu cristianismo proclama
do, terá de tornar-se uma outra China. 633
3 14
no desprezo para consigo mesmos" (IX, 89). É só graças a isto que "os euro
peus" são "os primeiros homens e dominadores do globo terrestre" (IX, 23).
Mas também Tocqueville age do mesmo modo. Depois de ter apresentado a
guerra como o choque entre "mobilidade" europeia e "imobilidade chinesa", ele
prossegue assim:
É um grande acontecimento, sobretudo quando se pensa que ele é apenas a
conseqüência, a últirÍ13 etapa de uma multidão de acontecimentos da mesma
naturez.a que levam gradualmente a raça europeia para fora dos seus confins
e submetem sucessivamente ao seu império ou à sua influência todas as
outras raças [ . . ]; é a sujeição das quatro partes do mundo por obra da
.
quinta. 634
ill
Para os dois autores aqui comparados, a massificação em ato é uma espécie
de sinização. O que distingue Nietzsche é, em primeiro lugar, o seu radicalismo:
À medida que a civilização progrediu, os sentidos dos homens - os olhos,
os ouvidos - se tornaram mais fracos: por isso o medo diminuiu e o intelecto
se refinou. Talvez, com o aumento da segurança, a fineza do intelecto não
será mais necessária; e diminuirá, como na China! (IX, 452).
Mais ainda que diante de uma mudança histórica epocal, estamos diante de
uma mudança que deve ser avaliada pelo antropólogo e pelo etólogo: o "chinês"
é "o homem uniforme e fixo", que seguiu, portanto, a parábola da "maior parte
das espécies animais", deixando de ser homem no sentido autêntico do termo; de
fato, "o homem se transforma ainda - está em devir" (IX, 458). É uma loucura
criminosa assumir como modelo a "escravidão intelectual" e a retração antropo
lógica que há muito tempo caracterizaram a paisagem chinesa.
3 17
é o ponto de vista também de Nietzsche: "Provavelmente não existem raças
puras, mas apenas raças que se tornaram puras, e mesmo estas são muito
raras . Comumente se têm raças mistas (gekreuzte) [ . . . ] A pureza constitui o
resultado último de inumeráveis adaptações, absorções e eliminações"
(A uscheidungen) (M, 272). O olhar parece estar voltado para os Estados Unidos,
onde processos de fusão entre grupos éticos diferentes (o melting pot) andam
junto com a eliminação do� peles-vermelhas da face da terra e com a segrega
ção dos negros. Neste sentido, a "pureza" e o forte senso de identidade da
"raça", ou seja, do povo estadunidense, que está se formando, é o resultado
tanto de "absorções", como de "eliminações".
Mas como se coloca o problema no Velho Mundo? "A Europa deve dimi
nuir a sua população em um quarto de seus habitantes" de modo que deixe de
ser "superpovoada"; é preciso, pois, p romover emigrações e colonização (M,
206) . Mas isto não basta. O escoamento das escórias e dos refugos pode ser
aumentado ou acelerado com medidas decididamente mais radicais, que não
excluam a eliminação fisica (infra, cap . 1 9 § 3-6) . Se tudo isso devesse criar
vazios, estes poderiam ser preenchidos recorrendo-se a imigrantes chineses
habituados e chamados a ser "laboriosas formigas", isto é, a fornecer força de
trabalho mais ou menos servil (M, 206). No conjunto, tais processos represen
tam um "progresso para a pureza". Graças a eles, de fato, "a força presente
numa raça se limita sempre mais a funções selecionadas singulares, enquanto
anteriorn1e11te devia prover muitas coisas e frequentemente contraditórias" (M,
272). O objetivo que se visa é uma situação na qual a divisão entre as raças
recip rocamente incompatíveis é ao mesmo tempo uma divisão internacional do
trabalho, com base na qual os "bárbaros" deveriam ser obrigados "a prestar
serviços" em vantagem dos povos que encarnam a civilização. Na Europa, os
chineses deveriam desempenhar uma função semelhante àquela dos negros na
América (infra, cap. 1 2 § 3). Essa divisão do trabalho e uma tal "limitação"
poderão parecer "empobrecimento" e suscitar, no início, problemas. "Mas, en
fim, quando o processo de limpeza (Reinigung) estiver completo, toda aquela
força, que antes se exauria no conflito das qualidades desarmônicas, é posta à
disposição do organismo inteiro, razão pela qual raças que se tornaram assim
puras sempre foram as mais vigorosas e mais belas" (M, 272).
Como é confirmado mais uma vez pelo exemplo da Hélade: "Os gregos
nos fornecem o modelo de uma raça e de uma civilização que se tornou pura; e
esperamos que seja factível mais uma vez também uma raça pura e uma civi
lização pura europeias" (M, 272). Estamos na presença de uma sociedade na
qual a férrea divisão do trabalho e a escravidão garantem o otium e a produção
da arte e da civilização; por outro lado, a classe dominante é bastante capaz de
aumentar mediante oportunas cooptações. Não tem sentido a estreiteza de
horizontes e o provincianismo próprios de teutômanos e antissemitas:
Se pensannos que os gregos, com as suas tribos exíguas, encontravam-se
num território densamente povoado, dentro de uma raça de origem mongólica,
na costa de um litoral de populações semíticas intercaladas por colônias trácias
- então se entenderá como eles foram obrigados sobretudo a conservar e a
produzir sempre de nóvo a sua superioridade qualitativa; assim eles exerceram
o fascínio próprio sobre as massas. O sentimento de resistir sozinhos como
seres superiores no meio dos inimigos há muito tempo mais numerosos obri
gou-os a uma continua e extrema tensão intelectual (VIII, 327).
A "raça pura" não é tanto um pressuposto quanto um resultado. Repelin
do os persas, a Grécia soube assimilar os semitas, os quais não constituem um
elemento de contaminação. É assim recuperado e subsumido sob a Europa e o
Ocidente também o helenismo, anteriormente excluído igualmente pelo fato de
representar o momento de contaminação entre helenismo e judaísmo. Também
pelo que respeita à Europa, "raça mista" não está em contradição com "raça
pura". A cooptação na classe dominante dos judeus assimilados, que frequen
temente ocupam posições de prestígio na sociedade, acompanhada de medidas
também drásticas de purificação da ralé e da superpopulação em geral, tudo
isto é sinônimo não de contaminação, mas de passo decisivo para a frente na
direção da pureza. Concluindo:
O que é afinal a Europa? - Civilização grega acrescida de elementos trácios
e fenícios, helenismo e filelenismo dos romanos, o seu império cristão (o
cristianismo portador de elementos antigos, desses elementos se desenvol
vem. afinal, os germes científicos, o filelenismo se torna filosofia): até onde
se crê na ciência, até lá vão as fronteiras da Europa (VIII, 566).
ção particular ao que define como as "guerras socialistas" (infra, cap. 1 1 § 7).
10
Ü CANTOR DA " COMUNIDADE POPULAR" , O " REBELDE
SOLITÁRIO ", O "ILUMINISTA" ANTI-REVOLUCIONÁRIO E
O TEÓRICO DO "RADICALISMO ARISTOCRÁTICO"
323
diante de tudo o que é digno e venerado pela antiguidade, aquele reconheci
mento pelo solo sobre o qual cresceram, pela mão que os guiou, para o santuá
rio onde aprenderam a rezar" (MA, Prefácio, 3).
Parece até de escutar Burke quando este, em polêmica contra a arrogân
cia e a ação dissolvente da razão iluminista e revolucionária, celebra aquela
comunidade superior, transmitida pela "sabedoria dos nossos antepassados",639
que une e funde numa unidade indissolúvel "o nosso Estado, os nossos lares, os
nossos sepulcros e os nc1ssos altares".640 Sim, Nietzsche tinha aderido com
todas as suas forças a esta ideologia, bastante difundida na cultura romântica
alemã e depois bem presente também nos ambientes nacional-liberais . Depois
se tinha separado dela de modo radical e repentino. Os amigos ou ex-amigos
ficaram surpresos e, às vezes, indignados . A eles parece responder o filósofo, o
qual descreve assim o desenvolvimento daqueles que por algum tempo per
maneceram apaixonadamente ligados ao culto da própria terrra:
A grande separação chega de repente para semelhantes acorrentados, como
um abalo de terremoto: ajovem alma é de repente sacudida, arrancada, extirpa
da; ela mesma não compreende o que acontece [ ... ]. Uma curiosidade ardente,
perigosa, de um mundo desconhecido serpeia flamejando em todos os seus
sentidos; "Antes morrer que viver aqui", assim fala a voz imperiosa da sedu
ção: e este "aqui", este "em casa" é tudo o que até então tinha amado!
Intervém agora "um desejo rebelde, caprichoso, vulcanicamente impetuo
so, de peregrinar, emigrar, resfriar-se, desencantar-se, gelar-se". Inicia uma
"vagabundagem" que é como a travessia de um "deserto". Passaram os entu
siasmos de um tempo, mas ainda não surgiram novos; agora são necessários
"anos de experiências" (MA, Prefácio, 3 -4).
Sob muitos aspectos, o período que é comumente definido como "iluminista"
se apresenta como um "experimento", um entreato. Nietzsche parece ser cons
ciente disso, às vezes, já no curso da travessia dessa fase de passagem: "Quan
do as massas começam a enfurecer-se e a razão se obscurece, é bom, até que
se esteja bem seguro da saúde da própria alma, abrigar-se debaixo de um portão
e olhar como está o tempo" (VM, 303).
Também este aforismo tem um sabor autobiográfico. A plataforma ideoló
gica precedente, que parecia tão acabada, revelou-se insustentável. É neces
sário elaborar outra, mas enquanto isso, não podemos limitar-nos a ser especta
dores . Se já não existe a situação de crise aguda à qual O nascimento da
325
indica na Gaia ciência .64 1 Estamos em 1 8 82. Ao publicá-la de novo cinco
anos depois, com o acréscimo de um quinto livro, Nietzsche chama a atenção
para um trecho que ele considera essencial : "'Incipit tragoedia' é escrito na
conclusão a este livro perigosamente não perigoso" (FW, Prefácio, 1). O pará
grafo que precede imediatamente o Epílogo da segunda edição esclarece: de
pois de peregrinações, "naufrágios e desventuras", os "argonautas do ideal"
vêem delinear-se diante doo seus olhos "uma terra ainda desconhecida, da qual
ninguém ainda mediu com o olhar os limites, um além de todos os países e
recantos do ideal existentes até hoje". C laramente, com este fecho A gaia
ciência pretende indicar a passagem para uma fase nova. Sim, "o destino da
alma tem a sua virada" (FW, 382).
Como se segue também do título do aforismo (A grande saúde), a metá
fora de travessia do deserto se enlaça com a metáfora da superação da doen
ça, ou seja, da depressão:
Gaia ciência: quer significar os saturnais de um espírito, que resistiu com
paciência a uma longa pressão terrível [ . . . ], e que, de repente, é invadido pela
esperança, pela esperança de salvação, pela embriaguez da convalescença
[ . . . ]. Todo este livro não é senão uma festa depois de longa privação e
desfalecimento, a exultação da energia que volta (FW, Prefácio, 1 ).
Aparece agora com maior clareza o quadro que Nietzsche traça da sua
evolução. No que respeita à primeira fase, ela é caracterizada pelo "gosto do
absoluto" e pela falta da "arte da nuance" que "são próprios da juventude".
Na avaliação dos "homens e coisas" parece haver espaço apenas para "o
espírito de veneração" (e aqui o pensamento corre ao fascínio exercido por
Schopenhauer e Wagner), ou seja, pela "iracúndia" e pelo "desprezo" (JGB,
3 1 ). Neste segundo caso talvez se faça referência ao juízo mais crítico expres
so pelo Nascimento da tragédia sobre Goethe ou à liquidação nela contida da
arte helenístico-romana e de Roma em particular.
Tanto mais tormentoso se configura agora o desencanto:
A jovem alma, torturada por agudas desilusões, acaba por voltar-se descon
fiada contra si mesma [ . . . ]. Com quanta impaciência se atom1enta, como se
vinga pela sua longa auto-obcecação, como se tivesse sido uma cegueira
volunt<íria ! Nessa transição castiga-se a si mesma, graças à desconfiança
para com o sentimento próprio: tortura-se o entusiasmo próprio com a dúvi
da (JGB, 3 1).
Certamente, este argumento clássico toma em Nietzsche tons novos. Com res
peito ao Estado, como lugar da massificação, a Igreja no seu conjunto parece
muito superior e muito mais capaz de resistir ao difundido contágio plebeu:
Não esqueçamos, enfim, o que é uma Igreja na sua oposição efetiva a todo
Estado: uma Igreja é sobretudo uma estrutura de domínio, que assegura aos
homens mais espirituais um lugar hierárquico supremo e crê no poder da
espiritualidade ao ponto de proibir a si mesma qualquer instrumento mais
grosseiro de violência: apenas com isso a Igreja, em qualquer circunstância,
é uma instituição mais nobre que o Estado (FW, 358).
Essa nobreza prece tanto mais nítida quando comparada com as atenções
mais ou menos hipócritas de Guilherme 1 à apologética plebeia do trabalho e
com as concessões de Bismarcl< ao movimento operário. Mais do que perse
guir soluções impossíveis de uma questão social fantasmática, convém tomar
nota, segundo Nietzsche, da realidade: "Aqui tem efeito simplesmente a lei da
necess idade (Noth): para viver precisa vender-se, mas se despreza aquele que
explora esta necessidade (Noth) e compra o operário" (A rbeiter) (FW, 40). A
persistente polêmica anticapitalista é a prova de que, apesar das repetidas con
cessões das quais tem se beneficiado, a classe operária não está absolutamen
te integrada, antes continua a mostrar-se malévola e hostil em comparação
com aqueles que lhe fornecem a ocupação e os meios de subsistência.
ili
classe inimiga e pronta à insurreição; é uma política suicida recrutá-lo para o
serviço mil itar e ensinar-lhe o uso das armas . É necessário, ademais , negar-lhe
o di reito à instrução: não se pode educar como dono quem está destinado a
trabalhar como escravo. O ideal seria "constituir. uma categoria" (Stand), ou
seja, uma espécie de casta sem mobilidade social e propensa a se reproduzir
hereditariamente, "uma espécie de homens modesta e satisfeita consigo mes
ma, do tipo chinês" (GD, Incursões de um inatual, 40) .
É verdade, à s acusações de comunismo Bismarck responde que ele se
inspira, ao contrário, no "cristianismo prático" ou posto em p rática; e em
termos análogos se exprime Guilherme 1, na sua mensagem ao Reichstag.646
Mas isto não soa nada tranqüilizador para Nietzsche, que começa a tomar
nota de uma convergência substancial entre duas correntes à primeira vista
contrapostas, isto é, o cristianismo e o socialismo. A subversão é premente e
não parece encontrar res istência imp ortante. Depois que as angústias
provocadas pela Comuna de Paris se dissiparam ou atenuaram, a situação
tornou-se de fato novamente alarmante. As concessões ou cessões de
Bismarck não pareciam ter aplacado ou tomado mais condescendente o par
tido social-democrata alemão. No congresso do ano anterior ( 1 880), realiza
do na Suíça para fugir à perseguição da legislação antissocialista promovida
pelo chanceler de ferro, ele não só tinha expressado "a própria simpatia pela
luta de libertação dos niilistas russos", mas tinha modificado também "o pro
grama de Gotha, afirmando que o partido tendia para seus fins com todos os
meios e não mai s simplesmente com todos os meios legais".647 Um processo
analógico de radicalização se verificava na França, onde, naquele mesmo
ano, L 'Égahté, de Jules Guesde, abandonando o subtítulo anterior de "jornal
republicano socialista", se proclamava "órgão coletivista revolucionário".648
No que diz respeito depois à Rússia, em 28 de fevereiro de 1 8 8 1 , uma orga
nização terrorista, após várias tentativas fracassadas e tendo sofrido duras
perdas (ondas de prisões e de execuções), consegue executar a "condena
ção à morte" decretada para Alexandre II. Se também concentra a sua aten
ção na Alemanha, Nietzsche não está por fora da evolução da situação polí
tica europeia. Um aforismo da segunda edição da Gaia ciência faz referên
cia explícita ao "niilismo ao modo de Petersburgo", que se lança até o "mar
tírio" (FW, 3 47).
A gravidade da ameaça exige uma resposta à altura da situação. Por um
lado, o conflito social parece tomar-se dramaticamente violento também dentro
646 In Fenske, 1978, p. 2 81 ; Mehring, 1 96 1 b, vol. II, pp. 563 -4
647 Assim Mehring, 196 1 b, vol. II, p. 543.
648 Mayeur, 1973, p. 98.
332
da Alemanha, como confirmam os atentados terroristas contra Guilherme 1.
Tomando isto como ocasião, Treitschke convida as autoridades a esmagar o
complô da social-democracia, a proibir seus discursos e seus escritos, a que
brar a cadeia de seus ')ornais": a obra necessária de repressão não deve se
deixar estorvar por uma "filantropia mole e sentimental".649 É bom que a re
pressão posta em ação pelo aparelho estatal combine-se, segundo o expoente
nacional liberal, com a repress,ão a partir da sociedade civil : "Por que os nossos
grandes industriais não declaram que não empregarão nas suas empresas ope
rários que participem na instigação social-democrática?" Quem faz esta per
gunta são "muitos órgãos da imprensa burguesa", de modo que - observa
Mehring - "eles possam publicar longas listas de firmas que se comprometiam
em não dar trabalho aos social-democratas".650 No entanto, apesar do clima
de caça às bruxas, as leis excepcionais custam a ser aprovadas pelo Parlamen
to . É a confirmação, do ponto de vista de Nietzsche de que é necessário ir além
da "constituição representativa".
Já no período "iluminista", ao lado de propostas de restrição ou neutralização
do sufrágio, não faltam sugestões mais radicais. Vimos um aforismo de O
andarilho -e a sua sombra partir do fenômeno do abstencionismo eleitoral a
fim de deslegitimar o sufrágio universal (masculino) em vigor para a eleição do
Reichstag (supra, cap . 9 § 1). Bem mais drástica, porém, soa a redação prepa
ratória desse mesmo aforismo:
Dentro de um Estado que tinha uma constituição representativa, se numa
votação, por exemplo, para eleger os membros do Parlamento, participa me
nos da metade daqueles que têm direito de voto, em tal caso a própria cons
tituição representativa é rechaçada (XIV, 1 98).
Aqui deve ser posta em discussão a "constituição representativa" como
tal . Tendo antes sido deixada de lado, essa sugestão se transforma num progra
ma explícito nos anos seguintes. Desdenhoso agora é o juízo sobre o parlamen
tarismo: é a homenagem prestada a um "rebanho" obtuso, com a "autorização
pública para poder escolher entre cinco opiniões políticas fundamentais" (FW,
1 74). Com uma radicalização ulterior, Além do bem e do mal condena "todas
as constituições baseadas no princípio de representação", ou seja, em última
análise, no domínio do rebanho (JGB, 1 99).
É interessante notar que tal condenação é pronunciada a partir da emer
gência do Estado social e, portanto, do peso crescente que no Parlamento exer-
333
cem deputados e grupos que pretendem representar as necessidades das mas
sas populares:
Hoje, no tempo em que o Estado tem um ventre absurdamente intumescido,
em todos os campos e nas especializações há, além dos trabalhadores de
fato, os "representantes", por exemplo, além dos doutos os letrados, além
das classes populares necessitadas (leidende) os inúteis faladores que se
gabam "representar" -aquela privação (Leiden), para não falar dos politiquei
ros profissionais, que estão muito bem, mas esbaforam-se para "represen
tar" diante do Parlamento condições de miséria (Nothstande) (XI, 475).
335
de difamação da Idade Média (infra, cap. 1 7 § 1 ). Pior, "traduzido em alemão,
liberalismo significa animalizar-se no rebanho" (GD, Incursões de um inatual,
38); ele se inspi ra na mesma demagogia igualitária e na mesma visão da vida,
de conformidade com a equalização e com o conforto para todos, que caracte
rizam o socialismo.
Junto com o liberalismo tomou-se inútil também o conservadorismo: "Nós
não 'conservamos ' nada, n�o queremos sequer regredir a algum passado" (FW,
3 77). Que sentido tem demorar-se numa atitude de conservação, ou aspirar a
uma restauração qualquer, se o ciclo revolucionário se alastra por séculos ou
até por milênios? Os conservadores apelam para tradições às quais dão gran
des significados morais e religiosos, na tentativa de afastá-las das dúvidas e das
contestações que se difundem . Mas trata-se de uma operação vazia e artifici
osa: "Aqui se esconde a grande desonestidade dos conservadores de todo tem
po: são mentirosos 'ainda por cima"' (FW, 29). O conservadorismo assume
frequentemente tons cristãos . Mas - objeta Nietzsche -, se também a Igreja e
a religião podem revelar-se instrumentalmente úteis em determinadas circuns
tâncias, nós "não admitiremos nunca uma situação em que domine o santarrão"
(EH, Porque sou tão inteligente, 5). Este último, por um lado, continua a estar
agarrado a uma religião de cujas implicações subversivas não é consciente; por
outro lado, é totalmente inferior ao desafio do tempo.
Está claramente surgindo um novo "partido" político, que quer acabar
com o movimento democrático e socialista, mas sem de nenhum modo confim
dir-se nem com o liberalismo, cuja cumplicidade ou subaltemidade com respei
to a esse movimento dênuncia, nem com o conservadorismo, cuja veleidade e
hipocrisia sublinha. E então? Uma variante do aforismo da Gaia ciência acima
citado explicita a conclusão que agora se impõe: é preciso "descobrir terras
desconhecidas", "ideais novos, novas realidades, uma nova pátria! " (XIV, 276).
Impõe-se uma luta frontal não só contra o socialismo e o anarquismo, mas
também contra o II Reich, culpado de ser condescendente, com Bismarck,
com a "mediocridade (Vermittelmaj3igung) da democracia e com as ' ideias
modernas ' " (GT, Tentativa de autocrítica; I, 20). Embora tome em conside
ração de modo particular as concessões ao movimento operário e as tentativas
de construção de um mínimo de estado social em nome do "cristianismo práti
co", da "compaixão" pelos abandonados ou de vagas ideias de ')ustiça", a
polêmica de Nietzsche ataca agora em cheio também o liberalismo e a "cons
tituição representativa".
5. A sombra da suspeita ataca os moralistas
Um programa político tão radical como aquele aqui enunciado exige uma
plataforma filosófica bem diferente daquela do "iluminismo moral'', chamado
mais a prejudicar a "boa consciência" da ação revolucionária do que a fundar e
estimular a ação contra-revolucionária. Ainda em O andarilho e a sua som
bra Nietzsche sente a necessidade de se distanciar do imoralismo:
Os moralistas devem hoje suportar sentir-se acusados de imorais, porque
dissecam a moral. Mas quem quer dissecar deve matar: mas só para que se
saiba melhor, se julgue melhor e se viva melhor, não para que todos disse,.
quem (WS, 19).
337
acaba assim identificando-se com a figura do filósofo idealista, com respeito à
qual era antes chamada a funcionar como antídoto: "Os filósofos, como os
moralistas, minam o naturalismo da moral" (XIII, 403).
Depois de ser projetada, graças também à sua lição, sobre o pathos dos
nobres sentimentos morais para os quais faz apelo o movimento revolucionário,
agora a sombra da suspeita ataca, e de modo pesado, os próprios moralistas. O
modo deles de argumentar tende a obstacular a "boa consciência" da ação
enquanto tal, não apenas &" ação revolucionária. É necessário desembaraçar
se de uma p resença que se tomou embaraçosa. Só a esta altura o campo pode
tomar-se livre para a ação contra-revolucionária.
Acompanhada de uma pergunta inquietante e sempre mais persistente
("Não se podem inverter todos os valores? E é por acaso bem o mal?"), a
travessia do "deserto" põe cabo à aquisição da "grande saúde" (MA, Prefá
cio, 3). Quem esclarece o significado de tal abordagem é uma voz, que tam
bém fala ao espírito livre (que agora adquiriu ou está para adquirir a "grande
saúde" e que, a partir deste cume conquistado com dificuldade, é chamada a
abraçar e usufruir o novo horizonte, mas também a refletir sobre o caminho
percorrido):
Devias aprender a compreender a necessária injustiça de cada pró e contra,
a injustiça como inseparável da vida, a própria vida como condicionada pela
própria perspectiva e pela sua injustiça. Devias sobretudo ver com os teus
olhos onde a injustiça é sempre maior: lá onde a vida se desenvolveu do
modo mais minúsculo, mais restrito, mais mesquinho e mais primordial, e,
todavia, não pode deixar de tomar a si mesma como objetivo e medida das
coisas e estilhaçar e questionar secreta e mesquinha e incessantemente, por
amor da sua conservação, aquilo que é superior, maior e mais rico; devias
olhar na cara do problema da hierarquia e ver como força e direito e amplitude
da perspectiva crescem juntos em altura. Devias. . . Basta, o espírito livre sabe
agora a qual "deves" obedeceu (MA, Prefácio, 6).
341
Não se trata de aspirar a "uma humanidade bela, tranqüila, alimentada e
florescente em todo sentido"; esse objetivo poderia ser conseguido também
sem o "mal", mas nada teria a ver com o fim ao qual Nietzsche tende e que
define como a "nossa melhor humanidade". O significado de tal categoria é
esclarecido por uma declaração ulterior: "Se se pensa no homem mais rico,
nobre e fecundo sem o mal, se pensa uma contradição [ . . . ] . Um gênio deveria
sofrer terrivelmente, porque toda a sua fecundidade quer alimentar-se egoista
mente dos outros, dominá-los, sugá-los, e assim por diante" (IX, 457). Trata-se
de compreender e justificar o sacrificio, que a civilização pede, de uma massa
considerável de homens, bem como da maior parte da humanidade. Antes
identificada na "compaixão", nos "nobres sentimentos", nos apelos à "justiça",
agora o perigo de deslegitimação de tal sacrificio é identificado na moral en
quanto tal. Agora, ela é posta totalmente fora do jogo mediante a afirmação da
irresponsabilidade que preside o agir humano e, portanto, com a tese da "ino
cência do devir".
347
as situações, o novo é o mal, à medida que quer derrubar o que é para
conquistar, as antigas pedras de fronteiras e os velhos cultos; e só o antigo
é o bem. As almas boas de todo tempo são aquelas que enterram nas
profundezas os antigos pensamentos e os fazem frutificar, os lavradores do
espírito. Mas, no fim, aquela terra estará exaurida e sempre de novo deverá
voltar o arado do mal (FW, 4).
É particularmente significativo o fato que o termo "camponês" tenha se
tornado um insulto. Verificou-se uma inversão com respeito ao "prefácio" de
um "livro não escrito" que indicava como "tonificante" o espetáculo da vida
"consuetudinária" dos "servos da gleba" fechados no "recinto melancólico da
sua restrita existência" (infra, cap . 1 4 § 4) . É verdade, o discurso era conjuga
do olhando exatamente mais para os servos da gleba que para os seus senho
res. Assim como se volta para os espíritos livres, e só para eles, quando se
afirma que "ser genuínos, mesmo no mal, é melhor que perder-se a si mesmo
na eticidade da tradição" (FW, 99). Resta o fato que, no período pré-"iluminista"
se notava o fascínio de uma ideologia ao modo de Burke e não havia ainda
consciência plena da necessidade do discurso duplo a dirigir aos servos ou aos
senhores, a plena consciência da "hierarquia".
Depois de passar da fase "iluminista'', a crítica e a denúncia da revolução
se coloca agora no terreno do "modernismo reacionário".660 A ruptura com o
culto do solo é também a ruptura com o culto da tradição; é a tomada de
consciência que, nas condições da modernidade, pode-se opor de modo radical
à revolução apenas colocando-se no mesmo nível. Certamente, também
Zaratustra pronuncia uma dura crítica à "grande cidade" como lugar privilegi
ado da subversão, por um lado, e da mediocridade, por outro; mas a alternativa
a tudo isso já não é identificada no impossível retomo ao solo e sim na expansão
colonial: graças a ela se livra da superpopulação e dos miasmas dos mal suce
didos enquanto, ao mesmo tempo, se fortalecem as virtudes vi.ris e guerreiras
dos melhores (infra, cap . 1 8 § 6 e cap . 1 1 § 7).
Sobre a novidade forte da última fase com relação à "iluminista" é o pró-
prio Nietzsche que chama a atenção:
Suponhamos que tivesse batizado o meu Zaratustra com o nome de outro,
por exemplo, o de Richard Wagner; pois bem, a agudeza de dois milênios não
teria bastado para adivinhar que o autor de Humano, demasiado humano é
o visionário ( Visionar) do Zaratustra (EH, Porque sou tão inteligente, 4).
660
Sobre conceito de "modernismo reacionário" Cf. Herf, 1988 e Losurdo, 1 99 1 , cap. 5.
Salta aos olhos a autodefinição que o último Nietzsche dá de si mesmo:
"visionário"! Estão superadas as incertezas e a atitude fundamentalmente de
fensiva do período iluminista, agora é com tom inspirado e agudo que se anun
ciam o "novo conhecimento" e o "novo evangelho" antes procurados às apal
padelas . A nova verdade, melhor, a verdade sempre desejada e finalmente vin
da à luz, é vivida como a conclusão de um longo ciclo, com a liquidação dos
terríveis atavismos que pesam sobre a existência humana, a começar pelo sen
tido de culpa do pecado imposto e instilado no espírito pelo tirano imaginário no
reino dos céus.
Mas do próprio elemento de descontinuidade surge novamente a continui
dade de fundo, ou seja, a crítica e a denúncia da revolução. Junto com a moral,
também a ideia de igualdade é um atavismo: "Por imensos períodos de tempo,
o intelecto produziu ai:>enas erros [ . . . ], por exemplo, estes: que existem coisas
duráveis, que existem coisas iguais" (FW, 1 1 O). Agora é possível reconhecer o
que é velharia primitiva: "Partindo da etimologia e da história da linguagem,
consideramos todos os conceitos como desenvolvidos e muitos como ainda em
devir; e precisamente de modo tal que os conceitos mais universais, bem como
os mais falsos, devem também ser os mais antigos" (XI, 6 1 3).
Continua a existir algo do "iluminismo" da fase anterior, como se segue da
denúncia da "inclinação i lógica", que até "criou no princípio todos os funda
mentos da lógica", a "tratar o semelhante como igual" (FW, 1 1 1 ), a instituir um
sinal de igualdade entre os homens onde há semelhança mais ou menos vaga.
Ainda mais clara é a persistência do "positivismo", como surge pela configura
ção em chave naturalista tanto da ideia de igualdade como da norma moral,
ambas rejeitadas à medida que não correspondem a qualquer realidade, a qual
quer fato.
Superados os atavismos teológicos e revolucionários, agora se afirma a
ideia de irresponsabilidade e de inocência com tudo o que ela tem de problemá
tico e inquietante:
Quais são as transfonnações profundas, que devem derivar das teorias se
gundo as quais se afirma que não há um deus que se preocupa conosco e
não há uma lei moral eterna (humanidade ateisticamente imoral)? Que somos
animais? Que a nossa vida é transitória? Que não temos responsabilidade?
O sábio e o animal se aproximarão e produzirão um tipo novo! (IX, 461 ).
11
" RADICALISMO ARISTOCRÁTICO " E
"NOVO PARTIDO DA VIDA"
ili
Um motivo de magnânima abnegação pública (porque mantém a disciplina e
a coesão e dá até coragem !) deve sempre existir! (IX, 591).
Quer lutem pela revolução democrática e nacional, quer pela revolução
socialista, trata-se sempre de carolas e zelotas em forma nova. Eis, portanto,
uma primeira linha nítida de demarcação. De um lado temos sempre um "cren
te", preso à "convicção fundamental que a ele devem ser dadas ordens", do
outro está o homem que "se despede de toda fé, de todo desejo de certeza" e
que por isso goza do "prazer e [da] energia da autodeterminação". Este é "o
espírito livre par excellence" (FW, 347).
Além disso, deve-se ter presente que pathos moral, mentalidade gregária
e subaltemidade wm respeito ao espírito filisteu do tempo são tudo a mesma
coisa. Agitando as palavras de ordem da igualdade dos direitos e de uma com
paixão capaz de abraçar todos os homens independentemente de qualquer di
ferença de classe, os intitulados espí ritos livres ou os "livres pensadores" de
tipo anarquista e socialista não se distinguem de nada, nem da massa nem da
ideologia dominante: "Eles aspiram com todas as suas forças à universal felici
dade do rebanho em pastagem verde, com segurança, ausência de perigos,
conforto (Behagen), alívio da vida para todos" (JGB, 44).
Estamos na presença de "escravos do gosto democrático", de "homens
sem solidão". Bem diferentes são as coisas no lado oposto: "Como admirar que
nós 'espíritos livres ' não sejamos exatamente os espíritos mais comunicati
vos?" Se os primeiros, como todos aqueles que têm a ver com a massa, são
"loquazes" e "ridiculamente superficiais'', os segundos se distinguem pela sua
profundidade e impenetrabilidade. São "almas manifestas e ocultas, cujas in
tenções últimas dificilmente poderiam ser divisadas, com proscênios e bastido
res que nenhum pé conseguiria percorrer até o fim, escondidos sob o manto da
luz" (JGB, 44).
Da sociedade que declaram querer combater os intitulados espíritos livres
herdam na realidade o essencial, ou seja, a visão filisteia da vida: "A própria dor é
tomada por eles como algo que deve ser eliminado" (JGB, 44). O ideal de "au
sência de dor" é que associa "socialistas e políticos de todos os partidos",
unanimemente concordes em refutar uma perspectiva ao mesmo tempo mais
realista e mais atraente: ··o máximo de desprazer possível, como preço pelo
incremento de uma abundância de sutis prazeres e alegrias, raramente saborea
dos até hoje" (FW, 12). É essa, porém, a perspectiva perseguida pelos autênticos
espíritos livres, bem conscientes da fecundidade de "dureza, prepotência, escra
vidão, perigos pelas ruas e no coração", de "tudo o que há no homem de mau, de
tirânico, de animal de rapina e de serpente". São as condições para que "a planta
'homem"' cresça em altura e vigor e "a sua vontade de vida" possa "potenciar-
se até a absoluta vontade de potência". No seu desejo de paz e de conforto, os
intitulados espíritos livres revelam-se medrosos, enquanto aqueles autênticos de
vem estar "prontos para ousar tudo" (JGB, 44) , devem saber colocar-se na "bus
ca de tudo o que a existência tem de estranho e problemático, de tudo o que até
agora era proibido pela moral" (EH, Prólogo, 3).
Em conclusão, ao romper com toda forma de conservadorismo, o novo "par
tido" endossa a palavra de ordem do anticonformismo e da dessacralização da
tradição religiosa e política vigente, mas, ao mesmo tempo, toma nitidamente
distância de uma corrente já há algum tempo empenhada em agitar, com objeti
vos bem diferentes, essa palavra de ordem. São os anos em que Büchner, presi
dente da ·'Liga dos pensadores livres" (Freidenkerbund), se bate pela "seguridade
estatal para a velhice e a invalidez", com um programa de reformas sociais avan
çadas, embora seja levado adiante em oposição, segundo a opinião de Mehring e
da social-democracia revolucionária, ao "movimento autônomo do proletariado".(,61
Compreende-se, então, a nítida contraposição entre a figura do Freidenker, poli
ticamente subalterna ao democratismo e ao conformismo dominantes que ten
dem a assumir poses aparentemente rebeldes no plano religioso, e a figura do
autêntico espírito livre. Ao reconstruir mais tarde sua evolução, Nietzsche decla
rará que desde a primeira Inatual ele sentira a necessidade de distinguir-se da
corrente ideal e política dos "pensadores livres":
No fundo, tinha posto em prática uma máxima de Stendhal, aquela em que se
recomenda fazer a sua entrada na sociedade com um duelo. E como tinha
escolhido bem o meu advers.:1rio! O primeiro livre pensador alemão!. .. De fato,
através de todas essas coisas se manifestou então pela primeira vez uma
espécie totalmente nova de livre pensador: até agora nada me é tão distante e
estranho quanto toda a ralé europeia e americana dos "/ibres penseur.Ç'. Estou
no mais profundo desacordo com eles, com estes incorrigíveis estúpidos e
fanfarrões das "ideias modernas" do que com qualquer um dos seus adversá
rios [ . . . ]. Eu sou o primeiro imoralista (EH, Considerações inatuais, 2).
353
filisteia (AC, 5 7). Indo ainda além, Nietzsche declara: "Não podemos ser senão
revolucionários" (Revolutioniire) (EH, Porque sou tão inteligente, 5). Tendo
já aparecido nos_ apontamentos preparatórios da terceira Inatual (supra, cap.
6 § 9), a aspiração a rasgar do movimento socialista, junto com a bandeira do
anticonformismo e do radicalismo teórico, também a da revolução, toma-se um
traço essencial característico do novo partido.
Trata-se, nesse caso, de uma revolução bastante singular. Para evitar equí
vocos, Nietzsche esclarece logo que os chamados espíritos livres odiosos a ele
"são exatamente não livres e ridiculamente superficiais, sobretudo pela sua
tendência a ver nas formas da velha sociedade até hoje existente a causa de
toda humana miséria e fracasso" (Missrathen) (JGB, 44) . Impõe-se, ao con
trário, a tomada de consciência do fato que é a natureza enquanto tal que
condena a massa dos homens a uma condição servil e a uma vida de privações
e impõe uma organização aristocrática.
Não há dúvida, essa persuasão caracteriza Nietzsche durante toda a sua evo
lução. Nem sequer o período "iluminista" representa um corte: já em Humano,
demasiado humano transparece o empenho em pesquisar as condições da forma
ção e consolidação de "uma aristocracia espiritual e fisica" (MA, 243). Mas agora
o problema do domínio da "boa e sadia aristocracia" (JGB, 258) está no centro das
preocupações, e a sua solução exige o repúdio das meias-medidas. Por isso, numa
carta de 2 de dezembro de 1 8 87, Nietzsche se reconhece prontamente e com
entusiasmo na definição, feita por Brandes, da sua filosofia como um "radicalismo
aristocrático" (B, III , 5, p. 206). Adjetivo e substantivo são aqui intercambiáveis. O
"radicalismo aristocrático" é um "aristocratismo" tão radicalmente comprometido
com a luta contra "os ideais do rebanho" (XIII, 65 ) que não pode certamente
satisfazer-se com a defesa da ordem existente, ela mesma toda perpassada pela
visão do mundo mercantil e plebeia, que é preciso liquidar de uma vez para sempre.
Em outras ocasiões, Nietzsche professa um "antidemocratismo" tão conseqüente
que parece "horrível" aos oll10s dos contemporâneos (B, III, 3, p. 58). É constante
a polêmica contra "esta época da plebe e dos camponeses" (B, III, 3, p. 65), contra
o .. século democrático" (B, III, 3, p. 32) e a sua "liberdade de imprensa e de impru
dência" (Pref3- und Frechheits-Freiheit) (B, III, 3, p. 62).
A orientação ideal do novo "partido" é agora clara. Estamos na presença
de um ''radicalismo aristocrático" defendido com tons rebeldes e até revoluci-
11ários e, às vezes, ap roximando-se do "anarquismo". Um aforismo posterior
da Gaia c1encia, que se distancia niti damente do l ib e ral i s mo e do
conservadorismo, além de, é claro, do movimento democrático e socialista, lan
ça luz sobre os conteúdos mais propriamente políticos:
Alegramo-nos com todos aqueles que, como nós, amam o perigo, a guerra, a
aventura, que não se deixam acomodar, capturar, conciliar e castrar, incluí
mos a nós mesmos ent�e os conquistadores, meditamos sobre a necessidade
de novas organizações, até de uma nova escravatura - porque todo fortale
cimento e elevação do tipo "homem" está estreitamente ligado a um novo
gênero de escravismo - não é verdade? (FW, 377).
"Quantos séculos são necessários para um espírito ser compreendido?" (JGB, 285).
A distância temporal pode ser instituída também com o olhar voltado para
o passado. O mote de um aristocrático autêntico é: "O meu orgulho é: ' Eu
tenho uma origem"' (IX, 642). E passando este mote para o plano pessoal,
Nietzsche constrói para si uma genealogia que se afasta da Alemanha, do lugar
que, como veremos (infra, cap. 1 7 § 1 ), está agora se configurando, a seus
olhos, como o foco principal de infecção da massificação moderna: "Sempre
me ensinaram a remontar a origem do meu sangue e do meu nome a uma
família de nobres polacos, que se chamavam Nietzky" (IX, 68 1 ). Não se trata
de uma curiosidade banal: "Com isto toco no problema da raça; eu sou um
nobre polaco pur sang [ . . . ] . Mas como polaco sou também um enorme
atavismo" (EH, Porque sou tão sábio, 3).
Ao ser afirmado no plano espacial ou temporal e, neste último caso, com
o olhar voltado para o futuro ou para o passado, o pathos da distância, e por isso
da "inatualidade", é um traço característico do espírito livre e do aristocrata. É
um tema desenvolvido em particular em Além do bem e do mal, a propósito do
qual, mais tarde, Ecce Homo observa:
O livro é uma escola do gentilhomme, se o conceito for entendido no sentido
mais espiritual e radical que jamais lhe foi dado [... ]. Todas as coisas que
fazem o orgulho do nosso tempo são sentidas como contraditórias com este
tipo, quase como sinais de má educação (EH, A lém do bem e do mal, 2).
Para ulterior confirmação da sua distinção, os "homens excepcionais", ou
seja, dotados de uma "natureza superior'', exprimem todo o seu desprezo pelo
cálculo utilitário que consti!ui o horizonte exclusivo da humanidade comum: "A
irracionalidade ou a racionalidade extravagante próprias da paixão é o que a
pessoa vulgar despreza na nobre". O estranho ao círculo aristocrático, que
"mantém sensatamente sob os olhos a vantagem própria", não consegue aper
ceber-se de "como se pode colocar em jogo a saúde e a honra, por exemplo,
por amor de uma paixão do conhecimento". Mais em geral, "todos os senti
mentos nobres, magnânimos, aparecem à naturezas vulgares, afinal, como ina
dequados e, por isso, antes de tudo, como não dignos de fé". Sim, eles "são
desconfiados (argwohnisch) em relação ao homem nobre, como se este bus
casse a sua vantagem por caminhos transversos" (FW, 3).
O Nietzsche moralista tinha feito valer a "escola da suspeita" em relação
aos "'sentimentos superiores" para os quais apela o movimento revolucionário
que agita a bandeira da justiça social (supra, cap. 8 §§ 1 e 5). É preciso reco
nhecer - como Aurora tinha sublinhado - que eles "estão misturados de ilusão
e de absurdo" {M, 3 3 ) ; mas agora é apenas a natureza vulgar que difama como
"totalmente fantástica e arbitrária" a motivação adotada pelo "homem nobre,
magnânimo, pronto ao sacrificio" (FW, 3). O Nietzsche moralista e "iluminista"
tinha oposto as luzes à fé cristã e socialista; mas agora o aristocrata, o qual
"nos seus momentos melhores abre uma pausa na sua razão" e compreende
que "o intelecto deve calar", é celebrado em contraposição ao plebeu ao qual
tudo isso parece "defeito de ininteligibilidade e falta de praticidade" (FW,3).
Nesse sentido podemos falar de formalismo de Nietzsche: a natureza su
perior é por ele definida de modo também radicalmente diferente, o essencial é
res istir ao abismo que a separa da humanidade comum. Mas se fizermos abs
tração do período ou intervalo ''iluminista", não há dúvida de que quem define o
homem plebeu e vulgar é o pensamento calculista, que ignora toda grandeza e
é incapaz de qualquer profundidade, que visa a ausência do perigo, o sossego e
o conforto e, portanto, a ''civilização".
4. Aristocracia, burguesia e intelectuais
663
Mayer, 1982, passi111 e, pelo que respeita particulam1ente à Inglaterra, Cannadine,
199 1 , pp. 22-4.
diversidade dos valores humanos, em suma, na hierarquia" (XI, 544). Portanto,
na medida em que aceitar ratificá-lo no plano religioso, também o clero ou o
alto clero pode ser cooptado no bloco dominante.
Os intelectuais, porém, estão excluídos. Nietzsche sublinha que a "nobreza
de nascimento" celebrada por ele não tem nada a ver com a chamada aristocra
cia do espírito . ..Aristocracia do espírito" - observa ele - "é um mote favorito dos
judeus", e é perigoso à media gue corre o risco de atribuir uma posição de pree
minência aos ··artistas", aos ·'poetas", a "qualquer um que seja mestre em alguma
coisa", ou seja, em última análise, os intelectuais. Quando não estejam propensos
à '·demagogia" e à subversão, eles merecem proteção. "Mas :.... acrescenta
Nietzsche, falando como membro ou porta-voz do novo 'partido' aristocrático -
nós, como seres que somos naturalmente superiores àqueles, àqueles que sim
plesmente sabem fazer alguma coisa, aos homens meramente 'produtivos' , não
nos confündimos com eles" (XI, 543-4). Já um fragmento juvenil tinha sublinhado
que "existe uma aristocracia ética que ninguém pode alcançar se não nasceu nela
e para ela" (VII, 809). Agora se fala de modo mais explícito de "nobreza de
nascimento". De qualquer modo, pelo menos num ponto Bismarck merece apre
ço: ele é "desconfiado em relação aos intelectuais" (XI, 256).
Longe de identificar-se com os intelectuais, Nietzsche pretende ser o
ideólogo do bloco social por ele desejado e transfigurado: "Pegar na mão um
livro meu me parece uma das mais raras distinções que alguém pode conceder
se [ . . . ] . É uma distinção sem igual poder entrar neste mundo nobre e delicado"
(EH, Porque escrevo livros tão bons, l e 3). Um mundo exclusivo: Genealogia
da moral "tem a sorte de ser acessível apenas aos espíritos de sentimento mais
elevado e maximamente rigorosos" (WA, Epílogo, nota). É bastante pequeno
o círculo dos leitores também porque é chamado não só para adquirir um saber
teórico, mas também a desenvolver uma ação de importância decisiva: "Os
supremos eleitos se dedicam à maior de todas as tarefas, a da transvaloração
de todos os valores" (EH, O nascimento da tragédia, 4).
371
Encontramos , portanto, uma novidade quando lemos na Gaia ciência uma
profissão de "fé" numa regeneração masculina da Europa mediante a guerra
(FW, 3 26). "'O segredo para colher a fecundidade maior e o prazer maior da
existência se exprime assim: viver perigosamente ! Construí a vossa cidade sob
o Vesúvio, enviai vossas naves a mares inexplorados !" (FW, 283). É um tema
que volta também nos escritos posteriores: "Se se renuncia à guerra, renuncia
se à vida grandiosa" e se permanece inextricavelmente prisioneiro da medio
cridade e da banalidade do moderno (G D, Moral como contranatureza, 3) .
O tema novo que se apresenta, depois da conclusão da fase "iluminista",
e a espera confiante de uma nova época de guerras, é a persuasão que agora
leva ao fim o período de paz e de ideal da paz perpétua: "Saúdo todos os sinais
de uma idade viril e guerreira que está no seu começo e que honrará, antes de
tudo, a força do valente". São anunciadas "guerras por amor às ideias e suas
conseqüências" (FW, 283). Não se pode fechar os olhos diante da "nova idade
gtÍerreira, na qual nós europeus entramos claramente" (JGB, 209).
A quais conflitos se faz referência aqui? A pergunta se impõe porque,
tendojá aparecido nos escritos "iluministas", a condenação do chauvinismo
alemão e, mais em geral, intraeuropeu, é agora acentuada com força. Dura, e
fascinante, é a acusação feita contra a "pequena política", que se alimenta não
só com os "ódios mortais" entre os países europeus, mas também com o "naci
onalismo e ódio de raça" (Rassenhass) e que particularmente na Alemanha
cultiva uma ·'mentirosa autoadmiração e libido racial". Felizmente, "não faltam
entre os europeus de hoj e aqueles que têm o direito de chamar-se, num sentido
eminente e honorífico, sem pátria". E A gaia ciência declara que é a eles que
quer dirigir-se em primeiro lugar: "Nós somos, numa palavra - e deve ser esta
a nossa palavra de honra - bons europeus, os herdeiros da Europa, os ricos
demais, mas também nas obrigações desmedidamente ricas herdeiros de um
mi lenar espírito europeu" (FW, 377).
Portanto, quais são as guerras que surgem no horizonte? São os anos em
que a expansão colonial do Ocidente se desenvolve mais impetuosa que nunca.
Também na Alemanha se fazem sentir com força sempre maior as vozes que
exigem a participação do país na competição que se realiza entre as grandes
p otênc ias . Destes humores é expressão a fundação do Deu tsche r
Kolonialverein: estamos no ano de 1 8 82, o ano que vê a ocupação do Egito
pela Inglaterra e a publicação da Gaia ciência. Já apresentada na primeira
edição, a "idade viril e guerreira" adquire contornos mais precisos na segunda
edição: aqui Nietzsche formula o desejo de que, aproveitando a lição de
Napoleão, "uma Europa unida" se tome "senhora da terra" (FW, 362).
372
É indubitável a simpatia com que o filósofo olha, já no período iluminista,
para a marcha expansionista do Ocidente. Entre os seus resultados positivos
deve ser incluído o fim do medo dos "bárbaros" e dos "animais ferozes" (su
pra, cap . 9 § 6). Mais positivamente ainda deve ser saudado o processo em
curso, pelo fato de ele poder servir para neutralizar o conflito social na metró
pole capitalista. Para este fim Nietzsche faz um apelo ao operário alemão e
europeu em geral. Mais do que-se tomar "escravo do Estado", como resultado
da extensão da intervenção do Estado na economia, ou, pior, "escravos de um
partido subversivo", deixando-se enganar pela propaganda socialista, convém
percorrer outro caminho:
É melhor emigrar para regiões selvagens e intactas do mundo e procurar tor
nar-se senhor, e sobretudo senhor de mim mesmo: mudar de lugar enquanto
continuar a haver algum sinal de escravidão; não abandonar o cantinho da
aventura e cfa guerra, e, para os casos piores, estar pronto para a morte, contanto
que não seja necessário suportar mais essa indecente condição servil, contanto
que deixe de ser amargo, venenoso e conspirador (M, 206).
A emigração aqui recomendada é de caráter guerreiro, é a expansão co
lonial naquele período reivindicada na Alemanha por crescentes setores da opi
nião pública. Em 1 879, dois anos antes da publicação de Aurora, tinham se
levantado vozes para recomendar a conquista de territórios além-mar como o
instrnmento privilegiado para erradicar na pátria "as plantas venenosas da sub
versão socialista". Além do mais, talvez se tivessem criado além-mar "nações
alemãs de senhores" (deutsche Herrennationen).669 É o "sinal de escravi
dão" que Nietzsche diz que pisca. Graças a essas "entusiásticas expedições de
colonizadores" - prossegue Aurora - a Europa deixará de ser "superpovoada"
e '·cmbolorada" pela presença de "operários" que estão "descontentes, irrita
dos e ávidos de prazer". Em conclusão: "aquilo que dentro do país natal come
çava a degenerar em perigoso descontentamento e em tendência criminosa,
adquirirá fora dali uma natureza selvagem e bela e tomará o nome de heroísmo"
(M, 206). A uma conclusão não diferente tinha chegado um autor anteriormen
te citado, que à colonização tinha atribuído o mérito de promover "a exportação
da massa dos materiais explosivos revolucionários" e de pôr um fim à "fermen
tação socialista nas cabeças das nossas [ . . . ] massas sem propriedade".670
No entanto, as angústias se entrelaçam com as esperanças. Um acrésci
mo depois cancelado ao aforismo 4 77 de Humano, demasiado humano, que
373
vimos empenhado na celebração das virtudes purificadoras da guerra, fazia
referência às "guerras [ . . . ] socialistas", guerras "terríveis", as quais era neces
sário enfrentar com energia e isenção de ânimo: "Para não morrer de fraqueza,
é preciso tomar-se bárbaros" (XIV, 148). Também nesta sua análise da situa
ção política, Nietzsche não está isolado. Intervindo no ano depois de Humano,
demasiado humano, o jornalista já citado observa: "Vivemos debaixo de um
vulcão no sentido mais verdadeiro do termo". Assiste-se a uma progressiva
piora das tensões sociais e poderia acontecer que "o centésimo aniversário da
Revolução Francesa" veja o II Reich submerso "num mar de sangue". 671
Nos anos seguintes, os atentados na Alemanha e na Rússia, a radicalização
geral do movimento socialista e anárquico pareciam confirmar a tese segundo
a qual não é possível reabsorver pacificamente o protesto das classes subalter
nas: as "guerras sociais" estão na ordem do dia (IX, 546). No plano internaci
onal surgem mais confusões, que, além das colônias, tendem a atacar também
as grandes potências. O olhar de Nietzsche está voltado para a Rússia, já vista
como "as fauces estendidas da Ásia, que queriam engolir a pequena Europa"
em O andarilho e a sua sombra (supra, cap. 9 § 7).
Estamos no início de 1 8 8 O. Em outubro do ano anterior a Alemanha tinha
feito uma aliança com a Áustria também para responder à pressão, percebida
como ameaçadora, da Rússia. Alexandre II, desiludido e frustrado com os re
sultados do Congresso de Berlim que, por iniciativa em primeiro lugar da Grã
Bretanha, tinha bloqueado o avanço do seu país nos Bálcãs e em direção aos
Estreitos [Dardanelos], tinha enviado uma carta dura e quase como ultimato a
Guilherme 1 (a chamada "carta da bofetada") . O perigo parecia tomar-se con
creto - como diz Bismarck numa carta ao imperador alemão - de "um ataque
bárbaro".672 Nos anos que se seguem a tensão não cessa, a qual parece tor
nar-se de novo aguda em 1 8 85-86 por ocasião de uma nova crise nos Bálcãs. 673
É talvez neste contexto que esteja colocada a análise contida em A lém do bem
e do mal. Enquanto os países europeus se revelam muitas vezes enfraqueci
dos , "a força do querer" continua a manifestar-se impetuosa "naquele imenso
Império intermédio no qual, por assim dizer, a Europa reflui para a Ásia, na
Rússia", a qual parece empurrar em todas as direções:
Não só poderão se tornar necessárias guerras na Í ndia e complicações na
Ásia, a fim de que a Europa se liberte do peso do seu maior perigo, mas serão
necessárias convulsões internas, o desmembramento do Império em peque-
671
l n Wehler, 1985, p . 143.
672
ln Fenske, 1978, p. 237.
m Treue, 1 958, pp. 6 1 2-3.
374
nos corpos e sobretudo a introdução da imbecilidade pa rlamentar, inclusive
a obrigação de cada um ler o seu jornal no café da manhã (JGB, 208).
375
Agora podem seguir-se alguns séculos guerreiros para os quais não existe
igual na história, em suma, realizou-se a nossa entrada na idade clássica da
guerra, da guerra i nstruída e ao mesmo tempo popular em escala mais larga
(de meios, de talentos, de disciplina), à qual todos os séculos vindouros se
voltarão para olhar, i nvejosos e veneradores, como se fosse um fragmento
de perfeição (FW, 362).
Terceira parte
701
Wood, 1 968, pp. 53 seg.
'2 Wood, 1 968, p. 54.
América depois do fracasso da revolução de 1 848 (KZD, 24-5), que estiveram
na primeira fila, também no plano das publicações, na luta pela abolição da escra
vidão, 703 e sobre cujo empenho abolicionista - é um detalhe que não se deve
perder de vista - a imprensa alemã se referia em certos períodos diariamente.704
Demos agora uma espiada no epistolário. Quando, em dezembro de 1 8 67,
Carl von Gersdorff escreve ao amigo Nietzsche que "capital e trabalho estão
em luta um contra o outro na F.rança, na Inglaterra, na América, entre nós", não
é dificil perceber o eco da Guerra de Secessão terminada há dois anos (fazen
do-se abstração da guerra civil que levou à emancipação dos escravos, os
Estados Unidos pareciam imunes a conflitos sociais agudos) (B, 1, 3, p. 224) .
Alguns anos depois - nesse ínterim foi publicado O nascimento da tragédia -
é Rohde quem sublinha "a profunda desordem que a abolição da escravidão
deve ter provocado em todas as condições e fins da vida da civilização". Tam
bém nesse caso, o discurso não está certamente vinculado ao passado remoto.
Mesmo se não falta a referência à antiguidade clássica, o olhar é dirigido tam
bém e em primeiro lugar ao presente. A Hélade perseguia como fim supremo a
criação do "gênio" e sabia persegui-lo também "com a dureza e a crueldade"
necessárias; agora, junto com elas, são dispersados os "frutos mais nobres"
daquela esplêndida civilização (B, II, 4, p. 622-4) . A carta de Rohde é dirigida
tanto a Nietzsche como a Overbeck. E, por sua vez, o historiador do cristianis
mo, numa pesquisa sua de 1 8 75, centrada exatamente no tema da escravidão,
constata o "desaparecimento de um pedaço da antiguidade de nossa vida".705
E de novo somos remetidos ao conflito terminado dez anos antes. Por outro
lado, a partir pelo menos do período iluminista, Nietzsche mostra grande inte
resse, ainda que polêmico, não só por Dühring, mas também por Carey (VIII,
5 8 7), ou seja, por autores cujos textos são ricos em referências ao tráfico dos
negros, ao problema da escravidão e à Guerra de Secessão, esse acontecimen
to ainda "potente", que marca o fim da influência exercida, também além dos
Estados Unidos, pelo "Sul escravista". 706
7 12 Duttenhofer, 1855, p. 1 7.
m Gobineau, 1 997, pp. 489 seg. (livro IV cap. 1).
7 14 Morgan, 1 975, pp. 3 24-5 e Davis, 1 97 1 , pp. 423-7 (no tocante a Hutcheson); também
O Capital faz referência a Fletcher, e à sua aspiração a transfom1ar os "mendigos" em
"escravos" (cf Marx-Engels, 1 955, vol. XXIII, p. 750, nota 1 97).
715 Hume, 1 971, p. 786.
7 16 Montesquieu, 1 949-5 1 , p. 497 (livro XV, 9).
ais" ao serviço daqueles que desenvolvem a cultura e a arte; os sofrimentos
que daí se seguem são o preço da civilização.717
O que estamos examinando é um capítulo de história que não se conclui
no Século XVIII . Ao analisar a "legislação sanguinária contra os vagabundos'',
Marx sublinha que relações de trabalho substancialmente escravistas continu
am a existir na Inglaterra até meados do Século XIX. 718 Obviamente, porém, a
atenção deve concentrar-se em primeiro lugar nos Estados Unidos. Particular
importância, para fins de comparação com Nietzsche, têm os autores que, mais
do que centrar a sua argumentação no destino racial dos negros, formulam uma
tese de caráter mais geral: "Em todos os sistemas sociais deve haver uma
classe que faça as obrigações servis (menial duties) de modo a resolver os
problemas da lida da vida" (drudgery of life): assim se exprime um daqueles
teóricos do Sul empenhados em "recomendar a escravidão como uma solução
da questão social europeia".719 O expoente mais eminente e mais conhecido
desta corrente de pensamento é sem dúvida Fitzhugh, segundo o qual "a escra
vidão representa a relação correta entre cada tipo de trabalho e o capital".720
Do lado europeu do Atlântico, Proudhon polemiza contra um publicista e
pol ítico francês que morreu em 1 880, Gamier de Cassagnac, segundo o qual
seria preciso suprimir não a escravidão, esta "instituição anterior e superior à
sociedade", mas o socialismo, culpado por envenenar as mentes com o sonho
de uma emancipação impossível do trabalho.721 Conviria tomar nota da reali
dade : a humanidade está inevitavelmente dividida entre uma "race libre" e
uma "race esclave"; contra tal visão do mundo se insurge também o já citado
Wallon, desdenhoso desta "filosofia da escravidão". 722
O texto aqui considerado é imediatamente traduzido na Alemanha. 723 Mas
em terra alemã se erguem também autonomamente vozes que expressam uma
orientação semelhante. No Vormarz, um liberal refere, rechaçando-o com for
ça, o "conselho certamente mais aludido do que pronunciado claramente, que
queria encoritrar remédio para o perigo iminente (rep resentado por uma ques
tão social não resolvida e aguda) na introdução de uma verdadeira escravidão
724 Mohl, 1 98 1, p. 9 1 .
125 ln Bravo, 1973, p. 370.
726 Carlyle, 1 983, pp. 463-5.
727 Carlyle, 1 983, p. 439.
nM Locke, 1970, pp. 157-8 e 128 (II, § 85 e 24); sobre isto, cf. Losurdo, 1992, cap. XII, 3.
de trabalho livre seria uma contradição, enquanto liberdade e trabalho são con
cebidos como termos antitéticos . Como acontece em Nietzsche.
Também com relação à celebração do otium (a outra face do desprezo
reservado à maldição servil do trabalho), além da antiguidade clássica, à qual
Nietzsche se refere explicitamente, vemos agir por trás a tradição liberal. Eis o
modo como Constant justifica a exclusão dos não proprietários dos direitos
políticos: o otium, o "lazer" (loisir), é "indispensável para adquirir a cultura e
um juízo reto"; e "só a propriedade garante este lazer, só a propriedade toma os
homens capazes de exercer os direitos políticos". Mas essa classe que com o
seu trabalho garante o otium dos proprietários habilitados ao exercício dos direi
tos políticos não faz pensar nos escravos da antiguidade clássica? Não - respon
de Constant -, ''aqui não se trata das distinções que nos antigos separavam os
escravos dos homens livres".739 O teórico do liberalismo rechaça antecipada
mente aquela assimilação que depois com maior desenvoltura Nietzsche ousa
pronunciar de modo explícito: no entanto é inegável o elemento de continuidade
que liga o apaixonado cantor da antiguidade clássica em polêmica com o mundo
moderno ao teórico da superioridade da liberdade moderna sobre a antiga.
Ou, para passar da França para a Inglaterra, tomemos Mandeville. Empe
nhado em celebrar a harmonia que na sociedade burguesa resulta dos diversos
e contrapostos egoísmos e vícios privados, ele constata tranquilamente que
"toda a comodidade da vida'', a "'condição civilizada enquanto tal" depende,
não pode não depender, do "trabalho duro e sujo" realizado pelos pobres e
depois pelos ··filhos dos pobres" (portanto, mais que de uma classe aberta,
trata-se de uma espécie de casta hereditária dos pária). É verdade que a con
dição operária é distinta da escravidão real que existe nas colônias.740 Mas a
distinção é às vezes evanescente: o p róprio Mandeville reconhece que "a parte
mais mesquinha e pobre da nação" na realidade "trabalha à maneira dos escra
vos" (the working slaving peop/e). 741
Também em Locke, o desenvolvimento da riqueza e da civilização se apre
senta como o resultado das privações e das fadigas anônimas e embrutecedoras
daqueles que Nietzsche define como as "cegas toupeiras da cultura" (CV, 3 ; 1,
770); para o liberal inglês os trabalhadores estão obrigados a lutar pela "mera
subsistência" e por isso não têm "nunca [ . . . ] o tempo e a oportunidade de
elevar os seus pensamentos acima dela". À semelhança das "toupeiras" de
que Nietzsche tanto gosta, também os assalariados de quem Locke fala não
752 Kant,
1900, vol. V, p. 432 (Critica dojuízo, § 83).
m Kant, 1 900, vol. IX, pp. 470-1 .
5. A Guerra de Secessão, o debate sobre o papel do trabalho e as
peculiaridades da Alemanha
76 1 Griesinger, 1863, pp. 64 seg. Sobre isto cf. Bowman, 1993, p. 27.
762 Kna pp, 1891, p. 57.
763 Stolberg-Wernigerode, 1933, pp. 76-7.
764 Duttenhofer, 1855, p. 73.
765 Rieffer 1858, pp. 300-1.
,
sim o defme - segundo o qual o ano de 1 789 não representa outra coisa senão a
sublevação de uma "raça de escravos", os galorromanos derrotados, e generosa
mente poupados, pelos francos conquistadores (XII, 4 1 2). Como se sabe, Thieny
faz sua essa tese a fim de usá-la para fins politicamente opostos, para celebrar a
revolta do lerceiro Estado como luta de emancipação e de liberdade da qual é
protagonista uma classe ou uma raça escravizada e oprimida.801 Ele se identifica
com os "vencidos" e celebra e sente como própria a causa dos "fill10s dos venci
dos".802 Compreende-se então a censura que Nietzsche faz ao historiador francês;
a sua ''lústoriografia" está atravessada pela "compaixão por tudo o que sofre e é
mal sucedido" (XII, 558); nesse sentido, Tlúeny representa "a revolta popular na
própria ciência" (XIII, 1 99). Nietzsche estende a leitura desenvolvida por Montlosier
para a Revolução Francesa e a aplica para a situação que se criou na Europa
depois da Comuna de Paris : assim é denunciada a tentativa "de misturar radical
mente as classes e, por conseguinte, as raças" (JGB, 208). A racialização que ele
faz do conflito político social é, pelo menos no que diz respeito à Europa, transversal,
no sentido de que atravessa e divide toda comunidade nacional opondo senhores e
servos, sucedidos e mal sucedidos, aristocratas e populacho (infra, cap. 25 § 5).
