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Cláudia Gaspar*
Resumo
Com base numa breve revisão de literatura sobre autismo, epilepsia e a sua comorbilidade,
procede-se ao estudo de caso de um adolescente com as duas patologias. É avaliado e analisado
o comportamento adaptativo do indivíduo à luz dos resultados obtidos pela aplicação da Escala
de Comportamento Adaptativo – versão portuguesa (Santos, 2007) e é elaborado um plano
terapêutico intensivo para seis meses.
Abstract
Based on a brief review of the literature on autism, epilepsy and its comorbidity, the case study
of a teenager with both pathologies is carried out. The adaptive behaviour of the individual is
evaluated and analyzed using the Adaptive Behavior Scale - Portuguese version (Santos, 2007)
and an intensive therapeutic plan for six months is elaborated.
Kanner, em 1943, usou a expressão autismo para descrever 11 crianças que tinham em
comum comportamento bastante original. Sugeriu que se tratava de uma inabilidade inata para
estabelecer contacto afetivo e interpessoal e que era uma síndrome bastante rara, mas,
provavelmente, mais frequente do que o esperado, pelo pequeno número de casos
diagnosticados. Estas crianças apresentavam em comum, desde cedo, défices importantes nas
relações sociais do dia a dia, preferindo estar sozinhas. O seu comportamento era bizarro,
caracterizando-se por interesses e atividades restritos, repetitivos e estranhos. A linguagem era
peculiar: três crianças não falavam e as restantes apresentavam ecolalia e outras características
pouco comuns, sendo-lhes difícil manter uma conversa.
O conhecimento e a informação sobre as perturbações do espetro do autismo (PEA) tem
mudado ao longo do tempo, sobretudo desde a publicação do DSM-5 onde foram introduzidas
consideráveis variações que alteraram a conceção atual das PEA. As PEA são transtornos do
desenvolvimento neurológico definidas por défices persistentes na comunicação e interação
social e pela presença de padrões restritivos e repetitivos de comportamento, interesses ou
atividades. Tal como definido pelo DSM-5, os sintomas devem estar presentes nas primeiras
fases do desenvolvimento infantil, causando um deterioramento clinicamente significativo no
funcionamento social, laboral ou outras áreas, e não pode ser explicado por défice intelectual
ou atraso global do desenvolvimento.
Ao nível neurológico, algumas pesquisas apontam para a existência de algumas
diferenças nas estruturas e funcionamento cerebral. Salienta-se a investigação de Bauman &
Kemper (2004), que encontraram alterações neuropatológicas consistentes no sistema límbico
e nos circuitos cerebelares dos cérebros estudados até ao momento. As células do sistema
límbico (hipocampo, amígdala, corpos mamilares, giro anterior do cíngulo e núcleos do septo)
são pequenas no tamanho e aumentadas em número por unidade de volume (densidade celular
aumentada) em comparação com o grupo de controlo. Neste sentido, os autores sugeriram um
atraso no desenvolvimento maturacional dos circuitos do sistema límbico. Nos cerebelos
estudados, foi encontrado um número diminuído de células de Purkinje, especialmente no
neocerebelo póstero-lateral e no córtex arquicerebelar adjacente (porções posterior e inferior
do cerebelo).
Estudos recentes têm utilizado ressonância magnética funcional para estudar áreas de
processamento social em casos de autismo. Normalmente, durante este exame neurológico, há
uma acentuada ativação do giro fusiforme (GF), ou área facial fusiforme (AFF), em reposta a
uma tarefa de visualização de faces. No estudo de Pierce, et al. (2001), os resultados gerais
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revelaram uma fraca ou nenhuma ativação no GF em pacientes autistas, bem como redução
significativa da ativação no giro occipital inferior, sulco temporal superior e amígdala.
Verificaram-se também anormalidades anatómicas apenas na amígdala em pacientes autistas,
cujo volume médio era significativamente reduzido em comparação com os normais. Em
indivíduos autistas, durante a tarefa de perceção de faces, nenhuma das regiões que apoiam o
processamento de faces se mostraram significativamente ativadas. Em vez disso, em cada
paciente autista, foram registadas ativações em zonas e estruturas específicas em cada
indivíduo, por exemplo, córtex frontal, córtex visual primário, o que contrasta com a
consistência de 100% de ativação máxima dentro da área facial fusiforme para cada sujeito
normal. Parece que, em comparação com indivíduos normais, indivíduos autistas visualizam
rostos utilizando diferentes sistemas neurais, com cada paciente fazendo isso através de um
circuito neural único. Tal padrão de ativação dispersa específica dos indivíduos autistas, em
contraste com a ativação do GF altamente consistente observada em indivíduos normais, sugere
que fatores experienciais realmente desempenham um papel no desenvolvimento normal da
área facial fusiforme.
