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Apresentação
Desde o início da filosofia, uma maneira bem particular de raciocinar apresentou-se aos pensadores. Era uma investigação
pelas causas primeiras de todos os fenômenos. Seu nome veio somente com o batismo de um conjunto de textos de
Aristóteles: metafísica. Já de início, ela se apresentou como uma busca das coisas pelo ser. Ou, dito de outra forma: ela
tenta encontrar as respostas mais gerais que fazem parte das estruturas das questões primárias.
Objetivos
Identificar a trajetória histórica e filosófica da disciplina “metafísica”, mostrando as dificuldades para se determiná-la
com exatidão.
Descrever as tentativas de elucidação das questões relacionadas com a busca das coisas em geral pelo ser.
Metafísica
A anedota é famosa: cerca de 250 anos após a morte de
Aristóteles, um outro filósofo grego chamado Andrônico de
Rodes — seguidor da escola peripatética, fundada pelo
próprio Aristóteles — conseguiu ter acesso aos originais do
mestre. O material havia permanecido esse tempo todo
escondido, passando de mão em mão, e chegou a ficar
durante algum tempo abandonado, mofando, até que
Andrônico o encontrou e decidiu organizá-lo.
Fonte: Pixabay
Mesmo que a narrativa com tintas romanescas seja de difícil comprovação (embora vários e sérios estudiosos a sigam), o
nome “metafísica” era perfeito para explicar o conjunto daqueles textos aristotélicos que tentavam entender e explicar os
mecanismos que fazem todas as coisas funcionar mas que, geralmente, ficam “escondidos” pelas nossas preocupações
cotidianas.
Normalmente, nós vivemos sem nos perguntar como tal e qual situação pode existir, dando, por exemplo, como certa e óbvia a
relação em cadeia de uma causa e sua consequência. Ou quase nunca nos questionamos se somos verdadeiramente donos
das nossas próprias vidas. Ou, ainda: por que o tempo passa mais rapidamente ou é mais vagaroso dependendo do tipo de
atividade que exercemos? Vivemos nossas vidas como se cada um desses aspectos fosse óbvio, “natural”, sem nunca lhes dar
qualquer atenção mais cuidadosa.
Comentário
De repente, sem perceber, somos atravessados por uma forte indagação, não necessariamente frequente, mas que é
compartilhada pelos espíritos mais curiosos, que se deixam (e conseguem encontrar o tempo necessário e disposição de ânimo
para) espantar-se com as coisas da vida. Então, nos perguntamos: quem nós somos? Quem eu sou?
Sofrendo desse susto diante das coisas que são ao mesmo tempo as mais e as menos banais possíveis, a metafísica, de certa
forma, pode confundir-se com a própria filosofia — o que não é necessariamente uma igualdade. Seria mais o esquema: a
metafísica está contida na filosofia; toda metafísica é, necessariamente, um processo filosófico. O inverso não é
necessariamente verdadeiro.
Explicando melhor: desde que Tales de Mileto deu início a essa longa
tradição, ainda no século VI AEC (antes da era comum), a filosofia
metamorfoseou-se em diferentes modos e maneiras. Passaram Platão
e Aristóteles, os filósofos medievais, os racionalistas, os idealistas
alemães e até os críticos mais recentes — e a metafísica sempre foi ou
companheira inseparável ou uma adversária contra quem lutar.
Há, entretanto, além da metafísica, toda uma tradição sobre ética e moral, que também acompanha a filosofia desde os seus
pensadores mais antigos, e que tentava e tenta dar conta de, entre outros aspectos, da melhor maneira de as pessoas
conviverem em determinada sociedade. Ou seja, quais são os modos mais justos de se comportar, ou o que é o certo e o
errado quando vivemos em comunidade.
Essa vertente, apesar de frequentar a filosofia até hoje, também desembocou em outras áreas, como a política, para ficar no
caso mais óbvio. Outro exemplo é o da estética: quantas páginas foram escritas por filósofos, mesmo os mais antigos, para
dizer o que é ou não belo, o que é ou não arte, se arte e os artistas importam e por quê?
Novamente, esse tipo de discussão ultrapassou as fronteiras filosóficas e espraiou-se por várias outras disciplinas ao longo
dos milênios que se seguiram.
Para a filosofia, entretanto, por trás de todas essas vertentes, pode haver o mesmo tipo de procedimento de pensamento, uma
maneira bem particular de racionalizar as coisas, que busca as causas primeiras de todos os fenômenos: a metafísica.
Comentário
É bem difícil criar uma definição de “metafísica” sobre a qual possamos dizer: é isso! Praticamente, todo filósofo, pesquisador ou
mero estudioso da filosofia já atreveu-se a criar uma explicação para tal termo, mas ele sempre precisa de um longo texto que o
acompanha, sendo detalhado trecho a trecho, pedacinho a pedacinho, para torná-lo mais claro e sem tantas ambiguidades.
A Uma forma de começar a entender o que seria tal modo de fazer filosófico
seria pensá-lo como uma espécie de caixa de ferramentas que abre (ou
tenta abrir) todas as caixas de ferramentas possíveis — inclusive ela própria.
É a coleção de perguntas originais que buscam desvendar o que se quer
desvendar. Isso, sem cair em um erro comum, o de pensar que essa
ferramenta é, na verdade, o fundamento da própria coisa a desvendar, ou
seja, a própria definição funcionaria como sustentáculo, como arcabouço.
OK, talvez seja mais fácil pensar no ponto principal de toda discussão
metafísica, e, para muita gente, o próprio cerne da filosofia: o ser.
Desvendando a metafísica
Desvendando a metafísica
Voltemos ao exemplo da definição, mencionado anteriormente. Quando estamos tentando definir a metafísica,
estamos, para usar outros termos, tentando dizer o que é a metafísica. E essa pode ser uma definição bastante boa
dela: a tentativa de dizer o que é alguma coisa. Nessa pequena questão (“o que é...”) estaria toda a sua história.
Entretanto, também como dito antes, temos que detalhar cada um dos termos, aos poucos, para evitar ambiguidades.
Esse “é”, que a gente fala tão despreocupadamente, é exatamente a terceira pessoa do singular do verbo “ser”. Quando
perguntamos o que alguma coisa é estamos, de fato, querendo saber qual é o “ser” dessa coisa. O que a torna essa
coisa e não outra qualquer. O que faz uma cadeira — o exemplo preferido de todos os professores de filosofia — ser
uma cadeira e não um lápis, um sentimento ou uma equação matemática, por exemplo?
Há alguns critérios que nos levam a afirmar que uma cadeira é uma cadeira, e raramente pensamos neles na hora em
que queremos nos sentar. E se, no entanto, esse objeto de se sentar for mais rústico, ou mais largo, ou for para dividir
com outras pessoas... podemos chamá-lo de “banco”, não? Qual é a diferença exata entre cadeira e banco? E se esse
objeto que normalmente usamos para nos sentar, que tem pés, em geral um encosto, pode ser feito de diversos tipos
de materiais (madeira, metal, tecidos, plástico...), estiver em outro contexto, como na obra de arte conceitual chamada
Uma e três cadeiras, do americano Joseph Kosuth? (Ver a seguir.)
Feita em 1965, a peça consiste de três elementos: um objeto físico de madeira de três dimensões, que chamaríamos
de “cadeira”; uma foto desse mesmíssimo objeto; e uma definição colada na parede, retirada de um dicionário, do que é
uma cadeira. Tal “cadeira” — a de madeira — já não é mais feita para se “sentar”. Ou melhor, ela até consegue sustentar
o peso de uma pessoa, mas sua “função” ali não é mais exatamente essa. O que Kosuth tenta com essa junção de
objetos prontos é colocar em questão nossas certezas sobre o que nem prestamos a atenção no cotidiano. Em outras
palavras, ele pergunta para a gente: “o que é uma cadeira?”
Claro que não precisamos em nenhum momento nos perguntar o que é uma cadeira para nos sentar em uma – ou em
um banco. Ou em uma raiz de árvore, ou usar qualquer outro elemento na mesma “função” de cadeira. Aliás, a “função”
é importante para se pensar na questão principal da metafísica (“o que é...?”). Alguns filósofos defendem que a
pergunta metafísica por excelência deveria ser algo tal qual um “como é...?”, exatamente porque o mais importante não
seria estabelecer a definição parada no tempo, a essência abstrata e eterna do que alguma coisa é — porque, aí sim,
isso seria impossível.
A cadeira pode ser uma cadeira, no sentido de servir para se sentar, mas também pode ser um objeto artístico, como
na obra de Kosuth, ou mesmo apenas um cabideiro improvisado, nos dias em que chegamos cansados em casa e
jogamos nossas roupas sobre ela — para citar apenas três casos. O mais aproximado que poderíamos chegar do “ser”
da cadeira é, para esses filósofos, saber a sua “função”. A definição metafísica de cadeira, então, seria algo como um
objeto físico em três dimensões, que pode ser usado para se sentar, e que pode ter ou não encosto, produzida de
materiais x, y e z etc.
Se não precisamos saber o que é uma cadeira para nos sentarmos em uma, para que então, “serve” a metafísica? Bem,
esse não é exatamente um dilema da metafisica, mas já tentou comprar uma cadeira pela internet? As definições
apresentadas pelos sites vendedores, se menos precisas, tornam a comunicação, no mínimo, insegura. O “ser” da
cadeira é fácil de perceber (objeto físico de quatro ou três pernas, encosto ou não etc.), mas como saber, pelo que está
escrito, se a cadeira é confortável (como é o ser confortável da cadeira?), se ela não vai quebrar rapidamente (e o ser
durável?), se ela é da cor exata que é mostrada na tela (ser preta, vermelha ou outra cor)...?
Muitos vendedores optam por termos mais técnicos, quase científicos, para serem mais rigorosos, mas, ao mesmo
tempo, esse tipo de vocabulário é menos comum por parte de um leigo no departamento “cadeira” e, novamente, não é
possível entender totalmente se a cadeira reclina o suficiente, se o material é da qualidade esperada e assim por
diante. Em suma, apenas ler sobre uma cadeira pode nos mostrar que aquela cadeira é uma... cadeira. Contudo, salvo
casos de especialistas no assunto, precisamos de outros elementos para “sabermos” sobre a cadeira, como sentar
nela, observá-la e tocá-la, já diria Immanuel Kant, filósofo alemão do fim do século XVIII e começo do século XIX.
E o que dizer de noções subjetivas, como sentimentos de amor ou ódio, ou “coisas” ainda mais abstratas ou naturalmente mais
imprecisas, como justiça ou democracia? Veja o conceito clássico de verdade. Em que tal conceito se apoia? Se dizemos que 2
+ 2 = 4, é difícil refutar a verdade de tal sentença.
No entanto, se afirmamos que a “justiça é cega” ou “o meu país é democrático”, precisamos explicar melhor esses termos.
A justiça atua em todos os casos, sem se importar com quem são os envolvidos?
Os cidadãos do “meu país” são tratados de maneira igualitária, independentemente das suas diferenças?
Saiba mais
A metafísica ajuda a criar critérios primários para se entender verdade, justiça, democracia e outros termos que usamos tão
cotidianamente sem perceber direito o que estamos fazendo.
Isso porque tal vertente da filosofia parte de uma pergunta original, sobre o que é o ser, que vai se desdobrando em todas as
demais. A metafísica, portanto, é a área do pensamento que faz a si próprio as perguntas mais abstratas, mais gerais. É a
“filosofia primeira”, como escreve Aristóteles na coletânea de textos que recebeu o nome de Metafísica. Ele quer falar sobre
uma “ciência” que investiga o “ser enquanto ser”, como ele enigmaticamente também escreve, deixando algumas pistas para a
interpretação.
Tal disciplina pensa o ser geral das questões, o que torna algo o que exatamente é, em vez de seus desdobramentos, suas
particularidades, que seria material para outras disciplinas, como a matemática (exemplo dele). Para voltar às outras vertentes
da filosofia, se a ética busca saber, dito de modo grosseiro, o que é certo ou errado, e a estética, o que é belo ou feio, a
metafísica busca descobrir o que é. Ponto.
Peguemos a última noção para tentar contextualizar como o procedimento metafísico funciona na prática. Deste ponto de
vista, ou seja, das perguntas primeiras, o livre-arbítrio está diretamente conectado, por exemplo, com a questão da ética e da
responsabilidade moral das nossas ações. Antes de saber o que é certo ou errado em determinado contexto ou situação, é
indispensável saber se somos capazes de sermos responsabilizados por isso. Só existe responsabilidade se há liberdade de
ação.
Se não, como poderemos dizer que poderíamos agir de maneira diferente daquela
que agimos?
Há certas interpretações, como as feitas pelos chamados fatalistas ou pelos deterministas, que não levam em conta a
possibilidade dessa decisão individual. Para estes — de maneira bem resumida — teríamos um destino que nos determinaria a
agir como que respeitando cegamente uma espécie de roteiro prévio. Todas as nossas ações, das menores às maiores,
estariam já escritas e só nos restaria atuar em nosso papel. Alguns fatalistas religiosos, por exemplo, diriam que esse grande
autor atenderia pelo nome de Deus.
Comentário
Há muitas críticas em relação a esses tipos de leituras fatalistas e deterministas, porque nada leva a crer que o futuro possa ser
antevisto de maneira perfeita, ou que, inclusive, o futuro, de qualquer forma que se pense nele, já existe. Para usar um exemplo
bem-humorado: basta reparar, inclusive, na previsão do tempo. Mesmo que seja bem mais precisa hoje em dia do que era há
anos, ainda não é possível ter certeza absoluta do que acontecerá.
Nenhum âmbito das ciências pode prever com precisão de 100% e segurança completa algo sobre o futuro. Pode-se ter
probabilidades altíssimas, mas elas são apenas isso: probabilidades. Mesmo profetas, adivinhos ou sacerdotes trabalham com
parábolas, generalizações e outras figuras de linguagem quando o assunto é o porvir e nada garante que aquilo que foi
pressagiado se tornará “verdade”.
Pode-se ainda argumentar que, para Deus, tudo já existe, em todos os tempos. Porém, se nós não somos jamais informados de
forma inconteste das Suas intenções, como poderemos ter certeza de que não somos livres para agir de acordo com o que
podemos querer?
Certamente, existem elementos contingentes que podem diminuir a nossa gama de possibilidades de ação. O fato de não
possuirmos asas — um exemplo aleatório — nos impede de, por livre vontade e autonomamente, voarmos.
Até poderíamos aprender a pilotar aviões (e aqui caberia a discussão se pilotar um avião é voar), mas, para tal, temos que ter a
possibilidade de frequentar uma academia de pilotos. Já para isso, precisamos da sorte de não ter qualquer impedimento físico
ou psicológico que nos impossibilite de pilotar. Temos ainda que ter a capacidade (financeira, intelectual, de tempo etc.) de
estudar para entrar na escola, e a sorte de passar nas provas de admissão.
Fonte: Pixabay
Logo se vê que há uma série imensa de condições, correlacionadas, conectadas, para simplesmente podermos ser habilitados
a voar. Isso sem levar em conta todas as outras questões, que simplesmente são imprevisíveis. O que nos leva a crer que, sim,
somos frutos de uma cadeia imensa de contingências, e, claro, podemos ainda colocar a questão sobre o que compõe nossa
vontade de agir livremente (e aí já estaríamos em outra discussão metafísica sobre identidade pessoal e consciência, por
exemplo). No entanto, dizer que não temos qualquer tipo de ingerência sobre as nossas ações, parece, no mínimo, exagerado.
Acidentalmente, já entramos em um assunto espinhoso, porém inescapável da metafísica (e da filosofia de maneira geral): a
tomada de decisão. Ao perguntarmos sobre o ser das coisas, sabemos que não é possível estabelecer com exatidão uma
resposta perfeita, que sirva para todas as pessoas de maneira igual, em todos os tempos.
Dica
Só conseguimos uma resposta “suficiente” para determinado contexto, sob certas condições.
O ser se esconde, o ser é processo, o ser está sempre em movimento, o ser é constante devir, o ser é... São todas definições de
diversos filósofos da tradição – ou de uma determinada tradição. Em outras escolas, diriam que o ser é fundamento, o ser é a
essência que nos faz ser o que nós somos, o ser é a transcendência, o ser é o ideal.
Ao escolhermos a maneira de apresentar a questão já temos que ter a consciência de que estamos inevitavelmente nos
posicionando. Não há possibilidade de isenção, ou de uma olhada superior — metafísica (em seu sentido primeiro: de “além da
física”). O que podemos fazer é caminhar devagar, cuidadosamente, e apresentar diversos argumentos e posições sobre os
temas, buscando sempre as perguntas primeiras, o procedimento de abstração que pode nos apresentar os mecanismos de
funcionamento do problema em questão. Assim, a tomada de posição será, ao menos, bem mais refletida.
Atividades
1. Por que uma definição definitiva de metafísica é difícil?
a) Porque poucos foram os pensadores que se embrenharam por essa vertente da filosofia.
b) Porque uma definição já é um processo metafísico, que não pode ser facilmente totalizado: alguma coisa sempre escapa.
c) Porque metafísica é a conjunção de todas as demais formas de filosofar.
d) Porque metafísica é uma questão tratada, ao menos, desde Aristóteles até os dias de hoje.
e) Porque ela está além da física.
2. Qual das afirmações a seguir NÃO pode ser relacionada com a metafísica?
3. Entre as frases a seguir aponte a única possibilidade de interpretação para a frase de Aristóteles de “ser enquanto ser” contida
no texto desta aula:
Notas
Título modal 1
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Referências
GARNETT, B. Metafísica - Conceitos-chave em filosofia. Tradução de Felipe Rangel Elizalde. Porto Alegre: Artmed, 2008.
GRONDIN, J. Introducción a la metafísica. Tradução de Antoni Martínez Riu. Herder: Barcelona, 2006.
MOORE, A. W. The evolution of modern metaphysics. Making sense of things. Nova York: Cambridge University Press, 2011.
Próxima aula
Como a questão metafísica aparece ainda nos pensadores mais antigos da tradição ocidental.
Explore mais
Um dicionário com os principais temas da metafísica, de A a Z, escrito em inglês pelos principais estudiosos dessa
vertente da metafísica no mundo: KIM, J.; SOSA, E.; ROSENKRANTZ, Gary S. (org.). A Companion to Metaphysics. West
Sussex: Blackwell Publishing Ltd, 2009.
Definição ampla e exemplos vindos da enciclopédia de uma das mais famosas universidades americanas.
https://plato.stanford.edu/archives/spr2020/entries/metaphysics/.
Definição no Verbete METAFÍSICA no Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano, também disponível em versão digital
(PDF). https://marcosfabionuva.files.wordpress.com/2012/04/nicola-abbagnano-dicionario-de-filosofia.pdf.
Problemas Metafísicos
Aula 2: Pré-socráticos
Apresentação
Há mais de 2.500 anos Parmênides escreveu um poema que fez história e mudou a maneira de vermos o mundo. O ponto
principal do texto era: havia algo que não poderia perecer, dividir-se, nem movimentar-se: o ser. Era o nascimento, ainda
muito rudimentar, da metafísica, essa disciplina que pergunta sobre o ser de todas as coisas. Porém, apesar da grande
influência, esse ser imóvel de Parmênides nem sempre foi bem visto pelos comentadores.
Objetivos
Identificar como um rudimento de metafísica aparece ainda nos pensadores mais antigos da tradição ocidental;
Definir Parmênides e seu poema como início, ainda de forma singela, do caminho da busca pelo ser;
Os Pré-socráticos
Em uma das pouquíssimas entrevistas que deu em vida,
Martin Heidegger, um dos grandes nomes da filosofia do
século XX, concordou com os jornalistas quando eles
afirmaram que as bombas atômicas tinham começado a
explodir no poema de Parmênides, escrito 2.500 anos antes.
Tal afirmação não queria dizer que Parmênides já tinha
“previsto” o poder de destruição de armas construídas
milênios depois, nem que só haveria um único tipo de
destino já programado desde o poema e não teríamos como
fugir dele. Não mesmo.
Fonte: https://it.wikipedia.org/wiki/Martin_Heidegger
A comparação é feita para mostrar que o pensador, que nasceu por volta do ano 570 Antes da Era Comum (AEC), na cidade de
Eleia — que fica hoje na Itália, embora fizesse parte da colonização grega no sul da Península Itálica — era a origem de toda a
ciência e da filosofia de que se tratava até o momento daquela conversa, realizada em 1969 — sendo possível sugerir, até hoje
em dia.
Comentário
Por serem tão antigos, o acesso aos seus textos é ainda mais complicado do que o de outros pensadores. É sempre bom
lembrar que mesmo a obra de nomes mais conhecidos da filosofia sofreu para chegar até nós. De Aristóteles, por exemplo, só
temos acesso a parte de sua produção, sendo que, do que temos acesso hoje em dia, a maioria são notas que ele usava para
dar aulas. Quase todos os textos escritos para tornarem-se públicos se perderam.
O exemplo dele é também um tanto quanto bem-humorado e envolvia Sócrates, conhecido na época por ser tanto o homem
mais inteligente de todos, como, igualmente, um dos mais feios. Diz Aristóteles: “mesmo que Sócrates se torne belo” (palavras
de Aristóteles) “ou músico” (Aristóteles deveria estar tentando disfarçar o deboche), “ele ainda seria, de certa forma, Sócrates”.
Em outras palavras, existiria um elemento imutável, apesar da constante mutabilidade das coisas. Por isso, segundo
Aristóteles, eles não acreditavam que nada poderia ser gerado nem, por outro lado, destruído: algo, uma espécie de ingrediente
fundamental, sempre permaneceria o mesmo.
Para cada um desses primeiros pensadores, esse elemento variava. No caso de Tales, esse componente seria a água. O
estagirita lembra que Tales afirmava que a terra está flutuando sobre a água — ou seja, a terra nada mais seria do que um tipo
de barco, mas tão estável que parecia imóvel —e tenta interpretar de onde vinha essa afirmação: seria a partir dos alimentos,
que são sempre úmidos, segundo Aristóteles.
Saiba mais
Na escola de Tales, na cidade grega de Mileto (atualmente na Turquia), depois vieram Anaximandro e Anaxímenes. Este último
dizia que esse “princípio de vida” (arqué, em uma versão latinizada da palavra grega) era o ar — e seguremos a informação
sobre Anaximandro por enquanto. Outros pensadores originais sugeriram diferentes “ingredientes essenciais”, como Heráclito
(guarde bem esse nome porque ele vai voltar também), que escolheu o fogo; e Empédocles, que, em vez de optar por um só,
sugeriu logo os quatro e tradicionais elementos da natureza: fogo, terra, água e ar.
Em outras palavras e sendo ainda mais direto e chocante: “por que as coisas existem?”
Apesar de todos os dias a gente ter contato com a vida, com o mundo em suas mais diferentes formas, cores e sons,
com os nossos sentimentos e pensamentos, essa configuração, esse encontro de inúmeros entes não é exatamente
óbvio, garantido. Poderia, simplesmente, não existir nada.
O que os pensadores originais tentaram fazer — e por isso são considerados por muita gente os primeiros filósofos na
tradição Ocidental — foi descobrir qual elemento da natureza seria o mais fundamental entre todos os demais, e
portanto, seria esse seu arqué, seu “princípio”, que jamais, como dito anteriormente, se modificaria. Aquele elemento
constitutivo que perpassasse todos os demais, que estivesse presente em tudo o que há. Quem descobrisse esse
elemento, teria descoberto ao mesmo tempo a chave que abriria todos os demais segredos (ao menos os que podem
ser abertos).
A busca por esse elemento natural, comum a todos, foi, em geral, a tônica do pensamento até a chegada de um
determinado nome que, 2.500 anos depois seria ainda associado à bomba atômica — sim, ele mesmo, Parmênides. E
o que Parmênides teria de tão diferente dos anteriores? Bem, para começar, nada, já que ele concordava com seus
predecessores que sim, há um elemento que se mantém inalterado em todas as coisas. As semelhanças param aí,
entretanto. Ele sugeria que esse componente não seria exatamente algo material, ou natural, mas um elemento de
outra categoria e, talvez, impossível de ser compreendido em sua totalidade: o ser.
