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c o n t in u a g i r a n d o e m t o r n o d o Sol m e s m o se e s t i v e r m o s c o n v e n c i d o s d e q u e ele
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p o d e m m u d a r - n o s . E ntão, sim , faz d ife re n ç a , p o r q u e as d is c u s s õ e s so b r e livre-
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im p o r ta : q u e m e D eu s? Este é u m liv r o s o b r e e s s a q u e s t ã o , u m livro s o b r e Bíblia,
b u r a c o s n e g ro s, a m o r, s o b e ra n ia , in ferno, Jò n a ta s E d w a r d s , Jo h n P ip er, C. S. L e n is,
Karl Barth, e u m a m e n in a d e c a sa co v e r m e lh o . Voce já c o n h e c e os a r g u m e n t o s ,
m a s a q u i es tá a h isto ria d e u m a h istória : A u s tin F is c b e r e s u a j o r n a d a p a r a d e n t r o
e fora d o c a lv in is m o , e m u m a v i a g e m r u m o ao c e n t r o d o U niv erso .
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— Grcg Bovd. Seminário Teológico de Princeton
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Rllisan, em le m p le , T e x a s , EUR.
J 0 U E Hfl,
INCHNSHIiEL
T ra d u ç ã o : W ellington M a ria n o
Todos os direitos reservados. Copyright ©2015 para a Lingua Portuguesa da Editora Sal
Cultural.
Proibida a reprodução p or quaisquer meios, salvo cm hrevescitaç õcs, com indicação da fonte
Ficha Catalográfica
Fischer, Austin
ISBN 978-85-67383-04-0
Se eu fosse calvinista, eu não só iria querer ler este livro — iria querer lê-lo com
meus amigos calvinistas. Ele é bom demais para se ler sozinho — eu iria querer
analisar criticamente o livro, refletindo cada ponto que o Austin Fischer faz. Afinal
de contas, ele foi um dos calvinistas ressurgentes. Além disso, ele tem um arsenal de
excelentes frases.
Como chamamos esta nova onda de calvinistas? Uma vez eu os chamei de
“neorreformados”, mas algumas pessoas (verdadeiramente) reformadas me
informaram que esse renascimento do calvinismo não era realmente reformado.
“Como”, um deles perguntou, “alguém pode ser reformado e não acreditar no
batismo infantil e não fazer uso das clássicas confissões reformadas?”. Então alguém
os chamou de “neocalvinistas”, mas um professor amigo meu, especialista nessa área,
me disse que esse termo não funciona, pois ele descrevia os neokuyperianos. Então
outro estudioso apresentou algumas razões sólidas quando disse que os calvinistas
ressurgentes são, na verdade, “neopuritanos”. Então um amigo meu me disse que isso
era uma calúnia, uma vez que, em sua concepção, “puritano” era um termo
depreciativo. Mas qualquer um que conhecer a história dos EUA — principalmente
os fundadores da Massachusetts Bay Company sob os auspícios de John Winthrop —
se pergunta como esse grupo ressurgente pode ser chamado de puritano. Eles não
têm a força necessária para fazer as coisas que os puritanos fizeram. O que eles
fizeram? Tentaram estabelecer uma nação cristã com cidades cristãs, ainda que
comprometidos com a aceitação daqueles que eram diferentes deles, algo que o
tempo provou ser mais do que um desafio para os puritanos primitivos.
Então, porque chamá-los de calvinistas ressurgentes? Precisamos de um
nome ou um rótulo? Sim — penso que sim — pois os homens não podem deixar de
categorizar, rotular e definir, e porque o bom raciocínio exige discernimento e o
discernimento exige nuança. É por isso que precisamos ver o calvinismo ressurgente
como uma espécie de neopuritanismo. A maioria deles é batista ou de igrejas livres,
embora alguns deles sejam líderes mais famosos e vários de seus seguidores façam
parte de grupos históricos reformados.
Então, de quem estamos falando? Isso é razoavelmente óbvio: John Piper,
que sozinho (sobre a generosa plataforma de seu amigo Louie Giglio) tornou o
neopuritanismo atraente; Tim Keller, cuja liderança graciosa e livros temáticos
cativantes ofereceram uma plataforma completa de teologia pastoral; e D. A. Carson,
cujo raciocínio de grande precisão oferece respostas persuasivas na linha de
pensamento neopuritana. Acrescente-se ainda o número de batistas do sul, cujo
calvinismo foi remoldado sob a liderança de Al Mohler, e temos um poderoso
movimento em progresso. Com liderança carismática e pessoas intelectualmente
dotadas como essas, não é de se surpreender que o neopuritanismo se encaixe tão
bem na cena dos EUA, principalmente porque sua abordagem de livre mercado à
religião permite que pastores independentes misturem e combinem sua teologia e
visão eclesiástica com linhas de pensamento semelhantes à neopuritana.