Na publicação de O’Hearn, et al. (2008), os autores fazem um levantamento dos
principais estudos sobre o funcionamento neurológico e neuropsicológico de indivíduos
autistas. Destacam que os estudos que investigam a integridade dos sistemas cerebrais no
autismo sugerem uma ampla variedade de anormalidades na matéria cinzenta e branca, que
estão presentes no início da vida e mudam com o desenvolvimento. Essas anormalidades afetam
predominantemente as áreas de associação e prejudicam a integração funcional. As funções
executivas, que têm um desenvolvimento prolongado na adolescência e refletem a integração
de funções cerebrais complexas e amplamente distribuídas, também são afetadas no autismo.
Salientam também que os estudos que investigam a inibição da resposta e a memória de trabalho
indicam deficiências nesses componentes centrais da função executiva em indivíduos autistas,
bem como nos mecanismos compensatórios que permitem a função normativa. Paralelamente,
também há investigações que demonstram melhorias relacionadas com a idade na função
executiva desde a infância até a adolescência no autismo, indicando a presença de plasticidade
e sugerindo uma janela prolongada para o tratamento eficaz. Apesar dos ganhos de
desenvolvimento, o funcionamento executivo maduro é limitado no autismo, refletindo
anormalidades em redes cerebrais disseminadas que podem levar a um défice no processamento
de informações complexas em todos os domínios.
Epilepsia
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Como define a International League Against Epilepsy (2005) (ILEA), uma crise
epilética é uma ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas devido à atividade neuronal
excessiva ou síncrona anormal no cérebro. A epilepsia é um distúrbio cerebral caracterizado
por uma predisposição duradoura para gerar convulsões epiléticas e pelas consequências
neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais dessa condição. A definição de epilepsia
requer a ocorrência de pelo menos uma crise epilética. Epilepsia é então o nome de uma
desordem cerebral caracterizada predominantemente por interrupções recorrentes e
imprevisíveis da função cerebral normal. A epilepsia é uma variedade de desordens que
refletem a disfunção cerebral subjacente e que pode resultar de muitas causas diferentes.
Neste sentido, importa distinguir as crises epiléticas que ocorrem em resultado da
predisposição cerebral para as originar (epilepsia) das crises induzidas por perturbações
sistémicas, tais como, hidro-eletrolítica ou tóxico-metabólica (crises metabólicas agudas)
(Bentes & Pimentel, 2013).
As crises epiléticas, ou convulsões, podem ser causadas por múltiplos mecanismos. De
uma maneira geral, as crises surgem quando há uma rutura de mecanismos que normalmente
criam um equilíbrio entre excitação e inibição. Normalmente existem mecanismos de controlo
que impedem os neurónios de descarregar excessivamente o potencial de ação, mas também
existem mecanismos que facilitam o disparo neuronal para que o sistema nervoso possa
funcionar apropriadamente. Interromper os mecanismos que inibem o disparo ou promover os
mecanismos que facilitam a excitação pode levar a convulsões (Scharfman, 2007).
As crises epiléticas podem ser classificadas de várias formas. No que diz respeito ao
tipo, a ILEA, através do relatório de Berg et al. (2010) distingue as crises generalizadas das
crises focais. Crises epiléticas generalizadas têm origem num determinado grupo neuronal e
rapidamente se estende a redes distribuídas bilateralmente. Essas redes bilaterais podem incluir
estruturas corticais e subcorticais, mas não incluem necessariamente todo o córtex. Estas crises
podem ser tónicas, clónicas ou tónico-clónicas, atónicas, mioclónicas e ausências e,
normalmente, são acompanhadas de perturbação de consciência (Bentes & Pimentel, 2013).
As crises epiléticas focais são originárias de redes limitadas a um hemisfério e podem
ser discretamente localizadas ou mais amplamente distribuídas. As crises focais podem também
ter origem em estruturas subcorticais. Para cada tipo de crise, o foco de início é consistente de
uma convulsão para outra, com padrões de propagação preferenciais que podem envolver o
hemisfério contra lateral. Em alguns casos, no entanto, há mais de uma rede e mais de um tipo
de crise, mas cada tipo de crise individual tem um local consistente de início (Berg et al. 2010).
As crises focais podem ser simples ou complexas. Nas crises simples a consciência é mantida
e podem apresentar diferentes sintomatologias (motora, sensitiva, sensorial, autonómica e
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psíquica); as crises complexas manifestam-se por diversos tipos de automatismos com
alterações de consciência e reportam-se, por norma, aos lobos temporais, frontais ou estruturas
corticais vizinhas (Bentes & Pimentel, 2013). Podem ainda ser focais com generalização
secundária (Quadro I).
Crises inclassificáveis
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As epilepsias de origem desconhecida designam que a natureza da causa subjacente é
ainda desconhecida; pode existir um defeito genético na sua essência ou pode ser a
consequência de uma desordem estrutural ou metabólica ainda não reconhecida (Berg et al,
2010).