No entanto, a dicotomia cara a Boulainvilliers, que legitima a escravidão
dos galorromanos, não podia ser subscrita plenamente por Nietzsche, que vê
Moo
Arendt, 1 966, p. 163 (= Arendt, 1 989, p. 228).
MOI Cf. Omodeo, 1 974, pp. 278-309.
�02
ln Poliakov, 1987, p. 43.
exatamente no declínio da antiguidade clássica um momento decisivo da sub
versão plebeia e antiaristocrática. A dicotomia é, pois, reformulada com o olhar
voltado para a irrupção ariana na Índia, onde a divisão em castas continua
ainda a ser vital. Podemos agora compreender o papel da mitologia ariana em
Nietzsche. Já presente em O nascimento da tragédia, ela reaparece com
força maior na última fase da sua evolução. Contudo, diferente do que aconte
ce nos autores e nas correntes antissemitas, aqui ariano não é contraposto a
judeu: é sinônimo de nobre e áristocrata assim como antiariano é sinônimo de
plebeu e vulgar. Poder-se-ia dizer que, em seguida à irrupção da mitologia aria
na, Nietzsche mergulha e enxagua de novo no Ganges o tipo de leitura do
conflito social sugerida por Boulainvilliers : os arianos tomam o lugar dos fran
cos, enquanto os galorromanos são substituídos pelos "sudra, uma raça de ser
vos; provavelmente uma espécie inferior de povo, que foi encontrada no terri
tório do qual esses arianos se instalaram" (XIII, 396).
A nova dicotomia, que tomou o lugar daquela cara a Boulainvilliers, tem
agora a vantagem de ser válida não em relação a um país determinado, mas a
nível internacional; além do mais, ela está em condição de incluir na raça domi
nante também os antigos gregos e os antigos romanos. Daí resulta um quadro
unitário no plano espacial e no temporal. O código Manu, este "produto absolu
tamente ariano", exerce uma influência sobre o Platão melhor, teórico exata
mente das castas (B, III, 5 , p. 325). Por outro lado, o início da revolta servil é
bem anterior à sublevação antinobiliária dos plebeus franceses : o cristianismo
representa "a transvaloração de todos os valores arianos, a vitória dos valores
dos chandala, o Evangelho pregado aos pobres, aos humildes, a revolta total de
todos os oprimidos, os miseráveis, os mal sucedidos, os degradados, contra a
"raça", a vingança imortal dos chandala como religião do amor" (GD, Aqueles
que "melhoram . . a humanidade, 4). Agora é preciso reavaliar os valores
cristãos para rechaçar os chandala e garantir o triunfo da "humanidade aria
na" . Eis proclamado o ideal de uma sociedade dividida em castas. Para separá
las e mantê-las há rígidas barreiras e medidas impiedosas em prejuízo daqueles
que ousassem violá-las . Voltamos à proibição de miscegenation existente no
Sul dos Estados Unidos, que agora, porém, é reformulada em perspectiva de
apartheid mais social do que racial .
Percebe-se nisso a presença de Gobineau, o qual celebra os arianos que
invadem a Índia, dizimando e subjugando as "raças aborígines" pertencentes
ao ·'tipo negro".803 "Orgulhoso de sua própria condição" e apegado à "ideia
nobiliária", o vencedor e conquistador cuida de não se misturar e confundir
ili
com a "multidão": mantém bem distante de si "os pobres, os prisioneiros, os
escravos, numa palavra os metecos e os seres de raça inferior". 804 Gobineau
descreve satisfeito a violência que se desencadeava em prejuízo daqueles que
violavam a proibição de miscegenation e da sua prole, os chandala: "Pode-se
dizer que a expulsão, e até a morte, representavam bem pouca coisa" em rela
ção com a sorte reservada a "todos os desventurados nascidos dos cruzamen
tos causados por casamentos proibidos".805 É clara a satisfação também de
Nietzsche pelas medidas drásticas que no âmbito da sociedade de casta atin
gem "o homem-não-de-criação (Nicht-Zucht-Mensch), o homem híbrido
(Mischmasch-Mensch), o chandala", ou seja - prossegue o filósofo citando o
código Manu - "o fruto do adultério, do incesto e do delito". Sim, "para esta
organização foi necessário ser terrível" (GD, Aqueles que "melhoram " a
humanidade, 3). Gobineau observa em tei-mos análogos: "Se se quisesse im
pedir o sistema de morrer [ ] um remédio vigoroso devia rapidamente caute
...
rizar a chaga" dos matrimônios mistos; "a categoria dos chandala respondia a
uma necessidade implacável da instituição". Eles são considerados e tratados
como um veículo de contaminação: "Uma fonte onde eles bebiam estava con
denada"806 Nietzsche, por sua vez, refere a norma segundo a qual "a água de
que eles necessitam não pode ser tomada nem dos rios, nem das nascentes,
nem dos lodaçais, mas apenas das entradas dos pântanos e das covas feitas
pelas pisadas dos animais". É assim que a "humanidade ariana" consegue
manter-se "absolutamente pura, absolutamente original"; a ideia de pureza, "a
ideia de 'sangue puro' é o oposto de uma ideia inócua" (GD, Aqueles que
"melhoram " a humanidade, 3-4). "Ser aqui duros é sinônimo de ser 'sadios' :
é o nojo pela degeneração" (XIII, 297). E Gobineau, sempre a propósito dos
chandala: ·'a simples aproximação destes tristes seres constitui uma sujeira" da
qual é preciso absolutamente lavar-se. Apesar de tudo, porém, é preciso não
perder de vista a fundamental "doçura dos c0stumes hindus".807 Estamos na
presença - observa por sua vez Crepúsculo dos ídolos de "um tipo humano
-
cem vezes mais manso e mais racional" do que o cristão ou o europeu moderno
(GD, Aqueles que "melhoram " a humanidade, 3).
Embora citado de modo explícito apenas numa carta tardia (8, III, 5, p.
5 1 6), o autor do Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas começou
804 Gobineau, l 997, pp. 53 l e 789 (livro IV, cap. III e livro VI, cap. III).
805 Gobineau, 1997, p. 404 (livro III, cap. II).
806 Gobineau, 1 997, pp. 404 e 406 (livro III, cap. II).
807 Gobineau, 1997, p. 404 (livro III, cap. II).
a exercer a sua influência já diversos anos antes. 808 E isto se compreende bem:
''Nenhum outro escritor moderno compenetrou-se tão profundamente daquele
sentimento que Nietzsche define como pathos da distância".809 Por outro lado,
para o autor francês, depois do processo de mistura do sangue e do abastarda
mento geral, nenhuma nação historicamente constituída pode reivindicar uma
completa pureza racial, de modo que, pelo menos potencialmente, cada país se
apresenta dividido transversalmente no plano racial e de casta. Neste sentido,
Gobineau retoma e reelabora uma tradição de pensamento que remonta a
Boulainvilliers. Nietzsche procede de modo análogo : escravidão antiga e socie
dade de castas hinduista se fundamentam no modelo de "nova escravidão"
reivindicada pelo radicalismo aristocrático.
808 Fõrster-Nietzsche, 1895-1904, vol. II, p. 886; cf. Verrecchia, 1978, pp. 60-1 e Cancik,
1997, p. 56.
809 Cassirer, 1946, pp. 235-6.
413
13
" HIERARQUIA " ' GRANDE CORRENTE DO SER E
417
na". 821 A contrarrevolução auspiciada por Nietzsche deve saber pôr em
discussão este resultado : se por um lado "têm-se deveres unicamente para
com os semelhantes", por outro lado é preciso ter presente como "com
respeito aos indivíduos de classe inferior e a todos os estrangeiros seja
lícito agir ao próprio talante ou 'como quer o coração' e de qualquer modo
'além do bem e do mal"'. É só nesse nível que "pode ter lugar a compaixão
ou outras coisas do gênero" (JGB, 260). A compaixão da qual se fala aqui
não só não tem um caráter "geral", mas, longe de anulá-las ou reduzi-las,
reforça e enfatiza mais as distâncias entre homem e homem.
O radicalismo de Nietzsche se torna compreensível à luz das novidades
acontecidas na situação política. De um lado está a agudização, real ou temi
da, do conflito social na Alemanha e na Europa, que suscita a invocação do
recurso às maneiras fo rtes, sem mais impedimento dos escrúpulos humanitá
rios e sentimentais . Mas não é só com o olhar voltado para a questão social
que a compaixão é condenada. Tomemos Carlyle. Ele se coloca sem dúvida
na esteira da tradição já vista de condenação do novo trinômio revolucioná
rio: ·'filantropia, emancipação e compaixão pelas desgraças humanas".822 E
não parece afastar-se demais de tal tradição sequer a afirmação com base
na qual, se as leis que presidem o funcionamento organizado da civilização
forem esquecidas, "a ladainha universal da Compaixão (Pity) é apenas uma
moléstia universal, uma turva blasfêmia contra os deuses".823 Não se deve,
porém, perder de vista o fato de que esse discurso está estreitamente ligado,
em Carlyle, não só com a defesa do instituto da escravidão, mas também com
a celebração do "homem branco europeu" e do "heroísmo europeu'', ao man
ter afastados os "canibais" e selvagens de todo tipo.824 Ou seja, o elemento
de novidade é constituído pelo expansionismo colonial, com a nova brutalida
de que ele contém. Por isso, a polêmica não só com o jusnaturalismo revolu
cionário (para um negro das Índias ocidentais "o primeiro 'direito do homem"'
é o de "ser obrigado ao trabalho"),825 mas também com "sentimentalismo",
ou seja, com o "sentimentalismo cristão" e também com as pregações conti
das em "Evangelhos e Talmude".826
Na onda da denúncia dos efeitos paralisantes e perversos do sentimento de
compaixão acaba sendo colocado em discussão também o cristianismo, ou seja, a
822 Carlyle, 1983, p. 66.
82� Carlyle, 1 983, p. 104.
824 Carlyle, 1 983, pp. 46 1 e 458-9.
l<.!5 Carlyle, 1983, pp. 435-6.
�26 Carlyle, 1 983, pp. 428 e 440.
tradição judeu-cristã. É um tema que conhece uma radicalização drástica em
Nietzsche, no âmbito de um discurso coerente no plano histórico e teórico:
A compaixão impede em bloco a lei do desenvolvimento que é a lei da sele
ção . Ela conserva o que está maduro para o fim, opõe resistência a favor dos
deserdados e dos condenados da vida. Nada é mais insalubre, no meio de
nossa modernidade ins� lubre, do que a compaixão cristã (AC, 7).
Também neste caso, como veremos, a condenação da compaixão é pronuncia
da com o olhar votado seja para o conflito social interno à metrópole capitalista, seja
para a expansão colonial. As duas situações exigem uma virada no plano ideológico e
moral: ·'Onde estão os teus grandes perigos? Na compaixão" (FW, 27 1 ).
O ressentiment dos servos e das classes subalternas não só não têm legi
timidade moral, mas tampouco qualquer fundamento na realidade. Os afeitos à
compaixão perdem de vista o fato de que a capacidade de perceber a dor e o
sofrimento não está distribuída de modo unifonne. São as almas mais nobres
que ficam mais expostas e são mais frágeis. É um tema que, embora assumin
do no tempo fonnas diversas, caracteriza Nietzsche em toda a extensão de sua
evolução. Já conhecemos a "nuvem de melancolia" que envolve as naturezas
nobres e superiores, incapazes, ao contrário dos filisteus de toda espécie, de
encontrar satisfação no próprio tempo e, portanto, constantemente tomadas de
uma inquietação interior (supra, cap. 6 § 8). O homem comum se dá conta
disso: "A massa inferior, com o pouco que possui, está insatisfeita à vista do
rico, crê que o rico é feliz. A massa dos escravos, que trabalham, está
sob recarregada de trabalho e raramente descansa, crê que o homem sem tra
balho tisico é feliz" (IX, 535). Na realidade, "Quanto menos embotado é o olho,
tanto mais extenso é o bem. Por isso a eterna serenidade do vulgo e das crian
ças ! Por isso a melancolia dos grandes pensadores e o seu descontentamento
aguçam a má consciência! " (FW, 53).
Também nesse caso estamos na presença de um tema com uma longa
tradição por trás. Em Voltaire podemos ler: "Nem todos os pobres são absoluta
mente infelizes. A maior parte nasceu já em tal estado, e o trabalho, embrutecendo
os, os impede de refletir demais sobre a sua situação".836 E Mandeville:
423
cavalos esclarece o nominalismo antropológico que está no fundamento da ide
ologia em questão: o pobre não é propriamente subsumido na categoria de
homem; e, nesse sentido, o rico se comporta, aos olhos de Rousseau, "sem
piedade", ou seja, sem aquela compaixão que permite subsumir sob a espécie
humana também o servo.
É um sentimento que, exatamente por seu pressuposto "realismo", é con
denado por Nietzsche com referência explícita em primeiro lugar exatamente a
Rousseau. A compaixão, além de nociva e funesta, se revela também supérflua
e mal ocultada:
A gente se engana como espectadores do sofrimento e das privações dos
estratos ilúeriores do povo, porque sem querer se mede coruorme o metro da
própria sensibilidade, como se nos transferíssemos para a sua condição com
o nosso cérebro e;)\.1remamente excitável e capaz de sofrer. Na verdade, as
dores e as privações aumentam à medida que aumenta a cultura do indiví
duo; os estratos ilúeriores são os mais obtusos (VIII, 48 1 ).
Até a dor propriamente fisica parece ser o privilégio das classes superio
res e das almas nobres (supra, cap. 1 2 § 2). Como conclusão, de todo ponto de
vista, ''a casta dos ociosos é a mais capaz de sofrer, a mais sofredora, o seu
prazer de existir é menor, a sua tarefa é maior" (MA, 439).
Em confirmação da sua dimensão política, esse debate se toma particu
larmente intenso e apaixonado a partir das décadas que precedem o estouro da
Revolução Francesa. No final do Século XVIII, os defensores da servidão da
gleba recorrem amplamente ao argumento segundo o qual os benfeitores aspi
rantes dos servos exageravam demasiadamente os seus sofrimentos, confun
dindo a sua delicada sensibilidade com aquela bem diferente dos camponeses,
há tempo acostumados com as durezas da vida e da sua condição. 843 Nos
séculos XIX e XX, mais do que relacionado com os servos da gleba, o debate
em questão se trava em relação com a condição operária. Poucos anos depois
da revolução de 1 848, Gutzkow zomba do lema querido de uma "escola conhe
cida" segundo o qual "para o rico o seu prazer é trabalho assim como para o
pobre o seu trabalho é prazer".844 Por sua vez, ao tratar d'A questão operá
ria, Lange polemiza duramente contra a tese de Leo segundo o qual a "pele
calejada" protegeria os proletários dos sofrimentos do trabalho duro e das pri
vaçõe s . 845 Mais tarde Kautsky faz ironia sobre o tema p resente em
425
empenhado em trabalhos servis é excluído de uma vida autenticamente espiri
tual . O elemento de continuidade é representado pelo nominalismo antropológi
co: se Aristóteles parece assimilar o servo ao boi pela incapacidade de conse
guir a felicidade autêntica que é própria apenas dos homens dotados de áfiâôç, 854
numa corrente de pensamento moderno, segundo a denúncia j á vista de
Rousseau, o servo é assimilado ao boi pela incapacidade de perceber a dor
espiritual que é privilégip dos animais nobres.
De fato, o tema da incapacidade do escravo de elevar-se a uma felicidade
autêntica surge também em Nietzsche. A seus olhos, mais que a melancolia e a
dor, é a intensidade extraordinária dos sentimentos em geral que caracteriza as
grandes almas: "Quanto mais alto é o intelecto, tanto mais se alarga o âmbito, o
domínio e o grau do sofrimento e do prazer" (IX, 567). Na busca do verdadeiro
e do belo está implícito um tormento do qual o operário mergulhado no trabalho
material não tem a mais pálida ideia; também se há de acrescentar que, em
raras situações, o tormento pode transformar-se no seu contrário, numa felici
dade cuja intensidade continua a ser ignorada e barrada ao homem comum:
Não o escondamos de nós: com esta felicidade de Homero na alma somos
também os seres mais capazes de sofrer que jamais existiram debaixo do sol
[ . . . ]. Tomamo-nos sempre mais sutis na dor e, finalmente, sutis demais: bas
tou um leve desapontamento, um leve desgosto para que Homero conside
rasse a vida aborrecida. Não tinha conseguido resolver um pequeno enigma
insensato que certos jovens pescadores lhe haviam proposto. Sim, os pe
quenos enigmas são o perigo dos mais felizes ! (FW, 302).
Portanto, "o homem superior se toma ao mesmo tempo sempre mais feliz e
mais infeliz", pelo fato de que "a quantidade dos seus estímulos está em contínuo
desenvolvimento e assim também a dos seus modos de gozar e de sofrer". É
preciso não perder de vista a Grande Corrente da nobreza de espírito, da sensibi
lidade à dor e da receptividade aos sentimentos finos e profundos : "Os homens de
alto 1úvel se distinguem dos inferiores pelo fato de verem e ouvirem indizivelmente
mais, pelo fato de verem e ouvirem pensando: exatamente isto diferencia o ho
mem do animal e os animais superiores dos inferiores" (FW, 30 1 ).
Se o servo da gleba pode conseguir alguma felicidade - observa Tocqueville
com referência à sociedade do Antigo Regime ainda não sacudida por frêmitos
revolucionários - trata-se apenas de uma "felicidade vegetativa" (bonheur
végétat(/) .855 O fato de que a exclusão da vida espiritual da massa embrutecida
inda que por causas opostas, a crítica da ideologia é uma passagem obri
Agatória tanto para Marx como para Nietzsche: para tal finalidade, eles
foram muitas vezes postos um perto do outro. 864 Com efeito, também o segun
do não se cansa de insistir num ponto essencial para ele: é necessário liquidar
as "alucinações conceituais" (Begrijfs-Hallucinationen (CV, 3; 1, 765), o "de
lírio" ( Wahnvorstellung (VI I , 1 4 0), os "instrumentos de consol ação"
(Trostmittel), as "imagens ilusórias" (Wahnbilder), as chamadas "excelentes
ideias", ou seja, os "expedientes penosos" (klãgliche Nothbehelfe) e os "no
mes enganosos, luminosos" (trügerischen, glãnzenden Namen) (VII, 33 6-7),
os '·ídolos" (GD), que impedem de olhar de frente a realidade, ocultando ou
transfigurando o que nela há de problemático e terrível. Os pontos de contato
entre os dois autores pareceriam evidentes; mas em Marx se pode ler uma
espécie de aviso prévio contra assimilações ou aproximações precipitadas . É
preciso saber distinguir entre dois tipos de crítica da ideologia fundamentalmen
te opostos: de um lado a "crítica" revolucionária e progressiva que arranca "da
corrente as flores imaginárias . não para que o homem use a corrente sem
enfeite e consolações, mas para que jogue fora a corrente e colha as flores
vivas"; por outro lado, a crítica, cara aos defensores do Antigo Regime e à
escola histórica do di reito, que "destroi as falsas flores das correntes, para
usar correntes autênticas sem flores".865
A metáfora utilizada tem história. "O homem nasceu livre e em toda parte
está acorrentado"; é o célebre ataque do Contrato social; sobre as "correntes
de ferro" do sistema político-social as ciências e as artes cuidam depois de
estender "guirlandas de flores" de modo a embelezá-lo e tomá-lo mais tolerá-
x64 Como é sabido, Ricoeur ( 1 979, pp. 46 seg.), fala de "escola da suspeita" com referên
43 1
vel. 866 Locke se exprimira em tennos análogos a propósito da "escravidão"
imposta pela tirania: "As correntes são duras de carregar, por mais que se
cuide em limá-las e poli-las" (to file and to polish).861
É por isso que Marx fala dos ideólogos como de Schonredner ou de
Gewissensbeschoniger,868 ou seja, como de uma espécie de decoradores por
profissão, encarregados de embelezar e ocultar, com ornamentos mais ou me
nos florais, a dura reajidade das correntes, da opressão social . Mas o
embelezamento mistificador em que consiste a ideologia pode ser rompido a
partir de preocupações político-sociais de sinal oposto. Ao argumentar de tal
modo, Marx se aproveita também da experiência das lutas desenvolvidas a
partir da Revolução Francesa que veem, talvez pela primeira vez na história, a
participação e o choque de três distintas classes ou blocos sociais. O novo
poder que se instaurou após a derrubada do Antigo Regime passa a ser discu
tido, portanto, tanto pela aristocracia feudal, que acabara de ser derrubada,
como pela nascente classe operária e pelas massas populares, que continuam a
sentir-se e a ser marginalizadas.
Compreende-se que, na sua defesa do Antigo Regime, os ideólogos da
reação feudal sejam levados a pintar com realismo cru a nascente sociedade
burguesa, chamando a atenção para as fonnas novas, mas nem por isso mais
toleráveis, que o domínio de classe vai assumindo. Por que a condição daquele
que é obrigado a mendigar deveria ser considerada preferível à do servo da
gleba ou até à do escravo que, bem ou mal, tem o sustento garantido pelo seu
amo? Os detentores e os ideólogos do novo poder apontam o dedo contra as
violências, aliás raras e isoladas, em prejuízo dos escravos ou dos servos da
gleba, mas passam por cima com desenvoltura sobre tudo o que "os pobres
sofrem" na nova situação; Gustav Hugo869 argumenta desse modo; e exata
mente polemizando contra este expoente da "escola histórica do direito", o
jovem Marx observa que estamos na presença de uma crítica da sociedade
burguesa funcional à celebração indireta do Antigo Regime, a um despedaçamento
das "flores" que visam à legitimação das "correntes" da servidão da gleba, ou
seja, do instituto ainda bem vivo e vital na Alemanha do tempo.
É explícita a tomada de posição de Hugo a favor do trabalho servil nas
suas diversas fonnas: pode ser útil examinar o debate que se desenrola a este
respeito para compreender melhor de que modo a crítica da ideologia pode ser
432
conduzida por dois pontos de vista contrapostos . Tome-se a expressão "escra
vidão salarial", que volta com freqüência em Marx e que, em polêmica com a
ideologia dominante, visa denunciar a dureza das correntes que obrigam tam
bém o operário "livre" a vender sua força de trabalho no mercado capitalista.
Mas a comparação entre o trabalho na fábrica e o trabalho dos escravos se
encontra literalmente também em um autor absolutamente não revolucionário
que é Schopenhauer: é fundamentalmente o mesmo destino, o mesmo "mal" -
declaram os Parerga e Paralipomena "que desde sempre incumbe sobre a
-
435
Schopenhauer assimila explicitamente "proletário" e "escravo", mas para
fazer valer só para o primeiro a tese da insuperabilidade das cadeias da servi
dão: enquanto zomba das tentativas de modificar de qualquer modo a condição
operária, exibe todos os seus bons sentimentos ao denunciar a vergonha da
escravidão negra. Nietzsche supera essa contradição, mas a saída talvez lhe
seja sugerida exatamente por Schopenhauer, que faz uma distinção nítida entre
os "infelizes" escravos das plantações do Sul dos Estados Unidos e "os escra
vos dos antigos, a famllia, os vernae, uma linhagem (Geschlecht) contente,
devotada e fiel ao senhor".880 Também em Nietzsche a escravidão antiga pa
rece às vezes assumir o aspecto conciliado de Diógenes ou Epicteto (supra,
cap. 1 2 § 5). Agora, de qualquer modo, tanto a condição operária como a
escravidão moderna são assimiladas à escravidão antiga. A posição que assim
surge não é apenas mais rigorosa no plano lógico, mas é também totalmente
imune à pitada de instrumentalismo quiçá presente em Schopenhauer: exata
mente no país tomado como modelo para as suas intuições políticas pelos de
mocratas europeus, os Estados Unidos, onde, suprimidos os "privilégios de nas
cimento", dominava o "direito puramente abstrato", exatamente lá grassava a
barbárie da escravidão negra.881
441
damento na vossa escravidão, porque nós, a classe dominante deste país,
não podemos continuar a dominar sem que vós sejais escravos.896
Vimos que, ao criticar a teoria do gênio em Carlyle, Engels faz ironia
sobre a pretensão do "chicote" dar-se ares de genialidade (supra, cap. 2 § 5).
É uma metáfora que no jovem Marx se apresenta com uma variante, a do
açoite legitimado pela escola histórica do direito como "açoite idoso, históri
co". 897 Tirando de algum modo proveito da lição iluminista, a escola histórica
do direito dá mostras de um "método sem cuidados" em relação a quem quer
que seja, toma uma atitude não fideista, mas ao contrário, cética (infra, cap. 1 6
§ 4). Com u m resultado paradoxal. A crítica da ideologia que destroi as "flo
res", as tentativas de legitimação da opressão e da violência perpetrada pela
classe dominante, muda-se numa ideologia para a qual esta violência e esta
opressão não têm sequer necessidade de recorrer a legitimações. Dir-se-ia que
Nietzsche confere rigor e consequência ao modo de proceder de Marx critica
do em Hugo.
contentes por serem iguais aos outros, uma vez que são inferiores.
Por isso a lei declara injusto e vergonhoso procurar elevar-se acima do co
mum, e isto é chamado agir injustamente.
Mas a própria natureza, na minha opinião, nos mostra que éjusto que quem vale
mais leve a melhor sobre quem vale menos e que quem é mais forte prevaleça
sobre quem é mais fraco. Ela nos mostra que é assim em muitos casos, seja entre
os mtimais, seja entre os homens, em todas as cidades e nas fanúlias.90 1
A norma, seja ela jurídica ou moral, confere a forma da universalidade a
conteúdos e interesses que são ou podem ser meramente particulares. É por isso
que dessa norma ou sistema de nonnas se pode contestar o caráter ilusório ou
mistificador da universalidade, ou seja, a fonna da universalidade enquanto tal. À
medida que assume a fonna da universalidade, um sistema de poder e de domínio
consegue uma legitimação que o consolida. Por outro lado, a forma nunca é o nada;
é sempre uma concessão da classe dominante e um vínculo para a ação: o seu
domínio é de algum modo obstruído. Deste ponto de vista - observa Hegel em
900 Para a categoria de "apologética indireta" cf. Lukács, 1974, p. 206.
90 1 Górgias, 483 b-d (Platão, 1993, pp. 156-7).
polêmica contra Haller, colocado também ele na posição de Cálicles - a negação
da universalidade é apenas a celebração da "violência natural contingente". sxi2
Com efeito, Cálicles, "aristocrata ateniense [ . . . ], representante típico da sua
classe social", deve ser incluído entre os "naturais adoradores da força". sxi3 É
interessante ver surgirem, também nesse caso, as categorias e as metáforas que
comumente caracterizam o discurso de crítica da ideologia: trata-se de libertar-se
dos "vú1culos", dos "sortilégips'', dos "encantamentos" de uma mistificadora "igual
dade" teorizada e imposta pelos mais fracos.904 Chegamos assim à questão cen
tral . No âmbito da luta ideológica, são os mais fracos que tomam a iniciativa,
agitando uma mistificadora "universalidade'', que em teoria deveria transcender
o conflito, mas que, na realidade, visa apenas refrear os mais fortes.
Este é o ponto de vista também de Nietzsche: é o fraco que, necessitado
como é de evitar o confronto, "se esconde debaixo da generalidade do conceito
'homem "' (M, 26). Nos escritos juvenis se sublinha que "na época moderna é
o escravo que fixa as representações" (VII, 337). À medida, porém, que se
detennina a longa duração da subversão, a iniciativa ideológica do plebeu e do
mal sucedido é progressivamente retrodatada por Nietzsche até abranger toda
a hi stória do Ocidente, a começar pelo judaísmo, esta primeira e impetuosa
revolta de escravos em nome da universalidade moral.
Empenhado em denunciar o caráter ilusório da universalidade no âmbito de
uma sociedade fundada na opressão de classe, Marx se concentra no papel das
classes dominantes na construção do discurso ideológico. Em continuidade ideal
com o discurso cristão, a égalité que brotou da Revolução Francesa acaba ocul
tando ou legitimando a realidade da exploração e do domínio. Todavia, essa ideia
de igualdade é algo de grande, está "indicando a unidade essencial dos homens, a
consciência genérica e o comportamento genérico do homem, a identidade práti
ca do homem com o homem, e isto é a relação social e humana do homem com
o homem".sxi5 Ela representa "um progresso da história'',906 é uma concessão,
embora bastante parcial, arrancada das classes dominantes. Nesse sentido, tam
bém Marx reconhece o papel das classes subalternas na construção do discurso
ideológico. Mas é exatamente o conteúdo celebrado por Marx que suscita a
áspera crítica de Nietzsche, que nele lê a confinnação da continuidade da revolta
902 Hegel, 1969-79, vol. VII, p. 403 (Grundlinien der Phi/osophie desRechts, § 258 A, nota).
903 Jaeger, l 953, vol. 1, pp. 554 e 545-6.
904 Górgias, 484 a (Platão, 1993, pp. 1 58-9).
905 Marx-Engels, l 955, vol. II, p. 4 1 .
906 Marx-Engels, 1955, vol. 1, p. 283.
servil e da iniciativa desenvolvida no plano ideológico dos escravos a partir do
cristiarúsmo, e antes, como veremos, do judaísmo pós-exílio.
9 12
Schopenhauer. 1929-33, vol. II, p. 76 (carta a Julius Frauenstãdt de 30 de outubro de
185 1).
m Schopenhauer, 1929-3 3, vol. II, p. 394 e p. 480 (carta a Julius Frauenstãdt de 15 julho
447
anos da maturidade, em irremediável contradição com a sua visão do mundo.
Desapareceu totalmente a perplexidade presente em Schopenhauer, ainda in
certo entre Filalete e Demófilo; desapareceram a ambiguidade e a hipocrisia
implícitas no próprio nome de Demófilo, como se a exclusão dos resultados da
crítica à religião fosse ditada pelo amor do povo. Como veremos, talvez ainda
se faça referência à "utilidade geral" (ou seja, à necessidade de não perturbar
a ordem da civilização}, I!lªS sobretudo não se hesita em proclamar abertamen
te o interesse dos "senhores" em recomendar a religião aos "servos". O fato
novo é que agora são dirigidos às duas classes sociais, ou as duas "raças",
discursos morais conscientemente opostos. Os primeiros são convidados a se
libertarem dos empecilhos derivados do cristianismo, a fim de desenvolver com
exatidão sua vontade e suas aptidões para o comando; e tais características
são medidas também pela capacidade de saber pregar para as classes subal
ternas os valores da humildade e da resignação.
É verdade, se Schopenhauer confessa não querer identificar-se unilate
ralmente com Filalete, Nietzsche, num apontamento da primavera-verão de
1 875, declara não estar "do lado de Demófilo" (VIII, 46). Mas isto não signifi
ca que ele esteja pronto a superar as cláusulas de exclusão implícitas na sua
crítica da ideologia. Ao contrário, elas são reforçadas com uma radicalidade
totalmente nova. Estamos sem dúvida na presença de uma atitude diferente da
atitude zombeteira de Engels, isto é, pelo respeito afetado em relação à religião
oficial, exatamente dos nacional-liberais. Estes últimos interiorizaram de tal modo
a regra da reticência e da autocensura que não ousaram sequer pronunciar
publicamente nem pensar uma crítica real do cristianismo. Continuam antes a
celebrar a sua grandeza em tom compassado e devoto, mesmo se depois acres
centam com um suspiro que o desenvolvimento da cultura e da ciência colocou
em crise as certezas anteriores, as quais todavia subsistem e é bom que conti
nuem a existir entre as classes subalternas.
Desde o início, Nietzsche, por sua vez, enuncia a regra da duplicidade;
depois de ter censurado os "educadores elementares" por serem um elemento
de perturbação com respeito à imperiosa necessidade que as crianças continu
em a ser educadas no respeito pela "tradição" (supra, cap. 4 § 6), um aponta
mento do inverno de 1 8 7 1 -72 acrescenta: "No cimo, a visão deve ser grandio
samente livre. As duas coisas se conciliam muito bem" (VII, 385).
O erro de Schopenhauer foi ter permanecido substancialmente no ponto de
vista nacional-liberal. Ele atribuiu um "sensus allegoricus" à religião; não com
preendeu que "ne1úmma religião nunca teve até agora, nem direta nem indireta
mente, nem como dogma nem como alegoria, uma verdade" (MA, 1 1 O) . Esta
atitude de indulgência em relação à religião estimula e perpetua nas classes domi-
nantes preconceitos, obstáculos e hesitações que elas devem saber sacudir de
suas costas . Esta é a tarefa principal. Não se trata mais apenas de manter as
massas às escuras dos resultados da crítica à religião. Certamente, "Zaratustra
não deve falar ao povo" (Za, Prefácio de Zaratustra, 9). Mas isto não é tudo,
nem sequer o essencial. É necessário chegar à plena consciência de que um é o
discurso destinado às classes dominantes e outro o que deve ser dirigido às clas
ses subalternas: ·'É preciso di!tinguir rigorosamente entre A e B" (XIII, 448).
453
bradar, em 1 850, contra o ·'j ornalismo" com o dedo acusador apontado explicita
mente contra o país das incessantes agitações políticas; e não é por acaso que o
jornalismo, ·'instmmento de perpétua agitação entre os povos", não é outra coisa
senão a "herança funesta da França revolucionária".924 A denúncia da parte
católica encontra, depois, em 1 878, uma consagração oficial numa encíclica de
Leão XIII de condenação de socialistas e comw1istas e da sua doutrina nefasta,
que eles "difundem no povo com uma quantidade de gazetas".925
Esta denúncia reéorrente colhe um aspecto real do problema. Em Taine,
Nietzsche pode ter lido esta s íntese que um observador atento do tempo
(d' Argenson) traça do engrossamento da tempestade revolucionária na Fran
ça: ·'Há cinquenta anos, o público não tinha qualquer interesse pelas notícias de
Estado. Hoje cada um lê sua Gazette de Paris, até na província".926 No que
diz respeito à Alemanha, a partir da Revolução Francesa a leitura atenta e
participante dos jornais acompanha constantemente a fronda ou a luta nos con
frontos do Antigo Regime. É um fenômeno que podemos observar em autores
mesmo tão diferentes entre si como Kant, Hegel, Heine, Ruge, MarX.927 Este
último, nos anos que precedem o estouro da revolução de 1 848, censura a
filosofia acadêmica, e a alemã em particular, pelo afastamento da realidade
pol ítica e dos problemas e das paixões que encontram o seu reflexo nos jornais:
A filosofia, sobretudo a filosofia alemã, tem uma inclinação para a solidão,
para o isolamento sistemático, para autocontemplação isenta de paixões,
que ela opõe com desdém a priori ao caráter dos jornais, belicoso e intenso,
que encontra satisfação apenas na comunicação [ . . . ] . Conforme o seu cará
ter, a filosofia nunca deu o primeiro passo para mudar os seus assépticos
paramentos sacerdotais com o adorno simples, próprio dosjornais.928
Na véspera da revolução, na Prússia - refere Friedrich Kapp, amigo e
seguidor de Feuerbach - "os jornais são geralmente devorados".929
Na vertente oposta, Schelling, atônito espectador em Berlim da revolução
e dos combates na ma, acusa os jornais e os "maus jornalistas" pela sua obra
455
lado, uma critica radical da ideologia, Nietzsche pareça todavia desaprovar o
processo de urbanização que afasta as massas da anterior existência à sombra
do campanário. Vimos que no mundo moderno, infelizmente, "o jornal substitui as
orações cotidianas". Como se sabe, esta visão do jornal como alternativa leiga
aos textos sagrados da religião já está presente no Hegel ienense. Em dois
aforismos ele compara a "leitura matutina dos jornais" com "uma espécie de
oração realista" e, significativamente, arremata essa comparação com uma polê
mica explícita contra aquéles que, "desaparecida a religião", pretendem que a
filosofia "edifique" e, portanto, "tome o lugar do pároco".935 Nesse contexto,
porém, convém citar sobretudo Stendhal: na véspera da revolução de Julho, de
pois de ter sublinhado o "medo" que incute aos pequenos tiranos a simples "proxi
midade dos jornais de Paris", Le rouge e le noir pergunta: "o jornal poderá
substituir a paróquia?"936 É um romance lido com entusiasmo por Nietzsche (B,
III, 5, p. 27-8), que defme o seu autor como um "amigo" (XI, 254).
O filósofo alemão parece tomar do escritor francês por ele amado a mes
ma dicotomia, invertendo, porém, o seu julgamento de valor. Para as massas
populares é recomendável a vida à sombra dos campanários . A condenação do
jornal é a outra face da celebração do torpor dos estratos populares, da cele
bração do caráter benéfico do ópio ideológico.
3. Cristianismo e revolução
473
cional dos operários". Retornando e subscrevendo esta tese,966 pelo final do
Século 19, numa série de artigos e de cartas, Engels reconstroi as origens do
cristianismo com o olhar constantemente voltado para o presente: "A história
do cristianismo primitivo oferece notáveis pontos de contato com o movimento
operário moderno"; "o cristianismo, corno todo grande movimento revolucioná
rio, foi feito pelas massas".967 Urna analogia salta logo aos olhos: "Entre quais
pessoas eram recrutados. os primeiros cristãos? Principalmente entre 'os atri
bulados e os oprimidos', entre os que pertenciam aos estratos populares ínfi
mos", em primeiro lugar entre os escravos. Analogamente, o movimento soci
alista encontra a sua base social de massa entre os escravos assalariados, os
operários de fábrica. 968 São os rejeitados, os fracassados da vida de quem
Nietzsche fala, o qual, porém, pelo que diz respeito ao socialismo, faz referên
cia mais ao subproletariado que ao proletariado, ou seja, a urna classe que, do
ponto de vista de Marx e Engels, acaba frequentemente se tomando massa de
manobra da reação.
No final do Século XIX, é o próprio partido socialdernocrata que se com
para com a comunidade cristã primitiva: "Passaram-se quase exatamente 1 600
anos desde que no Império romano agia igualmente um perigoso partido sub
versivo"; as ferozes perseguições de Diocleciano e das classes dominantes
romanas não conseguiram impedir a sua vitória final; assim aconteceria, segun
do Engels, também para o movimento socialista. 969 Apagar a "falsa cronolo
gia" cristã significa também infligir um golpe na filosofia da história do movi
mento revolucionário.
477
conflagrnção Deus não purifica o universo nem traz a ele correção nenhuma.
Porque se algo te parece um mal, não é absolutamente claro se é verdadeira
mente um mal, pois tu não sabes o que é útil para ti ou para um outro ou para
o universo.970
No esforço de relativizar dois milênios de história, Nietzsche passa da
denúncia do dano que a história causou à vida para a radical historização do
saber. Tal historização átaca por último o sentimento da esperança, ataca a
visão unilinear do tempo, que é antes relativizada mediante o evidenciamento
da sua gênese histórico-social (as delirantes ilusões e pretensões dos rejeitados
que se agitam no mundo judeucristão), e depois é posta definitivamente fora
mediante a afirmação do eterno retorno do idêntico.
Podemos então compreender a afirmação que configura "a doutrina do
eterno retorno como martelo na mão dos homens mais poderosos" (XI, 295 ).
Colocada numa perspectiva de longa duração, essa doutrina representa a res
posta certa das classes dominantes para o desafio proveniente dos fracassados
da vida. Vejamos quando e de que modo se afirma a visão unilinear do tempo.
Enquanto Roma dominava de modo indiscutível, ·'todo o futuro parecia
aalcançado, todas as coisas eram organizadas para uma condição eterna". Mas
eis que este mundo começa a ser caluniado: é pintado como destinado ao fim
enquanto já intimamente podre:
Vingaram-se de Roma ao considerar próximo o imediato fim do mundo; vin
garam-se de Roma, pondo de novo diante de si um futuro [ ... ] ; vingavam-se
dela sonhando com o juízo final - e o judeu cmcificado, como símbolo de
salvação, constituía o extremo escúrnio para os esplêndidos pretores roma
nos da província; de fato, eles agora apareciam como os símbolos da des
ventura e do "mundo" maduro para o fim (M, 7 1).
A doutrina do eterno retomo configura-se, então, como a contravingança
das classes dominantes, que agora zombam das esperanças e das ilusões das
classes subalternas.
pelo operário socialista, somente que pensada um pouco mais distante" (GD,
Incursões de um inatual, 34).
Um eminente historiador contemporâneo observou como a visão unilinear
do tempo e o "messianismo judeucristão" desempenharam um papel importan
te em alimentar, também fora da Europa, fermentos revolucionários estranhos
a religiões como o hinduismo e o budismo.972 A vida de Nietzsche ocorre num
período de tempo que vê nos Estados Unidos a Guerra de Secessão e a "revo
lução abolicionista" (que às vezes se configura como uma cruzada destinada a
eliminar o pecado da escravidão e a construir um mundo novo que realize con
cretamente os ideais cristãos); na Europa, a Comuna de Paris e o desenvolvi
mento do movimento socialista; na Ásia, e exatamente na China, a revolução e
a consequente tentativa de edificação do "Reino Celeste da Paz", da qual é
protagonista o movimento Taiping, também ele profundamente influenciado,
como vimos, pelo messianismo cristão.973
Compreende-se então que, a partir já dos anos imediatamente posteriores
a 1 789, a crítica da revolução alvej e a expectativa do Novum e a visão
antropocêntrica que é o seu fundamento . Chateaubriand põe-se a demonstrar
que as pretensas novidades prometidas ou perseguidas pela Revolução Fran
cesa .. se encontram quase literalmente na história dos gregos de uma certa
época" . Não há nada de novo sob o sol : é uma "verdade importante" que não
se deve nunca perder de vista; .. o homem [ . . . ] não faz senão repetir-se inces
santemente, ele gira num círculo do qual busca em vão sair".974 Mais frequen
temente, a crítica do messianismo revolucionário e da ideia de progresso en
quanto tal caminha junto com a tomada de distância do cristianismo. Nesse
contexto pode ser colocada a própria referência de Schopenhauer a tradições
religiosas centradas na doutrina da reencarnação e, em última análise, na rejei
ção da visão unil inear do tempo.
Mesmo quando não é formulada de modo explícito, a doutrina do eterno
retorno surge como aspiração na cultura antirrevolucionária. Lapouge invoca o
..testemunho das ciências c,ontra a utopia do progresso". A astronomia liquida,
97:Hobsbawm, 1974, pp. 76 epassi111; cf. tmnbém Marx Engels 1955, vol. XXII, p. 450 nota.
- ,
Surge assim outro elemento novo. O filósofo, que passou pelo encontro
com os grandes moralistas e que é ele mesmo um grande moralista, confere
uma forma fascinante de sabedoria de vida a um programa político que gostaria
de tornar permanente e natural a divisão do trabalho e a articulação de castas
da sociedade. O olhar se volta então para a Europa medieval, quando as profis
sões e os ofícios eram fixos e predeterminados:
Mas há épocas de caráter contrário, aquelas propriamente democráticas, nas
quais se desaprende sempre mais esta fé, e aparecem em primeiro plano uma
certa crença altiva e um ponto de vista oposto, aquela crença dos atenienses,
que se faz notar pela primeira vez no tempo de Péricles, aquela crença dos
americanos de hoje, que sempre mais quer tornar-se também crença europeia:
há épocas em que o indivíduo é convencido de poder quase tudo, de ser
feito, praticamente, para qualquer papel; épocas em que cada um tenta con
sigo mesmo, improvisa, tenta novamente, tenta com prazer; no qual toda
natureza cessa e se toma arte. . . Só depois que os gregos entraram nessa
crença dos papéis - uma crença de artistas, se se quiser - passaram gradu
almente até o fundo, como se sabe, por uma transformação prodigiosa e não
sob todos os aspectos digna de imitação: eles se tornaram realmente come
diantes (FW, 3 56).
98 1 Burckhardt, 1978 a, p. 68 .
a qual dominava continuamente a escura e sublime nuvem tempestuosa de
Javé irado" (FW, 1 37). É uma observação que encontramos já em Renan. Mas
em Nietzsche, além da conotação geográfica, o deserto é a metáfora da homo
logação resultante da ausência ou da destruição de toda grandeza e de toda
nobreza. Ao promover a massificação, a religião brotada do deserto reduz a
"humanidade" a "areia" (supra, cap. 1 O § 2).
E assim chegamos ao segundo ponto. A leitura e a denúncia do despotis
mo oriental, e da tradição judeucristã, são desenvolvidas a partir do conflito
entre plebeus e aristocratas, ou seja, entre servos e senhores. O "prostrar-se"
servil dos cristãos é "oriental, não aristocrático" (IX, 1 3 0). Com o fim do mun
do antigo triunfou uma visão capaz apenas de horrorizar um grego. Ele teria
dito: "Este é um sentimento de escravos" {FW, 1 3 5). Com efeito, estamos na
presença de uma atitude "não europeia e não nobre" {M, 75). Sim, "é o Orien
te, o profundo Oriente, é o escravo oriental que desse modo se vinga de Roma"
(JGB, 46). Em conclusão:
Enquanto grande movimento plebeu do Império romano, o cristianismo é a
sublevação dos elementos deteriorados, incultos, oprimidos, doentes, loucos,
pobres, escravos das velhas comadres, dos vis, em suma, de todos aqueles
que teriam tido raz.ão para suicidar-se, màs não tiveram coragem (IX, 52).
Odiosa a todo espírito nobre pela humilhação que comporta, nos fracassa
dos da vida, a ideia de pecado se toma um instrumento de luta política exata
mente contra a aristocracia. Sim, a derrocada da antiguidade clássica e o ad
vento da detestada modernidade estão marcados pela vitória conseguida pelo
')udeu crucificado" sobre Roma pagã: a vingança sobre essa sociedade aristo
crática foi consumada "envolvendo num só sentimento Roma, o 'mundo ' e o
'pecado "' e agitando a ideia do fim desse mundo pecaminoso (M, 7 1 ).
Como todo movimento plebeu, também o movimento judeucristão é ca-
racterizado pelo fideísmo e pelo fanatismo.
A intensidade da fé judaica e cristã era desprezível para os romanos; foi o
judeu em Cristo que antes de tudo exigiu a fé. Os homens cultos daquela
época, diante dos quais todos os sistemas filosóficos contendiam entre si,
acharam insuportável esta exigência de fé. CredatjudaeusApella" (Horácio)
(IX, 76) .
que não se destinava aos povos, mas às pessoas, e por isso não levantou
suspeita quando o livro religioso de um povo semítico foi posto na mão dos
homens de raça indogermânica (IX, 2 1 -2).
988 Dühring,
1 88 1 a, pp. 7 e 1 6.
989
Dühring, 188 l a, p. 1 8.
99° C. Wagner, 1 977, vol. II, p. 43 1 .
99 1 l n Fenske, 1 978, p. 283.
347). E, até o fim, Nietzsche não se cansará de denunciar a presença do niilismo
nas diversas manifestações da revolução, cujos inícios, como sabemos, são
identificados num passado sempre mais remoto. Contudo, nem por isso desa
pareceram os significados que a categoria ou o diagnóstico do niilismo têm em
Strauss e Dühring, ou no círculo de Wagner.
A fim de esclarecer as razões desta polissemia, convém dar um passo a
trás, interrogando-nos sobre a história da categoria de niilismo. Se prescindir
mos das ocorrências que se referem mais propriamente à pré-história do termo
ou dos termos em questão, vemos que "niilismo" e "niilista" surgem nas princi
pais línguas europeias e irrompem no debate filosófico-político a partir do em
bate ideológico que se desenvolve na onda das lutas para a derrubada do Anti
go Regime. Durante a Revolução Francesa, uma nova inquietante figura, a do
"nihiliste" ou do "rienniste", aparece nas páginas respectivamente de Louis
Sébastien Mercier992 e Joseph de Maistre. Se este último denuncia o flagelo do
"Riénisme", que investe com fúria contra tudo o que há de mais sagrado,993
Anacharsis Cloots, nobre emigrado de origem alemã e revolucionário entusias
ta, celebra enquanto "niilista" (nihi/iste) "a República dos direitos do homem",
que põe a nu a "nulidade dos cultos" e de "todos os rituais" que não são os da
razão e do "livre gênero humano".994 Além do Reno, no país mais diretamente
atacado pela Revolução Francesa, autores como Jacobi e Baader soam o alar
me pelo perigo do "niilismo".
A segunda etapa e o ulterior alargamento geográfico do debate sobre o
niilismo coincidem com a nova onda de lutas que se abatem sobre o Antigo
Regime. Na Itália, durante a revolução de 1 848, vemos em particular Gioberti e
Rosmini rotular respectivamente o "nullismo" (ou o "nullismo assoluto"), ou
seja, o "niilismo" de Hegel e da sua escola,995 enquanto na vertente oposta é
Bertrando Spaventa que se empenha em rechaçar a acusação de "nullismo"
dirigida ao seu Mestre. 996 Terá um eco em toda a Europa sobretudo a denúncia
apocalíptica que Donoso Cortés desferra ao niilismo que, depois de ter produzi
do as desordens e as devastações de 1 848, ameaça com o socialismo a ruína
definitiva da civilização enquanto tal.
Enfim, a terceira onda, que vê como protagonista a Rússia. Enquanto
sempre mais se difundem as efervescências e as agitações que pouco depois
992 Venturi , 1 969-87, vol. IV, l , p. 4 1 9; Volpi, 1 996, p. 23.
993 Ma istre, 1984, tomo 8, p. 3 16, nota l.
994 Cloots, 1 980, vol. III, pp. 7 13-4 e 7 17.
995 Gioberti, 1 938-1 942 a, p. 326; Gioberti, 1 938-1942 b, vol XVII, pp. 12-13 e 24 e vol.
.
1000
Burke, 1 826, vol. VII, p. 9; Gentz, 1 836- 1 838, vol. II, p. 43.
1001
Bastid, 1 939, pp. 17-8.
1002
Gentz, 1 800, pp. 1 16.
1 003
Turgenev, 1988, p. 49.
por sua vez, acusa os "demônios" niilistas pelo fato de "derrubarem tudo", de
visar à "destruição universal". 1 004
É interessante ver como a categoria de niilismo abre seu caminho lenta
mente e com dificuldade. Tendo vivido na Berlim devastada pela revolução de
1 848, Donoso Cortés conhece a contraposição cara ao último Schelling entre
fi losofia positiva e filosofia negativa. Em novembro desse mesmo ano, o autor
espanhol escreve:
A demagogia é uma negação absoluta, a negação do governo no campo
político, a negação da família no campo doméstico, a negação da proprieda
de no campo econômico, a negação de Deus no campo religioso, a negação
do bem no campo moral. A demagogia não é um mal, é o mal por excelência,
não é um erro, é o erro absoluto, não é um crime qualquer, é o crime na sua
acepção mais terrível e mais ampla. 1005
O nada que constitui a essência daquele fenômeno pouco mais tarde defi
nido por Donoso como "niilismo" é o resultado da "negación absoluta" pró
pria da revolução total, essa "catástrofe [ . . . ] universal". 1 006
A mesma dialética conceituai se manifesta, já na Alemanha do final do século
1 8, com referência desta vez mais ao debate filosófico ou filosófico-religioso do que
ao debate político estrito. Em 1 796, um critico de Kant e do idealismo transcendental,
Jenisch, afirma que a tese da "irrealidade total (gãnzlich), absoluta do conheci
mento humano em relação às coisas em si" produz inevitavelmente "o mais mani
festo ateísmo e niilismo".1001 Embora por um caminho diferente, Jacobi chega à
mesma conclusão: sobretudo em Fichte, o idealismo transcendental conduz com
inaudita "força devastadora" ao "niilismo" .10Cl! Esta é a saída fatal de uma filosofia
que anula o em-si, o mundo na sua totalidade e que, além da "mera subjetividade",
deixa subsistir só o nada dos "fantasmas lógicos". 1 009
Traçando as coordenadas da situação, em 1 828 o alemão Krug distingue
os "niilistas sociais ou políticos e religiosos" dos "niilistas filosóficos ou
metafísicos". Os primeiros (tendo-se presente o estreito laço entre dimensão
teológica e dimensão política do embate que ocorre nesses anos) são "muito
mais numerosos" do que os segundos1º1º e constituem um movimento político
1004 Dostoievski, 1953, vol. II, pp. 234, 292 e 76.
1005 Donoso Cortés, 1 946 a, p. 1 84.
1006 Donoso Cortés, 1 946 b, p. 1 92 .
1º11
Baader, 1 963; p. 74.
1012 Fichte, 1967, vol. 1, p. 449.
de do real, aniquilamento do qual, desta vez, o protagonista não é o político ou o
filósofo, mas o poeta. Ou do qual pode ser protagonista, segundo Friedrich
Schlegel, o autor de uma tirada espirituosa1013 que, com sua atitude corrosiva
parece surpreender e rachar a objetividade do real e dos valores .
1 022
Walicki, 1 996, p. LII-LIII; Turgenev, 1 988, p� 22.
iov
Turgenev, 1 988, p. 2 1 .
Desde que me surgiu esta convicção de que aqui embaixo não é possível
encontrar verdade alguma, nunca mais peguei em livro. Circulei indolente
pelo meu quarto, sentei-me diante da janela, saí ao ar livre, enquanto uma
íntima inquietação me impelia para os pequenos e grandes cafés, frequentei
teatros e concertos para distrair-me, cometi, para aturdir-me, até uma besteira
[... ]. Certa manhã quis obrigar-me a trabalhar, mas um desgosto interior
venceu a minha vontade. Senti um indizível desejo de chorar. 1 º24
Uma visão do mundo que elimina a coisa em si (e a verdade e os valores no
seu sentido mais profundo) faz desaparecer a "meta'', a "resposta ao porquê" e,
portanto, desemboca no niilismo assim como é definido por Nietzsche (XII, 350).
Em conclusão, a falta da objetividade (natural, axiológica ou político-social) pode
ser denunciada nos próprios adversários, pode ser orgulhosamente afirmada em
sinal de desafio e orgulhosamente vivida como expressão de liberdade, pode ser
constatada e dolorosamente vivenciada na própria pele. Temos, assim, três figu
ras: o antagonista do niilismo, o rebelde niilista, a vítima do niilismo.
ioJi
Marx-Engels, 1955, vol. III, p. 307.
res vigentes não tanto o momento de transfiguração e legitimação das corren
tes existentes como o elemento, ainda que i lusório e mistificador, de
transcendência que nele está contido; junto com as "falsas flores" do Antigo
Regime, essa crítica à ideologia ataca também, e em primeiro lugar, os valores
que deveriam ou poderiam presidir à destruição das suas correntes e à edificação
de uma nova sociedade. O resultado é claro: "a dúvida filosófica do século
XVIII contra a razão do existente" aparece "como dúvida filosófica contra
a existência da razão"; agora a crítica "não vê mais nada de racional no
positivo, mas apenas para ser autorizada a não ver mais nada de positivo
no racional". Comportando-se como "cético completo'', ainda mais coerente
que ··outros iluministas", 1º32 Hugo chega a uma justificação da escravidão tan
to mais dificilmente atacável quanto mais ''imparcial". A conservação político
social é agora o resultado não de uma atitude de fechamento em relação à
crítica, mas do recurso à metacrítica.
A preocupação já vista no escrito juvenil continua a agir na evolução pos
terior de Marx. É por isso que ele rotula como "cinismo de cretino" os tons
zombeteiros e desconsagradores aos quais Proudhon recorre com relação às
aspirações nacionais dos povos polonês e húngaro, 1033 também nesse caso a
imparcial idade se torna funcional para a legitimação das correntes, das cadeias
impostas pelo império czarista às nações oprimidas .
A distinção dos dois tipos contrapostos de crítica da ideologia emerge
também na tradição de pensamento que parte de Marx ou, de qualquer forma,
dele deduz motivos de inspiração. Gramsci sublinha que, em relação aos ideais
surgidos da Revolução Francesa, é possível assumir duas atitudes críticas in
conciliáveis entre si: de um lado há "um sarcasmo apaixonantemente 'positivo ',
criador, progressivo'', que desses ideais põem em discussão apenas a "forma
imediata, ligada a um determinado mundo 'morredouro"'; do outro lado há "um
sarcasmo de "direita' , que é raramente apaixonado, mas é sempre 'negativo ',
cético e destrutivo não só da forma contingente, mas também do conteúdo
humano daqueles sentimentos e crenças".1034 Significativa é também a inter
venção de Trotski que, em referência exatamente a Nietzsche, analisa a dialética
pela qual a crítica à ideologia e a carga desconsagradora desembocam num
··franco cinismo" (cf. infra, cap . 24, § 2).
A posição de Horkheimer e de Adorno não é diferente. Na Dialektik der
A1�fklarung, que é a dialética do iluminismo, mas também a dialética da crítica
1º36
Donoso Cortés, 1972, pp. 336-7.
1037 ln Giordani, 1956, p. 78 (trata-se da encíclica Diuturnum illud de 29 dejunho de 188 1 ).
103M
Stõcker, 1 890, p. 449.
lú39 Fleisclunmm, 1 970, pp. 98, 1 5 1 -3 e 143.
lli
dá prova clara de "decadência". Os apologetas do cristianismo enquanto tal
censuravam os judeus por um apego teimoso à vida terrena e, portanto, um
substancial esquecimento do destino ultramundano do homem; mas essa mes
ma acusação - rebatem os apologetas do j udaísmo - demonstra o desprezo dos
cristãos pelo mundo e pela terra, a preferência por estarem mais afinados com
a morte que com a vida. A crítica judaica do cristianismo assume assim tons
que - foi observado - fazem às vezes pensar nos de Nietzsche. 1040 Não pare
ce ter havido uma influência direta num sentido ou no outro. Permanece o fato
de que, do ponto de vista de Nietzsche, aquela crítica é a confirmação de que o
cristianismo é parte integrante da bimilenar parábola subversiva e niilista. Uma
linha de continuidade conduz da pregação evangélica ao niilismo russo e à agi
tação socialista.
Como sabemos, é possível e necessário recuar ainda mais na busca das
origens da revolução. Mas isto significa recuar ainda mais na busca também
das origens do niilismo. Já no judaísmo vemos em ação profetas e "agitadores
sacerdotais" que, ao manifestar todo o seu ódio em relação ao poder, à riqueza,
à hierarquia, em última análise à vida, se revelam expressão ao mesmo tempo
de tendência subversiva anarquizante e de niilismo. Se tivermos presente que,
ao contrapor à vida real o mundo das ideias e dos presumidos valores morais,
Platão e Aristóteles se revelam cristãos ante litteram e até judeus, então o
quadro está completo. Contrariamente ao que pensam Baader e Donoso Cortés,
não é possível limitar-se a sublinhar a linha de continuidade de Lutero a Rousseau;
o ciclo da negação total parte já de Jesus e Sócrates (mestre de Platão). Temos
assim os ""quatro grandes democratas" (exatamente "Sócrates, Cristo, Lutero,
Rousseau") (XII, 348}, que são também os quatro grandes niilistas, protagonis
tas das diversas ondas da revolução total e da pregação do nada. Todos, de um
modo ou de outro, podem ser reconduzidos à tradição judeucristã; e é desde a
queda da antiguidade clássica, ou seja, do Antigo Regime grecorromano que
data o início da catástrofe niilista do Ocidente.
Em vi rtude da sua radical carga subversiva, o cristianismo é sinônimo de
""negação do mundo" (XII , 1 20), é "a tentativa de superar, ou seja, de negar o
mundo" (XII, 1 1 9). A moral é a arma insidiosa e pérfida dessa subversão niilista
que, junto com a riqueza, a hierarquia e o poder, nega a própria vida. Nietzsche
não se cansa de insistir sobre isso: ''Enquanto cremos na moral, condenamos a
existência"; "os juízos morais de valor são condenações, negações; a moral
deu as costas à vontade de existir" (XII, 57 1).
106�
Donoso Cortés, 1972, pp. 336-7.
weltlicher Staatsredner ou Feldprediger, que se propõe a participar das guer
ras antinapoleônicas), mas do sacerdote que se propõe realizar a sua missão
neste mundo, contribuindo para a causa da Revolução Francesa e, depois, para
a causa da luta contra a ocupação napoleônica e contra a traição aos ideais
revolucionários debitada a Bonaparte.1� O filósofo alemão acaba nos antípodas
do niilismo, se com isto se entende o desaparecimento do sentido da vida. Con
siderações análogas podem §er feitas a propósito de Cloots. Bem mais que a
categoria de niilismo é apropriada a de "missionário armado" atribuída a ele por
Robespierre, empenhado em denunciar as incongruências e os perigos dos pro
jetos de exportação universal da Revolução Francesa, das suas ideias e dos
seus valores.
No que se refere ao movimento niilista russo, foi observado com justeza:
Não foi difícil descobrir imediatamente que a palavra era mal escolhida. Se
havia gente que acreditava cegamente, violentamente nas próprias ideias,
eram exatamente os "niilistas". A sua fé positivista e materialista podia ser
acusada de fanatismo, de falta juvenil de espírito crítico, não certamente de
indiferentismo.
Já aos contemporâneos não fugia o fato que "aquele era um 'vocábulo sem
sentido, capaz menos do que qualquer outro de caracterizar a jovem geração, na
qual se podia discernir todo gênero de ' ismos', mas não certamente o niilismo'". 1 065
Bazarov, o niilista por excelência no romance de Turgueniev, pretende empenhar
se, mediante a superação da "má educação", na regeneração da sociedade; morre
por causa do tifo contraído curando gratuitamente um camponês, um represen
tante daquela classe, oprimida e desprezada pela aristocracia, mas da qual o
jovem revolucionário espera "a nova fase da história".1�
Na melhor das hipóteses, a categoria de niilismo pode acabar tendo uma
certa util idade para compreender as figuras da vítima do niilismo ou do rebelde
niilista em sentido metacrítico, ou seja, de um lado autores como Kleist, do
outro lado autores como Sade, Stirner ou como o próprio Nietzsche. Nesse
último caso, somando-se à negação crítica e revolucionária, a negação metacrítica
produz algo semelhante a um nada de valor e de sentido. Todavia, é preciso não
perder de vista a problemática que continua a existir também nesse caso: a
afirmação exaltada do indivíduo (ou melhor do indivíduo e-grégio, estranho à
1 064 Fichte, 197 1 , vol. VII, p. 507; Fichte, 1 967, vol. II, pp. 600-1 (carta de abril de 1 8 1 3 a
Nicolovius).
1 065 Venturi, 1 972, vol. II, p. 2 1 5.
1 066 Turgenev, 1988, pp. 83 e 1 86.
grei) e da sua superioridade com respeito a qualquer norma pode também ser
expressão de cinismo, mas dificilmente pode ser identificada com o nada. De
fato, quem celebra em tal afirmação a própria antítese da pregação do nada é
o próprio Nietzsche, em veste, desta vez, não de rebelde metacrítico, mas de
antagonista do niilismo.
Portanto, querer fazer uma história do niilismo seria como querer fazer
uma história da heresia ou da imoralidade: heresia e imoralidade com respeito
ao quê, com respeito a qual norma? Também o niilismo pode ser definido ape
nas em relação ao outro, como negação de um conjunto de instituições, ideias e
valores que, aos olhos daqueles que com eles se identificam até o fundo, repre
sentam a totalidade. Se quisermos reencontrar o terreno debaixo dos pés, de
vemos voltar à gênese histórica e política da categoria de niilismo. A crítica do
niilismo não pode ser separada da crítica da revolução, e é em primeiro lugar a
extrema diversidade das leituras do ciclo revolucionário que explica a extrema
diversidade nas leituras do niilismo. Quem leva mais a fundo a análise desse
flagelo é o autor empenhado a levar mais a fundo a diagnose da doença revo
lucionária, é o teórico do radicalismo aristocrático.
io69
Dühring, l 88 l a, pp. 20 e 22.
1010
Dühring, 1 8 8 1 a, pp. 1 7 e 25
1º71 Dühring, 1 88 1 a, pp. 59 e 23.
1012
Dühring, 1 88 1 a, p. 22.
17
Ü ÚLTIMO NIETZSCHE E O SONHADO GOLPE DE ESTADO
CONTRA A "MONARQUIA SOCIAL" DE GUILHERME II E
STôCKER
Ualastra pelo Ocidente; mas onde pode ser identificado o seu epicentro? A
ma devastação subversiva e niilista, cujo fim não se consegue ver, se
Nos últimos anos e meses da sua vida consciente, Nietzsche tem a im
pressão de assistir a uma aceleração dramática da deriva democrática e plebeia
da Alemanha. Estamos na véspera da fundação da II Internacional, ou da "re
novação da Internacional em escala ampliada e aumentada". Quem se expri
me assim é Mehring, que sublinha o papel de primeiro plano da socialdemocracia
alemã, que se prepara para assumir "a direção do movimento operário intema
cional".1 088 O partido parece atravessar um período de graça: "todo mês via
surgir novos jornais operários", enquanto aumentavam as obras teóricas de
intelectuais eminentes. A cultura socialdemocrática se difundia de modo capilar
10lC7
Seier, 1973, pp. 142-3.
