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Samuel Simon
ORGANIZADOR
Filosofia e conhecimento
Das formas platônicas
ao naturalismo
EDITORA
00
UnB
Capítulo 11
Conhecimento, ciência e natureza:
cartas sobre o naturalismo
P aulo A b r a n t e s *
H i l a n B e n s u s a n '*
D outor pela Universidade de Paris, professor adjunto do Departam ento de Filosofia da U nB.
" Doutor pela Universidade de Sussex, professor adjunto do Departam ento de Filosofia da U nB.
Paulo A b ran te s e H ilan B cn su san
Missiva H l
Paulo,
W h y is it t h a t s c ie n t is t s a n d m a t h e m a t i c i a n s c a n b e s o p a t i e n t , a n d
p h il o s o p h e r s s e e m s o im p a t ie n t ? It h a s t a k e n m o r e t h a n 3 t h o u s a n d y e a r s
to u n d e r s t a n d t h e c ir c le a n d th e s p h e r e , a n d th e y a r e still w o r k i n g a t it.
A n d y e t, w e , p h il o s o p h e r s , a r e p r e p a r e d to g iv e u p a t h e o r y a b o u t r e a lit y
a s a w h o l e a t t h e d r o p o f a h a t , b e c a u s e o f s o m e f lim s y a r g u m e n t s a n d
b e c a u s e t h e r e a r e h o le s to b e f i l l e d u p . H o w u n r e a s o n a b l e c a n o n e b e ? 2
1 Q uerem os agradecer ao professor Sam uel Sim on pela cuidadosa leitura do tex to e por suas
sugestões. A s in co rreções que tenh am perm anecido são de responsabilidade exclu siva dos
autores.
2 Tradução m inha: “Por que os cientistas e m atem áticos são tão pacientes e os filósofos tão
impacientes? Foram necessários mais de 3 mil anos para que entendessem o círculo c a esfera,
e eles ainda estão trabalhando nesses temas. E nquanto nós, filósofos, estam os prontos para
abandonar uma teoria sobre a realidade com o um todo cm um instante, por causa de alguns
argum entos controversos e porque há brechas a serem preenchidas. Q u ão pouco razoável
pode alguém ser?”
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
1 Tradução m inha, antes: “Nós devemos desistir de uma tal redução, C arnap desistiu dela por
volta de 1 9 3 6 ”. E depois: “O empirista fez grandes concessões quando ele desistiu de deduzir
verdades sobre a natureza a partir da evidência sensória”.
Paulo A b ran te s e H ilan B e n su san
4 Endosso aqui a posição de W ittgenstein acerca das norm as que regem nossos co n ceitos em
co n texto s específicos e de sua irredutibilidade à regras explicitam en te form uladas (ver
W ittg en stein 1948, p. 1 4 3 -1 9 0 ).
5 Susan H aack fala que Q uine defende alternadam ente duas versões de naturalismo, uma mais
moderada e outra mais radical (H aack, 1993). Você uma vez fez uma lista de teses naturalis
tas (em filosofia da ciência) postas em ordem crescente de força que eu adaptei na m inha tese
de m estrado.
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
6 D e um modo geral, o fisicalismo procura inserir todos os processos naturais no âm bito da física
(por vezes da física fu tu ra).
7 C ertam en te, eu duvido que uma tal distinção seja possível, mas não posso fazer uso de
argum ento baseado nessa dúvida dado o meu compromisso referente à epígrafe.
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Paulo A b ran te s e H ilan B en su san
8 O cético talvez pudesse acusar o naturalista de adotar uma postura que cu com paro com a do
alraiate da fábula da nova roupa do rei. O alfaiate diz: “se alguém não enxergar a roupa do rei,
é estúpido”. O alfaiate en tão garante a aceitação de sua proposição (“o rei não está n u ”) pois
dentro de sua própria teoria (conjunto de postulados) há uma interpretação para a negação da
proposição. O u seja, o cé tico pode fazer ao naturalista uma crítica do tipo da que Popper, por
exem plo, fez à psicanálise.
Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
que nos e n c o n tra ría m o s em uma posição em que teríam os pou co es
p aç o para o fe re c e r resp o stas ao cé tico .