Foi isso que atraiu Austin, e isso é o que continuará a atrair evangélicos
jovens e teologicamente famintos. Existem outras opções, como a M issio Alliance ou
denominações tradicionais, mas a rede The Gospel Coãlition e a conferência
Together fo r the Gospel estabeleceram suas vozes como o centro do neopuritanismo,
ou, caso prefira, do calvinismo ressurgente.
O calvinismo, talvez precisamos nos lembrar, não é novo. Nem seus
problemas são descobertas recentes. Austin Fischer tanto ouviu essas vozes recentes
como também aprendeu a examiná-las cuidadosamente... E percebeu que o conjunto
de tais vozes deixa muito a desejar. Uma das formas que ele expressou isso foi nestas
palavras, “Mas acredito que é melhor dizermos sim à glória de Deus dizendo não ao
calvinismo”. As pessoas envolvidas sabem que essas palavras afligem o cerne da
visão teológica neopuritana.
Eu passei pela experiência que o Austin passou. Como universitário, eu me
apaixonei pela arquitetura do calvinismo. Li um sermão de Spurgeon por dia por
meses a fio, li John Owen, tim-tim por tim-tim, e John Brown sobre Hebreus, e bebi
do vinho do calvinismo até que me embriaguei no melhor sentido da palavra. Amava
o calvinismo — amava suas excelentes linhas de pensamento e penso que o que mais
gostava é que o calvinismo tanto me colocava no meu lugar, quanto colocava Deus
no seu lugar e eu adorava a idéia de que todas as coisas estavam onde deveriam
estar. Até que encontrei passagens na Bíblia que abalaram essa teologia até o âmago.
Estava fascinado por teólogos calvinistas, mas percebi que a exegese não era
cativante. Passagem após passagem me convenceram de que, enquanto no contexto
geral — a glória de Deus na face de Cristo — era tão boa quanto nossa teologia pode
ser, as nuanças mais tênues simplesmente não funcionavam com as estruturas
bíblicas da liberdade do amor de Deus e a resposta humana. Por alguns anos eu
vaguei entre o calvinismo e outras opções, por fim acabei me estabelecendo com o
que às vezes chamo de “anabatismo com sensibilidades anglicanas”. Ainda leio
Calvino, Piper e Edwards, mas com uma hermenêutica de suspeita. Gosto da
arquitetura do sistema calvinista, mesmo que suas mobílias precisem ser jogadas na
pilha do lixo. Gosto da idéia da glória de Deus, mas o amor de Deus é o fim último
— não a glória de Deus.
O que mais aprecio na história do Austin é sua honestidade, suas lutas, sua
confiança, voz clara, moldada por um profundo tom humilde — ele pensava estar
certo, mas aprendeu que a Bíblia conta uma história ainda mais bonita, uma história
que ele abraçou. Gosto da forma que ele a coloca: “Fé, dúvida, humildade e confiança
— esse é o material e substância da teologia na sua melhor forma. Jactância,
presunção e certeza — esse é o material e substância da ideologia no seu pior
estado”. Encontros francos com realidades difíceis despertaram uma humildade
teológica.
Ninguém, ele aprendeu, pode olhar para Auschwitz de frente e não imaginar
como tal ato colossal de maldade bárbara pode se harmonizar com um Deus que
determina todas as coisas. Ninguém, ele também aprendeu, pode ver os prospectos
do inferno no seu sentido tradicional e não se questionar sobre a bondade de Deus
— ou pelo menos perguntar: “Por quê”? E por que Deus criaria tantas pessoas — os
números são aterradores — sabendo que a maioria delas (mais uma vez no sentido
calvinista tradicional) estará no inferno sofrendo eternamente? Em outras palavras,
ele aprendeu que, para sustentar seu calvinismo, precisava acreditar em coisas
realmente terríveis. Conforme Austin diz. “E foi isso o que aconteceu comigo no
cerne do buraco negro da deidade autoglorificadora: as luzes apagaram e eu fiquei
sentado no escuro em um universo absurdo com uma deidade enigmática de poder
nu”.
E aquele Deus, ele concluiu, não era o Deus da Bíblia. Este livro conta sua
história e eu espero que você o leia, e espero que reúna um grupo de amigos para
que possam ler o livro juntos. Fale do livro e faça-se esta pergunta. “Qual é a melhor
visão de Deus?” Ou “O Deus calvinista é o Deus da Bíblia?” Ou, melhor ainda. “O
Deus calvinista é o Deus que descobrimos quando contemplamos o rosto de Jesus, a
encarnação de Deus?” Austin apresenta suas respostas a essas indagações numa
época em que muitos precisam começar a respondê-las também.