Alguém se lembrou da metafísica e sua busca pelo ser? Pois lembrou certo. Já, já chegaremos nesse assunto mais
diretamente. Por enquanto, fiquemos nos preâmbulos a Parmênides.
Há uma “vantagem” deste grego sobre os demais pensadores originais: sobreviveu até os nossos tempos um texto
dele com argumentação completa — apesar de esse texto ter menos de 10 páginas. Mesmo curto, é uma verdadeira
raridade. Seu texto é escrito em versos, o que parece ser, à primeira vista, uma exceção (considerando que a gente
sabe tão pouco dos outros pensadores, é difícil afirmar ineditismo ou uma diferença completa com absoluta certeza).
Entretanto, ao se pensar que os versos e o ritmo são usados até hoje como recurso mnemônico, ou seja, para ajudar
na lembrança (como eram antes de Parmênides, como nas obras homéricas, para ficar em apenas um exemplo), a
opção parece menos esdrúxula.
Outro detalhe que passa sem muitas menções entre os comentadores de sua obra é o fato de o poema ter
personagens, e o personagem que assume a dianteira das ações ser uma deusa. Tal pormenor, ignorado por muitos,
vai aumentar de tamanho daqui a pouco, quando discutirmos as críticas a Parmênides.
O que, enfim, Parmênides diz em seu poema para que depois de, literalmente, milênios, faça com que ele seja
comparado à bomba atômica? Não espere uma resposta pronta, algo que confortavelmente cairá sobre o seu colo
com a forma de uma frase feita, dessas que se postam nas redes sociais para parecer inteligente.
A filosofia exige uma conexão entre leitor e texto, em que o leitor deve aportar no texto sua parte da leitura, senão o resultado
parece insípido, uma mera repetição, sem compreensão. É preciso transportar-se para o contexto da frase e perceber sua
importância histórica, e, além disso, a filosófica. Isto é: o quanto tal texto representa de mudança na forma de pensar no tempo
em que foi escrito e o quanto essa força ainda reverbera hoje em dia — como se fosse uma bomba atômica.
Em suma: Parmênides diz que o ser é, enquanto o não ser não é. Pode
parecer tautológico, ou, em outras palavras, uma afirmação óbvia em seus
dois lados, como A = A, portanto desnecessária – mas aguardemos um
pouco mais. Primeiro, vamos às palavras dele: “Necessário é o dizer e
pensar que [o] ente é; pois é ser, / e nada não é.”
Além disso, ele também escreveu que o ser é imobilidade. Nas palavras dele:
Como visto na aula anterior, metafísica é o estudo do ser, da pergunta primeira do que é algo, ou o que é o ser dos entes em
geral, na linguagem da filosofia. Portanto, Parmênides estabelece as primeiras balizas para sabermos os limites do que
estamos falando quando falamos sobre metafísica. Por isso, ele seria o início de toda ciência e filosofia que conhecemos até
hoje, porque seu poema metafísico (poderíamos dizer assim) foi o que sustentou todo o pensamento ocidental.
Nos trechos anteriores, vimos que o ente é, isto é, o que existe, existe; e não há nada que não exista que possa vir a existir. Esse
é o princípio inicial de tudo, para Parmênides.
Saiba mais
Quando ele fala que não seria possível “perecer” quer dizer que não é possível não ser; ou seja, que todas as coisas já são, já
existem. Se algo perecesse, portanto não “fosse”, deixasse de existir, ela iria para onde? Os elementos não podem “sumir”, eles
sempre existem. Se não é possível desaparecer, também não é possível, por uma lógica dedutiva, aparecer. Se todas as coisas
já existem, como algo além dos entes que existem ainda assim surgiria? E surgiria de onde, que espaço é esse, além do nosso
próprio universo? Não há, portanto, segundo Parmênides, qualquer possibilidade de algo simplesmente deixar de ser.
Este tema vai se desdobrando nos demais. Se nada pode “não ser”, então, nada pode ser dividido, porque, então, algo que
existia deixaria de existir para outras duas novas coisas aparecerem. O mesmo princípio pode ser aplicado para o movimento:
nada se movimenta. Todas as coisas são necessariamente imóveis. Todo o movimento, diriam alguns de seus seguidores —
como Zenão da mesma cidade de Eleia —, é apenas uma ilusão.
A bomba havia sido lançada. Estava criada uma divisão entre os antigos gregos. É até possível encontrar alguma similaridade
com alguns pensadores anteriores. Por exemplo, com Anaximandro. Lembram dele?
Mencionado antes entre Tales (o da água) e Anaxímenes (o do ar)? Em seu único fragmento que chegou a nós, Anaximandro
defende que o princípio de tudo é um elemento chamado ápeiron, cuja tradução mais aproximada é “ilimitado”. Em geral,
contudo, Parmênides é visto como o inaugurador da metafísica, mesmo que sem uma exegese, isto é, sem fazer uma grande
explicação sobre o tema do ser.
Comentário
Um dos pontos que ele mais desenvolve (talvez o termo seja um exagero considerando que todo o poema tem pouquíssimas
páginas) é a relação entre ser e pensamento: quando diz que o ato de pensar o ser já seria a forma de conhecer o ser. No
entanto, nem esse tema de “pensamento X ser”, que é tão presente até hoje em algumas filosofias, como a do mencionado
Heidegger, é exatamente explicado. E essa concisão deixou terreno livre para muitas criações sobre o solo parmenídico. Gente
que construiu edifícios metafísicos e gente que enxergou todo o problema da história da filosofia já ali.
Nietzsche
Parmênides
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Por sua vez, Nietzsche mostrava que
Parmênides acreditava que todas as
havia um processo, um caminho, um...
coisas eram imóveis, pois todas as
movimento de um ponto a outro: todas
coisas já existiam e nada poderia
as coisas sempre estavam vindo-a-ser
aparecer nesse conjunto fechado.
outras coisas.
Exemplo
Nietzsche dá o simples exemplo de uma árvore. Podemos dizer que ela “é”, em comparação às outras coisas (a rocha, o solo, o
ar, os nutrientes etc.). Ao mesmo tempo, a mesmíssima árvore “vem a ser” em comparação a ela própria no futuro, por
exemplo: quando tiver perdido as folhas no outono, ou quando florescer na primavera. É a mesma árvore, sim, mas é também
outra árvore, diferente da primeira. Ela é e, ao mesmo tempo, não é.
Por fim, Nietzsche continua, ela “não é” ou, concedendo, “ainda não é” uma árvore quando está crescendo. Quando algo “não é”
alguma coisa, ela “é” outra, automaticamente. Ou seja, Nietzsche acreditava que faltava a Parmênides enxergar as coisas como
elas são, em vez de usar uma série de subterfúgios argumentativos para provar um ponto que pode fazer sentido no papel, mas
que na prática são, na melhor das hipóteses, inverdades.
Seguindo a tradição dos pensadores originais, e ao mesmo tempo fazendo troça dele, Nietzsche acreditava que o elemento que
formava a filosofia de Parmênides era o gelo — demonstrando a frieza e o distanciamento das coisas comuns. Do lado
completamente oposto a ele, estaria o pré-socrático que acreditava que o elemento central era, exatamente, o fogo: Heráclito
(lembram que ele também foi mencionado anteriormente?).
Fonte: Desafueros
Um de seus aforismos mais famosos é aquele que defende que “tu não podes descer duas vezes no mesmo rio, porque novas
águas correm sempre sobre ti”. Mesmo que seja impossível entender perfeitamente o que Heráclito quis dizer com tal
sentença, dá para perceber um sentido abissalmente diferente daquele presente no texto de Parmênides.
No rio heraclitiano, nada se repete, sempre haverá novas águas a passar. Mesmo a proposta do fogo, que pode parecer algo
pouco elaborado pelo ponto de vista de uma metafísica mais tradicional, que busca um ser, um elemento não “natural” como
cerne de todas as coisas, pode ser entendida como uma imagem da mudança, da transformação: o fogo sempre consome
todo e qualquer ente e o torna algo outro. Uma das possibilidades de sinônimo para o vir-a-ser, ou o devir, citado anteriormente,
é exatamente o de “tornar-se”.
Crítica nietzschiana
A crítica nietzschiana é, como pretendida, demolidora na imagem de um ser que fosse “um, imóvel e ilimitado”. Salvo
por um pormenor que passou esse tempo todo abaixo da linha da visão: o personagem principal do poema de
Parmênides, como já ressaltado aqui, é uma deusa. E todo o horizonte desse ser imóvel é a partir de um ponto de vista
“superior” desta deusa. No poema, Parmênides deixa claro que ela não ignora que, para os mortais, o mundo é
diferente, com movimento, degeneração e criação.
Para os deuses, entretanto, que não perecem, que vivem a eternidade, não há qualquer diferença na totalidade: o
conjunto de somas das modificações mortais, para os deuses, sempre é igual a zero. Claro que poderíamos continuar
a crítica nietzschiana — e o alemão deixa elementos para isso — dizendo que não haveria possibilidade desse ponto de
vista superior, distante, “frio”. Estamos sempre dentro do mundo, tomando uma posição. Entretanto, não é possível
descartar que, ao menos especulativamente, o projeto de Parmênides faz total sentido.
Independentemente de ser a favor ou contra, é certo que Parmênides é incontornável. O que já sabíamos, aliás, desde
Platão, pelo menos. Platão que, além de citar Parmênides ao longo de suas obras, escreveu um diálogo inteiro sobre
um encontro de um jovem Sócrates, personagem principal dos seus textos, com um já idoso Parmênides e com
Zenão. Em Parmênides, eles discutem, exatamente, a questão da mobilidade para o ser — demonstrando que o tema é
igualmente polêmico desde o início. Além de todas as demais qualidades, Parmênides é uma das grandes provas da
inventividade de Platão, já que quando Parmênides morreu, Sócrates teria por volta de, no máximo, 10 anos.
Atividades
Qual das alternativas a seguir mostra uma explicação da importância do pensamento dos primeiros filósofos da tradição
Ocidental?
a) Porque todos diziam que as coisas que existem são formadas de água.
b) Porque eles inventaram a bomba atômica.
c) Porque inventaram os quatro elementos da natureza.
d) Porque foram os primeiros a tentar responder à questão principal da filosofia.
e) Porque começaram a escrever filosofia em versos.
2 - Qual das afirmações a seguir NÃO é uma das características do ser para Parmênides?
a) Imperecível
b) Imóvel
c) Indivisível
d) Ilimitado
e) Impossível
3 - Qual das alternativas a seguir pode ser considerada uma falha na crítica de Nietzsche a Parmênides?
Notas
Título modal 1
Lorem Ipsum é simplesmente uma simulação de texto da indústria tipográfica e de impressos. Lorem Ipsum é simplesmente
uma simulação de texto da indústria tipográfica e de impressos. Lorem Ipsum é simplesmente uma simulação de texto da
indústria tipográfica e de impressos.
Referências
NIETZSCHE, F. A filosofia na idade trágica dos gregos. São Paulo: Edições 70, 2008.
Próxima aula
Platão, o nome mais influente da história da filosofia; e Sócrates, o homem mais inteligente de todos;
O impacto ao longo dos séculos da metafísica platonista e as críticas que ela recebeu nos últimos tempos.
Explore mais
Um artigo da professora Izabela Bocayuva, do departamento de filosofia da Uerj, sobre as diferenças e similaridades entre
Parmênides e Heráclito:
BOCAYUVA, I. Parmênides e Heráclito: diferença e sintonia. Kriterion, Belo Horizonte, v. 51, n. 122, p. 399-412, Dez. 2010.
Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2010000200004&lng=en&nrm=iso
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2010000200004&lng=en&nrm=iso> . Acesso:
2 set. 2020.
A entrevista inteira com Martin Heidegger, em que ele fala sobre a importância de pensadores originais, como Parmênides
e Heráclito. URL: http://pessoaypessoa.blogspot.com/2016/01/entrevista-de-heidegger-i.html
<http://pessoaypessoa.blogspot.com/2016/01/entrevista-de-heidegger-i.html>
Problemas Metafísicos
Aula 3: Platão
Apresentação
Com a alegoria da caverna, Platão constrói uma analogia sobre a ideia, um de seus conceitos mais importantes. Em sua
obra, o filósofo mostra a diferença entre as percepções meramente sensíveis, que ficam no âmbito das simples opiniões,
quando não apenas na imaginação, e as imagens mais rigorosas, como as figuras matemáticas. Contudo, o ponto
principal é mesmo a ideia, cujo processo depurativo é a dialética, que tem Sócrates como seu principal artista.
Objetivos
Analisar a alegoria da caverna e mostrar como ela exemplifica a teoria platônica das ideias;
Examinar as divisões hierárquicas entre os diferentes âmbitos da recepção dos entes, da doxa até a episteme;
Esclarecer, dentro da metafísica proposta por Platão, as diferenças entre os mundos sensível e inteligível,
identificando a importância da dialética para se conseguir ter acesso ao âmbito ideal.
Introdução
No capítulo VII de A república de Platão acontece uma das
cenas mais famosas da história da filosofia, talvez a mais
famosa. Sócrates — professor de Platão e protagonista dos
diálogos platônicos — começa a narrar para Glauco (irmão
mais velho de Platão) uma alegoria com homens
acorrentados dentro de uma habitação subterrânea, com
apenas uma saída, virada para a luz exterior, luz esta
fornecida pelo sol. Os homens, considerados prisioneiros,
não se mexem e só conseguem enxergar as sombras
Fonte: M P/Pixabay
projetadas na parede do que acontece atrás deles.
Um deles consegue desvencilhar-se dos grilhões e sai dessa gruta em direção ao exterior e ao sol. Em um primeiro momento,
ele tem dificuldade de enxergar, mas, aos poucos, vai se acostumando até que vê as coisas como elas são e, depois, o próprio
sol. Impressionado com a visão das coisas verdadeiras, ele, que estava acostumado a apenas ver meras sombras, decide voltar
e contar para os demais prisioneiros a verdade.
Neste momento do relato, Sócrates faz algumas perguntas a Glauco: ao tentar explicar a todos o que tinha visto, esse
personagem não seria motivo de risos e escárnio? Se ele tentasse dizer aos prisioneiros que eles veem apenas uma projeção e
ainda tentasse soltá-los para levá-los para a liberdade, Sócrates continua, o que os prisioneiros fariam com ele? “Matariam, sem
dúvida”, responde Glauco.
Comentário
Está aí, em resumo, toda a história que ficou conhecida como o mito ou alegoria da caverna. Está aí, também, igualmente
resumida e de forma metafórica e um pouco trágica demais, toda a discussão platônica sobre o ser. Ou, como já aprendemos,
a chamada metafísica platônica.
Porém, para aumentar a confusão, Platão não aparece em seus próprios escritos, o que dá margem para dizer que a filosofia
apresentada poderia ser considerada apenas como socrática.
Sócrates não deixou nada por escrito porque acreditava que a escrita atrofiaria a memória; essa, sim, era o único arquivo de
confiança que haveria. Aconteceria também, na discussão, uma espécie de escalada racional em direção à verdade, que não
poderia ocorrer, com a espontaneidade necessária, por escrito — ao menos, em um tempo antes de certos aplicativos, redes
sociais e congêneres.
A caverna de Platão
Para ele, haveria um âmbito ideal, em que todas as coisas existiriam eternamente, sem qualquer tipo de mudança. Na
realidade dos mortais em que vivemos, todas as coisas seriam meras cópias de sua própria ideia. Lembra-se de
alguém que propôs um ser que, visto pelo ponto de vista divino, não se modificaria? Exatamente.
Parmênides é uma referência inconteste de Platão. Contudo, o filósofo dos ombros largos (Platão, que vem de
“platos”, largueza, era o apelido desse filósofo de nome Arístocles e porte atlético) vai além da influência e detalha
melhor a questão do que seu antecessor.
Para começar, é importante saber que o termo usado pelo autor de A república para o que normalmente traduzimos
como “ideia” é “eidos”, que, em uma versão mais próxima do grego quer dizer algo como “forma”, ou, como ficou em
sua tradução para o latim: “espécie” (species). Ou seja, a “ideia” é aquilo que torna algo o que ele é. No caso da alegoria
da caverna, são os objetos vistos do lado de fora, diretamente.
A ideia de “cadeira” (exemplo mais batido), isto é, suas “formas”, faz com que um determinado objeto de quatro pernas
seja visto como uma “cadeira” e não como um cachorro, por exemplo. Mesmo que esse objeto varie bastante e jamais
possamos encontrar um exatamente igual a outro, sabemos na grande maioria das vezes o que é uma cadeira (salvo,
claro, as exceções apresentadas na primeira aula).
Neste momento, um problema instala-se automaticamente. Espera aí: se só vemos as “imitações” da cadeira ideal, e,
seguindo a alegoria da caverna, só estaríamos vendo, portanto, projeções da ideia, como acessar a “verdadeira”
cadeira, a cadeira ideal? Platão é claro: o ser verdadeiro, de qualquer ser, só é conhecido pela inteligência, pelo
pensamento — porque é exatamente esse tipo de registro mental, que não se apresentaria na nossa cabeça logo de
cara, que poderia driblar as imitações e falsificações da vida cotidiana.
Isso comprova que Platão estabelece duas ordens do conhecimento: a opinião, chamada em grego de doxa, que daria
conta apenas das coisas cotidianas, comum entre todos aqueles que ainda se manteriam presos na caverna; e a
ciência, ou, em uma tradução mais alargada, o conhecimento (episteme em grego), que buscaria o ser de casa coisa,
do lado de fora dessa habitação escura e subterrânea, diretamente, sob o sol.
Saiba mais
Enquanto a primeira forma de conhecimento das coisas é acessível a qualquer um, a segunda só estaria disponível àqueles que
Platão apelidou de filósofos — os amigos do saber. Sempre é bom lembrar que “filos” em grego é amor e “sophia” é sabedoria.
Platão não diz isso, mas seria possível acrescentar que a filosofia pode ser um caminho possível para qualquer um que tenha a
coragem de se desvencilhar dos grilhões que lhe prendem às opiniões comuns de dentro da caverna.
Nem precisa ser exatamente um Sócrates para perceber a atualidade do tema. Sem querer — ou, ao contrário, percebendo
como esse tipo de debate nunca sai de moda —, Platão estava prevendo uma das grandes discussões dos tempos atuais: a
diferença entre uma mera opinião e um dado mais fundamentado. Todas as pessoas são aptas a opinarem sobre qualquer
assunto a partir de suas próprias vivências. Dessa forma, entretanto, todas as meras opiniões seriam “falsidades”, para Platão.
Atualizando o discurso para uma linguagem atual, daria para dizer que as meras opiniões são sempre besteiras, papo furado,
se equiparam e não haveria qualquer diferença entre uma e outra. Dizer que a Terra é redonda ou plana, dentro desse registro
da mera opinião, por exemplo, se equivaleria: não dá para saber qual das duas é a correta, a “verdadeira”, para usar o termo
preferido de Platão. Não há algo além da opinião para comprovar quem está certo ou errado, para servir de prova, para
funcionar como um gabarito.
Com a alegoria da caverna, Platão sugere que devemos colocar em questão o que vemos, porque podemos ser enganados
pelos nossos sentidos. E as ilusões de ótica e, mais recentemente, as chamadas fake news estão aí para nos lembrar disso
todos os dias. O filósofo nos instiga a sempre duvidar, colocar em questão todas as informações, pedir provas, e isso é
essencial.
Não devemos aceitar automaticamente nem o chamado “argumento de autoridade”, por exemplo, quando alguém que se diz
expert em um determinado campo usa suas qualificações como uma espécie de supertrunfo, ou seja, como forma de ganhar a
discussão sem nem participar dela.
Essa saudável dúvida, porém, que devemos sempre levantar não pode cair, em seguida, em uma resposta do tipo “essa é a
apenas a minha opinião”. É preciso pesquisar, ler quem estudou os assuntos, refletir sobre os argumentos e, inclusive, e não
menos importante, duvidar das próprias conclusões.
É preciso, sobretudo, participar de debates usando o nosso pensamento, a inteligência, e de maneira aberta, sem nenhum tipo
de verdade preestabelecida, tentando chegar ao cerne da questão. Tentar alcançar aquilo que Platão chama de ideia.
O significado de Ideia para Platão
Há uma “mesmidade”, por assim dizer, na ideia. Essa proposta de pensar a ideia como algo que tem “o mesmo”, as
“mesmas” características, faz parte da “mesma” espécie, ajuda na hora em que o assunto sai dos entes materiais, que
têm formas tridimensionais, para cair nas abstrações.
É o caso da ideia de Justiça, do Bem, do Belo etc. Tanto um pôr do sol, uma obra de arte, um gato, uma pessoa podem
ser belos. Há algo que é o “mesmo” em todos esses diferentes entes, que não pode ser confundido com o ser desses
objetos.
No mundo sensível, o pôr do sol acaba, a obra de arte pode se perder, o gato morre, a pessoa enfeia, mas algo ainda
se mantém. Se pudermos acessar as ideias desses entes, ainda assim haveria algo além deles próprios: a beleza, que
é sempre eterna e a “mesma”.
Aqui está uma das grandes críticas que Platão sempre recebeu. É só pensar uns dois minutos para perceber que o
padrão de beleza muda com o passar do tempo, com diferenças geográficas, sofre, para resumir, influência de uma
quantidade imensa de fatores. Em suma, é absolutamente pessoal, subjetivo, variando enormemente. Essas
mudanças, pois, vão de encontro à ideia platônica de estabilidade eterna.
Ante essa questão Platão, ou melhor, Sócrates, em uma de suas famosas argumentações, responderia que a
mudança se dá no mundo sensível: apenas o que é considerado belo mudou. A ideia de beleza sempre se manteve.
Tentando traduzir isso para uma linguagem mais acessível e fazendo aproximações: nunca se deixou de se ter uma
ideia do que é o belo. Mesmo que o padrão tenha mudado ao longo dos tempos, não houve época em que não haveria
nada belo — logo, concluiria Sócrates para o deleite do seu interlocutor que se vê surpreendido por algo que nunca
antes tinha pensado: a ideia de belo persiste, eternamente.
Até agora dá para perceber que, para acessarmos a ideia, precisamos partir de suas versões sensíveis e subir em um exercício
de abstração até chegarmos ao próprio ser destes entes, ao que faz esses seres serem o que são. Seria possível acessar
algum ente que seja apenas inteligível de uma maneira, assim, digamos, menos mediada?
Aqui convém repetir, à guisa de resposta, uma anedota sobre Platão. Dizem que na porta de entrada da sua famosa Academia,
em Atenas, estava escrito: “Ninguém entra aqui sem ser geômetra.” Assim fica fácil adivinhar a resposta.
De forma geral, na matemática, lidamos apenas com figuras que não podem ser contestadas. Como um triângulo. Sempre três
lados, sempre a soma dos ângulos internos é igual a 180 graus. Não há “doxa”, opinião, sobre isso.
Comentário
Esta é uma verdade já estabelecida, que não cabe ser refutada. O triângulo pode até mudar, ser reto, isósceles, agudo, obtuso,
mas todos continuam respeitando a regra universal de que a soma de seus ângulos internos é igual a 180 graus. Não há dúvida
sobre isso como no caso da cadeira, por exemplo. A matemática, contudo, ainda não é exatamente a ideia — apenas a ideia é a
ideia, como veremos a seguir.
No livro VI de A república, portanto no capítulo anterior ao que narra a alegoria da caverna, Platão faz um esquema com a
divisão hierárquica entre os seres — e essa divisão pode ser considerada como a certidão de nascimento da metafísica, se
considerarmos metafísica a tentativa de criar critérios que estabeleçam qual ente tem mais ou menos “ser”; ou, em outras
palavras, e para tornar a compreensão mais fácil, qual ente é mais “verdadeiro”.