10�x
Mehring, 1 96 l b, vol. II, pp. 663 e 647.
nos mais diversos estratos da população: na capital do Reich vinha à luz a
"'Biblioteca operária berlinense' , uma série periódica de opúsculos populares,
nos quais Clara Zetkin se apresentou como a combatente mais dotada das
operárias alemães com um excelente trabalho sobre a questão feminina". E
não é tudo: "Também no campo literário despontavam novos rebentos [ . . . ] .
Depois vieram os almanaques de partido [ . . . ] . O ardor criativo da primavera
animava de tal modo a classe operária", ainda mais porque "um movimento
geral de greves" possibilitava despertar vastíssimos estratos do proletariado,
ainda não atingidos pelo movimento operário, para a consciência de classe".1089
A fundação da II Internacional é também "o centenário da grande Revolu
ção Francesa": a sua lembrança parece estimular mais a outra revolução que,
segundo Mehring, está amadurecendo; em ambos os casos "ocorreu com
inexorável força uma necessidade histórica". O protagonista dessa nova época
histórica só pode ser o partido operário, que na Alemanha avança de vitória em
vitória, sem que ··nenhuma potência deste mw1do" esteja em condições de bloqueá
lo. 1c.oo ·'Em nenhum outro país - nota com pesar Stõcker em 1 8 87-88, ou seja,
nos mesmos anos em que a reprimenda antialemã de Nietzsche adquire a sua
extrema aspereza - os princípios socialdemocráticos se difundiram tão ampla
mente, penetraram tão profundamente". Demonstram-no os resultados eleitorais
sempre mais inquietantes1001 ou, do ponto de vista desta vez de Engels, sempre
mais encorajadores, melhor, tão estimulantes que levam fazer crer em uma subi
da pacífica ao poder do movimento operário e socialista. Este sabe servir-se de
modo magistral do "sufrágio universal"; "a mão do Estado" está como que "para
lisada"; as classes dominantes "esgotaram todos os seus meios, sem utilidade,
sem finalidade, sem sucesso"; a sua "impotência" já está manifesta. t m
Também Nietzsche começa a crer (e temer) que na Alemanha as classes
dominantes não estejam em condições de resistir eficazmente à ofensiva políti
ca e ideológica da revolução, tanto mais porque exatamente nesse momento
surge uma crise política e até dinástica bastante aguda. Enquanto ainda se
arrasta o longuíssimo reinado de Guilherme 1, já nonagenário, ficam evidentes
os sinais da doença mortal que está devorando o príncipe herdeiro, o qual por
isso parece destinado a ceder o lugar ao filho jovem, ambicioso e inexperiente,
já em conflito, por um lado, com a mãe (filha da rainha Vitória, da Inglaterra), e
por outro lado, com Bismarck. Assistimos à luta de três "partidos" que se reú-
lli
Nesse momento, a opinião do filósofo não é diferente da de Treitschke, o
qual, logo após a subida de Guilherme II ao trono, manifesta o seu desgosto
pelas precedentes "manobras mentirosas do médico inglês" e do círculo que
girava em torno dele. 1 093 Nietzsche continua a ser severo também na carta
seguinte à mãe, de 20 de março de 1 8 88. Poucos dias depois, Frederico III está
no trono dos Hohenzollem; ao referir que dispõe de informações reservadas
graças à sua "vizinha de mesa", o filósofo acrescenta que se trata de uma
parenta do "conde Seckendorff, o qual, como é sabido, é a ' mão direita' e ainda
algo mais da nova imperatriz" (B, III, 5 , p. 273). Certamente, esta alusão aos
amores extraconjugais da soberana vinda de Londres não lança uma luz favo
rável sobre ela, amores consumados enquanto a sombra da morte se projeta
sempre mais profunda sobre o novo imperador. Este último também não se sai
bem: os seus adversários censuram-no por sofrer influência demasiada da
consorte e, portanto, de ambientes e interesses estranhos ou potencialmente
hostis à Alemanha.
Um quadro nitidamente diferente surge de uma carta subsequente, de 20
de junho de 1 88 8, a brevíssima distância da conclusão dos 99 dias de reinado de
Frederico III: ··A morte do imperador me comoveu : enfim, era um pequeno raio
de luz de pensamento livre, a última esperança para a Alemanha. Agora inicia
o regime Stõcker - ti ro as consequências disso e já sei que enfim a minha
Vontade de potência será logo confiscada na Alemanha" (B, III, 5 , p. 33 8-9) .
Quem é visado aqui é mais o pregador da Corte do que o imperador, de qual
quer maneira culpado por ter mantido com ele relações comprometedoras.
Também nesse caso Nietzsche se revela bem informado. Em 28 de novem
bro de l 887se desenrolara na casa do conde e general Waldersee (mais tarde
chefe do estado-maior do exército) uma iniciativa em apoio da Berliner Stadtmission,
a "Missão berlinense" (em favor dos pobres) dirigida por Stõcker: o príncipe Gui
lllerme não só participou dela pessoalmente, mas também pronunciou uma breve
alocução durante a qual exprimiu o seu apreço pelo "pensamento social cristão" do
pregador da Corte. Foram enormes o barull10 e o escândalo. O próprio Bismarck
se exprimiu com dureza numa longa carta ao príncipe Guilllerme: era inadmissível
que um membro da Casa Real se identificasse com um partido político, e ademais
um partido político tão discutido e tão desacreditado. 1 004
Essa é substancialmente a opinião expressa por Nietzsche na carta citada
acima, de 20 de junho de 1 88 8 . Numa carta ainda posterior, porém, datada de
14 de setembro de 1 88 8 , o filósofo parece introduzir um elemento de cautela:
535
um II Reich que se tomou agora sinônimo de cristianismo, Nietzsche se define
"antialemão e anticristão par excellence (B, III, 5, p. 537).
No fim da sua parábola, o filósofo parece voltar ao ponto de partida: inici
ara prevenindo, com o olhar voltado para os operários da Comuna de Paris,
contra o terrível perigo representado por uma "categoria bárbara de escravos"
em revolta; agora, mais do que nos operários de Ultrarreno, este perigo parece
tomar corpo na desgraçada. Corte cristã, que eleva e agita a bandeira da eman
cipação dos escravos negros.
A campanha abolicionista em curso se apresenta às vezes como uma
cruzada contra o mundo muçulmano, acusado de promover ou favorecer o
tráfico dos escravos negros na África. 1 100 E é um motivo a mais a provocar a
indignação de Nietzsche que, de fato, depois de ter evidenciado os "instintos
aristocráticos, viris" próprios daquele mundo, lança uma palavra de ordem de
cididamente provocadora: "Guerra sem quartel a Roma! Paz, amizade com o
islã" (AC, 60).
Agora o quadro está claro: "os alemãs são estúpidos demais e vulgares
demais para a altura do meu espírito" {B, III, 5, p. 543); não estão em condi
ções de compreender o radicalismo aristocrático. Depois de ter encontrado na
Alemanha o seu lugar de eleição, a devastação moderna e democrática conhe
ce aqui uma ulterior aceleração dramática com a ascensão de um imperador
cristão e abolicionista ao trono, o "idiota em púrpura" ou o "idiota escuro".
Mas não são apenas razões de política internacional que explicam a virada
de Nietzsche e o seu ódio irreprimível para com Guilherme II. Em Crepúsculo
dos ídolos podemos ler: "o trabalhador exausto e de respiração dificil" é a figura
tomada como modelo "na idade do trabalho (e do 'Reich')" (GD, Incursões de
um inatual, 30). Não só no II Reich não há lugar para o otium (MA, Prefácio, 8),
mas o frenesi e a celebração do trabalho contagiaram a própria Coroa. Conhece
mos já a ironia e o desdém do filósofo pelo esforço profuso por Guilherme 1 em
apresentar-se como um "trabalhador" igual aos outros (supra, cap . 1 0 § 2).
Ainda mais radical, porém, é o seu neto Guilherme II, que, antes ainda de subir ao
trono, reservara atenção e simpatia ao projeto "cristão social" de Stõcker, susci
tando assim uma onda de escândalo, ulteriormente engrossada pela atitude de
1 1 00
Renault, 1 97 1 , vcl. II, pp. 368-9.
Bismarck. Em duas cartas endereçadas exatamente ao chanceler, mesmo dando
um pequeno passo para trás e garantindo não querer identificar-se com o partido
do pregador da Corte, o príncipe Guilherme tinha acentuado, todavia, o seu empe
nho, inspirado pelo "amor cristão", a favor das classes pobres do nosso povo",
dos ..estratos humildes de trabalhadores da sociedade". 1 1º1
Uma vez cingida a coroa dos Hohenzollern, ele se mostra decidido a de
senvolver uma ação de mediação nos ásperos conflitos sociais do tempo: "rom
pendo com todos os precedentes - sublinha um historiador americano dos nos
sos dias - Guilherme II permite que uma delegação de [mineiros] grevistas se
dirija ao Palácio para apresentar a ele as suas reivindicações de uma jornada
de trabalho de oito horas". Não contente com isso, dois dias depois convida os
proprietários de minas a fazer o "contrato mais estrito possível" com os seus
empregados, sem nunca esquecer o direito destes últimos a serem de algum
modo participantes dos frutos do seu trabalho. Estimulado certamente, em pri
meiro lugar, pelo desejo de conquistar popularidade, mas talvez também por
"algum fraco vestígio de responsabilidade cristã", ele esboça um programa de
reformas que prevê a "proteção dos operários", a abolição do trabalho domini
cal e outras medidas em favor das mulheres e das crianças. Desse modo,
Guilherme II consegue, com efeito, ganhar "considerável popularidade entre a
classe operária", tanto que é saudado como o "rei dos trabalhadores" durante
suas visitas aos "bairros mais pobres de Berlim". 1 102
Compreende-se, então, o sentimento de horror sentido por Nietzsche: o
rei dos "escravos domésticos negros" na África é ao mesmo tempo o "rei dos
trabalhadores" na Alemanha. Traçando uma linha de continuidade de Guilher
me 1 a Guilllerme II, o filósofo observa que "a maldita dinastia" dos Hohenzollem
agita sempre a bandeira da "bênção ao trabalho" (XIII, 645).
Nas palavras de Mehring, é o momento em que "ecoava de todas as
torres oficiais o toque de trombeta da monarquia social". 1 103 É a palavra de
ordem de Stõcker. Este sintetiza seu projeto político num escrito que vê a luz
em 1 8 9 1 , pouco tempo depois da precipitação de Nietzsche na loucura, e que
leva o título, bastante significativo, de Socialdemocracia e monarquia social.
Depois de ter expressado a própria satisfação pela superação ocorrida, nesse
meio-tempo, da legislação antissocialista, o pregador da Corte se pronuncia por
uma ..democracia política e social". 1104 No que diz respeito ao p rimeiro ponto,
11 05 Stõcker, 1 89 1 a, pp. 25 e 1 8.
1 106 Stõcker, 1 89 1 a, pp. 1 3 e 1 9.
1 107 Stõcker, 1 89 1 a, p. 10.
1 10� Stõcker, 1 89 1 a, p. 1 6.
1 1 º9 Stõcker, 1 89 1 b, p. 7; Stõcker, 1899, p. 45.
1 1 10 Stõcker, 1 899, pp. 48-9.
oblige! Mas também esse ordenamento "desafia Deus e, justamente, os ho
mens".1 1 1 1 Depois de ter posto em movimento o processo que "aboliu a escra
vidão", o cristianismo inspira o socialismo autêntico, esta "ideia que move o
mundo" e que é chamada a realizar também a "equação das diferenças econô
micas". 111 2 No plano mais propriamente político, tal como a monarquia absolu
ta cedeu o lugar à monarquia constitucional, assim os "empregadores absolu
tos" devem tomar-se "constitucionais", aceitando ''discutir com os seus operá
rios a organização da fábrica e a assistência social". Nesse caminho, depois de
ter abolido a servidão da gleba durante a luta contra Napoleão, Prússia e Ale
manha se colocaram na vanguarda. Com a sua mensagem de 1 8 8 1 , Guilherme
1 decretou que ·'as classes trabalhadoras" têm direito não mais à esmola, mas a
uma ·'ajuda estatal organizada"; Guilherme II não só retomou e enriqueceu
depois a herança do avô, mas, a partir de Berlim, procurou desenvolver um
movimento ''internacional" para a realização das medidas necessárias de pro
teção dos operários. 1 1 13
É exatamente tal filosofia da história que Bismarck censura no jovem
imperador. Este desejaria p romover a "emancipação dos operários" à imitação
de seus avós, que realizaram a emancipação dos camponeses ; mas é uma
atitude ditada pela dificil busca de uma problemática "popularidade entre as
massas da população" e cujo resultado pode ser apenas a difusão da suspeita e
do alarme entre "todas as classes proprietárias". 1 1 1 4 O ex-chanceler não es
conde o seu desprezo pela "chamada lei de proteção aos operários". Na reali
dade, mais que a "proteção aos operários" (Arbeiterschutz), ela persegue a
"coação dos operários" (Arbeiterzwang), obrigados pelo alto a "trabalhar me
nos ". Além de encontrar a motivada hostilidade do mundo da indústria, a "limi
tação legal do trabalho das mulheres , das crianças e dominical" comete o erro
de violar "a independência do operário na sua atividade econômica e nos seus
direitos como chefe de família". Ele certamente não será "grato" por essas
limitações e imposições. A vantagem irá apenas para a "agitação" socialista,
que pretende descarregar sobre os empresários os custos dessa lei infeliz,
reivindicando uma redução do horário de trabalho com o mesmo salário. Tudo
isso não fará senão alimentar depois "as crescentes expectativas e a avidez
nunca satisfeitas das classes socialistas". 1 1 1 5
1111
Stõcker, 1 89 1 b, p. 1 2.
1 1 12
Stõcker, 1 89 1 a, pp. 1 6-8.
11n
Stõcker, 1 89 1 a, pp. 22-3.
1114 B
ismarck, 1 9 1 9, p. 623; B ismarck, s. d., vol. II, p. 567.
B ismarck, 1 9 1 9, pp. 6 1 7-8 e 62 1 .
1 1 15
Compreende-se então a chamada de atenção, na carta ao príncipe Gui
lherme, contra o perigo representado por Stõcker. Este exprime sua admiração
e seu desapontamento pelo fato que, depois de ter promovido um início de
legislação social, agora Bismarck guie a oposição contra o projeto de continui
dade dessa legislação, levado avante pelo neto de Guilherme 1. Segundo o pre
gador da Corte, uma "atitude sadiamente social ista" teria cedido o lugar no
chanceler a uma "visão de f1Jndo manchesteriana".1 1 1 6 Esta análise é funda
mentada? Na realidade é o próprio Stõcker quem evoca o motivo principal da
mudança ocorrida em Bismarck quando interpreta a legislação social aprovada
ou a ser aprovada como reconhecimento do fato que "as classes trabalhadoras
têm um di reito legítimo à ajuda do Estado" e quando insere tal reconhecimento
num quadro de filosofia da história para que à limitação constitucional do poder
do monarca devesse logicamente segui r-se a limitação constitucional do poder
do proprietário. 1117 Aqui estamos muito além daquele mínimo de assistência
octroyée, graciosamente concedida do alto a partir do amor cristão, do "cristi
anismo prático", do qual Bismarck fala em 1 8 8 1 .
Agora, porém, o chanceler sente o mau cheiro de revolução: "Os padres
podem ser bastante minosos e ser de escassa ajuda; os países mais devotos ao
clero são os mais revolucionários". É preciso não fazer concessões, a partir de
uma posição de fraqueza, a um movimento subversivo que se engrossa amea
çadoramente . Antes que sofrer a desnaturação da monarquia, um soberano
deveria estar p ronto a ''morrer com a espada em punho enquanto luta pelo seu
direito nas escadas do seu trono". Em todo caso, "há o tempo do liberalismo e
o tempo da reação e até do domínio fundado na violência" (Gewaltherrschaft).
É uma espécie de invocação da guerra civil preventiva. E para quem ainda não
o tivesse entendido, o chanceler de ferro lembra a palavra de ordem da
contrarrevolução em 1 848: "Contra os democratas só os soldados podem servir
de aj uda" (Gegen Demokraten helfen nur Soldaten). 1 1 18
Bem longe de querer atenuar ou anular a legislação antissocialista,
Bismarck exige o seu prolongamento por tempo indeterminado e um maior
aperto do mecanismo da repressão. Em caso de necessidade está até pronto a
proclamar a lei marcial e a dobrar a eventual resistência do Parlamento com
uma espécie de golpe de Estado. Ele formula a tese segundo a qual '.'a
socialdemocracia implica para a monarquia e o Estado um perigo de guerra
mais agudo do que a presente situação internacional e deve, portanto, ser con-
1 1 19 Bismarck, 1919, p. 6 1 l .
1 1 2º
Bismarck, s. d., vol. II, p. 564 e vol. III, p. 7 1 .
1 121
Rõhl, 200 1 , pp. 298-302 e 329-33 1 ; Gall, 1 980, pp. 690-700.
1 1 22 Gall, l 980, p. 696.
1
m Marx-Engels, 1955, vol. XXII, p. 525.
1 1 25
ln Ceei!, 1 989. vol. 1, pp. 1 35-6 e Bismarck, s. d., vol. III, p. 53.
1 1 26
Bismarck, s. d. vol. II, p. 424.
1 1 27
Para esta definição desdenhosa cf. Mehring 1 96 1 b, vol. II, p. 658.
1 128 Sobre este ponto cf. Cecil, 1989, vol. 1, p. 1 1 3 .
Em tais circunstâncias, o marechal de campo Waldersee, bastante próxi
mo do futuro Guilhenue II, não só acena para "ásperas lutas" como, no seu
diário, chega até a acariciar a ideia de um golpe de Estado. 1 1 29 Esta parece ser
a melhor solução porque a situação internacional está cheia de perigos. Do
outro lado do Reno, a crescente popularidade do general Boulanger demonstra
a capacidade de revanchismo na França, a qual parece preparar-se para fazer
uma al iança com a Rússia com finalidade antialemã. Aparece o perigo da guer
ra em duas frentes. Talvez con\1iesse malográ-la com um ataque preventivo.
Poder-se-ia tirar proveito das "desordens internas" ou das "perturbações na
França ou na Rússia", que surgem no horizonte ou, de qualquer modo, não seria
dificil estimular também desde o exterior. Este é o projeto que o marechal de
campo Waldersee cultiva ou a tentação que sente em particular. 1 1 30
Nietzsche segue com atenção o desenrolar da situação. De Nice, depois
de ter relatado a chegada, casual ou prevista, de membros do primeiro plano da
família imperial russa, ele acrescenta: '"É a última estação antes da guerra' -
assim todos afirmam" (B, III, 5 , p. 54). É l º de janeiro de 1 8 87. O filósofo se
limita aqui a registrar a crise sem tomar posição. Mas é possível ler uma dura
crítica à Alemanha numa carta sucessiva de l 2 de fevereiro: sob a liderança de
Bismarck o país "está empenhado com febril virtude no seu rearmamento e
apresenta em tudo e por tudo o aspecto de um caracol tomado de um estado de
espírito heróico" {B, III, 5, p. 249). No entanto, ainda não estamos na presença
de uma condenação unívoca e exclusiva do II Reich . O filósofo continua a
manifestar incertezas ainda em 1 4 de setembro de 1 888, na carta já citada na
qual atribui a Guilherme II o mérito de assumir em relação com sua mãe (a filha
de Vitória da Inglaterra) uma posição ·'cem vezes mais cuidadosa do que a
paixão partidária na Alemanha e na Inglaterra poderia desejar". Nesse mo
mento, o chauvinismo do qual é preciso manter distância se manifesta em Lon
dres não menos que em Berlim.
Mas eis que, poucas semanas depois, o julgamento sobre o novo impera
dor se toma tão azedo que envolve toda a dinastia dos Hohenzollem. Um frag
mento imediatamente precedente ao colapso de 3 de janeiro de 1 88 9 censura
uma dupla culpa ao ·'bando cristão" de Berlim. Ele, por um lado, toma posição
a favor dos escravos negros, por outro lado, "semeia os malditos dentes de
dragão do nacionalismo entre os povos" (europeus), perseguindo uma política
expansionista sem escrúpulos que data já ·'da época de Frederico o Grande
Ladrão" (XIII, 643). Sobre o primeiro ponto não há dúvida. O compromisso de
1 13 1
Rõhl, 200 1 , p. 3 1 .
1 1 32
Rõhl, 1 993, pp. 609-6 10.
i m Ritter, 1 967. pp. 48 1-2.
Em última análise, é o espectro da revolução que angustia Nietzsche, que
com lucidez previne contra o perigo representado pelos exércitos de massa,
pelo armamento do povo. Imutável é a sua admiração pela figura do guerreiro
aristocrático, que, no entanto, está para ser suplantada pela figura social e po
liticamente bem diferente do soldado recrutado que evoca o espectro do servo
armado (infra, cap. 22 § 5). O perigo é grave. Como evitá-lo?
Ao opor-se à política de -concessões e reformas sociais apresentada por
Guilherme II, o chanceler desenvolve uma manobra que tem uma dimensão
internacional. Se o ambicioso imperador se põe à frente da cruzada para a
"abolição da escravatura" nas colônias e procura promover de modo análogo
uma campanha internacional que chame a atenção, em nome sempre dos valo
res cristãos, sobre a dureza da condição operária na Europa, Bismarck, ao
contrário, tenta até levar · 'os governos alemães e estrangeiros" a tomar posi
ção contra a iniciativa de Guilherme II para a "proteção dos operários". 1134
Acalentada secretamente em Berlim, primeiro por Waldersee contra a
filha da rainha Vitória da Inglaterra e depois por Bismarck contra a
socialdemocracia, a ideia de golpe de Estado se apresenta como uma perspec
tiva concreta na França tomada pela crise p rovocada pelas ambições
bonapartistas do general Boulanger. Nietzsche não só parece estar informado
dessas manobras, mas também auspicia claramente o seu sucesso, como se
segue do epistolário: "Penso que terei necessidade de Vitório Bonaparte como
imperador da França" (B, Ili, 5, p. 569). O misterioso líder bonapartista cha
mado a pôr fim à Terceira República, e ao longo ciclo revolucionário nascido
dela, talvez pudesse desempenhar um papel importante na luta também contra
a subversão dominante em terra alemã.
É nesse contexto que é preciso colocar o apelo de Nietzsche às "cortes
europeias" para se unirem numa "liga antialemã" (B, Ili, 5, p. 5 5 1 ). Agora
campeã da subversão "trabalhadora", cristã, humanitária e nacionalista, a Ale
manha faz pesar sobre a Europa e sobre a civilização enquanto tal uma grave
ameaça. É preciso frustrá-la de uma vez por todas. A partir da vitória obtida
sobre a França, o que deixava Bismarck inquieto era o cauchemar des
coalitions; agora esse pesadelo é chamado a tomar corpo numa "liga" pensa
da no modelo das coalizões em seu tempo constituídas contra a França revo
lucionária e posteriormente renovada pela doutrina e pela prática da Santa Ali
ança; só que o alvo agora é constituído pelo II Reich de Guilherme II, que nesse
meio tempo se revelou o foco mais perigoso do contágio subversivo.
sei como tratar tais idiotas escuros (braune ldioten); aqui se mede um oficial
bem sucedido (B, III, 5, p. 500- 1 00).
Portanto, o sucesso deste golpe de Estado estaria garantido pelo apoio
daquelas que, aos olhos de Nietzsche, são as duas forças anticristãs por exce
lência. Vejamos a primeira: ··se procuro quais são os meus aliados naturais,
eles são antes de tudo os ofici áis: com o instinto militar no corpo não se pode
ser cristão; de outro modo seriam falsos cristãos e também falsos soldados"
(XIII, 642). Se ainda houvesse inibição ou hesitação em golpear uma religião
que, de qualquer modo, está nos antípodas dos seus sãos instintos guerreiros, os
oficiais poderão encontrar na leitura do Anticristo um suplemento de consciên
cia e de energia. Colocada nesse contexto, a febril atitude desenvolvida por
Nietzsche para levar adiante os textos projetados por ele adquire um significa
do a mais : trata-se de reforçar também no plano teórico o "partido da vida"
para que esteja à altura das provas decisivas que o aguardam.
Mas junto com o corpo dos oficiais, o grande capital judeu é chamado a
desempenhar um papel de destaque. Nessa sugestão se percebe o eco do con
flito que se está iniciando entre o programa "social" de Guilherme II e os inte
resses e as resistências da grande indústria: os ambientes influenciados pelo
cristianismo são menos confiáveis . A religião à qual eles se referem, por um
lado, os convida à obediência para com a autoridade constituída; por outro lado,
os toma propensos ao acolhimento da ideologia favorável aos pobres ostentada
por Guilherme II. O grande capital judeu, porém, é duplamente anticristão: por
um lado, remete a um componente essencial do mundo aristocrático e, por
outro lado, a uma cultura e a uma comunidade que, por quase dois milênios,
tiveram de chocar-se com o cristianismo, a um povo cujo indomável espírito
guerreiro é testemunhado pelas páginas de história consagrada nas partes pré
exíl icas do Antigo Testamento. Por isso Nietzsche insiste com força: "Para o
meu movimento internacional preciso de todo o grande capital judaico" {B, III,
5, p. 5 1 5). Os judeus não tinham visto com simpatia a tentativa de Juliano de
acabar com o cristianismo?1 13 5 Agora, a um milênio e meio de distância, são
chamados a desempenhar um papel central na luta contra aquela espécie de
Constantino em versão cristão-socialista que é Guilherme IL
ms
Sobre isto cf. Gager, 1 985, pp. 94-5.
6. Grande capital judeu, "oficialidade aristocrática " prussiana
e cruzamento eugênico
Convém logo especificar que Nietzsche fala com respeito e até com ad
miração só do judeu capitalista. E esta figura merece respeito e admiração
apenas na medida em que se afasta de tudo o que no judaísmo cheira a plebe e
subversão : ."Desejo sempre mais que os judeus cheguem na Europa ao poder,
de modo que, não tendo mais necessidade dele, percam as características em
virtude das quais até agora se afirmaram como oprimidos" (B, III, 5, p. 82).
Graças à participação no poder, as classes altas do judaísmo poderão finalmen
te deixar de lado todo resíduo de ressentiment e de messianismo e fornecer
uma contribuição válida para a luta contra a subversão. Em Além do bem e do
·
ms
Balfour, 1 968, pp. 93-4.
1 139 Rõh.l, 1 993, p. 278.
1 1 40 Rõh.l, 1 993, p. 409.
1 1 4 1 Bismarck, s. d. vol. II, pp. 33 9 e 364.
1 1 4 2 Rõhl, 1 993, p. 408.
conjunto. Certa vez, ao chegar à Inglaterra, junto com o esposo, para ir atrás da
ilusão da cura dele, a princesa herdeira exclama: "Estamos de fato felizes de
estar no braço do canal da Mancha que para mim será sempre o certo". 1143
Nesse momento, na comparação entre o futuro Guilherme I I e a mãe, é
provavelmente esta última que é acometida pelo chauvinismo mais exaltado; em
todo caso, ao chauvinismo anglômano de uma se contrapõe o chauvinismo
teutômano do outro. O antagonismo que depois desempenhará um papel decisivo
no desencadeamento da primeira guerra mundial se manifesta já com diversos
anos de antecedência na relação conflituosa entre a filha da rainha Vitória e o
futuro Guilherme II; a tragédia europeia e mundial de 1 9 1 4- 1 8 tem um prólogo
tragicômico no âmbito da família do príncipe herdeiro, na corte de Berlim.
No entanto, em relação à política interna, não há motivo para desconhecer
que o projeto, promovido por Guilherme II sob a influência de Stõcker, de supe
ração da legislação antissocialista e do desenvolvimento da "proteção dos tra
balhadores " seja mais equilibrado e de maior visão do que a aspiração de
Bismarck ao golpe de Estado antissocialista e antipopular. Falando exatamente
de Guilherme II, um autor socialdemocrata contemporâneo dele, e crítico im
placável da dinastia dos Hohenzollern, deixa escapar esse reconhecimento. O
jovem imperador "não permanecera indiferente ao desenvolvimento histórico"
e aos desafios do tempo:
Ele de modo algum era alheio a pensar, como as mentes mais claras das
classes dominantes eram induzidas sempre mais a pensar, que exatamente no
interesse destas classes era urgente abolir a lei contra os socialistas e aper
feiçoar a proteção legal dos operários. O fato de ele mesmo não poder dar um
passo sem estar cercado por uma nuvem de espiões, que ele soube por um
discurso socialdemocrata no Parlamento, deve ter prevenido o Kaiser tam
bém pessoalmente contra a lei antissocialista. 1144
Embora relutante à força do último Bismarck, também o "partido do Kronprinz",
o futuro Frederico III, se revela surdo à questão social. Não por acaso, os seus
"pilares" são, em primeiro lugar, "os grandes armadores e os grades comercian
tes", alarmados com os projetos de reforma social de Guilherme 11. 1 145
A História da socialdemocracia alemã aqui citada é publicada por Mehring
em 1897-98. Est.ão ainda por vir a revolta dos Boxer e o discurso truculento do
imperador alemão às tropas que se preparam para partir a fim de sufocá-la no
sangue; sobretudo ainda está longe a primeira guerra mundial. Isto explica o
1 1 4) Rõhl, 1993, p. 651.
1 1 44
Mehring, 1 96 1 b, vol. II, pp. 668-9.
1 1 45 Mehring, 1 96 1 b, vol. II, p. 598.
julgamento equilibrado que acabamos de ver, que é confirmado pela historiografia
contemporânea. A propósito de Bismarck, o historiador estadunidense muitas
vezes citado observou que ele "não estava disposto a adaptar-se às visões pro
gressistas de Guilherme sobre a questão operária". 1 146 No que diz respeito a
Frederico III, esta é a conclusão formulada ou subscrita por um historiador inglês :
"Ele pretendia governar com e para a burguesia, mas ficava perplexo diante da
contínua ascensão dos traballµ.dores: as suas teorias não previam esse fenôme
no''. 1 14í Damos agora a palavra a um historiador alemão. Distinguindo-se tanto
do seu predecessor como do seu chanceler, e dando expressão para uma ampla
opinião pública, Guilherme II busca um "ainda que parcial compromisso com a
classe operária e as forças que a representam"; só desse modo se podia evitar a
"catástrofe" e as '"perturbações políticas e sociais". 1 148
É um compromisso decididamente rechaçado por Nietzsche. Este, depois das
incertezas e oscilações, se coloca ao lado ''do inesquecível Frederico III" (XIII, 643
e 646) e condena com palavras de fogo a prisão arbitrária por "traição" de Heinrich
Geffecken, próximo da viúva do defunto imperador, suspeita por sua vez de querer
furtar para a Inglaterra a massa de documentos deixada pela esposa e considerada
por ela como sendo propriedade privada. O filósofo torna assim posição decidida a
favor do partido filoinglês, o partido que, com a princesa Vitória, já em 1 88 1 tinha
bradado contra o perigo comunista representado pelo ainda tímido programa de
"'cristianismo prático" de Bismarck e Guilherme 1.
A admi ração pela ilha aristocrática, pouco afetada pela maré da democra
tização e massificação, e em relação à qual o chanceler alemão é apenas um
··compadre parvenu" (XIII, 646), está nesses anos amplamente difundida. A
orientação de Nietzsche não é diferente daquela assumida pelos seguidores do
'·radicalismo aristocrático" do qual ele pretende ser o intérprete. À luz dessas
considerações, não há dúvidas sobre o fato de que a "liga antialemã" e o golpe
de Estado sonhados pelo filósofo são de sinal reacionário, e de sinal reacionário
é também o projeto eugênico, já visto, que visa claramente salvar e reforçar o
bloco social do Antigo Regime.
1 146 Ceei!, 1 989, vol. 1, p. 149 e, mais cm geral, pp. 1 47- 1 70.
1 1 47Balfour, 1968, p. 127.
1 148 Gall, 1980, p. 689.
18
" ANTISSEMITISMO" E EXTENSÃO DA LEGISLAÇÃO
�
omo explicar então ª gra�1de ;�ntade de neut �alizar e até de "expul �� r", e
C ··fuzilar
_ . , _
todos os ant1ssenutas ,Junto com ··Gmlherme, Bismarck e Stocker' ?
Na verdade, esta lista é incompleta e, por ser incompleta, corre o risco de ser
enganosa. Há uma outra personalidade ilustre que o último Nietzsche, já toma
do pela loucura, gostaria de atingir: ··prendo o papa no cárcere" (B, III, 5 , p.
5 72, 575 e 579). Vimos Leão XIII, a quem se faz referência aqui, promover,
através do cardeal Lavigerie, a campanha para a libertação dos "escravos ne
gros": dois anos depois, com a Rerum novarum, buscará uma relação com o
movimento operário, mas já em 1 8 78 ele tinha feito as primeiras tentativas
nessa direção . A encíclica Quod apostolici muneris previne contra o perigo
de que ··a máxima parte da humanidade deva recair na torpíssima condição de
escravos, que esteve por muito tempo em uso entre os gentios" e admoesta os
··ricos" de que, ··se não vierem em ajuda da indigência, serão com eternos
suplícios punidos". 1 1 •19 No que se refere a Guilherme II, sabemos que o que o
torna odioso aos olhos de Nietzsche é, em primeiro lugar, a política, inspirada
por Stõckcr, de compromisso com a socialdemocracia, sendo que o imperador
já mudou a sua ideologia plebeia da abolição da escravatura e da celebração do
trabalho, dos trabalhadores e dos "mendigos". Daí os insultos contra a "raça
gregária por excelência", a "estúpida raça" alemã {B, III, 5, p. 568-9), guiadas
por ··idiotas cm púrpura" ou por "idiotas escuros". Pelo menos os adjetivos
"idiota" e ··estúpido" remetem de modo inequívoco à figura de Jesus . Não é o
antissemitismo que constitui o alvo das iras do filósofo, como comumente se
afirma, mas um projeto cristão-social, contra o qual o filósofo pronuncia uma
implacável requisitória que inclui também a acusação de antissemitismo.
É uma acusação que obviamente lembra em primeiro lugar Stõcker. Vi
mos até agora a face simpática do pregador da corte; o empenho como
reformador social. É necessário agora analisar a sua face odiosa: o virulento
1 1 5° Flcischmann, 1 970.
11 5 1 Tal, 1 975, pp. 209-2 1 1 .
1 1 52 Fleischmann, 1 970, pp. 1 1 9- 1 20.
11 53 Bamberger, 1 965, p. 1 53.
correto balanço histórico, é preciso ter presentes as perseguições anticristãs
sanguinolentas que os judeus fizeram nos raros momentos em que detiveram o
poder (por exemplo, no Iêmen do século VI) e a colaboração deles oferecida
ao islã no momento em que este combatia e ameaçava a cristandade? As me
didas para introduzir um mínimo de segurança social para as classes trabalha
doras estão inspiradas - declara Bismarck - pelo cristianismo; mas - objeta-se
no lado judeu - acaso a ideia.de justiça social não está presente, e com força, já
no Antigo Testamento? A figura odiosa de Shylock encontra a sua expressão
no judaísmo ou, ao contrário, no cristianismo, como Graetz afirma ou reforça,
não obstante a indignação de Treitschke? 1 154 Na realidade - responde por sua
vez Stõcker - "em Berlim e em toda parte o judaísmo se tomou rico e podero
so, Nathan o sábio cedeu lugar para Shylock". 1 1 55
A controvérsia nacional se entrelaça com a controvérsia teológica e teológi
co-política. Dada a calorosa adesão de Treitschke, Stõcker e tantos outros ao
mito genealógico germânico-cristão, a polêmica anticristã acaba atingindo tam
bém a Alemanha. Eis então Graetz que sublinha "a limitação do espírito alemão"
e classifica os alemães como os "inventores da servidão da gleba, da nobreza
feudal e do vulgar espírito servil", 1 156 suscitando a indignação óbvia de Treitschke.
Este acusa os judeus de "arrogância", como demonstra também a sua rejeição à
assimilação, e até de "obstinado desprezo em relação aos goyim alemães". Graetz
responde convidando-o provocadoramente a se preocupar com Disraeli, o qual
celebrou os judeus como uma "raça pura", antes, como uma "raça superior [que]
não pode ser absorvida ou destruída por uma raça inferior".1 157
Disraeli reivindica a hegemonia para os j udeus também no plano musical:
"A Europa musical é nossa [ .. .]. Quase todo grande compositor, todo musicista
entendido, quase toda voz que encanta [ . . . ] provém da nossa gente". Para essa
finalidade são citados os nomes de Meyerbeer, Mendelssohn e de Rossini, to
dos de "raça judia", todos exemplos luminosos do "gênio judeu". 1 158 Além da
resposta e da retaliação de Wagner, que já conhecemos, isso provoca a perma
nente indignação dos ambientes judiófobos e antissemitas, os quais citam esta
louvação como prova ulterior da "arrogância" do "povo eleito".
A troca de acusações entre cristãos e j udeus, ou entre cultores do mito
genealógico cristão-alemão (com a reivindicação de uma missão peculiar para
1 1 55
Stõcker, 1 890, p. 48 1 .
1 1 56
ln Treitschke, 1 965 b, p. 4 1 .
1 1 57
Treitschke, 1965 a, pp. 8-9 e Graetz, 1965 a, p. 3 1 .
1 1 5x Disraeli, 1 982, p. 222 (livro IV, cap. 1 5); sobre isto c( Vincent, 1 990, p. 30- 1 .
a Alemanha enquanto campeã do cristianismo) e cultores do mito da eleição
divina do povo judeu, assume às vezes aspectos grotescos. Foi um alemão ou
um judeu que inventou o pó do disparo? E é verdade que "o esplendor da
Alemanha se dissolve no judaísmo"'? 1 1 59 Neste parágrafo destaquei em itáli
co as declarações que Stõcker tira da imprensa j udaica e que o enchem de
particular indignação. Por outro lado, ele não tem dificuldade em prestar calo
rosa e respeitosa homenagem ao Antigo Testamento. "O que há de verdadeiro
no socialismo" já está contido na "legislação mosaica": graças à '"proibição do
empréstimo a juros" o trabalho era .. protegido da exploração"; se tivermos
presentes outras normas, como a obrigação do repouso semanal, devemos con
cluir que encontramos aqui a '·magna charta de todos os trabalhadores e de
todos os oprimidos". Uma linha de continuidade conduz de Moisés até a vibran
te condenação da riqueza que os profetas fazem. 1 1 60
Como definir então, no seu conjunto, a posição de Stõcker? É completa
mente diferente da posição, por exemplo, de Dühring, que faz da ''questão judai
ca" uma questão de raça à qual certamente não se pode pôr remédio mediante o
batismo ou a conversão para uma religião, o cristianismo, ele mesmo profunda
mente e irremediavelmente judeu. Bem diferente é a posição do pregador da
corte, o qual, como foi observado, "toma posição até de modo áspero contra o
antissemitismo racial". 1 1 61 Não por acaso é muitas vezes criticado, e duramente,
pelas colunas da "Antisemitische Correspondenz". Wilhelm Marr, que o rotula
como "para-raios" bastante útil para os judeus (ASC, N. l , P. 6), prossegue assim
na sua polêmica: "Se o seu ponto de vista é o certo, então renunciemos totalmen
te ao antissemitismo e fundemos uma abstrata 'Sociedade para a Conversão dos
Judeus' e, mediante o batismo, façamos destes últimos 'cristãos sociais'". Diante
de tal atitude, ''Sem rejubilar-se", não pode não alegrar-se. Ele j á chegou a esta
conclusão: ·'Se Stõcker não existisse, seria preciso inventá-lo" (ASC, n. 8, p. 5).
Nietzsche odeia o pregador da corte, mas não há muita diferença entre um e
outro aos olhos dos antissemitas autênticos (os raciais). Ao alimentar a ilusão de
poder assimilar os judeus (o estrato superior) no âmbito da comunidade alemã
ironiza Thomas Frey (pseudônimo de Theodor Fritsch) - o autor de Além do bem
e do mal se revela '·um dogmático igualmente obstinado como aqueles pastores
que querem cuidar dos judeus mediante o batismo" (ASC, n. 20, p. 1 3).
Como nada há a fazer com os antissemitas anticristãos ao modo de Dühring,
assim Stõcker tem pouco ou nada em comum com os antissemitas cristianizantes
1 1 62 Stõcker, 1890, p. 36 1 .
1 16J Stõcker, 1 89 1 a, p. 20.
1 1 64 Mayeur, 1973, pp. 1 95-6.
1 1 65 Ketteler, 1 970, pp. 64 e 68.
1 1 <'6 Stõcker, 1 890, p. 369.
1 1 67 Stõcker, 1 890, p. 482.
2. Stacker e Disraeli: o entrelaçamento de inclusão e exclusão
entre Al�manha e Inglaterra
1 1 6M
Stõcker, 1 890, p. 4.
1 1 69
Stõcker, 1890, p. 5.
1 1 70 Stõcker, 1 890, p. 4.
1 1 71
Stõcker, 1 890, p. 3.
1 1 72 Stõcker, 1 890, p. 4-5.
i m Stõcker, 1 890, p. 5.
corte observa que aos trabalhadores "o Reich alemão concedeu por sua iniciativa
o sufrágio universal". 1 1 74 Stõcker não hesita em retomar as palavras de ordem
da Revolução Francesa ("liberdade, igualdade, fraternidade"), que, esvaziadas
de sua carga revolucionária, são deduzidas "do Evangellio de Cristo". 1 1 75 Os que
fazem referência a ele são chamados a passar de um "cristianismo abstrato", que
fecha os olhos diante da miséria da massa, para um cristianismo concreto. Não
basta a caridade individual: "se uma classe social é oprimida, é a classe social
inteira que precisa fornecer ajuda"; "o Reino de Deus é um Reino social. Ele não
pertence só ao além, mas também ao aquém". 1 1 76
Surge com clareza o "elemento novo e revolucionário" desse cristianis
mo. Ele aspira a uma espécie de "socialismo de Estado" e "se volta mais contra
o liberalismo do que contra os judeus". 1 177 É explícita e declarada a tentativa
de Stõcker de afastar os trabalhadores da socialdemocracia revolucionária ape
lando para os valores da pátria e do cristianismo, ou seja, ao sentido de
pertencimento a uma comunidade definida em termos ao mesmo tempo nacio
nais e religiosos. Trata-se, portanto, de integrar estratos sociais em poder da
agitação revolucionária numa comunidade germânico-cristã. Então se compre
ende a judeofobia, ou seja, o ataque furibundo contra um grupo suspeito tanto
no plano ético como no religioso e acusado de constituir "um povo no povo, um
Estado no Estado, uma estirpe separada sob uma raça estrangeira". 1 178
A posição, ou melhor, o programa de Stõcker revela aquela dialética e
aquela inter-relação de inclusão/exclusão, emancipação/desemancipação que,
mais ou menos nesse mesmo período de tempo, se pode observar também em
outros países. Pensemos particularmente na Grã-Bretanha. Quem introduz a
segunda Reform Bill, que pela primeira vez estende os direitos políticos a seto
res consistentes das massas populares e aprova uma legislação social significa
tiva (com intervenções sobre o trabalho em fábrica, os bairros insalubres e as
moradias operárias) é o conservador Disraeli, já desde algum tempo empenha
do em opor-se à agitação revolucionária, insistindo na dignidade do "trabalho" e
no fato que "os ricos e os pobres" fazem parte da mesma comunidade, pensada
esta, porém, em oposição às raças inferiores que habitam os territórios sempre
mais conquistados por essa comunidade superior e vitoriosa. A dialética de
inclusão/exclusão atinge aqui os povos coloniais, não mais os judeus, e não
1 1 74 Stõcker, 1 890, p. 5.
1 1 75 Stõcker, 1 890, pp. 5-6.
1 1 76 ln Brosz.at, 1 952, pp. 29-30.
1 1 77 Assim em Broszat, 1952, pp. 29 e 32.
11 78 Stõcker, 1 890, p. 367.
tanto pelo fato de Disraeli ser de origem judia e cantor da "raça pura" e "supe
rior" à qual pertence. Bem mais importantes são outros dois fatores: de um
lado a realidade da expansão ultramarina, do outro lado o mito genealógico
anglossaxão-judaico, bem enraizado na tradição inglesa (e estadunidense), que
justifica e celebra essa expansão em nome da missão que compete a um país e
um povo herdeiro do "povo eleito" do Antigo Testamento. 1 1 79
Na Alemanha, porém,. na ausência de uma expansão colonial, ainda por
vir, e na presença do mito genealógico cristão-germânico, a comunidade na
qual são chamadas a se integrar as massas populares, que estavam até esse
momento excluídas, é definida em contraposição ao judaísmo. Em condições
diversas, vemos desenvolver-se nos dois países aqui comparados a agitação e
a realização de dois programas, em cujo fundamento age uma dialética análoga
de inclusão/exclusão ou emancipação/desemancipação. Acentos racistas res
soam eventualmente no primeiro ministro inglês: a tese cara a ele, segundo a
qual ""a raça é tudo" (infra, cap. 20, § 2), seria em vão procurada no pregador
da corte. Por isso, nesse caso, convém falar de judeofobia.
Para caracterizar corretamente a posição de Nietzsche não basta subli
nhar a sua opos ição ao "antissemitismo" de Stõcker; é necessário especificar
que ele rejeita o conjunto das medidas de inclusão e de exclusão propostas por
Stõcker. Poucos meses antes de auspiciar o fuzilamento dele, o filósofo censu
ra o pregador da corte por agitar as "ideias mais gastas e mais odiosas", aque
las da "igualdade dos direitos e do sufrágio" (XIII, 92-3). É claro que ainda
mais gasta e mais odiosa é, aos olhos do filósofo, a ideia do Estado social.
1 18º
Marx-Engels, 1955, vol . XX, p. 104.
1 18 1
Frankel, 1990, pp. 78- 1 70.
1 182
Marx-Engels, 1955, vol. XXII, p. 50.
1 1K\ Zi nunennmm, 1986, pp. 79 e 88.
1 1 84
Wagner, 1 9 1 0 e, pp. 248-9.
cracia russa ao silêncio e hostilidade que circundam a sua obra na Alemanha. O
filósofo se exprime em termos eufóricos pelo fato de que seus livros são acolhi
dos com favor pelos círculos aristocratas russos e pelos "apreciadores da socie
dade russa" (B, III, 5 , p. 506), os quais, portanto, se revelam bem superiores, no
plano cultural e político, à nobreza e ao público alemães. São Petersburgo é uma
das cidades onde o teórico do radicalismo aristocrático é compreendido e apreci
ado por numerosos leitores: ':Todas as inteligências requintadas, caracteres pro
vados, educados para as altas posições e para os altos deveres", às vezes "ver
dadeiros gênios" (EH, Porque escrevo livros tão bons, 2). É exclusivamente
com os "franceses e russos mais ricos de espírito" que Nietzsche se sente afma
do (B, II, 5 , p. 70). Em Nice, o filósofo parece esperar, também, a chegada da
"imperatriz russa" e, no entanto, se alegra pela presença do "herdeiro russo ao
trono" (B, III, 5, p. 4), portanto, do futuro Nicolau II que, em relação ao
antissemitismo, não é certamente menos zeloso que Guilherme II!
Aos olhos de Nietzsche, o sucesso concedido na Rússia a seus livros e
suas teses é o sintoma de algo mais profundo. O filósofo, que durante sua vida
soube tolerar situações e ambientes considerados "quase insuportáveis", vê
algo de inato no "fatalismo russo", "este fatalismo sem revolta", que imuniza
contra o ressentiment e tem uma "grande razão": "Considerar-se a si próprio
como uma fatalidade, não querer-ser 'de outra forma' - em tais condições está
a grande razão de ser" (EH, Porque sou tão sábio, 6).
Dir-se-ia até que Nietzsche faz seu um lema que circulava naqueles anos
entre os eslavófilos: o povo russo "é um povo que não gastou ainda as suas
forças, como a maior parte dos povos europeus, nem as forças da sua vontade
nem as do seu coração" (B, III, 5, p. 39). Em Além do bem e do mal é possível
ler uma posição ainda oscilante e contraditória em relação à Rússia. Por um
lado, augura-se o desmembramento desta potência ainda fundamentalmente
asiática, que faz pesar uma séria ameaça sobre a Europa; por outro lado, se
percebe o fascínio de um país ainda amplamente imune aos estragos da
modernidade, da civilização, do parlamentarismo, que grassam no Ocidente. "A
doença da vontade não se difundiu na Europa de maneira uniforme; ela se
manifesta com maior imponência e multiplicidade de aspectos onde a cultura já
tem um longuíssimo tempo de casa"; se "a vontade está doente de maneira
verdadeiramente grave", sobretudo "na França contemporânea", sinais de maior
vitalidade ela dá na Alemanha e, sobretudo, na Rússia (JGB, 208).
Um fragmento de abril-junho de 1 8 85 vai além:
Parece-me que entre os eslavos, graças a um regime absoluto, a capacidade
inventiva e a acumulação de força de vontade são grandes e intactas mais do
que nunca. Um governo mundial alemão-eslavo não entra entre as hipóteses
mais improváveis. Os ingleses não são capazes de superar as consequências
da teimosia da sua soberba autoconsciência. Com o tempo, sempre mais
homines novi chegarão ao poder e enfim as mulheres entram no Parlamento.
Fazer política é, porém, afinal, também questão de herança. Ninguém, que
inicia como homem privado, se toma homem de horizontes infinitos (XI, 457).
Estamos nos anos em que ocorre a renovação do pacto dos três imperado
res (Alemanha, Rússia, Áustria=Hungria) de 1 8 8 1 e o tratado de contrassegurança
alemão-russo de 1 887. Nietzsche deve ter olhado essa aproximação entre as
duas potências com simpatia, como resulta de um de seus motivos de acusação
feitos depois por ele contra Guilherme II: ele "abre abismos entre as nações em
devir" (werdende Nationen) (XIII, 644). De qualquer modo, é grande a espe
rança colocada em "Petersburgo, onde se intuem coisas que nem em Paris são
cogitadas ! " e onde talvez o "instinto" é menos "enfraquecido", e a "décadence
europeia", menos desenvolvida (WA, 5). A "capacidade de ver longe" sem limi
tar-se ao presente, nesse sentido, a presbiopia, torna comum o czar ao Zaratustra
de Nietzsche (EH, Além do bem e do mal, 2).
Mas associa também, paradoxalmente, Rússia czarista e judaísmo. Raça
"forte" e "tenaz", os judeus não se dobram "diante das 'ideias modernas "';
sim, ''eles se transformam, quando se transformam, sempre e apenas do mes
mo modo com que o império russo faz as suas conquistas - como um império
que tem o tempo diante de si e não é de ontem". Um sentido análogo da acu
mulação da potência nos séculos, ou nos milênios, tem essa raça aere perennius
que são os judeus : "se quisessem - ou se fossem obrigados a isso, como os
antissemitas parecem querer obrigá-los - poderiam já neste momento ter a
preponderância, ou o verdadeiro domínio sobre a Europa" (JGB, 25 1 ) . Assim
como as grandes famílias da aristocracia russa, também as grandes famílias
das finanças judias são caracterizadas por uma continuidade da riqueza, do
poder, da cultura e das boas maneiras que desafia os séculos; nem umas nem
as outras são afetadas por aquela espécie de paralisia da vontade que se espa
lha pela Europa ocidental
1 1 x5
Stõcker, 1 890, p. 363.
1 1 x6
Schopenhauer, 1 976-82 d, p. 786.
1 1 x7
Treitschke, 1 965 a, p. 8.
espécie esgotada e decadente de judeu"; além do clima - é o único acréscimo
em relação à análise de Treitschke - o que influi negativamente é "a vizinhança
dos eslavos sem graça e oprimidos" (XI, 5 68-9).
O judeu oriental lembra a ralé, aos olhos do teórico do radicalismo aristo
crático, que nesse caso assume uma posição não diferente da posição da
Antisemitische Correspondez, mais uma vez plenamente satisfeita com a ati
tude do governo czarista: ·�umentam as medidas severas contra os judeus
estrangeiros que comerciam na Polônia" (ASC, n. 1 6, p. 7). São os emigrados
que depois são rechaçados ou expulsos também da Alemanha. Ainda depois da
dura carta endereçada a ele por Nietzsche, Fritsch nota que pelo menos nesse
ponto há acordo entre ele e o filósofo: como Além do bem e do mal reconhece,
em terra alemã há ')udeus o bastante" (ASC, n. 20, p. 1 3).
Refere-se à ralé, em última análise, também a segunda figura do judaís
mo, alvo de uma polêmica que, embora entre altos e baixos - a maré baixa é
representada pelo período "iluminista" - se toma sempre mais áspera. Se "os
filhos dos pastores protestantes" partem do pressuposto de que "se acredite
neles", bem diferente se comportam, não podem não se comportar, aqueles que
se encontram em oposição à religião dominante:
Um judeu, no entanto, de acordo com a esfera de atividade e o passado do
seu povo, está pouquíssimo habituado a ser acreditado; considerem-se a
respeito os emditos judeus - todos co1úerem uma grande importância à
lógica, ou seja, visam arrancar o consentimento mediante motivações; eles
sabem que com ela deverão necessariamente vencer, mesmo onde existe
contra eles repugnância de raça e de classe (Rassen- und C/assen
Widen11i/le). onde não se acredita neles de bom grado. Pois nada é mais
democrático do que a lógica: ela não dá atenção à pessoa e não faz distinção
entre narizes curvos e retos (FW, 348).
Os judeus começam a ser identificados como os intelectuais racionalistas
e revolucionários por excelência. Eles ''ensinaram a distinguir mais sutilmente,
a deduzir com mais agudeza, a escrever mais claro e limpo: a sua tarefa foi
sempre a de conduzir um povo 'a raison"' (FW, 348). Nesse momento - per
siste o eco ·'iluminista" - o juízo de valor não é univocamente negativo, mesmo
se já se notam distintamente os tons críticos. O intelectual ou o artista rebelde
é uma espécie de "comediante", sobretudo se provém das "famílias do povo
baixo, que sob as vicissitudes da opressão e da coação tiveram que passar a
sua vida numa extrema dependência". Agora se compreende que sejam exata
mente os judeus que constituem "uma espécie de organização histórico-mundi
al para a criação de comediantes, uma verdadeira incubadora de comedian-
tes"; o judeu é um "literato congênito" e, enquanto tal, "é essencialmente co
mediante" (FW, 3 6 1 ). Vale a pena notar que essa é a opinião também de Fritsch,
segundo o qual "representar comédias" é uma espécie de "missão" para os
judeus: é o "único talento positivo" do qual eles dispõem. 1 1 88
Genealogia da moral esclarece de que comédia se trata, durante a polê
mica contra os intelectuais tomados de sagrado desdém contra a ordem social
existente e empenhados em "representar (darstellen) as 'almas belas'", a
"representar" a causa da 'justiça", a "representar uma forma qualquer de
superioridade", a encenar "a comédia da 'nobre indignação"' e da "nobre
eloquência", assumindo uma "insidiosa mímica-de-mártires�resignados". Na
realidade, estão em ação "os ávidos de vingança disfarçados de juízes" e
prontos a recorrer a outras "mascaradas da vingança" (GM, III, 1 4). Não
fogem do "momentâneo fazer-se pequenos, fazer-se humildes", para atingir e
envenenar os aristocratas e os bem sucedidos (GM, 1, 1 O). Na sua "incapacida
de de representar (reprasentieren) a potência", por causa da condição servil
que caracterizou permanentemente a sua história, os judeus dão mostra de um
''histrionismo" de tipo particular: são os "atores" próprios de "uma época de
mocrática" (XI, 568-70); o povo protagonista da revolta dos escravos na moral
especializou-se na representação da comédia e da indignação moral.
O intelectual judeu está propenso também a agitar a palavra de ordem da
"aristocracia do espírito" em polêmica contra a nobreza de sangue (supra, cap.
1 1 § 4); e, mais uma vez, desempenha um papel subversivo. No curso da evolu
ção de Nietzsche, quanto mais a razão e a dialética se levantam como sinônimo
de revolução, tanto mais o Íntelectual judeu se configura como o veículo do con
tágio democrático e socialista que devasta a Europa. O arquétipo do intelectual
subversivo é identificado em Paulo de Tarso, no qual encontram expressão "o
instinto sacerdotal dos judeus" (AC, 42) e a carga de ressentiment de um povo,
primeiro protagonista, com as armas refinadas da ideologia e do discurso moral,
da revolta servil. Ou, ao reconstruir a história da figura do intelectual subversivo,
Nietzsche remonta até Sócrates, este roturier, que faz da dialética uma arma
mortal de luta e de vingança contra a aristocracia. Mas exatamente nisso ele trai
a sua origem não grega e, em última análise, hebraica: "O judeu é dialético, e
também Sócrates o era. Tem na mão um instrumento terrível: refuta o adversário
comprometendo o intelecto - submete-o a um interrogatório, tomando-o inofen
sivo - deixa-se para a vítima a tarefa de demonstrar que não é idiota" (XIV, 4 1 4).
Portanto, o juízo sobre as primeiras duas figuras do judaísmo é aspera
mente crítico. Quando, ao compará-lo aos niilistas e aos revolucionários russos
1 18�
Fritsch, 1 893, pp. 26 1 -2.
do tempo, afirma, como vimos, que um Jesus redivivo seria justamente conde
nado à deportação na Sibéria, O Anticristo de fato legitima o tratamento im
posto a muitos judeus, processados como subversivos e suspeitos de subversão
mais do que qualquer outro grupo ético-religioso: são eles em primeiro lugar -
denuncia a Antisemitische Correspondenz - que alimentam o movimento niilista
(ASC, n. 22, p. I I ).
Deve-se acrescentar que em Nietzsche falta qualquer aceno ao movi
mento sionista, que, depois de ter encontrado uma primeira vaga expressão em
Moses Hess, nestes anos começa a ser alimentado sobretudo pelos judeus
orientais, principalmente interessados em fugir ao mesmo tempo da opressão
nacional e da miséria. O filósofo deve ter olhado tal movimento com o mesmo
desprezo que reservara para a teutomania (também ela duplamente plebeia em
razão da sua base social e dos seus objetivos), tanto mais porque, estando pelo
menos nos escritos do período "iluminista'', os judeus desenvolvem um papel
positivo apenas na medida em que constituem um "resíduo nacional" (supra,
cap. 7 § 7). É claro que os judeus, os quais agora puseram "fim à sua vida
nômade" e se despediram da figura do "judeu errante", precisam ser bem aco
lhidos, pondo fim de uma vez para sempre à falta de "benevolência para com os
judeus", que, infelizmente, caracteriza a Alemanha� porém, esta "boa acolhida"
deve ser harmonizada "com toda cautela, com sentido da escolha" (JGB, 25 1),
prestando muita atenção às duas figuras em que o plebeísmo e a subversão
moderna encontram expressão.
A teorização do cruzamento social e eugénico entre oficialidade prussiana
e finanças judaicas não põe fim à polêmica contra as outras duas figuras do
judaísmo. Pelo contrário. Enquanto por um lado se toma sempre mais áspero
em relação aos antissemitas social istizantes, ou suspeitos de o serem, por outro
lado Nietzsche faz um ajuste de contas sempre mais radical com o judaísmo e
com a figura em particular do sacerdote-intelectual judeu, rotulado como a
fonte primeira da revolta servil. A própria Genealogia da moral, que, como
veremos, solicita a deportação dos antissemitas, lê toda a história do Ocidente
como a história da catástrofe que se verificou com a vitória da Judeia sobre
Roma. Neste sentido, os judeus continuam a ser "o povo mais fatal na história
do mundo". A sua influência se faz notar por toda parte: "Nos seus efeitos
póstumos falsificaram a tal ponto a humanidade que ainda hoje o cristão pode
sentir de maneira antissemita, sem se compreender a si mesmo como a última
consequência do judaísmo" (AC, 24 ) Nietzsche ridiculariza o cristianismo
.
11 x9 Treitschke, 1 965 a, p. 7.
lli
A polêmica contra os mercadores judeus, estranhos à autêntica nobreza,
desempenha um papel importante no Zaratustra:
Olhai estes supérfluos! Adquirem riquezas e com elas se tornam apenas mais
pobres. Querem o poder e, antes de tudo, a chave do poder, muito dinheiro -
estes pobres impotentes ( Unvermogenden) .
Olhai estes ágeis maca�os a trepar [ ... ]. Todos querem chegar ao trono: é a
sua loucura [ . . . ] . Loucos são todos para mim e macacos trepadores e manía
cos; fede para mim o seu ídolo, o frio animal: para mim todos fedem, estes
adoradores de ídolos.
Meus irmãos, quereis, pois, sufocar no hálito dos seus focinhos e das suas
ganas? [... ] Fugi do mau cheiro (Za, 1, Do novo ídolo).
Ao estereótipo do foetor judaicus se acrescenta agora a acusação de
utilização da riqueza com o fim de controlar o poder estatal, que surge como
novo ídolo. Conhecemos a ligação instituída já por Schopenhauer entre judaís
mo e "apoteose do Estado" (supra, cap . 6 § 2). Esse tema é agora
reinterpretado, na cultura do tempo e no Zaratustra, como denúncia da escala
da despreocupada da riqueza (judaica) ao cume do poder. É preciso não dei
xar-se enganar pelas aparências . Não são os reis que exercem o domínio real.
Voltei as costas aos dominadores quando vi o que eles agora chamam
dominar: traficar e mercadejar pelo poder - com a canalha!
Entre os povos de língua estrangeira vivi com os ouvidos tapados; para que
a língua do seu tráfico permanecesse estrangeira para rrúm e assim o seu
mercadejar pelo poder (Za, II, Da canalha).
O segundo parágrafo torna transparente a referência aos judeus, dos quais,
já nos anos da sua juventude, Nietzsche, nas pegadas de Wagner, censurara a
estranheza à língua e à essência alemã. Agora a acusação se torna mais expli
citamente política. Exprime o incômodo do radicalismo aristocrático para com
a vantagem da riqueza industrial e financeira sobre as classes tradicionais do
Antigo Regime: ''Chamo de desgraçados [ . . . ] a todos os exatores, os mercado
res e o rei e os outros guardas de países e negócios" (Za, III, Do espirita de
gravidade, 2).
Além do peso das suas finanças, o judaísmo é visado também pelo grande
controle que exerce sobre a imprensa. Remonta aos anos de Basileia a denún
cia da "imprensa judaica" como sinônimo de "socratismo" dissolutivo e subver
sivo. Embora tenha assumido uma nova configuração, esse tema não desapa
receu: "Cuida desses supérfluos ! Estão sempre doentes, vomitam a sua bílis e
chamam-na de jornal" (Za, 1, Do novo ídolo). Estamos na presença de uma
''ralé que escreve" ou de uma "ralé que domina, escreve e goza" (Macht- und
Schreib- und Lust-Gesindel). Ao judaísmo que agita a palavra de ordem da
"aristocracia do espírito" (supra, 1 1 § 4) Zaratustra responde: "Ah, muitas
vezes me cansei do espírito, quando encontrei cheia de espírito também a ralé"
(Za, II, Da canalha). O "espírito" é muitas vezes a característica do "comedi
ante" (Za, 1, Das moscas da feira), essa figura que, como sabemos, tende a
encarnar-se no judaísmo: "Revirar significa para ele demonstrar. Enlouquecer
significa para ele convencer". E de novo somos reconduzidos à denúncia do
caráter subversivo e dissolutivo da dialética judaica.
Enfim, Zaratustra visa o papel do judaísmo no movimento socialista e re
volucionário . A acusação feita às "tarântulas", aos agitadores empenhados em
estimular o ressentiment das massas, parece envolver também a maçonaria:
"Benvinda, tarântula! Tens nas costas o teu triângulo (Dreieck) e emblema
negro, e sei também o que tens na alma". Na obra de pregação da vingança se
distingue ''um povo de má espécie e origem" (Volk schlechter Art und Abkunft)
(Za, II, Das tarântulas), um povo desde sempre veículo do ressentiment e do
rancor plebeu.
Se a esses ataques e alusões judeófobas acrescentarmos o fato de Assim
falou Zaratustra imitar a linguagem bíblica, a linguagem do livro cujo lugar é
chamado a ocupar, o interesse, a simpatia e, às vezes, o entusiasmo dos círcu
los antissemitas não constituem motivo de espanto algum. Ainda depois das
indignadas explicações do fi lósofo, esses círculos continuam tranquilamente a
referir-se a Zaratustra. 1 1 90
1 1 9º
Weichclt 1 922, p. 249.
"'macaco" parece repetidamente ecoar Zaratustra: '·Aprendera a arremedar
um pouco do ritmo e da entonação do seu discurso e tirava também bom pro
veito do tesouro da sua sabedoria" (Za, III, Do passar além).