ScotMcKnight
Professor de Novo Testamento
Northern Seminary
Agradecimentos
Allison, Pai, Mãe, Adam Marilyn, Mikey, Da, e Pop — quem quer uma
família perfeita quando se tem uma família que o ama?
Belinda, Austin, e Nanny — a família que eu não sabia que estava sentindo
falta.
Joel — mentor, amigo e parceiro de treinamento teológico na mais saudável
das formas.
Roger Olson — um professor brilhante, mas uma pessoa ainda mais
generosa, e nós dois sabemos que este livro não se concretizaria sem sua ajuda.
Nate Hansen — suas sugestões literárias deixaram este livro muito melhor.
Amigos — desculpem-me por fazer vocês escutarem todas estas coisas
durante os anos, mas obrigado por me escutarem e me encorajarem e, talvez agora,
eu pare de falar sobre isso.
Introdução
Buracos Negros
Gravidade
Quando uma grande estrela morre, algo incrível acontece1. Sua própria
gravidade a esmaga até que ela se torne um pequeno núcleo de densidade
inimaginável — a matéria se comprimiu de uma forma tão intensa que as leis
conhecidas da física deixam de existir. A estrela morta agora possui uma força
gravitacional tão forte que nada, nem mesmo a luz, pode escapar. E é nesse ponto
que a estrela morta se torna um buraco negro e tudo que estiver ao seu alcance é
arrastado até seu centro. Ela pode engolir planetas, estrelas e até mesmo outros
buracos negros. Chegue muito perto e ganhará uma passagem só de ida em uma
jornada ao centro do buraco negro. Sua gravidade é irresistível.
A gravidade é parte integral da vida humana. Não demora muito para que
aprendamos que o que sobe deve descer. E não é como se alguém precisasse pôr em
aplicação a gravidade— ela simplesmente é; uma força física a ser aceita e não
dominada. A gravidade também é uma força espiritual no sentido de que nós,
humanos, nos encontramos atraídos a coisas além de nosso controle. Estamos
constantemente sendo sugados por certas coisas — um trabalho, uma pessoa, um
hobby, um vício. Mas claro, se você realmente colocar a gravidade espiritual sob o
microscópio, verá que a coisa para qual estamos sendo sugados somos nós mesmos.
Somos buracos negros — ambulantes, buracos falantes de narcisismo e
autopiedade, saqueando o mundo ao nosso redor na desesperada tentativa de
preencher o vazio dentro de nós. A menos que algo seja feito, você passará o restante
de sua existência como um buraco negro humano, eternamente se implodindo em
um trágico esforço de preservar seu ser. Isso é má notícia.
‘Para uma boa explicação de como os buracos negros se formam, vide Stephen Hawking, Black Holes and
Baby Universes and Other Essays (Nova Iorque, NY: Bantam, 1993), 103—104.
11
Mas os cristãos acreditam que existe uma boa nova que é melhor que a má
notícia. Acreditamos que algo precisa ser feito — que através da encarnação,
crucificação e ressurreição de Jesus Cristo, Deus fez para nós o que nós mesmos não
poderíamos fazer. Já não mais precisamos viver debaixo da gravidade devastadora
do ser, pois onde o pecado e o egoísmo abundaram, a graça agora superabunda. Isso
certamente é boa nova, mas...
Neocalvinismo propriamente dito é uma ala holandesa do calvinismo associada a Abraham Kuyper. Aqui
eu estou utilizando o termo para se referir ao calvinismo rígido federal de Jonathan Edwards, conforme
popularizado por pessoas como John Piper, Mark Driscoll, Al Mohler, etc. O termo foi utilizado dessa
maneira em um artigo da revista Time (12 de março de 2009),e parece que pegou. Como tal, eu o estou
utilizando para delinear o movimento do neocalvinismo relatado na obra de Collin Hansen, Young, Restless,
and Reformed (Wheaton, IL: Crossway, 2008), embora reconheça que algumas pessoas preferem chamá-lo
de outras coisas (por exemplo, neopuritanismo).
Mas entendido corretamente, ela oferece a maior esperança para a igreja incansável.
Diferente do calvinismo, ela não substitui o buraco negro do ser humano pelo
buraco negro da deidade, transformando tanto Deus quanto a Bíblia em algo
impossível (mais informações sobre isso adiante); todavia, ela realmente oferece um
Deus infinitamente glorioso, um Messias crucificado, e um chamado cruciforme
para seguir a Jesus.