Para começar, já vimos que há uma grande divisão entre os entes que são “vistos” por meio da doxa (opinião) e os conhecidos
pela episteme (conhecimento ou “ciência”). Agora, dá para saber que cada uma dessas possibilidades de aproximações é
também dividida mais duas vezes. O primeiro caso da doxa, por exemplo, se chama eikasia, ou, em uma tradução bastante boa,
“imaginação”. Já o segundo, se chama pistis.
Eikasia
O ente que nos aparece na eikasia fica no lugar mais baixo da hierarquia platônica do ser exatamente por ser uma imagem
de uma imagem, uma cópia da cópia, que esmaece duplamente o original. Ao imaginarmos uma cadeira, não estamos
nem mesmo vendo uma cadeira — é um exercício mais distante possível do ser verdadeiro, pois só imaginamos o objeto
cadeira, que, por sua vez, já é uma projeção do ser verdadeiro.
Pistis
Em seguida, ainda no âmbito da doxa, vem a pistis, a certeza sensível, ou convicção, que é exatamente o ato de vermos a
tal cadeira. São apenas representações, produtos de segunda mão, que, como já mencionado, são consideradas meras
imitações, projeções, sombras na parede para prisioneiros da caverna.
Vale fazer um ligeiro desvio para dizer que pistis é traduzida na tradição cristã como “fé” — o que vai abrir bastante o
flanco para que alguns críticos enxerguem aí uma passagem de bastão do pensamento do platonismo, via o grupo de
seguidores que ficou conhecido como neoplatônicos, até o pensamento ideológico da igreja cristã.
De qualquer forma, e correndo o risco de cair em um anacronismo, pode-se usar a ideia de fé para pensar em algo que se
acredita sem muita comprovação. Ou seja, Platão diria que os entes que aparecem pela pistis (fé, sem provas) são ainda
meras cópias da ideia, logo são menos verdadeiros.
Já saindo da doxa para entrar na episteme, a primeira maneira de enxergar os entes é pela matemática, em um processo que
em grego se chama dianoia, e que pode ser traduzido como “conhecimento discursivo” ou “razão discursiva”. Ela ainda não é o
acesso à verdade verdadeira porque, principalmente, apesar de nos convidar a pensar em uma realidade inteligível, as
matemáticas ainda precisam de objetos, digamos, sensíveis, como retas, círculos, triângulos.
Saiba mais
O verbo pensar em grego é noein (noia é uma conjugação) enquanto “dia” quer dizer “entre” (daí, inclusive o “diálogo”, dia +
logos, sendo “logos”: discurso racional); dianoia, portanto, não é um pensamento puro, mas um “pensamento-entre”, que ainda
precisa de elementos para atingir a região meramente intelectual, o que a colocaria apenas em um honroso segundo lugar da
hierarquia de valores.
E qual é o último passo para fora da caverna? Certa a resposta: a ideia. O processo para se atingi-la se chama nous, que pode
ser traduzido simplesmente como “inteligência”, demonstrando a importância que Platão dava para a ligação direta com ela,
sem qualquer mediação do mundo sensível.
Voltemos a uma questão já levantada anteriormente: como chegar lá, como conseguir encontrar a ideia, como sair da
escuridão para a luz? O caminho, sugere Platão, é ainda mais rigoroso que as matemáticas e suas quase abstrações para se
atingir esse âmbito exclusivamente inteligível, que seria dado pela dialética.
Fonte: flo222/Shutter.
O que é, então, dialética, seu Arístocles? Em uma linha: a arte do diálogo. Não jogar conversa fora, bater papo furado, falar
besteira (nada contra, temos até amigos que fazem!), mas um procedimento exigente que vai aos poucos definindo os
conceitos, atingindo o âmago de cada uma das coisas, retirando o que é acessório para ficar apenas o essencial. Em suma:
atingindo o seu ser.
A dialética, e Sócrates nos diálogos platônicos foi sem
dúvida o seu maior artista serve para desconstruir as
certezas prévias, as evidências não comprovadas, serve
para depurar preconceitos, para acabar com falsas imagens,
para nos libertar das correntes que nos prendem no fundo
da caverna da ignorância e nos levar para ver a luz do sol,
que é única, mas que cobre ao mesmo tempo todas as
coisas que existem.
Esse é aquele momento em que o pensamento dá o pulo, em que se chega à ideia da ideia. Já deve ter dado para entender que
toda a metafísica de Platão resume-se ao conhecimento de que ideia é ser, ser é ideia. E tudo isso é, de certa forma e dentro da
metafísica platônica, verdade.
O que talvez ainda não deve ter ficado muito claro é que Platão defende a ideia de que o ser é único. A metáfora do sol não é
gratuita. O sol nos faz ver todas as coisas, mas não se confunde com as coisas. As cadeiras apresentam-se aos nossos
sentidos de diversas formas —pequenas, altas, com braços ou estofados coloridos —, mas não é a mesma coisa que a cadeira
inteligível, que é única, a mesma, eterna. O mesmo pode ser aplicado para beleza e toda a série de entes não materiais.
Platão diz rapidamente, sem muito aprofundar, há um único princípio e causa de todas as coisas das ideias: o Bem. O “bem é,
no mundo inteligível, em relação à inteligência e ao inteligível, o mesmo que o Sol no mundo visível em relação à vista e ao
visível”, fala Sócrates ainda no livro VII de A república. Assim como o sol permite que nós vejamos todos os entes, o bem
funcionaria da mesma forma na ordem do inteligível.
Como princípio de todas as coisas, Platão quer dizer que o bem é
arqué – isso, o mesmo termo que os pensadores originais associavam
a elementos da natureza, como o ar, o fogo, a terra. Para Platão, o
universo, com todas as suas relações de causalidade, obedeceria a
esse princípio de organização. O mundo se guiaria pela ideia de bem.
Claro que toda essa metafísica, com pressupostos quase aleatórios (a ideia de Bem, por exemplo, pode ser ideia e, ao mesmo
tempo, a causa das outras ideias?) e uma separação hierárquica entre o sensível e o inteligível, rendeu bastantes críticas a
Platão, a começar por seu discípulo mais conhecido, Aristóteles.
Comentário
Sendo o provável nome mais pop da filosofia, Platão nunca escapou das críticas e dos cancelamentos. Talvez o maior tenha
vindo de Nietzsche, no século XIX, que se propôs fazer uma inversão do platonismo, como veremos na Aula 8. Porém, não é o
único: Heidegger (objeto da Aula 9) também enxerga em Platão o início do que ele considerava o pior pecado de todos: o
ocultamento do ser.
Isto é, para esse filósofo alemão do século XX, Platão dizia preocupar-se com o ser (com a ideia), mas, na verdade, nessa
busca, ele se confundiu, ou se equivocou, e acabou abordando entes meramente sensíveis como se fossem a ideia. Essa
discussão será melhor explicada quando chegar a hora.
Por enquanto, é importante ver que os atuais platonistas (os especialistas na obra de Platão) defendem que essa confusão
apontada por Heidegger era, na verdade, uma intenção de Platão, não no sentido de querer enganar seus leitores, mas na
proposta de falar sobre os entes, do ponto de vista sensível e inteligível, ao mesmo tempo. Como se dissesse que a ideia não
está exatamente em um outro mundo, fora da caverna, mas ela é aquilo que dá vida ao nosso próprio mundo — apenas
algumas pessoas não enxergam isso. O que Platão, e Sócrates, falam — e esse é e deve ser o principal ensinamento — é que
não precisamos ficar presos, nunca mais.
Atividades
1. Qual das afirmações a seguir NÃO se pode concluir a partir da leitura da versão da alegoria da caverna, de Platão, no texto
anterior?
2 - Um dos elementos essenciais na metafísica de Platão é o conceito de ideia. Daí a importância de clareza sobre ele. O que é,
portanto, a ideia platônica?
3 - Dois conceitos fundamentais para compreendermos a reflexão que Platão nos apresenta acerca do conhecimento humano
são: doxa e episteme. E, claro, a relação que existe entre elas. Assim, por que Platão acredita que a doxa é inferior à episteme?
a) Doxa é um sufixo presente no paradoxo, portanto demonstrando a incapacidade de lidar com determinados assuntos.
b) Porque doxa daria conta apenas das coisas cotidianas, enquanto a episteme busca o ser de casa coisa.
c) Porque a doxa é acessível a uma elite intelectual, enquanto a episteme é mais popular.
d) Doxa quer dizer a informação de outros autores sobre um texto clássico, episteme é o texto em primeira mão.
e) Episteme é uma opinião geral, logo mais acessível, enquanto doxa é um conhecimento aprofundado.
Notas
Título modal 1
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uma simulação de texto da indústria tipográfica e de impressos. Lorem Ipsum é simplesmente uma simulação de texto da
indústria tipográfica e de impressos.
Referências
PLATÃO. Os pensadores. seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução e notas de José Cavalcante de Souza,
Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
PLATÃO. A república. Introdução, Tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2001.
Próxima aula
A metafísica como uma “ciência” dos primeiros princípios, como aquilo de que trata o ser enquanto ser;
Explore mais
Leia o texto A doutrina de Platão sobre a verdade, de Martin Heidegger, em que o filósofo alemão critica a passagem do
mito da caverna. URL: http://www.imagomundi.com.br/filo/heidegger_verdade.pdf
<http://www.imagomundi.com.br/filo/heidegger_verdade.pdf>
Problemas Metafísicos
Aula 4: Aristóteles
Apresentação
Filho de um médico da corte macedônia, Aristóteles usou como método de pensamento a análise de elementos para
entendê-los. O ser, a mais geral das questões, não escapou desse procedimento. Ele propôs uma disciplina específica para
lidar com o ser enquanto ser que, depois, recebeu o nome exatamente de metafísica. Buscou suas causas, analisou a
substância, pensou a potência e o ato, e acabou influenciando toda a história da filosofia depois dele.
Objetivos
Descrever o processo metodológico da filosofia aristotélica;
Demonstrar a metafísica como uma disciplina especial, não “científica”, porque preocupa-se com as causas
primeiras, com aquilo de que trata o ser enquanto ser;
Examinar algumas das múltiplas maneiras pelo qual o ser se apresenta, como as noções de substância, ato e
potência.
Introdução
O pai de Aristóteles era o médico do rei Amintas III, da
Macedônia, enclave que funcionava na Antiguidade como
uma espécie de fronteira entre as principais cidades-estado
gregas e o mundo que se abria para os lados da Ásia.
Sem emprego, depois de passar por outras decepções, acabou na corte da Macedônia. O filho de Nicômano foi convidado por
Felipe II, o novo rei de sua terra natal, para dar aulas ao filho dele (de Felipe), neto daquele Amintas III. O rapaz era um jovem
promissor, que ficou muito famoso quando, anos depois, conquistou mais da metade do chamado mundo antigo, antes ainda
de completar 30 anos, e recebeu a alcunha de Alexandre Magno, ou simplesmente Alexandre, o Grande.
Contudo, foram talvez os hábitos aprendidos com seu pai de observar, descrever, analisar, classificar, enfim, de tentar entender
os elementos a partir da separação em elementos menores, que mais tenham marcado Aristóteles durante toda sua vida.
Diferentemente da academia platônica, prioritariamente ligada às matemáticas, a escola que anos depois Aristóteles funda,
chamada de Liceu, tem claramente essa inclinação “naturalista”.
Saiba mais
O próprio Alexandre, quando conquistava uma cidade exótica em suas campanhas militares, mandava alguns achados botânicos
e da fauna local para o seu ex-professor. O interessante é que esse procedimento analítico-descritivo de Aristóteles não se
restringia apenas ao mundo físico: era o seu método para abordar todos os muitíssimos temas que estudava, da história da
filosofia — Aristóteles foi o primeiro a sistematicamente analisar seus antecessores — até a metafísica.
Aristóteles
Como já vimos na primeira aula, o termo “metafísica” nasce junto à obra aristotélica, apesar de ele mesmo nunca tê-lo usado.
De toda forma, neste conjunto de textos, que acabou recebendo o título de Metafísica, Aristóteles escreveu sobre uma filosofia
primeira, que seria mais fundamental e universal, e tentava entender o ser enquanto ser. Mais tarde, esses procedimentos
receberiam exatamente o nome que intitula seu famoso livro.
Nada pode ser mais genérico do que o ser. Isso a tornaria algo como a principal e, também, a mais destacada dentre
todas as disciplinas, além de fazer com que ela funcionasse de outra maneira e não exatamente como uma ciência (já
que a ciência precisa necessariamente de um objeto de estudo mais restrito).
Ou, visto de outra maneira e já escorregando para o segundo caso: enquanto as ciências “comuns” investigam
questões específicas sobre um campo (as equações geométricas, os encontros entre dois corpos etc.), a metafísica
pensa as estruturas anteriores, o que está por baixo desses e de todos os problemas. Por isso, aliás, que se pode
pensar a metafísica como a busca pelas causas e os princípios primeiros.
Nesse caso, especificamente, Aristóteles segue um padrão que ecoa os ensinamentos de Platão e dos pensadores
originais, quando falavam de arqué, por exemplo. Já quando tenta responder a essa questão, Aristóteles acaba
afastando-se deles. Diferentemente de seus antecessores, que buscaram explicar o que é o ser pensando-o como algo
imutável, fixo, parado, Aristóteles já parte de um lugar que inclui necessariamente em suas definições o movimento.
Ele chega a dizer, no conjunto de textos que recebeu o nome de Física, que, se ignoramos o movimento, ignoramos
também a natureza como um todo — porque (em outro momento deste livro ele diz) natureza é aquilo que possui em
si mesmo os princípios antagônicos de movimento e repouso.
Em grego, “natureza” tem o nome de physis (daí, a propósito, a física), que em uma tradução mais próxima do original
quer dizer algo como um desabrochar, um surgir, um aparecer, que tem correlação diretamente com o... ser. Porque
aquilo que aparece no mundo, aquilo que surge, é aquilo que acontece, existe; em resumo, é aquilo que é.
Já bem dentro da segunda possibilidade de explicação da metafísica aristotélica (a teoria das causas),
acompanhamos o estagirita dizendo que saber alguma coisa é entender o porquê desse algo. Isso quer dizer: saber o
que motivou essa coisa, como ela apareceu, qual é a sua causa. Logo, para entender o ser, por exemplo, teremos que
buscar entender, antes de mais nada, quais são suas causas. Só que as causas do ser são as causas de todas as
coisas que existem — já que o ser é aquilo que há.
Seria possível enumerar as causas de tudo o que há? De maneira bem própria, Aristóteles lista quatro possibilidades de
resposta. São elas as causas: material, formal, final e eficiente.
Material
A primeira (material) diz respeito, como o nome sugere, à matéria de que algo é feito. A madeira, os tecidos, os
enchimentos, o metal, por exemplo, para o nosso exemplo já citado da cadeira. Sem esse material, a cadeira jamais
poderia ficar pronta.
Formal
A segunda (formal) é a forma pela qual tal objeto diz o que é: daí nós identificarmos uma cadeira quando a vemos e não a
confundirmos com uma tartaruga, apesar de ambas terem (usualmente) quatro “pernas”.
Final
A terceira (final) tem ligação com a finalidade, o objetivo em mente de quando o artesão, design, marceneiro ou simples
curioso com ferramentas construiu a cadeira. Há uma ligação intrínseca entre a causa formal e a final, já que é a final que
define a meta para onde o construtor se encaminha na construção — e meta é um tema importante para Aristóteles, como
veremos no próximo parágrafo. Essa causa formal é uma velha conhecida do platonismo, pois, como ainda deve estar
fresco em sua memória, uma das traduções possíveis de eidos, além de ideia, é exatamente “forma”.
Eficiente
Por fim, a causa eficiente é esse tal construtor, isto é, quem faz a coisa.
É importante ressaltar que Aristóteles também gostava de colocar esses alvos, esses objetivos, — que, em linguagem filosófica
chamamos de teleologia (telos é “fim”, “finalidade”, em grego) — como se afirmasse que nós nos encaminhamos, ou
deveríamos, para esse propósito, indubitavelmente. Estaríamos bem, certos, corretos, caso respeitássemos esse destino de
cada coisa.
Esse era um procedimento comum em vários de seus estudos, como quando ele defendia a eudaimonia, por exemplo, a
doutrina que coloca a felicidade como objetivo final de todos os seres racionais.
Quando Aristóteles diz que sua filosofia primeira era disciplina do ser enquanto ser, por exemplo, alguém mais apressado
poderia perguntar: o que ele está falando? O que, para início de conversa, quer dizer ser, que até agora ninguém explicou direito?
Calma, senhor apressado — seria possível argumentar —, é claro que Aristóteles também respondeu a essa questão, e bem do
seu jeitinho.
Se Parmênides deu aquela explicação tautológica (ser = ser) e Platão associou ser à ideia, Aristóteles começou dizendo uma de
suas frases mais famosas: “o ser se apresenta de várias formas.”
Comentário
É uma frase que não explica muita coisa, pois não define nada com exatidão, mas deixa espaço para pensarmos que já estamos
em um terreno outro que não o puramente platônico, que imaginava o ser em um outro âmbito, ideal, muito menos ainda do rígido
parmenídico. Antes de alguém chamá-lo de impreciso, porém, Aristóteles correu para criar algumas (claro, no plural) definições.
De primeira, e de forma mais ampla: o ser pode figurar apenas como a qualidade de um outro ser, tal qual a cor da nossa
famosa cadeira amostral (branca? Marrom?). Aristóteles não para aí. Acrescenta ele: “o ser pode ser dito a partir das suas
categorias, que são 10: substância, qualidade, quantidade, relação, lugar, tempo, posição, possessão, ação e paixão.
Há, claramente, uma diferença entre a primeira categoria e as demais. Apenas a primeira, a substância, ousia em grego, parece
diferente da forma anterior de se dizer o ser. As demais mostram-se como, novamente, qualidades. E aí ficamos em uma
divisão entre dois elementos: o ser é substância e suas qualidades. As qualidades ficaram mais fáceis de serem entendidas.
Agora, o que é essa tal substância que acabou de aparecer? Aristóteles a define e, óbvio, outra vez com divisões.
Saiba mais
Substância é o que existe por si mesmo, é o que funciona como substrato para as outras coisas. É o caso da nossa já famosa
cadeira. E há dois tipos de substâncias para Aristóteles: as individuais e as secundárias. O nosso exemplo de sempre também
funciona aqui: uma cadeira individual (espaldar de madeira, assento de tecido, a minha cadeira) pertence ao conjunto de
elementos que denominamos cadeira (a substância secundária).
Sim, há alguma referência platônica, que divide entre ideal (cadeira secundária) e real (primária), mas parece que Aristóteles
não faz hierarquias metafísicas aqui: seu interesse é definir o mais precisamente possível o ser, não dizer qual é o mais
“verdadeiro”.
Outra forma de se entender a substância de que são feitas as coisas em Aristóteles é a partir do termo hypokeimenon, cuja
tradução literal é algo como “aquilo que foi colocado embaixo”. Nesses termos, parece algo pouco comum para os não
familiarizados com a língua de Sócrates, mas sua versão em latim é bem mais familiar: subjectum, que veio a originar o nosso
“sujeito” — termo que vai dominar a metafísica a partir de, pelo menos, Descartes, quando o “eu”, uma das facetas mais
conhecidas do sujeito, começa a tomar as rédeas do mundo e a sujeitar o mundo inteiro como o seu mero objeto.
Porém, isso é assunto para a Aula 6. O que vale pensar agora é que o ser pode ser tanto o sujeito (cadeira), quanto o seu
coletivo (as cadeiras) quanto a sua declinação por meio de um adjetivo ou um advérbio (cadeira branca, cadeira distante etc.).
Dica
Não se espante, mas Aristóteles tem outras definições para substância. Entre elas, está o que ficou conhecido na filosofia como
sua “quididade”, a partir do latim, e que ele explica como sendo algo que é o que sempre foi.
Em outros termos, quando queremos saber o que alguma coisa “é”, perguntando o que ela é — perguntamos sobre o seu “que”,
seu quid, em latim. O que é uma cadeira? Um objeto físico tridimensional feito de algum material e que serve, prioritariamente,
para alguém se sentar. Aristóteles quer conhecer, em suma, a essência de cada um dos entes — o que faz um ser o que ele é (e,
outra vez, sentimos a sombra platônica aparecer aqui, com seu âmbito ideal).
Há uma terceira possibilidade de se pensar o ser, algo diferente das anteriores, e que é derradeira para qualquer tentativa de
sugerir um imobilismo como forma de se entender o ser: por meio da relação entre ato e potência. Diferentemente de
Parmênides que pensava que nada se movimenta porque ao se movimentar isso mostraria que alguma coisa ainda não é,
Aristóteles prefere falar que o ser tem dois estados: um (potência) é a possibilidade de existência, portanto de ser propriamente
dito, do outro (ato).
Comentário
A madeira já é, em potência, a cadeira. A semente é a árvore, a folha verde contém a amarela, o homem inculto tem em si o
potencial para tornar-se culto. A madeira não precisa se “atualizar”, tornar-se uma cadeira, necessariamente, mas ela tem essa
potência de ser, intrinsecamente. O que Aristóteles diz é: todos os seres em potência têm um fim em si, um ato a realizar.
(Lembra-se que falamos sobre a teleologia? Olha aqui mais um exemplo.)
Por fim, o ser quer dizer, por alto, “verdade”. Em outros termos, o que “é” é o que “há”. Funciona como quando, em português,
alguém ao fim de uma explicação concorda dizendo: “é isso”. Ou seja, o que foi dito mostra-se exatamente como a explanação;
é, dessa forma, verdade.
Voltando rapidamente à terceira definição de ser — a que o mostra em dois estados, como potência ou ato — percebemos
claramente o esforço de Aristóteles para afastar-se de seus antecessores. Entretanto, ao seguir um pouquinho com ele, vamos
ver que ele logo é pego de surpresa e mostra-se mais próximo de Platão do que poderia supor. Principalmente quando ele tenta
explicar os movimentos dos corpos celestes (sobre o que Aristóteles não falou, não é mesmo?).
Para ele, os corpos celestes obedecem a uma lógica de movimento que é diferente da lógica dos corpos do mundo sublunar —
como ele chamava o nosso mundo, aqui, das coisas próximas. Os astros, de maneira geral, movem-se de maneira circular,
contínua e eterna. E aí está o problema. Se todos os corpos abaixo da lua, digamos assim, no mundo material, precisam de
uma causa (lembram das causas?), os corpos no espaço sideral movimentam-se desde sempre — portanto, sem qualquer
causa inicial. Se é desde sempre, não há um momento anterior que as causaria — é sempre!
Mas, espera aí: como eles se movimentam, então? Para resolver essa
pegadinha, Aristóteles fala de um “motor” anterior, primeiro a eles, que é,
necessariamente, único. Um primeiro motor, que nunca para, nunca está em
potência, apenas em ato, e cuja atividade resume-se ao pensamento. No
caso específico, um pensamento sobre si mesmo.
Resumindo: Aristóteles está sugerindo um ser muito poderoso e inteligente,
que fica em um lugar distante, e que é a causa de outras coisas. Alguém se
lembrou de um determinado ser que, nas tradições cristãs, é o chefão da
coisa toda? Sim, ele mesmo: Deus.
Quem é Deus?
Quem é Deus?
Platão já havia falado sobre um demiurgo, ou seja, uma divindade que tinha como função “apenas” criar o mundo em
que nós vivemos, sem poder, após a criação, interferir nele. Aristóteles vai além e acrescenta toda essa coordenação e,
principalmente, mete inteligência nesse ser. Era um prato pronto e cheio para as gerações seguintes, principalmente o
pessoal ligado à teologia cristã, que usou bastante desse modelo aristotélico, mas não apenas.
Há todo uma tradição da metafísica que usa “Deus” como princípio fundador de tudo o que há — ou seja, Deus, na falta
de outra explicação, seria a origem do ser. Isto quer dizer, tentando traduzir para uma maneira mais simples: para essa
tradição, a pergunta pelo ser, em vez de ficar páginas e páginas discutindo, deixando em dúvida, pensando e refletindo,
já tinha uma resposta logo de partida: Deus. Ser = Deus.