Sabemos que foram os ·'abutres e trapeiros" (Lumpensammler) que fim
daram as fortunas dos mercadores modernos. E eis o "macaco" a exprimir
assim o seu desgosto pela "cidade grande": "Não vês as almas pendentes como
trapos (Lumpen) moles e nojentos? Destes trapos (Lumpen) fazem ainda jor
nais". O macaco partilha também o desprezo já conhecido pela presumida "aris
tocracia do espírito": ·'Não percebes que aqui o espírito se tomou um jogo de
palavras? E derrama um repugnante lixo de palavras? E desse lixo fazem ainda
jornais" (e de novo, repetidamente, somos remetidos ao controle do jornal cen
surado ao judaísmo). São os "mercadores" que dominam: com efeito, "também
o príncipe gira em tomo daquilo que há de mais terrestre, o ouro dos mercado
res". Mas quem são estes? ·'Há muita devoção e muita devota )ambição e
adulação e uma produção contínua de lisonjas diante do deus dos exércitos" (o
deus da religião nacional judaica) . À primeira vista, esse deus não deveria estar
contra a visão do mundo própria da aristocracia guerreira. Mas trata-se apenas
de uma aparência: ·'O deus dos exércitos não é um deus das barras de ouro -
assim pensa o príncipe, mas o príncipe propõe e o mercador dispõe! " (Za, I II,
Do passar além). Sobre essa repugnante representação do judaísmo e da "ci
dade grande" - a referência é claramente à capital da Prússia e do Reich, 1 191
à '" Berlim judaica" visada por Nietzsche já na sua primeira juventude (supra,
cap . 3 § 1 -2) - Zaratustra não faz objeções; limita-se, como veremos, a acusar
o macaco de incongmência no plano prático.
Também à parte de Assim falou Zaratustra, são evidentes os pontos de
contato entre Nietzsche e Di.ihring. Analisemos as acusações que este último faz
contra o judaísmo. É uma religião monoteísta fundada no "despotismo" de uma
divindade ciumenta e exclusivista, que não deixa nenhum espaço para "homens
livres" e para ··sentimentos de liberdade". 1 192 É a religião oriental de um povo
que tem por trás a escravidão no Egito. É uma "religião servil", "a forma servil da
religião", que "'não conhece homens livres" e "sentimentos de liberdade". 1 193
Dessa religião provêm a ··moral dos servos" (Knechtsmoral) e o "senso servil
par excellence". 1 194 Mas tudo isto foi herdado plenamente pelo cristianismo, ele
mesmo intrinsecamente judeu. Sim, vindo à luz com o judaísmo, a "religiosidade
1 1 91
Wcichclt. 1922, p. 13 9.
1 1 92
Diihring. 188 l b. pp. 30- 1 .
1 19�
Diihring, 188 1 b, pp. 24, 30- l e 47.
1 1 94
Diihring, 1 88 l b, pp. 24 e 32.
oriental servil" invade profundamente o cristianismo. 1 195 Temos assim "o antigo
e o novo judaísmo, isto é, o judaico e o cristão"1 196 De nada serve ir atrás da
hipótese da origem ariana de Jesus. Embora não possa ser excluída a priori, de
qualquer modo ela é irrelevante, não pode "apagar o que de essencialmente judeu
há no espírito da pessoa" e da religião por ele fundada. 1 197
Além do servilismo, o que caracteriza o "cristianismo produzido pelo juda
ísmo" 1 198 é um nii lismo de fimdo, que está ligado a uma "ânsia de vingança"
frequentemente sem .. medida" e com a ·'crueldade mais abjeta" contra os ini
migos: para perceber isso, leia-se o inferno dantesco com a condenação aos
tormentos eternos dos supostos pecadores . É preciso não se deixar enganar
pela judaica "hipocrisia do amor ao próximo e da compaixão". 1 1 99
No curso da história, houve tentativas no Ocidente de sacudir das costas
esse peso funesto. No Renascimento e ainda em Tasso, vemos "o lugar da
dependência do cristianismo judeu ser substituído por empréstimos sempre mais
numerosos da antiguidade clássica"; em seguida, assistimos ao desgraçado res
surgimento do ..cristianismo retomado pela Reforma" e da sua "essência judai
ca" . 1200 Agora, estamos num ponto de virada: não bastam "meras transforma
ções da religião existente [as quais] seriam para sempre algo asiático"; é ne
cessário ter ..a força para encerrar a velha era religiosa" . 1 201 Dado que o
cristianismo é essencialmente judaísmo, a depuração do judaísmo, que se im
põe para o Ocidente, é ao mesmo tempo a depuração do cristianismo. Trata-se
de pôr fim a "dois milênios de erros" - pensam por sua vez, Fritsch e a
Antisemitische Correspondenz (n. 8, p. 8 e n. 9, p. l ) -, com uma afirmação
que podia ter sido tranquilamente assinada tanto por Nietzsche como por Dühring.
Também Dühring convida o devoto de uma religião fundada na escravização
e na humilhação a substituí-la pelo "espírito livre". 1 '.!01 É um homem que conse
guiu a plena maturidade, um "homem sólido", estranho ao dogmatismo em qual
quer de suas formas. Ele sabe que não pode ser uma doutrina completa e sem
dúvidas ou .. problemas" que assumirá a herança da religião. Ao contrário de
Lassalle e do socialismo de inspiração marxista, animados pela certeza do futu
ro luminoso, ..ele não avança a pretensão, de modo tolo, do monopólio da verda-
1 207
Dühring, 188 l b, pp. 6 e 20.
Mas Dühring remete exatamente aos acontecimentos de Canaã para de
monstrar, não só a brutalidade sem escrúpulos, mas também e sobretudo a
inconfi a bilidade nacional de um povo, como o judeu, "cuja ultima ratio [ . . ] são
.
o poder e o domínio". 1 208 Mas aos ouvidos de Nietzsche essa acusação soa
como o mais alto reconhecimento: é a confirmação de que a criação da raça
dos senhores não pode passar sem a contribuição judia.
Sintetizando, poderemes dizer que, entre as três figuras do judaísmo, a que
é mais odiosa a Dühring é aquela que a seus olhos conduz do desapiedado
conquistador de Canaã ao capitalista e financista sem escrúpulos que conquis
tou a Bolsa e a imprensa de Berlim. É a única figura que Nietzsche olha com
admiração, no que concerne ao conquistador de Canaã, e com atitude afinal
possibilista no que se refere ao financista. O filósofo reserva seu ódio em par
ticular à figura do profeta judeu, que continua infelizmente a se manifestar na
roupagem do agitador socialista. Evidentemente, é a antítese com relação a
Dühring, que mostra uma certa indulgência exatamente em relação aos profe
tas, aos quais caberia o mérito de ter tentado uma autocrítica dos aspectos mais
odiosos (a desmedida vontade de poder) do judaísmo.1209 E de novo surge o
antagonismo, não obstante os pontos de contato, entre as duas personalidades
aqui comparadas.
Dühring faz uma afirmação lapidar: "A própria questão judaica é uma
questão social". 1 21 0 Invertendo a sentença anterior, Nietzsche poderia ter dito:
"A própria questão social é uma questão judaica". Se no primeiro caso se trata
de atingir o grande capital judeu a fim de integrar as classes populares, abran
dando ou calando o seu protesto, no segundo caso se trata de observar que a
suposta questão social é apenas uma invenção do ressentiment e do espírito de
vingança alimentados pelo judaísmo ou pela tradição religiosaj udeucristã. Bem
longe de querer atingi-los, Nietzsche, sobretudo nos últimos anos da sua vida
consciente, está obcecado pela ideia de cooptar capitalistas e financistas ju
deus na raça dos senhores, e de cooptá-los de modo completo e irreversível,
intervindo no plano eugênico além de no plano político-social. O reforço do
bloco dominante deveria depois abrir o caminho para uma ofensiva generaliza
da contra as pretensões loucas das classes populares e contra o movimento
socialista, sem poupar as outras duas figuras do judaísmo, antes exacerbando
mais a polêmica e a luta contra agitadores que transpiram judaísmo.
1208
Dühring, 1 8 8 1 b, pp. 33-4.
1 209
Dühring, 1 88 1 b, pp. 26 e 28 .
1210
Dühring, 1 88 1 b, p. 1 54.
8. Antissemitismo feudal, antissemitismo "anticapitalista " e "so
cialismo feudal "
121 1
ln Ferrari Zumbini, 200 1 , p. 405.
poderoso inglês, / Domina o pequeno indiano, / Porque sendo carnívoro, /
Tem cinco cúbitos de altura" . 1 212
Leiamos agora os motivos da imputação contidos na acusação pronuncia
da por Nietzsche contra Dühring: também ele é um "pobre diabo de agitador
que grita" e, ainda pior, um "pobre comunista" (XIV, 3 82); não é por acaso que
está entre ··os defensores e sustentadores" da "Comuna de Paris" (XI, 586). E
não é tudo, é um "homem da plebe" (XI, 494), um "proletário" (X, 363), uma
''canalha venenosa e biliosa", que, entre os seus seguidores, além da "species
anarchistica dentro do proletariado culto", não consegue atrair "uma só pes
soa por bem" (XIV, 422; GM, III, 26). Pode-se fa�er um discurso de caráter
mais geral: "o 'inconsciente' estender dedos longos, longos demais, o engolir
propriedade alheia me pareceram sempre mais evidentes em todo antissemita
do que em qualquer judeu" (XIII, 6 1 1 ) . Somos levados a pensar na denúncia do
''proletariado ladrão de Weitling" (Weit/ings stehlendes Proletariat) que volta
em Schelling1213 e na cultura antissocialista do tempo, inclusive Nietzsche: nós
o vimos censurar o movimento operário por não querer respeitar "o sétimo
mandamento", que obriga a "não roubar", enunciado por um respeitável "judeu
da antiguidade" (supra, cap . 1 § 1 O).
Certamente, Dühring é realmente um antissemita. Mas o antissemitismo
considerado por Nietzsche se refere ao protesto social que alimenta o socialis
mo, à ralé ou à canail/e (XIII, 92 e B, III, 5, p. 2 1 8), que constitui a base social
ou a massa de manobra da revolução. Aquele "socialismo dos imbecis" que,
segundo a definição de August Bebei, ou melhor, tomada célebre por ele, 1214 é
o antissemitismo, é condenado por Nietzsche com uma atitude cheia de despre
zo em relação aos imbecis, certamente, mas sobretudo ao socialismo enquanto
tal . Melhor, poderia se acrescentar que, se para o discípulo e colaborador de
Engels a imbecilidade consiste em exprimir de modo grotesco e bárbaro um
1212
Gandhi, 1 974, pp. 3 1-2. Nos nossos dias, ao contrário, são os fundamentalistas e
chauvinistas hindus que propagam a dieta vegetariana, de modo a recuperar os costu
mes da população ariana originária e não contaminada (Sengupta, 2002); Talvez um
processo ideológico análogo se verifique também em Hitler que, nos critérios e no
consumo de carne, junto com as preocupações com a saúde faz, às vezes, valer o
argumento dos presumidos hábitos alimentares dos "soldados da antiga Roma" (Hitler,
1 989, p. 24 1 ; 25 de abril de 1 942).
1213
ln Pareyson, 1 977, p. 645.
1214
Sobre a história desta fórmula, cf. Massara, 1 972, p. 1 05.
protesto social ao qual, todavia, é preciso prestar atenção, no teórico do radica
lismo aristocrático ele reside exatamente nessa atenção simpática às classes
subalternas: "A questão social é uma consequência da decadência" (XIII, 265).
Façamos uma comparação mais aproximada entre o antissemitismo de
Nietzsche e o dos ambientes socialdemocratas. Engels observa que "quem
forma o coro antissemita" são ou artesãos "esmagados pela concorrência do
grande capital" (não poucas vezes judeu) e que assim sofrem o fascínio de um
antissemitismo lido como uma espécie de "socialismo feudal", ou "a pequena
nobreza, a classe dos Junker" que, na sua dissipação, pretende continuar a
viver acima das suas possibilidades e acaba assim endividando-se junto ao ca
pital judeu. Ao alertar contra o ''socialismo feudal" e antissemita, Engels subli
nha a grande contri buição fornecida pelos judeus para a causa da luta
anticapitalista, como demonstra, por um lado, a intensificação na Inglaterra das
"greves de operários judeus", frequentemente "entre os mais miseráveis e os
mais explorados ", por outro lado, a presença na vanguarda do movimento soci
alista de intelectuais como Lassalle, Bernstein e tantas outras "pessoas" das
quais - acrescenta Engels - "tenho orgulho de ser amigo". Para não falar de
Marx, que ··era um judeu puro sangue". O próprio capital judeu desempenha
·'uma obra meritória" na medida em que coloca em crise "classes reacionárias
de cima abaixo" como são a pequena burguesia e, sobretudo, a nobreza feu
dal . 1 2 1 5 Esta última é o alvo principal da polêmica antissemita dos ambientes
socialdemocratas . A ela - segundo a denúncia contida já no Manifesto do
partido comunista remonta também a tentativa de enfraquecer e desviar o
-
1215
Marx-Engels, 1 955, vol. XXII, pp. 49-5 1 .
1216
Marx-Engels, 195 5, vol. IV, pp. 482-4.
1217
Bebei, 1 972, pp. 280- 1 .
sociedade: "'parece-me que por eles se entusiasma a nobreza prussiana inteira" -
observa uma carta a Overbeck de 1 6 de outubro de 1 8 85 (B, III, 3, p. 97). Mas,
nesse caso, o juízo do filósofo é decididamente menos severo. A sua indignação
visa círculos políticos e sociais bem diferentes : "Não tenho sofrido uma ofensa tal
como a aproximação dos nomes 'Dühring' e 'Zaratustra"' (B, III, 3 , p. 1 20).
Aparentemente, o antissemitismo leigo e anticristão de Dühring deveria ser mais
tolerável para Nietzsche do que o antissemitismo ou a judeofobia cristianizante
dos Junker. Mas não é assim. Em vão se procuraria nele urna polêmica contra o
antissemitismo feudal análoga, pela sua aspereza, àquela desenvolvida contra o
antissemitismo "anticapitalista". Explica-se assim o silêncio sobre a Rússia e até
a admiração expressa por ele pela aristocracia daquele país.
Em conclusão, Engels exprime um julgamento positivo, embora de modo
diferenciado, sobre as três figuras do judaísmo. Sabemos, porém, da hostilidade
de Nietzsche pela figura do judeu proletário e, sobretudo, do judeu intelectual
subversivo. No que diz respeito à terceira figura, a do capitalista e financista, se
ao primeiro se atribui o mérito objetivo de minar o poder e o prestigie da classe
aristocrática e militar, o segundo espera que possa contribuir para o reforço
social e eugênico exatamente dessa classe. À imprensa antissemita, que às
vezes rotula a ele próprio como judeu, Engels responde: "Melhor judeu que
fidalgo provinciano feudal".1 21 8 Dificilmente esta conclusão poderia ter sido
subscrita pelo teórico do radicalismo aristocrático, que odeia o socialismo até
na sua forma "'feudal" e "imbecil", e que atribui ao intelectual judeu uma res
ponsabilidade de primeiro plano em alimentar esse movimento político ruinoso.
121N
Marx-Engels, 1 955, vol. XXII, p. 5 1 .
sociais existentes "inventa responsabilidades para arranjar para si um senti
mento agradável - a vingança" (XIII, 423). Vejam-se os judeus ou as relações
político-sociais concretas, o protesto contra a desigualdade de qualquer manei
ra não tem razão de ser a expressão de ressentiment e de inventar responsabi
lidades que não existem.
Como em todo fracassado, partícipe da "revolta dos escravos na moral",
também em D ühring vemos "ul}l esbanjamento de desdenhosos comportamen
tos morais". Ele gostaria de encenar uma espécie de ')uízo universal" contra a
vida e a história e pretenderia "que as suas babas significassem a própria justi
ça" (XIV, 3 8 2). Mas também os miseráveis 'judeus", que inventam o cristia
nismo, pretendem ser "o juízo final de todo o resto" (AC, 44) . Mesmo devora
dos pela '"sede de se tomarem carrascos", antissemitas e socialistas de toda
laia ·'têm sempre na boca a palavra 'justiça' como baba envenenada", preten
dem ser ·'os bons, os justos" (GM, III, 1 4); e, ao fazer isto, tomam uma atitude
semelhante, mais uma vez, aos j udeus e aos 'j udeu-cristãos", os quais, como
sabemos, pretendem também ser "os bons, os justos" (AC, 44). É preciso não
perder de vista um ponto essencial: "O princípio fantástico 'amai os vossos
inimigos ' precisou ser inventado pelos judeus, os maiores odiadores que jamais
existiram" (M, 377). Mas, de modo análogo, os socialistas de toda espécie
(inclusive os antissemitas) escondem o seu desejo de vingança contra os pode
rosos, os ricos, os bem sucedidos sob palavras de ordem que proclamam a
fraternidade, a filantropia, o amor universal.
Enfim, Dühring é um "cheio de requebros" do mesmo modo que aqueles
"homens superficiais, invejosos e em três quartos comediantes" que alimentam
o '·socialismo" (XI, 5 8 6). Mas isto vale - já vimos - também para o intelectual
judeu subversivo, esse comediante por excelência da indignação moral. O
ressentiment plebeu e a carga subversiva dos fracassados da vida associam
agitador socialista, judeu subversivo e . . . antissemita socialistizante!
Sabemos que os próprios antissemitas devem ser incluídos entre os fra
cassados da vida, esses "depositários dos instintos reprimidos e desejosos de
compensação" são "os descendentes de toda escravidão europeia e não europeia
de toda população pré-ariana em particular" (GM, 1, I I ). Somos levados a
pensar nos judeus, o povo pária por excelência que, a partir do exílio babilônico,
sofreu milênios de subjugação. Em todo caso, ao pronunciar a sua acusação
contra os antissemitas e os fracassados de todo tipo, Nietzsche não hesita em
recorrer à mitologia ariana, ou seja, àquela mitologia que começa a visar os
judeus . Medidas enérgicas se impõem: seria preciso poder se "libertar da vista
enjoativa dos mal sucedidos, dos mesquinhos, dos entristecidos e intoxicados
(GM, 1, 1 1 ). São as mesmas medidas invocadas pelos antissemitas. Se ainda
Além do bem e do mal se exprime em termos problemáticos ("talvez fosse útil
e justo banir os antissemitas berrantes do país" JGB, 25 1 ), Genealog;a da
moral não parece ter mais dúvidas. Trata-se apenas de ver quantos
·'antissemitas" e ··quantos comediantes do ideal cristão-moral deveriam ser
exportados hoje da Europa a fim de que o ar desta tome a ter um odor mais
limpo" (GM, III, 26). Portanto, os antissemitas são chamados a partilhar a sorte
dos subversivos, frequentemente de origem servil e não ariana, entre os quais
certamente não faltam os judeus. O ajuste de contas com o antissemitismo tem
o resultado paradoxal de tornar mais perigosa e precária a condição dos própri
os judeus, que certamente não faltam entre as fileiras dos socialistas e dos
subversivos.
O fato é que, bem consideradas, as medidas radicais contra "todos os
antissemitas" invocadas por Nietzsche se configuram como uma extensão e
uma exacerbação das leis especiais em ação contra os socialistas e contra os
subversivos. Além de "Stõcker" e do seu séquito de "antissemitas", é necessá
rio atacar com rigor os "padres" enquanto tais, todos acometidos da "loucura
criminosa". Estamos na presença de uma figura de maneira nenhuma inofensi
va: "Não subestimemos o padre!", esse "animal vingativo e sutil". Não seja
consentida nenhuma fraqueza em relação à "instituição sacerdotal, que com
astúcia horripilante procura destruir desde o início" os homens melhores, "os
mais fortes, bem sucedidos, magníficos" (XIII, 645-6). É necessário saber ir
até o fundo: "Contra o padre - escreve Nietzsche a Brandes no início de de
zembro de 1 8 88 - não é preciso argumentos, mas apenas o cárcere" {B, III, 5 ,
p. 5 02). É uma tese desenvolvida depois n o Anticr;sto: "Contra o padre não se
deve argumentar, mas recorrer ao cárcere [ . . . ] . O padre é o nosso chandala -
seja proscrito, esfomeado, expulso para toda espécie de deserto". Além dessa
figura, que é a "mais viciosa variedade de homem", se trata de destruir, como
sabemos, a "instituição sacerdotal". Portanto, "quem come na mesma mesa
com um padre seja banido", as igrejas sejam destruídas. É preciso ter em vista
o cristão enquanto tal, sem distinguir entre católicos e protestantes, ou entre
cristãos de orientação fundamentalista e cristãos de orientação liberal e moder
nista; eventualmente, é esse ponto exato que se deve atacar com força. Em
última análise, trata-se de reconhecer o "elemento criminoso no ser cristão" e
tratá-lo de acordo (AC, Lei contra o cristianismo).
Aj usta indignação pelajudeofobia de Stõcker não deve embaçar a lucidez
do juízo, fazendo-nos perder de vista o caráter decididamente mais inquietante
do "antissemitismo" de Nietzsche. A "lei contra o cristianismo", com a qual se
encerra O Anticristo, é a extensão aos cristãos da legislação já em curso con
tra a socialdemocracia. Esta gosta de comparar a sua condição no II Reich
com a dos cristãos perseguidos na Roma imperial. É uma comparação de al
gum modo subscrita por Nietzsche, ainda que com um valor contrário: é preciso
saber ler "a cruz como sinal de reconhecimento para a mais subterrânea conju
ração que jamais existiu" (AC, 62), uma conjuração que continua a desenvol
ver-se há quase dois milênios em âmbito socialista e cristão-social.
A "lei contra o cristianismo", que traz a data de "30 de setembro de 1 888
da falsa cronologia", conhece,uma ulterior radicalização no momento em que
surge a loucura. Trata-se de proceder, além da prisão do papa, ao fuzilamento
não só de Stõcker e de "todos os antissemitas", mas também de Bismarck e de
Guilhenne II. No entanto, o chanceler é inimigo declarado do pregador da corte
e tem ótimas relações com o banqueiro judeu Gerson von Bleichrõder, de cujo
conselho ele tira indubitável vantagem também para o que diz respeito às suas
finanças pessoais. 1 2 19 Mas, aos olhos de Nietzsche, Bismarck é responsável
por ter avalizado ou promovido em 1 88 1 , em nome do "cristianismo prático", a
ideologia do trabalho e as medidas de legislação social, que conhecem uma
dilatação ulterior, ruinosa, com Guilhenne II. Por isso, o chanceler é definido
como .. o idiota por excelência entre os homens de Estado", com uma termino
logia que ainda uma vez lembra o cristianismo e o "idiota na cruz" ridicularizado
poucas linhas depois (XIII, 643 -4).
Um ódio todo particular é votado contra o jovem imperador. Além de ser,
como sabemos, um ·'idiota escuro", é um "cristão em unifonne de hussardo
(christlichen Husaren von Kaiser) ou "o aborto (MifJgeburt) mais miserável
de homem que até hoje chegou ao poder" (XIII, 643). O objeto de condenação
já não é, claramente, o hussardo, mas o cristão, que, enquanto tal, é um mal
sucedido, um aborto. Com a sua aspiração à emancipação dos escravos negros
na África e dos proletários ou escravos brancos na Alemanha, o jovem impera
dor leva avante um programa que ele declara ser cristão, mas que, aos olhos do
filósofo, deveria ser mais exatamente definido como cristão-socialista.
Em conclusão, o último Nietzsche aspira a uma radicalizaçlío ex1rema da
legislação antissocialista, de modo a atingir também os cristãos-sociais, os
cristãos enquanto tais e todos aqueles que são suspeitos de simpatias cris
tãs ou socialistas. Nesse mesmo âmbito devem ser colocados "todos os
antissemitas".
19
"Novo PARTIDO DA VIDA " , EUGENIA E "ANIQUILA
MENTO DE MILHÕES DE MAL SUCEDIDOS "
influência do clima sobre o metabolismo" (EH, Porque sou tão inteligente, 2).
Já a partir do período "iluminista", a "inocência do Sul " pagã (FW, Apêndice,
No Sul), que se manifesta em particular no "luxo do Renascimento", se contra
põe à "estouvanice nórdica", toda invadida de moralismo, que age também em
Rousseau (XIV, 274).
Mas não basta a referência ao clima. Também não se deve perder de
vista a alimentação:
A mim interessa um problema do qual depende a "salvação da hummúdade"
muito mais do que de qualquer curiosidade de teólogos: o problema da alimen
tação. Grosso modo, ele pode ser formulado assim: "Como deves alimentar-te
para alcançar o teu máximo de força, de vigor em sentido renascentista, de
virtude sem moralismo?" (EH, Porque sou tão inteligente, l).
A dieta parece desempenhar um papel decisivo na explicação da história
universal (a esse respeito falou-se de "santificação da questão da alimenta
ção").1220 Se não a "origem'', em todo caso "a difusão do budismo [ . . ] depen.
122º
Bernoulli, 1 908, vol. II, p. 3 93 .
psíquica e da ·'inclinação à doença" (que se transmite hereditariamente), da
''fraqueza hereditária'', da "decadência das raças e das famílias", em
consequência também da "alimentação insuficiente", da "precocidade erótica"
(que é "a maldição sobretudo da juventude francesa e em primeiro lugar dos
parisienses"), do "alcoolismo" (XIII, 250, 456 e passim).
Acabando com o maldito "idealismo", é necessário descobrir ou redescobrir
as ciências naturais ("daquele momento em diante, de fato, pratiquei apenas
fisiologia, medicina, ciências naturais", EH, Humano, demasiado humano, 3);
a "fisiologia", a "estatística", a "higiene", (graças aos "progressos" consegui
dos por elas) "o nosso sentimento em relação às ações e aos juízos morais
poderia no futuro tomar-se compreensível", XIV, 259).
Assim Nietzsche faz própria a palavra de ordem Nature and Nurture,
que sobressai como subtítulo de um outro livro de Galton e se difunde ampla
mente na cultura do tempo. 1221 A partir da atenção reservada ao clima, alimen
tação, hereditariedade, uma conclusão se impõe: "Nenhum estudo me parece
mais essencial do que aquele das leis da criação". Trata-se de i nvestigar e
combater não só os "modos de viver", mas também as "uniões contraprodu
centes" (XI, 480). É o problema da "eugenia", a nova "ciência" inventada
exatamente por Francis Galton (um primo de Darwin) , ao qual Nietzsche se
refere com ardor nas cartas endereçadas a Overbeck e a Strindberg, sendo
que este último chama, por sua vez, a atenção para a importância da genealogia
do .. criminoso" traçada por Lombroso (B, III, 5, p. 347 e 508 e III, 6, p. 376).
A luta contra as ideias nascidas da Revolução Francesa e contra os projetos
de transformação social agitados pelo movimento operário e socialista desembo
cou na naturalização do conflito social e do processo histórico. Agora é possível
definir leis gerais válidas tanto para o mundo humano como para o mundo animal.
Por exemplo, "uma alimentação superabundante, como também todo "excesso"
de proteção e de assistência, pode levar a consequências negativas ou catastró
ficas . A decadência é uma emboscada onde faltam totalmente o esforço, a ten
são e a "dureza". Sabem muito bem disso aqueles que estudam a história de uma
"comunidade aristocrática" (por exemplo Veneza ou uma polis grega), mas es
tão igualmente conscientes disso os "criadores". Uns e outros topam com uma
verdade fundamental: "Uma espécie (Art) surge, um tipo (Typus) se consolida e
se reforça, na longa luta contra condições desfavoráveis substancialmente iguais";
a decadência e a ·'variação do tipo", com o surgimento "de fenômenos inusitados
e de monstruosidade (além de vícios monstruosos)", são o resultado de uma
..criação" errada (JGB, 262). Sabemos que uma aristocracia "como fundamento
•m Wagner, 1 9 1 O f, p. 85.
dos pela teoria do eterno retomo do idêntico. Por sua vez, também "a vontade
de eternizar", o pathos do ser pode revestir significados opostos: "pode brotar
da gratidão e do amor", estimulando uma arte "que difunde um clarão homérico
de luz de glória sobre todas as coisas (neste caso, falo de arte apolínea)". Mas
o pathos do ser pode também ser a expressão do tormento do mal sucedido
que, com "vontade tirânica'', quisesse impor "o selo de uma lei vinculante e de
uma força coercitiva", igualiz;i.dora e imobilizante, à riqueza do real, fazendo
assim ''vingança de todas as coisas" (FW, 370).
Nem resultam mais adequadas as outras dicotomias cada vez mais expe
rimentadas por Nietzsche no curso da sua evolução: arte e mito contra
racionalismo socrático? Na realidade, os escritos do período "iluminista" con
denam a "loucura" revolucionária e religiosa em nome também das luzes e da
razão : é mérito do ''homem de ciência" opor-se à tendência ao "sobrenatural"
e ao "inexplicável" (MA, 1 3 6). O mito supra-histórico é realmente um antídoto
com respeito a uma consciência histórica comprometida com a legitimação da
modernidade? Na realidade, elemento essencial da subversão moderna é uma
moral que, no seu fanatismo prescritivo, ignora a história que existe. Não se
trata de uma inversão de posições. As diversas dicotomias adquirem um signi
ficado unitário e coerente se forem relidas à luz da dicotomia que caracteriza a
última fase da evolução de Nietzsche: de um lado, a saúde inserida na afirma
ção da vida com os seus conflitos e a sua carga de negatividade; do outro, a
doença da transcendência religiosa e revolucionária que, fugindo da carga de
negatividade, acaba negando e pondo em perigo a própria vida.
A gaia ciência insiste sobre isto, ao tratar do percurso_ feito:
Toda arte, toda filosofia pode ser considerada como um meio de cuidado e de
�uuda ao serviço da vida que cresce e que luta: elas pressupõem sempre
sofrimentos e sofredores. Mas há duas espécies de sofredores: aqueles que
sofrem da superabundância da vida, os quais, portanto, querem uma arte
dionisíaca e, também, uma vida e um conhecimento trágico da vida, e aqueles
que sofrem do empobrecimento da vida, os quais procuram repouso, quietu
de, mar plácido, libertação de si mesmos através da arte e do conhecimento,
ou, ao invés, a embriaguez, o espasmo, o aturdimento, a loucura (FW, 370).
Do alto dessa nova perspectiva, as dicotomias precedentes podem ser
compreendidas no seu significado autêntico e ser recuperadas. Portanto, o pes
simismo pode ser de novo celebrado, se com isso se entende o "pessimismo
dionisíaco", nos antípodas do pessimismo de Schopenhauer e da sua negação
da vontade de viver. Também o devir volta ou continua a ser um ponto de
referência, sob a condição de não perder de vista que "a alegria eterna do devir
[ . . . ] compreende em si também a alegria do aniquilar". Visão do mundo funda
da no devir e .. pessimismo dionisíaco" são a mesma coisa. Ambos significam o
mesmo: ·'A afirmação do fluir e do aniquilar, que é o caráter decisivo numa
filosofia dionisíaca, o sim ao contraste e à guerra, ao devir, com uma recusa
radical até do conceito de 'ser "' (EH, O nascimento da tragédia, 3).
Pode ser recuperada também a crítica da razão contida n'O nascimento
da tragédia, que censurava*no racionalismo e no ''otimismo socrático" o fato
de desenvolverem uma eficácia "corrosiva para a vida" (supra, cap. l § 1 6).
Ecce Homo continua a atribuir à obra juvenil o mérito da "compreensão do
socratismo": nela Sócrates aparece "como instrumento da desagregação gre
ga" e é "reconhecido pela primeira vez como décadent típico"; ao se opor ao
"mstinto", "a 'racionalidade' a todo custo" acaba sendo uma "violência perigo
sa, que mina a vida!" (EH, O nascimento da tragédia, 1). Sim, "um instinto
está enfraquecido se racionaliza a si mesmo: com o racionalizar-se, de fato, se
enfraquece" (WA, Pós-escrito). Mas isto não impede o último Nietzsche de
condenar, em nome também da ciência, todos os que, rejeitando a doutrina do
eterno retorno, acabam regredindo a uma visão teísta e criacionista e, portanto,
a uma tradição religiosa hostil à vida. Analogamente, é mérito da segunda Inatual
ter compreendido "quanto há de perigoso, de corrosivo e de venenoso para a
vida" num ''modo de praticar a ciência", e a ciência histórica em particular, que
consagra a modernidade e paralisa toda ação destinada a pô-la em discussão
(EH, As considerações inatuais, l ). Mas, ainda uma vez, isso não impede que
o último Nietzsche amplie e aguce a consciência histórica ao ponto de historicizar
e pôr em discussão a própria visão unilinear do tempo (supra, cap . 15 § 4).
A dicotomia pessimismo/otimismo e as outras sempre mais elaboradas
não estão em condições de captar o problema essencial: "Não se trata de esta
belecer quem tem razão; a questão é estabelecer de que lado estamos, se do
lado dos condenados, dos produtos da decadência . . . Neste caso, j ulgamos de
maneira niilista" (XIII, 3 98-9) . E ainda: "Não se trata absolutamente do melhor
ou do pior dos mundos possíveis: 'não' ou 'sim', este é o problema. O instinto
niilista diz não" (XIII, 528).
Trata-se, em última análise, de escolher entre doença e niilismo, de um lado,
e reafirmação da vida, do outro; ou então, com uma linguagem mais diretamente
pol ítica, entre a subversão que se alastra há dois milênios, por um lado, e partido
da vida e do radicalismo aristocrático, por outro. Em termos religiosos, "o mais
empobrecido de vida" tem necessidade de "um deus de doentes, um 'salvador '"
(FW, 370). O que opta pela religião de Dioniso é um homem totalmente diferente:
Aquele que é mais rico de plenitude vital, o deus e o homem dionisíaco, não só
pode conceder-se o espetáculo do horror e da precariedade, mas até a ação
terrível e todo luxo de destruição, de dissolução, de aniquilação; malvadeza,
absurdo, deformidade lhe parecem em certo sentido permitidos em
consequência de um transbordamento de forças geradoras e fecundantes que
podem fazer de todo deserto de novo uma terra fértil e fecunda (FW, 370).
1224
República, 459 e, 460 e, 407 d-e (Platão, 1 98 1 , vol. 1, pp. 1 75-6 e 1 08).
1225
Galton, 1 869, pp. 340- 1 .
Até onde se pode ir, agora que essa religião contrária à natureza se enca
minha para o fim? Infelizmente, "a terra está cheia de supérfluos, a vida está
corrompida por causa dos demais; poder-se-ia atraí-los para fora desta vida
aliciando-os com a 'vida eterna "' (Za, 1, Dos pregadores da morte). Sim,
seria melhor que o supérfluo "nunca tivesse nascido". Poderia de qualquer
modo despedir-se o mais rapidamente possível de um mundo que ele, no seu
niilismo, é incapaz de apreciaf e no qual não consegue reconhecer-se. É um
tema ao qual Zaratustra dedica quase por inteiro o seu discurso: 1226
Para alguém a vida malogra: um verme venenoso lhe roi o coração. Dê tx!lo
menos a impressão que morrer será melhor para ele.
Alguém nunca chega a ficar doce, apodrece já durante o verão. É a covardia
que o mantém pendurado em seu ramo.
Muitos vivem e por tempo demais permanecem em seus ramos. Possa vir
uma tempestade que sacuda da árvore todos esses frutos podres e bichados!
Possam vir os pregadores da morte rápida ! Seriam para mim as verdadeiras
tempestades e os verdadeiros sacudidores da árvore da vida ! Mas ouço
apenas pregar morte lenta e paciência para com tudo o que é "terreno".
Ah, pregais a paciência para com aquilo que é "terreno". É esse "terreno"
que tem paciência demais convosco, bocas maldizentes! (Za, 1, Da morte
voluntária).
1226
A este respeito Bernoulli, 1 908, vol. I, p. 405 fala de "capítulo do suicídio".
abalada pelos desenvolvimentos da cultura e da sociedade moderna. Certa
mente, o cristão forte em suas certezas já era um niilista em si, mas não o era
para si: acreditava exprimir a plenitude dos valores sem se dar conta de que
essa plenitude ultraterrena é o nada. A história do Ocidente é caracterizada
pela passagem do niilismo em si para o niilismo para si. Paradoxalmente, esta
passagem é facilitada, antes imposta, por aquilo que resta de uma religião mes
mo exangue e moribunda. Dç qualquer modo, permaneceu no sangue dos euro
peus a educação moral cristã que impõe a veracidade (XII, 1 25-6 e 571). Ten
do desaparecido as antigas e enganosas certezas da fé e dos seus substitutos,
tal veracidade é obrigada a olhar o nada de frente, a tomar consciência de que
ela mesma é o nada. Nesse sentido, o "niilismo europeu" é a "consequência
necessária dos ideais até agora vigentes". Uma terrível realidade está debaixo
dos olhos de todos : "Absoluta falta de valor" (XII, 339).
Até agora ''o homem não fez nada senão inventar Deus para não se ma
tar" (XIII, 144 ) mas Deus desapareceu ou está em vias de desaparecer da
,
12�7 Traduzo Nihilis11111s der That (esta forma radical e consciente do "niilismo passivo")
por ·'niilismo posto em ato" para evitar qualquer confusão com o "niilismo ativo" (aktiver
Nihilismus), que cm Nietzsche tem um significado bem diferente e até oposto.
interveio. O fim da moral significa também o desaparecimento da condenação
moral do suicídio, ao qual agora podem sentir-se impelidos os fracassados da
vida e aqueles que não encontram mais nenhum sentido na existência. "Essa é
a forma europeia do budismo, o ato negativo (das Nein-Thun), depois que
toda a existência perdeu o seu 'sentido'" (XII, 2 1 6).
Chegamos a um ponto em que a crise mortal pode finalmente tornar-se o
seu contrário:
A moral protegia osfracassados (schlechtweggekommenen) do niilismo [ra
dical e para si], atribuindo um valor infinito a cada um, um valor metafisico
[. . . ]. Supondo que a crença nessa moral se arruina, os fracassados não
teriam mais a sua consolação e se arruinariam (zu Grunde gehen).
A rruinar-se (zu Grunde-Gehen) se apresenta como um condenar-se sozi
nhos à morte (Sich-zu-Grunde-richten). Sintomas dessa autodestruição dos
fracassados são: a autovivissecção, o envenenamento, a embriaguez, o ro
mantismo, sobretudo a instintiva coação a realizar atos com os quais se
tornam poderosos os próprios inimigos mortais (quase criando os seus
próprios justiceiros), a vontade de destruição como vontade de um instinto
ainda mais profundo, do instinto da autodestruição, da vontade de aniqui
lamento (Wil/en in Nichts) (XII, 2 1 5).
Já vimos Zaratustra sublinhar que "a terra está cansada" dos cansados da
vida. O fragmento que acabamos de citar acentua que o arruinar-se voluntário
dos fracassados e cansados da vida é uma espécie de "seleção instintiva"
(instinktives Auslesen) daquilo que a natureza "deve destruir". Assumindo
formas radicais e passando do em si ao para si, o niilismo cansado e passivo
tem uma espécie de impulso de dignidade, realizando com o seu gesto suicida o
desígnio mesmo da natureza e da vontade de viver da vida mesma. Expressão
de um niilismo radical e consciente de si, a vontade de suicídio e de autodestruição
se manifesta nas formas mais diversas. A própria rebeldia extrema dos fracas
sados da vida poderia ser uma espécie de suicídio indireto e adiado: "niilismo
como sintoma do fato de que os fracassados não têm mais nenhuma consola
ção: que destroem para serem destruídos" (XII, 2 1 5-6).
Mas quem encoraja os fracassados da vida a passar de um niilismo passi
vo chorão para um niilismo mais viril em ato só pode ser uma élite capaz de
romper de modo radical e definitivo com os valores dominantes, com os valores
ou desvalores que se afirmaram na onda da revolução niilista total, que grassa
no Ocidente há dois milênios . O contramovimento com respeito a esse ciclo
ruinoso se exprime inicialmente nas "tentativas de fagir do niilismo sem mu
dar os valores". Assim, porém, se permanece para sempre no âmbito do niilismo:
é um "niilismo incompleto" (unvollstãndig) que, parando no meio do caminho,
torna mais agudo o problema e acaba produzindo "o efeito oposto" (XII, 476).
Como remediar tal situação? A parábola ruinosa do niilismo deve ser percorrida
até o fundo para poder ser depois bloqueada e, enfim, superada. Só o niilista
ativo e consciente da sua divina força e vontade de potência é capaz de chegar
a isso. Que posição deve assumir o niilista extremo e ativo diante da virada
dramática em ação? É o tempo da "decisão" (XII, 1 20) . Até agora bloqueadas
pela moral e a religião cristã, eis no horizonte "grandes crises de seleção e
purificação" (XIII, 222), provocadas pela radicalização do niilismo passivo, pela
sua configuração agora como "niilismo radical". É preciso satisfazer e favore
cer de todo modo, como altamente benéficas, essas crises:
Nada seria mais útil e mais digno de ser promovido do que um coerente
niilismo em ato (Nihilismus der That). Como os entendo, todos os fenôme
nos do cristianismo, do pessimismo, dizem: "estamos maduros para não ser;
para nós é racional (vernünflig) não ser". Essa linguagem da "razão" (Vernunjl)
seria em tal caso também uma linguagem da natureza que seleciona (selektive
Natur) (XIII, 22 1 ).
sobre os instintos naturais: "causar alegria a quem alegra, dor a quem nos
incomoda". Nós destruímos os animais selvagens e criamos aqueles man
sos: este é um grande instinto (IX, 250-1 ).
É preciso, finalmente, tomar plena consciência do significado da vida:
Viver - eis o que isto significa : rechaçar sem trégua de si tudo o que quer
morrer; viver - quer dizer ser cruel e desapiedado contra tudo o que em nós
e não apenas em nós se torna fraco e velho. Viver - quer dizer: ser sem
piedade para com os moribundos, os miseráveis e os velhos? Ser sempre de
novo assassinos? Porém o velho Moisés disse: "Não matar!" (FW, 26).
Mas, para responder a Moisés, o fundador da tradição judeu-cristã que domi
na no Ocidente, Nietzsche chama um santo que, numa parábola da Gaia ciência,
recomenda que se mate um recém-nascido "mísero, disforme" e que "não tem vida
bastante para morrer"; a quem acha "cruel" o conselho para eliminar o pequenino,
o santo, por sua vez, objeta: "Não é mais cruel deixá-lo viver?" (FW, 73).
Alguns anos mais tarde, Zaratustra convida o espírito livre ainda hesitante
a não se deixar embaraçar pelas "tábuas antigas" e obsoletas : "'Não roubar!
Não matar! ' - estas palavras um dia proclamadas santas [ . . .]. Na própria vida,
em toda vida, não há rapina e homicídio? E ao proclamar santas estas palavras
não se mata, talvez, a própria verdade?" (Za, III, Das tábuas antigas e novas,
10). É um motivo que volta de forma radicalizada e com insistência obsessiva
nos apontamentos dos últimos meses de vida consciente:
A lei suprema da vida, formulada por Zaratustra pela primeira vez, quer que
se seja sem compaixão por todo rebotalho e refugo da vida, que se destrua o
que para a vida ascendente seria apenas obstáculo, veneno, conspiração,
subterrânea hostilidade, numa palavra, cristianismo . É imoral, é contra a
. .
123º Taureck, 1 989, pp. 34 e 255, ji1 chamou a atenção para isto.
O programa aqui enunciado é de um radicalismo tal que não encontra
nenhum precedente nem em Galton nem, obviamente, em Platão. Um frag
mento da primavera de 1 8 84 dirige uma significativa sugestão aos "grandes
homens" que "querem imprimir a própria forma a grandes comunidades ":
Conseguir aquela energia enorme da grandeza a fim de formar o homem
futuro, por um lado mediante a sua criação, por outro mediante o aniquila
mento de milhões de n1al sucedidos: e não se deve desfalecer por causa da
dor que se cria, uma dor como nunca se viu até agora (IX, 98).
"'Milhões de mal sucedidos"! A categoria de doença conhece em Nietzsche
uma pavorosa dilatação: "É preciso compreender a conexão recíproca de todas
as formas de corrupção, sem esquecer a corrupção cristã" e "a corrupção
socialista-comunista (uma consequência daquela cristã)" e tirar as suas devi
das consequências : "aqui não pode haver pactos: aqui é preciso destruir, ani
quilar, fazer guerra" (XIII, 220). E não se deve esquecer que, com fundamento
na "contranatureza" cristã e socialista, age uma tara fisiológica.
Por outro lado, não há só indivíduos mal sucedidos, "há também povos mal
sucedidos" (XI, 1 02), ou seja, como vimos, "raças em via de degeneração e
moribundas". Também ness caso Nietzsche não é a favor das meias medidas:
"Aniquilamento das raças decadentes"! (XI, 69). Há naturalmente também as
raças úteis, das quais a civilização tem necessidade para garantir o otium aos ·
1231
Conrad, 1 996, p. 85.
6. Eugenia, utopia e distopia
.JGB, 30.
1 232
Vattimo, 1983, p. 1 82; Kaufrnann, 1 950, p. 269; Ottmann, 1 999, p. 263.
peras? Esses processos naturais de reprodução (Züchtung) do homem, por
exemplo, que até agora foram exercidos de modo infinitamente lento e de
sajeitado, poderiam ser conduzidos pelos homens (XI, 546-7).
Por outro lado, como explicar as repetidas referências a Galton? Neste
autor, o problema da reprodução desempenha um papel central. Favorecendo a
geração e a proliferação das naturezas mais vulgares, os homens de Igreja se
comportaram como "criadores" (breeders) sádicos, com a intenção de produ
zir uma raça monstruosa de animais ou de homens. É preciso reagir a tudo isto:
através de "casamentos ajuizados por mais gerações sucessivas" é possível
conseguir também para os homens melhoramentos semelhantes aos que se
obtêm com a "criação (breeci) permanente de cães ou cavalos". 1 233 Conforme
os hermeneutas em chave metafórica, Nietzsche não teria entendido nada do
teórico inglês sobre a eugenia, do qual, porém, sublinha a importância e reco
menda a leitura; e nada teria percebido da polêmica relativa aos "criadores da
raça humana", que nesses anos se alastra por todo o Ocidente.1234 E mais uma
vez é necessário defender o filósofo contra os seus advogados defensores. Ele
compreendeu perfeitamente Galton: invoca um "partido davida", que se com
prometa em primeiro lugar com a realização de um programa eugênico; exige a
introdução de controles minuciosos antes que seja autorizado um novo casa
mento; com o olhar voltado para os mal sucedidos, contrapõe o mandamento
eugênico "não gerar" à "proibição bíblica de 'não matar "' (supra, cap. 1 9 § 5).
A passagem inclui medidas dolorosas ou até drásticas, que se impõem, "da
espécie (A rt) à superespécie" ( Üb er-Art) (Za, I, Da virtude dadivosa, 1). A
propósito, de que coisa seria metáfora o apelo à castração e até à aniquilação
dos mal sucedidos além das "raças decadentes"? E como explicar que essas
supostas metáforas estejam amplamente presentes na cultura e nas publica
ções do tempo, também e sobretudo em autores e em "cientistas" não habitua
dos a recorrer a figuras retóricas?
Nenhuma dúvida é introduzida para pôr obstáculo à obra de implacável
anulação de todo possível elemento . de perturbação com relação ao mundo
encantado da metáfora. E, assim, a celebração da guerra se toma a "negação
nietzscheana da unidade do ser" ou a "insistência no conflito, no caos, no cará
ter interpretativo do todo"; 1235 tratar-se-ia apenas de "uma luta 'sem pólvora
de disparo"'. ; 236 E as "guerras socialistas", essas guerras "terríveis" contra o
1 238 Lukács, 1 974, p. 1 79; cf. Schelling, 1856-186 1 , vol . XI, p. 498-5 1 3 .
1 239 Schelling, 1 856- 1 86 1 , vol. XI, p. 5 13.
higiene racial nazista. Tanto mais porque o autor ao qual Nietzsche se refere é,
como sabemos, um inglês e que a "ciência" teorizada por ele encontra sucesso
muito além da Alemanha e da Europa.
Mais em geral, "não há palavra de ordem" belicista ou darwiniana, circu
lando na Alemanha, que não se encontre na Inglaterra, na Europa e nos Esta
dos Unidos. 1 240 Ao intervir na inflamada polêmica que se desenrola durante a
primeira guerra mundial e durante os anos imediatamente seguintes, Weber
responde aos teóricos da "culpa" exclusiva da Alemanha observando a forte
presença também nos Estados Unidos de uma "ideologia da guerra": no início
do século, tinha sido um ilustre sociólogo estadunidense (Veblen) que formulara
ou apoiara a "teoria completamente errada da presumida necessidade natural
de uma guerra comercial". 1241 E Weber poderia ter acrescentado que em Veblen
é possível ler também uma sutil apologia da "estirpe dolicocéfala loura" que,
mais do que qualq11er outra, encarna o espírito guerreiro e, ao mesmo tempo, a
imaginação científica e a eficiência industrial .1242 Sim, a mitologia ariana cele
bra os seus triunfos também do outro lado do Atlântico, além de na Alemanha e
na Europa. Não é difícil identificar os homólogos estadunidenses do angloalemão
Chamberlain. 1243 E essa mitologia não fica absolutamente limitada ao círculo
dos ideólogos. Para nos limitarmos a um exemplo, em 1 902, Arthur MacArthur,
governador militar das Filipinas, reivindica para os Estados Unidos o direito ao
domínio em razão também de sua pertença ao "magnífico povo ariano". 1 244
•2M
Haym, 1 930, p. 134 (carta a Max Duncker de 30 março de 1 852).
1265
Haym, 1 930, p. 142 (carta a Friedrich Theodor Vischer de 2 1 de outubro de 1857).
1 266
Simon, 1980, pp. 24 1-266.
1 267
Carlyle, 1990, p. 20.
nem que seja um dos mais humildes e dos mais pacíficos'', inflamou-se de indig
nação contra o "pontífice paganizante" e esclareceu "a todos os homens que o
mundo criado por Deus não se fundava nas aparências, mas sobre a realidade,
que a vida era uma verdade e não uma mentira"). 1268 É sobretudo a fé que
define em Carlyle a per�onalidade de exceção, fé que encontra a sua expressão
mais alta no cristianismo: é uma religião que tem "o próprio germe" exatamente
"neste culto dos heróis"; não é.por acaso que "o maior de todos os heróis é aquele
Um que não ousamos nomear aqui". 1269
Nietzsche tem razão em retirar-se da proximidade, que lhe causa horror, de
uma espécie de santarrão em molho extravagante. Ao sublinhar, com gesto pro
vocador, a distância, o autor de Ecce Homo sugere que seria preciso "ir em
busca mais de um César Borja do que de um Parsifal"; em todo caso, Zaratustra
nada tem a ver com o "tipo 'idealista' de uma espécie superior de homem, meio
'santo', meio 'gênio'" (EH, Porque escrevo livros tão bons, 1). Severo, impiedoso
é o julgamento sobre o ·'pior escritor inglês'', responsável entre outras coisas por
ter arruinado com a sua influência o estilo do próprio Emerson (VIII, 588). O
distanciamento vai bem além do âmbito estético. Ao ver de Nietzsche, que se
toma cada vez mais radical no seu imoralismo, Carlyle está errado em se referir
a heróis que são a encarnação dos "mais altos valores morais": desse modo
mostra que também ele entra na categoria dos "fanáticos pela moral" e, portanto,
é acometido pela "doença" que caracteriza a modernidade (XII, 358 e 560). Daí
a "sua adoração pelos homens de fé robusta" e "o seu furor contra os menos
simplórios" (GD, Incursões de um inatual, 1 2). Construída de modo "simétrico,
morbidamente linear, indeterminado", a grande personalidade se toma uma espé
cie de santo ao qual se deve "louvor" e "incenso" (M, 298). Por isso, olhando
bem, o culto dos heróis é apenas um insípido substitutivo da religião. Em síntese,
o literato inglês, essa "insípida mixórdia de ideias", exprime os limites de fundo do
seu país, incuravelmente cristão (JGB, 252), e além disso, os exprime com
grandiloquência, com "loquacidade que brota de uma complacência íntima do
estrépito e da mixórdia dos sentimentos" (FW, 97).
No entanto, a aproximação rejeitada com indignação não é totalmente sem
fundamento. Sim, o fi lósofo-filólogo tem razão de entregar ao ridículo um culto dos
heróis patrocinado por uma religião dos humildes e dos pobres de espírito. É claro
que, mesmo tão diferentes entre si, os dois autores aqui confrontados têm em co
mum o gesto aristocrático da oposição das grandes personalidades à humanidade
comum. E isto no âmbito de uma polêmica tão áspera contra as tendências demo-
1 268
Carlyle, 1990, p. 163.
1 269
Carlyle, 1990, pp. 25-6.
cráticas e niveladoras, que inclui em ambos os casos a justificação ou a celebração
da escravidão (supra, cap. 1 2 § 3). É verdade, Nietzsche rotula o herói cristão ou
cristianizante caro a Carlyle como um oximoron inconsciente e irrefletido: só uma
total falta de sentido histórico e de instinto aristocrático pode dar crédito a uma
religião tão plebeia como é a cristã. Mas esse modo de argumentar e comportar-se
do filósofo não é sinônimo de "inatualidade" enquanto tal; é mais a ambição de
conferir rigor e coerência a motivos bem difundidos na cultura do tempo: uma vez
pensados em toda a sua radicalidade e consequencialidade, tais motivos acabam
resultando em irremediável contradição com a ideologia e a religião dominante que,
apesar de tudo, continua a ser o cristianismo.
Por outro lado, em Nietzsche a celebração da "inatualidade" não tem sem
pre um significado unívoco: o filósofo "deve ser a má consciência do seu tempo -
para tal fim deve possuir o máximo saber dele" (WA, Prefácio). Trata-se, certa
mente, de uma relação polêmica, que visa à "vivissecção com faca própria do
coração das virtudes do tempo" (JGB, 2 1 2). No entanto, tal relação é inevitável .
E o é ao ponto de "o filósofo não estar livre de poder passar sem Wagner" (WA,
Prefácio), ou seja, sem o musicista e o ideólogo que se trata de superar e rejeitar
se se quiser conseguir a "inatualidade". Estamos, pois, diante de uma "inatual.idade"
que não pode saltar o momento da mediação e que, portanto, consiste em rejeitar
certas tendências do tempo, dando expressão a outras .
Enfim, é o próprio Nietzsche que acaba confirmando de algum modo a
leitura hitoricizante do seu pensamento, por ele tão desdenhosamente rejeitada.
Num bosquejo autobiográfico dos anos da adolescência indica no ano de 1 848
e na repugnância suscitada pela revolução o momento decisivo e "fatal" do seu
processo de formação (A, 9 1 ) . Não são diferentes a contextualização e a
periodização sugeridas pelos intérpretes críticos do filósofo contemporâneos a
ele. Segundo Duboc, depois de ter iniciado com o fracasso da revolução, a
"maré reacionária dos anos cinquenta" se engrossa mais com o "materialismo
ético" do final do Século XIX : "não se pode pôr em dúvida" que este é o
contexto no qual colocar "a 'moral ' nietzscheana do super-homem". 1 270 Estamos
diante de um autor que conta com "inumeráveis leitores, pertencentes às clas
ses superiores da sociedade".1271 Em termos análogos Mehring, escrevendo
sempre poucos anos antes da morte de N ietzsche, o insere, junto com
Schopenhauer e Hartmann, no grupo dos "três filósofos da moda que obceca
ram a burguesia alemã na segunda metade deste século". 1 272 Convém especi-
127º
Duboc, 1896, pp. 133 e 1 1 7.
1271
Duboc, 1 896, p. 124.
1272
Mehring, 196 1 a, vol. XIII, p. 167.
ficar imediatamente que são também os seus admiradores que colocam em
dúvida a "inatualidade" de Nietzsche: "O seu ideal pertence ao seu tempo, mas
só a ele foi concedido exprimi-lo em toda a sua pureza". 1 273
Mais do que serem imprecisas e enganosas, essas diversas leituras que,
por um motivo ou por outro, sublinham a consonância do teórico da "inatualidade"
com o seu tempo, cometem o erro, do ponto de vista do filósofo, de pôr em crise
a reivindicação da inatual idade como gesto de distinção aristocrática. Em últi
ma análise, esta é a opinião de Overbeck. A relação de amizade e de afeto não
o impede de se exprimir assim a propósito de Nietzsche:
Ele não foi realmente um solitário, mas simulava a solidão, comprazia-se em ser
e queria ser um solitário. Se se olhar para trás ou se se considerarem as coisas
sob um ângulo histórico, nenhum dos pensamentos, que aparecem em
Nietzsche, é realmente novo e inédito. Do mesmo modo, a maneira como ele se
apropria dos pensamentos pertencentes ao acervo comum do tempo presente
não tem nada que lhe seja próprio se for medido por esses empréstimos. 1274
1 275 Bcntham, 1838-1 843, vol. VIII, p. 398 e Hinunelfarb 1 985, p. 80.
,
127x
Malthus, 1 977, p. 104; no que respeita a Jefferson, cf. Jordan, 1 968, p. 435.
1279 Sieyes, 1 985 c, p. 73 .
128º
ln Arendt, 1 966, p. 1 43 n. (=Arendt, 1989, p. 200 nota). Na vertente oposta com
referência ao carro do deus indiano Vishnu, cujos fiéis se deixavam esmagar durante as
procissões, Marx denuncia a sociedade burguesa como "a roda Juggernaut do capital"
(Marx e Engels, 1 955, vol. XXIII, p. 297).
1281
Burke, 1 826, vol. V, p. 168 (cf. Burke, 1 963, p. 257).
1 282 Jefferson, 1 955, p. 53.
1283
Malthus, 1965, p. 497.
da bondade" própria dos "temerários utópicos" que desejariam banir o negativo
da sociedade e da realidade (supra, cap. 8 § 1). A essa falsa "economia",
baseada em supostos sentimentos morais se opõe a autêntica "economia" que
desdenha remover ou falsificar a realidade. É a "economia abrangente do mun
do" (Gesammt-Haushalt der We/t) (XI, 699), a "superior economia da civiliza
ção" (XIII, 64 1 ), "a inteira economia da humanidade" (JGB, 62), a "grande
economia do Todo" (grasse Okonomie des Ganzen) (EH, Porque sou um
destino, 4).
É tendo constantemente presente tal economia, que abrange todo aspecto
do real, que é preciso avaliar as diversas visões do mundo e as diferentes
filosofias morais:
Esta é a minha tarefa, ter pretendido pela primeira vez uma verificação das
contas! - portanto ter posto o problema da miséria indizível, da piora que os
homens sofreram, porque o altruísmo foi elevado a ideal e, consequentemente,
o egoísmo foi definido como mau e se fez sentir como tal (IX, 5 7 1 )
.
Sim, "'para avaliar (abschatzen) quanto vale um tipo de homem (was ein
Typus Mensch werth ist), é preciso calcular o preço (den Preis nachrechnen)
que custa (kostet) a sua manutenção" (EH, Porque sou um destino, 4). É
preciso proceder de modo abstrato; é necessário submeter a uma rigorosa "ava
liação" (A bschatzung) "os ideais até agora vigentes" (XII, 459). O "homem
bom" sai-se decididamente mal dessa verificação contábil. Feitas as contas,
torna-se catastrófico o papel da compaixão, que impede ou obstaculiza o sacri
fício necessário e benéfico dos fracassados da vida. O tipo de homem celebra
do pela moral cristã e pela moral tradicional acaba sendo "a espécie mais pre
judicial (schadlichst) de homens, pelo fato de eles realizarem a sua existência
seja às custas (aufKosten) da verdade, seja às custas (aufKosten) do futuro"
(EH, Porque sou um destino, 4) . Para a economia da vida e da sociedade é
um passivo do qual é preciso absolutamente livrar-se: "Por mais danos (Schaden)
que os caluniadores do mundo possam fazer, o dano dos bons é o mais prejudi
cial dos danos" (der Schaden der Guten ist der schadlichste Schaden) (Za,
III, De tábuas antigas e novas, 26). A vantagem e a "profundidade do artista
trágico" residem no fato de que ele "afirma a economia à grande ( Õkonomie
im Grof3en), a qual justifica o que nos é dito de terrível, malvado, problemáti
co . . . e não se limita a justificá-lo" (XII, 557).
Ao fazer referência a essa economia abrangente do real , é preciso saber
avaliar não só as diversas religiões, mas também a sua diferente utilização:
"Paga-se sempre um preço caro e de maneira terrível pelo fato as religiões não
estarem nas mãos dos filósofos" (JGB, 62). Como se vê, é constante a referên-
eia à economia política. Esta desempenha um papel também na condenação do
sistema parlamentar e da sociedade democrática enquanto "extremamente
dispendiosa (kostspielig) (supra, cap. 1 0 § 3). A nova ciência que acompanha
o desenvolvimento do mundo burguês i ntervém também na análise da
interioridade: vemos Nietzsche atento a perguntar por "toda a economia da
minha alma e o seu equilíbrio" (FW, 338).
O âmbito da nova ciê'!cia se revela bem mais amplo do que o da antiga;
além da produção e distribuição da riqueza, ela abrange a moral, a realidade e a
vida enquanto tais: "eu tento uma justificação econômica (okonomisch) da virtu
de" (XII, 459), da virtude entendida não em sentido moral; esta última, como
sabemos, está em antítese clara e irreparável com a "grande economia do Todo".
A parti r pelo menos de 1 789, o papel dos intelectuais não proprietários
está no centro do debate político e cultural . Nietzsche continua a intervir nesse
debate quando se autodefine assim: "um grandseigneur do espírito'', exata
mente como Voltaire era (EH, Humano, demasiado humano, 1 ) O caso de .
Wagner é bem diferente: "a ' munificência régia"', que em geral é atribuída
tanto a ele como a Victor Hugo, se revela como ilusão ou maquilagem mentiro
sa. Só ''enquanto se é ainda infantil e wagneriano ainda por cima, se considera
Wagner deveras rico, deveras um prodigioso dissipador, deveras um grande
latifundiário (Grossgrundbesilzer) no reino do som". Bem depressa, os admi
radores do musicista alemão e do romancista francês se contentaram com
muito menos. Apreciam-nos "por razões opostas: como mestres e defensores
da economia ( Ókonomie), como p rudentes anfitriões"; de fato, "ninguém está
à sua altura em exibir, com módica despesa, uma mesa principesca" {WA, 8).
No que diz respeito a Wagner em particular, pode-se observar nele "uma eco
nomia técnica (technische Ókonomik) que não tem nenhuma razão para ser
refinada" {WA, 9). Em conclusão, enquanto é uma realidade em Nietzsche, o
espírito senhoril é apenas fanfarronice em Wagner e Hugo.
12x4 Cf.
Losurdo, 1 996, cap. II, 1 1 .
1 285 Schopenhauer, 1976-82 e. vol. IV, p. 21 3.
12x6
Burke, 1 826, vol. V, p. 1 54 (= Burke, 1963, p. 248).
culannente caro aos jacobinos. Ao ler o seu discurso sobre a desigualdade, já
Voltaire tinha comentado: "É a filosofia de um mendigo (gueux) que gostaria
que os ricos fossem saqueados pelos pobres".1287 Compreende-se agora o fato
de Rousseau se ter tomado, para uma larga parte das publicações, a gueux
plumée por excelência. Constant o censura por ter inspirado, com as suas
·'tiradas contra as riquezas e até contra a propriedade", a fase mais terrível da
Revolução Francesa, ou seja, a agitação social das massas deserdadas e a
política j acob ina de intervenção na esfera econômica e p r ivada . 1 288
Analogamente, Flaubert vê no autor d' O contrato social "o pai da democracia
invejosa e tirânica". 1289 São motivos que também entram na Alemanha, de
modo que um contemporâneo e adversário de Hegel, Gustav Hugo, insere
Rousseau entre os "inimigos da propriedade privada".1 290
Mas é Taine quem nos reconduz para perto de Nietzsche, em cuja escola
ele declara ter estado (infra, cap. 28 § 2). Se o historiador francês acusa Rousseau
pelo "rancor (rancune) do plebeu pobre" que transpira das suas obras, 1 291
Nietzsche o denuncia como o "homem do rancor" (Ranküne-Mensch), que pre
tende indicar "nas classes dominantes a causa do seu ser miserável"
(Miserabilitat) (XII, 42 1), ou como o homem do "ressentiment" (GD, Incur
sões de um inatual, 3). Ele é "idealista e canaille numa só pessoa". Até aqui
estamos no âmbito do discurso já conhecido, que põe em conexão a mediocrida
de da origem social de um intelectual ou de uma classe de intelectuais com os
discursos exaltados de regeneração; neste sentido, Rousseau é o "primeiro ho
mem moderno'', o ponto de partida de um ciclo de agitações e perturbações ainda
bem longe da conclusão (GD, Incursões de um inatual, 48).
Como na cultura e nas publicações empenhadas na crítica da Revolução
Francesa, assim em Nietzsche a análise sociológica das classes intelectuais cede
a certa altura a passagem para o diagnóstico psicopatológico. Da condenação em
Rousseau do "rancor do plebeu pobre", Taine passa a prevenir contra aquele
''caso clínico singular" que é representado pelo filósofo genebrino; 1 292 a descri
ção, na França "inebriada pela má aguardente d'O contrato social", do contágio
do qual foi tomada, semelhante à "estranha doença que se encontra comumente
nos bairros pobres"1293 - aqui a psicopatologia continua pelo menos a estar liga-
1287
Havens, 1 933, p. 1 5 .