O tratamento da epilepsia pode ser através de Fármacos Anti-Epiléticos e, numa
pequena percentagem de casos, entre 5% a 7%, poderá ser indicada a cirurgia (Bentes &
Pimentel, 2013). A cirurgia pode ser curativa - recessão da zona epileptógena e
hemisferectomia/hemisferotomia - ou paliativa, como a calosotomia e a implantação de
estimulador do nervo vago.
Estudo de Caso
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os comportamentos desviantes relativos à manifestação de problemas de personalidade e
comportamentais em 8 domínios (Santos, 2007).
Neste estudo de caso, optou-se por analisar o CA adaptativo do Rafael, domínio a
domínio, uma vez que o nível de funcionalidade do jovem é muito baixo. De referir que, apesar
da ECAP ter sido aplicada na íntegra, considera-se que os domínios da Atividade Económica,
Números e Tempo, Atividade Doméstica, Atividade Pré-Profissional, Responsabilidade e
Conformidade não são pertinentes no estudo de caso devido, por um lado, o já mencionado
nível de funcionalidade do jovem e, por outro, o facto de muitos dos itens (perguntas e
respostas) não se adequarem à situação real.
No primeiro domínio, a Autonomia, o Rafael obteve uma classificação funcional
abaixo da média, revelando significativas dificuldades adaptativas: não come sozinho, ainda
que por vezes agarre nos alimentos com a mão e os leve à boca, de forma descoordenada e sem
critério, mas não consegue usar talheres; usa fralda; colabora pouco no vestir/despir e na higiene
pessoal que tem que ser feita por terceiros.
Ao nível do Desenvolvimento Físico, o jovem obteve uma classificação funcional
abaixo da média, revelando dificuldades sensório-motoras, equilíbrio, lateralidade, noção
corporal, praxia fina e global.
No que diz respeito ao Desenvolvimento da Linguagem, os resultados revelam um
nível funcional fraco pois não tem qualquer linguagem expressiva, ainda que emita alguns sons
principalmente em situações que o deixam satisfeito, mas revela algum nível de compreensão
da linguagem recetiva, como ordens simples.
No domínio da Personalidade, os resultados mostram que o jovem se encontra abaixo
da média, revelando uma grande passividade, com pouco interesse pelo ambiente que o rodeia.
Apenas revela iniciativa para aqueles que são os seus objetos de eleição, não conseguindo
manter a atenção em atividades significativas.
A Socialização obtém uma classificação funcional de muito fraco, uma vez que o
Rafael tem graves dificuldades sociais e de interação com os outros, não demonstrando
iniciativa na relação com os outros e uma fraca resposta à tentativa de interação de outros.
Nos domínios da segunda parte da ECAP, no Comportamento Social o Rafael situa-se
acima da média. É um jovem que não revela comportamentos abusivos em termos emocionais
e físicos, como ameaças ou perda de auto-controlo.
O domínio Merecedor de Confiança classifica-se na média, uma vez que o Rafael não
representa “perigo” para os outros no que diz respeito a comportamentos como roubar, enganar
ou de desrespeito.
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No domínio do Comportamento Estereotipado e Hiperativo, o jovem obteve uma
classificação funcional na média, ainda que apresente alguns comportamentos e movimentos
estereotipados.
No que diz respeito ao Comportamento Sexual e Comportamento Auto-Abusivo, os
dois domínios se situam na média. O jovem não revela qualquer comportamento disfuncional
no âmbito da sexualidade nem que cause danos em si próprio.
Ao nível do Ajustamento Social, o Rafael, como seria de esperar obtém uma
classificação de muito fraco.
Por fim, o domínio do Comportamento Interpessoal Desajustado classifica acima da
média, pois o jovem não revela atitudes que possam causar incómodo em terceiros ou sobre
estes.
Constata-se, pois, que as áreas mais fracas do Rafael são aquelas que se predem com a
autonomia e independência em atividades do dia-a-dia, linguagem e socialização. As áreas
fortes que se destacam são que se relacionam com comportamentos desajustados em contexto
social (gráfico 1).
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Valor médio
Proposta terapêutica
- Desenvolver Alimentação
comportamentos de
colaboração nas - treino de uso da colher
diferentes AVD’s
AVD’s - Promover a
autonomia nas Vestir/Despir e higiene pessoal
AVD’s
- treino de movimentos funcionais colaborativos
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Vestibular e Propriopercetivo: Atividades de
equilíbrio e balanceamento
- Aumentar o uso de - atividades de grupo com os colegas em
expressões faciais e contexto escolar
gestos para regular a
interação social; - ludoterapia
Socialização
- Promover o - reforço positivo
desenvolvimento de
estratégias de - exposição a diferentes situações sociais
interação com os
outros.
Quadro II – Plano Terapêutico
Considerações Finais
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