Porém, o problema é: Deus, mesmo sendo O responsável por todas as coisas, por todos os seres, Ele também é um
ser. Mesmo que seja um ser especial — e especial, como vimos com Aristóteles, é apenas uma qualidade do ser — ele
continua a ser um ser. Como um ser pode ser o responsável por todos os seres — inclusive por si mesmo?
Essa confusão entre ser e Deus fez Heidegger, por exemplo, chamar toda a história da filosofia de ontoteologia — um
neologismo que mistura ontologia, grosso modo, o estudo do ser, com teologia, a disciplina que coloca Deus no centro
das questões. O que torna o problema ainda mais complicado é que mesmo que Deus não ocupe essa centralidade na
metafísica — e Ele não vai mesmo necessariamente participar todo o tempo dessa brincadeira —, tal espaço central
não foi quase nunca retirado, mesmo em Sua ausência. Como não existe vácuo, outros elementos começaram a ser
colocados nessa posição e a ontoteologia se manteve. Lembra-se da menção ao sujeito cartesiano? É um bom
exemplo. Infelizmente, não o único.
O irônico de toda essa história é que Aristóteles é um dos maiores críticos de Platão no chamado chorismo, jargão dos
estudiosos da filosofia antiga que refere-se à separação platônica entre os seres sensíveis e os inteligíveis. Embora não fosse
essa a sua intenção, o estagirita acabou produzindo também os alicerces para outra separação hierárquica entre os seres. O
que só comprova que, apesar de todas as preocupações e cuidados — e isso é bastante perceptível no texto aristotélico —,
podemos sempre escorregar em uma casca de banana metafísica.
Atividades
1. Qual das seguintes definições da chamada "filosofia primeira" NÃO foram citadas por Aristóteles?
2. Na teoria aristotélica das causas, qual seria a relação intrínseca entre a causa final e a formal?
Notas
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Referências
ARISTÓTELES. Os pensadores – Volume 1. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Leonel Vallandro
e Gerd Bornheim. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
Próxima aula
A discussão sobre a Idade Média ser uma época metafísica — o que isso quer dizer? Faz sentido?
Explore mais
Um pouco mais sobre Alexandre, o Grande, inclusive sobre sua ligação com Aristóteles.
URL:https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quem-foi-alexandre-o-grande/.
Apresentação
No início da Era Comum o pensamento cristão vai substituindo aos poucos o da Antiguidade de origem grega. Na virada
do primeiro milênio os principais nomes ligados ao que chamamos de metafísica escreviam em árabe. Foram eles os
responsáveis por guardar a tradição que remetia a Aristóteles. Só no século XIII, um autor de língua latina, no caso o frei
Tomás de Aquino, volta a encarar questões ligadas ao ser, à causalidade, à necessidade e, claro, a Deus.
Objetivos
Analisar a passagem do pensamento de origem grega para a hegemonia do cristianismo na Europa latina.
Apontar a enorme importância de filósofos de língua árabe no retorno da metafísica de origem aristotélica.
Esclarecer que foi apenas no fim da Idade Média que autores latinos voltaram a encarar as questões sobre o ser, mas
sem jamais abandonar Deus.
Bastante dessa fama deve-se, provavelmente, a uma associação com a Idade Média (476-1453), muitas vezes vista como “a”
era metafísica por excelência. E metafísica aqui, neste contexto, é apenas uma explicação transcendental para todas as coisas
que existem, não a disciplina que tenta entender o ser, enquanto ser, como temos visto.
Fonte: Pixabay
Ao mesmo tempo que essa preocupação “metafísica” povoava a intelectualidade, também houve uma diminuição da
importância que se dava a pensamentos originais ou que propusessem inovação nos paradigmas. Os mosteiros e escolas
associadas com as igrejas, onde em geral ficavam os homens mais cultos do período, priorizavam as cópias e as reproduções
dos tratados “metafísicos” (entendido aqui em seu sentido vulgar).
Havia até mesmo certa aversão ao conhecimento, considerado um tipo de vaidade ou soberba. Há um momento na Bíblia que
retrata bem esse tipo de comportamento.
Comentário
Acontece na primeira carta que Paulo, primeiro divulgador das ideias cristãs, escreve para os coríntios. Nessa missiva para o povo
da região onde havia sido fundada uma das primeiras igrejas cristãs na Grécia, Paulo faz questão de esnobar a “sabedoria dos
sábios” e a “inteligência dos inteligentes”, em prol de uma “loucura”, que é aquela presente na estupidez e na tolice. Ele não é
contra a inteligência em si, mas a imaginava como uma dádiva divina. Era contra, na verdade, a sabedoria “autossuficiente”, que
não precisa de Deus. Ou seja, para ele, uma inteligência que existisse sem Deus era uma inteligência arrogante.
Em um momento anterior da Bíblia pode-se ver como os filósofos gregos também não se interessavam pelos saberes cristãos.
Novamente Paulo é o protagonista. Ele está em Atenas e se encontra com epicuristas e estoicos — as principais escolas
filosóficas gregas do período. É visto com certa desconfiança pelos pensadores que cochicham sobre ele estar querendo
propagar deuses estrangeiros — uma das acusações feitas a Sócrates.
O jogo Grécia x Cristianismo começa a virar de vez com a conversão do imperador romano Constantino ao cristianismo em
312, mas o time grego ainda tinha algum fôlego: Plotino, o mais famoso dos chamados neoplatonistas tinha vivido até o ano de
270. Finalmente o mundo grego vive os seus estertores com Agostinho, nascido em Hipona, atual Argélia, então parte do
Império Romano em 354.
Fonte: Canção Nova
Sua obra mais famosa, Confissões (escrita entre 397 e 401), é um clássico também literário e mostra, em primeira pessoa — o
que era algo extremamente incomum para a época — sua conversão ao cristianismo. Brilhante professor de retórica, que
alcançou aos 30 anos a cátedra de Milão, a mais importante do mundo latino de então, Agostinho parece mostrar também a
virada de um mundo para outro, como se o cristianismo englobasse e, ao mesmo tempo, substituísse a Antiguidade Grega.
No capítulo VII do seu texto autobiográfico Agostinho diz ter recebido livros de filosofia grega traduzidos para o latim e afirma
ter lido lá “não por certo com estas palavras”, mas com o mesmo sentido, a seguinte passagem: “no princípio era o Verbo e o
Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus”.
Comentário
Deixando mais claro: Agostinho fala que encontrou em um livro grego o último dos evangelhos cristãos. Ele não busca explicar
muito sobre esse procedimento, mas talvez nem precise muito: esse “verbo”, tão comum nas versões em português do Evangelho
de João, que certamente refere-se ao Gênesis e à criação do mundo a partir das palavras divinas, é a tradução (essa parte da
Bíblia foi escrita em grego) de logos — uma das palavras preferidas da história da filosofia, associada com razão, com discurso,
com definição.
Tal qual Paulo, que só valorizava a sabedoria a partir apenas do divino, Agostinho resumia a hierarquia de força em uma
fórmula: a razão está contida em Deus, mas é apenas um dos Seus infinitos atributos. Haveria aí uma amostra da
transformação: não estaríamos mais sob a égide da razão grega, mas debaixo de outra forma de pensar, a partir do divino.
Nesse novo formato, não é preciso mais nada além de crer em Deus — e Ele revelaria a verdade.
Também repercutindo as dificuldades que Paulo teve ao tentar propagar a Palavra entre os filósofos de Atenas, Agostinho
chega ainda a dizer que no livro grego recebido não havia nenhuma informação sobre a vinda de um Deus encarnado — o que
realmente faz sentido com a tradição antiga. E o que também reforça que essa passagem das Confissões parece querer dizer
que o pensamento grego de até então já não dava mais conta do mundo como ele se mostrava naquela época: em franco
processo de cristianização.
Pouco mais de um século depois, em 529, o imperador romano Justiniano mandou fechar a última escola de filosofia grega. Já
estávamos em plena Idade Média.
O médico persa Avicena (980- 1037), que escrevia prioritariamente em árabe, chegou a dizer que tinha lido e relido a Metafísica
de Aristóteles quarenta vezes a ponto de memorizá-la — mas, mesmo assim, não a tinha entendido direito. Só conseguiu
decodificá-la quando comprou, por insistência de um livreiro, a obra de al-Farabi que comentava o livro “do filósofo” (a
importância de Aristóteles era tão grande no período que era assim que o Estagirita era chamado: o filósofo).
Saiba mais
Obra-prima de Avicena, o gigantesco Kitab al-Shifa (escrito em 1027) quer dizer algo como o “livro da cura”, porque a metafísica
seria a medicina da alma. Era uma espécie de enciclopédia com quase cinco mil páginas, talvez a maior obra solo da filosofia de
todos os tempos. O livro aborda disciplinas bem conhecidas da filosofia da Antiguidade, como lógica, física, matemática e o que
ele chamava de “ciência divina” e que pode ser entendida como a nossa velha conhecida metafísica, mas metafísica no sentido
aristotélico, não no sentido vulgar.
Esse Kitab al-Shifa foi o texto que primeiro reintroduziu os pensamentos metafísicos na Europa latina, antes mesmo da “volta”
de Aristóteles. Isso porque a famosa escola de tradução de Toledo, na atual Espanha, foi, talvez, a principal porta de reentrada
do pensamento da Antiguidade na Europa, preferindo dar prioridade para a filosofia árabe-muçulmana e para a judia, em vez
dos textos aristotélicos originais (lembre-se de que estamos falando de um período em que parte considerável da Península
Ibérica estava sob domínio muçulmano).
Apesar ou por conta disso, a metafísica de Avicena segue uma toada bastante aristotélica, com a proposta de explicação
racional do que seria o conjunto do que é, do “real” — do ser. Ele propunha estudarmos, portanto, o ser enquanto ser, podendo
dividi-lo em substância, quantidade, qualidade, mas a categoria principal deveria ser o próprio ser, em sua maior generalização
possível.
Além da consolidação dessa disciplina do ser enquanto ser, a maior contribuição de Avicena foi, provavelmente, a distinção
entre existência e essência, separação que era desconhecida pelos gregos nestes termos e que é bastante discutida até hoje,
usando-se exatamente o mesmo vocabulário. Vide a famosa frase de Jean-Paul Sartre, no sentido de que a existência precede
a essência.
O médico persa também defendia que haveria atos que seriam considerados “possíveis” e outros que seriam “necessários”,
sendo o segundo o mais digno de ser pensado. O argumento dele é que tudo o que existe precisa de um agente para existir,
algo que o força à existência. Haveria, então, e seguindo uma cadeia de causalidade para a origem de todos os atos, um ser
que só agiria de maneira “necessária”, de onde saem todos os outros seres. Um ser necessário e supremo, em que a essência e
a existência se confundem, porque está sempre em ato. Estava armada a prova da existência de Deus, para o persa.
No século XIII, empolgado com a filosofia de língua árabe e, consequentemente, com a obra “do filósofo” que a sustentava, um
determinado frade dominicano italiano decidiu resgatar Aristóteles para o mundo latino, argumentando que não deveria haver
exatamente uma contradição entre fé e razão, no máximo uma hierarquia de valores.
Tomás de Aquino não se dizia filósofo, muito menos
metafísico. Era teólogo, daí, inclusive, o título da sua
principal obra: Suma teológica. Porém, ele acabou
produzindo um pensamento tão herético para a época que
foi proibido de ser lido em tradicionais faculdades como
Oxford e Paris — o que não deixa de ser uma surpresa para
os dias atuais.
Essa perseguição ao frade aconteceu mesmo sem tirar a posição de superioridade absoluta de Deus, de onde vinha, por
revelação, os principais ensinamentos, que ele chamou de “sagradas doutrinas”, enquanto as demais ciências lhe serviriam
apenas como auxiliares para conduzir ao entendimento do que está acima da razão.
Entre as ciências haveria uma mais intelectual do que todas as outras, que governaria as demais, uma ciência que trataria dos
objetos mais inteligíveis. Esses “objetos mais inteligíveis” poderiam ser separados em três seções:
1 2
Conhecimento das causas primeiras. Capacidade de apreender o universal, o mais geral de tudo, ou
seja, o ser.
No caso de Tomás de Aquino, esse objeto recebeu o nome de Deus mesmo, para variar.
Saiba mais
O frade dominicano daria um nome para cada uma dessas subdivisões da ciência dos objetos inteligíveis: aquela que estuda as
causas primeiras foi chamada de filosofia primeira. A que busca o ser enquanto ser recebeu o nome de metafísica. Finalmente, a
que estuda as substâncias separadas da matéria seria conhecida como ciência divina ou simplesmente teologia.
São todas a mesma ciência dos objetos inteligíveis, sendo que a filosofia primeira e a teologia, de certa forma tratam apenas
das causas de cada uma das coisas, enquanto a metafísica abordaria a causa e o causado, o ser, portanto. Apesar de mais
“geral”, a metafísica teria um limite claro: não seria capaz de alcançar o conhecimento de Deus, que só pode ser considerado a
partir da revelação — um pensamento igual ao de Paulo, e o de Agostinho.
Embora preocupado com estabelecer a revelação como única forma de ter acesso a Deus, Tomás de Aquino enfrentou as
grandes questões teológicas de sua época, a começar sobre a existência ou não de Deus. Não poderia haver dúvida sobre Sua
existência, mas alguma coisa não fechava direito.
Exemplo
É preciso que exista Deus? Em outras palavras: Deus é necessário? Não poderíamos explicar o mundo sem usar Deus como a
causa das coisas?
O frade vai para as escrituras e busca a prova da existência divina em uma passagem do Êxodo em que Moisés encontra-se
com Deus e Lhe pergunta o nome. Deus responde simplesmente: “Eu sou aquele que é”. Isto é, Deus é o que é, aquilo que
existe. Deus é o ser puro, o próprio ser, completamente ato, nunca potência.
Assim como Avicena, Tomás de Aquino defende que em Deus, e apenas Nele, o ser (a existência) e a essência são idênticos.
Dizendo ainda de outra forma: se a palavra “existir” quer dizer, em sua raiz latina, “estar (sistere) no exterior de (ex)”, no sentido
de sair de uma origem, Deus nem mesmo existiria, já que não há uma origem anterior a Ele. Deus nunca “está” no “exterior” de
nada, Ele não brota de nenhum lugar: é o próprio ser puro, que subsiste por si mesmo.
Pois bem: Tomás de Aquino repete o argumento aristotélico do primeiro motor, como a necessidade de haver uma
força original que dá corda aos demais seres, como a causa inicial de todas as demais coisas. E, claro, Deus é quem
está nessa posição original.
A segunda via é correlata à anterior e pode ser resumida pela causa eficiente: se anunciarmos o encadeamento das
coisas por meio de suas causas (Z que é causado por Y; Y que é causado por X, e assim sucessivamente), o doutor
angélico diz que não haveria como algo ser a causa de si mesmo (argumento que Descartes vai combater alguns
séculos depois), e Deus, novamente, seria esse fogo inicial que iniciaria o processo todo, de encadeamento de causas.
Em resumo: Deus seria a origem causal de todos os demais seres.
A terceira via tem a ver com a diferença entre o possível e o necessário — e, como já vimos anteriormente, é bem
parecida com a tese de Avicena, com algumas diferenças pequenas. Para o italiano, o que é possível pode ou não
existir — só o que é necessário tem a garantia da existência. O problema é que, segundo argumenta o doutor angélico,
se algo pode simplesmente não ser, esse algo, algum dia, não foi, não existiu. Ele, porém, continua: nenhum ser pode
surgir do nada, da ausência completa. Sempre é preciso haver uma causa anterior, que inicie.
Portanto, se algum dia houvesse havido o nada, o mundo teria acabado (já que, repetindo, não há criação vinda do
nada). Como há mundo, o ser como um todo, o ser em geral só pode ter vindo de outro ser, que é estritamente
necessário. Isso, Ele mesmo.
A quarta via mostra a gradação do ser: todos os seres são mais ou menos que outros: mais ou menos verdadeiros,
mais ou menos bons, mais ou menos nobres e assim por diante. Apenas um ser é o mais, o máximo dos máximos, de
todas as qualidades, que ficaria na primeira colocação da relação superlativa de todas as positividades. Sim: Ele.
A quinta via é a do governo das coisas: tem que existir um ser inteligente que controla todas as coisas, já que não
podemos considerar que o mundo seja apenas uma quantidade imensa de coincidências. Um ser supremo que
carrega todos os outros seres em direção aos seus respectivos fins. É necessário que haja uma inteligência superior
que orquestre os demais seres, para que eles continuem a agir em prol dos próprios destinos. Uma prova teológica e
teleológica, por assim dizer.
Pronto, Deus existia, estava comprovado. Ao menos para Tomás de Aquino e para muitos religiosos. E essas cinco vias
são, de certa forma, ainda usadas até hoje em dia. Pense na discussão entre destino e livre-arbítrio, e como, por
exemplo, a última via estaria presente.
Contudo, apesar da comprovação de Sua existência, o doutor angélico percebia que isso não era o suficiente para se
conhecer Deus racionalmente. Ele sabe que não é possível falar do ser de Deus, só havendo a possibilidade de se fazer
parábolas ou analogias, que nunca dão conta da totalidade divina. Deus é uma revelação, ou não é. Por outras vias, o
ser de Deus permanece — e permanecerá — um mistério para os homens.
Após Tomás de Aquino, outros filósofos-teólogos, como Duns Escoto e Francisco Suárez, continuaram no processo de
separação entre metafísica e teologia — processo que continuaria na Idade Moderna e seguirá em frente.
Mesmo com essa cisão, Deus não deixa de dar as caras nas discussões filosóficas. Ao contrário, torna-se um tema que está
direta ou indiretamente conectado com todo o pensamento ocidental, de Descartes a Heidegger, de Hegel a Derrida, passando,
claro, por Nietzsche. Porém, não seria mais um deus tão onipotente. Outros elementos começam a substituí-lo e a colocá-lo na
berlinda, como a ciência, a razão, o homem. Deus vira apenas mais um ente na longa fila da tradição metafísica.
Atividades
1. Qual é a diferença entre a metafísica, entendida em seu sentido vulgar, e a metafísica que remete à tradição aristotélica?
a) No sentido vulgar, metafísica é a língua falada por quem não aprendeu a versão culta, que é a disciplina aristotélica.
b) A primeira é uma disciplina que mexe com o que transcende a fisicalidade da vida. A segunda é a disciplina que tenta entender o ser
em sua mais geral concepção.
c) Metafísica vulgar é quando abordam-se temas vulgares, que na origem quer dizer temas correntes, enquanto a segunda opção trata
das questões da alma, mais profundas.
d) A vulgaridade da metafísica tem a ver com o âmbito em que ela foi criada, no fim da Antiguidade, enquanto a versão aristotélica é do
auge da época antiga.
e) Não há diferença substancial, ambos os sentidos falam sobre o que está "além do físico", como pode ser traduzido o termo.
2. Qual é a importância da produção escrita de Agostinho para a mudança intelectual que estava acontecendo no período em que
ele viveu?
3. Qual era o limite da metafísica para Tomás de Aquino, que remete a uma doutrina que aparece em Paulo e Agostinho?
a) Ela não seria capaz de alcançar o conhecimento de Deus, que só pode ser considerado a partir da revelação.
b) Ela era confundida com a teologia, que é o estudo de Deus e todo o seu reino.
c) A metafísica cristã também é conhecida como vulgar por usar o latim para se expressar, em vez do grego da Antiguidade.
d) Apesar de provar a existência de Deus, a metafísica não conseguia comprovar sua necessidade, apenas suas possibilidades.
e) Para os três, metafísica é vista como uma disciplina menor, que é a aversão dos ensinamentos clássicos.
Notas
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Referências
AGOSTINHO. Confissões. Tradução de Lorenzo Mammì. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
BÍBLIA. Bíblia de Jerusalém. Edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2002.
Próxima aula
Descartes tenta trazer para dentro da filosofia a razão, e abre os caminhos para o que hoje consideramos ciência;
Explore mais
O nome da Rosa, filme de Jean-Jacques Annaud sobre a Idade Média, baseado no livro de mesmo nome, escrito por
Umberto Eco.
Os livros da Medievalista francesa Regine Pernoud são fundamentais para que se tenha uma visão mais clara, e menos
ficcional, da Idade Média. Dentre eles, destaca-se O Mito da Idade Média.
Problemas Metafísicos
Aula 6: Racionalismo
Apresentação
A dúvida sistemática do cogito cartesiano criou uma mudança estrutural na história da metafísica ocidental: o homem só
poderia ter acesso ao ser, segundo Descartes, a partir da própria subjetividade. Era o início da era da razão, com fortes
influências do panteísmo de Espinoza e da Monadologia de Leibniz, que criou as bases para a ciência moderna. Deus,
mesmo ainda presente, não era mais o princípio único de todo o pensamento filosófico.
Objetivos
Identificar a relevância do princípio cartesiano da dúvida sistemática e como ele constrói as bases para uma
transformação substancial na trajetória da filosofia;
Descrever resumidamente o sistema de pensamento panteísta de Espinoza, com realce para a importância da sua
noção de conatus;
Esboçar uma explicação sucinta sobre o edifício metafísico de Leibniz, saindo da Monadologia e chegando até sua
teodiceia.
Racionalismo
Algumas frases do mundinho da filosofia ficaram tão
famosas que ultrapassaram as discussões mais
especializadas e são citadas por (quase) todo mundo.
Algumas de forma até ligeiramente diferente do contexto
original, caso da célebre “Só sei que nada sei”, de Sócrates.
Fora da conjuntura em que foi falada, parece uma simples
defesa da humildade. Registrada não exatamente da
maneira como foi consagrada no texto platônico que trata
do julgamento de Sócrates, tal sentença carrega bastante
nas tintas de ironia e queria demonstrar que o homem
considerado o mais sábio de todos sabia, ao menos, uma
coisa — no caso, que nada sabia.
Além dessa frase, há também o “Deus está morto”, de Nietzsche, e, talvez a mais famosa de todas, “Penso, logo existo”, do
francês René Descartes (1596-1650). O cogito, que é a versão condensada da expressão, e que quer dizer “penso” em latim,
virou uma referência à própria filosofia como um todo, e faz parte da cultura popular, sendo parodiada, integrando vídeos de
humor e compondo charges.
E o que tal sentença quer dizer? Que ao pensar você existiria? Bem, quase isso. E, para o que nos importa aqui mais
diretamente, o que ela tem a ver com a metafísica? Comecemos pelo começo.
Pode-se supor, a partir disso, que Descartes, com o intuito de evitar qualquer perseguição religiosa, decidiu dedicar sua obra
mais famosa, Meditações da filosofia primeira, aos “senhores deão e doutores da sagrada faculdade de teologia de Paris”. Era
uma forma de garantir que não iria ser queimado em praça pública por desafiar dogmas religiosos... com razão. Como todo
pioneiro, Descartes parece dividido entre uma nova forma de pensar — no caso dele, fundada na racionalidade — e antigas
questões de cunho teológico. No entanto, para explicar como se dá essa cisão, o melhor é iniciar analisando o nome da obra.
Antes de responder a essa dúvida, entretanto, falta explicar melhor o título. Na verdade, Descartes sugeriu o título com “filosofia
primeira” porque ele considerava “metafísica” um termo muito ligado às questões de Deus e da alma — um tipo de associação
que era comum na época e, como vimos na aula passada, continua de certa forma até hoje em dia.
A obra, diz o francês na carta justificando seu título, tratou de todos os assuntos que se pode conhecer filosofando
ordenadamente — isso incluía, aliás, Deus e a alma. E ele considerava “filosofia primeira” mais abrangente do que “metafísica”.
Veremos como, de toda forma, Descartes vai propor uma torção radical na ideia como entendemos a última.