N o te que eu com partilho co m o naturalista a tese que eu ch am ei
de S ellars. O u seja, não se trata de pensar que as cre n ça s devam ser
justificadas sem apelo às outras. O naturalista pode acusar o c é tico de
estar pressupondo uma a rq u itetôn ica fun d acionalista para a ju stific a
ç ã o e insistir que ele não está disposto a oferecer nada deste gênero,
vima vez que arg um ento s m ostram que isto n ã o é possível. O c é tic o
poderia e n tã o dizer algo assim: eu apenas quero saber o que me impele
a acreditar no que você acredita, dadas algumas cren ças que eu c o m
partilho c o m v o cê (por exemplo, nós estamos de acordo a cerca do que
f a la m o s). Eu qu ero apenas, prosseguiria o c é tic o , c o n v e n c e r -m e das
suas cren ças, dadas algumas outras crenças que eu tenh o ; posso pensar
nas m inhas dúvidas inteiram ente em termos de outras crenças e não de
um fu n d a m e n to - e o c é tic o aqui aceitaria a nossa tese B oy d . E n tão
nós poderíamos c o n ta r alguma estória nô m ica a cerca das cren ças que
c o m p a r tilh a m o s c o m o c é tic o , mas o c é t i c o poderia q u e stio n a r esta
estória e n ão re c o n h e c e r as suas crenças dentro da estória nô m ica que
nós co n tam o s. Eu aceito crenças, ele poderia dizer, se elas me parecem
justificadas e o m ecan ism o de aceitação que vocês propõem (adaptabi
lidade, confiabilidade, etc.) não me parece justificado - a justificação
que v o cê s ap re sen tam para elas não é aceitável. Nós ainda podemos
insistir que ele se re c o n h e ç a na co ntraparte n ô m ica do seu m ecanism o
de a c e it a ç ã o de crenças. O c é tico então poderia afirmar: a cr e n ç a de
qu e uma c r e n ç a é ju stific á v el porque o b ed e ce a ce rtas propriedades
definidas em uma lei é uma cren ça que eu não posso por em dúvida
dentro do sistem a de vocês. E ele continuaria: “está bem, eu desisto de
fund acionalism o e aceito S ellars, e por isso mesmo eu considero que o
sistem a de vocês n ã o é racional, certas coisas não podem ser postas em
c h e q u e ”. T alv ez e n t ã o p o ssam o s te n t a r usar a te se c o m p a r t i lh a d a
E x tern a lism o para d em o ver o c é tic o de sua in sistê n cia em possuir, ele
m e sm o , u m a j u s t if ic a ç ã o que seja para ele a c e it á v e l. E le, o c é ti c o ,
pode saber que estam os certo s sem saber disso, ele pode saber porque
nós ju stific a m o s sua c r e n ç a . Porém ele sempre poderia retru car: “vocês
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P aulo A b ran te s e H ilan B en su san
re alm ente possuem uma ju stific açã o ?”. Eu penso que em um tal diálogo
nós estaríamos em uma posição em que, de novo, poderíamos descartar
ou d isso lv e r as c r e n ç a s c é t i c a s (por m e io de u m a te ra p ia q u e nos
c o n v e n c e s s e de que nós n u n c a estivemos na posição de não re c o n h e -
c e r q u e ju s t i f i c a ç ã o é a d a p ta b ilid a d e ou c o n f ia b ilid a d e , e t c . ) , mas
n ão poderíam os o fe rec er respostas à dúvida c é tic a .
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Conhecimento, ciência e natureza.- cartas sobre o naturalismo
Missiva P I
H i la n ,
9 Sellars, em Philosophy an d the scientific imane o f m an diz: “to com plete the scientific im age we
n eed to enrich it not with w ays o f saying w hat is the case, but with the language o f com m unity and
individual intentions" (Sellars 1963, p. 4 0 ). Tradução m inha: “para com pletar a imagem c ie n
tífica [do m undo] ela precisa ser enriquecida não apenas com m odos de dizer o que é o caso,
mas com a linguagem da com unidade e das intenções individuais”.