1 288
ln Constant, 1 957, p. 1 050 nota e 105 1 (= Constant, 1 96 1 , p. 1 03 nota e 1 05).
1289
Flaubert, 19 1 2 , p. 343 (carta a Jules Michelet de 13 novembro de 1867).
1 29º
Hugo, 1 8 19, p. 28; Hugo, por sua vez, acrescenta Diderot.
1291
Taine, 1 899, vol. II, p. 40 (= Taine, 1986, p. 409).
1 292
Taine, 1899, vol. II, p. 30 (= Taine, 1986, p. 400).
1 293
Taine, 1 899, vol. IV, p. 26 1-2 (= Taine, 1 989, tomo 1, pp. 568-9).
da com a sociologia - a certa altura se transforma na denúncia da "alteração do
equilíbrio mental" dósj'acobinos, 1294 com a dissipação, portanto, de todo elemento
restante de análise social . Considerações análogas podem ser feitas em relação a
Burke, Constant ou Tocqueville. 1295
São claros os elementos de contiguidade entre Nietzsche e a cultura do
seu tempo. Não menos evidentes e não menos importantes, porém, são os
elementos de novidade. Depors de ter sublinhado que "a dupla natureza de
idealista e de canaille" se manifesta também na Revolução Francesa, o aforismo
já citado de Crepusculo dos ídolos prossegue assim "A farsa sangrenta com
que se representou esta revolução, a sua 'imoralidade' tem pouca importância
para mim: o que odeio é a sua moralidade russoniana". Rousseau, "essa cria
tura mal sucedida", "teve necessidade da 'dignidade' moral para suportar o seu
próprio aspecto". E em nome da moral a revolução agita a "doutrina da igual
dade", que "parece pregada pela própria justiça, enquanto, ao invés, é o fim da
justiça", dado que pretende igualar realidades separadas entre si por um abis
mo (GD, Incursões de um inatual, 48). Não só a reivindicação da igualdade
social, como sustentavam sobretudo os autores liberais, mas também a reivindi
cação da igualdade enquanto tal, e até o apelo a uma presumida moral univer
sal, ela mesma atravessada por uma lógica igualitária e homologadora, é ex
pressão ao mesmo tempo de rancor plebeu e de exaltada utopia revolucionária.
A denúncia do intelectual subversivo não pode então ficar no meio do
caminho. É uma figura que começou a manifestar-se bem antes de Rousseau e
da Revolução Francesa. Pense-se na Reforma. Ela "é também co-responsável
pela degeneração do erudito moderno, por sua falta de reverência, pudor e
profundidade, por toda a ingênua candura e bonomia nas coisas do conheci
mento, em suma, daquele plebeísmo do espírito, que é característico dos últi
mos dois séculos" (FW, 358).
Ao reivindicar uma espécie de sacerdócio universal e ao pôr em discus
são a distinção entre iniciados e leigos no que diz respeito à leitura do texto
sagrado, a Reforma vê também o surgimento de um baixo clero, polêmico em
todo nível em relação à hierarquia: pense-se nos pastores da "revolução purita
na". Se podia suscitar escândalo na Alemanha protestante, a inserção da Re
forma no longo ciclo da subversão não é em si um motivo particularmente
novo; podemos encontrá-lo, embora em formas mais esquemáticas e aproxi
mativas, já nos ambientes católicos da Restauração. Mas Nietzsche não fica
por aqui . Não é com Lutero que inicia o ciclo revolucionário, mas com o cristi-
1294 Taine, 1899, vol. V, pp. 2 1 seg. (= Taine, 1989, tomo 1, p. 594).
1295 Losurdo, 1 996, cap. II, 1 .
anismo, indicado como a fonte original do Terror jacobino. Por outro lado, pare
ce reconduzir a Rousseau a descrição de Paulo de Tarso: também ele dá prova
não só de loucura ou, mais exatamente, de "alucinação" (Hallucination), mas
também de rancor desmedido para com os bem sucedidos e as classes superi
ores (AC, 42).
Voltando atrás com respeito ao cristianismo e aqueles "agitadores cris
tãos" que são os ''Pais da Igr�ja", encontramos os "agitadores sacerdotais" e a
sua moral minosamente "abstrata" (supra, cap. 1 5 § 2); tal como para o ciclo
revolucionário, assim também para a reconstmção da história da figura do inte
lectual subversivo, é preciso partir do j udaísmo pós-exí lico. Não é só a tradição
religiosa, é também a tradição intelectual do Ocidente que é submetida a uma
leitura radical e impiedosa. A abstração, a patologia denunciada pela tradição
liberal e reacionária nos intelectuais revolucionários se toma agora a patologia
de boa parte dos filósofos.
Esses velhos filósofos não tinham coração; filosofar foi sempre uma espécie
de vampirismo. Em tais figuras, como também em Spinoza, não sentis algo de
profundamente enigmático e sinistro? [ . . ] ln summa: todo idealismo filosófi
.
1 297
Comte, 1 985, pp. 1 4, 1 06 e 1 10.
1 298
Comte, 1 985, p. 10 1 .
1299
Comte, 1 985, pp. 100 e 1 1 1 .
1 30°
Comte, 1985, p. 14.
nós essa antiquíssima parte de humanidade, pois ela é a base sobre a qual se
desenvolveu e ainda se desenvolve em todo homem a razão superior; o sonho
nos conduz para estágios remotos de civilização humana e fornece o meio para
compreendê-los melhor" (MA, 1 3).
De modo análogo argumenta Le Bon, segundo o qual a revolução repre
senta o "triunfo" de "instintos atávicos", dos "instintos da barbárie primitiva",
dos "instintos do estado selvagem ancestral", ou dos "instintos naturais trans
mitidos ao homem pela sua animalidade primitiva";13º1 e de modo análogo ar
gumenta também Taine, pelo menos o Taine interpretado pelo psicólogo das
multidões, o qual atribui ao historiador francês o mérito de ter finalmente escla
recido o significado e o decurso da revolução, a partir da sua regressão num
"estágio selvagem primitivo".1302 Compreende-se então que a pedra angular
para a compreensão das revoluções não seja a sociologia ou a economia políti
ca, nem sequer propriamente a história.
Exatamente porque não são as contradições objetivas que desencadeiam as
revoluções, agora é a psicologia ou a psicopatologia que é chamada a explicá-las.
Ouçamos Le Bon: as grandes crises históricas nos colocam na presença "muito
frequentemente de conflitos de forças psicológicas" que "devem ser estudados
com métodos tirados da psicologia".1303 E agora demos a palavra a Nietzsche:
"A psicologia é agora de novo o caminho para os problemas fundamentais"; ela
deve ser ''reconhecida senhora das ciências, ao serviço e à preparação das quais
está destinada a existência das outras ciências" (JGB, 23). Segundo Le Bon,
Taine teve o mérito de "acabar com" o "antigo prestígio" da historiografia tradi
cional da Revolução Francesa; 1304 mas também, segundo Nietzsche, ao historia
dor francês cabe o mérito de ter explicado as perturbações na França a partir das
paixões e da história da "alma moderna"(in.fra, cap. 28 § 2). E como para o
filósofo alemão, também para Le Bon não há modo mais eficaz para liquidar um
autor do que demonstrar a sua incapacidade de penetração psicológica; é assim
que ele procede a propósito de Rousseau, "estranho a toda psicologia". 1 305
A partir da afirmação da incurabilidade da doença diagnosticada, confir
mada pelo seu ressurgimento periódico, revela-se fácil a passagem da psicolo
gia para a fisiologia. Assim também em Nietzsche: "Os meios de conforto in
ventados pelos mendigos e pelos escravos são pensamentos de cérebros mal
Doi
Le Bon, 1 925, pp. 56-7 e 63.
Do2
Lc Bon, 1 925, p. 1 1 3.
Do>
Le Bon, 1 925, p. VII .
Do4
Le Bon, 1 925, p. 1 1 2.
Do5
Le Bon, 1 925, p. 1 44.
nutridos, cansados ou hiperexcitados. Com esse critério é preciso julgar o cris
tianismo e o espírito visionário (Phantasterei) socialista» (IX, 66). A tendência
a conferir um fundamento fisiológico para o diagnóstico psicopatológico está
presente também em Humano, demasiado humano . "O demônio de Sócrates
talvez seja apenas uma dor de ouvido" (MA, 1 26), e de qualquer modo, uma
vez superados os caprichos metafísicos, "com toda tranquilidade se deixará
para a fisiologia e para a história da evolução dos organismos e dos conceitos
perguntar como a nossa imagem do mundo pode diferenciar-se tão fortemente
da essência do mundo conhecida racionalmente" (MA, 1 O).
Somos de novo reconduzidos a Comte. Não é por acaso que, depois da
revolução de 1 848 e em polêmica com ela, aderiram à Société positivista médi
cos, animados por uma convicção precisa: a agitação revolucionária, ou a "de
composição" e "a doença social", que não cessam de alastrar-se, exigem um
enérgico · "tratamento médico" (médication); é um desafio que só pode ser
enfrentado graças à 'regeneração da arte médica". 1306
Argumentando de tal modo, esses médicos são fiéis ao seu Mestre, se
gundo o qual "as aberrações metafisicas do último século" poderão ser supera
das de uma vez para sempre só graças à "subordinação fundamental à biolo
gia" por parte da "sociologia positiva" e ao desenvolvimento da "fisiologia ce
rebral".13oi E agora ouçamos Nietzsche:
Os homens que agora são cruéis devem ser por nós considerados como
graus residuais de civilizações precedentes [ ... ]. São homens atrasados cujo
cérebro, para todos os casos possíveis no decorrer do processo hereditário,
não continuou a desenvolver-se tão delicada e mulliformemente. Eles nos
mostram o que éramos todos [ . . . ] . No nosso cérebro devem encontrar-se
também os sulcos e as dobras que correspondem àquele modo de sentir,
assim como se diz que na forma de alguns órgãos humanos se encontram
lembranças do nosso estado de peixes (MA, 43).
Quando cita este trecho, Mehring não tem dúvidas : é "a filosofia do capi
talismo", é a visão do mundo cara ao "grande capital explorador".1333 Há um
limite neste juízo: a tradução em termos metafísicos de uma categoria econômi
ca e política comporta um elemento ainda que parcial de separação com res
peito à imediatez econômica e política, que é preciso considerar. Mas, bem
mais do que Mehring, estão longe da verdade os intérpretes atuais, propensos a
imergir a categoria em questão numa aura rarefeita sem nenhuma relação com
im
Mehring, 1 96 1 a, vol. XIII, pp. 165 e 160.
a realidade e os conflitos político-sociais . Não é só Marx que fala de "explora
ção", mas também autores bem conhecidos de Nietzsche. Se Dühring, toman
do posição a favor dos excluídos do "banquete da vida", se empenha na luta
contra .. a exploração dos não-proprietários por parte dos proprietários", 1334
Heine atribui como mérito da escola de Saint-Simon o fato de ter cunhado "a
bela fórmula" de condenação da "exploração do homem sobre o homem".1335
Mas para Nietzsche, que vimos reconhecer a realidade da "mais-valia", não
M dúvidas: a aspiração socialista a superar o mundo real da "exploração" e
da ··opressão, isto é, da desigualdade, da hierarquia, da escravidão nas suas
diversas formas, se coloca numa linha de continuidade com a pregação cris
tã de condenação do vale de lágrimas; estamos na presença de duas expres
sões diferentes de niilismo, de fuga do mundo da vida (XIII, 220). E, de novo,
como a categoria de "exploração", também a crítica desta categoria é inserida
num contexto decididamente mais amplo, que transcende ou desejaria trans
cender a imediatez econômica e política.
1347 Tocqueville, 195 1 , vol. 1, 2, pp. 185 e 22 (cap. II, III, 5 e II, 1, 3 ) .
134 8 Tocqueville, 1 95 1 , vol. 1, 1, p. 222 (cap. 1, II, 5).
1349 Tocqueville, 195 1 , vol. 1, 2, p. 24 (cap. II, 1, 3).
1350 Tocqucville, 1 95 1 , vol. 1, 2, p. 20 (cap. II, 1, 3).
3. A oscilação de Schopenhauer entre nominalismo e realismo e a
ruptura de Nietzsche
4. Do nominalismo ao perspectivismo
D63
Pascoli, 1 994, pp. 1 60 e 168.
DM
Spencer, 1 98 1 , p. 397.
(IX, 556). Num olhar mais atento, a presumida imediatez se dissipa totalmente:
''Por que um dedo cortado doí? Em si ele não doí (embora sinta 'estímulos');
aquele cujo cérebro é cloroformizado não sente ' sofrimento' no dedo" (IX,
5 5 9). Por outro lado, vale uma consideração de caráter geral :
É preciso servir-se da "causa" e do .. efeito" apenas como meros conceitos,
isto é, de ficções conyencionais destinadas él conotação, ao entendimento,
não ú explicação. No "em si" não existem "ligações causais" [ . . . ], nesse campo
··o efeito" não se segue "da causa" e não vigora nenhuma "lei" (JGB, 2 1 ).
Pelo que diz respeito à dor, talvez, mais que de uma percepção que brota
infalivelmente como efeito de uma causa em si, estamos na presença de um
'juízo sobre a ofensa do órgão de uma função, por parte da unidade que tem
representações" (IX, 5 59-60).
A unidade e imediatez da percepção cede o lugar à complexidade e
problematicidadc do juízo:
Observar como nasce um prazer, quantas representações devem combinar
se! E, no fim, é algo unitário e total e não quer mais deixar-se conhecer como
pluralidade. Poderia ser assim para todo prazer, todo sofrimento! São fenô
menos do cérebro! Mas pluralidade que assimilamos há muitíssimo tempo e
que apenas agora se apresentam como totalidade (IX, 559).
Entre meados do século XIX e início do século XX, vemos surgir na Euro
pa três grandes projetos políticos, cada um dos quais faz referência a uma
epistemologia precisa. Na Inglaterra, John Stuart Mill publica, em 1 843, o seu
Sistema de lógica raciocinativa e indutiva. O autor se reconhece plenamen
te não só nas instituições políticas da Inglaterra do tempo, mas também no seu
papel internacional. Nos territórios conquistados pelo Império, sempre mais,
"naquelas sociedades atrasadas nas quais a própria raça pode ser considerada
menor de idade", a civilização abre caminho através da "obediência absoluta"
das populações subjugadas e do "despotismo", nesse caso "legítimo", exercido
pelas grandes potências ocidentais.1366 Se em geral a expansão colonial serve
à causa do progresso, a marcha triunfal do Império Britânico é uma contribui
ção totalmente particular para a afirmação da "paz universal" e da "coopern
ção e compreensão geral entre os povos".1367 Nesse contexto profundamente
harmônico há espaço apenas, no plano teórico, para problematizações e
questionamentos bem determinados e, no plano prático, para intervenções polí
ticas que visam aspectos particulares e bem definidos do ordenamento e das
1368 Mill, 1968, p. 183 seg. (livro II, cap. Ili, § 3).
1369 Mill, 1 968, p. 7 (Introdução, § 5).
1 370 Mill, 1968, p. 866 (livro VI, cap. VI, § 1 ) .
137 1 Mill, 1965 b, p. 239 (= Mill, 1976, p. 1 8 1 ).
1 372 Lênin, 1955, vol. XV, p. 177-1 83.
1 373 Lênin, 1955, vol. XIV, p. 1 33.
1374 Lênin, 1 955, vol. XIX, pp. 40 seg. e 81 seg.
Quando já começa a espalhar-se o incêndio da primeira guerra mundial, o
revolucionário russo sente a necessidade de refletir sobre a Ciência da lógica
hegeliana para esclarecer a si mesmo os pressupostos da ação revolucionária
que ele deseja e prepara. Neste texto procura a confirmação não só do caráter
objetivo das contradições, mas também da necessidade de uma análise científica
que não se limite a pesquisar esse ou aquele pormenor do ordenamento existente:
Pelo fato de saltar do cÓncreto ao abstrato, o pensamento não se afasta,
quando é correto [ . . . ], da verdade, mas se aproxima dela [ . .. ]. Todas as abstra
ções científicas (que sejam corretas, a levar a sério e não insensatas) refletem
a natureza mais profündamente, mais fielmente, mais cabalmente. Da intui
ção viva ao pensamento abstrnto e deste à práxis. 1 375
CONTRA A DEMOCRACIA
R
ecusando-se a reconhecer-se nas interpretações dos seus contemporâne
os, Nietzsche se sente obrigado a polemizar contra o Journal des Débats: a
revista francesa "com absoluta seriedade julgou o livro [Assim falou Zaratustra]
como um 'sinal dos tempos', como a autêntica verdadeira filosofia dos Junker, que
a Kreuzzeitung não faz sua explicitamente só porque lhe falta coragem" (EH,
Porque escrevo livros tão bons, 1). Compreende-se o tom escandalizado de
Nietzsche. Ele não pode identificar-se com uma classe social .que, como aparece
pelo título do seu órgão de imprensa, está teimosamente ligada ao cristianismo:
"Junker cristão" [Kreuzzeitung] é um "conceito antiestético"; revela uma "inocên
cia entre os contrários" (a incapacidade de aceitar a contradição), pior, a '"boa
consciência' na mentira" que representa o pior da modernidade (WA, Epílogo).
No entanto, a resenha tinha alguma parte de razão. Historiadores contem
porâneos autorizados fazem uma comparação entre os Junker prussianos, os
proprietários escravistas das plantações do Sul dos Estados Unidos e a grande
nobreza feudal da Rússia czarista. Mesmo com notáveis diferenças entre elas, as
três classes sociais, que baseiam o seu esplendor e o esplendor da civilização da
qual são protagonistas no trabalho em maior ou menor grau forçado da grande
massa, apresentam algumas características comuns também no plano ideológico:
a celebração do otium se entrelaça com o desprezo ao trabalho produtivo como
gesto aristocrático de distinção; a identificação com uma cultura refinada, base
ada no trabalho servil ou semisservil, andajunto com o altivo distanciamento da
massificação da sociedade democrática e industrial que avança impetuosamente,
pretendendo ter do seu lado o vento irresistível da história; enfim, a irrisão da ideia
de progresso estimula o ulterior gesto de distinção, que reside na reivindicação
orgull1osa da própria "inatualidade", em saber ir contra a corrente com respeito à
tendência geral à vulgarização do mundo.1394 Depois da derrota, os ideólogos do
1 40 1
Kolchin, 1 987, p. 222.
1402
Fitzhugh, 1 960, p. 9.
1403
Hartz, 1 960, pp. 143 seg., Woodward, 1 960, p. IX.
1 404
Herzen, 1994, p. 92.
_
em adotar uma postura de iluminista mais consequente que os outros, ainda
presos a sonhos ingênuos de emancipação (supra, cap. 14 § 2). Nesse contex
to devemos colocar o "iluminismo" de Nietzsche, que constitui um traço cons
tante do seu pensamento, muito além do período propriamente "iluminista".
Ainda no final da vida consciente, ele caracteriza como "visionária, sentimen
tal, cheia de mistérios" e feminina a moral abolicionista que encontra a sua
expressão mais significativa na figura de Beecher-Stowe (infra, cap. 30 § 5).
Uma visão do mundo lúcida, viril e enxuta, sem indulgência pelas fugas e pelas
fraquezas sentimentais e femininas, não arreda diante da escravidão e do sacri
fício em massa a que a civilização inevitavelmente condena os servos e a enor
me maioria da humanidade.
Sublinhei o permanente papel da aristocracia na Prússia, na Rússia e no
Sul dos Estados Unidos . Nietzsche está de algum modo ligado a esses três
mundos. Quando jovem, compara Teógnis, portavoz de uma aristocracia e de
uma sociedade escravista, a "um Junker culto e decadente, com as paixões de
Junker" (FS, III, 74). Remonta diretamente à sua adolescência a simpatia pela
Rússia, cuja vitória na guerra da Crimeia deseja ardentemente (A, 20- 1 ); e a
esse país ainda não contaminado em profundidade pelas ideias modernas o
filósofo continua a referir-se com simpatia nos anos e nos meses que precedem
o fim da vida consciente. Enfim, a polêmica contra a Beecher-Stowe é a con
denação da revolução abolicionista que, j unto com a escravidão, anula uma
esplêndida civilização aristocrática.
Também no caso dos Estados Unidos, quem exprime tendências naciona
listas são os inimigos da Confederação sulista: o protecionismo da União visa
também desenvolver uma indústria nacional que ponha o país em condições de
competir, no plano econômico e militar, com as grandes potências europeias;
além da indignação humanitária, os abolicionistas são movidos também pela
ambição de indicar os Estados Unidos como modelo no qual os outros países e
os outros povos são chamados a inspirar-se. Na véspera da Guerra da Seces
são, Lincoln se exprime assim a propósito do instituto da escravidão: "Eu o
odeio porque priva o nosso exemplo republicano da sua justa influência no mun
do". 1405 Já algumas décadas antes, o "evangelicalismo" promove o movimento
de "colonização", com a transferência para a Á frica dos escravos emancipa
dos, mas trata-se de um "evangel icalismo nacionalista", empenhado em difun
dir, j unto com a mensagem cristã, a influência e a hegemonia estadunidense.1406
1405
ln Bowen, 1 990, p. 88.
14º6 Fogel, 1991, p. 46 1 , nota 43.
Essas preocupações, porém, estão ausentes nos proprietários das grandes
plantações do Sul, zelosos guardiões de um estilo de vida refinado, tomado
possível pela escravização dos negros. Os ideólogos dessa sociedade estão
bem conscientes disso. Não é por acaso que os mais isentos chegam a afirmar
a necessidade do instituto da escravidão, também independente da cor da pele, 1407
tomando-se assim teóricos de uma escravidão não racial, não diferente daque
la própria da antiguidade clá'ssica, para a qual Nietzsche olha. Pelo que diz
respeito à Rússia, não esquecer que a abolição da servidão da gleba ocorreu
em seguida à derrota na guerra da Crimeia: o recrutamento militar em larga
escala, o único que pode garantir a competitividade com as outras grandes
potências europeias, exige a possibilidade do poder central mobilizar também
os servos, até aquele momento de "propriedade" exclusiva dos seus senhores.
Também nesse caso, a preocupação nacional desempenha um papel importan
te para colocar em crise um mundo aristocrático para o qual se voltam a aten
ção e a simpatia de Nietzsche.
Nas três classes dominantes aqui comparadas está também ausente a ideia
de nação, dado que esta é transversalmente dividida em "raças" diferentes e
opostas, segundo o modelo de Boulainvilliers, que é retomado e reelaborado por
Nietzsche e por outros expoentes da reação aristocrata do final do Século XIX.
Até a crise das três sociedades diferentes das quais se fala aqui apresenta
algumas analogias e revela uma dinâmica que traz à nossa memória as análises
de Nietzsche. Historiadores recentes relacionaram as primeiras rachaduras do
Antigo Regime na Rússia com a difusão da compaixão, dos "sentimentos de
culpa" e da "má consciência" entre as classes superiores, sobretudo diante da
carestia de 1 89 1 . É daqui que data o início da revolução: "tudo aconteceu por
causa dos nossos pecados"; "há um só remédio: arrepender-se, mudar de vida,
derrubar o muro que nos separa do povo" - escreve Tolstoi, conde, além de
escritor, a um amigo. 1 408 É um fenômeno que se verifica também nos Estados
Unidos : Calhoun polemiza contra "os fanáticos raivosos que consideram a es
cravidão como um pecado" e "um crime, uma ofensa contra a humanidade"; 1409
ou melhor, ''acham que eles mesmos estão envolvidos neste pecado e são res
ponsáveis pelo fato de não suprimi-Ia mediante o recurso a todos os meios
possíveis". 141° Com relação à Alemanha, o cardeal Ketteler, embora empe
nhado na luta contra o movimento socialista, condena com força a "cruel"
A esse Antigo Regime que parece vivo e vital se refere a reação aristo
crática que, no final do Século XIX, começa a manifestar-se na Europa e no
Ocidente, agitando o pathos da distinção e da distância entre nobreza e plebe.
Também nesse caso convém partir da luta contra a Revolução Francesa. No
final do Século XVIII, Burke previne contra uma ruinosa onda subversiva que
ameaça "poder, autoridade e distinção sociais (power, authority, and
distinction);1424 contra a maré do nivelamento plebeu é preciso reforçar que
"há mesmo distinções" (some distinctions) a se terem presentes.1425 Se Gentz,
na sua tradução do estadista inglês, recorre a outras expressões, Kant, que de
algum modo conhece também Burke, 1 426 traduz distinction pelo termo depois
caro a Nietzsche. Quem ostenta um "tom de distinção" (vornehmer Ton) são
aqueles que pretendem ser depositários de um saber privilegiado inacessível
aos mortais comuns e subtraído do controle da razão. No plano social, são
"aqueles que podem viver de renda, de modo opulento ou medíocre", sem
serem "obrigados a trabalhar para viver". Em conclusão, "todos se acham dis
tintos na medida em que acreditam que não têm o dever de trabalhar", nem
sequer no plano mais propriamente conceituai e filosófico: beati possidentes ! 1 427
No modo de ver de Kant, o tom de distinção é um elemento essencial do modo
de se comportar da nobreza e dos seus ideólogos.
Naqueles mesmos anos, assumindo um posição centrista, Mounier denun
cia o revanchismo dos aristocratas que, "aos projetos quiméricos de igualdade
absoluta", contrapõem "a apologia das distinções humilhantes". 1 428 A partir,
porém, de posições democráticas, Heine condena a posição do aristocrata in
glês, que lança do alto "um olhar distinto e indiferente (gleichgültig vornehm)
sobre a turba (Menschengewühl) abaixo dele", este "monte de seres inferio
res "; sim, "a sua alegria e a sua dor nada têm em comum com os seus senti
mentos; acima da gentalha (Menschengesindel) colada à superficie terrestre,
a nobreza inglesa paira como um ser de natureza superior". 1 429
1428 Mounier, 1 80 1 , p. 5.
1429
Heine, 1 969-78, vol. II, p. 542.
O motivo da necessária defesa da . "disti nção" contra a crescente
massificação e equalização está presente também no âmbito da tradição libe
ral . Eis como Tocqueville rotula o ideal perseguido pelos iluministas mais radi
cais: "Não mais hierarquias na sociedade, não mais classes distintas, não mais
categorias estabelecidas; mas um povo composto de indivíduos quase seme
lhantes e intei ramente iguais".1 430 Infelizmente, esse modelo está muito longe
de pronto : está em curso, segtU1do John Stuart Mill, um "nivelamento gradual
das várias distinções sociais"; é um "processo de assimilação contínua", favo
recido pela ··extensão da instrução". Resultado: "o não-conformismo perde
qualquer sustentação social" ao passo que se impõe incontestado o "domínio da
massa". 1 431 E, como sabemos, também Treitschke faz uma celebração das
"classes distintas" (supra, cap. 4 § 5).
Obviamente, porém, bem mais enfática é a celebração da "distinção" nos
expoentes da reação aristocrática do final do Século XIX, empenhados não já em
abrandar ou conter o processo de democratização e "massificação", mas em
rechaçá-lo o máximo possível. E de novo vemos Nietzsche conferir radicalidade
extrema a uma tendência bem presente na cultura do seu tempo: agora se toma
insuperável o abismo que separa as classes altas da sociedade do resto da popu
lação. A dicotomia plebeu/nobre se configura também como a dicotomia profano/
iniciado, ou como a oposição entre "o exotérico e o esotérico", bem presente em
todas as culturas superiores; "em toda parte se acreditava numa hierarquia e não
mais na igualdade e nos direitos iguais" (JGB 30). Os dois extremos do sistema
hierárquico não só não podem ser reconhecidos num saber comum, mas na rea
lidade não podem nem sequer comunicar-se entre eles:
Os nossos conhecimentos mais elevados podem - e até deve ser assim! -
soar como loucuras e, em algumas circunstâncias, como delitos, quando
chegam indevidamente ao ouvido daqueles que não estão estruturados
(geartet) nem predestinados para isso [ . . . ]. O que serve de alimento e de
restauração a uma espécie (Art) superior de homens deve ser quase um
veneno para uma espécie (Art) humana bastante diferente e inferior. As vir
tudes do homem comum talvez significassem, num filósofo, vícios e fraque
zas; é possível que um homem de alta linhagem (hochgearteter) vindo a
degenerar (entartet) e sucumbir, chegue só desse modo a possuir as carac
terísticas do homem comum, em virtude das quais, no ignóbil mundo em que
sucumbiu, sente a necessidade de venerá-lo agora como santo (JGB, 30).
143º Tocqueville, 195 1 , vol. II, 1 , p. 213 (AR, livro III, cap. 3).
1431 Mill, 1 972, pp. 130-l (= Mill, 198 1 , pp. 1 04-5).
Para confinnar a continuidade do processo ideológico que parte da luta
contra a Revolução Francesa pode ser interessante notar que em Sieyes pode
mos ler uma crítica antecipada das posições assumidas quase um século depois
por Nietzsche. AArt, no centro do discurso do teórico do radicalismo aristocrá
tico, declinada no plural e conjugada numa série de substantivos e verbos com
postos, é a espece sobre cuja unidade Sieyes insiste no curso da sua dura
polêmica contra o a aristocracia nobre. Ele denuncia que "os p rivilegiados che
gam até a se considerar como outra espécie de homem", bem superior à "gente
de nada" (gens de rien) que é afinal a comunidade humana; eles - insiste o
representante do Terceiro Estado - não hesitam em autocelebrar-se como "uma
nação eleita (choisie) na nação". 1432 No entanto, veremos Nietzsche definir
como "os 'eleitos de Deus "' o círculo aristocrático por ele chamado a distin
guir-se (infra, cap. 28 § 6).
As características celebradas ou invocadas pelo teórico do "radicalismo
aristocrático" são outros tantos motivos de acusação na requisitória pronunciada
pelo revolucionário francês . Este acusa a aristocracia de sentir "um movimento
involuntário de repulsão", quando lhe acontece de entrar em contato com a gente
comum: "O falso sentimento de uma superioridade pessoal é tão caro aos privile
giados que eles gostariam de estendê-lo a todas as suas relações com o resto dos
cidadãos. Eles não são de modo algum feitos para serem confandidos, para
estar ao lado, para encontrar-se, para estar junto etc. etc.".1 433 O que Sieyes
evidencia criticamente com a sua escrita em itálico é o que Nietzsche recomenda
que os membros da "nova nobreza" evitem de modo absoluto.
Mas os pontos de contato entre os dois autores - ficando claros os juízos de
valor opostos - vão ainda além. Vimos o filósofo alemão celebrar o orgulho do
aristocrata, que proclama diante de si e dos outros : "Eu tenho origem" (supra, cap.
1 1 , § 3). É uma posição da qual o revolucionário francês zomba um século antes:
Nos velhos castelos, o privilegiado nutre maior respeito por si mesmo, pode
entreter-se mais demoradamente em êxtase diante do retrato dos seus ante
passados e inebriar-se mais, à vontade, pela honra de descender de homens
que viviam nos séculos XIII e XIV; na realidade ele não suspeita que tal
vantagem pode ser comum a todas as fanúlias. Na sua opinião, é uma carac
terística peculiar de certas raças. 1 434
que o privilegiado não pode ir ao passado gozar dos seus títulos, das suas
grandezas e deixar para uma nação estúpida o presente com toda a sua
ignobilidade?1435
Durante a sua requisitória e a sua batalha política contra o Antigo Regime,
Sieyes tem em mente também as boas maneiras da aristocracia:
O privilegiado francês não é cortês porque crê que deva ser cortês com os
outros, mas porque acredita que deva ser para si mesmo. Não é o direito do
outro que ele respeita, é a si mesmo, à sua própria dignidade. De modo
nenhum quer ser confundido, por causa de suas maneiras vulgares, com
aquilo que ele chama de má companhia. Poder-se-ia dizer que ele teme que o
objeto da sua cortesia o tome por um não-privilegiado seu semelhante. 1 436
E agora leiamos Nietzsche. O que caracteriza o aristocrata é "o prazer da
forma: ele protege tudo o que é formal, a convicção de que a cortesia seja uma
das grandes virtudes; a desconfiança para com toda espécie de abandono";
esse cuidado pelas formas "delimita, mantém longe, protege de ser trocado por
outros" (XI, 543-4); o aristocrata sabe "escolher para companheiro aquele ví
cio maroto e jovial que tem o nome de cortesia" (JGB, 284).
Em conclusão, o mundo denunciado pelo revolucionário francês volta um
século depois como sinal de distinção da nova nobreza, mas volta com o séquito
de exageros que a operação de rejuvenescimento artificial comporta. Mesmo
1 456 Burke, 1 826, vol. V, pp. 25 1 e 254-5 (= Burke, 1 963, pp. 3 1 5 e 3 17).
1457 Langbehn, 1 922, p. 1 93.
1 458 Pick, 1 994, pp. 1 03-4.
1 459 Trotski, 1 979, pp. 1 1 8-9.
1460 Langbehn, 1 922, pp. 33-5 e 59-6 1 .
1 461 Langbehn, 1 922, p. 1 4 1 .
exatamente porque remete à natureza, que nunca está parada, a arte está total
mente em contradição com o polemos . Tornando imediatamente visível a reali
dade de uma aristocracia natural e estando intimamente ligada à concordia
discors e ao polemos, a arte é para Langbehn sinônimo da soberania que o
homem superior, o grande artista, exerce sobre a matéria bruta constituída pela
massa e pela humanidade comum. Ser político no sentido melhor do termo "signi
fica ser criativo e ser artista':. Portanto, "a arte é uma tarefa ainda superior" com
respeito à política, que ela abrange em si: "Todas as forças espirituais superiores
gravitam em torno do conceito de arte, de modo que ela representa o destino
autêntico e cabal do homem" . 1462 Entendida nesse sentido amplo e combativo, a
arte é semelhante à "Beatriz" dantesca que, através do inferno da mediocridade
moderna, conduzirá o "alemão" para "alturas mais puras"; as esperanças de
regeneração podem ser postas de novo só numa "atividade artístico-política" (e
bélica) digna deste nome.1463
Além das massas populares, coragem do guerreiro e culto da beleza per
mitem distinguir dos parvenus, que consideram e gozam a riqueza como um
valor em si, a autêntica aristocracia. Ao contrário da "antiga riqueza" - obser
va Bagehot na Inglaterra - a "nova riqueza" ou a "plutocracia" tem ainda algo
de "rude" (coarse).1464 Somos levados a pensar nas "mãos vermelhas gordu
chas" de que fala Nietzsche a propósito dos "industriais" que, sem nenhuma
aura de superioridade, a custo se distinguem dos seus operários ou servos (su
pra, cap . 1 1 § 2). Acossados pelo frenesi da acumulação e do trabalho, esses
"escravos da riqueza" são a "plebe dourada e falsificada" que bem pouco se
distingue da massa dos famintos : "Plebe em cima, plebe embaixo ! " (Za, IV, O
mendigo voluntário). Desse modo "o fim próprio da riqueza é esquecido", de
modo que esses "'ricos ' são os mais pobres" (X, 292).
A "nova riqueza" é calorosamente convidada por Bagehot a andar de
comum acordo com a "antiga riqueza", a fim de evitar alimentar ulteriormente
o descontentamento e o protesto das massas populares .1465 Na medida em que
rejeita participar do bloco político-social aqui recomendado, a "plutocracia" se
torna sinônimo, também nos Estados Unidos, ao mesmo tempo de materialismo
crasso e de subversão.1466 E este é o ponto de vista também de Nietzsche, que
prevê a fusão social e eugênica das classes chamadas a fazer frente à maré da
vulgaridade e da degeneração modernas .
1 . Seleção e contrasseleção
710
assim "uma religião dos pobres, ou seja, das massas", com a qual não podem
deixar de chocar-se "as grandes personalidades". Porém, "num mundo de mi
séria, preferir o pobre enquanto tal ao rico, o simples de espírito ao sábio, o
doente ao homem com saúde, significa cometer um erro do qual um hindu
nunca teria se sentido culpado". 151 6
Tais temas críticos adquirem uma importância todo particular entre a se
gunda metade do Século XI� e início do Século XX, em ligação, por um lado,
com o aumento da ameaça da revolução socialista, e por outro lado, com o
desenvolvimento da expansão colonial. Esta inclui a abertura e extensão de um
espaço onde, para dizer com Kipling, "o melhor é como o pior" e "não existem
os Dez Mandamentos". Aqui - observa Arendt - a moral se torna sinônimo de
filisteísmo e "a boa sociedade [ . . . ] apaixona-se pelo mundo do crime"; nas
colônias, "o gentil-homem e o criminoso" entram em "contato com um mundo
irreal no qual os delitos podiam ser cometidos num jogo sem consequências":
"Não se assassinava um homem, matava-se um indígena, uma sombra". 1517
Em certos casos, em vez de discuti-lo abertamente, se prefere submeter o
cristianismo a uma reinterpretação mais ou menos radical. Depois de ter evi
denciado o papel negativo da "piedade" no processo de dissolução do Antigo
Regime e da capacidade de resistência da classe dominante, Tocqueville, com
o olhar voltado para a permanente agitação social, rotula a "filantropia" de
"anticristã". 1518 Completamente empenhada em reivindicar "melhoramentos
materiais" na condição dos presos, ela promoveria uma visão do mundo igno
rante dos valores espirituais e religiosos. 1519 A explicação adotada para justifi
car a oposição aqui instituída entre cristianismo e filantropia não convence.
Noutra ocasião, é o próprio Tocqueville que censurará os filântropos pela ingê
nua ilusão de querer ganhar para a "virtude" e o "sentido de honra" também o
criminoso mais calejado, também "o ser mais infame".1520 O materialismo não
é, pois, o único motivo da ação dos filântropos. É também a reticência ou o
cálculo político que explica o fato de Tocqueville travar a batalha contra eles
agitando a bandeira da religião dominante.
Spencer, por sua vez, reprova os cristãos do seu tempo por se deixarem
dominar por uma compaixão cega, aderindo à visão absurda, com base na qual
"não deveria haver nenhum sofrimento, e a sociedade é culpada pelo sofrimen-
1ll
to que realmente existe". Na realidade, no Novo Testamento podemos ler:
"Quem não quiser trabalhar, que também não coma". É sem apelo a condena
ção pronunciada a cargo dos "ociosos" e dos "bons para nada", os quais pre
tenderiam viver às custas da gente trabalhadora e honesta. Pensado no seu
significado autêntico, o cristianismo converge plenamente com "aquela lei univer
sal da natureza graças à qual a vida atingiu a sua presente altura, aquela lei
segundo a qual uma criatura não suficientemente enérgica para alimentar-se
deve morrer". 1521 Aqui o cáléulo político é uma verdadeira hipocrisia. O cristi
anis�o é reinterpretado em chave socialdarwinística: desse modo, "ciência" e
religião dominante estão de pleno acordo. Estamos bem longe da liberdade e da
coragem intelectual de Nietzsche que, ao denunciar os efeitos nefastos da com
paixão, tem em mente em primeiro lugar o cristianismo.
Com o olhar voltado para a expansão colonial e para a competição pela
hegemonia mundial, se no âmbito do Segundo Reich certos círculos teutômanos
reinterpretam a figura de Jesus em perspectiva ariano-germânica, na Grã
Bretanha, com uma operação especular, Kipling relê a religião dominante à luz
sobretudo dos temas antigotestamentistas do "Deus dos exércitos" e do "povo
eleito", que agora tende a ser o povo inglês.1522 O tema do "Deus dos exérci
tos" parece fascinar o próprio Nietzsche. Mas este não passou em vão pela
escola da filologia: não pode levar a sério nem a mitologia cristão-germânica,
nem a tentativa de fundir numa unidade o Novo e o Antigo testamentos, a
figura de Jesus e a dos conquistadores de Canaã!
712
Galton é particularmente duro em relação ao catolicismo. Abandonando o
terreno da "moral natural" e da natureza, acossando e dizimando os pensado
res e os homens mais livres e mais audazes mediante a Inquisição, impondo o
celibato aos elementos melhores e deixando o caminho livre para a procriação
e multiplicação dos piores, numa palavra, abandonando completamente o cam
po da "moral natural'', a Igreja pôs em ação uma terrível contrasseleção e
provocou uma catastrófica degeneração. 1525 Agora os nós são desfeitos . O
desenvolvimento da ciência toma claro a todos que é iminente uma luta mortal
pelo futuro da civilização:
Quando os nossos conhecimentos tiverem conseguido a desejável riqueza,
então, e só então, terá chegado o momento de declarar uma "Jihad" ou
guerra santa contra os costumes e os preconceitos que eruraquecem as
faculdades físicas e morais da nossa raça. 1s26
713
des os seguidores do movimento democrático e socialista. Os chamados "livres
pensadores" não conseguem renunciar àquela visão teológica e moral do mun
do, sobre a qual se baseia em última análise o seu programa político; também
eles são "escravos" das "doutrinas teológicas". Mais do que colocar de novo
radicalmente em discussão, talvez acabaremos abraçando de modo explícito o
cristianismo: "A sua psicologia é a dos homens que em certo tempo se prostra
vam nas igrejas e queimavrup os hereges [ . . .]. O futuro próximo mostrará a
nossos filhos esse curioso espetáculo, os teóricos da falsa democracia moderna
obrigados a encerrar-se na fortaleza do clericalismo". Sim, "a aliança dos ho
mens da igreja e dos da revolução será o fato de amanhã" . 1 527 Somos
reconduzidos à contraposição que Nietzsche institui entre os chamados "livres
pensadores" e os autênticos "espíritos livres", os únicos em condição de liqui
dar o dogmatismo cristão-socialista.
Para substituir o cristianismo não é mais convocado o ateísmo caro aos
livres pensadores socialistas ou socializantes, mas uma nova religião. Talvez -
observa Lombroso - uma contribuição nesse rumo pode provir do "anglossaxão'',
nesse momento à frente das raças conquistadoras, no qual "a fecundidade re
ligiosa não está apagada". 1528 Em todo caso - acha por sua vez Le Bon - é
apenas uma fase de transição aquela em que "os céus permanecem vazios". O
que marcará o começo de "uma civilização nova" será "o nascimento de novos
deuses'', que nada mais terão a ver com a divindade cristã e com os valores ou
desvalores morais que ela encama.1529 Mas é O Anticristo que confere a essa
expectativa a sua forma mais fascinante: "Quase dois milênios e nem um só
novo Deus ! " (AC, 1 9).
Em conclusão, na leitura de Nietzsche, mais do que apelar para a catego
ria de "inatualidade'', convém tentar uma abordagem diferente. Como no idea
lismo alemão se observa a tradução epistemológica e filosófica da Revolução
Francesa, assim em Schopenhauer e Nietzsche se percebe a tradução
epistemológica e filosófica da crítica da Revolução Francesa. Em ambos os
casos, essa tradução permite elevar-se acima da imediatez e inserir os proble
mas individuais e os diversos aspectos de cada problema no âmbito de um todo
estruturado e coerente, de uma visão abrangente do mundo e da história. Lida
mos exatamente com grandes filósofos.
Mas, sobretudo no que diz respeito a Nietzsche, a hermenêutica hoje do
minante transfigura em pura metáfora e em pura expressão artística a grandi-
Israel não alcançou, exatamente pelo atalho deste "redentor ", deste
aparente opositor e destruidor de Israel, a meta extrema
da sua sublime avidez de vingança?
GM, 1, 8
Paulo queria o fim, logo, queria também os meios. . . Naquilo que ele
mesmo não acreditava, os idiotas, entre os quais lançou a sua doutrina,
acreditaram. A sua necessidade era o poder; com Paulo, o sacerdote
quis mais uma vez chegar ao poder - ele tinha utilidade apenas para
conceitos, doutrinas e simbolos com os quais são tiranizadas as massas,
são formados os rebanhos.
AC, 42
24
F ILÓ S OFOS, HISTORIADORES E SOCIÓLOGOS : O CONFLITO
DAS INTERPRETAÇ ÕES
1551 Joseph Victor Widmann in Janz, 1981, vol. III, pp. 260- 1.
1552 ln Montinari, 1999, p. 167.
Como tal filosofia agirá no terreno político concreto ? Um livro aparecido
em 1 893 previne contra os "perigos" inerentes, já no título . Seu autor (Ludwig
Stein), depois de tê-lo comparado com Gumplowicz, lê e denuncia em Nietzsche
um "traço brutal, despótico": "o instinto selvagem da besta humana original
ainda não domesticada irrompe aqui com violência elementar"; ele "desejaria
aniquilar a vida livre do indivíduo a fim de que os poucos gênios, os 'super
homens ' possam abandonar-se sem freios às suas vontades ".1553 Nessa mes
ma ocasião, podemos ver em Nordau uma leitura análoga da figura do super
homem.1554 Nordau - não esquecer que se trata de um autor de origem judia
exprime também sua preocupação e seu desdém pelo fato de que em certas
páginas de Nietzsche ao "povo judeu" é atribuído um "plano" ou um complô
para a derrubada da moral e do domínio dos senhores (infra, cap. 27 § 3 e 5).
Mas agora convém concentrar-se sobretudo nas reações provenientes da
esquerda propriamente dita. Em 1 896, um discípulo de Feuerbach, com alguma
simpatia pela socialdemocracia, Julius Duboc, observa: dos escritos de Nietzsche
emana um "cheiro de incêndio e de queimado", um "ar carregado de miasmas
no qual está imersa a aristocracia canalha dos seus super-homens".1555 Ainda
mais significativa é a prevenção que segue: compreende-se bem que a conde
nação da "revolta dos escravos na moral" e o anúncio do advento ou do retomo
da "moral dos senhores" sejam acolhidos com agrado particularmente pelas
"classes superiores da sociedade"; mas elas realmente compreenderam todo o
alcance da filosofia à qual reservam o seu entusiasmo?1556
Elas têm consciência de que Nietzsche é "o inimigo da compaixão"?1 557
A definição é de Tõnnies. Este, em 1 897, desenvolve uma áspera polêmica
contra o "culto" de um filósofo que "recomenda a destruição onde há cuidado
e conservação'', que grita contra as consequências funestas do "acúmulo de
indivíduos doentes e mal sucedidos". Mas onde se quer chegar com esses
discursos? - pergunta Tõnnies . Talvez se exija que "aqueles indivíduos sejam
aniquilados", recorrendo a um comportamento agora fundamentalmente estra
nho até aos "mais selvagens"?1558 Uma coisa é certa: Nietzsche institui uma
barreira intransponível entre "super-homens", de um lado, e "bilotas'', do outro,
e em relação a estes últimos recomenda ou exige um suplemento de dureza.
Desse modo ecoa uma tendência perigosa que se difunde perigosamente:
1 553 Stein, 1 893, p. 63 nota e 43-4; sobre isto cf. Duboc, 1 896, p. 144.
1 554 Nordau, s.d. vol II, pp. 327-8.
.
727
de exprimir seu desprezo e seu ódio. Não faltam os historiadores que, a partir
da constatação da difusão da filosofia das luzes entre as fileiras da aristocracia,
negam ou minimizam o conflito que contrapõe esta classe ao Terceiro Estado.
De modo análogo procedem os intérpretes que removem o furibundo
antissocialismo de Nietzsche, a partir das simpatias adquiridas por certos temas
do seu pe�samento entre autores ou setores daquele movimento. Na realidade,
toda luta concreta pela hegemonia pressupõe, seja um mínimo de contiguidade
social no que diz respeito aos setores a conquistar (do contrário não haveria
sequer rivalidade e concorrência), seja, às vezes, ·um mínimo de contiguidade
ideológica entre os seus protagonistas, enquanto um e outro aspiram a ocupar o
espaço deixado vazio por uma ideologia declinante (no final do Século XIX, a
luta se desenvolve a partir de um afastamento do cristianismo e da moral tradi
cional). Se a um olhar superficial aparece como sinônimo de convivência e até
de afinidade, o mínimo de contiguidade social e ideológica se revela, a um olhar
mais atento, como a expressão do antagonismo.
Como se vê, não pode ser invocada manipulação orquestrada pela irmã
para explicar a leitura em perspectiva socialdarwinista de Nietzsche, como
aduzem numerosos intérpretes entre os séculos XIX e XX. Pode-se evitar o
embaraço definindo como "doentes da mente" aqueles "muitos intelectuais
europeus" que, "na passagem do século", veem em Nietzsche "uma espécie de
Messias" (reacionário} . 1 580 Mas é uma empresa vã e desesperada querer
mergulhar de novo num banho de inocência política o teórico do radicalismo
aristocrático, retomando um dos temas mais discutíveis e inquietantes do seu
pensamento, ou seja, a leitura em perspectiva psicopatológica do conflito social
ou, neste caso, do conflito das interpretações .
Não muito melhor do que aqueles muitos "doentes da mente", europeus e
na realidade também estadunidenses, se sai Lukács: a sua leitura, que produziu
um importante "efeito negativo [ . . . ] sobretudo no marxismo", de fato coincide
com a nazista, "com a única diferença" do juízo oposto de valor.1581 Esta acu-
737
é o teórico do "contra-aniquilamento", chamado a fazer frente ao aniquilamen
to das classes dominantes, ameaçadas pelo movimento revolucionário de inspi
ração marxista.1600 É uma tese - cuja legitimidade parcial veremos - que se
encontra já em Pareto. No início do Século XX, este observa que "não há um
reacionário, por audacioso que seja, que ouse falar mal do deus povo". Antes, o
medo vai ainda além:
A essa regra faz exceção apenas "um espírito bizarro como Nietzsche". um
E de novo somos reconduzidos à "reação aristocrática". E a ela remete também
a análise de outro notável sociólogo. Mesmo profundamente influenciado pelo
grande filósofo alemão, na esteira do qual exprime também todo o seu desprezo
pelo "rebanho" e pelos "mal sucedidos'', Weber convida, no entanto, a não exa
gerar com o motivo nietzscheano da "oposição aristocrática" da élite aos "de
mais".1602 Não há dúvida: enquanto é sempre mais florescente entre os filósofos,
a hermenêutica da inocência tem uma vida dificil entre historiadores e sociólogos .
O quadro não muda se das histórias gerais passarmos para as pesquisas
dos aspectos particulares . Tome-se como exemplo a história da ideia de "dege
neração": a este tema amplamente difundido na cultura e na imprensa europeia
do tempo, empenhadas em lutar contra o "mito" do progresso, Nietzsche, como
foi observado, imprime a "forma de uma provocação extrema". 1603 A outra
face do pesadelo da "degeneração" é o sonho eugênico. Vejamos agora a his
tória das "utopias da criação dos homens". Pois bem, também nesse caso tor
na-se inevitável o encontro com Nietzsche. Eis a conclusão à qual chega um
historiador deste importante capítulo do socialdawinismo:
741
mente aos filósofos profissionais (é claro que uma consideração análoga pode
ser feita em relação à história e aos historiadores profissionais ou à sociologia e
aos sociólogos profissionais). Por "puro" que possa ser, um filósofo que quiser
compreender Nietzsche não pode evitar interrogar-se sobre as razões de um
fato inquietante: "Os nacional-socialistas alemães eram apenas os seus admi
radores mais fanáticos . Nenhum fascista - de Mussolini a Oswald Mosley [o
líder fascista britânico] - escapou da sua influência".1613 Se também quises
sem continuar a ser desconfiados em relação aos historiadores, os filósofos
deveriam de qualquer modo tomar nota que o Heidegger de 1 93 6 saúda em
Mussolini e Hitler aqueles que "introduziram um contramovimento em relação
ao niilismo", depois de terem estado "ambos na escola de Nietzsche, ainda que
de modo essencialmente diferente". 1614 E deveriam também ter presente que,
ao tomar progressivamente distância do III Reich, Heidegger se sente obriga
do, ao mesmo tempo, a tomar distância de Nietzsche.
fins políticos não é um argumento contra ele, mesmo se fosse possível pro
var que uma imame práxis política é derivada de uma compreensão genuína
da sua filosofia. 1617
Não são indicadas motivações para tal proibição, mesmo tão imperiosa
mente enunciada. Talvez uma tentativa de racionalização possa ser identificada
na tese segundo a qual em O nascimento da tragédia, ou a partir dele, "ape
nas com o olho da arte o pensador consegue ver no coração do mundo". 1618
Não há duvida, a referência à arte é o argumento privilegiado de todos os que
estão empenhados em mergulhar Nietzsche num banho de inocência política.
Chegamos assim ao capítulo mais melancólico, ou talvez mais divertido,
da incompreensão ou do malogrado encontro entre filósofos, de um lado, e
historiadores, do outro. Aos olhos dos primeiros é absurdo atribuir um significa
do político a um autor que reservou atenção tão apaixonada à arte. O fato é que
- respondem os segundos - Nietzsche "exaltava simultaneamente o valor esté
tico da alta cultura aristocrática e a brutalidade da política de potência aristo
crática". 1619 Seja como for, o próprio culto da beleza não é sinônimo de inocên
cia. Para dar agora a palavra a um historiador que ainda não interveio no deba
te, não devemos perder de vista o fato de que a "estetização da política" de
sempenhou um papel bastante relevante na reação aristocrática e no entusias
mo com que, pelo menos inicialmente, é recebida a tempestade de fogo e de
sangue da primeira guerra mundial: "Muitos membros do movimento juvenil
desprezo de Chamberlain, ele sim "ideólogo quase oficial do III Reich", pela
"enormidade" das afirmações e pelas "frases grandiloquentes de livre pensador"
de Renan, este "grande amigo dos judeus"; 1 642 também quando trata das nações
europeias e da ideia de nação em geral, ele revelaria a sua "incapacidade" de
compreender o peso e o real significado da raça na história. 1643 Portanto, não
tem sentido ler o escritor francês como o verdadeiro profeta, em contraposição a
Nietzsche, de Hitler, que os intérpretes nazistas mais desconfiados e hostis em
relação ao filósofo, para demonstrar a sua substancial estranheza ao III Reich,
não acham nada melhor que aproximá-lo exatamente de Renan! 1 644 Certamente,
não faltam, neste último, aspectos preocupantes: pense-se na teorização do direi
to das "grandes raças civis" ou das "grandes raças nobres" (que falam "uma
língua semítica ou indoeuropeia" e das quais, ainda que em posição subordinada,
os j udeus fazem parte) ao subjugamento ou ao extermínio das "raças
semisselvagens";1645 mas este tema nos reconduz imediatamente a Nietzsche.
O caráter arbitrariamente discriminatório e seletivo da costumeira
hermenêutica da inocência se torna particularmente evidente na comparação
do tratamento por ela reservado a Nietzsche e a Wagner. Em vez de ser con
testado no seu conjunto, o esquema continuísta é desdenhosamente rejeitado
para o primeiro, mas feito prevalecer, com tanto mais força e de modo tanto
mais mecânico, para o segundo. É assim que procede, por exemplo, Montinari.
Enquanto não se cansa de denunciar os "equívocos" e a "impostura" de que é
vítima o filósofo, parece tomar própria sem dificuldade a tese, a seu tempo
enunciada por um ideólogo nazista, segundo a qual "o verdadeiro profeta" do
III Reich teria sido exatamente o musicista. 1 646 Ainda além se lança outro
autorizado expoente da hermenêutica da inocência, que define Wagner como
751
Século XIX, enquanto aumentam as paixões chauvinistas que depois levariam
à primeira guerra mundial.1 659 Por outro lado, não há dúvida de que o seu livro
sobre a desigualdade natural e insuperável da raças está tão atravessado por
um tom de resignação melancólica pelo desenvolvimento inexorável do proces
so de abastardamento das raças e, portanto, de esgotamento da civilização, que
teria podido tranquilamente levar o título Ocaso da raça branca ou, mais
exatamente, Ocaso da raça lYranca superior. O que há de mais distante do
tom combativo e da certeza ou da confiança na vitória que caracterizam o
nazismo? A esse primeiro elemento de diferenciação, já evidenciado por Lukács,
se pode acrescentar pelo menos outro: desgostoso com a maré subversiva que
no Ocidente arrasta toda tradição e toda hierarquia, Gobineau está pouco pro
penso a avalizar o seu peso ou a sua missão expansionista. Enfim, é preciso não
esquecer que, como logo veremos, o Ensaio sobre a desigualdade das raças
humanas celebra em primeiro lugar a Inglaterra.
Mesmo, porém, tomando claramente distância da sua "visão pessimista",
ou melhor, da sua "representação alucinada" da inevitável deterioração da pu
reza da raça e da civilização, Chamberlain se refere a Gobineau com ardor ao
celebrar a "obra genial sobre a desigualdade das raças", "surpreendentemente
rica de instituições, mais tarde confirmadas, e de saber histórico"!1660 E, ao
menos no que diz respeito ao escritor angloalemão, não deveria haver dúvidas
sobre o papel importante que ele desempenha como maftre à penser do nazis
mo; em termos particularmente exaltados se exprime Goebbels que, ao vê-lo
no leito e doente, eleva uma espécie de oração : "Saúde a ti, pai do nosso espí
rito. Precursor, pioneiro ! "1661 Em termos não menos inspirados, Chamberlain
vê em Hitler uma espécie de salvador, e não só da Alemanha.1662 Ainda depois
da conquista do poder e enquanto está febrilmente empenhado na guerra por
ele desencadeada, o Führer recorda com gratidão o encorajamento de
Chamberlain a ele durante o período de prisão. 1 663
Portanto, pelo menos neste caso, não deveria haver dúvida. Tentemos,
porém, fazer intervir ainda uma vez a hermenêutica da inocência. É, de fato,
enfática a celebração dos germanos; mas fazem parte deles, com todo direito,
os anglossaxões que, como conquistadores, se expandiram por todos os cantos
do mundo. Em última análise, germano é sinônimo de homo europaeus. Como
Nesse sentido, a filosofia alemã pode também ser interpretada como "um
fragmento da Contrarreforma, e até do Renascimento, ou pelo menos da von
tade de renascimento, vontade de progredir na descoberta da antiguidade, no
desenterramento da antiga filosofia, sobretudo da pré-socrática, do templo gre
go mais profundamente sepultado". Então, a amarga denúncia se transforma
no seu contrário, numa exaltada esperança; ou, melhor, os dois aspectos convi
vem e se entrelaçam, ficando claro que agora, se a denúncia é conjugada com
o presente, a expectativa confiante olha para o futuro. Mas este futuro é tanto
mais persuasivo porque está enraizado numa realidade sólida: "Aqui reside (e
sempre residiu) a minha esperança pela essência alemã! " (XI, 678-9).
Já de algum modo presentes em Goethe e em Hegel, a visão dionisíaca da
vida e a cosmodiceia adquirem plena consciência em Nietzsche, o qual, portanto,
pode e deve ser considerado - esta é a autorreflexão do filósofo - como o auge
das tendências helênicas de fundo que atravessam a história da cultura alemã.
Este auge é o resultado, por um lado, de um movimento positivo de cumprimento
da "grandiosa iniciativa" e da "grandiosa tentativa" de Hegel e Goethe, por outro
lado, de um movimento negativo, que consiste na relação decididamente polêmi
ca e conflitual, mas exatamente por isso extraordinariamente fecunda e instruti
va, com as manifestações ruinosas da modernidade em terra alemã:
Não seria possível sem uma raça de natureza contrária, sem alemães, estes
alemães, sem Bismarck, sem o ano de 1848, sem as "guerras pela liberdade",
sem Kant, até sem Lutero . . . Os grandes delitos dos alemães no campo da
civilização se justificam numa economia superior da civilização . . . Não quero
nada diferente, nem para trás - não me é lícito querer nada diferente... Amor
fati . Até o cristianismo se toma necessário: exatamente a forma suprema,
. .
mais perigosa, mais sedutora do não à vida provoca a sua suprema afirma
ção: em mim (XIII, 641).
A partir deste resultado, e do duplo movimento, positivo e negativo, que
conduz a ele, é possível colher o papel decisivo e único da Alemanha na recu
peração da visão trágica, e autenticamente grega, da vida: "Justifico os ale
mães, sozinhos"; para certos aspectos radicais é o "contrário", mas "exata
mente esta é a condição" para cfue a difusão do niilismo cristão em terra alemã
se transforme no seu oposto (XIII, 64 1 ) . Olhando bem, até as manifestações
ruinosas da modernidade em terra alemã se revelam uma felix culpa. E, de
novo, a Alemanha volta a assumir, ainda que através de um processo bem mais
complexo e contraditório do que o imaginado por O nascimento da tragédia, a
herança mais alta da Hélade, volta a colocar-se numa posição de absoluta
eminência com respeito aos outros países .
Faz tão pouco sentido opor ao Wagner apóstolo da teutomania um Nietzsche
campeão do "antigermanismo" que o filósofo, para selar a sua requisitória con
tra o musicista, o excomunga repetidamente, e com formulações diversas e às
vezes contrastantes entre si, da comunidade germânica. Em primeiro lugar, o
musicista "acreditou, durante metade da sua vida, na revolução, como apenas
alguns franceses acreditaram" (WA, 4). Não se trata de um acontecimento já
passado: "A sensibilidade de Wagner não é característica da Alemanha" (XIII,
407). Ele "entra no movimento francês" (XI, 63), é parte integrante da "Paris
doente" (B, III, 5, p. 5 1 8); "os seus heróis, os seus Rienzi, Tannhãuser, Lohengrin,
Tristão, Parsifal - essa gente tem sangue nas veias, sem dúvida - mas certa
mente não sangue alemão ! " (XIII, 407).
De resto, basta folhear o álbum de família do musicista. Os "românticos
franceses" voltam para os seus "parentes próximos" (XIII, 407) observa -
Nietzsche com uma transparente alusão a Cosima. A mãe desta última, Marie
d' Agoult, tentara em Paris ser escritora, tendo talvez como modelo George
Sand, e tinha em parte transmitido suas ambições literárias à filha, que também
viveu durante muito tempo na França. 1688 As coisas eram piores ainda no que
diz respeito à ascendência paterna de Wagner que, aos olhos de Nietzsche,
remonta ao judaísmo (supra, 5 § 2). E não se trata de um dado biográfico sem
importância no plano cultural. Basta pensar na "emulação com relação a
Meyerbeer" e numa emulação perseguida "recorrendo diretamente a meios
meyerbeerianos". O musicista judeu que Wagner visava na realidade constitui
o seu modelo: "o que há de alemão em tudo isso?" (XIII, 408).
771
brutais e ferozes ! Como Deus pode permitir que as mães façam gente semelhan
te! Ah! São eles os verdadeiros inimigos, não os russos ou os austríacos". 1 7 1 º
Essa visão parece encontrar confirmação em 1 8 71 : diante do horror e do terror
suscitados pela Comuna de Paris, as classes dominantes dos dois países até aquele
momento em guerra parecem esquecer as suas oposições para se dedicar a
apagar, com esforços conjuntos, o incêndio da revolução que, além da França,
ameaça a Europa inteira. No dia 30 de abril de 1871, Gustave Flaubert escreve a
George Sand: "'Ah, graças a Deus que há os prussianos ! ' é o grito universal dos
burgueses". 171 1 Embora crítico das duras condições de paz impostas pelos ven
cedores, Renan reconhece à Prússia e ao seu aguerrido exército uma função de
ordem pública a nível europeu (supra, cap.1 1 , § 5). Na análise do "Figaro" de 3
de janeiro sempre de 1 87 1 , a luta pela hegemonia parece ter desaparecido para
deixar espaço para outra bem mais importante: "Forças do bem contra forças do
mal. Ordem contra anarquia [ . . . ] . Uma cruzada da civilização contra a
barbárie". 1712 Em ocasiões de crise particularmente agudas, à renovada e ainda
mais explícita racialização das classes subalternas corresponde a teorização de
uma espécie de guerra civil internacional, que transcende as fronteiras estatais e
vê as élites "civis" europeias enfrentarem conjuntamente o perigo representado
pelos "bárbaros", quer sejam internos ou externos ao Ocidente. É preciso colocar
Nietzsche nesse contexto, pois também ele está convencido, como sabemos, já
desde o momento da publicação do O nascimento da tragédia, que, "além da
luta entre as nações", para encher de terror e "anunciar muitas outras lutas futu
ras" ergueu-se a "cabeça da hidra internacional".
773
denação firme do antissemitismo anticapitalista na Alemanha, que comete o
erro de dividir a classe dos senhores, desencadeando contra ela a agitação da
plebe alemã e, sobretudo, de substituir a contradição alemães/judeus pela de
senhores/servos.
Quer dizer, os antissemitas já não recorrem a uma racialização transver
sal, mas a uma racialização horizontal, que contrapõe os alemães no seu con
junto em primeiro lugar aos judeus. O contraste é tão nítido que, do ponto de
vista de Nietzsche, quem deve ser racializado como chandala são exatamente
os antissemitas, parte integrante da plebe socialista e anarquista, da massa dos
mal sucedidos que é preciso conter com medidas eugênicas e de polícia, ou
com métodos ainda mais radicais. O antissemitismo se toma absurdo e repe
lente também pelo fato de que ele, nas suas inventivas contra as finanças e
contra as posições de prestígio profissional e de poder, não faz mais que expri
mir o ressentiment dos fracassados da vida contra os exitosos, contra a aristo
cracia ou o que resta dela.