Na primeira das seis meditações que compõem seu livro, Descartes começa a demonstrar que passou sua vida a acreditar em
opiniões falsas tratadas como verdadeiras. Ele se envolve com a tarefa, então, de destruir essas equivocadas certezas para
montar um novo edifício de pensamento que seja fundado na verdade, pura e simplesmente.
Começa, em seguida, a desbastar as convicções que tinha acumulado ao longo da vida e também os fundamentos com que a
própria filosofia arvorou-se no curso da história, mesmo sem garantias ou seguranças. Assim como Platão queria sair do
mundo da mera opinião (doxa) para algo mais verdadeiro, Descartes quer saber o que é aquilo que é, o que são as coisas.
Rapidamente já percebemos onde a metafísica, da maneira que remete à toda tradição, aparece nos textos cartesianos. O
procedimento apenas é outro.
Comentário
Descartes duvida de tudo o que encontra, de tudo o que vê. Ele duvida sistematicamente de absolutamente tudo — e a dúvida é o
seu sistema, a dúvida é a sua grande contribuição para a história do pensamento. Como garantir, ele pergunta nesse texto
belamente escrito em primeira pessoa, que não há um gênio do mal que nos engana em tudo o que nos vemos, sentimos e
ouvimos? Qual é a nossa segurança para afirmar algo, qualquer coisa?
O processo de dúvida vai se agudizando até o ponto em que Descartes percebe que ele está vazio, sem nenhuma certeza, sem
nenhuma segurança, nada de verdade. Ele não sabe mais nada.
Na segunda meditação, escrita, se acreditarmos no próprio texto, um dia depois da primeira, ele quer buscar algo que seja
certo, de forma que não possa ser destruído nem pelo tal demoniozinho maligno. Após meditar um pouco mais, ele encontra
essa certeza em algo singelo: ele próprio.
Comentário
Apesar de todas as dúvidas levantadas sobre o mundo, sobre os seus sentidos, sobre até mesmo o próprio pensamento, ele tinha
uma única certeza: ele existia. Ele era. Ele podia até duvidar do próprio pensamento, das conclusões a que a razão o levava, mas
havia uma certeza nesse processo. A certeza de que essa dúvida existia — ela pulsava e ele sabia que era — existia — por conta
dela. Ele era essa dúvida, essa meditação, esse pensamento. Era possível estar certo disso. Ele pensava, logo, ele existia.
Curiosamente, a máxima “penso, logo existo” não aparece nas Meditações — ela apenas surge, exatamente dessa maneira, em
outra obra, o Discurso sobre o método. O raciocínio, porém, já se encontrava em seu livro mais famoso, em que ele afirma, duas
vezes, na hora em que a dúvida aperta o último botão do cinto da incerteza que: “Eu sou, eu existo”. Há um segundo detalhe que
pode ter passado despercebido nessa frase — e que envolve a metafísica como a conhecemos tradicionalmente.
Se a metafísica como a vimos até agora quer saber o que é o ser, Descartes está dizendo que ele não sabe dizer o que é nada,
que ele tem dúvidas sérias sobre o mundo inteiro. E que ele tem apenas uma única e mísera certeza: eu sou. Ele é. “Sou”, “é”,
ambas são variações do verbo ser, ambas demonstram que o único ser sobre o qual ele poderia falar era ele próprio.
Descartes sabe que ele é essa “coisa pensante” que usa a razão e que pensa as outras coisas. Ou seja, todas as outras coisas
só existem a partir desse pensamento, desse cogito, que funciona como uma espécie de filtro da realidade. O homem, então,
transforma-se no centro mediador do problema do ser. Para se saber o que cada uma das coisas é, a questão metafísica por
excelência, só temos uma possibilidade: passar pela subjetividade humana. É o nascimento da metafísica do sujeito ou da
subjetividade.
Descartes sai de um processo razoavelmente imanente do cogito, em que o mundo é a causa de todo mundo, com nenhuma
necessidade de algo além do mundo, para voltar a uma transcendência divina, que controla tudo e é a causa de tudo, inclusive,
e aqui se encontra a principal diferença para os pensadores anteriores, de si mesmo (causa sui é a expressão usada em latim).
Apesar dessa segunda opção de metafísica, que está bastante próxima de uma proposição dos filósofos mais ligados ao
cristianismo, o estrago da primeira já estava feito. É a partir do cogito que Descartes sugere que precisamos “estabelecer algo
firme e constante nas ciências” e que são verdadeiras todas as coisas que “concebemos muito clara e distintamente”. Com
essa dúvida sistemática e depois com a sugestão, presente no Discurso sobre o método, da separação dos entes em
elementos menores para uma melhor análise, era o início, mesmo que ainda em estágio embrionário, da ciência como a
conhecemos hoje em dia.
Saiba mais
Desde então, a ciência tinha os argumentos para afirmar que precisamos de constância nos resultados dos testes, que os
experimentos devem ser feitos de maneira clara e distinta — e não debaixo de dogmas e preconceitos. E que precisamos sempre,
sempre, sempre duvidar.
É também contra o cogito que muitos filósofos que vieram depois de Descartes se levantaram. Essa metafísica do sujeito, em
que o homem é o único capaz de ver as coisas, e as coisas tornam-se meros objetos inertes, sem qualquer atividade, tirou
totalmente a dignidade ontológica — seu ato de ser independente — dos entes. Essa é, mais ou menos, a crítica de pensadores
como Heidegger, por exemplo. Como assim as coisas precisam do homem para “existir”, para comprovar suas existências?
Esta será a reclamação deles. O ser não precisa do homem, nem do pensamento, para existir. Em vez de “eu sou, eu existo”
cartesiano, o ser é, vão sugerir.
Espinoza
Espinoza
De toda forma, a influência cartesiana é enorme e não é possível passar por ele incólume. Mesmo na época em que
escrevia, outros grandes pensadores foram beber nas águas cartesianas, ainda que não concordassem totalmente
com ele. A começar pelo judeu-holandês de origem portuguesa Baruch (ou Benedito) Espinoza (1632-1677). Ambos os
filósofos tinham um desejo enorme de se livrar dos preconceitos históricos usando uma ferramenta poderosíssima,
que foi durante um bom tempo colocada para escanteio: a razão.
Espinoza até admitia a possibilidade de Deus existir, embora ele acreditasse que Deus era outra coisa, diferente da
imagem de um sujeito de barba branca, sentado em um trono no Paraíso, julgando todas as pessoas para saber se
elas se comportaram bem, ou não. Para ele, “Deus ou natureza” — outra frase famosíssima — são termos
intercambiáveis. Isso quer dizer: Deus é todas as coisas que existem, Deus é a substância que compõem todos os
seres.
Mais do que ateu, ele é visto hoje em dia como panteísta — tudo é Deus, Deus é tudo. Não deu outra: por conta dessa
interpretação incomum para o seu tempo, foi expulso da sinagoga que frequentava e passou a vida inteira trabalhando
como polidor de lentes, sem publicar quase nada com seu nome. No entanto, ele não se importava muito. Preferia a
liberdade de pensamento a ter de responder a determinadas pressões e censuras.
Ele teve coragem para lançar apenas um livro assinado, logo um que comentava a obra, exatamente, de Descartes:
Princípios da filosofia de Descartes. Em outro, o Tratado teológico-político, publicado sem o seu nome, ele faz uma
leitura atenta da Bíblia para demonstrar como algumas passagens eram interpretadas comumente apenas como
superstições. Se a entendêssemos com a razão, metade dos vaticínios dos profetas, para ficar em apenas um dos
casos citados, deveriam ser colocados em xeque. É a Ética, porém, sua obra-prima, lançada apenas depois de ele
morrer, que mostra o ponto principal do pensamento espinosista: a junção exatamente da ética com a metafísica.
Como já visto, para Espinoza Deus é a substância de que todas as coisas são feitas e se mostra por meio de seus
infinitos atributos. Assim, de forma bem suscinta, é possível ver como o autor judeu-holandês-português deixa bem
clara sua antipatia por qualquer tipo de metafísica que seja transcendental, isto é, que tenha uma explicação que fuja
da materialidade da vida.
Deus existe, mas ele não é sobrenatural: ele é a própria natureza. É a mais forte fundação de uma metafísica imanente.
E o que isso quer dizer? Que o ser não precisa de uma explicação que esteja em um mundo das ideias, ou de um motor
primeiro para ser sua causa, nem de um outro plano astral para entender as questões do nosso mundo. Deus é tão
imanente quanto, pode-se sugerir, uma cadeira. É parte desta vida, não de um além. Para ser entendido, Ele só
precisava de uma única ferramenta: a razão.
Espinoza não é de usar o termo “ser” como sinônimo da existência em sua totalidade, mas não precisa: Deus, como a
causa de todas as coisas, inclusive de si próprio (Espinoza também usa o causa sui), faz as vezes desse todo que é
infinito e mostra-se de variadas formas.
Já a definição dos limites de algo em relação a outro ser é feito de um jeito algo diferente e bastante interessante. A
identidade de uma determinada totalidade — ou seja, como identificar o que é uma cadeira, por exemplo — depende de
uma relação mútua de movimento e descanso (pensando aqui movimento em seu sentido mais amplo, que inclui a
modificação de estado), menos do que uma identidade entre as suas partes.
A cadeira se mantém cadeira caso o encosto quebre, ou caso seja-lhe acrescentado um estofado novo, por exemplo.
No entanto, ainda não é uma cadeira a junção simplesmente de madeira, tecido e espuma. É necessário um
determinado encontro de elementos que tornem esses objetos, que já são por si totalidade independentes, em outra
coisa. No caso humano, o exemplo é ainda melhor: nós nos alimentamos e respiramos cotidianamente, fazemos
trocas com o ambiente em que estamos inseridos, constantemente nos modificamos e não deixamos de ser humanos
por isso.
Há, diz Espinoza, um “comportamento” comum a todos os corpos — e “corpo” é o termo que ele usa para, pode-se dizer
de maneira grosseira, ente. Ou seja, ele fala de corpo para animais, mas também para seres inanimados, como uma
cadeira, por exemplo, e ainda para elementos ínfimos, como um vírus.
Todos esses corpos, sem exceção, têm uma característica que ele chama de conatus (palavra latina que significa
“esforço”) e que quer dizer, simples e quase misteriosamente, o esforço para persistir em seu próprio ser. Tudo quer
existir e continuar a existir, e tudo vai agir da forma que for possível, com a energia que tiver, para manter-se existindo.
Esses conceitos espinosistas influenciaram meio mundo, da filosofia e da ciência, de Hegel e Marx a Einstein e Deleuze,
chegando até mesmo a pensadores mais recentes. Espinoza é um filósofo que raramente foi cancelado. O primeiro da lista dos
influenciados provavelmente deve ter sido o alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), outro filósofo — e matemático, e
lógico... — que também cresceu sob a sombra cartesiana. Leibniz tentava juntar a solidez dos antigos, com o seu sentido de
substância, ao rigor demonstrativo dos racionalistas.
De forma a lembrar o conatus do colega judeu-holandês-português, com quem chegou a se encontrar, Leibniz acreditava que
haveria um vigor em todas as substâncias, uma força própria de cada um dos seres, dos mínimos ao maiores, que ele chamou
de apetite em um primeiro momento, para logo depois batizá-lo de mônadas, termo que, em grego, significa “substância
simples”, e entrar para a História.
A partir da investigação sobre as mônadas humanas, com sua capacidade de percepção mais distinta e que sempre vêm
acompanhadas do pacote “memória”, Leibniz formula um grande princípio de racionalidade do real. Este “detalhe”, de maneira
geral, vai ser o ponto de apoio de todas as ciências modernas. Dá para resumir por meio da seguinte explicação: nada funciona
sem razão.
Pode até parecer óbvio hoje em dia, mas alguns dos elementos que constroem nossa obviedade atual precisaram enfrentar
dogmas que sobreviviam por séculos — é o caso da razão, por exemplo. Além disso, nada garante que a razão mantenha-se
reinante para sempre, vide os ataques que constantemente recebe.
Esse princípio de racionalidade também ajuda na construção da metafísica leibniziana. A partir dele, o filósofo demonstra que,
se não há nada sem razão, é necessário saber qual é a razão última das coisas todas — um movimento que faz lembrar
Aristóteles e seu primeiro motor. E ele chama essa razão inicial de (surpresa!) Deus. Daí o nome que esse tipo de raciocínio vai
receber de Leibniz: teodiceia. O neologismo junta duas palavras do grego: teo, “deus”; e díkē, que tem o sentido de “justo”,
“correto”, “honesto”.
A consequência desse raciocínio é espantosa: para a criação do mundo, Deus deve ter comparado a quantidade imensa de
possibilidades de combinações entre as inúmeras mônadas existentes e, confrontando os praticamente infinitos arranjos, Ele
deve ter determinado o melhor mundo possível para vir à existência. Em outros termos, apesar dos muitos pesares, vivemos no
melhor mundo que poderia haver.
Comentário
Pode parecer otimista demais tal afirmação de Leibniz — e gente como Voltaire apontou exatamente esse lado. Há, contudo,
lógica envolvida, há uma razão que sustenta todo o seu edifício metafísico. Podemos discutir em uma determinada base, em que
todas as pessoas podem participar, desde que tenham acesso à própria razão — e podemos, inclusive, discordar, criticar, contanto
que apresentemos novos argumentos racionais, lógicos, não meras opiniões ou dogmas parados no tempo.
É essa, talvez, a principal contribuição dos filósofos racionais: o resgate de um fundamento sobre onde erigiríamos nossa nova
edificação do pensamento, onde buscaríamos a resposta para o tema máximo da metafísica, que foi resumido em outra frase
famosa, dessa vez de Leibniz: “Por que existe algo em vez de nada?”
Atividades
1. Por que Descartes evitou chamar suas meditações de metafísicas, no original, em latim?
a) Ele preferia usar “filosofia primeira” porque esse era o primeiro livro dele.
b) Ele queria usar “filosofia primeira” para fazer uma homenagem a Aristóteles, que nunca escreveu a palavra “metafísica”.
c) Descartes considerava “filosofia primeira” uma expressão muito ligada às questões de Deus e da alma.
d) Descartes considerava “metafísica” um termo muito ligado às questões de Deus e da alma.
e) Porque suas meditações só falavam de assuntos da “física”, nunca abordando as questões que vão além-da-física.
2. O que, de acordo com o texto, quer dizer a máxima cartesiana “Penso, logo existo”?
a) Deus pode ser encontrado exclusivamente nas florestas, nos oceanos, nos grandes ecossistemas que estão sendo destruídos.
b) Deus é todas as coisas que existem, Deus é a substância que compõem todos os seres.
c) Ambos são termos que exemplificam a força de cada corpo para perseverar em sua própria existência.
d) Espinoza gostava de blasfemar, por isso ele foi expulso da sinagoga que frequentava.
e) Era um indício do princípio de relatividade, próximo do niilismo, que mostrava a pouca importância que Espinoza dava para Deus.
Notas
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Referências
MOORE, A. W. The evolution of modern metaphysics. Making sense of things. Nova York: Cambridge University Press, 2011.
Próxima aula
Kant e o ponto culminante do pensamento metafísico, visto a partir das suas críticas;
Explore mais
Leia um artigo do professor Ulysses Pinheiro, da UFRJ, que comenta as leituras de Leibniz da Ética, de Espinoza. URL:
http://www.revistas.usp.br/espinosanos/article/download/89397/92257/.
Apresentação
Situado em uma encruzilhada do pensamento entre empiristas e racionalistas, Kant é um dos maiores investigadores da
história da metafísica. Ele queria fazer dessa “filosofia primeira” uma ciência, como a física ou a matemática. Por fim,
priorizou a razão e tentou criar também uma relação de leis para o comportamento. De toda forma, influenciou meio
mundo, inclusive Hegel, que criou um sistema absoluto, dialético, negativo, que tinha um fim claro e racional.
Objetivos
Examinar as influências dos racionalistas e dos empiristas na construção da metafísica kantiana;
Apontar as disputas entre o pensamento a priori e as experiências para se conhecer os fenômenos e a coisa em si,
além de explicar, de maneira geral, o imperativo categórico de Kant;
Explicar resumidamente o sistema do idealismo absoluto de Hegel, com sua dialética negativa, racional e teleológica.
Kant e Hegel
Não é um exagero dizer que o alemão Immanuel Kant
(1724-1804) talvez seja o ponto culminante da metafísica
praticada na filosofia ocidental. Ponto culminante porque foi
ele quem mais se preocupou em formular as premissas que
poderiam caracterizar como “ciência” a tal “filosofia
primeira”, na terminologia aristotélica.
Fonte: Unesp
Lembra que o estagirita afirmava que essa disciplina que investigava o ser enquanto ser era diferente das demais ciências,
como física ou matemática?
Pois o que Kant queria não era acabar com a distinção entre elas — já que todas teriam seus campos de atuação bem
demarcados —, mas mostrar como os métodos utilizados para as últimas poderiam, ou deveriam, ou ainda tinham que servir
para a metafísica, caso ela quisesse ser chamada de ciência também.
Como deve estar ainda fresco na sua memória, o pessoal do racionalismo na filosofia (principalmente Descartes, mas também
Espinosa e Leibniz) criou as bases para o que viria a ser a ciência moderna. A partir deles, houve uma ligeira bifurcação no
caminho do pensamento.
Comentário
Alguns grandes filósofos, geralmente baseados nas ilhas britânicas, começaram a propor que toda e qualquer verdade só
poderia ser descoberta a partir da experimentação. A ciência, com seu método investigativo, se fortalecia, e nascia assim o
chamado empirismo. Nomes como o inglês John Locke (1632 –1704), o irlandês George Berkeley (1685 – 1753) e o escocês
David Hume (1711 – 1776) mostraram a importância da pesquisa científica, que utilizava exclusivamente dados puros da
realidade, e colocavam o pensamento abstrato em segunda posição.
Essa abstração estaria, para eles, mais associada a temas que, embora importantes, não poderiam ser respondidos por esse
método empirista. Assuntos como liberdade, Deus e a alma, por exemplo, estavam nessa segunda categoria. Já dá para
perceber do que estamos falando, não? Ela mesma: a metafísica.
Vimos também que essa mesma metafísica, principalmente a partir da Idade Média, foi associada com a investigação desse
mundo além da fisicalidade das coisas, portanto de temas divinos e do sobrenatural. Conferimos, ainda, que Descartes faz uma
torção da noção de metafísica para incluir um filtro entre o mundo real e a nossa possibilidade de percepção — no caso, o
próprio homem, com a sua subjetividade expressa pelo seu pensamento.
Os empiristas seguiram, então, um lado dessa sugestão cartesiana para dizer que
deveríamos focar-nos em investigar apenas os fenômenos do mundo. Eles abdicavam
da possibilidade de totalização, ou da tentativa de pensar as causas primeiras de tudo
o que existe. O homem é uma tábula rasa e só aprende o que lhe ensinam. Não era
intenção deles pensar o ser enquanto ser, mas o ser apenas em suas mais diversas
formas de se mostrar no mundo.
Era uma proposta deveras interessante para passar despercebida por Kant. Ao mesmo tempo que via o florescimento do
empirismo, ele olhava para a tradição metafísica e ficava decepcionado por não ter conseguido, ao longo de mais de dois mil
anos, consolidar-se com a firmeza das demais ciências. Na área da física estavam acontecendo verdadeiras revoluções por
minuto: a partir de Copérnico, passando por Galileu e chegando em Newton, tudo o que se entendia como verdade, desde ao
menos Aristóteles, estava sendo colocado em dúvida.
Um novo modo de pensar o mundo era construído a partir da observação, da experimentação. Enquanto isso, a metafísica
continuava com suas imensas dúvidas e hesitações, sem nunca chegar a qualquer conclusão definitiva.
Por que, apesar de todas essas descobertas recentes, ainda continuamos a nos fazer essas perguntas mais gerais?
Por que ainda queremos saber por que há algo em vez de nada?
Por que as coisas existem?
Há Deus?
O que acontece depois de morrermos?
O que, enfim, estamos fazendo aqui?
Por que simplesmente não esquecemos essas questões para nos ater apenas ao mundo como ele se apresenta
diretamente aos nossos olhos, ouvidos, aos nossos sentidos?
Porque, Kant responderia, essas perguntas são tão constitutivas do mundo em que vivemos quanto a cadeira em que nos
sentamos. Ao perguntar sobre as condições dos objetos físicos, por exemplo, não haveria como não nos perguntarmos sobre
as condições dessas condições. A consequência disso, é possível supor, seria buscar o que seja incondicionado, aquilo que
está fora da cadeia de causa-e-consequência.
Saiba mais
Metafísica natural foi o nome que Kant deu a esse tipo de indagações que comporiam a nossa razão. E ainda é possível
acrescentar que haveria definições viáveis para os termos mais característicos dessa metafísica que iriam além das
interpretações mais banais.
Quando se pensa em alma, por exemplo, além de pensar nessa representação sobrenatural, que, para alguns, seria a parte mais
verdadeira de nós mesmos e que “sobreviveria” à morte do corpo natural, pode-se estar na verdade buscando aquilo que vai
mais fundo no pensamento humano, seu substrato, seu ponto mais geral.
“Deus” também seguiria esse mesmo procedimento: além de toda a relação com as religiões, serviria igualmente como um
ponto mais profundo do real, isto é, seria a base fundamental de todas as coisas que existem. Já a liberdade, essa ideia
abstrata que não tem muitos parâmetros anteriores para entendê-la sozinha (como se sabe se se é livre?), poderia servir como
a indagação diante de um princípio geral das ações, da atitude, do obrar, do colocar algo em marcha.
Assim, apesar da grande influência que Hume e os empiristas tiveram sobre ele, e o próprio Kant admite isso, ele estava
defendendo um procedimento mais parecido com o dos racionalistas, com um movimento a priori — expressão que é bastante
associada a Kant — para poder identificar-se o que era ou não metafísica.
O problema é — e agora acontece um daqueles momentos filosóficos que dá tela azul na cabeça:
seria a razão capaz de pensar algo antes de conhecer esse algo, antes de
experimentá-lo?
os conceitos vêm antes ou depois da experiência?
Essas perguntas demonstram que, por mais que Kant quisesse priorizar o pensamento racionalista, que sugere uma abstração
anterior e a criação de conceitos a priori, ele não deixou de importar-se com os empiristas e sua defesa das experiências.
Para deixar as coisas ainda mais complicadas, dá para pensar que é possível criar regras prévias para a matemática (a soma
dos ângulos internos de um triângulo é sempre 180 graus etc.) ou para a física (para comprovar isso, basta lembrar que as
famosas três leis de Newton tinham sido propostas havia pouquíssimo tempo), mas mesmo essas regras passaram por
comprovações para verificar suas validades.
E a metafísica? Como ter a mesma certeza objetiva que se tem sobre a lei da gravidade quando o assunto é as causas
primeiras, o ser enquanto o ser, ou Deus, a alma e a liberdade?
Fonte: Pixabay
Exemplo
Há um conto do escritor argentino Jorge Luis Borges chamado Funes, o memorioso, sobre um personagem — o Funes — que
tem uma capacidade sobrenatural de se lembrar de todos os aspectos da vida. Sua memória é tão impressionante que, ao
olhar para um cachorro, em certo momento qualquer que podemos chamar de A0, ele o registra como único. Ao olhar para o
mesmíssimo cão em um momento A1, Funes percebe as microdiferenças que acontecem entre esses dois instantes e não
reconhece mais o cachorro. Pensa que é um animal totalmente novo.
Ele não consegue abstrair as mudanças entre o cachorro de A0 em comparação ao de A1, muito menos a A2, A3... Por lembrar-
se de absolutamente tudo, cada instante é totalmente outro em relação ao anterior. Em suma, sua memória o impede de ter
qualquer pensamento abstrato, sem qualquer transcendência, vivendo na imanência total.
Com a ajuda desse caso extraordinário, é possível perceber que a nossa mente, que não tem a memória de Funes, possui uma
capacidade de síntese, de tornar o que é múltiplo, único, de transformar o caótico em algo ordenado. E é exatamente essa
capacidade sintética que Kant entende como o seu sistema metafísico, ao qual ele dá o nome de filosofia transcendental.