“ D evem os restringir o debate ao naturalism o em epistem ologia (pois há posturas naturalistas
em outros dom ínios da filosofia, com o a m etafísica, a ética, e t c .) .
Paulo A b ran te s c H ilan B cn su san
Externalismo
A s p , J A s p , C sp ,
que se lêem, resp ectivam en te, “s acredita (ou crê) que p", “s acredita
ju stificad am en te que p ”, “s co n h e c e p ”, onde p c uma proposição.
Se g u n d o a tra d icio n a l c o n c e p ç ã o tripartida do c o n h e c i m e n t o ,
um sujeio 5 possui c o n h e c im e n to de que p (Csp) se as seguintes c o n d i
ções são satisfeitas: i) p; ii) Asp; iii) Jasp.
C ad a uma dessas co n d içõ es é n ecessária e as três são, c o n j u n
ta m e n te , su ficien tes para que s c o n h e ç a que p (Csp). Essa análise de
“c o n h e c i m e n t o ”, e m b o ra v e n h a send o c o n t e s t a d a desde os fam osos
argumentos tipo G e ttie r ,11 será aceita no que se segue. O que está, no
11G ettier (1 9 6 3 ) criticou a concep ção clássica dc “co n h ecim en to ” com o “cren ça verdadeira
justificad a”, que rem onta a Platão. Essas três condições, ele m ostra, são necessárias, mas não
suficientes para que haja conhecim ento.
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
A st, JA s t, C st,
12Alguns desses graus de internalism o (mas não todos) conduzem , com o se pode verificar
facilm ente, a uma regressão ao infinito na análise de “co n h ecim en to”.
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
A tese cen tral do extern alism o é que algum a re laç ão com o m undo
externo, responsável pela verdade de nossa crença, é su ficien te para
converter uma crença verdadeira em conhecim ento, sem que tenhamos
q u alq u er id éia d aq u ela relação. N ão é a n ossa c o n c e p ç ão de com o
nós estam os relacio n ad os com um fato que gera con h ecim en to, mas
sim plesm ente o fato de estarm os relacionados com ele (Lehrer, 1990,
p. 153).
B Pollock qualifica a teoria de G oldm an de externalista porque, para este últim o, a “co rreção ”
dos processos cognitivos (sua confiabilidade) não seria uma propriedade essencial desses
processos, mas dependeria de com o o mundo real é “estruturado”. O u seja, um processo
cognitivo poderia ser confiável em nosso mundo - e portanto justificar uma cren ça de um
sujeito vivendo neste m undo - mas não ser nada confiável num outro m undo possível (e a
cre n ça resultante desse m esm o processo seria, neste outro mundo, inju stificad a). O u seja, a
confiabilidade de um processo é uma questão contin gente, e não necessária (Pollock, 1986,
p. 2 3 ). O internalismo, ainda segundo Pollock, exigiria que “se uma com binação particular de
entradas [inputs] perceptuais e de raciocínio produzem crença justificada no mundo real, então
produzirá cre n ça justificada em todos os mundos possíveis” (id■íbicl., p. 116).
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
14D eixo de lado a possibilidade de com preensão e de interpretação de crenças, que rem ete às
questões delicadas (num a perspectiva naturalista) do significado, da intencionalidade e da
verdade. N ão pretendo, portanto, alinhavar aqui uma resposta ao “d escren te” (você pode
defender que não o faço tam pouco com respeito ao cé tico !).
Paulo A b ran te s e Hilan B en su san
q u e e s ta s p r o p rie d a d e s re d u z e m -s e a p ro p rie d a d e s f ís ic a s , o u a in d a q u e
s u p e rv ê m a e s ta s , g e ra n d o d u as o r ie n t a ç õ e s d is tin ta s . U m a t e r c e ir a p o
s i ç ã o , m a is r a d i c a l , s e r i a a d e q u e as p r o p r i e d a d e s e p i s t c m i c a s
p r o p r ie d a d e s fís ic a s o u b io ló g ic a s ( d e s c r itiv a s ) p o s s a m t e r lu g a r n u m a
t e o r ia d o c o n h e c im e n t o q u e se p r e te n d a n a tu r a liz a d a ( A b r a n te s , 1 9 9 8 ,
p. 1 6 ).