A polêmica de Nietzsche contra o racismo antissemita e as suas "contínu
as e absurdas falsificações e distorções de conceitos tão vagos como 'germânico',
'semita', 'ariano', 'cristão', 'alemão"' é violenta e implacável (B, III, 5, p. 5 1 ).
Se o racismo reside exclusivamente, como às vezes se é levado a crer, na
naturalização das nacionalidades e das diferenças nacionais, é dificil encontrar
um ator mais distante do racismo do que Nietzsche, pelo menos até quando o
seu olhar se volta para a Europa. Isto vale também para Boulainvilliers. Um e
outro, bem longe de querer naturalizar a categoria de nação, rejeitam-na de
modo radical por causa de suas implicações igualitárias, pelo fato de pressupor
uma comunidade de cidadãos que, pelo menos idealmente, transcende a distin
ção entre nobres e plebeus, entre os poucos e os muitos.
Só assim podemos entender a carta de Nietzsche que acabamos de citar.
A categoria de "cristão" entra nas "absurdas falsificações e distorções" de
nunciadas por ele à medida que visam opor um país aos outros, uma presumida
"nação" a outras presumidas "nações", em particular a piedosa Alemanha de
Lutero à imoral França das luzes e da civilização urbana. Quanto ao resto, a
categoria de "cristão" é amplamente utilizada pelo filósofo, que não a usa para
rotular os movimentos plebeus e os valores ou desvalores plebeus e próprios
dos chandala, em contraposição com os "valores arianos". Nietzsche está
recorrendo a uma categoria duramente criticada na carta que se acabou de
citar. Mas não se trata de uma contradição: é enganoso e absurdo querer cele
brar no seu conjunto a "nação" alemã ariana, expulsando ou excomungando
dela os judeus culpados de serem semitas; mas pode ser iluminador dividir tanto
a comunidade alemã como a judaica em arianos e chandala. E se é louco e
infame ter em mente e considerar estranhos à Alemanha, só porque são judeus,
os capitalistas e financistas que fazem, de qualquer modo, parte da raça dos
senhores, é lícito e até necessário distinguir claramente, com respeito ao
helenismo autêntico, aqueles plebeus e aqueles "judeus", e protocristãos que
são Sócrates e Platão.
1 72 1 Lantemari, 1960, p. 40-7; Appiah, 1992, pp. 19 epassim ; Fredrickson, 1 995, pp. 63 e
passim.
1 722 Toynbee, 1954, pp. 47-8.
positivista (com a oposição, desta vez, dos sãos aos doentes e degenerados de
todo tipo), ou à mitologia velhotestamentista. Sim, às vezes faz ironia sobre o
"povo eleito entre os povos" (JGB, 1 95 ) e observa que essa orgulhosa
autoconsciência não caracteriza de modo exclusivo os judeus: ''todo povo se
considera, no seu auge, eleito" (XIII, 524) . Mas o aspecto mais importante é
outro. Nietzsche não hesita em retomar o tema velhotestamentista para aplicá
lo, em perspectiva secularizada, ao conflito entre aristocracia e ralé: "Nós so
mos, além disso, os 'eleitos de Deus"' (die Auserwãhlten Gottes) (FW, 379),
"os supremos eleitos" (die Auserwãhltesten) (EH, O nascimento da tragé
dia, 4). Zaratustra se exprime nestes termos bastante eloquentes: "Vós, os
solitários de hoje, os segregados, sereis, algum dia um povo; de vós, que vos
elegestes a vós mesmos, deverá nascer um povo eleito; e, dele - o super
homem" (Za, 1, Da virtude dadivosa, 2).
N ietzsche não teria dificuldade em inserir também os herois
velhotestamentistas da façanha de Canaã entre as "raças aristocráticas", em
cujo fundo é preciso "saber distinguir o animal feroz, a magnífica besta loura
que anda em volta ávida de presa e de vitória" (GM, 1, 1 1 ).
26
A CIVILIZAÇ ÃO EM BUSCA DOS SEUS ESCRAVOS
V
imos Mayer colocar Nietzsche no âmbito da "reação aristocrática" do
final do Século XIX. É uma interpretação que apresentei para confirmar a
inutilidade da hermenêutica da inocência, mas que agora espera e�pecificações
e também substanciais correções . Ao lado, em concorrência e às vezes em
oposição à "reação aristocrática", se desenvolve nesse mesmo período outra
tendência antidemocrática que apela para um populismo autoritário e regressi
vo. Pensemos na figura de Boulanger, na França, e em outras tentativas análo
gas da reação para conquistar uma base popular de massa e que procuram
alcançar este objetivo apelando para o chauvinismo (também intraeuropeu) e/
ou ao antissemitismo . Essas duas correntes antidemocráticas do final do Sécu
lo XIX têm muitos pontos em comum (a visão socialdarwinista, o apreço pela
eugenia, o entusiasmo pela expansão colonial, a condenação da intelectualidade
subversiva como agente patogênico). Por outro lado, é claro o contraste entre
a tendência radical-aristocrática e a populista-reacionária. Enquanto a primeira
continua a erguer, dentro de cada país isolado, uma barreira intransponível en
tre élite e "categoria bárbara de escravos", a segunda procura integrar de
modo subalterno as classes populares numa comunidade nacional orgânica,
definida em contraposição com os bárbaros colocados sobretudo no exterior.
Fritsch declara de modo explícito que o antissemitismo é "uma alavanca exce
lente para o despertar e o reforço da consciência nacional", para uma "melhor
estima da essência alemã", para o "reforço do sentimento de pertença co
mum", mais em geral para a "educação política do nosso povo" ( Volk) (ASC,
n. 6, p. 1 2). Ainda que exprimindo aspirações às vezes bastante heterogêneas,
"Antisemitische Correspondenz", dando a palavra aos antissemitas e
chauvinistas consequentes, declara de qualquer modo que quer desenvolver
uma "agitação de massa" e estar pronta para aprender com a própria
socialdemocracia alemã, de modo a poder combater no seu próprio campo esta
"organização da liga internacional dos judeus" (ASC, n. 20, p. 1 e n. 8, p . 2).
Depois de ter tlertado, no tempo de O nascimento da tragédia, com o populismo
reacionário e com a retórica da "essência alemã" e da autenticidade
volksthümlich (note-se a semelhança de linguagem com Fritsch), o Nietzsche
maduro é o grande teórico da reação aristocrática ou do "radicalismo aristocrá-
tico", enquanto é totalmente estranho à segunda tendência, com a qual mantém
antes uma relação de implacável hostilidade.
Nietzsche, no entanto, pode rejeitar desdenhosamente, no tocante à Euro
pa, a racialização horizontal, pois divide preventivamente a nação em duas ra
ças diferentes e opostas, e rigidamente hierarquizadas. Não há dúvida: são
estranhos ao horizonte do filósofo tanto o embate mortal ente as classes domi
nantes na Europa ocidental como;com maior razão, a sagrada união patriótica
dentro de cada país, com a consequente eliminação da distinção que é a única
que realmente conta, a distinção entre senhores e servos, bem sucedidos e mal
sucedidos, arianos e chandala. É semelhante, porém, a posição, na Europa do
final do Século XIX, dos círculos mais aristocráticos, ligados entre si também
por vínculos de parentesco, que se consideram membros de uma família e de
uma "raça" em cuj as veias corre o mesmo sangue e que aprofunda as suas
raízes num passado bastante remoto.
A vida de Nietzsche e o século em que ela se coloca se concluem com a
expedição conjunta das grandes potências para reprimir a revolta dos Boxers
na China. Embora constelada de massacres contra os "bárbaros", a expedição
é celebrada por seus ideólogos e por uma ampla opinião pública no Ocidente -
é Lênin quem nota e denuncia o fato - como a realização do "sonho de políti
cos idealistas, os Estados Unidos do mundo civilizado".1723 As classes do
minantes da época se enganavam, e com elas Nietzsche. A Santa Aliança con
tra os bárbaros externos e internos rapidamente se revelaria uma ilusão. A
intensificação do conflito social não eliminaria a luta pela hegemonia. Antes,
esta teria encontrado ulterior alimento a partir da ilusão das classes dominantes
de cada país de poder atenuar ou recompor o conflito social unindo-se à rivali
dade imperialista e aproveitando-se dela para criar um clima de sagrada união
patriótica. Mas o pleno desenvolvimento desses processos políticos, sociais e
ideológicos remete a um tempo histórico que não é o de Nietzsche.
O problema, tantas vezes levantado em sentido afirmativo ou negativo da
relação individual do filósofo com o III Reich, a esta altura pode ser reformulado
de modo radical: uma vez verificada a longa consonância do filósofo com a
reação aristocrática do final do Século XIX, é necessário empenhar-se na aná
lise histórica dos processos sociais, políticos e ideológicos que, através de mu
danças e catástrofes imprevistas e imprevisíveis, deste movimento de reação
conduzem ao nazismo. Ao analisar os acontecimentos não devemos perder de
vista que o que separa o ponto de partida e o ponto de chegada são duas
rupturas epocais (a primeira guerra mundial e a revolução de Outubro), que
Durante a II Guerra Mundial não faltam ideólogos do III Reich que convi
dam as populações dos países ocupados a superar a mesquinhez e os
provincianismos dos conflitos nacionais para se colocar do ponto de vista da
"Europa unida"; e ao fazer isto apelam para Nietzsche. Há de se acrescentar
que o Nietzsche aqui longa e calorosamente citado é o filósofo que, em virtude
também da sua celebração de Napoleão, deve ser inserido entre as "maiores
testemunhas espirituais" da ideia pan-europeia. 1 7 35 Por outro lado, é Hitler em
pessoa que, arvorando-se a novo Napoleão, imediatamente depois do triunfo da
campanha na França, se preocupa em prestar homenagem ao túmulo do
unificador da Europa e daquele "gênio militar único no mundo" .1 736
Tais circunstâncias explicam o sucesso obtido pelo nazismo também fora
das fronteiras da Alemanha, e em autores que apoiam o III Reich pensando
com isto ser fiéis ao programa europeu, mais uma vez, de Nietzsche . É o caso,
por exemplo, de Drieu La Rochelle. Como foi observado, "o seu internacionalismo
é misturado de nietzscheanismo e de uma crítica violenta à civilização moder
na". Em primeira pessoa ou através dos personagens da sua narrativa, o escri
tor francês exprime ideias que traem claramente a presença de Nietzsche: é
preciso dar-se conta da "necessidade de uma federação europeia, único modo
para evitar a ruína europeia através da guerra". Sobretudo, "o nacionalismo é o
aspecto mais ignóbil do espírito moderno". Um romance de Drieu La Rochelle
parece trair já no título (Le jeune Européen) a presença do filósofo alemão
empenhado em celebrar a figura do "bom europeu". 1 737 Considerações análo
gas podem ser feitas a propósito de Brasillalch e Hamsun, que aderem ao
colaboracionismo em última análise em nome da Europa . 1 738
No entanto, embora caia numa grave crise após o advento da guerra total, a
racialização transversal não desaparece totalmente. Ao estourar o primeiro conflito
mundial, Peter Gast se torna um cantor da "espada alemã". Mas o eco das teses
do Mestre continua a ser ouvido. Mesmo no seu fervor patriótico, o discí
pulo fiel de Nietzsche sacode a cabeça "diante do absurdo da guerra, diante da
equiparação dos eleitos com os demais na frente dos fuzis e dos canhões".
Apesar de considerar "esplêndida" a guerra em andamento, ele se entristece
pelo fato que ela inclui o "aniquilamento de muitos homens de cultura e de arte"
em ambas as fileiras .1766 Peter Gast teria claramente preferido o ajuste de
contas da élite pan-europeia com os chandala de todos os países.
A racialização transversal não desaparece totalmente nem sequer do hori
zonte ideológico do fascismo e do nazismo, não obstante a exigência de apelar
para o povo em massa e para a mobilização total a fim de fazer frente a um
inimigo dotado de forças esmagadoras. Entre as duas guerras, Ludendorff con
dena a Revolução Francesa como "um massacre de proporções inauditas em
prejuízo do estrato louro superior da França". 1 767 Se na sua marcha expansionista
S podem fazer parte, seja qual for sua colocação social e sua orientação
egundo a ideologia nazista, os judeus não fazem parte do povo alemão, não
para ele tinham utilidade apenas aqueles conceitos, aquelas doutrinas e aqueles
símbolos com que são tiranizadas as massas, são formados os rebanhos (AC, 42)
8 10
Eis que Jesus, este "idiota" sem qualquer capacidade política que prega "a
superioridade sobre qualquer sentimento de ressentiment", é transformado num
"rebelde contra a ordem" e dominado por um projeto político cheio de
ressentiment e vontade de potência animada só por ressentiment (AC, 40).
"Em Paulo se encarna o tipo oposto à 'boa nova', o gênio no ódio, na visão do
ódio, na implacável lógica do ódio"; em Paulo, "este falsário" (AC, 42).
É claro o deslocamento ..com respeito ao quadro apresentado pelo frag
mento do início de 1 88 8, citado na abertura do parágrafo anterior. Aqui o cris
tianismo é uma revolução, é a sublevação do chandala cristão contra o sacer
dote, contra aquele pouco que resta de classe dominante num mundo, o judeu,
já bastante plebeizado. No Anticristo, porém, a manipulação e o complô subs
tituem a revolução: o chandala não é mais o inimigo do sacerdote, mas o seu
instrumento inconsciente . No entanto, nesse contexto, um e outro, ainda que
desempenhando papéis bastante diferentes, são membros da mesma comuni
dade, a judaica.
Em outros trechos, porém, à passagem da categoria de revolução para a
categoria de complô se acrescenta e se entrelaça uma passagem ou o perigo
de uma passagem ainda mais grave. Depois de ter sublinhado o caráter intrin
secamente judeu do cristianismo, Genealogia da moral continua assim:
Não teria Israel alcançado, por via deste "redentor", deste aparente antago
nista e desintegrador de Israel, a meta extrema da sua sublime ânsia de vin
gança? Não entraria a fazer parte da magia negra oculta de uma política
verdadeiramente grande de vingança, de uma vingança longividente, sub
terrânea, que ganha lentamente terreno e é previdente nos seus cálculos, o
fato de que o próprio Israel tivesse de negar e crucificar diante de todo o
mundo, como uma espécie de inimigo mortal, o verdadeiro instrumento da
sua vingança, a fim de que "todo o mundo", ou seja, todos os inimigos de
Israel, pudessem sem hesitação abocanhar essa isca? [ ... ] Pelo menos é certo
que sub hoc signo Israel fez sempre triunfar, até hoje, sobre todos os outros
ideais, sobre todos os ideais mais nobres, a sua vingança e a sua
transvaloração de todos os valores (GM, 1, 8).
Com o cristianismo surge uma religião que, não obstante sua novidade e
sua aparente hostilidade aos sacerdotes judeus, é por estes conscientemente
utilizada para fins inconfessáveis. Aqui protagonista e vítima do complô reme
tem a duas comunidades diferentes. Não é mais Paulo que manipula Jesus, o
judeu sacerdote que manipula o judeu idiota ou chandala. É Israel como tal que
consuma a sua vingança contra os gentios ou contra "todo o mundo". Como
representar esse povo com características tão peculiares? É um problema que
atormenta Nietzsche. Sim, a partir de cada caso de derrota e de exílio, ele é um
povo-chandala. Esta definição também não é totalmente satisfatória. Temos a
ver com chandala ou fracassados de um tipo particular, com os "revoltosos
entre os fracassados" (XIII, 438). Ou antes, para sermos mais precisos, estamos
diante de inspiradores da revolta, dos ideólogos-sacerdotes da subversão. Nou
tra ocasião, os judeus são definidos "como uma raça de chandala, que aprende
com seus senhores os princípios mediante os quais os padres se tornam senho
res e organizam um povo" (B, III, 5, p. 325). Seja através de oscilações, tenta
tivas e reconsiderações, a figura do sacerdote tende a assumir um papel sem
pre mais central na definição do judaísmo. Desde que, por razões históricas
bem determinadas, o sacerdote conseguiu uma eminência desconhecida alhu
res, Israel tende a tornar-se o "povo sacerdotal" como tal. Como é confirmado
por este outro trecho de Genealogia da moral:
Nada do que foi feito na terra contra "os nobres", "os poderosos", "os senho
res", "os donos do poder" merece uma palavra em comparação com o que os
judeus fizeram contra eles; os judeus, aquele povo sacerdotal que soube des
forrar-se dos seus inimigos e dominadores unicamente através de uma
transvaloração radical dos seus valores, ou seja, por um ato marcado pela
vingança mais radical. Isto convinha apenas a um povo totalmente sacerdotal,
a um povo com a máxima avidez de vingança sacerdotal (GM, 1, 7).
Nordau não está errado em sentir cheiro de queimado . Não há dúvida que
a visão denunciada por ele em Nietzsche acabou sendo herdada e absolutizada
pelo nazismo. Certamente, com ajustamentos e vulgarizações grotescas: o Je
sus "idiota" manipulado por Paulo no âmbito de uma mesma comunidade se
tomou o Jesus ariano ou, pelo menos, semiariano, manipulado por um persona
gem do qual, mais do que as características sacerdotais, é evidenciado o san
gue judeu. No entanto, o crime que Hitler reprova em Paulo dá o que pensar.
Ele utiliza a pregação de Jesus, como veremos no parágrafo seguinte, para
1819
Nordau, s.d. vol. II, pp. 3 14 e 320.
182º Hitler,1980, p. 412 (29-30 de novembro de 1 944).
organizar uma infame revolta servil contra os melhores, contra aqueles que
legitimamente exercem o domínio. Portanto, "a religião fabricada por Paulo de
Tarso, que desde então foi chamada de cristianismo, é identificada com o co
munismo". Ao ouvir isto, Bormann, o secretário, acrescenta, com consenti
mento do Führer: "Por toda parte, os judeus sublevaram a plebe contra a classe
dirigente. Por toda parte suscitaram o descontentamento contra o poder cons
tituído. Porque espalhando exatamente essa semente eles preparam a futura
colheita" . 1820
São evidentes não só as assonâncias, mas também as consonâncias com
o discurso do último Nietzsche. Constatar isto significa dar de novo crédito à
abordagem, já rejeitada por mim, que se interroga a respeito da relação imedi
ata entre o filósofo e o III Reich, instituindo uma férrea linha de continuidade de
um ao outro? Não se trata disto. E não só pelo fato de que Nietzsche não se
refere ao sangue e, como vimos, desde a figura funesta do sacerdote traça uma
história que, apesar de tudo, transcende o âmbito do judaísmo. Há uma razão
mais profunda: os acontecimentos aqui descritos, e que agora se trata de ana
lisar mais, não são todos internos à Alemanha.
Convém partir de uma observação de Engels em 1 85 1 : "Muito tempo se
passou desde aquela superstição que reconduzia a revolução à malvadeza de
um punhado de agitadores". 1821 Ao formular esta tese, Engels se engana ou se
ilude. A visão por ele considerada morta e sepultada continua na realidade a
gozar de uma vitalidade notável e até potenciada. Nesses anos se difunde sem
pre mais a explicação, ou antes o diagnóstico, da revolução em perspectiva
psicopatológica, com a consequente imputação do intelectual abstrato, visioná
rio e neurótico como real protagonista das perturbações que se alastram no
Ocidente . É ele, segundo Burke, o veículo da desgraçada "intoxicação"
(intoxication) ideológica que se alastra do outro lado do Mancha. 1822 Na França,
uma revolução sucede a outra. Tocqueville identifica o veículo da "doença re
volucionária'', da "doença permanente" do "vírus de uma espécie nova e des
conhecida" que não cessa de se alastrar, exatamente num punhado de agitado
res: "estamos sempre na presença dos mesmos homens, embora as circunstân
cias sejam diferentes", de uma espécie de "raça nova" (race nouvelle). 1 823
O termo usado aqui é significativo. Nesse mesmo tempo, Schopenhauer
formula a tese segundo a qual o "caráter inato" não só tem uma "originalidade
e imutabilidade" sua, mas é também hereditário, ao ponto de que seria fácil
A essa altura pode ser útil perguntar de modo mais geral sobre o papel
nietscheano no nazismo. Poder-se-ia procurar aforismos ou pedaços de aforismos
citados à guisa de provérbios, por exemplo por Hitler que, em novembro de
1 942, num momento em que está convencido de ter ocupado Stalingrado ape
sar das dificuldades iniciais, ao se referir ao "dito" de um "grande filósofo",
parafraseia Nietzsche: "O que não nos mata nos torna mais fortes" (XII,
506). 1829 De modo análogo, como justificação do fato de que a brutalidade não
deve deixar-se atrapalhar pelas "frases grandiloquentes da civilização", agora
tornadas "vãs e vazias", Goebbels sentencia: "O que deve cair cai, e a nós
resta apenas dar um empurrão". 1830 Este último trecho é claramente uma cita
ção de Assim falou Zaratustra (supra, cap. 1 9 § 3), da qual o chefe nazista
parece gostar, 1831 pois ele se glorifica de ler Nietzsche "até tarde da noite" . 1832
Se também esse tipo de utilização não está desprovido de interesse no
plano político, convém concentrar-se no problema da presença de Nietzsche no
nazismo analisando a visão do mundo deste movimento e fazendo referência
em particular a dois dos seus expoentes particularmente significativos: Rosenberg
e Hitler, ou seja, o ideólogo ou aspirante a ideólogo e o Führer em pessoa do III
Reich. Como podemos sintetizar a sua Weltanschauung?
Não há dúvida que o ponto de partida é a denúncia do ciclo revolucionário
que grassa no Ocidente e que ameaça a civilização enquanto tal. Quando co
meçou a alastrar-se o "niilismo", a "corrente política proletário-niilista",
desintegradora de toda hierarquia e de toda civilização? 1833 Convém logo notar
que não só a visão de conjunto, mas também alguns detalhes significativos
ecoam e vulgarizam Nietzsche. Sintomas de decadência já se manifestaram
em terra grega. Se "o grande Teógnis lamenta o fato de que o dinheiro mistura
o sangue do nobre com o do ignóbil", 1834 acentuando assim a aristocracia da
1 829 ln Ruge-Schumann, 1 977, p. 12 9.
1 830 Goebbels, 1991 b, vol. II, pp. 62-3 .
1 83 1 Reuth, 199 1 , pp. 34-5 e 65.
1 832 Goebbels, 1991 a, p. 9 1 1 .
1833 Rosenberg, 193 7 a, pp. 7 7 e 7 1 .
1834 Rosenberg, 1 937 a, p. 5 1 .
natureza e o elemento mítico da vida, o quadro muda radicalmente com o
"racionalismo helenista tardio"; 1835 a essa altura "Sócrates pôde ensinar a lou
cura segundo a qual a virtude seria ensinável e ensinável a todos os homens". 1836
Com a crise do helenismo autêntico, "os escravos que se reunem em cada
canto do mundo invocam a 'liberdade"'.1837
Mas a catástrofe propriamente dita data do cristianismo ou, mais exata
mente, do cristianismo moldado por Paulo de Tarso. Se também às vezes se
fala de Jesus, como de um ariano ou semiariano (cf. supra, cap. 24, § 7), hostil
ao "egoísmo e ao materialismo judeus"1838 - com a retomada de temas caros a
Wagner -, é também certo que, a propósito do cristianismo, fazemos uma per
gunta retórica que nos reconduz a Nietzsche: "Que necessidade temos de uma
fábula inventada pelos judeus? Que interesse poderia ter para nós a história de
alguns judeus piolhentos e epilépticos?"1839 De qualquer modo, com Paulo de
Tarso a doutrina de Jesus se torna "o grito de aliança dos escravos de todo tipo
contra a élite, contra os senhores, contra os dominadores".1840 Eis que a nova
religião se empenha e consegue "mobilizar a ralé" e "insurgir os estratos infe
riores do povo", uma "enorme massa de gente sem raízes".1841 São estes que
veem em Jesus o anelado "chefe dos escravos e libertador"; daqui Paulo parte
para iniciar, com "indomável fanatismo", uma "revolução internacional contra o
Império Romano". 1842
É pavorosa a decadência que se verifica não só no plano político, mas
também no plano mais propriamente cultural; é o próprio sentido da vida que
agora passa por um processo de esgotamento e degeneração. Não há dúvida, a
"filosofia" da antiguidade clássica resulta incomparavelmente superior com
respeito à "mesquinhez" do cristianismo : "É verdade que os atenienses, quando
entravam no Parthenon para contemplar a imagem de Zeus, deviam ter uma
impressão bem diferente daquela dos cristãos que devem resignar-se a con
templar o rosto contorcido de um crucifixo". 1843
E ainda:
Para nós o problema é estar ligados a uma religião que nega todas as alegrias
dos sentidos. A propósito disso, a hipocrisia dos protestantes é pior que a
dos católicos. Cada uma das duas religiões reage segundo a natureza pró
pria. O protestantismo tem o calor do iceberg. 1859
1874 Nordau, s.d. vol. Il, pp. 3 1 1 e 3 13; Stein, 1893, pp. 73 e 77.
1 875 Rosenberg, 1937 a, p. 2 14; Stoddard, 1984; Stoddard, 1925.
1 876 Heise, 1925, p. 4.
1 877 Stoddard, 1 984, pp. 265, 237 seg. e 36-7; Stoddard, 1925, pp. 204, 181 seg. e 33.
1 878 Stoddard, 1984, pp. 42, 249 e nota e 253; Stoddard, 1 925, pp. 37, 1 90 nota e 193 .
"super-espécie" ( Überart) - a tradução alemã retorna um termo utilizado já por
Zaratustra (supra, cap. 20 § 1) - ou também de "super-homem" (superman ou
Übermensch) teorizado por Nietzsche. Sim, é "esplêndida" a figura cara ao filóso
fo alemão - aqui explicitamente citado -, mas ela não tem razão em apoiar-se
numa amplíssima e indistinta base "servil". 1879 Mais do que a urna racialização
transversal, Lothrop Stod.dard está propenso por urna racialização horizontal, que
tem em mente, no plano interno, '<>S negros e, no plano internacional, os povos colo
niais e os bárbaros russo-bolcheviques.
São claríssimas, portanto, as diferenças com respeito a Nietzsche que,
com sua desconstrução norninalística do conceito de humanidade e com a sua
teorização do "super-homem", de algum modo inspirou a teorização também
do Untermensch . Sobre a história deste último termo pode ser interessante
notar de que modo ele aparece já no final do Século XIX. Nordau polemiza
assim contra Nietzsche: pela sua pretensão de reduzir a massa dos homens a
simples instrumentos e pela carga de brutalidade que exprime, o Üb ermensch
se revela na realidade um Untermensch .1880 O autor desta crítica também é
conhecido de Lothrop Stoddard, 1881 que confere, porém, ao termo Untermensch
um significado sensivelmente diferente . É a confirmação da complexidade da
vicissitude linguístico-ideológica que estamos examinando e da insustentabilidade
da teoria que pretende explicar a ideologia nazista a partir exclusivamente de
um diabólico Sonderweg alemão. Quem elabora urna categoria chave do dis
curso ideológico nazista é um autor estadunidense que dialoga com Nietzsche,
mas que, ao mesmo tempo, pode gabar-se do solene elogio de dois presidentes
dos Estados Unidos, a saber, Harding e Hoover. 1882
Mas essa vicissitude é também a confirmação da falta de sentido histórico
da costumeira hermenêutica da inocência. Voltemos a Hitler. As próprias catego
rias utilizadas por ele são significativas . Se o cristianismo celebra corno "santos"
aqueles que negam a "vida", 1 883 agora se trata de restabelecer a ordem aristo
crática natural, pondo fim a essa funesta inversão dos valores. Talvez seja exage
ro afirmar - corno faz um recente estudo sobre o III Reich - que Hitler teria
aproveitado sua permanência na prisão para fazer urna "leitura sistemática", en
tre outros autores, também de Nietzsche. 1884 No entanto, há de se notar que
outro estudo recente, e bastante autorizado, coloca o filósofo no primeiro lugar
1 889 Andler, 1958, vol. 1, pp. 8 e 107-08; cf. Digeon, 1959, pp. 455-7 (para o quadro de
conjunto) e Losurdo, 1997 a, cap. XIII, 13 e XIV, 1 (para o antigermanismo de Andler).
1890 Weil, 1990, p. 2 10.
1 89 1 Montesquieu, 1949-5 1, p. 407 (livro XI, 6).
1 892 Hume, 1983, vol. 1, pp. 160-61 .
Anticristo ! Aliás, é possível encontrar vestígios de "antigermanismo" no pró
prio Hitler. Em março de 1 945, quando se mostra com nitidez a derrota do III
Reich, e o povo alemão não parece pronto a opor-se a ela com o heroísmo e o
espírito de sacrificio que se impõe, eis que o Führer pronuncia a sua dura sen
tença sobre a Alemanha enquanto tal : agora sobreviveriam "apenas seres infe
riores'', incapazes de resistir ao "mais forte povo oriental"; é a este último e só
a este último que "o futuro pertencia". 1893 Tendo caído em contradição com a
sua essência guerreira, a Alemanha, agora ela mesma contagiada por uma
visão filisteia da vida, não merecia nenhuma indulgência.
Por outro lado, vimos Nietzsche denunciar nos termos mais ásperos a
conversão dos germanos ao cristianismo, a uma religião totalmente estranha a
eles e que lembra a odiada Judeia. Deveremos aqui falar de "germanismo"? É
preciso não confundir problemas muito diferentes entre eles. Não há dúvida de
que o colapso do Império Romano, sob crescente pressão dos germanos, re
presenta para Nietzsche uma catástrofe para a civilização, mas uma catástrofe
não menos grave é, no seu modo de ver, a sucessiva conversão dos germanos
ao cristianismo, ou seja, a uma religião totalmente estranha a eles e intrinseca
mente j udaica. Não estamos na p resença de uma osci lação entre
"antigermanismo" e "filogermanismo". A derrocada do Império Romano e a
difusão do cristianismo são duas etapas essenciais do longo ciclo da revolta
servil; e em ambos os casos Nietzsche toma posição a favor dos "senhores".
Esta ideologia está bem longe de estar em insuperável contradição com a ide
ologia sucessivamente desenvolvida pelo nazismo: não se deve perder de vista
o fato de que, bem antes da conversão dos germanos, para Nietzsche é já o
colapso do Império Romano que representa a vitória da "Judeia". As etapas da
revolta servil são outras tantas etapas do triunfo ideal do povo do ressentiment
por excelência.
Enfim, é de uma ingenuidade histórica desconcertante ler a sua polêmica
furibunda contra Guilherme II como uma advertência antecipada quanto ao III
Reich! Quando, ao indagar mais de perto, nos damos conta de que tal acusação
rotula o imperador alemão como um "idiota negro", como uma espécie de negroide
influenciado pela causa da emancipação dos escravos negros e dos povos co
loniais, os lados são invertidos de modo radical. Somos ao contrário levados a
pensar na linguagem e nos insultos aos quais, já antes da ascensão do nazismo
ao poder, recorrem os círculos mais chauvinistas. A França, que se serve das
tropas coloniais, é para Spengler um país "euroafricano". 1894 Tomando esse
83 1
tema da chamada "revolução conservadora" e radicalizando-o depois, Hitler
rotula a França como um "Estado mulato euroafricano", 1895 enquanto, por ou
tro lado, denuncia o "aspecto negroide" da mulher de Roosevelt, culpada de
manter relações com certos círculos afroamericanos. 1896
Também destituído de sentido histórico é invocar os planos delirantes do
último Nietzsche, que visavam o fuzilamento de Guilherme II como paladino da
emancipação dos escravos negros, em apoio à sentença que em Nurenberg con
denou à forca os responsáveis pelo III Reich também pelo crime da reintrodução
da escravidão, em primeiro lugar contra os Untermenschen da Europa oriental.
É um insulto à lógica aduzir a requisitória do teórico do "radicalismo aristocrático"
contra a Alemanha foco do contágio revolucionário em confirmação da requisitória
de Nurenberg contra a Alemanha como expressão de um Antigo Regime teimo
samente apegado à ideia da desigualdade natural dos homens e das raças e duro
de morrer! Também nesse caso, somos antes levados a pensar na segunda gran
de onda de reação antidemocrática, aquela que se verifica após a derrota da 1
Guerra Mundial. A polêmica contra a República de Weimar e contra a odiada
democracia e a desprezada modernidade é desenvolvida com agitação de pala
vras de ordem revolucionárias. Então se compreende a referência a um autor
que se tinha comportado de modo análogo durante a sua luta contra o II Reich e
os seus aspectos "piores"; mas enquanto identifica em Nietzsche o seu pai fun
dador ou o seu "patriarca" (Erzvater), 1897 a revolução conservadora acaba de
pois, através de um processo não sem contradições, sendo herdada ou absorvida
pelo nazismo. A principal acusação formulada por Nietzsche contra o imperador,
que namora com a socialdemocracia, faz pensar no modo como Hitler grita sem
pre contra Guilherme II, que, ao acabar a 1 Guerra Mundial, se teria manchado
com o horrível crime de ter "estendido a mão aos chefes do marxismo para uma
reconciliação", ou seja, a um movimento que, rejeitando "o princípio aristocrático
existente na natureza", põe em perigo o funcionamento ordenado da civilização e
a civilização enquanto tal. 1898
Não mais persuasiva é a categoria de "anti-antisemitismo". Ainda uma
vez surge a incapacidade dos hermeneutas da inocência de pensar em termos
gerais a metodologia que enunciam ou põem em curso em relação a Nietzsche.
Entre os profetas da resistência a Hitler devemos incluir também Gobineau,
que vimos pronunciar algo semelhante a um panegírico dos judeus? Devemos
Há uma estúpida humildade, nada rara, pela qual aquele por ela
afetado revela-se inapto para sempre a tornar-se um seguidor do co
nhecimento. De fato, no momento em que um homem desse tipo nota
algo diferente, ele como que faz meia-volta e diz a si mesmo: "Tu te
enganaste! Onde estavas com a cabeça? Isso não pode ser verdade! " E
então, como que apavorado, em vez de olhar e ouvir de novo, mais
atenciosamente, ele foge do caminho onde se encontra a coisa extraor-.
dinária, e procura tirá-la da mente o mais rápido possível.
FW, 25
P
or que a denúncia e a crítica da revolução devem constituir o fio condutor
da leitura de Nietzsche? De outro modo, não é possível ler e "salvar" o filó
sofo na sua inteireza. Quer-se ver nele o teórico de uma critica afiada e impiedosa
da ideologia que despedaça os mitos do germanismo e do antissemitismo? Salvo
qualquer outra consideração, resta o fato de que esse tipo de interpretação com
portaria a liquidação das obras da juventude, que ecoam os temas teutômanos e
judeófobos bastante difundidos na cultura do tempo e que, todavia, são extraordi
nariamente fascinantes . Quer-se ver em Nietzsche o campeão do "espírito livre"
e o teórico da reabilitação da carne em contraposição ao ascetismo do Ocidente
cristão? De novo seremos obrigados a cortes e renúncias dolorosas em prejuízo
do discípulo de Schopenhauer, que exprime todo o seu desprezo pela galopante
"mundanização", evoca com acentos angustiados as consequências catastrófi
cas do "triste crepúsculo ateu" e defende contra Strauss "o lado melhor do cris
tianismo'', o dos eremitas e dos santos.
Dificuldades análogas encontraria quem quisesse assumir como fio con
dutor a crítica ao niilismo. Ele se exprime - observa um fragmento da primave
ra de 1 8 8 8 na tese pela qual "não ser é melhor do que ser" e "o nada é algo
-
2. Nietzsche e os historiadores
1903 Ruge, 1886, vol. II, p. 243 (carta a Brückmann de 5 novembro de 1 864).
1904 Jacoby, 1978, p. 1 90 (carta a Fanny Lewald de 1 1 fevereiro de 1 862).
1905 Cf. Silbemer, 1976, pp. 492 seg.
1906 Mehring , 1 96 1 a, vol. VITI, p. 80; cf. também Mehring, 196 1 b, vol. II, p. 423.
atitude empática que ele parece tomar em relação às massas populares ; ele, de
fato, censura os grandes autores alemães de se terem expresso numa lingua
gem incompreensível às classes inferiores. 1907 Exatamente por causa do seu
"plebeísmo do espírito" (supra, cap. 25 § 2), Buckle é significativamente apro
ximado por Nietzsche de, entre outros, Michelet (XIII, 1 8 9).
Também nesse caso, estamos na presença de uma filosofia da história
profundamente "democrática", que faz brotar do ambiente o "gênio" ou o "grande
homem" (GD, Incursões de um inatual, 44) . O que suscita ecos empáticos na
socialdemocracia alemã é exatamente a ironia de Buckle relativa à costumeira
historiografia, toda concentrada nas "histórias insignificantes de reis, cortes,
diplomatas, batalhas e cercos". 1 908 Trata-se de um trecho e de um tema bem
presentes a Nietzsche, o qual, por sua vez, comenta:
Até que ponto pode chegar a incapacidade de um plebeu agitador da multi
dão de se esclarecer sobre o conceito de "natureza superior", disso Buckle
fornece o melhor exemplo. A opinião que ele tão apaixonadamente combate -
que os "grandes homens", os indivíduos, os soberanos, os estadistas, os
gênios e os líderes são as alavancas e as causas de todos os grandes movi
mentos - é por ele instintivamente entendida de modo errado, como se com
ela se afirmasse que aquilo que tal "homem superior" tem de essencial e de
valioso esteja exatamente na capacidade de pôr em movimento as massas,
em suma, no seu efeito. . . Mas a "natureza superior" do grande homem está
em ser outro, na incomensurabilidade, na distância de categoria - não num
efeito qualquer: nem que se fizesse tremer o globo terrestre (XIII, 497-8).
1927 Weber, 1972, pp. 241-2 (= Weber, 1976, pp. 330-1); Weber, 1985, pp. 299-302.
1 928 Weber, 1972, p. 242 (= Weber, 1976, vol. 1, p. 3 3 1 -2).
A utopia aqui contemplada prevê uma distribuição das responsabilidades
de modo perfeitamente correspondente ao grau de merecimento e de nobreza
espiritual e uma repartição da carga de fadigas e de penas em medida inversa
mente proporcional à capacidade de sofrer e ao grau de sensibilidade; poder
se-ia chegar a esse resultado procedendo à divisão da sociedade em duas cas
tas : de um lado "a casta do trabalho forçado'', do outro lado, "a casta do traba
lho livre", ou "a casta dos oci-Osos", a élite constituída por aqueles que são
"capazes do verdadeiro ócio" e capazes, ao mesmo tempo, de sofrer bem mais
profundamente do que as naturezas vulgares (MA, 439).
Uma última disposição pode servir para tomar o quadro ainda mais har-
mônico e a utopia ainda mais sedutora:
Se depois houver um intercâmbio entre as duas castas, de modo que as
famílias e os indivíduos mais obtusos e menos inteligentes forem degrada
dos da primeira para a segunda casta, e, por outro lado, os homens mais
livres desta última obtiverem o acesso à superior, então se terá atingido um
estado além do qual se verá ainda apenas o mar aberto dos desejos
indeterminados. Assim nos fala a voz esmorecida do tempo antigo; mas
onde há ainda ouvidos para ouvi-la? (MA, 439).
ritos confusos, mal preparados" são aqueles "sem educação filológica", pois
esta confere precisão e univocidade às categorias e aos conceitos utilizados,
eliminando os "borrões de conceitos informes e flutuantes" (XI, 445).
Obviamente, esses trechos têm um valor também autobiográfico que, às
vezes se torna explícito: "Eu não sou daqueles que pensam tendo na mão a
pena molhada" (FW, 93). E este outro trecho tem o valor de uma confissão:
"Os grandes mestres da prosa foram quase sempre poetas também, seja publi
camente ou apenas em segredo, e 'para os íntimos'; e, de fato, apenas em vista
da poesia se escreve boa prosa" (FW, 92). Enquanto "mãe de todas as coisas
boas, a guerra é também a mãe da boa prosa!" (FW, 92).
No entanto, a perda de sentido da forma e a luta pela sua recuperação
constituem um acontecimento que transcende de longe esta ou aquela persona
lidade: mesmo além da antiguidade clássica, "a coação desconfiada na comuni
cação dos pensamentos, a disciplina a que se submetia o pensador ao meditar
dentro de uma regra eclesiástica e cortesã", tudo isso contribuiu para instilar
"no espírito europeu a sua força, a sua curiosidade sem preconceitos e mobili
dade refinada" (JGB, 1 8 8).
O emergir e o impor-se do intelectual-diarista, cantor e escravo ao mesmo
tempo do presente, é um sinal trágico de decadência e um momento de virada
na história. Na figura dele se encarnam "todos os males do nosso ambiente
literário e artístico, ou seja, a tendência a produzir de modo apressado e vaido
so, a impaciência desprezível de escrever livros, a completa falta de estilo [ . . . ],
a perda de todo cânone estético, a vontade da anarquia e do caos" (BA, 2 ; 1,
681). Mais tarde, O crepúsculo dos ídolos atribui a Sócrates, protagonista da
subversão plebeia, "desregramento e anarquia dos instintos" (GD, O problema
Sócrates, 4). Por outro lado, no que diz respeito ao presente, David Friedrich
Strauss, cantor acrítico da modernidade, à qual adere com a sua despreocupa
ção de filisteu (OS, 6; 1, 1 9 1 ), é ao mesmo tempo culpado de um "acanalhamento
linguístico" (Sprach-Verlumpung) (MA, Prefácio ao vol. II, 1).
"Anarquia", "acanalhamento": é tênue a fronteira entre juízo estético e
juízo político. E não há dúvida de que a condenação da barbarização estilística
é a condenação também da barbarização política da modernidade; "a lingua
gem canalha" em que Strauss se exprime (DS, 1 2; 1, 235) - sublinha a primeira
Inatual citando Schopenhauer - é "a linguagem canalha da nobre 'época de
hoje'" (DS, 1 1 ; 1, 22 1 ). Rasura do conteúdo e desmazelo do estilo são o sintoma
inconfundível do emergir de uma figura social desastrosa, a do intelectual ple
beu: "Visto que a única forma de cultura de que os olhos acesos e os órgãos
embotados de pensamento da classe dos trabalhadores eruditos gostam de ocu
par-se é exatamente aquela cultura filisteia cujo evangelho Strauss anunciou"
'DS, 8; 1, 205).
O alimento principal dessa nova classe social é constituído pelos jornais.
Já temos conhecimento, pelas versões e pelos textos preparatórios de O nasci
mento da tragédia, Aque diz respeito às leituras do filisteu alemão à maneira
de Strauss, "a preeminência [ . . . ] está, sem dúvida, do lado dos jornais, além das
revistas e seus similares" (DS, 1 1 ; 1, 222). E daqui partem os "discursos políti
cos diários" sim "sobre o matrimônio" e a "pena de morte", mas, sobretudo,
"sobre o sufrágio universal" e"'sobre as greves dos operários" (DS, 9; 1, 2 1 5).
Ainda uma vez, miséria da forma e miséria do conteúdo são a mesma coisa. É
um tema retomado e radicalizado nos anos seguintes:
A parte muito maior do que se lê é constituída pelos jornais ou coisas do
gênero. Vejam-se as nossas revistas, os nossos jornais de cultura: qualquer
um que escreve aí fala como que diante de um público não selecionado, e se
deixa levar, ou melhor, cair, numa poltrona. - Aqui as coisas ficam ruim para
quem atribui valor sobretudo aos pensamentos secretos e ama, nos livros,
mais do que qualquer coisa expressa, as reticências. -A liberdade de impren
sa arruína o estilo, e, no fim, também o espírito [... ]. A "liberdade de pensa
mento" arruína os pensadores (XI, 440).
ARISTOCRÁTICO
1934 É uma disciplina à qual Nietzsche dirige a sua atenção a partir sobretudo da ruptura
com a plataforma teórica e política do O nascimento da tragédia; cf. Orsucci, 1996.
este sol de um juízo moral e medida de valor fundamental, e ali aquele outro')"
(FW, 7) é parte integrante da interrogação filosófica. Às vezes, os povos objeto
da investigação da filosofia clássica ou aqueles objeto da investigação da etnologia
comparada são postos lado a lado, acentuando o efeito de estranhamento com
respeito à modernidade: "Assim entre os vaabitas há somente dois pecados
mortais [ . . . ] . Do mesmo modo para os antigos romanos" (FW, 43).
Não é só Nietzsche que entrelaça de maneira audaz disciplinas à primeira
vista tão diferentes entre si. Também no amigo Rohde e na sua Psyche se
exprime, como foi observado, a "fecunda compenetração entre estudos de an
tropologia e de antiguidade clássica em curso exatamente na passagem dos
dois séculos", de modo que - nota polemicamente um resenhador ilustre (Eduard
Meyer) - para esclarecimento de um esplêndido capítulo de história da civiliza
ção intervêm nada menos que as "concepções dos selvagens americanos, afri
canos, australianos". 1935 Embora não totalmente original, essa abordagem re
vela seu valor e sua força filosófica só em Nietzsche. E ele, de fato, à objeção
de Meyer poderia responder: "Também os 'selvagens' são homens extrema
mente evoluídos, se vistos em tempos muito longínquos" (X, 333).
Nietzsche sublinha a necessidade que o filósofo tem de "perambular entre
as muitas morais, mais refinadas e mais rudes, que dominaram até hoje ou domi
nam ainda na terra" (JGB, 260). Só assim ele conseguirá alcançar resultados
apreciáveis: "Os verdadeiros problemas da moral [ . . . ] surgem todos apenas de
uma comparação das muitas morais". É preciso finalmente romper com uma
tradição de etnocentrismo e provincianismo: os habituais estudiosos de moral
"eram mal instruídos ou também pouco ávidos de notícias sobre os povos, sobre
as épocas, sobre as idades passadas" (JGB, 1 86). A pesquisa histórica enquanto
tal liga entre si a etnologia comparada e a filologia clássica: "O senso histórico e
o exotismo geográfico-climático um ao lado do outro" (XI, 481 ).
É a partir daqui que podemos compreender a radicalidade e a grandeza da
interrogação filosófica de Nietzsche. Não resta dúvida, há uma tradição agindo por
trás dele. Um autor particularmente caro a ele, ou seja, Montaigne, por um lado, faz
referência aos "costumes antigos'', que dão o titulo a um capítulo dos seus Ensaios,
para pôr em discussão a tendência a "não ter outro modelo nem outra regra de
perfeição senão os costumes e usos próprios". Por outro lado, refere-se também à
China, cuja rica cultura e história - observa ele - "ensina-me quão mais amplo e
vário é o mundo daquilo que os antigos e nós chegamos a conceber". 1936
1937 ln Widmaier, 1990, pp. 2 13-4 (carta de 18 de agosto de 1705 ao padre Antoine Verjus);
sobre isto cf. Gernet, 1978, pp. 490-1 .
1 938 Taine, 1899, vol. II, pp. 17-8 (= Taine, 1986, pp. 387-8).
1 939 Rousseau, 1 959, vol. III, pp. 2 12-3 .
Se, num autor como Montesquieu, o olhar do exterior é uma divertida
embora genial experiência intelectual, em Nietzsche é um estilo sofrido de pen
samento adquirido a partir já da adolescência, vivida como uma intensidade
existencial talvez sem comparação. Um radicalismo extremo está ligado a isso.
Já Rousseau se lança à frente dos seus contemporâneos na denúncia do
etnocentrismo. Além do "jugo dos preconceitos nacionais'', ele pretende
problematizar ou pôr em discussão o "homem civilizado" (homme civil) en
quanto tal. 1940 Mas Nietzsche vai ainda além. Cultiva a aspiração a colocar-se
de fora não já de uma determinada cultura, mas do homem enquanto tal: "Que
remos curar da grande estultice fundamental de medir tudo a partir de nós
mesmos [ . . . ] . Ver com outros olhos, exercício de ver sem referir-se aos ho
mens, portanto com distanciamento (sachlich) ! Curar a megalomania huma
na ! " (Menschen-Grõj3enwahn) (IX, 444). É um objetivo ao qual Nietzsche
aspira com todas as suas forças: "Meu desejo supremo, o olho de Zaratustra,
um olho que domina com o olhar, de uma distância imensa, a espécie humana
inteira" (WA, Prefácio). A seriedade da interrogação filosófica exige que o
olhar do exterior se radicalize a um ponto extremo:
Se não conseguirmos imaginar seres diferentes dos outros homens, perma
necemos no provincianismo, numa humanidade mesquinha. A invenção dos
deuses e dos heróis foi algo inestimável. Temos necessidade de seres que
nos sirvam de comparação; até os homens de quem se dá uma interpretação
errada, os santos e os heróis foram um meio importante (IX, 577).
Assim a mitologia e a hagiografia podem ser recuperadas, e se tomam
úteis na medida em que concorrem, também, para estimular uma perspectiva
capaz de transcender o homem enquanto tal .
Nessa direção agem igualmente a etologia, a "história dos animais"
(Thiergeschichte) (FW, 354) e a "zoologia" (VTI, 695). Mesmo quando não ex
plicitamente postas em causa, essas disciplinas fazem sentir sua presença já nos
escritos de juventude. Esquecendo que o impulso cognoscitivo é apenas uma
função vital, Sócrates o absolutiza e desse modo o torna perigoso e nocivo para a
própria vida. Convém então não perder de vista que o recurso ao intelecto é
apenas o modo como o homem se compara, no âmbito da natureza, com as
espécies animais fisicamente mais fortes (WL, 1 ; 1, 876). De modo análogo é
combatida a superfetação da consciência histórica: ao sublinhar que "em todo
agir é necessário o oblívio", a segunda Inatual remete ao "rebanho" e ao animal
que "vive de modo não histórico" (HL, 1 ; 1, 250 e 249). Nesse mesmo contexto
4. O olhar metacrítico
Mas o que caracteriza Nietzsche e define sua força e seu fascínio é so
bretudo aquilo que poderemos definir como o olhar metacrítico . Em esclareci
mento desse ponto convém citar um trecho da terceira Inatual: "É muito acon
selhável pesquisar e dissecar (sezieren) de vez em quando os intelectuais, de
pois que eles se habituaram a apalpar e a desarticular (zerlege) descarada
mente tudo o que está no mundo, também o que nos é mais venerável" (SE, 6;
1, 3 94). Noutras palavras, não se deve hesitar em dissecar os dissecadores; os
intelectuais e a "ciência" professada por eles não são um com freqüência obje
to mais venerável do que aquilo que é pesquisado e dessacracizado por eles.
O nascimento da tragédia já se empenha em analisar "o homem teóri
co'', o qual "se alegra e se satisfaz em tirar o véu (Hülle) e encontra o seu
supremo fim e prazer no processo de um desvelamento (Enthüllung) sempre
feliz, que consegue por força própria" (GT, 1 5 ; 1, 98). Submetido, por sua vez,
à pesquisa e desvelamento, o homem teórico se revela movido por motivações
bem mais complexas e bem menos puras do que o simples e desinteressado
amor pela verdade. Na realidade, "o intelectual (der Gelehrte) é feito de um
complicado entrelaçamento de estímulos diversos, é um metal absolutamente
impuro". É preciso tomar nota: ''Não é propriamente a verdade que se busca,
mas o próprio pesquisar, e o prazer principal consiste no astuto armar a cilada,
cercar e matar com arte" (SE, 6; 1, 394-5).
Nietzsche problematiza "a vontade de verdade", submete-a à investiga
ção, pondo radicalmente em discussão o estatuto tradicionalmente conferido a
ela de dado imediato e intranscendível. A qual função ela responde no âmbito
da vida e que lugar ocupa na longa evolução da espécie humana? Num certo
sentido é feito valer o critério da auto-reflexão: é a vontade de verdade que
surge por si mesma e ela está em condições de autolegitimar-se e autojustificar
se? Tem razão o filósofo, que assim se interroga, de ser orgulhoso pelo fato de
fazer perguntas até então inauditas. Mas eis que, ao desconstruir a crença no
sujeito-substância movido exclusivamente pelo amor do verdadeiro, Nietsche
argumenta desse modo:
Assim como o ato de nascer não pode ser levado em consideração no pro
cesso e progresso da hereditariedade, também "estar consciente" não pode
ser contraposto, de algum modo decisivo, ao que é instintivo - geralmente,
o pensamento consciente de um filósofo é secretamente guiado pelos seus
instintos e colocado em determinadas bitolas. Por trás de toda lógica e de
sua aparente soberania de movimentos existem valorações, ou, falando mais
claramente, exigências fisiológicas para a preservação de uma determinada
espécie de vida (JGB, 3).
Nesse mesmo contexto pode ser colocado o primeiro capítulo de Além do
bem e do mal, cujo título é: Dos preconceitos dos filósofos. Depois de ter
feito ele mesmo profissão de "iluminismo" e ter criticado, colocando-se no pon
to de vista dos philosophes, os preconceitos do vulgo, agora Nietzsche se
coloca, de um ponto de vista por assim dizer meta-iluminista, empenhando-se
em criticar os preconceitos dos quais os philosophes pretendem erroneamen
te estar imunes . Mesmo proclamando o De omnibus dubitandum, Descartes
(e Kant e tantos outros juntos com ele) permaneceu apegado à dogmática e à
metafisica do sujeito (JGB, 2). Pode-se chegar a uma conclusão de caráter
geral: embora gostem de exibir uma crítica radical, na realidade "os filósofos"
são "os sacerdotes dissimulados" (EH, Aurora, 2), são afetados por preconcei
tos não menos pesados do que aqueles que pretendem trazer à luz e denunciar.
Longe de estar imune ao "preconceito do vulgo", Schopenhauer o acolhe "le
vando-o ao exagero" (JGB, 1 9).
O olhar metacrítico empenha-se também em indagar "sobre a psicologia
do psicólogo" (XIII, 230), sobre a "superstição dos lógicos" (JGB, 1 7), sobre a
história do conhecimento histórico, sobre a ideologia dos críticos da ideologia.
Essa mesma atitude é colocada em ação com relação à moral e os seus teóri
cos . O juízo moral exprime apreciações de valor sobre ações humanas, mas
agora se trata de avaliar o próprio ato de avaliar. Depois de ter-se declarado
"imoralista'', Nietzsche prossegue assim: "Eu tenho orgulho de possuir esta
palavra, que me distingue de todo o resto da humanidade. Ninguém ainda sentiu
a moral cristã como se estivesse abaixo de si [ . ] Quem antes de mim entrou
. . .
nas cavernas donde sobe o bafio venenoso dessa espécie ideal - a difamação
do mundo?" (EH, Porque eu sou um destino, 6). O olhar metacritico se mani
festa também no convite a desprezar os indignos desprezadores do mundo.
No cristianismo primitivo, "a psicologia servia não só para tomar suspeito, mas
também para difamar, para flagelar, para crucificar tudo o que era humano"; calu
niava-se o homem a fim de "tornar suspeitos a ele a natureza, o eros, a vitalidade, a
vida enquanto tal (MA, 1 4 1 ) . Agora, suspeita é essa atitude moral: "Os meus escri
tos foram chamados de escola da suspeita e, mais ainda, de desprezo"; "eu mesmo
883
não creio que alguém tenha jamais olhado o mwido com uma suspeita igualmente
profunda" (MA, Prefácio, 1). A moral cristã lança uma espécie de maldição e de
"mau olhado" contra os bem sucedidos (AC, 25); e eis que a tal operação Nietzsche
contrapõe aquilo que ele define "o meu 'mau olhado"' (GD, Prefácio). O mau
olhado da visão moral do mwido é assim alvejado pelo contra-mau olhado ou pelo
meta-mau olhado do imoralista e do destruidor de ídolos.
O olhar metacritico é essencial. Só a capacidade de uma disciplina de subme
ter a si mesma à investigação com a metodologia e os critérios que ela faz valer
para os objetos por ela geralmente pesquisados, só essa capacidade de auto-refle
xão confere autêntica dignidade cognoscitiva à disciplina. Nesse sentido, Nietzsche
pode afirmar: "Antes de mim a psicologia não existia" (EH, Porque eu sou um
destino, 6); a psicologia começa propriamente a existir apenas a partir do momento
em que é capaz de configurar-se como "psicologia da psicologia".
1 942 Retomo a categoria de Gramsci ( 1 975, pp. 1 468-73), o qual, porém, a faz valer para
uma operação mais limitada, ou seja, para a comparação entre Revolução Francesa e
filosofia clássica alemã e, mais em geral, entre política e filosofia.
rar as diversas expressões artísticas: Wagner é "o Victor Hugo da música en
quanto linguagem" (WA, 8), assim como Michelet é o Victor Hugo da
historiografia (supra, cap. 28 § 2). Mas se deve acrescentar também que a
arte pode ser comparada com a filosofia: vimos atuando em Bizet o olhar "de
cima", que é sinônimo de "pathos filosófico". Nietzsche conclui: "Tomamo-nos
tanto mais filósofos à medida que nos tomamos mais músicos" (WA, 1 ).
Esse "labirinto" que é a alma moderna pode ser identificado também na
"arquitetura" e, sobretudo, na música. Aqui ele transparece com particular cla
reza, porque consegue dissipar ou reduzir o elemento de vigilância e de
autocensura da consciência: ''Na música, de fato, os homens se deixam levar,
porque se iludem que não existe ninguém capaz de vê-los em si mesmos, debai
xo da sua música" (M, 1 69). No conjunto, pelo que diz respeito à compreensão
da modernidade, o valor ou desvalor da igualdade e da equalização atua tanto
no incessante ciclo revolucionário do Ocidente como no silogismo socrático e
na férrea legalidade afirmada pela ciência fisica; além da moral, da religião e
da filosofia, "o niilismo que surge, teórico e prático", a "tendência niilista" pode
ser surpreendida também nas "ciências naturais" bem como em certas tendên
cias da "política", da "economia política", da "historiografia", da "arte", da
"psicologia" (XII, 129-30).
Seria totalmente ingênuo limitar-se a buscar um conteúdo de pensamento
apenas nas obras filosóficas ou literárias em geral. É preciso comparar "tudo o
que é traduzido em pensamento, em poesia, em pintura, em composição musi
cal, até tudo o que é construído e plasmado numa forma" (FW, 3 67). Pode-se e
deve-se ir ainda além: "Não há dúvida de que se pode pensar por imagens, por
sons; mas se deve também admitir que se pode pensar por sensações de pres
são" (XI, 644).
A tradutibil idade das l inguagens é também a t radutib ilidade e
comparabilidade das emoções:
Quando se praticava o jogo enxuto e rigoroso do conceito, o jogo da gene
ralização, refutação e dificultação (der Verallgemeinerung, Widerlegung,
Engführung), então as almas se sentiam cheias de embriaguez - aquela em
briaguez que talvez também os grandes contrapontistas antigos da música
conheceram, tão enxutos e rigorosos {M, 544).
Nietzsche define com precisão a sua tarefa: a partir da "nossa ótica psico
lógica" (XII, 395), ele se propõe a indagar "a história inteira, até agora vivida, da
alma e as suas possibilidades ainda não exauridas até o fundo". É uma empresa
nova que exige esforços prolongados e conjuntos; seriam necessários "cães de
caça bem treinados para poder soltar na história da alma humana" (JGB, 45). É
neste sentido que o filósofo se define "um psicólogo nato", ou seja um "psicólogo
adivinhador de almas constitucional e inevitavelmente tal" (JGB, 269).
Objeto de pesquisa não são apenas personalidades individuais, mas tam
bém "a secreta angústia no coração dos gregos" (M, 156), ou para chegar aos
nossos tempos, "a consciência (Gevissen) do europeu de hoje" (JGB, 20 1), ou
então "os instintos fundamentais do nosso movimento político, intelectual e so
cial da Europa" (XII, 1 55). Compreende-se então o fato de que Nietzsche
sublinhe a radical novidade da sua abordagem. Impõe-se um "psicólogo novo"
(JGB, 1 2). A "psicologia" por ele praticada tem pouco ou nada a ver com a
introspecção: "Nós psicólogos do futuro temos pouca boa vontade de observar
a nós mesmos", "desconfiamos de todos os contempladores do próprio umbi
go". Pode-se dizer do "grande psicólogo" que ele "não busca nunca a si mes
mo, não tem olhos, não tem interesses, não tem curiosidade para consigo".
Olhando bem, a obsessão da introspecção é apenas uma secularização de um
tema e de uma preocupação religiosa. Mas nós - declara Nietzsche - "não
somos Pascal"; o que move a pesquisa psicológica não é certamente o "inte
resse pela 'salvação da alma', pela nossa felicidade, pela nossa virtude" (XIII,
23 1 ). É preciso precaver-se contra a "psicologia de confessores e a psicologia
de puritanos, duas formas de romantismo psicológico" (XII, 1 3 0).
É necessário concentrar a atenção não mais na própria interioridade, mas
·1os autores ou nas correntes filosóficas e culturais e nos movimentos políticos
e sociais sucessivamente pesquisados, em última análise na objetividade do
processo histórico, nas suas diversas manifestações e articulações . É aqui que
intervém a "psicologia". É sintomática a opinião no outono de 1 88 1 expressa
sobre Wagner, o qual nutre "sentimentos (Empfindungen) cristãos" antes ain
da de formular "pensamentos (Gedanken) cristãos" (IX, 59 1). Trata-se, por
tanto, de ir além da esfera conceituai e consciente para colher os sentimentos,
os amores e os ódios, as visões morais, os valores e desvalores que movem e
caracterizam as personalidades, os movimentos, as civilizações sobre as quais
seguidamente se detém essa nova "psicologia". Depois de ter conquistado um
lugar externo e mais elevado em relação ao próprio ambiente cultural e com
respeito até à própria condição humana, agora o filósofo-psicólogo deve saber
colher a partir de dentro as "valorações" de um autor ou de um movimento
histórico: elas "denunciam algo da estrutura da sua alma" (JGB, 268). E é para
essa compreensão ou percepção dessa "estrutura da alma" que o filósofo
psicólogo deve tender com todas as suas forças . Junto com a exigência do
olhar de fora e de cima, com respeito ao mundo em que se vive, surge a exigên
cia do olhar a partir de dentro do mundo que se aspira a compreender e colher
no seu significado mais profundo.
Já ao ler O mundo como vontade e representação refere Nietzsche -
-
que vale no presente como o que é eternamente válido" (XI, 5 1 O) . Desse modo,
eles impedem para si mesmos a compreensão do mundo antigo e da
perturbadora novidade que o cristianismo representa em relação a ele:
Os homens modernos, com a sua obtusidade face à terminologia cristã, já
não conseguem mais identificar-se com aquilo que havia de horrivelmente
enfático {jühlen das Schauer/ich-Super/ativistische nicht mehr nach) para
um gosto antigo (antiker Geschmack) no paradoxo da fórmula "Deus na
cruz" (JGB, 46).
7. "Não há fatos, mas só interpretações ": junto com o ''fato " de
saparece o "texto "
amente a filosofia da próJ:?ria pessoa: mas há aqui uma notável diferença. São
as deficiências que filosofam num homem, no outro, as riquezas e forças. O
primeiro necessita da sua filosofia, seja como apoio, calma, medicamento,
libertação, redenção, elevação, alienação de si; no segundo, ela é apenas um
formoso luxo, no melhor dos casos a volúpia de uma triunfante gratidão, que
afinal tem de se inscrever, com maiúsculas cósmicas, no firmamento dos
conceitos (FW, Prefácio, 2).
1 955 Nordau, s.d. vol. II, p. 367, faz ironia sobre isto.
1 956 Nordau, s.d. vol. II, pp. 527-8.
1957 Andreas-Salomé, 1998, pp. 49-50.
a verdade segundo a qual procura reconduzir o núcleo fundamental do cará
ter e do desenvolvimento do meu irmão a causas puramente patológicas e
demonstra não possuir a mínima sensibilidade pela sua verdadeira persona
lidade. O efeito dessa falsa representação é óbvio: de fato, a senhora Andreas
vem com essa concepção ao encontro de uma corrente dessa época, que
quer explicar toda grandeza espiritual a partir da patologia. 1 958
1962 Smith, 198 1 , p. 794 (l ivro V, cap. 1, parte III, art. 3).
movimentos p lebeus de revolta, desde Jesus até Lutero e desde Rousseau até os
socialistas do seu tempo.
Em cada etapa da trajetória revolucionária, o filósofo opõe a maior rique
za cultural e a maior agilidade de espírito do Antigo Regime periodicamente
derrubado. Rousseau sai-se mal diante de Voltaire ou Montaigne e mais ainda
Lutero em relação a Erasmo e ao Renascimento, para não falar de Jesus frente
aos autores da antiguidade clássica:
Ainda em pleno esplendor greco-romano, que era também um esplendor
de livros, diante de um antigo mundo ainda não emurchecido e arruinado,
num tempo em que ainda se podia ler livros em troca dos quais daríamos
hoje literaturas inteiras, a tolice e a vaidade de alguns agitadores cristãos -
agora denominados "Pais da Igreja" - ousavam decretar: "também nós
ternos a nossà literatura clássica, não precisamos daquela dos gregos" - e
nisso apontavam com orgulho para volumes de lendas, cartas de apóstolos
e tratados apologéticos, mais ou menos como hoje o "exército da salvação"
inglês, usando uma literatura semelhante, trava o seu combate contra
Shakespeare e outros "pagãos" (GM, III, 22).