Essa coisa em si, que seria essa maneira totalizadora de conhecer cada um dos entes, é totalmente impossível de ser
conhecida em sua profundidade. Só a “conhecemos”, só é possível “arranhar” um tipo de entendimento com a ajuda desses
conceitos formulados anteriormente, a priori, por nossa razão. Para “ver” uma cadeira, temos que ter formulado o conceito de
cadeira antes.
Porém — e isso é importantíssimo — só conhecemos o fenômeno da coisa em si; isto quer dizer: a parte “de fora”, o “exterior”, a
maneira como a coisa em si se apresenta para os nossos sentidos, nunca o seu “núcleo”, algo como o seu predicado universal.
A razão opera milagres, como a capacidade de síntese do que é diverso. Na nossa capacidade sensível de conhecer as coisas,
só perceberíamos as diversidades dos objetos — como Funes, ao nem reconhecer o cachorro. É nossa razão que junta
abstratamente essa heterogeneidade para formar uma unidade, para falar que o cachorro do momento A1 é o mesmo cachorro
do momento A0.
Para proceder nessa abstração a razão sempre segue certas categorias já existentes. São os “princípios a priori da experiência
possível”, como escreve Kant. São esses princípios que propõem determinadas leis de ordem, unidade, coerência, causalidade
etc. É a partir deles que produzimos tais conceitos, mas conhecer o que é a coisa em si continuaria impossível.
Saiba mais
Essa é a parte da metafísica da natureza, das coisas como elas se mostram no mundo. Há, além dessa, toda uma outra
metafísica na qual Kant investiga as nossas ações, as nossas questões morais, nossos comportamentos. É a chamada
metafísica dos costumes. Ele tenta novamente imaginar quais seriam os critérios que podem ser aplicados a todos os casos,
critérios universais que se convertam em uma lei válida em qualquer evento sem precisar de adaptações.
É nesse ambiente de rigidez de preceitos que nasce o seu famoso imperativo categórico, que diz, de forma sintética, que você
só deve agir da maneira que, caso tal ação fosse seguida e repetida por todas as pessoas, produziria um benefício universal.
Por trás do imperativo categórico, esconde-se, entretanto, um determinado comportamento positivista, de propor regras e
normas como se fossem mandamentos naturais — o que deixou um espaço imenso na filosofia kantiana para os críticos,
apesar de todos os esforços do alemão.
Ao fim da primeira Crítica, por exemplo, Kant sugere um cânone, uma lista com três perguntas que, para ele, mostram os limites
da nossa razão:
Que posso saber? ( Was Que devo fazer? ( Was Que posso esperar?
kann ich wissen?) soll ich tun?) ( Was darf ich hoffen?)
A primeira questão tem a ver A segunda mostra um A terceira, que tem o sentido
com os limites da razão em determinado limite das nossas mais próximo de “o que me está
relação à natureza e a nossa possibilidades de ação, o que permitido esperar?”, coloca como
incapacidade de conhecer a sugere uma relação com o questão uma determinada noção
coisa em si. imperativo categórico. de esperança.
Para o alemão nascido e, reza a lenda, que nunca deixou a cidade de Königsberg (que pertence atualmente à Rússia com o
nome de Kaliningrado), aspiramos sempre à felicidade. Não uma mera felicidade, mas uma felicidade suprema —, que só pode
ser alcançada a partir de um determinado comportamento moral das nossas ações. Para justificar essa ligação, Kant vai
resgatar em sua segunda crítica (Crítica da razão prática), a ideia de Deus e de alma. Ambos são postulados, isto é, são as
condições dessa felicidade suprema.
Para sabermos o que é o correto e o errado devemos conceber um Deus que nos diga o que é o certo e o errado. Para saber
como agir, temos que pensar como se Deus existisse. Em outras palavras, a justificativa última da razão comportamental é um
ato de fé. Kant nadou, nadou, nadou e encalhou na mesma praia em que vários de seus antecessores também encalharam.
O filósofo mais preocupado em justificar a metafísica com critérios “científicos” acabou, de certa forma, falhando em seu
processo. Em suas críticas, no entanto (a terceira é a Crítica da faculdade do juízo, que investiga os fenômenos estéticos), e
demais livros, Kant criou um arcabouço teórico que o coloca, inegavelmente, entre os maiores pensadores de todos os tempos.
Para comprovar isso basta lembrar que, ainda no fim do século XVIII, portanto com Kant vivo, foi escrito o “mais antigo”
“programa” do “idealismo alemão”, que coloca o filósofo das críticas como o iniciador do movimento. Tal ensaio, curto, com
poucas páginas, fica mais nas discussões estéticas, menos diretamente metafísicas, mas deu o nome (idealismo) para todo
um sistema de pensamento do período.
Ninguém sabe ao certo quem foram os autores do programa, mas muito provavelmente este saiu da colaboração entre três
grandes nomes da intelectualidade alemã do período, que estudaram e moraram juntos na cidade de Tübingen: o pensador
Friedrich Schelling (1775 – 1854), o poeta Friedrich Hölderlin (1770 – 1843) e o filósofo Georg W. F. Hegel (1770 – 1831).
Comentário
Se Kant teria sido o iniciador desse movimento, Hegel seria o ponto de chegada do idealismo alemão — o filósofo Johann
Fichte (1762 – 1814) estaria no meio-campo. E é claro que Hegel, com seu pensamento de progresso da História — progresso
que culminaria, “coincidentemente”, nele próprio —, vai englobar e ultrapassar Kant, e todos os filósofos anteriores a ele.
Fonte: Wikipedia
Apesar de achar que não há qualquer transcendência, isto é, não há nada além do que aparece na realidade, Hegel —
considerado pela maioria dos pesquisadores em filosofia como, entre os grandes filósofos, o mais complicado de se ler e
entender — acredita que o mundo é infinito. Isso quer dizer, simples e principalmente, que o mundo não pode ser limitado ou
totalizado — os objetos, os entes com as suas especificidades, é que, de certa forma, “limitam” essa massa original.
Na verdade, Hegel pensa em termos de negação: qualquer coisa para existir precisa, necessariamente, negar outra coisa, nem
que seja o mundo como um todo. Essa negação, no entanto, serve também para a evolução histórica, presente na dialética.
Hegel x Espinoza
Essa noção de mundo como algo infinito não é exatamente uma novidade. Está presente em Espinosa, abordado na
aula passada. O filósofo da Ética chama Deus de substância infinita de que todas as coisas são feitas. Hegel segue o
holandês-judeu-português e nomeia esse mundo infinito de razão, realidade e, claro, Deus. A diferença principal para
Espinosa é exatamente essa noção de negatividade hegeliana. Enquanto Espinosa pensa em um mundo como
afirmação, Hegel acredita que há sempre uma relação de contrariedade com um termo anterior.
Essa contrariedade abre a possibilidade de leitura para um movimento (entendido aqui no sentido mais amplo, de
transformação), um devir, um tornar-se outra coisa. Estamos em um mundo bem diferente do platônico, da metafísica
de Parmênides, que pensava o ser como algo fixo, parado no tempo e no espaço. Ou mesmo no de Kant, com a sua
coisa em si. O devir, Hegel reforça, não é só temporal, de passagem de tempo, mas foca principalmente na
contradição: a luz é o negativo da sombra; o pão é o negativo do trigo; a cadeira é o negativo da madeira, e assim por
diante.
Antes de sair do assunto Deus, é bom salientar um último detalhe: Hegel, diferentemente de Espinosa, também dá um
ar mais “personalista” para esse Deus do que seu colega ao norte do rio Reno. Enquanto o Deus espinosista é apenas o
absoluto, o hegeliano tem um propósito, age de acordo com conceitos, segue em direção a esses objetivos ditados
pela dialética.
Para melhor entender a noção de “negativo” em Hegel, talvez seja importante conhecer um conceito que ele usa bastante:
aufhebung. A tradução desta palavra alemã é complicada porque pode parecer uma contradição para os ouvidos menos
acostumados: quer dizer tanto “anulação” como “preservação”.
Como algo pode anular e preservar ao mesmo tempo? Pois é. Vista nos contextos em que Hegel a usa fica mais fácil
compreender. É o termo que ele utiliza para a síntese na dialética. Aliás, a dialética é descrita da seguinte forma por Hegel: em
vez de tese + antítese = síntese; negação + negação da negação = aufhebung.
Saiba mais
Um termo para existir é de alguma forma o negativo da totalidade. O segundo termo é o seu negativo, mas que não é, por
assim dizer, igual à totalidade. Aufhebung é, dessa maneira, o termo da conclusão dialética, que tanto anula os termos
anteriores como, de certa forma, ainda preserva alguma coisa deles.
Outro detalhe importante a se destacar é o conceito de ideia absoluta em Hegel, principalmente porque, se ele chama Kant de o
primeiro nome do idealismo alemão, ainda um idealismo subjetivo, Hegel, ele próprio, seria o último, no máximo da objetividade
existente, o idealismo absoluto. Ideia absoluta, dessa forma, é a verdade autoconsciente, ou simplesmente toda a verdade, ou
ainda mais simplesmente: o ser. Alguém já estava com saudade dele?
Para se entendê-la talvez seja melhor pensar no sistema hegeliano de conceitos que são sempre interrelacionados, que sempre
conclui um processo em uma unidade indissolúvel. No processo dialético de Hegel, a conclusão é sempre momentânea e o
processo já se inicia novamente, colocando todo o sistema em marcha.
Há pouquíssimos parágrafos falamos como o Deus hegeliano era mais personalista que o de Espinosa — e é exatamente isso
que queríamos reforçar. Se Deus é o todo, o todo tem uma razão, uma direção; logo, Deus tem uma razão. Há uma lógica no
processo, uma teleologia, que é onde Hegel recebe muitas das críticas ao seu sistema. Então, dizem os críticos, há um fim já
predeterminado, desde o início, e o futuro é único, independentemente da maneira como nos comportamos?
Como se vê, apesar de todos os esforços de Hegel para criar um sistema fechado, há ainda— e sempre haverá — maneiras de
abrir esse programa e descobrir certos determinismos que não funcionam em todos os momentos, nem em todas as
condições. Seja em Kant ou em Hegel, a metafísica, ligeiramente diferente das ciências experimentais, continua uma caixa de
ferramentas pronta para ser usada e reinventada.
Atividades
1. Por que Kant diz que continuamos com pensamentos metafísicos, apesar de eles não poderem ser comprovados da mesma
maneira como acontece com os objetos investigados pela física ou pela matemática?
a) Sim, visitamos o mundo ideal onde todas as coisas existem eternamente e conhecemos a verdade de cada um dos objetos.
b) Sim, os conceitos universais das coisas procedem da nossa razão, não da experiência.
c) Depende, pois a única forma de conhecer as coisas é a partir da própria subjetividade, que serve de filtro entre a realidade e nós
mesmos.
d) Não, só conhecemos aquilo que se apresenta aos nossos sentidos; somos, antes disso, uma tábula rasa.
e) Não, porque só existe o que aparece na própria realidade, sem qualquer dimensão transcendental.
a) É a maneira de Hegel pensar Deus, como a negação da realidade racional totalizante: Deus assim seria sua oposição metafísica.
b) É o conceito de transcendência hegeliano por excelência: o mundo é pura imanência, mas o negativo cria algo além do próprio mundo.
c) Negativo e positivo são os dois traços que compõem a dialética hegeliana: ao se anularem, eles formariam a realidade como a
conhecemos.
d) É por meio da noção de negativo que Hegel pensa todas as coisas que existem: o negativo "limitaria" o mundo, visto por ele como
ilimitado.
e) Negativo tem o mesmo sentido do termo afirmativo que Espinosa usou para explicar sua noção de mundo ilimitado.
Notas
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Referências
MOORE, A. W. The evolution of modern metaphysics. Making sense of things. Nova York: Cambridge University Press, 2011.
Próxima aula
Nietzsche e a questão da morte de Deus;
Explore mais
Aula 8: Nietzsche
Apresentação
Considerado o maior iconoclasta da filosofia, Nietzsche escreveu boa parte da sua obra para destruir a tradição — que ele
chamava de metafísica — do pensamento europeu. Além de falso, diz ele, a crença em um mundo além da realidade, da
vida em si, também era uma forma de negar a própria vida. O pensador alemão, no entanto, não foi só um destruidor, ele
também propôs novas formas de criar a verdade por meio de conceitos inovadores, como a vontade de poder.
Objetivos
Demonstrar filosoficamente a importância da questão da morte de Deus;
Descrever como Nietzsche tenta, a partir da inversão do platonismo e do combate à moralidade cristã, criar novos
valores.
Nietzsche
Há um personagem presente em todas as aulas até agora sobre a história da metafísica no Ocidente, um personagem que não
é exatamente (ou não deveria ser) o ser. Um personagem que, mesmo que tenha alguns nomes diferentes ou até mesmo
comportamentos quase antagônicos, sempre apresentou um protagonismo inconteste em todos os capítulos.
Fonte: Bahaiteachings
Como temos visto ao longo deste curso, a metafísica é a disciplina que busca compreender o ser. O que alguma coisa é. O que
torna algo o que ele é.
Comentário
Esse tipo de dúvida pode parecer extremamente desimportante diante de temas que, à primeira vista, soam tão mais urgentes
(aquecimento global, aumento do desemprego mundial, hecatombe ecológica, automação das máquinas...), mas, como também
já estudamos, essa é a questão que sustenta todas as demais.
Claro que ninguém fica se perguntando todos os dias o que é uma cadeira. Nós simplesmente sentamo-nos em algo a que
damos o nome de cadeira.
Mesmo porque se fôssemos aos pormenores, seria muito difícil responder o que alguma coisa é. Ainda mais se considerarmos
todos os avanços científicos dos últimos séculos, sabendo que os átomos estão em constante movimento, percebendo as
inter-relações entre o seres, os mutualismos, as dificuldades de estabelecer limites entre um ente e outro, entendendo que
praticamente todos os seres são híbridos.
Para piorar, nossas ferramentas teóricas parecem, em uma primeira leitura apressada, dessincronizadas dos tempos atuais.
Vimos que na história da filosofia diversos pensadores sugeriram que mesmo o movimento era uma ilusão e que, na verdade,
tudo era estável — como foi o caso de Parmênides.
Platão
Mesmo Platão falou algo parecido, lembra? Que a verdade estava em um mundo suprassensível, o das ideias eternas.
Nossos sentidos nos enganariam e só sairíamos da escura caverna em direção à luz do sol por meio da dialética, da
razão.
Filósofos medievais
Já os filósofos medievais não tiveram acanhamento e colocaram Deus, um Deus cristão, monoteísta e absolutamente
moralista, como tampão dessa estabilidade do mundo. Era Ele quem sabia o que era o certo e o errado, quem dizia o que
era a verdade, enfim, quem determinava o próprio ser.
Descartes e Kant
De uma forma ou de outra, e mesmo com o aparecimento do sujeito no meio do caminho, Descartes e Kant seguiram a
indicação divina como aquilo que nos dá uma certeza. Deus, portanto, transformou-se em um garantidor das coisas que
existem, um fiador daquilo que é. Para esse tipo de raciocínio, Deus é a certeza, a verdade e a luz.
Provavelmente, o maior iconoclasta entre todos os grandes nomes da filosofia Ocidental, Nietzsche escrevia quase sempre em
um tom ácido, corrosivo. Ele próprio disse certa vez que era uma dinamite. Em um livro, colocou como subtítulo: “como
filosofar com o martelo”, demonstrando que queria destruir todas as certezas moralistas que tinham sido construídas
falsamente até então.
Até mesmo a sua maneira escrever era absolutamente diferente da tradição. Em vez de diálogos, de tratados, de críticas, de
sistemas, de toda uma linguagem “séria”, “respeitável”, ele se expressou na maioria dos seus livros em fragmentos, tais como
os trechos dos pensadores originais que chegaram a nós, com a diferença de que ele já escolheu produzir tais fragmentos.
Nietzsche até escreveu monografias (O nascimento da tragédia), poemas (Ditirambos de Dionísio), obras que flertam com a
ficção (Assim falou Zaratustra), mas a maioria da sua produção foi de pequenos textos que raramente ultrapassavam as
poucas páginas, quando muito.
Às vezes eram apenas aforismos, frases arrebatadoras, flechas, como ele gostava de chamá-las, que mais parecem um ditado
apócrifo (tal qual sua máxima, “O que não me mata me fortalece”). Sua intenção era mostrar o quanto toda essa pretensa
preocupação com o texto era um exagero, quase um capricho, assim como a importância dada a Deus.
É dele, por exemplo, a frase que afirma que “não nos livraremos de Deus, pois ainda cremos na gramática”. Para ele, devemos
nos livrar de todas as amarras e prisões, inclusive as da própria linguagem.
Saiba mais
Como alvo inicial Nietzsche elegeu Platão, por ser, entre os gregos da Antiguidade, o mais famoso divulgador da ideia de que
haveria um mundo suprassensível, e que esse outro mundo seria superior ao que vivemos. Platão, entretanto, não seria o único
culpado: todo o cristianismo, que recebeu de Nietzsche o apelido de “platonismo para o povo”, também teria uma imensa
responsabilidade nesse tema.
Em ambos os sistemas de pensamento, argumenta Nietzsche, há uma divisão entre dois mundos, com o principal sendo o
outro, o além do nosso. Em ambos os casos, não somos autorizados a confiar nos nossos instintos, nos nossos desejos, nas
nossas vontades. Em ambos, há certa mortificação do nosso corpo em prol da alma.
Se as corrosivas críticas de Nietzsche partem do platonismo e do cristianismo, não se pode dizer que ele é econômico em seus
petardos: suas flechas atingem praticamente todo mundo que veio antes dele e que de alguma forma mostrou-se, para ele,
moralista. Ou seja, todo mundo que tenha tentado estabelecer valores “cristãos” para, por exemplo, o que era bom, o que era
belo, o que era o certo.
As críticas de Nietzsche
As críticas de Nietzsche
Nietzsche cancelou de Descartes a Kant, de Hegel aos filósofos utilitaristas ingleses como Bentham ou Stuart Mill.
Nem mesmo Espinosa — sobre quem ele chegou a tecer elogios em uma carta a um amigo, dizendo que finalmente
tinha encontrado um antecessor — escapou das críticas cáusticas de Nietzsche.
Para o filósofo com o maior bigode registrado na história da filosofia, a linguagem muito matematizada de Espinosa
era um truque (ele chega a falar que é mero hocus pocus), e a famosa noção de conatus de Espinosa ainda era muito
moralista.
A intenção nietzschiana era fazer uma transvaloração de todos valores — uma de suas propostas mais famosas. Ele
acreditava que o platonismo tinha criado valores que precisavam urgentemente ser transformados completamente.
Que fossem, preferencialmente, jogados fora e criados outros, totalmente diferentes dos primeiros.
Para Nietzsche, a tradição da filosofia, com essa “vontade de verdade” (é uma expressão que ele usa bastante), acabou
criando um ideal, sim, como Platão de certa forma desejaria, mas um ideal ascético.
Na história da filosofia, ele diz, sempre foi valorizada a transcendência, o além-da-física, para usar um termo já
conhecido, metafísica. Platão dizia que nossa experiência sensível era pior do que a nossa experiência intelectual.
Descartes mandou desconfiar de tudo o que víamos. Kant fala que nunca iríamos conhecer a coisa em si, e se
precisássemos saber como agir, deveríamos pensar como se Deus existisse.
Isso para não falar na tradição cristã, que mandava negar qualquer desejo corpóreo em prol da promessa de um
paraíso que só aconteceria após a morte — sem qualquer garantia além da simples fé.
Para começar a desmontar esse arcabouço aprisionador, Nietzsche diz que essa verdade, única, isolada, praticamente
inatingível, não existiria. A verdade ou é uma perspectiva — isto é, ela pode ser vista por diferentes ângulos, cada um
com modos e maneiras diversas — ou é uma construção, fazendo com que nada seja dado a priori, e algumas
verdades podem e devem substituir outras. Nada está garantido como verdade eternamente.
Peguemos o exemplo de Galileu, mencionado há duas
aulas. Quando o italiano, seguindo as pesquisas iniciadas
por Copérnico, afirmou que era a Terra que girava em torno
do Sol, e não o inverso, ele estava apresentando uma nova
verdade que desbancava a verdade anterior da Igreja
Católica.
Fonte: Pixabay
Agora, essa falta de verdade absoluta abre a janela para a pergunta: haveria, então uma verdade mais verdadeira do que
outra?
Ou, ainda: essa perspectiva de que as verdades não são eternas não abriria espaço para uma contestação, um relativismo
exagerado, em que, ao contrário, todas as verdades são iguais?
Essa falta de fundamento não seria um risco, ainda mais em um tempo, como hoje em dia, em que os diversos
negacionismos aparecem, em que se recusam obviedades já comprovadas há tantos séculos, como a Terra ser redonda
ou que as vacinas são eficazes?
Que todo mundo se diz dono da verdade simplesmente por proferir uma opinião sem qualquer embasamento?
Essas são as principais críticas que Nietzsche recebe ao longo do tempo, até hoje em dia. Sem essa estabilidade defendida
pela tradição mais conservadora da filosofia, seus críticos dizem, viraria um tanto faz, um bater de ombros sobre os assuntos.
Sem uma verdade própria, fixa e eterna, qualquer pessoa poderia dizer que a cadeira é um elefante e quem garantiria que não
é? O ser perdeu sua credibilidade, sua estabilidade, sua verdade. Deus está morto.
Ele diz que somos os construtores, artesãos, artistas das nossas vidas. Que temos que ter a coragem de enfrentar o nosso
futuro e até mesmo ter amor por ele, independentemente de qual seja. Não de forma inocente ou boba, muito menos
defendendo a hipótese de que somos os donos de todos os aspectos do nosso destino. Contudo, que podemos moldar algo de
nossas vidas para tirar o melhor proveito possível da matéria-prima que o destino nos dá. Amor fati, a expressão em latim que
quer dizer “amor ao fado”, “ao destino”, é uma das mais associadas a ele.
Comentário
Aqui é importante abrir um parágrafo-parêntese e dizer que a obra de Nietzsche, por ser tão fragmentada, é aberta a
interpretações as mais diferentes possíveis. Há certos assuntos em que ele é até antagônico, defendendo um ponto e, páginas
depois, o inverso. É importante fazer recortes, e, na leitura de seus aforismos, tomar uma posição de interpretação. O que, em
geral, pode-se afirmar sem muito medo de errar é que Nietzsche era contra a metafísica como ela se apresentava para ele: uma
maneira de construir uma moralidade que oprimia quem pensasse diferente.
De forma geral, ele chamava esse tipo de comportamento opressor, reativo, ressentido, de moral do escravo, mesmo que
exercido por ricos sacerdotes, empresários, políticos ou hipócritas em geral. Ao contrário, quem conseguisse agir em prol das
próprias convicções, era o “senhor”, mesmo que fosse um mero empregado, estudante ou professor.
Quem obedecia cegamente aos “escravos” recebia um nome bem característico: rebanho. Eram o “gado” que não tinha vontade
própria. Importante ressaltar: essas não são categorias sociais ou sociológicas, mas conceitos filosóficos, existenciais, de
forma de encarar a vida.
Saiba mais
Uma determinada leitura das obras de Nietzsche, principalmente feita pelos autores pós-estruturalistas, diz que ele não seria
contra a verdade per se, apenas contra essa verdade opressora, que foi entendida como reativa ou negativa. Essa leitura foi feita
por nomes como Michel Foucault, Jaques Derrida e Gilles Deleuze, todos filósofos francófilos que construíram suas carreiras por
volta do libertário evento que ficou conhecido como Maio de 1968, em Paris.
Para eles, os textos nietzschianos visam libertar o homem de obrigações absolutamente desnecessárias, como a mortificação
da vida, o excesso de proibições, principalmente vindas do pensamento gestado dentro do cristianismo, e torná-lo dono de si,
autônomo, independente.