15Da mesma forma que um naturalista não tem de, necessariam ente, defender uma elim inação
da psicologia de senso com um (folkpsychology), com o pretende E Churchland. Ver as minhas
referências à tese da superveníência com o abrindo espaço, talvez, para uma posição ao mesmo
tempo naturalista e não-reducionista.
16Supõe-se que uma m etodologia aceitável rejeitaria meras m odificações ad hoc nas nossas
teorias, com o a sua personagem do cético (H l: p. 3) acusa, com razão (op a!), os astrólogos
com parando-os, sem razão, aos naturalistas.
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
Naturalismo e ceticismo
5. T e n t a r re sp o n d e r ao c é t i c o é um p ro b le m a q u e e n f r e n ta m
todas as teorias do c o n h e c i m e n t o e n ão só as de c u n h o natu ralista.
H á q u em d efen d a, inclusive, a tese h istó ric a de qu e a teo ria do c o
n h e c im e n t o to rn o u -se uma área c e n tra i da filosofia n a m o d ernidade,
e m f u n ç ã o do d esa fio c é t i c o qu e, por e x e m p lo , D e s c a r t e s resolveu
en fre n tar.
O que talvez distinga o naturalista de outros filósofos é que ele
tende a não levar a sério o cético , não se esforçando em lhe dar uma
resposta. O u então, o naturalista ten ta mostrar que os desafios céticos
são formulados a partir do c o n h e c im e n to cien tífico e, portanto, c o m e
tem p e tiç ã o de princípio ao co lo c a re m este ú ltim o em q u estã o . U m
exem plo típico dessa atitude é Q u i n e .17
Pode ter sido simplesmente um erro h istórico da filosofia m oder
na considerar que responder ao c é tico deva ser o p onto de partida, a
m o tiv ação básica de qualquer teoria do co n h e c im e n to .
Naturalismo e fisicalismo
17U m a atitude sem elhante seria tam bém saudável com respeito à figura do d escrente.
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18N ão é claro, en treta n to , depois dos trabalhos de Kim , se essa posição é co n sisten te. A n te
riorm ente, apontei a tese (não-redutiva) de que as propriedades epistêm icas supervêem às
propriedades físicas.
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
19N ão seria o m om ento, aqui, de defender, além do mais, a interdependência entre metodologia
e ontologia, o que colocaria em dúvida a possibilidade de um naturalism o m etodológico
neutro com respeito a compromissos ontológicos.
20A dm ito, portanto, que o naturalism o seja, em alguma medida, cientificista.
21 Essa cren ça, por sua vez, pressupõe um robusto realismo.
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9. U m a m o d alid ad e e s p e c ia lm e n te a m e n a de n a tu ra lis m o d e
fende, sim p lesm en te, que o ep istem ólogo n ão pode ignorar os re su lta
dos das ciên c ia s, c o lo c a n d o -s e n u m a pre p o te n te posição de iso lam en to
e de a u t o - s u f ic i ê n c ia . P o d e -se form ular essa m o d alid ad e de n a t u r a
lismo de m odo positivo: a) as ciên c ia s podem fo rn ece r subsídios im
p o rta n tes para o ep istem ólogo en fre n ta r e dar solu ções para os p r o
b le m a s tr a d i c i o n a i s da e p is t e m o lo g ia (e, talv ez , para r e o r i e n t a r a
e p is te m o lo g ia , c o l o c a n d o n o v o s p ro b le m a s ); b) q u a lq u e r te o ria do
c o n h e c i m e n t o pressupõe, e x p lícita ou im p licita m e n te, teses em píricas
(p o rtan to , co n tin g e n te s ) a respeito do m u ndo e de nós próprios e n
q u a n to “e n g e n h o s e p is t ê m i c o s ” ( C h u r c h l a n d ) . E m o u tras palavras,
as teses/teorias filosóficas não te riam um c a rá ter a p riori, c o m o ad m i
te a e p istem o lo g ia n ã o -n a tu r a lis ta .