1 977 Schelling, 1856-1861, vol. XI, p. 552 e Schelling, 1856-186 1 , vol. VII, pp. 46 1-62.
1 978 Gobineau, 19 17, p. 19.
1 979 Lõwith, 1 96 1 , p. 48.
tulo essencial da história da revolta servil expresso na linguagem da religião.
Se, para Lõwith, a obra de Marx está "animada por uma fé escatológica da
primeira à última proposição", 1 980 para Nietzsche a escatologia judeu-cristã
está animada de cima abaixo por um forte protesto social e até por um implacá
vel ódio de classe. Bem longe de resolver sem resíduos o projeto revolucionário
na literatura apocalíptica, o autor de O crepúsculo dos ídolos surpreende a
presença do protesto social e da áspiração à revolução também nessa literatura
e, de modo todo particular, na expectativa cristã do juízo final.
De modo análogo argumentam Marx e Engels e os autores que se colocam
na sua esteira. Se também aos escravos o cristianismo promete uma emancipa
ção que só acontece com o final do mundo histórico propriamente dito, seria
todavia precipitado - adverte Engels - ler este tema como uma simples evasão.
Na realidade, o "reino milenar" ocorre, sim, depois da morte, mas parece fazer
referência a "esta terra" e é "descrito com tintas terrenas".1981 Poder-se-ia obje
tar que o que diferencia radicalmente do movimento operário o cristianismo é,
de qualquer modo, a atitude em relação à violência. Mas não é essa a opinião de
Engels, o qual, com referência particular ao Apocalipse, afirma: "Aqui não se
fala ainda da 'religião do amor ', do 'amai os vossos inimigos, bendizei os que
vos maldizem' etc.; aqui se prega a vingança aberta, a sadia e honesta vingança
sobre os perseguidores dos cristãos".1982
Não muitos anos mais tarde, Kautsky, diretor da revista Die neue Zeit, na
qual Engels tinha publicado o artigo que se acabou de citar, reconstruindo, por
sua vez, num amplo volume as origens do cristianismo, chega até a afirmar que
"quase nunca o ódio de classe do proletariado moderno alcançou formas tão
fanáticas como as do cristão". Sobretudo no Evangelho de Lucas, Kautsky divi
sa "um feroz ódio de classe contra os ricos". É o que emerge em particular da
parábola de Lázaro:
O rico vai para o inferno e o pobre para o seio de Abraão, não porque
aquele era pecador e este era justo; a esse respeito não se diz realmente
nada. O rico é condenado simplesmente porque era rico. Abraão grita para
ele: "Lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e que Lázaro
recebeu de modo semelhante os males; mas agora ele é consolado e tu és
atonnentado". Era o desejo de vingança do oprimido que se agitava nessa
imagem do futuro. 1983
926
Destaquei em itálico o recurso, em Engels e Kautsky, ao termo "vingança"
e "ódio de classe". São as categorias que desempenham um papel central na
análise de Nietzsche: "O Apocalipse de João" constitui "a mais caótica de todas
as invectivas escritas que a vingança tem na consciência" (GM, 1, 1 6), o cristi
anismo enquanto tal encarna "o bacilo da vingança" (XIII, 425), enquanto nos
Evangelhos se percebe um "ódio" não só furibundo, mas que se exprime nas
"formas mais desonestas", camuflando-se de discurso amoroso e edificante (XII,
3 8 1). Na realidade, no discurso evangélico encontramos expressões e sentimen
tos de uma "pobre ralé de hipócritas'', que se arrasta agitando contra os seus
adversários e inimigos a "maldição", a ameaça de condenação eterna e dos mais
terríveis tormentos (XII, 577-8).
Se, no juízo de áspera condenação, Nietzsche não parece distinguir entre
os Evangelhos, Kautsky acha que pode surpreender uma ambiguidade ou uma
contradição de fundo. Para demonstrar isto, ele compara as duas versões do
discurso das bem-aventuranças em Lucas e em Mateus. Leiamos o primeiro:
"Felizes vós que sois pobres porque vosso é o reino de Deus". E agora o segun
do: "Felizes os pobres de espírito porque deles é o reino dos céus". Lucas:
"Felizes vós que agora tendes fome, porque sereis saciados". Mateus: "Felizes
aqueles que têm fome e sede dejustiça, porque serão saciados". As reivindica
ções de Lucas são destituídas da sua carga material e espiritualizadas pela mão
de Mateus . Este, não por acaso, deixa totalmente fora a maldição dos ricos que
em Lucas serve de pendant para a felicidade do pobre: "Mas ai de vós, ricos,
porque já tendes a vossa consolação. Ai de vós que agora estais fartos, porque
tereis fome". Desta comparação sinótica - conclui Kautsky - surge claramente
o "revisionismo habilidoso" de Mateus, que procura expurgar o discurso de
Lucas da sua dimensão mundana e material, reinterpretando-o em perspectiva
intimista.1984 Nietzsche, porém, faz uma leitura de conjunto: os Evangelhos são
a bandeira "dos pobres, dos famintos, dos chorosos, dos odiados, dos rejeita
dos, dos mal afamados" empenhados em combater, desacreditar e maldizer "os
ricos, os saciados, os serenos, os doutos, os respeitados" (XII, 577). Compreen
de-se a ausência da distinção valorizada por Kautsky: independentemente das
referências à fome e à sede na sua materialidade, Nietzsche está empenhado em
surpreender a "luta de categorias e de classes" também no discurso mais
espiritualisticamente rarefeito, também na condenação aparentemente mais ge
nérica do poder, da riqueza, da cultura enquanto tais .
927
4. A mpliação do campo do conflito social e papel da psicologia
929
Não esqueçamos que neste século as mulheres eram rainhas, ditavam a
moda, conduziam a conversação, por conseguinte as ideias, por conseguin
te a opinião pública. Quando as encontramos na primeira linha no campo
político, podemos estar certos de que os homens as seguirão: cada uma
delas arrasta consigo todo o salão. 1 988
1988 Taine, 1 899, vol. II, p. 149 (:;::;; Taine, 1986, p. 5 1 8).
1 989 Michelet, 1 980, pp. 363 e 367.
1 990 ln Barthes, 1 975, p. 1 49.
1 99 1 Bolt and Drescher, 1 980, pp. 5-6; Walwin, 1 982, pp. 6 1-3 ; Kraditor, 1 989, pp. 38-
77; Ziegler, 1992, p. 49.
1992 Kazin, 1 994, p. 39.
Somente à luz disso tudo podemos compreender o balanço histórico traça-
do por Nietzsche:
Continuação do cristianismo por obra da Revolução Francesa. O sedutor é
Rousseau: ele tira as cadeias da mulher, que desde então é representada, de
maneira sempre mais interessante, como sofredora. Depois os escravos e
Mistress Beecher-Stowe. Depois os pobres e os operários. Depois os vicio
sos e os doentes - tudo isso é posto em destaque (XI, 6 1).
O declínio desse mundo, que tinha uma longa história, inicia com a Grécia
e termina com os "americanos de hoje'', os quais infelizmente fazem escola
também na Europa. Durante a sua evolução, Nietzsche formula em termos sem
pre mais ásperos a sua rejeição de uma sociedade fundada na mobilidade social,
até conferir um selo metafisico a essa rejeição com a doutrina do eterno retorno
do idêntico (supra, cap. 1 5, § 5). Sempre mais se impõe à atenção e à admiração
do filósofo o modelo de castas.
Igualmente unilateral seria uma leitura que absolutizasse em Nietzsche o
tema da crítica da ideologia do trabalho e da celebração do otium. Um fragmen
to do outono de 1 8 80 é de uma clareza inequívoca.
O sucesso principal do trabalho é de impedir o ócio (Müssiggang) às natu
rezas vulgares (gemein), por exemplo, também aos funcionários, aos co
merciantes, aos soldados, etc. A objeção fundamental contra o socialismo é
que ele quer proporcionar o ócio às naturezas vulgares. A pessoa vulgar
ociosa é um peso para si e para o mundo (IX, 221).
Rohde tem razão quando define Assimfalou Zaratustra como uma espécie
de "poesia pedagógica" (B, III, 2, p. 4 1 2). Por trás está agindo a grande tradi
ção alemã do Bildungsroman, do romance em cujo centro está o processo de
formação e construção da personalidade individual. Em páginas absolutamente
fascinantes o "espírito livre", ou que aspira a se tomar tal, é chamado a diferen
ciar-se nitidamente do "último homem", capaz apenas de deixar-se arrastar pela
corrente e levar uma existência gregária, cujo sujeito é um "si", um man total
mente impessoal.
Ama-se (man) o vizinho e nele nos esfregamos, porque se (man) precisa do
calor [... ]. Ainda se (man) trabalha porque o trabalho é um passatempo.
Mas se (man) cuida que o passatempo não canse [ ... ]. Têm-se (man) os seus
pequenos prazeres para o dia e seus pequenos prazeres para a noite; mas se
(man) respeita a saúde (Za, Prefácio de Zaratustra, 5). 2001
O espírito livre é chamado a comportar-se de um modo bem diferente,
pois, ao construir de modo autônomo e consciente a vida e a personalidade
próprias, deve saber ir contra a corrente: "A voz do rebanho ainda ecoará em ti.
E quando disseres: 'Não tenho mais a mesma consciência que vós ', haverá
lamentos e dores" (Za, 1, Do caminho do criador).
Junto com a forma e o estilo, os conteúdos também são essenciais . O espí
rito livre está empenhado não só em encontrar o sentido da terra e reabilitar a
carne, mas também em superar o provincianismo e o chauvinismo (intraeuropeu),
em ser um viajante no melhor sentido do termo: "em nenhum lugar encontro
pátria; ando por todas as cidades, e estou de partida em todas as portas" (Za, II,
Do país da cultura); é preciso saber remover "as pedras de fronteira" (Za, III,
Do espírito de gravidade, 2).
Além disso, o "espírito livre" é chamado a voltar as costas ao gosto faná
tico do absoluto e do incondicionado: "Deve-se exatamente maldizer onde não
se ama? Isto me parece de mau gosto [ . . . ] . Evitai todos esses incondicionados.
São apenas uma pobre ralé doente, uma ralé plebeia [ . . . ]. Afastai todos esses
incondicionados ! Têm os pés pesados e o coração sufocante - não sabem dan
çar" (Za, IV, Do homem superior, 1 6) . Para o espírito livre, assimilar realmente
a lição de Zaratustra significa construir de modo autônomo a própria persona-
2001 É uma análise que deve ter influenciado profundamente o Heidegger de Ser e
tempo: cf. Losurdo, 199 1 , cap. 2 § 8.
tidade, libertando-se também de toda forma de dependência acrítica com rela
ção ao Mestre: "Ainda não vos havíeis procurado a vós mesmos: e, encontrastes
a mim. Assim fazem todos os crentes: mas que importam todos os fiéis? Agora
eu vos mando perder-me e achar a vós mesmos; e somente depois que todos me
tiverdes renegado, eu voltarei a vós" (Za, 1, Da virtude dadivosa, 3).
O espírito livre deve aspirar a um saber que tenha o sentido da totalidade,
evitando, por isso, reduzir-se a "um grande olho e uma grande boca ou um
grande ventre" ou a uma "enorme orelha" (ZA, II, Da redenção); não pode
contentar-se com um saber que é sinônimo de pedantismo e de fuga: do mesmo
modo que o Fausto anterior ao encontro com Mefistófeles, é "sombrio" o inte
lectual que "ainda não aprendeu o riso e a beleza" (Za, II, Dos seres sublimes).
Por outro lado, o saber não deve sequer reduzir-se a um prazer narcisista. Ao
contrário, deve saber encontrar uma relação apaixonada e fecunda com a vida e
com a realidade. Sim, não poucos intelectuais aspiram a "olhar a vida sem
desejo" e "com a vontade extinta"; "estão frescos e na sombra fresca", querem
ser apenas "espectadores" e, portanto, "tomam cuidado para não ficar onde o
sol queima sobre os degraus" (Za, II, Do imaculado conhecimento e Dos doutos).
Mas - objeta Zaratustra - "não creio em espíritos resfriados" (Za, IV, Do ho
mem superior, 9). Definitivamente, o autêntico "espírito livre" ou o "super
homem" sabe reconhecer-se no mundo e gozar dele, sem recuar com medo dian
te do negativo e da dor: "Somente onde há sepulcros há ressurreições" (Za, II, O
canto fúnebre). Dizer sim à vida, no entrançamento de alegria e dor, significa
dizer sim à doutrina do eterno retomo: "'Era esta a vida?' Quero dizer à morte:
'Pois muito bem, outra vez ! "' (Za, IV, O canto ébrio, 1).
No entanto, o grande moralista é apenas uma face da moeda, a outra é
constituída pelo aristocrata radical, que ferve de desprezo e de nojo por um
mundo em que a plebe "tomou-se senhora", na qual domina "aquilo que é femi
nino e de origem servil" (Za, IV, Do homem superior, 3). Para remediar essa
catástrofe é chamada uma batalha política sem exclusão de golpes . O ajuste de
contas com o movimento socialista e os seus miseráveis ideais de justiça é tam
bém o ajuste de contas com o filisteísmo do "último homem": "Acabai com eles,
acabai com os bons e os justos ! Meus irmãos, tendes compreendido também
esta palavra de ordem?" Aqueles para os quais essa palavra é dirigida parecem
recuar horrorizados. Aqui de novo intervém o moralista, mas agora ele se apre
senta no seu rosto mais inquietante:
Fugis de mim? Estais amedrontados? Tremeis ante esta palavra?
Ó meus irnlãos, quando mandei acabar com os bons e os justos e as tábuas dos
somente então embarquei o homem no rumo do seu mar alto.
bons e dos justos:
Falsos litorais e falsas certezas vos ensinaram os bons e os justos; em suas
mentiras nascestes e vos julgastes a salvo. Tudo foi falseado e desfigurado,
do princípio ao fim, pelos bons e os justos (Za, III, Das tábuas antigas e
novas, 27-8).
Uma virada é absolutamente necessária. Além da intervenção nas relações
político-sociais, impõem-se medidas eugênicas tão radicais que não excluem a
eliminação dos mal sucedidos. Estes, difundindo o seu ressentiment, muitas vezes
são também "moscas venenosas" e vorazes. Mesmo consciente da gravidade do
perigo, o espírito livre não parece ter adquirido a resolução que a situação exige.
E de novo se faz ouvir a admoestação do moralista e aristocrata radical: "Dema
siado altivo eu te julgo para matar esses gulosos. Mas toma cuidado em que não
se tome teu destino suportar-lhes toda a venenosa injustiça!" (Za, 1, Das moscas
venenosas). O espírito livre ainda hesitante é solicitado a não se deixar estorvar
por "tábuas antigas" e obsoletas que, ao anunciar a proibição bíblica do "não
matar", acabam na realidade assassinando a "própria verdade"; é chamado a não
absolutizar ou a deixar cair a proibição bíblica de "não matar" para, em vez dela,
fazer valer a "lei suprema da vida" (supra, cap. 1 9 § 5).
Agora está claro. Em Assim falou Zaratustra, a leveza do romance ou
poema pedagógico se entrelaça indissoluvelmente com a dureza e a brutalidade
do catecismo e do radicalismo aristocrático. Bastante significativo é o retrato
que Nietzsche traça de Zaratustra (e de si mesmo): "O espírito mais afirmador
entre todos" (EH, Assim falou Zaratustra, 6). Os sequazes e "companheiros"
de Zaratustra "serão chamados" não só de "desprezadores do bem e do mal",
mas também de "exterminadores" (Vernichter) (Za, 1, Prefácio de Zaratustra,
9). E não menos significativo é o retrato que Nietzsche traça de si mesmo (e de
Zaratustra): "Eu sou o destruidor par excellence" (EH, Porque eu sou um des
tino, 2). Esse destruidor reivindica para si o "direito ao aniquilamento" (supra,
cap. 1 9 § 6). Contudo, pode acrescentar e especificar: "contradigo e sou, toda
via, a antítese de um espírito negativo" (neinsagend); estamos diante de uma
contradição que, liquidando "muitos milênios" de negação da vida (a tradição
judeu-cristã no seu conjunto), é uma poderosa afirmação da vida (B, III, 5, p.
503). O fato é que, no filósofo e no protagonista do seu poema pedagógico,
"todos os opostos são ligados numa nova unidade". Assim é também na realida
de: "As forças mais altas e mais baixas da natureza humana, aquilo que é mais
doce, mais leviano e mais terrível jorra de uma só fonte com segurança imortal"
(EH, Assim falou Zaratustra, 6).
Algumas semanas depois da publicação de Além do bem e do mal, Nietzsche
escreve a um "caro amigo" que o seu novo trabalho "é uma espécie de comentá
rio ao meu Zaratustra" (B, III, 3, p. 270). Entrementes, Peter Gast viu o novo
950
livro e o lê como uma "campanha contra a democratização e o abaixamento e
apequenamento do homem moderno". O "devoto discípulo" ou o "grato discí
pulo'', como ele se afirma, exprime ao Mestre todo o seu entusiasmo:
São esplêndidas as vossas teorias político-morais agora expressas com clareza.
Muitos, que no nosso tempo não sabiam C9mO defender-se contra a onda cres
cente do domínio popular, serão por vós ajudados a superar a sua angústia:
penso que ainda há numerosas forças humanas, só que elas são guiadas de
modo errado e percebem que são guiadas de modo errado; no entanto, adquiri
riam nova vitalidade se alguém esclarecesse a sua tarefa, o que dificilmente
poderiam perceber nesse ar filantrópico doentio. A partir de vós deve ser data
do uma sublevação do Ocidente inteiro (B, m, 4, p. 1 93-4 e 1 95-6).
Lutero aparece aqui como uma espécie de aiatolá fundamentalista que queria
impor o rigor grosseiro, que ele retira do texto sagrado, a uma civilização niti
damente mais avançada e mais pluralista. É numa polêmica não só contra o
papado, mas também contra o luxo, a lascívia, o paganismo censurados ao
Renascimento, que brota a atitude "fanaticamente iconoclasta" da Reforma: 2º1 1
"As encantadoras imagens de Nossa Senhora foram destruídas". 201 2 A o monge
fanático se contrapõe um papa que, além de exprimir uma cultura mais refina
da, é decididamente "mais racional". 2013 Junto com as razões da cultura, Leão
X sabe escutar com sabedoria também as razões da carne:
Lutero, de fato, não compreendeu que a ideia do cristianismo, a anulação
dos sentidos, era por demais contrária à natureza humana para poder ser
realizada integralmente na vida; ele não entendeu que o catolicismo era -
por assim dizer - um acordo entre Deus e o diabo, ou seja, entre o espírito
e a matéria, mediante o qual em teoria era proclamado o predomínio abso
luto do espírito, mas a matéria era depois colocada em condições de exer
cer na prática todos os seus direitos cassados. Daí um hábil sistema de
concessões feitas pela Igreja em proveito dos sentidos, ainda que sempre
em formas que estigmatizam todo ato de sensualidade e garantem ao espí
rito as suas usurpações zombeteiras. 2014
Corno se vê, estamos diante de urna análise que por muitos motivos leva a
pensar na análise de Nietzsche. Ao esplendor de Shakespeare e do seu tempo,
Heine contrapõe "o tempo nivelador dos puritanos [ . . . ] que, junto com a monar
quia, teriam dado um fim também a toda alegria vital, a toda poesia e a toda arte
serena". 2º1 6 Nos puritanos ingleses, o "fanatismo republicano" se entrelaça es
treitamente com o "zelo ascético da fé".2017 De novo somos levados de volta a
Nietzsche e à sua denúncia da carga de fanatismo, ascetismo e espírito "nivelador"
presentes na Reforma e no puritanismo, incapazes de compreender tanto as
razões da arte (e do luxo) corno as razões da carne. No entanto, Heine não hesita
em celebrar Lutero e a Reforma corno um capítulo essencial da história da
liberdade.2018 Embora com incertezas e oscilações e não sem um tormento inte
rior, o grande poeta discípulo de Hegel não se aproveita dos aspectos regressi
vos das grandes revoluções para liquidá-las em bloco.
Nesse sentido Heine é mais profundo: vê que esse movimento parcialmente
reacionário (ou fundamentalista), que é a Reforma, prepara o caminho para a
revolução não só pelo que diz respeito à liberdade de pensamento, mas também
no plano do costume sexual:
Disse antes que o espiritualismo atacou entre nós - o catolicismo. Mas
-
isto vale apenas para o início da Reforma; assim que o espiritualismo abriu
uma brecha no antigo edificio eclesiástico, explodiu o sensualismo com
todo o seu ardor há tempo reprimido, e a Alemanha se transformou no
cenário em que a embriaguez de liberdade e alegria dos sentidos endoide
ciam selvagemente [ . . . ] . Pode-se dizer, antes, que a história exterior daque
la época tenha consistido quase exclusivamente em revoltas sensualistas. 201 9
Não é por acaso que a Reforma promove a abolição do celibato eclesiástico
e, portanto, a legitimação plena da sexualidade conjugal. Os camponeses que se
rebelam contra os senhores podem muito bem estar animados por furor ascético,
mas quais são os resultados objetivos da sua sublevação? "Em Münster, o
sensualismo girava nu pelas ruas nas vestes de Jan von Leyden, que ia depois
deitar-se com suas doze mulheres na grande alcova que ainda hoje se admira no
de e fala de modo "eloquente" já "aos nossos sentidos e ao nosso gosto" (AC, 60).
Desprovidos de "instintos respeitáveis, decorosos, asseados", os "Pais da Igreja"
na realidade "não são sequer homens" (AC, 59). Contudo, diversamente do que
nos iluministas, a reabilitação do corpo em Nietz.sche não é apenas o reconheci
mento do valor da vida sexual, da limpeza, da saúde: O islã diz "sim à vida" seja
"com as raras e refinadas preciosidades da vida moura", seja com os seus "instin
tos aristocratas e viris" (AC, 60), sabendo reconhecer os valores implícitos na
figura do macho e do guerreiro. Considerações análogas podem valer para o códi
go de Manu, também ele capaz de perceber o fascínio do "seio de uma menina",
mas, ao mesmo tempo, cheio de respeito pela figura do guerreiro: "valores nobres
por toda parte, um sentimento de perfeição, um dizer sim à vida", um dizer sim à
visão hierárquica, agônica e viril do mundo (AC, 56). Na vertente oposta, no
cristianismo, a sexofobia se entrelaça com a pusilanimidade diante da realidade e
dos conflitos que a caracterizam. Ao "realismo audaz", com a sua "veneração por
tudo o que é real", se opõe "altruísmo", "hipersensibilidade" e "feminismo no
gosto" (GD, Incursões de um inatual, 50). Portanto: "Niilismo e cristianismo
(Nihilist und Christ) são coisas que rimam, mas não rimam apenas" (AC, 5 8).
Este niilismo e essa incapacidade de apreciar os valores do eros, do polemos e da
hierarquia remetem a estratos sociais irremediavelmente bichados, carregados de
ressentiment em relação aos melhores e sempre prontos a agitar a bandeira da
"igualdade" e da 'justiça".
Em conclusão, o amor-natureza de Nietzsche não se confunde com o "livre
amplexo" de Heine. A vicissitude e o fim trágico de Carmen são a demonstração
última do fato que não há zona do real que se subtraia ao polemos. Este invade
tudo para caracterizar em profundidade o próprio eros. E, ainda uma vez, a figura
do grande moralista, que põe em guarda contra uma visão edificante do eros e que
condena a mutilação da personalidade implícita na mortificação da carne, se en
trelaça indissoluvelmente com a figura do aristocrata radical e brutal.
UNIVERSALISMO IMPERIAL
moral quem fala assim, mas a fisiologia (EH, Porque sou tão sábio, 6).
970
Enquanto "higiene" e terapia contra a "depressão", que num certo momen
to se produz, o budismo "não diz mais 'luta contra o pecado', e sim [ . . ] 'luta
.
contra a dor "'; em vez do louco altruísmo do cristianismo, "o egoísmo se torna
dever". Daí a sua recusa a fazer violência à natureza e essa sua capacidade de
dar "completamente razão à realidade", ele "é a única religião verdadeiramente
positivista que a história nos mostra [ ], deixou para trás o autoengano dos
. . .
dessagradora da sua filosofia, aquele fim das "grandes narrativas" que define a
"condição pós-moderna"2º51 não seria pensável. Teria sido ele o primeiro a ata
car, de modo radical, os mitos da Razão, da História, do Progresso, que carac
terizariam o desenvolvimento do moderno e que atravessariam em profundidade
a elaboração teórica não só de Hegel, mas do próprio Marx, também onde este
último acredita em proceder a uma crítica radical da ideologia. Desse ponto de
vista, a liquidação nietzscheana de tais mitos se configuraria como uma espécie
de metacrítica da crítica marxiana da ideologia, inspirada por projetos coletivos
e metaindividuais de libertação e emancipação, ainda toda atravessada por uma
"moderna" filosofia da história pronta a sacrificar o indivíduo no altar de um
universal teologizante e holístico.
Nietzsche, portanto, é como que grande teórico do indivíduo libertado dos
grilhões tanto do tradicionalismo pré-moderno como das "grandes narrativas"
modernas . Não são certamente poucas as páginas que parecem confirmar essa
interpretação. A favor da "moral do indivíduo maduro" se pronuncia Humano,
demasiado humano:
Todos nós, na verdade, sofremos ainda do demasiado pouco respeito do
que há em nós de pessoal; este é mal formado - devemos confessá-lo a nós
próprios: nossa mente foi mesmo desviada pela força e oferecida em sacri
ficio ao Estado, à ciência, aos necessitados, como se ela fosse a parte má,
que devesse ser sacrificada (MA, 95).
irresponsáveis perante ele quase como diante da planta ou da pedra" (MA, 1O1).
Dir-se-ia que desapareceram as categorias intermédias entre a identidade e a
estraneidade radical, e essa estraneidade, por sua vez, não tem dificuldade de se
potenciar em antítese: "Todos nós, quando a diferença entre nós e um outro ser é
muito grande, já não sentimos mais nada de injusto e matamos um mosquito, por
exemplo, sem nenhum remorso". Xerxes manda fazer em pedaços o filho de um
crítico da sua projetada expedição: a vítima "ocupa um posto muito baixo para
poder provocar por mais tempo remorsos num soberano do mundo" (MA, 81).
Não tem sentido falar de uma comunidade moral que abrange os homens no
seu conjunto: "Uma moral com prescrições universais não faz justiça a cada indi
víduo" (IX, 465), e sobretudo comete o erro de confundir "os indivíduos, aqueles
verdadeiros em si e para si" com "os seus opostos, os homens do rebanho" (FW,
23). Por outro lado, também a análise histórica chega a uma conclusão bastante
significativa: "Ajustiça (equidade) tem origem entre homens com poder aproxi
madamente igual [ ... ]. Por isso, a justiça é compensação, troca, com base no
pressuposto de uma posição de força quase igual" (MA, 92). Portanto,
Na qualidade de bom se pertence aos "bons", a uma comunidade que tem o
sentimento da pertença comum, porque todos os indivíduos estão tinidos
entre si pelo sentido da retribuição. Na qualidade de "mau" se pertence aos
"maus", um amontoado de homens oprimidos e impotentes, que não têm o
sentimento da pertença comum. Os bons são uma casta, os maus uma mas
sa, como a poeira. Bom e mau equivalem por um certo tempo a nobre e
baixo, a senhor e escravo [ . . . ]. Na comunidade dos bons o bem é herdado;
é impossível que de uma terra tão boa cresça um mau (MA, 45).
Em conclusão, "toda bondade se desenvolve apenas entre iguais" (XI, 541).
Vejamos como se comportam as "naturezas orgulhosas":
Diante do sofredor elas são frequentemente duras, pois ele não é digno de
seu esforço e do seu orgulho; mas se mostram mais corteses para com os
seus iguais, com quem seria honroso lutar e disputar, se um dia houver
para isso ocasião. No sentimento de bem-estar inspirado por essa perspec
tiva, os homens da casta cavalheiresca se habituaram a tratar um ao outro
com esmerada cortesia (FW, 13).
E Nietzsche, tal como é brutal ao escavar e tornar intransponível o abismo
que separa a "casta superior" da massa anônima e impessoal dos instrumentos de
trabalho, revela-se igualmente sedutor e "cortês" quando se dirige aos indivíduos
que pertencem à "casta superior": "Busco para mim e para os meus iguais um
canto de sol no meio do mundo hoje real, o das ideias iluminadas pelo sol que nos
fornecem bem-estar em superabundância. Cada um faça isto para si e deixe de
lado os discursos em geral, os discursos dirigidos à 'sociedade'!" (IX, 455).
A fim de pesquisar melhor a ligação entre o individualismo e anti-individu
alismo em Nietzsche, continuamos a analisar a tradição que age por trás dele.
Para justificar a sua "moção de conciliação" com as colônias americanas rebel
des em nome da liberdade, Burke aduz um argumento bastante significativo:
não se pode negar a liberdade àqueles que fazem parte de uma "nação em cujas
veias circula o sangue da liberdade", aos membros da "raça eleita dos filhos da
Inglaterra'', todos adoradores da "liberdade"; é uma questão de "genealogia'',
contra a qual se mostram impotentes os "artificios humanos". 2056 Da comunida
de eleita dos livres fazem parte integrante os proprietários de escravos: ou an
tes, são exatamente eles que têm apreço particular pela liberdade e a percebem,
em oposição aos seus escravos, como algo "nobre" e "liberal".2º57 Longe de
estar em contradição com a afirmação ou o reconhecimento do instituto da es
cravidão, o valor da liberdade encontra aqui a sua mais plena encarnação exa
tamente nos proprietários de escravos.
Voltando atrás na reconstrução da história desse modo de se comportar,
convém fazer referência sobretudo à antiguidade clássica, objeto da saudade de
Nietzsche: opondo-a aos asiáticos que "vivem continuamente subjugados e na
servidão", Aristóteles celebra "a estirpe dos helenos", não só pela sua liberdade,
mas também pela sua capacidade de "dominartodos".2058 A celebração da liber
dade se entrelaça com a celebração do domínio que, também, inclui a perda da
liberdade por parte daqueles que são obrigados a sofrê-lo. E é nesse mesmo
sentido que Cícero2059 celebra os liberi populi, entre os quais um lugar eminen
te ocupa Roma, que também pratica a escravização em massa dos povos derro
tados e considerados indignos da liberdade.
De resto, tentemos analisar a dicotomia liberdade/escravidão, no centro da
tradição liberal e também do pensamento de Nietzsche, a partir do significado
etimológico dos dois termos deste par conceituai. Doulos e servus fazem refe-
2056 Burke, 1826, vol. III, pp. 66 e 124 (= Burke, 1963, pp. 100 e 142-3).
2º57 Burke, 1826, vol. III, p. 54 (= Burke, 1963, p. 91).
2058 Política, VIT, 7.
2059 República, 1, 48.
rência em primeiro lugar a uma condição de estraneidade, de exclusão. No que
diz respeito ao termo "livre", "o sentido original não é, como estaríamos tenta
dos a pensar, ' livre de qualquer coisa', mas de pertença" a um grupo étnico, a
uma raça. É tal pertença, "designada com uma metáfora de crescimento vege
tal", que confere "um privilégio que o estrangeiro e o escravo nunca conhecem".
Livres é uma "noção coletiva'', é um "grupo de crescimento'', uma "estirpe'', "o
conjunto daqueles que nascera.me se desenvolveram juntos". Não por acaso, o
étimo de liber é também o dos liberi, os filhos que cresceram no âmbito da
mesma comunidade familiar. E a liberdade é um sinal de distinção que compete
aos "bem nascidos" e só a eles .2060
Por paradoxal que possa parecer à primeira vista, também indivíduo é
uma "noção coletiva". A celebração da liberdade do indivíduo pode bem conju
gar-se, e historicamente se conj uga, com a enunciação de rígidas cláusulas de
exclusão, ou seja, com a autoproclamação por parte de um grupo étnico e social
de ser o intérprete privilegiado ou exclusivo do valor da liberdade e da autono
mia individual. O pathos do indivíduo não está em contradição com o pathos da
comunidade peculiar e privilegiada, à qual remete o seu estatus de homem livre
e de indivíduo no sentido forte do termo.
É uma dialética bem presente no âmbito do protoliberalismo. Nietzsche
toma consciência disso: e aqui está a confirmação de sua audácia e agudeza
filosófica. Mas ele toma consciência dessa dialética não para refutá-la, mas
para reforçá-la e radicalizá-la depois: e aqui está a prova do caráter rigoroso e
coerentemente reacionário do seu pensamento. Agora é claro: ao individualismo
da minoria privilegiada, que no otium deve mover-se com liberdade e sem pre
ocupação, corresponde de modo funcional o espírito gregário da massa dos
escravos destinados ao trabalho duro e à vergonha do trabalho, mas também à
disciplina e à subordinação.
2066 Hegel, 1969-79, vol. VII, p. 342 (Grundlinien der Philosophie des Rechts, § 185 A).
2061 Marx-Engels, 1 975, p. 77 (= Marx-Engels, 1955, vol. IX, pp. 132-3).
2068 Warneck, 1879, pp. 1 50 e 198.
mais repugnante, as partes doentes se tomam às vezes o "vômito", os "excrementos
da sociedade". Não tem sentido fazer referência a classes ou "raças oprimidas"
para explicar a presença de "anarquistas" e socialistas: a "sociedade" deve
readquirir a "força" de "defecá-los" (XIII. 503-4). O organismo, essa totalidade
que exige a amputação das partes doentes ou a defecação dos seus excrementos,
assume os nomes mais diversos. Já vimos alguns: "civilização", "espécie", "vida".
Noutras ocasiões, Nietzsche prefere falar de "sociedade'', chamada a exercer so
bre os seus membros o mais rigoroso controle eugênico (XIII, 4 1 3 e 5999), de
"conservação da sociedade" (AC, 57), a garantir mediante a neutralização dos
"elementos antissociais" (XIII, 430), ou de "utilidade pública" (AC, 57). Assisti
mos a uma inversão de posições com respeito ao nominalismo antropológico an
teriormente constatado? Não se trata disto. Exatamente porque não são subsumíveis
na categoria de homem enquanto tal, os servos, os plebeus e, com maior razão, os
mal sucedidos se tornam sacrificáveis em nome da conservação de um universal
do qual na realidade não fazem parte, do qual são excluídos. Nominalismo antro
pológico extremo e holismo voraz são duas faces da mesma moeda.
A interpretação de Nietzsche em perspectiva individualista e pós-moderna
abstrai, de modo arbitrário, da sorte reservada aos fracassados, aos mal sucedi
dos, aos derrotados amarrados ao carro da civilização, abstrai da sorte daqueles
que constituem a grande maioria da humanidade. Olhando bem, essa interpreta
ção apresenta não poucos pontos de contato com a apologética ou a autoapologética
hoje dominante do pensamento liberal. A fim de percebermos o seu caráter enga
noso, demos a palavra a Mandeville: "Para tornar a sociedade feliz é necessário
que a grande maioria permaneça tanto ignorante como pobre"; "a riqueza mais
segura consiste numa massa de pobres laboriosos".2059 Às mesmas conclusões
chega, na França, Destutt de Tracy: "As nações pobres são aquelas nas quais o
povo vive em condições de comodidade, ao passo que as nações ricas são aquelas
nas quais ele é comumente pobre". 2070 Estas declarações encontram-se em O ca
pital, no âmbito da denúncia do caráter mistificador de um universal habilitado a
impor o sacrificio da maior parte dos membros que em teoria o constitui. Outros
trechos poderiam ser acrescentados aos citados por Marx. Permaneçamos na In
glaterra do Século XVIII, no país saído da Gloriosa Revolução, e demos a palavra
aArthur Young: "Todos, exceto os idiotas, sabem que as classes inferiores devem
ser mantidas pobres, do contrário nunca serão industriosas"2071 e não produzirão
a "riqueza das nações" de que fala Smith.
988
quele da vida, da natureza e da história". E, tal como o projeto político revoluci
onário, também a moral universalista, empenhada em construir a figura não me
nos arbitrária do sujeito moral enquanto tal, é uma "grande narrativa", uma enge
nharia social desastrosa, que ignora e coage a natureza: "Para que existe uma
moral, se vida, natureza e história são 'imorais'?" (FW, 344).
A tentativa de modificar e melhorar a natureza mediante a eliminação ou a
regulamentação das relações de hierarquização e de violência que a constituem
é portadora apenas de catástrofes: é preciso nunca perder de vista as
"consequências desmedidamente sinistras do otimismo, essa criatura dos homines
optimi". Ao se pretender salvar a civilização, não se deve "admitir a toda hora
a interferência de mãos míopes e bonachonas". Isso significaria "tirar da exis
tência aquela grandeza que é o seu caráter, castrar a humanidade e reduzi-la à
mísera chinesaria". É por isto que "Zaratustra chama os bons ora de 'os últimos
homens ', ora de 'o princípio do fim"' (EH, Porque eu sou um destino, 4).
O sujeito, que está no centro do discurso revolucionário e do discurso
moral, é o resultado de uma dupla operação de engenharia social, que, por um
lado, reduz à unidade uma multiplicidade de processos vitais e, por outro lado,
arranca esta unidade do mundo natural do qual é parte constitutiva para igualá
la às outras unidades construídas de modo análogo. A crítica dessa dupla opera
ção de engenharia social é, por um lado, a destruição de uma unidade puramen
te "imaginária", e por outro lado, a reconstrução da unidade real:
Somos os rebentos de uma só árvore. O que sabemos do que podemos tornar
nos no interesse da átvore? Na consciência, porém, sentimos como se quisés
semos e devêssemos ser tudo, chegamos a fantasiar sobre um "eu" oposto a
todo o resto, ao "não-eu". Parar de sentir-se como esse fantástico ego! Apren
der gradualmente a libertar-nos desse presumido indivíduo! Descobrir os
erros do ego! Compreender o egoísmo enquanto erro ! O oposto não é absolu
tamente o altruísmo, que seria amor pelos outros presumidos indivíduos.
Não ! Além de "mim" e de "ti" ! Sentir de modo cósmico! (IX, 443).
s declarações citadas acima nos dão uma ideia do clima espiritual em que
Asurgiu e se afirmou a interpretação de Nietzsche hoje dominante. O caso
extremo é representado por Giorgio Colli, segundo o qual se deve ler o filósofo
simplesmente entregando-se ao fascínio musical da sua esplêndida prosa. Nesse
momento, Montinari procura resistir. Mas as expressões duras e pungentes, às
quais recorre, não nos devem enganar: estamos na véspera de uma capitulação.
Prevaleceu a leitura em perspectiva "musical" cara a Colli, ou seja, uma leitura
casta (Kaste) dominante, todo instinto de poder" (FW, 358). A casta se torna a
"classe" na tradução italiana (Opere, V, II, p. 272). Do mesmo modo em outros
contextos ainda mais significativos. É "próprio de toda época forte" afirma O
-
crepúsculo dos ídolos manter "o abismo entre homem e homem, entre categoria
-
Sem dúvida, quem nunca vive a tempo, corno iria morrer a tempo? [Seria
preciso que não tivesse nascido! É isto que aconselho aos supérfluos.
-
1. O desapontamento de Gadamer
3. Emerson e Nietzsche
2 1 19 Baeumler 193 1 .
2120 Em português, "sobre-homem". Baeumler 2003.
tando os mesmos autores de referência, polemiza contra o "feitiço" ou o "ídolo"
da "democracia'', evoca uma "nova aristocracia" ou uma "nova nobreza" e
exprime a sua admiração por Teógnis e pela batalha por ele travada contra os
matrimônios mistos entre nobreza e plebe. O "além-homem" caro à esquerda
pós-moderna ou o "sobre-homem" caro à nova direita é invocado para operar o
milagre da remoção, além da eugenia, também e sobretudo do Untermensch!
Há, porém, uma encenação nessa vicissitude linguístico-ideológica: O autor
do qual se fala não é alemão, mas um estadunidense que estudou na Alemanha e
que em 1 922, foi o primeiro a cunhar o termo Under Man, sobre cuja ameaça
chama a atenção o subtítulo do livro publicado por ele. É um livro imediatamente
traduzido na Alemanha: assim o Under Man se toma o Untermensch, uma cate
goria apaixonadamente celebrada por Rosenberg, o qual reconhece a sua dívida
em relação a Lothrop Stoddard, o autor estadunidense em questão, ao qual, aliás,
dois presidentes estadunidenses, Harding e Hoover, exprimem o seu aplauso. Como
se vê, a alternativa à hermenêutica da inocência não é a linha reta de continuidade
entre Nietzsche e Hitler! Antes ainda do bolchevique oriental e asiático, o
Untermensch visado pelo ideólogo estadunidense se refere aos negros e aos peles
vennelhas que são objeto, nos anos seguintes ao fim da Guerra de Secessão, de
uma violência terrorista ou de práticas genocidas. Considerações análogas podem
ser feitas para o outro termo da dicotomia conceituai aqui analisada. No início do
Século XX, vemos um poeta inglês, John Davidson, por um lado, referir-se ani
madamente à teoria do super-homem, e, por outro lado, criticá-la por causa do seu
caráter cosmopolítico. Assim escapava de Nietzsche uma verdade fundamental:
"O inglês é o super-homem, e a história da Inglaterra é a história da sua evolu
ção". De opinião diferente, porém, naquele mesmo período de tempo, é um outro
cantor do imperialismo, um autor italiano, Angelo Mosso, fascinado de modo
todo particular pela epopeia do Far West: "oyankee representa o super-homem".2121
Portanto, para compreender os motivos mais repugnantes da filosofia de
Nietzsche (a outra face do radical e fascinante projeto de emancipação que ele pensa
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Feminismo, 370, 93 1; vertambém Abolicio Fõrster-Nietzsche, Elisabeth, 742, 1019
nismo, Mulher, Matrimônio, Procria Foucault, Michel, 741, 892, 910, 9 1 1, 994,
ção, Ressentimento 995, 996, 997, 1002, 1019
Fenske, Hans, 1035 França, 28, 29, 31, 32, 33, 36, 37, 39, 40, 4 1,
Féré, Charles-Samson, 428, 640 44, 45, 46, 47, 49, 52, 73, 81, 90, 91, 97,
Ferguson, Adam, 4 1 9 103, 1 05, 124, 128, 1 29, 136, 140, 141,
Ferrari Zumbini, Massimo, 1035 143, 145, 146, 149, 1 50, 163, 168, 1 69,
Ferraris, Maurizio, 1035 182, 1 94, 1 95, 224, 225, 228, 230, 233,
Ferry, Jules, 380 235, 238, 239, 242, 243, 245, 247, 256,
Ferry, Luc, 1035 268, 269, 274, 292, 297, 298, 300, 304,
Fest, Joachim C., 1035 3 1 1 , 3 17, 325, 333, 375, 383, 387, 389,
Feuerbach, LudwigAndreas, 156, 157, 267, 395, 399, 400, 404, 420, 454, 458, 462,
387, 454, 487, 502, 658, 725 463, 465, 466, 467, 472, 489, 499, 5 17,
Fichte, Johann Gottlieb, 37, 38, 39, 43, 141, 523, 528, 529, 534, 535, 543, 544, 545,
145, 256, 498, 499, 500, 5 14, 5 15, 5 18, 552, 559, 562, 564, 591, 619, 632, 637,
850, 895, 896,940 649, 650, 652, 658, 663, 674, 681 , 692,
Figes, Orlando, 1036 693, 694, 695, 703, 727, 736, 75 1, 755,
Filalete, 219, 221, 445, 448 756, 759, 760, 761, 765, 772, 774, 779,
Filêmon, 382 786, 793, 803, 817, 83 1, 842, 880, 966,
Filipe II Augusto, rei da França, 501 967, 986, 1016
Fi/isteismo, 177, 181, 1 82, 183, 184, 196, e Alemanha, 226, 245
238, 328, 366, 367, 429, 645, 7 1 1 , 751, ejudaísmo, 1 1 1, 128
766, 904, 946, 949 ver também Comuna de Paris, Revolu
ejudaísmo, 181, 182 ção (francesa)
"Filojudaismo" de Nietzsche, 485; vertam Francisco de Assis, santo, 466
bém Antijudaísmo, Antissemitismo, Frank, Hans, 801
Eugenia, Judiofobia, Racialização Frankel, Jonathan, 1036
Filologia, 2 1 , 25, 27, 41, 73, 83, 1 12, 158, Franklin, Benjamin, 960
187, 200, 268, 288, 381, 620, 707, 7 12, Frantz, Konstantin, 145, 202, 229, 75 1
840, 843, 861 , 865, 871, 872, 873, 874, Frauenstãdt, Julius, 446
875 , 876, 878, 879, 885, 905 Frederico Guilherme IV, rei da Prussia, 515
e filosofia, 872 Frederico II Hohenstaufen, imperador, 544,
Fink, ArthurE., 1035 680, 760, 763
Fink, Eugen, 1035 Frederico II Hohenzollem, rei da Prússia
Fischer, Kuno, 339 (Frederico o Grande), 920
Fitzhugh, George, 381, 390, 409, 680, 681, Frederico III, imperador da Alemanha, 529,
884 53 1, 532, 542, 551, 552, 553, 554, 763
Flaubert, Gustave, 250, 632, 772 Fredrickson, George M., 1036
Fleischmann, Eugene, 1036 Freidenker, 246, 353, 457; ver também In
Fletcher, Andrew, 389 telectuais, Trabalho (intelectual), So-
ciologia (das classes intelectuais), Es Mito (genealógico ariano-germânico;
pírito (livre) genealógico ariano-greco-germânico),
Freud, Sigmund, 922 Mitologia (ariana, Socratismo
Frigessi, Delia, 1037 Gernet, Jacques, 1037
Fritsch, Theodor (Thomas Frey), 558, 567, Gersdorff, Carl von, 29, 38, 40, 44, 50, 5 1 ,
570, 575, 721 , 779, 807 54, 65, 67, 76, 78, 79, 1 12, 1 13, 120, 164,
Fronde, Anthony James, 3 9 1 174, 1 75, 1 76, 180, 1 86, 195, 198, 220,
Fuchs, Carl, 1 3 1 , 387, 843
Fuchs, Dieter, 1036 Gervinus, Georg Gottfried, 842
Geyer, Ludwig, 169, 57 1
G Giametta, Sossio, 1013, 1014
Gadamer, Hans Georg, 101 1 , 1012, 10 17, Gioberti, Vincenzo, 145, 495
1023 Giordani, Igino, 1038
Gager, John e., 1036 Girardet, Raoul, 1038
"Gaia ciência {A)", 26, 133, 212, 265, 274, Glanz, James, 1038
285, 291 , 326, 328, 329, 330, 333, 337, "G/orious revolution", 497
355, 361, 372, 476, 494, 507, 590, 592, Gobineau, Joseph-Arthur de, 57, 100, 290,
593, 602, 605, 644,658, 735, 763, 819, 843, 304, 389, 409, 4 1 1 , 412, 413, 617, 61 8,
855, 862, 897, 906, 912, 924, 995, 1005 7 10, 745, 75 1, 752, 753, 756, 773, 782,
Gall, Lothar, 1053 784, 792, 795, 796, 797, 798, 829, 832,
Galofobia, 39, 234, 257; ver também Ale 925, 969, 1006
manha (e França), Teutomania Godechot, Jacques, 1 03 8
Galton, Francis, 528, 588, 589, 596, 604, 612, Goebbels, Joseph, 752, 785, 820
6 17, 6 18, 640, 674, 702, 713, 729, 773, Goethe, Johann Wolfgang, 23, 27, 144, 151,
791 , 826, 827, 838, 1006, 1021 163, 207, 237, 238, 241 , 256, 257, 327,
Gambetta, Léon, 296 384, 763, 764, 775, 890, 891
Gandhi, Mohandas Karamchand, 579 Goncourt, ver Huot de Goncourt, 759
Gans, Eduard, 169, 1 96, 229 Gõrres, Joseph, 39, 105, 143
Gast, Peter (Heinrich Kõselitz), 494, 548, Goudsblom, Johan, 1038
793, 844, 950, 951 Graetz, Heinrich, 556, 557
Gay, Peter, 1037 Gramsci, Antônio, 425, 505, 92 1, 922
Geffcken, Heinrich, 554 Grécia, 22, 24, 25, 28, 3 1, 32, 33, 35, 43, 47,
Geibel, Emanuel, 146, 270 54, 70, 72, 73, 74, 75, 127, 129, 130, 133,
"Genealogia da morar', 363, 3 86, 388, 1 39, 142, 143, 144, 149, 150, 1 5 1 , 153,
409, 568, 569, 583, 642, 643, 708, 710, 16 1, 165, 200, 202, 219, 223,224, 226, 227,
776, 804, 8 1 1, 812, 859, 870, 984, 1005 239, 240, 241, 242, 298, 302, 3 19, 381, 403,
Genovese, Eugene D., 1037 404,406,407,464,468,591, 596,623,692,
Gentz, Friedrich von, 49, 88, 94, 96, 1 93, 695, 767, 769, 787, 789, 790, 847, 861,
206, 239, 253, 256, 497, 517, 640, 925 871, 886, 939, 940, 965, 984
George, Stefan, 744 e mito genealógico greco-germânico,
Gerlach, Otto von, 382 152, 787, 788
Germanismo/judaísmo, 1 1 8, 127; ver tam- e Roma, 240
bém Ariano, Judaísmo, Alemanha,
1084
ver também Apolíneo, Dionisíaco, de Secessão, 28, 3 1 8, 380, 381, 3 84,
Helenismo, Otium, Polis, Escravidão 385, 387, 392, 393, 399, 400, 401 , 408,
Grégoire, Baptiste-Henri, 383, 472 409, 4 17, 435, 440, 466, 480, 6 1 1 , 6 14,
Gregório VII, papa, 504 680, 682, 691, 703, 785, 919, 930, 940,
Griesinger, Theodor, 1039 991, 1022
Grimm, Hennan, 143, 1039 socialistas, 322, 6 12, 1007; ver também
Grimm, Jacob Ludwig Karl, 143, 1039 Revolução
Grimm, Wilhelm Karl, 143, 1039 total, 603, 790, 791, 793, 794
Groethuysen, Bernard, 1039 ver também Exército, Chauvinismo
Grote, George, 843 Guesde, Jules, 333
Grotius, Hugo (Huig van Groot), 394 Guilherme 1, imperador da Alemanha, 247,
<Juerra(S), 22, 28, 36, 37, 38, 39,40, 41, 44,46, 329, 3 3 1 , 332, 333, 356, 367, 374, 400,
71, 73, 81, 83, 84, 85, 86, 91, 108, 1 14, 123, 530, 53 1, 536, 537, 539, 540, 542, 552, 554
127, 134, 135, 136, 137, 139, 142, 143, 145, Guilherme II, imperador da Alemanha, 270,
146, 149, 150, 152, 154, 180, 192,211, 213, 381, 523, 529, 53 1 , 533, 5 34, 535, 536,
226, 234, 238, 247, 256, 268, 269, 270, 287, 537, 39, 542, 543, 545, 546, 547, 55 1, 552,
296, 298, 3 15, 320, 321, 325, 355, 362, 371, 553, 554, 555, 564, 565, 57 1, 576, 585,
372, 373, 374, 376, 386, 394, 399, 402, 483, 606, 607, 757, 763, 83 1, 832
536, 540, 543, 544, 546, 594, 603, (,()4, 606, Guillemin, Henri, 1039
607, 6 12, 659, 683, 691, 692, 693, 694, 697, Guizot, François-Pierre-Guillaume, 399, 400,
699, 703, 704, 707, 710, 713, 720, 733, 736, 420, 842
744, 746, 750, 751, 752, 761, 764, 771, 772, Gumplowicz, Ludwig, 49, 481, 677, 707, 725,
776, 783, 784, 785, 786, 788, 789, 791, 793, 773, 799
794, 825, 829, 830, 866, 871, 907, 910 Gutman, Robert W., 1039
antinapoleônicas, 36, 37, 39, 234, 235, Gutzkow, KarlFerdinand, 1 85, 424, 1039
5 1 9, 527; ver também Galofobia,
Teutomania H
e arte, 694, 695, 697, 744, 800 Haase, Marie-Luise, 1039
civil européia, 772 Habermas Jürgen, 838, 1039
coloniais, 32 1 , 330, 6 1 3, 961 ; ver tam Hades, 58, 85
bém Colonialismo Hagen, 139
dos camponeses, 465, 467, 5 1 1, 527, Haller, Karl Ludwigvon, 88, 444
762, 856 Hamilton, Alexander, 770
franco-prussiana, 43, 47, 75, 78, 195, Hamlet, 367
227, 235, 248, 620 Hammer, Karl, 1040
de independência americana, 227, 387, Hamsun, Knut, 786
455, 466, 540 Hãndel, Georg Friedrich, 886
do ópio, 3 13, 691, 692 Hardenberg, Friedrich Leoponld von, ver
humanitária, 96 1, 964 Novalis
primeira g. mundial, 362, 524, 553, 615, Harding, Warren Gramaliel, 828, 1022
6 18, 668, 690, 722, 743, 744, 752, 780, Harmonicismo, 427; ver também Holismo,
830, 832 Universalidade (mistificação da)
de religião, 90, 293, 371
Harrington, J. Drew, 1040 Herf, Jeffrey, 1041
Hartmann, Eduard von, 625, 707 Herre, Franz, 1042
Hartz, Louis, 1040 Herzen, Aleksandr Ivanovitch, 96, 3 13, 383,
Havens, George Remington, 1040 50 1, 504, 517, 524, 680, 681
Hayek, Friedrich August von, 641, 642 Hesíodo, 278
Haym, Rudolf, 94, 95, 97, 105, 155, 183, 194, Hess, Moses, 52, 569
1 95, 299, 300, 301, 404, 493, 5 17, . 621 , Hildebrand, Karl, 1042
622, 623, 1040 Hillebrand, Karl, 722, 759
Hayman, Ronald, 1041 Hillel o Velho, 167
Hedonismo, 5 1 ; ver também Sensualismo Hillgruber, Andreas, 1042
Hegel, Georg WillielmFriedrich, 24, 71, 76, Himmelfarb, Gertrude, 1042
84, 85, 95, 96, 162, 1 68, 169, 171, 181, Himmler, Heinrich, 785, 801, 825
1 94, 1 95, 1 96, 197, 1 98, 201 , 204, 2 17, Hindu ismo, 54, 100, 480, 960; ver também
265, 266, 339, 340, 404, 406, 443, 454, Índia
456, 472, 492, 495, 500, 501, 518, 592, Hirschman, Albert O., 1042
6 1 9, 620, 622, 632, 639, 649, 667, 735, História, 21, 22, 26, 29, 3 1 , 37, 45, 5 1, 55,
74 1 , 763, 764, 768, 841, 856, 876, 952, 58, 59, 63, 71,76, 83, 84, 85, 99, 103, 104,
954, 967, 972, 975, 984, 987, 991 , 993, 106, 125, 130, 1 3 1 , 144, 154, 156, 158,
998 162, 169, 172, 182, 199, 200, 201, 202,
Heidegger, Martin, 717, 742, 785, 787, 788, 203, 204, 205, 206, 209, 210, 2 1 1 , 2 12,
789, 792, 1019, 1021 213, 225, 230, 270, 389, 444, 469, 705,
Heine, Heinrich, 50, 52, 60, 61, 62, 63, 64, 708, 710, 714, 719, 726, 730, 734, 735,
69, 70, 76, 85, 86, 1 1 2, 123, 1 24, 157, 738, 739, 742, 746, 748, 76 1, 763, 764,
17 1, 183, 185, 196, 1 97, 229, 238, 250, 77 1 , 781, 784, 785, 792, 794, 795, 807,
256, 265, 266, 301, 303, 309, 454, 472, 808, 809, 814, 816, 817, 818, 82 1, 822,
473, 647, 686, 722, 952, 953, 954, 955, 826, 827, 828, 829, 833, 838, 839, 840,
956, 957 841, 842, 843, 844, 845, 846, 847, 852,
Heise, Willielm, 1041 853, 861, 866, 871, 872, 874, 875, 876,
Helena, 150, 153 879, 881, 883, 884, 886, 888, 892, 893,
Helenismo, 130, 161, 227, 237, 240, 247, 3 17, 903, 904, 906, 909, 9 1 1, 975; ver taff1-
31 9, 470, 486, 729, 764, 767, 775, 891 bém Eterno retorno, Inocência do
e alexandrinismo, 129, 470 devir, Progresso
autêntico e socratismo, 775, 789, 82 1 crítica, 57, 213
trágico e modernidade, 240, 270, 325, filosofia da, 61, 76, 1 95, 201 , 2 03, 204,
375, 489, 591, 767, 787 205, 206, 207, 208, 209, 287, 288, 295,
ver também Alemanha (herdeira do 464, 474, 492, 538, 539, 540, 843, 846,
helenismo trágico), Grécia, Tragédia 85 1, 928, 967, 975
Helvétius, Claude-Adrien, 236, 423, 758 monumental, 2 1 2, 2 1 3 ; ver também