Dá para ver em toda sua obra que Nietzsche quer construir uma nova forma de pensar, um jeito em que a verdade não é dada
previamente. Uma nova maneira de construir nossos sentidos, nossos valores, a partir da afirmação da vida, da sensibilidade,
do mundo em que vivemos, com todas as dores e delícias de ser o que se é. A partir dos títulos de alguns de seus livros, dá
para ter uma ideia do que ele propõe.
Genealogia da moral
Genealogia da moral
Nietzsche faz uma Genealogia da moral para demonstrar que o que nós consideramos certo ou errado foi uma
construção de gerações, e que hoje, em geral, não colocamos em questão — embora devêssemos. Mostra o
Crepúsculo dos ídolos, para dizer que esses mitos em que acreditamos durante tanto tempo só servem para diminuir
nossas potências de agir, nossas múltiplas possibilidades de existência.
Ele propõe construir um entendimento próprio da vida que fosse Além do bem e do mal, uma vida que fosse boa —
para si mesmo, não de forma incondicional, não universalmente.
Esse egoísmo explícito de Nietzsche, que pensa prioritariamente em “si mesmo”, no indivíduo antes do coletivo, muitas
vezes é extremamente mal visto, até por filósofos de grande vulto, como o inglês Bertrand Russell.
Sua fama não foi ajudada em nada por sua irmã, com quem o pensador alemão tinha uma relação para lá de
conturbada (para dizer o mínimo). Após ele ficar doente e completamente disfuncional, em 1889, ela editou de maneira
profundamente tendenciosa alguns de seus manuscritos, ainda inéditos naquele momento.
Nessa edição à revelia, Nietzsche parecia criar algumas bases do que viria a ser o nazismo, pretensamente reforçando
a superioridade da “raça” ariana em detrimento das demais pessoas. Bem diferente do Nietzsche de todas as demais
obras que tinha pavor a qualquer nacionalismo, que queria acabar com a massificação do pensamento, com a
subjugação dos corpos, com as amarras da vida.
Voltando ao tema da verdade, uma possibilidade de entender como Nietzsche a vê — mais maleável, mais construída,
menos fixa — tem ligação direta com sua noção de vontade de poder (ou potência, dependendo da tradição da
tradução da expressão alemã Wille zur Macht).
Junto a outras noções suas, como o Eterno retorno e o Além-do-homem (ou super-homem), a vontade de poder é dos
seus conceitos mais famosos, influenciado pelas descobertas da ciência da sua época, em física ou mesmo na
biologia de Darwin. Para o alemão, o mundo não está apenas sempre em movimento, ele é um emaranhado
intrincadíssimo de forças.
Essa interrelação pode ser encarada do ponto de vista da física, da biologia, da política, ou, obviamente, da metafísica.
E o que seria essa vontade de poder? Em uma frase: seria a resultante vetorial e momentânea das forças que atuam
em determinado contexto. Talvez seja melhor partir para um exemplo.
Pense na dificuldade de determinadas comprovações científicas penetrarem no cotidiano da população. Apesar das
inúmeras pesquisas, dos consensos, das conclusões, os cientistas não necessariamente conseguem influenciar todo
mundo imediatamente, assim que comprovam, por exemplo, que um medicamento não funciona para tratar um vírus
novo que ataca a população.
Cada pessoa carrega uma série de “verdades” próprias que podem até ser abaladas por novas descobertas, mas não
desaparecem automaticamente. Isso para ficar na questão meramente científica. Se entrarmos na relação entre
diferentes sentidos ou códigos de valores, como o embate entre ciência e religião, por exemplo, a coisa fica ainda mais
complicada. E nem estamos falando de outras cosmologias, como a de povos ameríndios ou aborígenes em geral.
Como se vê, nesses casos há várias camadas em questão, várias forças se contrapondo — científicas, religiosas,
metafísicas, cosmológicas. Elas podem conviver, sobrepor-se e às vezes até mesmo se complementar. Para alguns,
quando a ciência não alcança, a religião pode responder a algumas dúvidas.
Há o caso ainda de alguns indígenas que usam remédios cientificamente testados e comprovados para combater as
doenças de “branco”, e continuam com seus rituais altamente eficazes para acabar com as enfermidades tradicionais.
A vontade de poder é o que resulta dessas forças, é o que é estabelecido como “verdade” após esses todos conflitos. É
a nossa decisão, tomada após colocarmos na balança todas as forças que nos atravessam.
Vontade de poder era a principal proposta nietzschiana para substituir o inflexível império religioso de Deus, mas ele sabia que
não era uma proposta fácil de se aceitar. No famoso aforismo 125 do livro A gaia ciência, onde Nietzsche fala sobre a morte de
Deus, o personagem principal do texto, o homem louco, ou desvairado, após anunciar o apagamento “do horizonte”, ou seja, a
morte de Deus, fica assustadíssimo com as consequências do seu vaticínio.
Ele sabe que, sem essa imensa sombra que nos dava parâmetros sobre qualquer assunto — nos dizia até o que era a verdade!
—, a vida ficaria bem mais livre, porém também igualmente mais insegura. Ao fim, após tentar falar com os sóbrios homens do
mercado e ser ignorado, o homem louco percebe o tamanho da sua missão e admite que, talvez, tenha vindo cedo demais:
“Esse acontecimento enorme está a caminho, ainda anda: não chegou ainda aos ouvidos dos homens.”
Atividades
1. O que representa a frase "Deus está morto" para Nietzsche, segundo o texto?
a) O último cristão havia morrido na cruz, e desde então não haveria mais cristãos verdadeiros.
b) A libertação das regras morais transcendentais, que se originaram no platonismo, fortaleceu-se no cristianismo, mas são presentes até
mesmo em Kant.
c) É uma aporia ou um jogo linguístico porque Deus, como se sabe, não pode morrer — ele é onipotente e eterno.
d) É o diagnóstico de uma época em que o ateísmo imperaria entre os povos e por isso seria o início de um período de liberdades
extremas.
e) É a comprovação do niilismo nietzschiano, que quer acabar com qualquer tipo de sentido da vida.
2. Por que podemos dizer que Nietzsche foi provavelmente o maior iconoclasta entre todos os grandes nomes da filosofia
Ocidental?
a) Com os seus petardos ele construía grandes ícones que queriam substituir os antigos, envelhecidos com o tempo.
b) A tradição da filosofia geralmente não usa elementos críticos, muito menos elementos contraditórios: Nietzsche é uma exceção.
c) Ele queria destruir todas as certezas moralistas que tinham sido construídas falsamente, segundo ele, até então.
d) Esse é um apelido que a Igreja Católica conseguiu atribuir a ele para defender-se das perseguições do pensador alemão.
e) É uma tentativa de substituição dos ícones e mitos ocidentais por ícones e mitos do Oriente.
a) Todas as pessoas têm vontade de encontrar a verdade, o que Nietzsche chamava de vontade de verdade ou, em um segundo
momento, vontade de poder.
b) A vontade de poder é a maneira de descobrir a verdade universal de todos os seres que existem.
c) Como resultado das forças que atuam sobre um corpo, a vontade de poder constrói o sentido que define a verdade.
d) Poder é um dos nomes que Nietzsche dá para verdade, portanto vontade de poder é a mesma coisa que dizer vontade de verdade.
e) Vontade de poder é ter a vontade de se atingir o poder, que é o único lugar onde se pode encontrar as verdades.
Notas
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Referências
MOORE, A. W. The evolution of modern metaphysics. Making sense of things. Cambridge University Press: New York, 2011.
POELLNER, Peter. Nietzsche and metaphysics. Oxford University Press: Oxford, 2000.
Próxima aula
Heidegger e a volta da questão do ser, embora tentando superar a tradição da metafísica.
Explore mais
Leia o Artigo de Martin Heidegger sobre Nietzsche, que inclui o famoso fragmento em que é anunciada a morte de Deus.
Leia também O louco amargo: o que matou Friedrich Nietzsche?, publicado no site Aventuras da História.
Problemas Metafísicos
Aula 9: Heidegger
Apresentação
Heidegger entrou direto para a história da filosofia ao escrever Ser e tempo, em 1927, que ressuscitava o interesse pela
questão clássica da metafísica. Nessa obra, ele instituiu o Dasein como “lugar” privilegiado para entender o ser em geral,
principalmente por sua relação com a própria finitude. Já após a Segunda Guerra começou a se preocupar com as
consequências mais pragmáticas do esquecimento do ser e com a consolidação hegemônica da técnica moderna.
Objetivos
Analisar como Heidegger voltou a colocar a questão do ser em pauta nas discussões filosóficas, embora
confrontasse a tradição, que ele chamava de metafísica;
Definir, concisamente, o Dasein heideggeriano, que seria o “solo” singular para se entender o próprio ser;
Demonstrar a virada em seu pensamento após a Segunda Guerra, quando ele mostra preocupação com o
crescimento da importância da essência da técnica moderna.
Heidegger
Quando o filósofo Martin Heidegger (1889-1976) completou
80 anos, a pensadora Hannah Arendt (1906-1975) escreveu
um artigo sobre seu ex-professor (e ex-amante) dizendo
que, ainda no início da sua carreira, antes de escrever sua
obra mais conhecida, o alemão da cidade de Marburgo, no
sul da Alemanha, era visto já como uma espécie de “rei
escondido”, tal era a sua fama.
Mesmo que no fim da década de 1910 ele fosse apenas um professor iniciante e assistente de seu mestre, o judeu-austríaco
Edmund Husserl (1859-1938), seu prestígio corria por toda a Alemanha por conta de suas aulas e palestras. Finalmente, em
1927 ele lança sua obra-prima, Ser e tempo, e comprova as expectativas de que o “pensamento estava de volta à vida outra
vez”, como escreve Hannah Arendt.
Essa “volta” tem a ver com um tipo de sistema filosófico ligado, de uma forma ou de outra, à metafísica. Obviamente, nossa
querida disciplina nunca “desapareceu” — tanto é que até hoje a estamos estudando, como se pode ver —, mas o século XIX
tinha deixado os pensadores em geral desconfiados da metafísica e sua proposição de entender algo tão geral como o ser.
Na época em que Heidegger era apenas um “rei escondido”, uma corrente filosófica alemã ainda tentava voltar a Kant, com a
diferença entre fenômeno e coisa em si bem demarcada, mas parecia que não tinha nada de muito diferente do original.
Investindo em uma nova maneira de investigar os seres, Husserl criou a fenomenologia, cujo projeto pode ser sintetizado no
slogan: “é a volta às coisas mesmas.”
Comentário
Em uma leitura ligeiramente mais ampla, pode-se dizer que o projeto de Husserl era tentar aproximar a ciência do que ele
chamou de “mundo da vida”. Para usar uma linguagem kantiana, dá para dizer, de maneira bem geral, que ele via a ciência
como se afastando dos fenômenos para buscar a coisa em si — e Husserl queria inverter esse sentido.
Logo na primeira linha do livro, para não haver qualquer dúvida, ele escreve que a questão metafísica por excelência havia caído
no esquecimento. E a questão metafísica, sabemos desde ao menos Aristóteles, é a pergunta pelo ser.
Um dos primeiros responsáveis por esse esquecimento a ser mencionado em Ser e tempo foi o racionalismo iniciado por
Descartes, em que o sujeito só conhece aquilo que vê.
Lembra-se quando Descartes dizia que só podia confiar na própria desconfiança, e, assim, na razão, para saber que existia? Penso,
logo existo?
Todavia, Descartes não era o único culpado. Toda a filosofia, de maneira geral, teria tratado o ser como se fosse possível pará-
lo no tempo e totalizá-lo.
Lembra-se, por exemplo, de Platão com as ideias imóveis, acessadas pela razão dialética?
Pois para Heidegger, contudo, esse era um processo impossível. Os filósofos ainda confundiam o que se mostrava — o ente —
com o que não era possível mostrar-se em seu todo — o ser.
Todas as tentativas de se falar sobre o ser ao longo dos tempos, segundo o filósofo alemão, sofreram do mesmo problema:
embora se enganassem de que estariam falando de toda a questão, seriam apenas fatias da realidade.
Saiba mais
De tão incomodado com essa história, Heidegger, na maior parte da sua produção intelectual, define o termo “metafísica” como
sinônimo dessa filosofia que havia se confundido e passado ao largo do ser. Fala que vai começar, ou recomeçar, um novo
processo, uma verdadeira analítica existencial do ser, que ele chama de ontologia.
Sua implicância é tão grande que, anos depois, ele escreve um artigo curto intitulado O fim da filosofia e a tarefa do
pensamento, para dizer que essa filosofia ligada ao que ele chama de metafísica teria acabado, e que então haveria
necessidade de iniciar-se outro processo, outro tipo de pensamento.
Voltando à discussão, ainda no âmbito de Ser e tempo dá para dizer que o problema aconteceu, Heidegger explica, quando os
filósofos antes dele não entenderam o que ele, Heidegger, chamaria de “a diferença ontológica”.
Comentário
A expressão tão pomposa (típica dele) quer dizer que há uma diferença entre os entes, isto é, cada coisa que se apresenta para
nós, em sua cotidianidade mais comum e banal; e o ser, aquilo que faz com que as coisas existam, que seria impossível de ser
acessado em sua totalidade, em sua inteireza, em seu mais profundo detalhe.
Quando os filósofos “metafísicos” tentavam explicar o ser e falavam, na verdade, apenas sobre o ente, estavam entrando em
uma seara que a ciência, com sua especialização extrema, já estaria dominando havia séculos. A filosofia, portanto, deveria ter
como fim buscar o ser, e nada além disso. E o ser, continua ele, é aquilo que se mantém escondido e só se mostra em um
vislumbre, um relance por desvelamento, por desocultamento, algo como uma espécie de aparição.
Fonte: Geralt/Pixabay
Em outras obras, Heidegger, que habitualmente confinava-se em uma cabana no meio da Floresta Negra, ao sul da Alemanha,
sugere uma imagem bucólica: o ser só se mostraria em circunstâncias absolutamente incomuns e acidentais, tal como quando
estamos no meio de um bosque, caminhando por uma região bem adensada de árvores que impedem até mesmo de
enxergarmos o céu e, repentinamente, encontramos uma inesperada e luminosa clareira.
Diferente da metáfora da caverna platônica, a luz heideggeriana é quase acidental. Para ele, a verdade, em vez de uma
representação das coisas como seriam em um mundo ideal, deveria ser entendida dessa maneira: uma aparição. Meio mística,
meio religiosa, uma epifania, uma iluminação que nos surpreenderia e nos traria de volta o espanto que foi o mote inicial da
própria filosofia.
Bastante crítico à tradição, Heidegger propõe uma Destruktion (destruição) da metafísica. Não era jogar tudo fora, mas
prioritariamente acabar com seus cacoetes e manter apenas o fundamento original, a busca pelo sentido do ser. No caminho,
ele diz que há um “lugar” privilegiado para perceber a diferença entre ser e ente. Ele chama esse “solo” de Dasein.
Dasein
Dasein
Palavra complicadíssima de transpor para o português com os mesmos sentidos que ela abrange em alemão.
A primeira forma de entendê-la no original é como ser ou existência — aquilo que há. É extremamente comum e quase
banal na língua de origem, como é o termo “existência” em português. Dasein, no entanto, é também a junção de duas
palavras: da (aí) e Sein (ser); ou seja, em uma tradução mais literal, seria o ser-aí, opção que muita gente utiliza. Uma
das tradutoras para o português sugere “presença”, outros tradutores mantêm a expressão em alemão mesmo,
Dasein. O que, então, esse Dasein quer dizer?
Tentando fugir das definições que são aprisionadoras já na própria explicação sobre o que é o humano, Heidegger
propõe uma transformação radical. O homem não seria apenas um animal político ou um animal racional, como
sugerido por Aristóteles, mas um ser-aí, um ser que está, a todo momento, aí, existindo, sem necessidade de
qualificativos. No vocabulário heideggeriano isso quer dizer: um ser jogado no mundo. Traduzindo para uma linguagem
mais comum: um ser que está inserido sempre na realidade, aprendendo com todos os seus códigos e criando novos,
interagindo com todas as maneiras do ser se apresentar, e inventando novas formas.
É um ser que, ao mesmo tempo que modifica o mundo por simplesmente existir (se não por outras razões), é, direta e
automaticamente, modificado por esse mesmo mundo. Dasein é, portanto, um ser que está, sempre, a cada instante,
aí. Essa interrelação entre esse ser e o mundo seria a característica do homem — o que, para Heidegger, daria um lugar
privilegiado para se ver a separação entre ser e ente. Seria, de acordo com o filósofo alemão, o único ser (único) que
tem a consciência da existência do ser (em geral).
Essa consciência humana se daria por, entre outros aspectos, a certeza da morte que apenas o humano teria, ou seja,
o Dasein seria aquele que saberia que existe o ser porque poderia imaginar o que seria o seu próprio não-ser, o seu não
existir. A esse tipo de comportamento, a esse tipo de predisposição de ânimo, Heidegger deu o nome de ser-para-
morte (Sein zum Tode). É um procedimento que o alemão resgata de um pensador que não era muito famoso à época,
exatamente por fugir da tradição mais comum da metafísica, o dinamarquês Søren Kierkegaard.
Ao enfrentar essa angústia da morte, o Dasein teria uma noção própria, autêntica, do ser. Perceberia sua
temporalidade, os processos pelos quais ele ainda passaria, as modificações a enfrentar. O ser não é, não pode ser
algo parado, imóvel, mas é (acontece, existe...) no tempo, e modifica-se, sempre. Quando evita confrontar-se com essa
certeza de sua finitude, o homem continuaria em sua existência inautêntica, comum.
Heidegger diz que não vivemos sempre uma vida autêntica. Ao contrário, passamos o nosso cotidiano sem qualquer
lembrança do ser. Essas situações — essas clareiras — são momentos extremamente incomuns, mas devemos estar bastante
atentos, nos preparar pelo pensamento, diz ele, para quando a oportunidade aparecer. Quando o evento ocorrer, devemos ter a
coragem de abraçá-lo, abertamente, em toda as suas possibilidades, mesmo as menos alegres, as menos felizes, em vez de
nos esquivarmos ou virarmos o rosto.
O sucesso de Ser e tempo foi estrondoso. O rei não estava mais
escondido: a filosofia poderia voltar a falar sobre o ser, sem receio,
com a aprovação de um filósofo que rapidamente foi alçado para o
primeiro escalão da tradição.
O problema é que Heidegger acreditou demais no próprio sucesso e tentou colocar em prática — transformar o mundo em vez
de só interpretá-lo, como dissera Marx — uma espécie de revolução do pensamento, mas uma revolução conservadora. Uma
volta no tempo, mas de um tempo que não existia mais.
Ele queria fazer da Alemanha, pós derrota da Primeira Guerra Mundial, uma nova Grécia do período clássico, aquela dos
primeiros pensadores, que ainda se surpreendiam com as menores coisas do dia e conseguiam filosofar a partir disso. Onde
ele procurava gregos da Antiguidade, porém, ele encontrou alemães - alemães nazistas.
Com a ascensão de Hitler ao poder em 1932, a perseguição a judeus fez com que seu mentor Husserl se aposentasse. Em
seguida, em uma sucessão rápida e até hoje mal explicada, Heidegger entra para o partido nazista e assume o cargo de reitor
da universidade onde dava aulas, em Freiburg, com um discurso de posse de apoio a uma renovação do pensamento alemão.
Sua passagem pela reitoria dura menos de um ano. Ele sai assim que percebe, segundo suas palavras, que toda a proposta de
recriação da Alemanha, apresentada por Hitler e seus comparsas, era apenas uma mentira para enganar os desesperançados.
No entanto, tal episódio o persegue para toda a vida - e a polêmica sobre o pensamento heideggeriano ser ou não nazista
permanece até hoje.
Durante a Segunda Guerra, Heidegger dá cursos sobre Nietzsche, na tentativa de evitar que associem o autor de O anticristo ao
nazismo,, como a irmã antissemita de Nietzsche gostaria. Finalmente abandona a analítica existencial do Dasein e busca
entender o que estava acontecendo no mundo.
Para esse novo Heidegger, o “esquecimento do ser” mostrava como o homem vilipendiava o mundo, transformando todas as
coisas que existem, todos os entes, como ele diz, em meros objetos para serem usados, consumidos e jogados fora.
Todos os seres podem mostrar-se de várias maneiras, como nos ensina Aristóteles, mas nesse mundo contemporâneo em que
vivemos — o mundo da técnica moderna, como ele vai chamar — eles só se tornam matéria-prima. Convertem-se em estoque à
espera de serem usados no grande processo de transformação. Um dos exemplos mais famosos que ele cita é o rio Reno, na
Alemanha.
Exemplo
O Reno poderia ser a inspiração para poetas como Hölderlin, poderia banhar quem nele mergulhasse, poderia ser parque de
diversões para crianças, poderia ser sagrado para rituais pagãos, poderia ser fonte de alimentos para os pescadores... No
entanto, desde que lhe colocaram uma usina hidrelétrica, o rio tinha se transformado em simples fornecedor de energia. Todas
as outras atividades até poderiam existir, desde que não atrapalhassem a “principal”. O ser do rio estava cada vez mais restrito
a uma única atividade: fornecer energia.
O mesmo aconteceria com os demais seres, com a ciência e com a arte. Veja.
Demais seres
O mesmo aconteceria com todos
Ciências
os demais seres, diz Heidegger,
Transformou-se em somente força Arte
inclusive o próprio homem, que
auxiliar para pesquisa, Mero passatempo, entretenimento
virou apenas peça de reposição
desenvolvimento e inovação das para desanuviar as preocupações.
dessa enorme máquina que é a
megacorporações internacionais.
sociedade produtivista e
consumista.
Em um curto e seminal texto chamado A questão da técnica, Heidegger mostra que ele não tem nada especificamente contra a
técnica moderna, que transforma tão produtivamente os seres. O problema é que a essência dessa técnica, que ele chamou de
Gestell — termo que quer dizer tanto “esqueleto” como “armação dos óculos”, e que é traduzido nesse contexto por
“composição” — essa essência, enfim, seria a única forma do mundo como nós o conhecemos existir.
Comentário
Seu único imperativo? Produzir mais. Nossa única posição? Estar à disposição da com-posição (Heidegger tem um linguajar
bastante característico, que adora fazer esses jogos de palavras).
Em uma entrevista concedida ao fim da vida e publicada apenas após sua morte, Heidegger diz que não apenas o capitalismo
tem esse tipo de comportamento produtivista, de arrancar todos os seres de suas infinitas possibilidades e transformá-los em
estoque para abastecimento, mas que tal procedimento aconteceria em todas as sociedades industrializadas.
Portanto, o mesmo ocorreria com a tentativa de socialismo praticada pelos países no século XX e, igualmente, com o
nazifascismo: todas essas sociedades estavam também sob a égide da Gestell.
Até mesmo o pensamento, adestrado por anos de um racionalismo dos mais utilitários, teria se tornado exclusivamente
calculador, contando os centavos para saber o que, ao fim, vai ser mais ou menos econômico. Quando questionado pelos
entrevistadores sobre o que se poderia fazer, Heidegger fala, para espanto dos jornalistas: “só um deus pode agora nos salvar.”
Esse Deus — e aqui estamos no segundo ponto em que Heidegger fala sobre o papel do sagrado na
contemporaneidade —, por sua vez só existe e é garantido por essa mesma razão instrumental. Ou seja, toda a história
da metafísica vive em um esquema quase tautológico entre a razão e Deus, e que causa uma confusão entre Deus e
ser, como se os termos fossem sinônimos.
E novamente Descartes, com o seu esquema de desconfiar e depois confiar cegamente em Deus, é o exemplo mais
plácido do que Heidegger quer dizer.