C o m o afirmei em outro lugar,
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
(A b r a n te s , 1 9 9 8 , p. 1 5 ) .22
Missiva H 2
Paulo,
Pode -se criticar um costume, uma instituição, uma crença, etc., porque tais
coisas podem ser mudadas. Mas não faz sentido criticar fatos da natureza
[...]. [Os naturalistas almejam tornar] os processos epistemológicos imunes
à crítica. M a r c o s B a rb o s a d e O liv e ir a
” A m etáfora é que estam os num barco em alto mar e, eventualm ente, temos de repará-lo sem
poderm os ancorá-lo num porto.
Paulo A b ran te s e H ilan B e n su san
2íN ote que a distinção en tre espaço das razões e espaço lógico das leis da natureza não se
com prom ete com a validade do argum ento de Davidson, segundo o qual razões são causas.
Podem ser causas, claro, mas isto não implica que, enquanto razões, elas possam ser expressas
em term os de leis.
24A substituição de teorias, é claro, só é um problem a para o naturalista se ela for entendida
com o um exercício da razão, um processo epistêm ico. Se ela for explicável inteiram ente por
m eio de regularidades nom ológicas (da sociologia ou da psicologia), não haverá problemas.
25Naturalizar normas é uma empresa problemática em todo caso. A possibilidade de tal naturali
zação tem de enfrentar os argumentos de Wittgenstein, segundo os quais as normas são reguladas
por práticas e há muitas regularidades que podem ser encontradas nas práticas. Um naturalismo
norm ativo teria de justificar com o escolhe as regularidades (nômicas) que usa para descrever
práticas que sustentam normas. Com o diz Brandom (1994, p. 28) "T here simply is n o such thing
as the p attem o r regularity exhibited. To say this is to say that som e regularities raust b e picked out as
ones that ought to be con fom ied to, som e pattem s as the ortes that ought to be continued". (Tradução
minha: “Sim plesm ente não há o padrão de regularidade exibido. Dizer isto é o mesmo que dizer
que certas regularidades devem ser tomadas com o aquelas às quais se deve conformar, regulari
dades que devem contin uar"). Brandom apóia-se em Wittgenstein para concluir que não parece
haver uma boa m aneira de justificar as regularidades escolhidas.
Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
27Tradução m inha: “em, por assim dizer, termos de engenharia, com uma descrição dos requisi
tos m ateriais, e isso é claram ente inútil: é com o responder a Zenão andando pela sala".
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
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’“Tais práticas possuem uma estrutura que, de muitas m aneiras, possibilitam , mas ao mesmo
tempo restringem o espaço epistêmico. Essas práticas, assim com o nossos instintos cognitivos,
etc. (ver a cim a ), alojam o espaço das razões. A estrutura dessas práticas parece ser organizada
mais ou m enos com o as A ngeln (hinge propositions ou proposições-dobradiça) de W ittgenstein
(1 9 6 9 , parágrafos 3 4 1 , 3 4 3 ). W ittgenstein nota em muitos trechos com o as hinges orientam a
confiabilidade das nossas crenças (cf. por exem plo, parágrafos 4 6 ,4 4 4 e 4 4 5 ).
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Missiva P 2
H i la n ,
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
filosó ficas (versus a p o sterio ri, das teses c ie n t ífic a s ) , uma tese m e ta -
filosófica que o naturalism o co n testa (tese esta que, ju n ta m e n te co m o
psicologismo, con stitu i o âmago do naturalismo segundo K itc h e r).
M as, na linha do que fiz em P l , gostaria de aceitar esse desafio
de associar o meu compromisso naturalista a determinadas posições em
o n to lo g ia.
A ontologia que distingue entre um “esp aço ” das leis da natu re-
za (ou de causas) e um “esp aço ” de razões é, por si só, problemática e
pode ser co n testad a, co m o indiquei em P l . Por outro lado, com o natu-
ralista, n ã o vejo problemas em advogar algum tipo de fisicalismo não
redutivo. Tendo a concordar com Kornblith (1998) que uma “epistemologia
n a tu ra lista ” deve articular-se co m uma “m etafísica (tam bém ) n a tu r a
lista”.31 O que caracteriza uma “metafísica natu ralista” é a sua articu
lação a partir das m elhores teorias científicas aceitas h o je. Kornblith,
por ex e m p lo , defend e que uma m e tafísica co n stru íd a nesses moldes
não poderia, ho je, ser reducionista, isto é, não admitiria uma redução
das ciências de “nível alto ” ou “especiais” (como a psicologia, por exemplo)
às c iê n c ia s “f u n d a m e n ta is”.