Heráclito de Éfeso, 27, 86, 149, 477, 591, "Utilidade e dano da história para a
69 1, 744, 788, 823, 848 vida (sobre a)"
Hércules, 1 15, 955, 1002 da moral, 2 87 ; ver também Moral
Herder, Johann Gottfried, 645, 680, 843, e radicalização da consciência lústórica,
874
universal, 84, 200, 205, 479, 588, 734, 702, 709, 710, 7 1 1 , 7 13, 723, 729, 730,
794, 809, 826, 843, 844, 85 1 , 95 1 , 967, 735, 736, 745, 750, 75 1 , 758, 760, 770,
969, 973 785, 787, 805, 807, 809, 8 14, 824, 826,
Hitler, Adolf, 7 1 9, 734, 739, 740, 741 , 742, 835, 838, 839, 845, 846, 848, 85 1 , 857,
744,745,746,747, 748, 749, 752,753, 754, 863, 865, 869, 872, 877, 880, 881 , 882,
783, 785, 786, 789, 793, 798, 800, 801 , 883, 884, 889, 890, 891, 895, 898, 901 ,
806, 807,8 16, 820, 823, 824, 825, 828, 83 1, 902, 903, 905, 907, 909, 912
832, 1013, 1017, 1019, 1020, 1022 - dignidade do, 31, 33, 35, 98, 107, 198,
Hobhouse, Leonard Trelawny, 1 042 273, 670, 674, 675, 935, 959; ver tam
Hobsbawm, Eric John, 736, 74 1 , 1019 bém "Utilidade e dano da história para a
Hobson, John A.,708, 1043 vida (Sobre a)"
Hoffman, Géza voo, 1043 direitos do, 33, 48, 68, 88, 98, 99, 100,
Hofstadter, Richard, 1043 101, 206, 285, 286, 293 , 479, 495, 609,
Holbach, Paul-Henri Dietrich de, 159 650, 652, 669, 670, 673, 674, 675, 677,
Hõlderlin, Friedrich, 941 973, 990, 996 ; ver também Democra
Holismo, 208, 975, 984, 986, 987; ver tam cia, Sufrágio
bém Individualismo de Goethe, 214, 216, 217, 238, 668, 904
Homem, 22, 25, 30, 33, 42, 49, 53, 54, 58, 62, natureza do, 49, 52, 54, 334, 369, 645;
63, 64, 65, 67, 68, 72, 75, 86, 87, 9 1 , 94, ver também Moral, Pecado
95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, de Rousseau, 2 14, 21 6, 2 17, 249, 256,
105, 1 06, 107, 1 10, 120, 121, 142, 1 56, 261, 262, 840, 904
157, 1 58, 1 59, 1 6 1 , 1 70, 1 87, 1 89, 1 96, de Schopenhauer, 2 1 4, 2 16, 2 17, 220,
1 98, 200, 201 , 203, 207, 208, 209, 2 1 1 , 236, 347, 840, 904
2 12, 2 14, 2 15, 2 16, 220, 221 , 232, 233, de Voltaire, 261, 262
234, 237, 241, 243, 244, 248, 249, 250, Homero, 56, 142, 148, 241 , 426, 971
254, 255, 259, 260, 262, 263, 264, 265, Hoover, Herbert Clark, 828, 1022
266, 272, 275, 277, 278, 279, 280, 281, Horácio Flaco, Quinto, 1 5 1 , 488
282, 284, 285, 286, 287, 289, 290, 297, Horkeimer, Max, 505
298, 302, 305, 3 1 1, 3 14, 3 16, 335, 340, Huard, Raymond, 1043
341 , 342, 343, 344, 352, 355, 358, 359, Huber, Victor-Aimé, 402
360, 361, 364, 365, 369, 370, 375, 377, Hugo, Gustav, 1043
388, 3 89, 3 9 1 , 394, 396, 398, 4 12, 4 17, Hugo, Victor, 32, 442, 472, 504, 630, 632,
4 18, 420, 42 1, 422, 423, 424, 425, 426, 681, 759, 766, 839, 845, 887
43 1 , 433, 435, 441 , 444, 447, 45 1 , 458, Humanismo, 1 63, 230, 502 ; ver também
463, 464, 466, 473, 475, 477, 479, 480, Norte/Sul, Renascimento
48 1 , 483, 484, 485, 486, 487, 493 , 501, Humanitarismo, 6 18, 7 10, 729, 736, 93 1 ;
507, 5 12, 5 14, 5 15, 526, 538, 556, 564, ver também Economia política, Moral
575, 580, 584, 585, 593, 594, 595, 598, (da compaixão)
600, 602, 603, 604, 607, 609, 6 1 1 , 6 16, "Humano, demasiado humano", 14 7, 223,
623, 624, 629, 632, 636, 637, 641 , 642, 224, 225, 229, 243, 245, 247, 249, 25 1,
644, 647, 652, 653, 654, 655, 656, 658, 255, 261 , 262, 265, 269, 270, 277, 281,
659, 662, 666, 667, 670, 671 , 673, 674, 282, 284, 302, 303 , 304, 305, 309, 3 12,
675, 676, 677, 68 1 , 687, 688, 696, 698, 326, 327, 328, 329, 347, 349, 354, 364,
1087
373, 375, 385, 394, 457, 485, 486, 550, lgualdade, 59, 66, 72, 88, 101, 162, 186, 253,
589, 628, 630, 638, 66 1, 722, 848, 849, 273, 278, 286, 289, 292, 3 14, 336, 349,
852, 854, 857, 858, 860, 885, 923, 932, 352, 4 17, 419, 420, 439, 444, 455, 466,
975 471, 473,479, 509, 535, 537, 538, 560, 562,
Humboldt, Karl Wilhelm von, 24, 3 1O, 404 633, 643, 652, 653, 663, 664, 671 , 673,
Hume, David, 300, 389, 590, 830 675, 686, 687, 702, 730, 887; ver taff1-
Hungria, 565 bém Democracia
Hus, Jan, 23 1 Iluminismo, 29, 36, 48, 57, 72, 81, 88, 89, 90,
Hutcheson, Francis, 389 96, 121, 128, 141, 143, 148, 150, 163, 183,
210, 222,23 1,237, 239, 240, 242, 248, 250,
1 252, 255,256, 257, 261,268, 287, 351,428,
ldade A!fédia, 54, 162, 20 1, 202, 204, 230, 446,463,467,494,497, 506, 514,681, 803,
23 1, 234, 238, 240, 241, 246, 251, 260, 810, 852, 853, 855, 880, 909
26 1 , 262, 264, 296, 3 10, 336, 466, 529, antirrevolucionário, 252, 254, 255, 256,
555, 556, 588, 805, 843, 854, 878, 888, 292
939 francês, 46, 236, 248, 955
Ideologia, 22, 33, 37, 39, 44, 52, 74, 135, moral, 277, 280, 28 1, 292, 324, 337, 348
140, 141, 142, 143, 146, 160, 204, 219, popular, 1 9 1 , 1 93, 194, 1 98, 2 1 7, 256
227, 228, 229, 232, 234, 243, 244, 247, ver também Ideologia (crítica da),
257, 258, 295, 3 13, 3 18, 324, 348, 352, Moral, Nietzsche ("iluminista"),
361, 362, 367, 406, 409, 417, 424, 427, Socratismo
430, 43 1, 432, 435, 436, 437, 438, 439, lmprensa, 41, 1 13, 1 14, 1 15, 1 16, 1 17, 1 1 8,
443, 446, 452, 456, 457, 458, 474, 476, 123, 1 28, 129, 132, 134, 137, 182, 185,
484, 503, 504, 517, 525, 529, 544, 547, 226, 247, 261, 291, 333, 354, 387, 401,
555, 568, 579, 585, 618, 619, 621, 622, 452, 453, 463, 533, 556, 557, 563 , 572,
623, 625, 639, 660, 669, 691, 694, 705, 578, 582, 616, 621 , 640, 650, 679, 720,
707, 728, 740, 750, 766, 775, 782, 795, 738, 762, 867, 1002, 1003, 1013, 1014,
798, 803, 818, 828, 83 1 , 837, 871,883 1O17; ver também Judaísmo
crítica da, 285, 43 1, 433, 439, 441, 442, Inácio de Loyola, santo, 825
443, 444, 445, 448, 456, 457, 459, 504, 505 "lnatua/idade" de Nietzsche, 626, 673,
da felicidade do pobre, 423 679, 685, 705, 709, 714, 868
da guerra, 615, 966 Índia, 24, 25, 70, 133, 1 48, 163, 374, 799,
ver também Intelectuais, Psicologia, 807, 985; ver também Ariano, Brâmane,
Ressentimento, Sociologia (das clas Chandala, Hinduismo
ses intelectuais) Individualismo, 379, 462, 463, 470, 722, 753,
Iggers, Georg, 1043 754, 975
Igreja, 52, 53, 55, 129, 154, 155, 156, 253, e anti-individualismo, 97 5, 98 1
262, 281, 330, 336, 358, 391, 450, 467, ver também Nominalismo, Estado,
471, 473, 497, 518, 612, 643, 684, 713, Homem
714, 723, 763, 806, 813, 953, 956, 970 Inglaterra, 163, 243, 297, 300, 3 10, 336, 372,
católica, 1 26, 135, 1 62, 176, 225, 280, 380, 382, 384, 385, 387, 389, 390, 395,
382, 534, 955; ver também Catolicismo 399, 415, 420, 433, 465, 466, 496, 497,
523, 528, 530, 533, 542, 543, 552, 554,
559, 581, 601 , 615, 654, 666, 667, 690, J
692, 693, 694, 696, 706, 752, 753, 755, Jacobi, Friedrich Heinrich, 495, 498, 499,
756, 758, 759, 770, 785, 792, 847, 880, 500, 515
965, 981, 986, 987, 999, 1022; ver tam Jacobinismo, 90, 92, 254, 304, 471, 529, 650,
bém Colonialismo 654, 795, 998; ver também Comuna de
Inocência do devir, 295, 342, 343, 345, 346, Paris, Revolução (francesa), Socialismo
347, 476, 484, 640, 644, 645, 777, 838, Jacobsen, Hans-Adolf, 1044
859, 906, 1012 Jacoby, Johann, 845
ver também Cosmocliceia, Crítica (da Jaeger, Wemer, 1044
concepção unilinear do tempo) Jalm, FriedrichLudwig, 142
Inocêncio III, papa, 504 Janz, CurtPaul, 1044
ver também Apolíneo, Dialética, Jardin, André, 1044
Dionisíaco, Razão, Socratismo Jaspers, Karl, 792, 896, 1019
Instrução, 105, 106, 108, 160, 191, 192, 193, Javé, 166, 468, 488, 804
194, 1 98, 2 17, 225, 261, 298, 302, 332, Jefferson, Thomas, 628
379, 3 97, 403, 446, 447, 452, 457, 458, Jenisch, Daniel, 498
523, 538, 582, 607, 687, 695, 768, 769, Jerusalém, 69, 181, 776, 955
800, 801, 847 e Atenas, 69
ver também Intelectuais ver também Judaísmo, Judiofobia
Intelectuais, 45, 55, 71, 91, 92, 141, 160, Jesus Cristo, 232, 472, 487, 613
180, 1 83, 217, 218, 2 1 9, 221, 222, 223, Joho, Wolfgang, 1044
245, 251, 284, 295, 3 1 1, 325, 361, 363, Jordan, Winthrop D., 1044
383 , 400, 404, 515, 529, 567, 568, 581, Jorge V, rei da Grã-Bretanha e imperador
620, 630, 63 1 , 632, 634, 635, 636, 639, das Í ndias, 756
640, 680, 722, 727, 73 1, 739, 741 , 749, Jornais, ver Imprensa, 1 1 6, 1 1 7, 182, 301,
785, 788, 789, 8 10, 81 8, 862, 864, 867, 333, 452, 453, 454, 455, 456, 499, 529,
882 563, 571, 574, 621, 636, 738, 865, 867
ver também Elitismo (cultural), Espíri Judafsmo, 69, 109, 1 10, 1 1 1, 1 12, 1 13, 1 14,
to (libertário), Imprensa, Universidade 1 15, 1 17, 1 18, 1 19, 1 20, 121, 122, 1 24,
Internacional, 83, 134, 135, 136, 176, 529, 125, 1 26, 128, 129, 1 30, 13 1, 132, 1 33,
530, 534 138, 162, 165, 166, 168, 170, 173, 175,
cinzenta, 176 176, 177, 178, 181, 1 82, 183, 184, 185,
estética, 174, 175, 176 186, 195, 196, 197, 198, 224, 233, 242,
judaica, 174, 176 245, 246, 247, 256, 262, 3 16, 3 17, 3 19,
negra, 135 444, 445, 467, 468, 469, 470, 479, 484,
operária, 135, 283 485, 486, 487, 489, 490, 491, 492, 512,
vermelha, 1 35, 136, 176 5 16, 547, 548, 555, 556, 557, 559, 562,
Islã, 1 1 1, 233, 536, 556, 763, 823 563, 565, 567, 568, 569, 570, 572, 573,
Itália, 49, 52, 144, 230, 243, 362, 453, 495, 574, 575, 577, 578, 616, 634, 720, 721,
524, 695, 794, 824, 1019; ver também 748, 749, 765, 773 , 775, 796, 804, 805,
Norte / Sul, Renascimento, Roma 806, 807, 808, 809, 8 12, 814, 815, 8 16,
817, 873
e filisteísmo, 1 82 Klopstock, Friedrich Gottlieb, 492
e França, 128 Knapp, GeorgFriedrich, 1045
e identidade alemã, 168 Kolchin, Peter, 1045
e latinidade, 129 Kõselitz, Heinrich, ver Gast, Peter, 494
e música, 1 12, 1 13, 1 16, 128, 186, 259 Koselleck, Reinhart, 1045
pós-exilico, 969 Kotzebue, August Friedrich Ferdinand
pré-exílico, 468, 775 von, 34
e socratismo, 1 18 Kraditor, Aileen S., 1045
três figuras do, 565, 578, 582 Kraus, ()tto, 1046
e unidade da Europa, 242 Krochmalnik, Daniel, 1065
ver também Antijudaísmo, Antissemi Kroll, Jürgen, 1072
tismo, Alemanha (e mitos genealó Krug, Wilhelm Traugott, 498, 499
gicos), Judiofobia, Mitologia (ariana) Kühl, Stefan, 1046
Judas, 166 Kultur, ver Cultor, 57, 184, 800
Judiojõbia, 1 10, 1 17, 120, 127, 174, 175, 185, Kulturkampf, 126, 1 36, 225; ver também
186, 187, 3 16, 559; ver tambémAntijOOaís Catolicismo, Chauvinismo
mo, Antissemitismo, Judaísmo Kunnas, Tarmo, 1046
Juliano Flávio Cláudio, imperador romano Kupisch, Karl, 1046
(Juliano Apóstata), 547, 763, 822
L
K La Bruyere, Jean de, 239, 407
Kant, Immanuel, 37, 45, 53, 55, 73, 93, 94, La Rochefoucauld, François, 23 9, 279
95, 98, 163, 214, 215, 2 18, 221, 223, 235, Lafargue, Paul, 939, 940
236, 256, 259, 265, 285, 291, 300, 341, Lagarde, Paul de, 102, 146, 174, 175, 176,
398, 406, 454, 464, 498, 499, 514, 525, 196, 202, 206, 246, 270, 739, 768
590, 652, 665, 686, 759, 762, 764, 838, Lamartine, Alphonse de, 420
874, 883, 886, 897, 906, 962 Lamennais, Hugues-Félicité-Robert de,
Kapp, Friedrich, 454 277, 391, 393, 472, 473, 673
Kamow, Stanley, 1044 Lampl, Hans Erich, 1046
Kaufmann, Walter A, 1019 Langbehn, Julius, 391, 6 16, 693, 695, 696,
Kautsky, Karl, 424, 481, 925, 926, 927 739, 745, 753, 756, 768, 769, 772, 773,
Kazin, Alfred, 1045 800
Kershaw, Ian, 1020 Lange, FriedrichAlbert, 424, 425, 708
Ketteler, Wilhelm Emmanuel von, barão, Lanjuinais, Jean-Denis, 461
559, 683 Lantemari, Vittorio, 1046
Kidd, Benjamin, 730 Laplace, Pierre-Simon de, 164, 265
Kierkegaard, Sõren Aabye, 1 1 1, 160, 453, Lapouge, Georges Vacherde, 480, 609, 674,
455, 617, 622 676, 702, 704, 712, 7 13, 730, 755, 756,
Kieman, Victor G, 1045 794
Kipling, Joseph Rudyard, 71 1, 712, 972 Larizza, Mirella, 1046
Kleist, Heinrich von, 43, 145, 215, 221, 384, Lassalle, Ferdinand, 32, 67, 1 39, 197, 403,
385, 507, 519 447, 558, 575, 581, 856
Laube, Heinrich, 61, 170, 171
1 090
Lavigerie, Charles, 382, 534, 535, 555 Liceu, 80, 8 1 , 1 92, 2 11; ver também instru
Lazare, Bernard, 72 1, 803, 809 ção
Le Bon, Gustave, 365, 637, 638, 676, 706, Lichtenberg, Georg Christoph, 670
707, 709, 714, 8 18, 93 1 Lichtheim, George, 740, 741, 803, 1020
Leão X, papa, 953 Liebknecht, Wtlhelm, 845
Leão XIII, papa, 49, 454, 5 1 1, 534, 555 Lifton, Robert Jay, 1048
Lecky, WilliamEdward Hartpole, 709,_ 847 Lincoln, Abraham, 40 1, 682
Ledru Rollin, Alexandre-Auguste, 842 Lineu, Carlos (Carl von Linné), 755
Leibniz, Gottfried Wilhelm, 880 Linguet, Simon-Nicolas-Henri, 3 89, 408,
Leiden, Jan van, 334 409, 416, 627
Lémonon, Michel, 1047 Livingstone, David, 3 17, 3 1 8
Lenin, Nikolai (Vladinúr Ilich Uljanov), 524, Livrepensador, 351, 353, 357, 43 1, 456, 457,
666, 667, 669, 708, 780, 892, 1047 508, 727, 748, 878; ver também Intelec
Leo, Heinrich, 424, 65 1 , 703 tuais
Leonardo da Vinci, 878 Locke, John, 394, 395, 3 96, 432, 753, 770,
Lerda, Gennaro V., 1047 771, 979, 988, 998, 999, 1000
Lesseps, Ferdinand-Marie de, 393 Lombroso, Cesare, 589, 708, 714, 755, 757,
Lessing, Gotthold Ephraim, 166, 174, 1 98, 773, 849, 1006
238, 874, 928 Lopez, Michael, 1048
Lessing, Theodor, 1 66 Losurdo, Domenico, 1013
Lewald, Fanny, 845 Louvre, 29, 35; ver também Comuna de
Liberalismo, 36, 103, 1 83, 1 86, 295, 296, Paris
300, 335, 336, 73 1 , 9 1 1, 983 ; ver tam Lovejoy, Arthur O., 1049
bém Nacional-liberalismo Lõwith, Karl, 925, 926
autêntico e espúrio, 296, 336 Lucas, evangelista, 926, 927
ver também Comuna de Paris, Revolução Ludendorff, Erick, 793, 1049
e epistemologia, 649, 65 1 , 87 1; ver tam Ludendorff, Mathilde, 1 049
bém Nonúnalismo, Perspectivismo Luís Filipe de Orleans, rei dos franceses,
e estatismo, ; ver também Polis, Esta 311
do Luís XIv, rei da França (Rei Sol), 146, 329,
e holismo, 984; ver também Harmoni 487, 681
cismo, Holismo Lukács, Gyõrgy, 6 13, 6 1 4, 617, 6 1 9, 73 1 ,
e individualismo, 983; ver também In 732, 733, 734, 740, 741, 742, 747, 752,
dividualismo 798, 838, 892, 1014, 1 016, 1019, 1020
e otimismo, 138, 643; ver também Oti Lutero, Martinho, 37, 38, 42, 125, 145, 146,
núsmo, Pessimismo 158, 1 62, 1 95, 230, 231, 232, 233, 234,
ver também Trabalho, Otium, Escravi 240, 264, 270, 280, 281, 285, 462, 466,
dão 467, 473, 489, 5 1 1 , 5 1 2, 514, 527, 623,
Liberdade 633, 757, 764, 774, 804, 823, 844, 856,
dos antigos e dos modernos, 998; ver 886, 918, 943, 953, 954, 955, 971 , 1005
também Trabalho, Otium, Escravidão, Luthardt, Christoph Ernst, 1 050
Servidão Luther, Martin, ver Lutero, Martinho, 1050
Lutz, Ralph, 1050
1091
Lyotard, Jean-François, 1050 misto, 1022
ver também Mulher, Eugenia, Feminis
M mo, Engenharia social, Procriação,
MacArthur, Arthur, 615 Socialdarwinismo
Macaulay, Thomas Babington, 842 Matteucci, Nicola, 105 1
Machpherson, Crawford T., 1 050 Maurras, Charles, 756
Maistre, Joseph-Marie de, 495, 499, Mauzi, Robert, 105 1
. 5 18 '
63 1, 636, 677, 966, 991, 993 Mayer, Arno J., 737, 740, 1019, 1020
Mais-valia, 922, 994; ver também Traba Mayeur, Jean Marie, 1051
lho, Otium, Escravidão Mazzini, Giuseppe, 145
Mallet du Pan, Jacques, 254, 255, 256, 29 1, Mefistófeles, 949
323, 770,771 Mehrarbeit, 407, 408; ver também Traba
Malthus, Thomas Robert, 59, 101, 438, 521 , lho, Mais-valia
595, 627, 628, 640, 644, 645, 646, 987 Mehring, Franz, 290, 291, 333, 335, 353, 425,
Mandeville, Bernard de, 396, 4 15, 978, 986, 524, 529, 530, 537, 553, 62 1, 625, 646,
987, 988 726, 732
Manzoni, Alexandre, 52 Meister, Richard,
Mao Tsetung, 921 Melodrama, 22, 74, 75; ver também Ópera
Maomé, 253 Melon, Jean-François, 3 89
Marat, Jean-Paul, 420 Mendelssohn-Bartholdy, Felix, 123, 170,
Mario, Gaio, 706 171, 557, 722
Marr, Wilhelm, 491, 558, 815, 816 Menzel, Wolfgang, 842
Martim, Fritz, 105 1 Mercier, Louis-Sébastien, 495
Manvitz, FriedrichAugust Ludwig von der, Mérimée, Prosper, 225
403 Merriam, Charles, E., 1052
Marx, Karl, 29, 50, 52, 57, 58, 59, 68, 104, Messianismo, 480, 925; ver também Cristia
105, 134, 135, 145, 157, 159, 213, 224, nismo, Eterno retomo, Revolução
255, 275, 290, 297, 364, 390, 407, 408, Metafisica, 998
409, 430, 43 1, 432, 433, 434, 435, 437, da arte, 22, 59 1, 885
438, 439, 440, 442, 444, 445, 45 1 , 454, do gênio, 75, 101, 106, 107, 206, 746
456, 458, 459, 462, 474, 487, 504, 505, ver também Elitismo
506, 508, 5 18, 523 , 524, 58 1, 60 1 , 641, Metájõra, 938, 961, 982, 985, 988, 990, 1015;
646, 647, 681 , 684, 741 , 840, 841 , 9 19, ver também Escravidão
920, 922, 923, 924, 925, 926, 939, 940, Metternich, Winneburg, Klemens Wenzes-
94 1 , 960, 961, 975, 985, 986, 987, 988, laus Nepomuk Lothar von, 239, 842
994, 998, 1012 México, 1 06
Mason, Haydn, 1 05 1 Meyer, Eduard, 879
Massara, Massimo, 105 1 Meyerbeer, Jacó (Jakob Liebman Meyer
Materialismo, ; ver também Sensualismo, Beer), 1 10, 123, 124, 13 1, 169, 170, 171,
Espiritualismo 185, 557, 765, 1018
Mateus, evangelista, 166, 927 Meysenburg, Malwida von, 128, 267
Matrimônio, 99 1 , 1 02 1 Michelet, Jules, 472, 760, 839, 887, 930, 93 1,
934
Mill, John Stuart, 103, 289, 298, 3 10, 3 12, Moissonnier, Mauii.ce, 1053
3 13, 3 14, 3 15, 3 16, 666, 667, 668, 687, Moleschott, Jacob, 446
694, 884, 983 Moltke, Helmuthvon, conde, 693, 751
Miller, Randall M, 1052 Mommsen, Theodo� l33, 245, 842, 843
Mime, 127, 139 Monarquia, 537, 539, 540
Mirabeau, Victor du Riquetti de, 63 1 absoluta, 487, 539
Miscegenation, 3 18, 992; ver também de Julho, 33, 420, 650
Eugerua, Matrimôruo (misto):Procria "social", 523, 536, 537, 538, 558, 576;
ção, Raça, Socialdanvirusmo ver também Estado (social)
Mises, Ludwíg von, 642 Monoteísmo, 147, 162, 485, 486, 487, 556,
Mito, 9 17, 923, 965, 966, 1008, 1019 964; ver também Paganismo
de Édipo, 93, 677 Montaigne, Michel Eyquem de, 239, 267,
genealógico anglossaxão-judaico, 56 1 293, 879, 880, 918
genealógico ariano-germânico, 966 Montesquieu, Charles-Louis de Secondat
ariano-greco-germâfilco, 146 de, 389, 407, 429, 487, 670, 830, 880, 881
genealógico cristão-germâruco, 804, Montinari, Mazzino, 748, 1001, 1003, 1008,
%5 1009, 1011, 1013, 1014, 1017, 1018, 1054
genealógico germânico, 193 Montlosier, ver Reynaud de Montlosier,
genealógico grego-germânico, 152, 162, François-Dominique, conde de, 4 10,
224, 787, 788, 790, 804 847
genealógico grego-romano-germâruco, Mora/, 37, 67, 89, 128, 135, 141, 145, 165,
149 167, 203, 230, 234, 236, 250, 264, 269,
genealógico judeu-cristão-grego-oci 271, 272, 273, 705, 7 1 1 , 712, 713
dental, 964, 965, 966 e ciência, 284
do pecado original, 52, 33,5 54, 58, 59, da compaixão, 729
61, 63, 109, 132, 147, 157, 166, 262, 272, dos escravos, 729
342, 472, 804, 968 dos senhores, 365, 725, 729, 901
de Prometeu, 58, 59, 60, 93, 109 e revolução, 287
do Sonderweg alemão, 615 judeu-cristã, 263
Mitologia, 968 e fanatismo, 249, 272, 284
ariana, 1009 ver Chandala, Cristiarusmo, Ressenti
germâfilca, 164 mento, Revolução, Teodiceia
grega, 164 Moravia, Sérgio, 1053
indoeuropeia, 164 Morgan, Edmund, S., 1053
rubelúngica, 161 Morison, Samuel E., 1053
Modernidade, 25, 36, 46, 47, 54, 60, 68, 925, Morlang, Thomas, 1053
937, 942, 945, %4, 966, 968, 969, 971, 973 Morte
e massificação, 93 1, 966 de Deus, 507
e pós-modernidade, 975 "livre", 597, 600
ver também Intelectuais, Imprensa Mõser, Justus, 1053
Modernismo reacionário, 349 Mosley, Oswald, 742
Mohl, Robert von, 1052 Mosse, George Lachmann, 616, 782
Moisés, 163, 558, 602 Mounier, Jean-Joseph, 254, 4 16, 686
1093
Muller,Adam Heinrich, 92, 1 93, 650 227, 230, 23 1, 237, 238, 240, 241 , 244,
A1ulher, II9, 150, 229, 233, 368, 369, 370, 247, 249, 252, 255, 259, 261, 270, 271,
382, 425, 551, 719, 766, 783, 815, 832, 272, 280, 286, 296, 299, 306, 308, 325,
892, 929, 931, 932, 933, 971 ; ver tam 327, 335, 345, 346, 347, 351, 363, 375,
bém Feminismo, Matrimônio, Procria 379, 387, 4 1 1 , 464, 470, 476, 477, 489,
ção 494, 5 17, 526, 587, 590, 591, 594, 603,
Mundt, Theodor, 842 620, 62 1, 639, 65 1 , 658, 659, 66 1 , 673,
Müntzer, Thomas, 281, 497, 514 735, 743, 759, 761 , 765, 767, 772, 775,
Murri, Romolo, 559 778, 779, 787, 804, 837, 843, 848, 850,
A1úsica, 2 I , 25, 3 5, 37, 39, 42, 67, 73, 75, 85 1 , 856, 857, 859, 860, 864, 867, 869,
1 10, 1 12, 123, 124, 125, 145, 147, 149, 873, 877, 882, 885, 886, 898, 900, 903,
162, 1 80, 229, 23 1 , 234, 240, 494, 525, 904, 908, 922, 923, 968, 1004, 1009, 1018
526, 590, 592, 662, 737, 744, 850, 886, Natureza
887, 899, 942, 943, 1001 e artificio, 992; ver também Socialclaiwi
ejudaíSino, 1 12, 1 13, 1 16, 128, 186, 259 nismo
ver também Arte, Judiofobia, Ópera, humana, 33, 53, 201, 249, 276, 950, 953;
Pessimismo, Tragédia ver também Moral, Pecado
Musil, Robert, 756 Nauwerck, Karl, 502
Mussolini, Benito, 727, 742, 746, 794, 1019 Nazismo, 506, 6 16, 617, 618, 706, 721, 733,
734, 739, 743, 744, 747, 749, 750, 752,
N 753, 754, 768, 780, 781, 921, 997, 1016,
Nacionalização das massas, 942, 943 ; ver 1017, 1018, 1023
também Psicologia (da multidão) preparação ideológica do, 739, 781
Nacional-liberalismo, 295 papel do nietzscheanismo no, 7,27, 786,
adesão de Nietzsche ao, 40 8 14; ver também Ariano, Alemanha,
ver também Europa, Chauvinismo Mito, Racialização
Napoleão 1 Bonaparte, imperador dos fran Necker, Jacques, 397
ceses, 39, 46, 142, 1 45, 146, 224, 228, Negri, Antimo, 1054
229, 235, 367, 462 "Neoclassicismo" de Nietzsche, 43 , 404
Napoleão III Bonaparte, Luís, imperador Neocriticismo, 96, 97; ver também Criticis-
dos franceses, 39, 41, 44, 142, 145, 146, mo
224, 235, 364, 367, 462, 842 Nero, Lúcio Domício, 825
"Nascimento da tragédia (O)" , 2 1 , 22, 23, Nevins, Allan, 1054
24, 25, 26, 27, 28, 29, 3 1 , 32, 33, 34, 35, Newton, Isaac, 894
36, 37, 39, 40, 41, 42, 43, 45, 5 1 , 55, 56, Nicolau II, czar da Rússia, 564
61, 64, 65, 67, 70, 73, 74, 76, 77, 78, 79, Nicolovius, George L., 5 1 9
80, 81, 82, 84, 86, 87, 93, 97, 109, 1 10, Niebuhr, Barthold, Georg, 843, 874
1 1 1 , 1 12, 1 14, 1 17, 1 18, 1 19, 120, 121, Nietzsche,
122, 1 23, 124, 125, 1 26, 127, 128, 1 30, antissemita, 244, 1004
132, 1 33, 143, 145, 146, 148, 149, 150, antialemão, 535, 766, 769, 804
152, 1 56, 157, 159, 160, 161, 167, 173, "filósofo do poder", 994
175, 176, 177, 180, 1 82, 184, 185, 1 86, judiófobo, 109, 1 10, 1 17, 120, 127, 174,
188, 1 92, 195, 1 98, 2 1 1, 2 12, 221 , 223, 185, 186, 187, 3 16, 559
1 094
"iluminista"' 223, 245, 247, 249, 250, 251, 392, 444, 449, 461 , 463, 469, 470, 474,
256, 259, 261, 272, 286, 290, 298, 300, 485, 487, 488, 489, 49 1, 508, 5 12, 5 13,
304, 360, 484, 920 517, 523, 555, 564, 569, 570, 575, 597,
"inatual", 952 598, 599, 602, 612, 6 13, 614, 616, 6 17,
psicólogo, 425, 888, 889 634, 653, 667, 686, 690, 703, 705, 740,
e Sieyes, 686, 688 752, 772, 775, 780, 785, 795, 799, 803,
Niilismo, 209, 263, 264, 333, 483, 493, 494, 804, 805, 806, 807, 8 14, 8 17, 820, 833,
495, 496, 497, 498, 499, 500, 501 , 502, 837, 850, 873, 876, 878, 887, 9 17, 920,
504, 506, 507, 508, 509, 510, 5 1 1 , 5 12, 929, 934, 937, 939, 944, 95 1, 959, 960,
5 13 , 5 14, 515, 5 16, 5 17, 5 18, 520, 521, 961 , 962, 964, 965, 966, 967, 968, 969,
647, 765, 957, 997, 1019 970, 971, 972, 973, 992, 1020, 1023; ver
"ativo", 509, 597, 60 1, 605 também Europa, Mito
"em ato", 600 e judaísmo, 1 33, 246 ; ver também
incompleto, 598, 599 Antissemitismo, Judaísmo, Revolução
como metacritica, 503 (como complô)
russo, 5 12 e Oriente, 964, 967; ver também China,
Nissen, Benedikt Momme, 1057 Colonialismo, Oriente, Racialização
Noé, 570 Ockham, Guilherme de, 753
Nolte, Emst, 739, 740, 741, 1012, 1019, 1020 Odisseu, 241 , 257
No/untas, 2 14, 2 15, 264, 463, 470, 493 ; ver Offenbach, Jacques, 722
também Cosmodiceia, Nominalismo Oken, Lorenz, 388
Nominalismo, 651, 652, 653, 654, 655, 656, Olender, Maurice, 1057
664, 984, 986, 987, 996; ver também Omodeo, Adolfo, 1 057
Epistemologia e política élpera, 22, 37, 42, 43, 50, 1 13, 1 15, 123, 124,
antropológico, 285, 424, 426, 658; ver 526, 886. 1002; ver também Música,
também Homem Tragédia
e perspectivismo, 658, 725, 816, 828, Opitz, Reinhard, 1058
9 1 2 ; ver também Perspectivismo Organicismo, 7 1 ; ver também Dionisíaco,
Nordau, Max, 725, 816, 8 28, 912 Holismo, Principium individuationis
Norte /Sul, 28 1 , 3 17, 764; ver também Re Oriente, 25, 70, 71, 72, 130, 24 1, 247, 487,
forma, Renascimento 488, 563, 96 1 , 964, 965, 967, 969; ver
Novalis (Friedrich Leopold vonHardenberg), também China, Ocidente
210, 850 Orsucci, Andrea, 1058
Novo Testamento, 166, 367 467, 479, 556, Otimismo, 23, 28, 30, 3 1, 33, 35, 42, 45, 47,
566, 712, 775, 776, 793, 809, 814, 854, 48, 50, 5 1, 52, 57, 69, 72, 73, 74, 75, 86,
873 , 9 18, 970 93, l l l, 1 12, 1 13, 120, 124, 128, 132, 138,
Nussbaum, Martha Craven, l 057 159, 1 67, 168, 176, 181, 182, 1 95, 196,
198, 221, 247, 249, 256, 261, 272, 273,
o 306, 434, 463, 493, 590, 591, 594, 643,
Ocidente, 48, 52, 6 1 , 63, 70, 1 30, 133, 161, 644, 649, 704, 766, 775, 886, 912
163, 1 67, 221, 24 1, 243, 246, 264, 280, judeu, 1 1 1, 167, 952, 967
3 1 3, 3 14, 3 15, 3 17, 3 19, 372, 373, 389, e modernidade, 78
e pessimismo, 5 90 Pascoli, Giovanni, 417, 659
ver também Filisteísmo, Socratismo PauL Jean, 290, 499, 850
Otium, 154, 3 19, 329, 362, 395, 3 96, 398, Paulo de Tarso, santo, 3 82, 383, 406, 5 1 1 ,
399, 400, 402, 403, 405, 406, 407, 408, 568, 634, 730, 750, 777, 817, 821
429, 434, 536, 592, 604, 679, 690, 695, Paz/guerra, 138, 320; ver também Exérci
769, 800, 864, 937, 939, 940, 941 , 952, to, Guerra, Chauvinismo
960, 961, 982 Pearson, Karl, 707
etbellum, 370, 577, 679, 690, 691, 694, Pecado, 53, 62, 141, 233, 234, 280, 343, 345,
695, 697, 703, 744, 994 349, 4 15, 445, 468, 480, 486, 488, 490,
ver também Trabalho, Escravidão 508, 5 14, 521, 528, 645, 683, 7 10, 8 10,
Ottmann, Henning, 1059 814, 873, 9 18, 933, 959, 964, 971 , 984
Overbeck, Franz, 102, 229, 387, 570, 576, original, 52, 53, 54, 58, 59, 60, 6 1 , 63,
58 1 , 589, 626, 72 1 , 724, 755, 803, 809; 109, 1 33, 148, 158, 1 67, 262, 272, 343,
844, 898 472, 804, 968
()wen, Robert, 49, 852 ver também Cosmodiceia, Teodiceia
Pelagianismo, 53
p Pelágio, 463
Paganismo, 23, 69, 85, 1 57, 202, 23 1 , 238, Péricles, 298, 303, 482, 776, 971
265, 269, 381, 508, 5 15, 5 18, 527, 556, Perrot, Michelle,
559, 8 14, 953; ver também Politeísmo Perséfone, 57, 58
Paneth, Joseph, 569, 815 Pérsia, 73, 965
Paraguai, 3 57 Perspectivismo, 658, 662, 663, 665, 666,
Pareto, Vilfredo, 676, 704, 709, 738 668, 669, 672, 892
Pareyson, Luís, 1 059 e nominalismo, 664
Paris, 29, 40, 123, 253, 254, 4 17, 425, 455, Pessimismo, 23, 24, 26, 4 1 , 42, 5 1 , 52, 74,
456, 534, 552, 565, 639, 702, 765, 766, 76, 86, 168, 247, 264, 466, 483, 590, 59 1,
825, 842, 923 ; ver também Comuna de 593, 600, 766, 860, 901
Paris e otimismo, 26, 169, 594
Parmênides, 26, 591 ver também Alemanha (herdeira do
Parrington, Vemon L., 1058 helenismo trágico), Otimismo
Parsifal, 624, 765, 766 Petrarca, Francesco, 230, 490
Partido Petrônio, Caio Árbitro, 266
de Frederico III, 55 1 Pforta, 54; 156, 464, 842, 871, 872
nacional-liberal, 151 Pick, DanieL 1058
socialdemocrático, 474 Pilatos, 824, 852, 854, 909, 915, 920
da visão trágica do mundo, 80, 82, 83, Píndaro, 490
1 13 Pitágoras, 24
da vida, 348, 35 1 , 5 1 6, 547, 587, 594, Platão, 5, 24, 25, 26, 58, 91, 107, 1 30, 1 32,
596, 607, 612, 839, 859, 863, 870, 9 14, 303, 305, 306, 4 1 1 , 442, 469, 512, 596,
915, 1021 604, 623, 634, 665, 767, 775, 840, 854,
Partidocracia, 295, 298, 299; ver também 884, 900, 901 ; ver também Dialética,
Democracia, Estado, Sufrágio Socratismo, Tragédia
Pascal, Blaise, Pascal 868, 888, 945
Plitt, Gustav L., 1059 e arte, 73, 82
Ploetz, Alfred, 702, 704, 728, 757, 773, 829, e epistemologia, 649, 651, 871
833 Poliziano (Angiolo Ambrogini), 953
Plutarco, 3 1 2 Polônia, 544, 566, 567
Podach, Erich F. , 1059 Portugal, 1005
Põggeler, Otto, 1059 Positivismo, 286, 349, 623, 759, 894, 997;
Polanyi, Karl, 1059 ver também Ciência, Sociologia
Poliakov, Léon, 1059 Povo, 35, 36, 37, 39, 43, 47, 52, 55, 71, 87,
Polis, 301, 302, 303, 404, 405, 406, 468, 589, 561 , 9 1 8, 920, 929, 941, 962, 968, 983,
596, 998; ver também Atenas, Demo 986, 992, 994; ver também Sufrágio
cracia e arte, 746; ver também Dionisíaco
Politeísmo, 486, 964; ver também Religião chandala, 807, 8 1 5; ver também
Política, 22, 23, 3 1 , 32, 36, 37, 40, 41, 42, 43, Chandala
45, 49, 5 1, 52, 58, 59, 64, 65, 68, 72, 73, eleito, 557, 561 , 7 12, 777, 778, 804
74, 75, 76, 77, 82, 83, 86, 91, 93, 94, 108, como massa amorfa, 746; ver também
134, 1 36, 152, 153, 154, 156, 157, 1 58, Sufrágio, chauvinismo
159, 160, 161, 182, 1 86, 1 93, 194, 195, Principium individuationis, 65, 66, 68,
1 97, 200, 03, 2 12, 2 13, 2 15, 220, 221, 72, 463, 470, 602, 658, 859; ver também
223, 225, 228, 230, 232, 239, 250, 251, Dionisíaco, Nominalismo, Holismo
252, 253, 254, 261, 263, 268, 272, 283, Procriação, 1 07, 595, 596, 713, 791
287, 290, 291, 293, 295, 299, 300, 301, ver também Mulher, Economia políti
303, 305, 306, 3 10, 320, 325, 329, 332, ca, Engenharia social, Matrimônio,
333, 353, 355, 362, 364, 367, 369, 372, Socialdanvinismo, Suicidio
374, 375 381, 386, 399, 404, 405, 406, Progresso, 30, 32, 53, 58, 6 1 , 62, 84, 164,
407, 408, 4 16, 4 18, 4 1 9, 424, 430, 439, 166, 1 89, 202, 203, 205, 206, 209, 295,
440, 446, 449, 451 , 452, 454, 457, 468, 305, 3 18, 327, 336, 371, 398, 417, 444,
475, 476, 488, 498, 499, 509, 5 10, 515, 473, 480, 481, 589, 592, 628, 643, 666,
517, 520, 524, 530, 53 1, 533, 536, 537, 674, 679, 689, 704, 727, 733, 738, 777,
543, 544, 545, 548, 549, 553, 554, 555, 826, 847, 852, 975, 967, 969, 988, 990,
564, 572, 581, 587, 590, 594, 595, 596, 991, 1 018; ver também Modernidade,
603, 606, 607, 61 1, 614, 6 18, 621, 623, Técnica
630, 63 1, 641, 643, 646, 647, 650,658, 660, Prometeu, 30, 57, 58, 59, 60, 93, 109
663, 665, 666, 67 1, 676, 689, 693, 694, Protestantismo, 125, 141, 146, 162, 231, 281,
696, 697, 706, 7 12, 7 13, 719, 73 1 , 735, 470, 489, 499, 824; ver também Norte/
736, 737, 740, 741, 742, 743, 745, 746, Sul, Reforma
747, 761 , 770, 771, 779, 781 , 794, 797, Proudhon, Pierre-Joseph, 1 57, 272, 390,
801 , 803, 8 1 1, 820, 827, 829, 833, 834, 503, 505, 512
840, 842, 843, 850, 852, 859, 861, 866, Prússia, 37, 40, 41, 44, 72, 1 9 1 , 1 92, 1 93,
867, 868, 869, 870, 872, 873, 880, 885, 194, 198, 2 12, 223 , 268, 302, 320, 380,
886, 887, 907, 9 1 1, 917, 92 1, 924, 930, 400, 401, 454, 5 15, 539, 551, 562, 574,
934, 949, 952, 966, 991, 992, 998, 1004, 679, 681, 682, 684, 690, 705, 753, 772,
1008, 1 014, 1017, 1019 843, 920; ver também Alemanha
Psicologia, 266, 267, 268, 276, 425, 526, transversal, 769, 774, 791, 792, 793, 794,
529, 587, 637, 639, <XJ7, 675,714, 759, 767, 796, 797, 798, 799, 801 , 806, 8 16, 8 19,
840, 841 , 861 , 869, 883, 884, 887, 88, 826, 828
889, 897, 898, 902, 903, 904, 905, 907, ver também Escravidão
908, 909, 928; ver também Doença/saú Racionalidade, 89, 252, 275, 360, 676
de, Socialdarwinismo, Sociologia do real, 201 , 202, 205
das multidões, 8 18, 942, 943 ver também Progresso, História
Pugatchov, Emiliano Ivanovitch, 63 1, 636 Racionalismo, 3 1, 34, 88, 90, 9 1 , 93, 100,
Puritanismo, 255, 3 82, 726, 953 , 954; ver 106, 160, 163, 1 98, 476, 501 , 5 14, 593,
também Abolicionismo, Estados Uni 594, 669, 675, 78 1 , 189, 82 1 ; ver tam
dos bém Dialética, Razão, Ciência
Radowitz, Joseph Maria von, 5 15
Q Rafael (Raffaello Sanzio), 104, 105, 953
Questão social, 28, 51, 64, 67, 138, 1 6 1 , Ranke, Leopold von, 203, 205, 206, 845
1 92, 2 1 1 , 304, 306, 321, 330, 3 3 1 , 335, Rauschning, Hermann, 1060
345, 3 90, 399, 418, 428, 429, 534, 540, Raynal, Guillaume Th., 423
553, 559, 576, 578, 580, 595, 643, 645, Razão, 235, 241 , 853, 920, 93 1 , 962, 971 ,
649, 658, 659, 856, 947 975
e questão judaica, 1 38, 243, 267, 297, e arte, 590, 954; ver também Dionisíaco,
558, 576, 578 Principium individuationis
ver também Judaísmo, Emancipação calculadora, ; ver também Iluminismo
(dos judeus), Trabalho limites da, 93, 94, 236; ver também
Quinet, Edgar, 472 Dialética, Socratismo
universalidade da, 458, 850
R Rée, Paul, 260, 261, 264, 267, 290, 759, 815
Raça, 30, 126, 1 3 1 , 175, 186, 237, 244, 245, Reeve, Henry, 692
247, 3 15, 3 17, 3 18, 319, 355, 386, 392, 403, Refonna, 141, 146, 1 47, 1 57, 162, 163, 195,
409, 410, 41 1,412, 447, 451,4«,,490,491, 230, 23 1 , 232, 233, 236, 240, 270, 462,
526, 546, 548, 549, 550, 555, 557, 558, 561, 465, 466, 467, 470, 489, 497, 499, 5 1 1,
562,565, 5<XJ, 567, 581,612, 616,666, 691, 5 18, 527, 575, 633, 762, 768, 806, 807,
692, 702, 729, 736, 748, 749, 752, 758, 764, 809, 8 13, 823, 842, 855, 856, 886, 953,
771, 790, 793, 796, 800, 806, 808, 809, 812, 954, 955, 97 1 ; ver também Norte/Sul,
814, 818, 819, 829 Protestantismo
branca, 388, 707, 752 Reirnarus, Hermann Samuel, 1 63, 262
dos servos, 409, 4 1 1 , 5 90, 1 02 1 Religião, 55, 751, 922, 926, 932, 944, 951, 955,
dos senhores, 409, 544, 571 , 578, 590, 956, 961, 964, 970; ver também Judaísmo,
750, 773, 775, 799, 827, 972, 1007, 1021 Monoteísmo, Moral, Politeísmo, Revo
ver também Colonialismo, Eugenia, lução
Socialdarwinismo da compaixão, 275, 653 ; ver também
Racialização, 410, 769, 771, 772, 794, 796 Moral, Socialdarwinismo
horizontal, 769, 774, 780, 791 , 792, 794, cristã, 256, 473 , 600; ver também
797, 798, 799, 816, 819, 828 Anticristianismo, Cristianismo
"erudita", 55, 56, 61 505, 508, 5 1 1 , 513, 5 15, 5 16, 519, 521,
helênica, 23, 85; ver também Grécia, 525, 527, 528, 529, 530, 538, 560, 589,
Politeísmo 63 1 , 632, 633, 637, 650, 652, 653, 654,
como ideologia, 63, 707; ver também 657, 663 669, 670, 672 686, 688, 690,
Ideologia 692, 7 10, 714, 735, 759, 762, 763, 768,
judaica, 1 1 1 , 130, 1 67, 232, 49l; ver tam 781, 793, 798, 808, 809, 8 13, 822, 841,
bém Judaísmo, Elitismo 842, 844, 845, 846, 847, 850, 852, 856,
Rembrandt, Harmenszoon van Rijn, 772 871 , 875, 880, 886, 906, 922, 93 1 , 934,
Renan, Joseph-Ernest, 37, 49, 128, 152, 160, 973, 991, 996, 1005
168, 255, 283, 298, 3 1 1, 392, 393, 420, de Julho, 53, 123, 124, 3 1 1, 456; ver
463, 466, 473, 488, 653, 654, 691 , 693, também Comuna de Paris, "Glorious
708, 747, 748, 750, 759, 760, 772, 777, revolution"
838, 905 de 1830, 5 1 1
Renascimento, 50, 6 1 , 144, 230, 23 1 , 236, de 1848, 24, 28, 38, 48, 49, 100, 158, 193,
240, 260, 375, 471 , 527, 575, 588, 763, 301, 365, 387, 401 , 404, 424, 438, 454,
764, 776, 8 1 3 , 824, 878, 9 18, 953 ; ver 495, 498, 511, 620, 622, 623, 638
também Reforma ocidental única, 465
Renault, François, 1060 puritana inglesa, 466, 497, 633, 918, 922
Renaut, Alain, 1035 como revolta servil, 28, 29, 34, 42, 192,
Ressentiment, ver Ressentimento 227, 355, 356, 357, 379, 388, 404, 406, 41 1,
Ressentimento, 193, 273, 278, 308, 400, 419, 427, 444, 466, 470, 568, 569, 653, 773, 807,
42 1, 523, 642, 921, 970; ver também In 809, 816, 817, 822,831, 850, 856,926, 972,
telectuais, Partido (da vida) 1007; ver também Escravidão
Restauração, 105, 351, 462, 465, 466, 461, Taiping, 313
633, 639; ver também Antigo regime total, 497, 498, 510, 512, 5 16, 517
Reuth, RalfG, 1060 Rhodes, Cecil John, 694, 961
Revolução Ricardo, David, 438
americana, 649 "Richard Wagner em Bayreuth", 176, 1003;
como complô, 810, 813, 816 ver também "Considerações inatuais"
como degeneração, 636; ver também Richter, Eugen, 983
Doença/saúde Rickert, Heinrich, 983
de Fevereiro, 255, 381, 383, 438, 455, Ricoeur, Paul, 1060
641, 673 Riedel, Manfred, 1 060
francesa, 33, 36, 42, 48, 49, 50, 52, 68, Rieffer, G, 1060
76, 87, 88, 89, 96, 98, 100, 103, 104, 105, Riehl, AIois, 722
1 95, 206, 2 10, 2 1 1 , 2 17, 239, 248, 253, Risorgimento, 144, 145
254, 255, 256, 261 , 266, 268, 273, 274, Ritschl, Friedrich Wilhelm, 73, /4, 1 17, 1 19,
281, 283, 288, 289, 295, 3 14, 323, 367, 130, 840, 844, 1018
374, 375, 383, 384, 396, 398, 410, 416, Ritter, Gerhard, 737, 1019
424, 432, 442, 444, 454, 461, 462, 463, Rivarol, Antoine de, 52, 104, 254, 292, 771
465, 466, 468, 470, 47 1, 472, 478, 479, Robespierre, Maximilien-Marie-Isidore de,
480, 487, 495, 496, 497, 499, 502, 504, 48,52, 272, 288, 473, 502, 504, 511, 51 5,
519, 918, 943, 998
Rodinson, Máxime, 1061 s
Rohde, Etwin, 35, 56, 74, 80, 83, 84, 93, 98, Sade, Donatien-Alphonse-François de,
102, 1 14, 1 16, 1 19, 120, 133, 158, 174, 416, 503, 508, 519, 710, 734
180, 182, 1 84, 186, 387, 724, 732, 860, Sainte-Beuve, Charles-Augustin, 759, 760
86 1, 871, 879, 948, 1003, 1014 Saint-Just, Louis-Antoine-Lion, 48, 504
Rõhl, John C. G, 1061 Saint-Simon, Claude-Henri de Rouvroy de,
Roma, 70, 126, 130, 145, 146, 151, 158, 165, 49, 399, 473, 647, 943
233, 246, 266, 281 , 327, 462, 469;470, Sand, George (Amandine-Lucie-Aurore
478, 488, 527, 528, 570, 584, 692, 789, Dupin, baronesa de Dudevant), 289,
813, 822, 825, 830, 853, 856, 920, 955, 759, 760, 765, 772, 839
965, 966, 972; ver também Aiemanha (e Sânscrito, 1 3 3 ; ver Ariano
França) Sanson, Charles-Henri, 1060
e Judéia, 469, 966; ver também Santaniello, Weaver, 1062
Anticristianismo, Chandala, Judaísmo Satã, 203
Romantismo, 143, 237, 347, 599, 616, 663, Saulo, 232, 479; ver também Paulo de Tarso
850, 888 Sautet, Marc, 1063
Romundt, Heinrich, 74, 175, 177 Savigny, Friedrich Karl von, 2 10, 213
Roosevelt, Theodore, 72 1, 757, 832 Savonarola, Girolamo (Jerônimo), 473, 943
Rose, Paul Lawrence, 106 1 Saxônia, 4 1
Rosenberg, Alfred, 741, 749, 766, 785, 789, Schelling, Friedrich Wilhelm Joseph,
790, 794, 807, 820, 826, 827, 1022 23, 24, 45, 53, $, � 4™, .fl5, 405, 4.5:l,
Rosenkranz, JohannKarl Friedrich, 58, 96, 498, 514, 5 15, 580, 614, 759, 850, 925,
216, 500, 503 %7
Rosmini Serbati, Antonio, 49, 495, 515 Schieder, Theodor, 1063
Ross, Wemer, 1062 Schiller, Johann Christoph Friedrich, 84,
Rossini, Gioacchino, 123, 557 87, 235, 236, 256, 737, 760
Rousseau, Jean-Jacques, 52 54,76, 100, Schlegel, Friedrich von, 146, 193, 238, 371 ,
236, 248, 249, 250, 253, 254, 255, 256, 500, 504, 5 15, 5 17, 967
257, 272, 273, 276, 280, 285, 288, 289, Schleiermacher, Friedrich Ernst Daniel, 45,
404, 4 16, 423, 424, 426, 462, 473, 5 1 1, 237
512, 525, 588, 63 1, 632, 633, 634, 637, Schmuhl, Hans-Walter, 1063
656, 657, 674, 759, 760, 762, 853, 880, Schnabel, Franz, 1063
881 , 886, 9 1 8, 929, 930, 93 1, 934, 940, Schoeck, Helmut, 1063
943, 952, 956 "Schopenhauer como educador'', 66, 622;
Ruge, J\mold, 1 58, 229, 454, 502, 845 ver também "Considerações inatuais"
Ruge, Wolfgang, 1062 Schopenhauer, Arthur, 24, 25, 26, 32, 37, 42,
Ruskin, John, 692, 695, 698 45, 47, 50, 51, 53, 57, 65, 68, 73, 78, 84, 86,
Rússia, 9 1 , 225, 263 , 3 17, 322, 333, 366, 93, 97, 98, 100, 102, 1 10, l l l, 1 12, 1 14,
374, 375, 380, 433 , 494, 495, 496, 5 16, 1 17, 1 18, 128, 129, 133, 137, 146, 152, 164,
524, 543, 544, 552, 562, 563, 564, 565, 166, 168, 174, 1 80, 1 8 1 , 1 95, 196, 206,
582, 6 1 8, 63 1 , 667, 679, 680, 682, 683, 208, 214, 2 15, 216,217, 219, 220, 221,222,
685, 690, 753, 825; ver também Niilismo 233, 237, 243, 250,261, 264, 265,287,289,
(russo)
290, 296, 300, 301,304, 309, 327, 342, 343, Siegfried, 126, 127
345, 346, 384, 400, 406, 407, 425, 427, 428, Sieyes, Emmanuel-Joseph, 274, 275, 396,
429, 433, 434, 435, 436, 441, 445, 446, 448, 497, 609, 628, 686, 688, 689, 690, 770,
455, 463, 464, 470, 471, 475, 480, 493, 494, 771, 797, 798, 979
501, 513, 517, 521, 566, 572, 590, 593, 614, Sila, Lúcio Cornélio, 462
620, 622, 625, 626, 627, 631, 635, 641, 643, Silberner, Edmund, 1 064
649, 651, 655,656,657, 672, 673, 714, 758, Sileno, 24, 30, 837
759,766, 817, 837, 840, 847, 857,859,866, Simmel, Georg, 722, 723
873, 874, 878, 883, 885, 886, 889, 900, 935, Simon, \Valter Michael, 1064
967, 969, 995, 1004 Skilton, J.A., 676
Schul1laill1, \Volfgang, 1062 Slotkin, Richard, 1064
Schuré, Edouard, 4 94 Smith, Adam, 105, 192, 917, 986
Scott, \Valter, 2 1 O Sacia/darwinismo, 49, 290, 521 , 538, 6 15,
Seckendorff, baronesa (Plãnckner de nas- 617, 640, 701, 702, 705, 724, 730, 737,
cimento), 53 1 757, 799, 825; ver também Danvinismo,
Seckendorff, Gõtz von, conde, 53 1, 532 Eugenia, Engenharia social, Züchtung
Secombe, \Vally, 1064 Socialdemocracia, 440, 453, 520, 524, 525,
See, Klaus von, 1 064 527, 529, 537, 538, 540, 541, 542, 545,
Seier, Hellmut, 1064 553, 555, 561, 577, 579, 584, 62 1 , 658,
Seleção, 298, 4 1 9, 452, 5 13, 596, 599, 600, 708, 709, 725, 726, 727, 773, 779, 832,
602, 6 18, 674, 702, 705, 713, 729, 736, 845, 846, 847; ver também Socialismo
810, 825, 987, 1007, 10 1 1 Socialismo, 35, 36, 42, 48, 49, 50, 5 1, 60,
e contra-seleção, 701 62, 67, 73, 78, 92, 105, l60, 197, 202, 209,
ver também Danvinismo, Engenharia 250, 252, 262, 272, 289, 290, 291 , 301,
social, Socialdanvinismo 302, 303, 304, 305, 307, 308, 3 14, 329,
Sêneca, (Lucius Annaeus Seneca), 873 33 1, 332, 336, 337, 351, 355, 356, 364,
Sengupta, Somini, 1064 367, 383, 390, 417, 420, 455, 462, 474,
Sensualismo, 60, 62, 63, 69, 954, 955 ; ver 475, 476, 482, 494, 495, 502, 506, 5 10,
também Materialismo, Paganismo, Pe 5 1 1, 525, 528, 538, 552, 558, 559, 560,
cado, Espiritualismo 56 1, 566, 575, 579, 580, 582, 583, 641,
Ser / devir, 590, 59 1 ; ver também Eterno 642, 65 1, 654, 659, 692, 695, 701 , 704,
retomo 712, 723, 726, 731, 739, 756, 806, 851 ,
Serenidade helênica, 23 ; ver também Oti 854, 907, 921, 939, 976, 977, 983, 1015
mismo, Pessimismo "feudal", 578, 581
Servidão, 54, 368, 394, 400, 436, 446, 458, kantiano, 291
487, 684, 791, 896, 981 ver também Anarquismo, Comunismo
da gleba, 379, 424, 432, 43 3, 446, 496, Sociologia, 74, 617, 630, 633, 637, 638, 660,
514, 539, 557, 683, 685, 856, 991 667, 742, 759, 860, 884; ver também
ver também Trabalho, Otiwn, Escravidão Positivismo, Psicologia, Socialdawinismo
Servitus, 394; ver também Trabalho, Otiwn, da arte, 74; ver também Arte
Escravidão ver também Intelectuais, Imprensa
Sévigné, Marie de Rabutin-Chantal de, 417 Sócrates, 21, 25, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 35, 36,
Shakespeare, \Villiam, 366, 9 18, 954 42, 75, 76, 89, 90, 91, 92, 96, 98, l l4, 1 15,
1 16, 1 17, 1 18, 1 19, 121, 127, 128, 130, 132, Stoll, Adolf, 1066
148, 165, 177, 181, 198, 201, 221,240, 280, Stout, Hany S., 1052
469, 489, 5 12, 568, 587, 594, 638, 640, 652, Strauss, DavidFriedrich, 32, 53, 95, 97, 1 1 1,
720, 724, 767, 775, 821, 866, 881, 884, 126, 1 30, 135, 136, 1 5 1, 152, 153, 154,
886, 90 1 , 903, 904, 908, 912, 913, 1002, 155, 1 56, 157, 158, 1 60, 161, 162, 163,
1003, 1009, 1013, 1017 164, 165, 166, 167, 168, 169, 171, 172,
Socrati.s?no, 26, 42, 89, 96, 98, 1 14, 1 15, 1 16, 173, 174, 175, 176, 177, 179, 182, 183,
1 17, 1 18, 1 1 9, 121, 122, 124, 127, 128, 185, 1 97, 201, 227, 260, 261, 262, 263,
132, 177, 181, 193 , 1 94, 261, 489, 572, 264, 265, 300, 3 12, 493, 494, 495, 621,
594, 720, 1002, 1014, 1017 622, 652, 653, 654, 837, 86 1, 866, 867,
ejudaíslllo, 109, 198, 470, 1018 878, 904, 952
ver também Dialética Strindberg, August, 589
Sófocles, 21, 24 Struve, Walter, 737
Solllbart, Werner, 1065 Suetônio (Caius Suetonius Tranquillus), 853
Sorel, Georges, 1065 Sufrágio, 296, 298, 333, 366, 562
Spaventa, Bertrando, 495, 500 universal, 193, 201, 261, 268, 288, 295,
Speer, Albert, 745 296, 299, 300, 301, 333, 336, 362, 365, 366,
Spence, Jonathan, 1 065 523, 530,537, 560, 579,730, 756, 769, 867
Spencer, Herbert, 399, 64 1, 659, 676, 70 1, ver também Delllocracia, Elitislllo,
Stein, Ludwig, 725 Sybel, Heinrich von, 336, 528, 529, 842, 846
Stendhal (Henri Beyle), 353, 456
Sternhell, Zeev, 1065 T
Stimer, Max (Johann Kaspar Schrnidt), 48,
Tácito, Comélio, 39, 43, 147, 830, 853, 854
49, 88, 104, 1 05, 500, 502, 503, 504, 508,
Taine, Hippolyte, 33, 34, 35, 92, 100, 1 99,
509, 5 18, 519
243, 250, 255, 273, 274, 275, 276, 284,
Stõcker, Adolf, 5 1 1, 523, 530, 532, 533, 536,
290, 304, 407, 454, 467, 5 1 5, 5 16, 528,
537, 538, 539, 540, 541, 549, 553, 555,
529, 632, 637, 675, 770, 844, 845, 847,
556, 557, 558, 559, 560, 561, 562, 566,
853, 880, 929, 930
579, 582, 584, 585
Tal, UrieL 1066
Stoddard, Lothrop, 827, 828, 1022
Ta/mude, 4 1 8
Stolberg-Wemigerode, Otto von, conde,
Tasso, Torquato, 575
1066
Taureck, Bernhard H. F., 1067 Traba/ho, 27, 33, 48, 56, 60, 69, 72, 78, 93,
Tawney, Richard Henry, 1067 98, 101, 108, 1 16, 134, 148, 157, 178, 187,
Técnica, 245, 439, 441, 6 1 1, 630; ver Pro 917, 922, 933, 937, 938, 939, 940, 941 ,
gresso, Ciência 944, 945, 946, 947, 948, 950, 956, 959,
Teísmo, 97 960, 979, 981 , 982, 984, 992, 998, 999,
Teodiceia, 83, 84, 85, 203, 856, 857, 858, 1000, 1002, 1014, 1015
859 dignidade do, 3 1, 33, 68, 98, 107, 1 98,
da felicidade, 856, 857, 859 · 329, 402, 439, 440, 864, 960; ver tam
ver também Cosmodiceia, Moral (da bém Otium, Escravidão, Servidão
compaixão) divisão do, 104, 105, 1 15, 2 17, 3 19, 482,
Teógnis, 385, 386, 406, 410, 682, 820, 827, 769, 799, 858, 937, 938, 939, 940, 941 ,
843, 1022 943, 999,1 000 ; ver também Questão
Teo/ogia, 145, 146, 157, 204, 209, 237, 285, social
477, 496, 502, 503, 516, 758, 888, 9 10 divisão internacional do, 3 18; ver tam
Tertuliano (Quintus, Septimius Florens bém China, Racialização
Tertullianus), 920, 933 intelectual, 937; ver também Intelec
Teti, Vito, 1067 tuais, Psicologia, Sociologia (das
Teutomania, 39, 1 96, 225, 229, 234, 238, classes intelectuais)
267, 270, 324, 335, 569, 721, 722, 765, Traduzibilidade das linguagens, 61 1, 884,
766, 787, 894, 944 ; ver também 887, 888, 905
Galofobia, Mito Tragédia, 22, 23, 24, 25, 30, 3 1 , 34, 59, 73,
Thierry, Jacques-Nicolas-Augustin, 410, 75, 76, 91, 109, 1 15
847 de Ésquilo, 30, 58
Thiers, Louis-Adolphe, 462, 481, 846 de Eurípedes, 886
Tieck, Johann Ludwig, 1 83 e ópera, 1 1 5
Ttlle,Alexander, 722, 728, 729, 730, 738, 790, de Sófocles, 24
791, 792, 983 vertambém ''Nascimento da tragédia (O)"
Tocqueville, Alexis-Charles-Henri de, 28, Transva/oração dos valores, 740, 991; ver
34, 49, 92, 278, 298, 301, 304, 305, 306, também Moral
309, 3 10, 3 1 1, 3 12, 3 13, 3 14, 3 15, 399, Trasímaco, 442
400, 402, 407, 416, 4 17, 420, 426, 462, Treitschke, Heinrich Gotthard von, 41, 49,
463, 467, 470, 515, 528, 529, 633, 641, 82, 91, 129, 133, 137, 155, 156, 173, 180,
645, 649, 650, 65 1 , 654, 662, 687, 691, 185, 1 94, 1 95, 197, 242, 245, 246, 264,
692, 703, 706, 708, 7 10, 7 1 1 , 8 17, 818, 268, 269, 270, 300, 301, 333, 40 1 , 453,
819, 844, 845, 93 1 53 1 , 556, 557, 566, 571, 687, 709, 756,
Todorov, Tzvetan, 747 842, 846, 1008
Tolstoi, Lev Nikolaievitch, 680, 683, 684 Trendelenburg, Friedrich Adolf, 94, 96
Tomás de Aquino, santo, 5 14 Treue, Wilhelm, 38, 258
Tõnnies, Ferdinand, 709, 725 Tribschen, 50, 1 14, 1 15, 1 16, 1 17, 134, 720
Toussenel, Alphonse de, 137 Trimalcião, 266
Townsend, Joseph, 435 Tristão, 43, 765
Toynbee, Arnold Joseph, 130, 616 Trotski, Lev Davidovitch, 505, 524, 695, 726
Tucholsky, Kurt, 5
1 103
Tucídides, 776 Vitória, esposa de Frederico III, 545, 55 1,
Turgenev, Ivan Sergueievitch, 496, 501, 554
510, 516, 680 Vitória, rainha do Reino Unido e imperatriz
Twain, Mark ( Samuel Langhome Clemens) das Índias, 543, 551, 552, 553
Vivarelli, Vivetta, 1069
u Volk, 793; ver também Povo
Universalidade, 2 10, 442, 443, 444, 649, Volksthum (comunidade popular), 142; ver
650, 652, 653, 654, 671, 962, 963, l Ó l5 também Povo
mistificação da, 45 1 Vollrath, Wtlhelm, 1069
negação da, 444 Volpi, Franco, 1069
da razão, 458, 850 Voltaire (François-Marie Arouet), 163, 175,
ver também Homem, Razão 230, 238, 239, 248, 250, 25 1, 26 1 , 446,
Universidade, 5, 38, 80, 1 12, 160, 218, 524, 462, 630, 632, 880, 918
63 1 ; ver também Intelectuais, Instru "Vontade de poder (A)", 952, 995; ver tam
ção, Espírito (livre) bém Nazificação de Nietzsche, Nazismo
Untersteiner, Mário, 1 068 Vontade de potência, 723, 934, 96 1, 992,
Urbanismo, ver Cidade/campo 99?, 994, 995, 1007, 10 11; ver tambéffl
" Utilidade e dano da históriapara a vida "Vontade de poder (A)"
(Sobre a)", ver também "Considera
ções inatuais", Eterno retorno, Inocên w
cia do devir, História Wagner, Cosima (Liszt de nascimento), 45,
Utilitarismo, 940 79, 1 12, 1 14, 1 15, 1 16, 1 17, 130, 131, 133,
145, 171, 174, 175, 1 76, 179, 187, 260,
V 266, 267, 494, 720, 765, 869, 1003, 1004
Vaihinger, Hand, 722 Wagner, Richard, 21, 22, 25, 26, 37, 38, 39,
Vanini, Júlio César, 445 42, 43, 44, 45, 46, 47, 50, 55, 57, 69, 70, 73,
Varnhagen, Rahel, 722, 773 76, 77, 78, 80, 102, 1 10, l l l, 1 12, 1 13, 114,
Varo, Públio Quintílio, 145 1 15, 1 16, 1 17, 118, 1 19, 120, 121, 122, 123,
Varrão, Marcos Terêncio, 396 124, 125, 126, 127, 128, 129, 131, 132, 133,
Vattel, Emer de, 239 136, 137, 138, 139, 140, 142, 144, 145,
Vattimo, Gianni, 1002, 1005, 1 006, 1007, 149, 153, 162, 164, 165, 166, 167, 168, 169,
1015, 1016, 1017, 1019, 1021 170, 171, 172, 173, 174, 175, 177, 178, 179,
Vauvenargues, Luc de Clapiers de, 239 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 196,
Veblen, Thornstein, 6 1 5 197, 199, 220, 222,224, 229, 233, 234, 235,
Vegetarianismo, 50 236, 244, 246, 257, 259, 260, 267, 268, 270,
Venturi, Franco, 1069 292, 327, 335, 338, 349, 388, 453, 463, 464,
Verjus, Antoine, 880 494, 495, 521, 526, 557, 558, 563, 572, 579,
Verrechia, Anacleto, 1069 590, 592, 622,625, 630, 649, 720, 741, 744,
Vincent, John, 1069 745, 746, 747, 748, 749, 750, 751, 761, 762,
Vrrgem Maria, mãe de Jesus, 920 765, 766, 767, 775, 783, 787, 804, 821, 837,
VISCher, Friedrich Theodor, 623 839, 850, 854, 860, 861, 869, 873, 886, 887,
889, 899, 915, 942, 943, 956, l002, 1003,
1004, 1014, 1018
Waldersee, Alfred voo, conde, 542, 544, Wolf, FriedrichAugust, 874
545 Wood, Forrest, G, 1073
Walicki, Andrezy, 1071 Woodward, Comer Vann, 1073
Wallon, Henri-Alexandre, 381 Wotan, 126
Walwin, James, 1071 Wulf, Josef, 1059
Warneck, Gustav, 1071
Weaver, Richard M., 1071 X
Weber, Karl Maria von, 39 Xerxes, rei da Pérsia, 980
Weber, Max, 615
Wehler, Hans-Ulrich, 1072 y
Weichelt, Hans, 1072
Young, Arthur, 986
Weii Simone, 830, 833
Weingart, Peter, 1072
z
Weisse, Christian Hennann 1072
Weissmann, Karlheinz, 107l Zanzibar,
Weitling, Wilhelm, 49, 272, 277, 473, 580, l.aratustra, 224, 259, 288, 3 1 1, 349, 358, 449,
852 464, 477, 509, 526, 565, 569, 570, 571,
Westemhagen, Curt von, 1072 572, 573, 574, 576, 582, 595, 597, 599,
Westphal, Otto, 1072 600, 601, 602, 624, 627, 697, 698, 715,
Widemann, Paul Heinrich, 570, 575 744, 778, 828, 863 , 881, 895, 908, 941,
Widmaier, Rita, 1072 947, 948, 949, 950, 95 1, 952, 989, 990,
Widmann, Joseph Victor, 724 1006, 102 1 ; ver também "Assim falou
Wieland, Christoph Martin, 235 Zaratustra"
Wilamowitz-Mõllendorff, Ulrich von, 21, Zelinky, Hartrnut, 1073
25, 36, 73, 80, 1 1 9, 1 20, 180, 198, 464, Zeller, Eduard, 49
1018 Zetkin, Clara,
Wilberforce, William, 383 Zeus, 86, 955
Willard, Claude, 1072 Ziegler, ValarieH., 1073
Williams, Basil, 1072 Ziinmermann, Moshe, 1073
Wiiliams, Eric, 1072 Zivi/isation, ver Civilisation
Zola, Émile, 759
Wilson, Charles Reagan, 1052
Züchtung, 985, 1005, 102 1 ; ver também
Winckelmann, Johann Joachin' 23
Wippermann, Wolfgang, 1029 Eugenia, Engenharia social