Claro que o deus mencionado por Heidegger na entrevista não é o mesmo da tradição metafísica, que ele tanto
renega, nem necessariamente o monoteísta cristão. É um deus que resgataria todas as possibilidades de ser do
sagrado, do divino, e não apenas um instrumento da fé mais comercial, que troca dízimo por promessas do além-
túmulo, ou ainda por uma teologia de prosperidade gananciosa e individualista que não se importa com seu entorno,
com o mundo, para chegar ao objetivo.
Ele está falando sobre um deus que seja totalmente outro, que a técnica não possa tocar, ou que, se tocar, seja apenas
mais um dos modos desse deus se mostrar. Os entrevistadores, curiosos, perguntam, então, como invocar esse deus
para nos salvar. Heidegger responde que não há muito a fazer — já que, se fizesse algo, cairia exatamente na questão
da técnica moderna, que exige de todos os seres que se mostrem apenas para serem úteis para a própria técnica
moderna.
Ele diz que podemos apenas nos preparar para a sua aparição (caso ele apareça) pelo pensamento e pela poesia. Nem
mesmo a filosofia — tal e qual apresentou-se durante todos os séculos, desde Platão — seria um bom caminho. Ela
chegou ao fim. “E o que ficou em seu lugar?”, perguntam os jornalistas. “A cibernética”, responde secamente Heidegger.
E olha que ele nem conheceu a internet ou as redes sociais.
O ex-rei da filosofia mostrava os limites da metafísica. Apontava o descolamento dessa maneira de pensar, da forma como ela
se apresentou durante muito tempo, com a realidade de então. A busca pelo ser, no entanto, não precisa ser feita dessa única
forma, como veremos na próxima aula.
Atividades
1 - Por que Heidegger diz em Ser e tempo que a questão metafísica por excelência havia caído no esquecimento?
a) Porque a tradição filosófica não tinha verdadeiramente se perguntado pelo ser, confundindo-o com o ente.
b) Porque, na história da filosofia, a metafísica foi deixada de lado em prol de outros tipos de pensamentos, como a política.
c) Porque a metafísica saiu de moda no século XIX com o fortalecimento da ciência.
d) Porque ele defende que a questão metafísica por excelência deveria ser verdadeiramente esquecida para o aparecimento da ontologia.
e) Porque a técnica contemporânea obstruiu todo e qualquer tipo de possibilidade de pergunta pelo ser, desde ao menos os tempos de
Descartes.
a) É a diferença entre o ser e o não ser, diferença esta experimentada pelo homem ao saber-se mortal.
b) É a diferença entre o Dasein e o homem em sua cotidianidade mais banal; apenas o Dasein saberia o que é o ser.
c) É a diferença entre os entes, como cada ser se apresenta para nós; e o ser em si, que só se alcança, de soslaio, por um desvelamento.
d) É a diferença entre vida autêntica, ou própria, e a inautêntica, ou imprópria, sendo que na maioria das vezes temos acesso apenas à
segunda.
e) É a diferença entre metafísica e ontologia, sendo a primeira preocupada com as questões do ser e a segunda mais ligada aos assuntos
dos entes.
a) É a forma de se retirar os melhores proveitos de todos os seres, fazendo com que haja progresso e melhor distribuição das riquezas.
b) É um dos nomes da angústia contemporânea, em que não há qualquer fundamento em que se apoiar, tendo que se caminhar sem
corrimão.
c) É a falta de especialização do trabalho no homem, fazendo com que haja pouca produtividade nas ações de transformação.
d) É a forma de conseguir matéria-prima nos dias atuais, já que, com a crise ecológica, os recursos estão cada vez mais escassos.
e) É a única forma de o ser se mostrar na contemporaneidade, nublando todas as outras possibilidades de ser.
Notas
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Referências
MOORE, A. W. The evolution of modern metaphysics. Making sense of things. New York: Cambridge University Press, 2011.
Próxima aula
Explore mais
Leia a famosa entrevista com Martin Heidegger publicada após a morte do filósofo, em que ele fala que “Só um deus nos
pode ainda salvar”.
Leia também o artigo que Hannah Arendt escreveu em homenagem a Heidegger, nos 80 anos do filósofo.
Problemas metafísicos
Apresentação
Após Nietzsche e Heidegger, o caminho da filosofia estava aberto para pensamentos ainda mais radicais, que
explorassem a desconstrução da metafísica, e, principalmente, o que ficou conhecido como “diferença”. Derrida com a sua
differance e Deleuze com o devir mostram que a representação e a identidade eram ainda falsidades. Após a geração de
1960, o pensamento tornou-se cosmopolita, com metafísicas de todo o mundo, inclusive perspectivas brasileiras.
Objetivos
Descrever como Derrida cria uma série de neologismos para aprofundar a desconstrução da metafísica feita por
Heidegger;
Distinguir a importância da diferença para o pensamento de Deleuze, que tenta ir mais longe nos caminhos de
pensamento de autores como Espinosa e Nietzsche;
Apontar algumas das muitas possibilidades filosóficas atuais focando em exemplos de casos brasileiros.
Heidegger
Foi Heidegger quem estabeleceu quem teriam sido os
principais nomes da metafísica — não por acaso: aqueles
contra quem ele se levantou e apontou os enganos — e,
principalmente, talvez tenha sido ele quem conseguiu criar,
afinal, uma definição potente o suficiente para a metafísica
que consegue abarcar todos os nomes anteriores a ele. Ou
ao menos os nomes que ele escolheu para serem os seus
antecessores.
Ou ainda: talvez nós, no início do século XXI, ainda estejamos sob a influência da definição heideggeriana do que é metafísica e
precisaremos de mais tempo para que se estabeleça uma nova forma de interpretá-la. Nietzsche dizia, por exemplo, que
escrevia para o futuro, já que o tempo dele não o reconhecia.
Quem sabe um dia os valores novos, que ele tanto defendia, sejam o
fundamento para um pensamento completamente diferente?
De toda forma, e voltando ao protagonista da aula passada, todos os pensadores que vieram após Heidegger tiveram que
encará-lo, seja para fugir à sua influência ou para combater determinadas acepções que pareciam verdades imutáveis.
De Merleau-Ponty a Foucault (na França), passando por Hannah Arendt e Hans-Georg Gadamer (na Alemanha), em ambos os
países que são os principais polos do que é conhecida como filosofia continental, todo mundo teve Heidegger como figura
incontornável.
Filosofia analítica
Nos países anglófilos, principalmente Inglaterra e EUA, mas também Canadá e Austrália, também houve uma bifurcação ali
pelo fim do século XIX, que se consolidou no século XX. Um grupo de pensadores, gente como Bertrand Russel (1872-1970),
George Edward Moore (1873-1958) e Ludwig Wittgenstein (1889-1951) (este austríaco, mas que estudou em Cambridge, na
Inglaterra), decidiu criar uma nova forma de fazer filosófico, o mais distante possível da metafísica.
Uma filosofia extremamente influenciada pela ciência e a matemática, analisando problemas específicos em vez de criar
grandes sistemas que tentam responder por todas as coisas que existem. São os filósofos analíticos.
Hoje em dia, alguns analíticos até concedem espaço para a metafísica, mas não no sentido de pesquisar o ser, de modo geral,
da maneira como Aristóteles sugeriu e Heidegger confirmou:
1 2
Eles buscam mais as causas fundamentais de determinadas Usam da lógica, pesquisam os artifícios da linguagem, que
questões, a maneira de criar bases suficientemente sólidas muitas vezes não dá conta das questões.
para se saber alguma coisa.
Geração existencialista
Voltando à filosofia continental e sua trajetória metafísica — objeto principal desta aula. Após Heidegger, houve o estouro
mundial de Jean-Paul Sartre (1905-1980), talvez o filósofo mais famoso do século XX, e cuja obra principal se chama Ser e
nada— uma clara referência ao Ser e tempo do alemão, que é abertamente uma influência. Com Sartre, há toda uma geração
chamada de existencialista.
Alguns autores marcam em Kierkegaard, ainda na primeira metade do século anterior, o início do movimento. Outros ainda
incluem Nietzsche e Heidegger no grupo, à revelia deles próprios. Certamente há sempre menção a nomes como Simone de
Beauvoir (1908-1986) e Albert Camus (1913-1960), sendo este último também contra a sua vontade. O certo é que, nesta
época, Heidegger, além de Husserl e Hegel, os chamados três H (todos de língua alemã), eram os filósofos mais estudados na
França.
Geração de 1960
Jaques Derrida
Na geração seguinte, a dos revolucionários anos 1960, aparece um judeu-argelino, que fez a carreira inteira na França, e que
tentou aprofundar e, ao mesmo tempo, desvencilhar-se da sombra heideggeriana.
Transformou a Dekonstruktion alemã em
déconstruction francesa e aprofundou a
desconstrução da metafísica. Sabe aquele
seu amigo desconstruído? Talvez ele não
saiba, mas está usando uma terminologia
derridiana.
Para Derrida, haveria uma violência na tradição filosófica ocidental que ele chamava de falogocentrista, por ter enfoque no
pensamento apenas do homem (falo) de tradição ocidental (logos) e que, por não deixar espaço, apagaria outras formas de
pensar e de se expressar, como a voz de mulheres, de negros, de grupos LGBT+ e de povos com outras cosmologias ou
mesmo com outras metafísicas.
Mergulhando na metafísica ocidental propriamente dita, ele tenta reforçar a sugestão heideggeriana de que o problema da
tradição europeia foi o esquecimento da diferença entre o ser e os entes. Porém, ele vai mais fundo e pega mais pesado do que
Heidegger. Se o alemão ainda queria de alguma forma buscar o ser, Derrida diz que isso é impossível.
Que essa procura de uma verdade última que garantisse os entes de existirem, de uma espécie de fundamento primeiro, era,
ainda, um processo metafísico — no sentido “ruim” do termo, daquela metafísica que o próprio Heidegger disse que queria
abandonar.
Comentário
Para Derrida, não haveria fundamento, pois não há fundo. Nada serve de caução, de certeza fixa para que as coisas existam— seja
eidos, archē, telos, ousia, essência, existência, substância, sujeito, transcendentalidade, consciência, Deus, ou mesmo o homem.
Todos esses termos que estudamos em todo o curso. Ele queria opor-se ao que chamava de “metafísica da presença”, tal como
Heidegger a caracterizaria.
Em certo momento de Ser e tempo, o alemão escreve que os entes são atualizações do ser no tempo presente, portanto os
entes são uma presença. Derrida diz que essa é apenas uma maneira de continuar o esquecimento da diferença. O ente é e
sempre será diferente do ser.
Dentro desse âmbito da diferença, e querendo reforçar essa separação, Derrida cria um neologismo que funciona como
ferramenta de pensamento para tentar mostrar, ao fim, a impossibilidade de se atingir o ser das coisas.
Saiba mais
O termo em francês é differance, ligeiramente diferente da palavra difference (diferença), para dar enfoque a uma segunda
possibilidade de interpretação a partir da palavra differ (diferir, que quer dizer postergar, adiar). Nas traduções em português, há
preferências por diferância e por diferência.
Atenção
Não é exatamente um conceito, diria Derrida, porque ser um conceito já seria de alguma forma aprisionar o sentido do termo
dentro de um determinado tipo de procedimento. Muito menos é uma “coisa” ou um “ente”. É uma chave de leitura, uma noção,
que serve para encaixar e nos ajudar a pensar determinados problemas.
Ele a usa para demonstrar como a representação (como uma foto, uma pintura, uma descrição textual ou outro algo do gênero)
é, ainda, metafísica, já que há uma differance entre o objeto representado e a própria representação. Outro exemplo: a differance
mostra como um signo (isto é: uma marca, um ponto, uma palavra, em suma, algum tipo de ente que “comunica”) é diferente de
outros, mas, ao mesmo tempo, só pode ser entendido com a interrelação com outros signos, que lhe dariam um contexto
suficiente.
A diferença apelidou um grupo de filósofos que pensava o ser exatamente dessa forma, em vez de pensá-lo como igualdade ou
imobilidade, como a tradição que remetia lá atrás a Parmênides. Um desses filósofos da diferença que mais se destacou foi o
francês Gilles Deleuze (1925-1995).
Para mostrar sua importância, basta lembrar uma frase de um dos seus
principais interlocutores, Michel Foucault (1926-1984), que chegou a
profetizar que o século XX um dia, talvez, fosse conhecido como deleuziano.
Gilles Deleuze
Se cada pensador cria os seus antecessores e assim refunda a história da filosofia a partir das suas principais influências,
Deleuze ignorou totalmente a linha do tempo, que funcionava meio que sem muitas alterações até mais ou menos Heidegger.
Em vez de nomes como Platão, Aristóteles, Descartes, ele escolhe como os filósofos de inspiração Espinosa, Nietzsche, Henri
Bergson (1859 – 1941).
De Nietzsche, por exemplo, ele relê a noção de eterno retorno do mesmo — que Nietzsche diz ser uma de suas principais
descobertas. Se Heidegger reforça a proposta do “mesmo”, Deleuze pensa a noção de maneira quase oposta. O francês
defende que o processo funciona como um eterno retorno, sim, mas um eterno retorno da diferença.
A única repetição, e daí ele adotar o eterno retorno, era o ato
em si de jogar os dados. Algo parecido como já tinha dito
Heráclito: não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Ou
seja, apesar de o rio ser o mesmo, nunca nos banhamos
nas mesmas águas duas vezes.
Deleuze quer mostrar um mundo que é sempre diferente, a cada instante, em um constante vir-a-ser, um eterno devir. A
diferença era a regra, o “mesmo” do eterno retorno, o que está por trás do ser. A identidade, ou seja, a igualdade, até existe, mas
seria apenas uma possibilidade entre tantas outras da diferença.
Comentário
Percebe-se a tentativa de distanciar-se de Heidegger e sua preocupação com o ser que, apesar de influenciado pela
temporalidade, ainda tinha uma busca frenética por sua verdade. Como vimos com Derrida, esse procedimento heideggeriano
ainda parecia ser o escape da metafísica no sentido pior do termo, o da criação de um fundamento atemporal, imóvel, idêntico.
O ser, aquilo que as coisas são, é diferença, Deleuze parece querer insistir. Se Heidegger escreveu Ser e tempo, ele publica uma
obra chamada Diferença e repetição.
De Espinosa e também de Nietzsche, Deleuze reforça a celebração da atividade, da afirmação da vida, em toda sua diversidade.
Para o francês, seguindo seus intercessores, a vida é feita de forças ativas e reativas, afetos bons e ruins. Nos constantes
encontros com outras forças e afetos, há diminuição ou aumento de potência de viver; há contaminação com outros afetos,
que nos deixam mais tristes ou mais felizes.
Gilles Deleuze
Para Deleuze, o que importava eram sempre os encontros na própria vida. Não haveria nada além, após a morte, nada
01 “além-da-física”, nenhuma transcendentalidade.
Deleuze trabalha para reforçar uma ética da imanência, do aqui e agora, nunca de uma obrigação moral ou de um
02 objetivo final, uma teleologia.
Um defensor da afirmação da vida e da felicidade dos atos sobre todas as coisas, Deleuze posiciona-se frontalmente
03 contra Hegel e sua dialética do negativo, que, como vimos, sempre imagina um termo negando necessariamente o
anterior.
O francês também opõe-se à defesa que Hegel faz do sofrimento e da tristeza, e, principalmente, da proposta de que a
04 positividade seria apenas um produto teórico e prático da negação de si mesmo.
Demonstrando a imensa diferença para a história da filosofia, quando pensada sob o ponto de vista da metafísica clássica e
sua busca por fundamento, pelo ser das coisas, Deleuze defende, como Nietzsche antes dele, que há algo mais importante do
que a verdade, porém a verdade vista como algo atemporal.
Para ele, essa verdade carregaria ainda uma carga de representação, parecida com aquela que Derrida estava reclamando na
mesma época, de falta de conexão entre a coisa e a informação que a representaria. Não que a verdade em geral não fosse
importante, porque ela é, mas não pode ser vista como uma espécie de milagre ou revelação, um dado que surge do nada.
Nietzsche falava sobre perspectivismo, ou seja, que a verdade tem muitas faces e que, dependendo do ângulo pelo qual se
olha, enxerga-se um rosto diferente.
A filosofia, diz Deleuze, não deveria ser pensada apenas como essa desenfreada busca pelo ser, ou pelos seus outros nomes
ao longo dos anos, como fundamento ou verdade. Ela precisa ser imaginada, ele sugere, como criadora de conceitos, essas
ferramentas que nos fazem entender melhor o mundo em que estamos inseridos. Não quaisquer conceitos, ele acrescenta, só
conceitos que nos disturbem, nos provoquem, nos desafiem.
A filosofia não pode servir como um arquivo empoeirado
das ideias, tais ideias precisam funcionar, e funcionar agora.
Os conceitos devem nos aumentar, fazer crescer a nossa
potência de agir, criar outras — diferentes — maneiras de
viver. A filosofia deve ser sempre crítica do momento
presente, deve ser, portanto, não conforme o tempo atual,
mas, de certa forma, intempestiva, anacrônica.
Pensamento filosófico
Pensamento filosófico
A geração dos anos 1960 repensou a filosofia totalmente, mostrando que os grandes sistemas metafísicos produzidos
na Europa podem e devem existir, mas que não são exclusivos, pois há outras maneiras de se pensar o mundo.
Foucault, que nunca criou uma metafísica no sentido clássico, por exemplo, chegou a afirmar em uma entrevista certa
vez que “a filosofia tem por tarefa diagnosticar e não buscar mais dizer uma verdade que possa valer para todos e para
todo tempo”.
Então, para onde vai a metafísica, agora? Em vez de uma busca pelo ser, como teorizada desde pelo menos Aristóteles,
e reforçada por gerações e gerações até Heidegger, pensar uma maneira de o mundo em que vivemos fazer sentido. O
que isso quer dizer? Bem, para começar: quais são as condições para que algo seja visto como verdade? A metafísica
pode e deve criar os fundamentos específicos (nunca eternos ou atemporais) para que algo seja considerado verdade,
e não fake news.
Se dissermos, por exemplo, que uma cadeira não é apenas uma cadeira, mas uma imagem de uma cadeira ou uma
foto de uma cadeira, é preciso que tenhamos os instrumentos para conseguir entender essa afirmação, tais como
estar dentro de um museu, observando uma obra de arte ou lendo sobre arte, assistindo a uma aula etc.Tudo para que
a frase não soe absurda como, como a defesa científica de a Terra ser plana.
Este planeta azul que vagueia pelo espaço até pode ser considerado plano — mas para isso, é preciso criar condições
específicas para tal. Para citar um caso possível: essa frase pode estar em uma obra literária de ficção. Nesse espaço
da ficção, com as regras artísticas bem estabelecidas em que o autor tem liberdade de criação, outros mundos podem
apresentar-se— e é bom que a criatividade se exerça.
Respeitando os métodos científicos, entretanto, de acordo coma realidade em que a ciência cria as regras do que faz
ou não sentido, a Terra é, foi e será arredondada até que se prove, pela ciência, o contrário.
Possibilidades filosóficas atuais
A geração de Derrida, Foucault, Deleuze e cia. também abriu o caminho para que outros pensamentos de outras tradições além
das fronteiras do chamado Ocidente se mostrassem. Há toda uma preocupação de se tentar pensar a descolonização, por
exemplo, com as vozes de povos que foram explorados por séculos pelos países ricos.
Comentário
Há toda uma curiosidade atual sobre a metafísica chinesa. Ou sobre a metafísica de origem árabe. Ou sobre filósofos africanos.
Ou ainda indianos. Japoneses, coreanos, camaroneses, peruanos... A lista é praticamente infinita.
No Brasil, há pelo menos dois caminhos que vêm sendo apontados há algum tempo, com intensidades e propostas diferentes:
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das diversas e múltiplas religiões mundial — é o que parte do pensamento
chamadas afrodescendentes, muitas ameríndio. Na antropologia, desde ao
vezes utilizando elementos totalmente menos Lévi-Strauss — um dos grandes
atípicos para a tradição europeia, como a influenciadores de Deleuze, Derrida e
valorização da síncope do tambor ou as Foucault —, o território brasileiro é um
histórias dos orixás. celeiro de pensamentos novos.
Outro dos seguidores de Lévi-Strauss, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, recriou a ideia de perspectivismo para mostrar
como funciona o modo de fazer sentido de determinados povos ameríndios.
Para esses povos originários, cada um dos outros seres, seja animal ou espírito, se vê como gente em relação aos demais
seres. Em outras palavras, funciona na prática da seguinte forma:
Os exemplos seguem infinitamente, sempre em relação uns aos outros, com o termo “gente” sendo o ponto central de toda
comparação.
No perspectivismo ameríndio, além de forçar uma nova
maneira de entender a perspectiva de cada um dos seres no
mundo, é possível ver todo o esforço para se mostrar outra
metafísica, uma Metafísica canibal, como é o título de uma
obra de Viveiros de Castro— uma forma de organizar e fazer
sentido que envolve e inclui necessária e automaticamente
outros seres.
Há o deslocamento de um pensamento simplesmente multiculturalista, em que cada povo tem sua cultura diferente da outra,
em uma leitura que esbarra em um complicado relativismo; para uma versão multinaturalista, em que todos os seres se veem
como iguais — no caso, como gente — e apenas têm suas naturezas “modificadas” pelas visões dos outros.
Há ainda a inclusão nessa metafísica de seres além do humano, mostrando que o pensamento não precisa ter qualquer limite.
Recentemente, alguns autores que pertencem a povos originários do Brasil também começaram a escrever seus próprios
pensamentos, como o Yanomami Davi Kopenawa e Ailton Krenak, dos krenak. O mesmo aconteceu em outros países.
Comentário
No mundo inteiro, outras perspectivas, além da branca, ocidental, masculina, heterossexual etc., começam a se mostrar, com
autoras como Gayatri Chakravorty Spivak, Judith Butler e Paul B. Preciado, ou mesmo a redescoberta de Lélia Gonzalez no Brasil.
Temas como tecnologia e catástrofe ecológica tornam-se assuntos mais e mais urgentes, como se não tivéssemos mais muito
tempo e não pudéssemos nos esquivar da discussão desses importantes temas.
Há ainda o crescimento de governos ultraconservadores, que também se tornou um tema desafiador nos tempos recentes.
Tudo isso mostra que os desafios do século XXI para a metafísica estão apenas começando.
Atividades
1. Por que é possível dizer que Derrida leva a diferença ontológica, apontada por Heidegger, a um ponto ainda mais radical?
a) Ao trocar a Dekonstruktion para déconstruction, Derrida desconstruiu todos os preconceitos que o alemão ainda mantinha.
b) Heidegger ainda seria um pensador ligado à cultura falogocêntrica, enquanto Derrida tenta desvencilhar-se desse procedimento.
c) Heidegger acredita que os entes são diferentes entre si, mas não da maneira tão profunda que Derrida consegue demonstrar.
d) Derrida abandona a proposta de busca pelo ser por considerá-la ainda um processo de uma metafísica "ruim".
e) Derrida defende a diferença de uma forma tão abissal que precisou até criar uma nova palavra para demonstrar o que ele queria dizer,
o que Heidegger nunca fez.
a) Buscar o ser.
b) Descobrir a diferença ontológica.
c) Reforçar a desconstrução da metafísica.
d) Encontrar a verdade.
e) Ser criadora de conceitos.
3. Qual seria uma das principais funções da metafísica para o século XXI, segundo o texto?
a) Pensar uma maneira de o mundo em que vivemos fazer sentido, de acordo com contextos específicos.
b) Procurar fundamentos eternos que garantam a imobilidade de cada ser.
c) Criar parâmetros fixos para saber o que é, em todos os casos, certo ou errado.
d) Buscar a verdade eterna de cada coisa, para que saibamos expressá-las a cada vez que precisarmos nos comunicar.
e) Esquecer por completo a ciência, já que a metafísica não pode ser considerada científica.
Notas
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Referências
CASTRO, E. V.Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Mana, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 115-144,
Oct.1996.Acessoem: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93131996000200005.28 out. 2020.
MOORE, A. W. The evolution of modern metaphysics. Making sense of things. New York: Cambridge University Press, 2011.
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