31O u seja, com uma imagem de natureza que se coadune com as m elhores teorias científicas
aceitas.
P aulo A b ran te s e H ilan B e n su san
,2 O s qu alia são as propriedades fenom ênicas associadas, em especial, às nossas sensações, com o
a “verm elhid ão” de uma rosa, o “ad ocicado” do mel, etc. Para muitos filósofos da m ente, os
q u alia são propriedades intrínsecas e, portanto, não passíveis de redução às propriedades
físicas.
Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
O naturalism o de Laudan
3. E m que sen tid o o m od elo (ou teoria) re ticu la r da racio n alid ade
que propõe Laud an é “n atu ralista”? N o sentido de que valores cognitivos,
m étodos/m etodologias e teorias ( c o n h e c im e n to su b stantivo ) são c o n
siderad os in t e r d e p e n d e n te s , im p o n d o -se re striçõ es m ú tu as. O n a t u
ralism o de L a u d a n é e s p ec ia lm en te p a te n te n o fato de qu e ele ad m i
te q u e m e to d o lo g ia s (e ta m b é m , d ig a -s e de pa ssag em , a x io lo g ia s ) ,
propostas u su a lm en te por filósofos (mas n ão e x c lu s iv a m e n te ), possam
ser m od ificad as em fu n ç ã o de m u dan ças no c o n h e c i m e n to (su bstan
tivo) c ie n tífic o . E m outras palavras - usando a term in olo gia e m p re
gada em nossa discussão - segundo esse modelo reticular, norm as podem
ser m o d ific a d a s em fu n ç ã o da d in â m ica do n osso c o n h e c i m e n t o do
m u n d o físico (e de nós mesmos en q u a n to sistemas cogn itivos ou “m á
qu inas e p is t ê m ic a s ”) . S e há m u danças nesse c o n h e c i m e n t o su b sta n
tivo, e n t ã o isso pode requerer alguma m o d ificação dos m éto d os e m
pregados para gerar/justificar o c o n h e c im e n to . H á uma circularidade
im p lícita aqui (já que estes m étodos podem ser os mesm os em p reg a
dos direta ou in d ire ta m e n te para gerar aquelas teo rias...), mas o n a
turalista p re te n d e que ela não seja viciosa. O m od elo h ie rárq u ico de
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
Naturalismo ameno
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
11Para Sellars, de todo modo, asserções semânticas não são meros “resumos definicionais de asserções
acerca das causas e efeitos das perform ances verbais [nossas e dos outros] ” (1963a, p. 180).
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14Sellars adverte que esses co n ceitos teóricos não têm de ser, necessariam ente, a respeito de
estruturas e processos neurofisiológicos. A psicologia pode m anter um status autônom o (id.
ibid., p. 185).
Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
i5E, com o em toda analogia, há uma analogia negativa e uma positiva (Sellars não usa esses
term os de Hesse nem nada que corresponda à idéia de uma analogia neu tra). Em outras
palavras, a teoria e o m odelo não se identificam .
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
P ortan to, é pertinen te você ressaltar que Sellars “ (...) pensa que
a nossa visão cien tífica do mundo deve acom odar todo o vocabulário
c o n c e r n e n t e a pessoas (in tencio n alid ad e, ação, co nteú d o s, etc.) para
que possa interagir co m o espaço epistêm ico” (H 2: 2). Isso tam bém se
p a r e c e c o m a p ro p o sta dos n e w to n ia n o s de am pliar a o n to lo g ia da
c iê n c ia m o d ern a! D essa m aneira, Sellars preten de evitar, de um lado,
o d ualism o (de tipo ca r te s ia n o ), de outro, uma postura n ão -realista a
resp eito das en tid ad es postuladas pela im agem c ie n tífica de hom em .
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Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
Externalismo
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^ N o ta r que Pollock está equ acionand o “epistêm ico” ao que eu ch am ei de “doxástico". Isso
poderia ser questionado pelo externalista, na medida em que a cond ição deste últim o para a
justificação de uma crença é “epistêm ica” - a o passo em que é uma condição para que se tenha
conhecim ento - mas não é doxástica. De toda forma, uma teoria naturalista do conhecim ento,
a meu ver, terá de ser mais abrangente do que uma teoria unicam ente a respeito do sujeito do
conhecim ento.
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Boyd
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Paulo A b ran te s e H ilan B e n su san
Missiva H 3
Paulo,
17Tradução minha: “O que é importante não é que não haja mais coisas sonhadas na sua filosofia
do que há na realidade mas que não haja mais realidade do que que é sonhado pela sua filosofia.
Comece com uma ontologia tão ampla quanto puder, adicione elementos quando parecer
apropriado, corte partes, mude alguns elementos, examine todas as partes de muitos modos
diferentes, mas quando você sentir-se tentado a rejeitar completamente alguma destas partes
esteja certo que você não está sendo intolerante - ou assuma que você está sendo intolerante”.
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Conhecimento, ciência e natureza.- cartas sobre o naturalismo
“ Tradução m inha: "tã o simples quanto possível, mas não mais sim ples”.
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P aulo A b ran te s e H ilan B e n su san
* C o m o você sabe, eu não ach o que um fisicalism o não redutivo seja possível, mais ou menos
pelas razões que apresenta Kim (1 9 9 8 ). Mas hoje tendo a ter poucas esperanças de que um
projeto exp licitam en te dualista possa tratar adequadam ente as nossas ansiedades sobre as
continuidades na natureza. A ch o que tendo a favorecer uma posição em filosofia da m ente que
repense algumas de nossas suposições centrais sobre a m ente, por exem plo, que não a conceba
com o um órgão.
® U m a no ção de m ente que a entende com o separável das atitudes e disposições do corpo - ou
seja, com o um orgão - nos faz entender, por exem plo, o pensam ento com o desvinculado de
qualquer in ten çã o ou propósito; com o se o pensam ento pairasse no ar d escon ectad o do seu
conteúdo e, os estados m entais em geral, desvinculados de ações e com portam entos. U m a vez
posta a no ção de m ente desta m aneira, cava-se um fosso entre m ente e corpo: o problem a
passa a ser encontrar alguma conexão. N a verdade, devemos procurar uma m aneira de co n ce
ber os estados m entais que não produza um tal fosso.
Conhecimento, ciência e natureza: cartas sobre o naturalismo
14 Em term os gerais, quanto à relação entre filosofia e ciência, não tenho problemas em sim pati
zar com a tese de seu naturalism o am eno segundo o qual a irrigação m útua de idéias é o
cam inho que deve ser seguido (P2: 4) ■Claro que nem toda filosofia é relevante para a ciência
e vice-versa.
45Veja, a esse respeito, o capítulo “Alguns racionalism os e empirismos con tem p orân eos” da
presente coletânea.
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Paulo A brances e H ilan Ben susan
As últimas missivas
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Feito esse b alanç o , avalio que você aceita, de fato, bem pouca
coisa do naturalismo, se é que você aceita algo. Sugiro que você, por
c o e r ê n c ia , re je ite o natu ralism o em bloco, em vez de defend er teses
p se u d o n a tu ralistas.
Enfim, ainda poderíamos tentar outros lances nesse jogo. Mas o
editor desta c o le tâ n e a fez valer a sua autoridade e exigiu que o inter-
rom pêssem os, sem que (ainda) vislumbrássemos um x e q u e - m a te . H á
quem diga que isso não é possível em filosofia, co m o ce rta m e n te é nas
c iê n c ia s , mas um n a tu ra lista , e v id e n te m e n te , n ão pode a c e ita r essa
pretensa diferença no caráter da investigação em cada um desses c a m
pos. A c red ito , portanto, que o tempo e a co n tin u a çã o dos nossos em b a
tes m ostrarão qual abordagem é, afinal, a mais fértil, quem tem razão
(opa!) e qu em está co m a verdade.
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