Sinceridade Egoísta
Essas são minhas convicções e todos com convicções enfrentam um dilema, você
prefere ser convincente ou honesto? É mais importante buscar que as pessoas
concordem com você ou apresentar honestamente o melhor das opções dignas?
Embora certamente eu tenha tentado ser convincente, penso que a verdade
é melhor servida quando somos honestos, e por isso tentei ser honesto. E a melhor
forma que encontrei de ser honesto foi contando a minha história, uma jornada de
conversão e desconversão do calvinismo. Como Chesterton uma vez disse, às vezes é
preciso ser egoísta caso queira ser sincero3.
Ao me lembrar disso, algo ficou claro, teologia e biografia andam juntas4.
Tentamos entender Deus enquanto tentamos entender nossas próprias histórias,
nossas próprias vidas. Como tal, a teologia é feita para participantes, não para
espectadores. Escrevo como participante e não como espectador no anseio de que
isso o ajudará a se tornar um participante melhor em sua própria jornada teológica,
onde quer que ela o leve. Ditas essas coisas, que a jornada inicie. Mas ela não pode
começar sem dois pequenos desvios de curso.
Jovem e Incansável
Conheci o calvinismo em um encontro às cegas com John Piper — acho melhor
explicar isso.
Estava no segundo grau e tinha aquele desejo por “mais", e se estiver lendo
este livro você provavelmente sabe do que estou falando. Queria mais da fé, mais da
vida, mais de Deus e tinha aquele sentimento de que Deus queria mais de mim. Era
jovem e incansável, então o pastor de jovens me recomendou que eu lesse Em Busca
de Deus, do John Piper e se prontificou a discutir o livro comigo.
16
A leitura dó livro me trouxe mais indagações do que epifanias, mas o que eu
realmente entendi despertou algo. ele estava começando a tocar em meu desejo por
“mais”. Deus não se importa se viverei ou não o sonho americano, se terei ascendido
socialmente, se gozarei férias confortáveis em Hamptons ou se terei uma pensão
gorda para poder relaxar quando me aposentar. E embora estejamos ocupados e
imersos nisso tudo, Deus não é meu coach pessoal de autoestima cujo único objetivo
na vida é colocar talquinho em meu bumbum e me dizer o quanto eu sou especial.
Meu conforto e autoestima não são prioridades de Deus. Deus se importa com Deus
e quer que eu ifte iitiporte com Deus.
Tudo isso é resumido por uma curta expressão que é o impulso que dá vida
ao neocalvinismo5. tudo tem a ver com a glória de Deus. Tudo no sentido de todas as
coisas. Conforme diz a máximas A principal meta de Deus é glorificar a Deus e gozar
expor e ihagnificar sua glória para sempre*’6. £ se não gostarmos disto, se acharmos
que isso soa egocêntrico oú autoeentrádo, então fária ntuito bem nos lembrarmos
que quando você é Deus, é certo ser um buraco negro narcisista. Na verdade, não
apenas é certó como também é bom e gracioso, pdis o qúe os humanos mais
precisam é mais de Deus, não mais autoestima oü contemplação do umbigo. Dessa
forma, Piper faz a seguinte pergunta enfática. “Você se sente mais amado por Deus
porque ele faz muito de você ou porque ele o liberta para gozar fazendo muito dele
para sempre? ”7. Isso dói um pouco, mas de uma maneira boa, e fica ainda melhor.
Piper também ensina o “hedonismo cristão”. A humanidade foi criada para
o prazer e o que nos traz prazer supremo é adoração e culto à única coisa em toda
existência que é de infinito valor. Deus. Em outras palavras, a auto exaltação de
Deus e hossa alegria não são buscas opostas, mas estão entrelaçadas em perfeita
simetriá. Deus é mais glorificado em nós quando nós estamos mais satisfeitos nele8.
Viver a vida para a glória de Deus é a coisa mais prazerosa, empolgante e irresistível
que você pode fazer com a passageira existência que recebeu na terra.
5Vide nota de rodapé na introdução para a explicação de meu uso do termo “neocalvinismo”.
6John Piper, “Why God is Not a Megalomaniac in Demanding to Be Worshipped,” acesso dia 30 de julho
de 2012, www.desiringgod.org/resource-library/conference-messages/why-god-is-not-a-megalomaniac-in-
demanding-to-be-worshiped.
7John Piper, The Pleasures o f God: Meditations on G od’s Delight in Being God (Sisters, OR: Multnomah,
2000), 11.
8 Para saber mais sobre o hedonismo cristão, leia a seguinte obra de John Piper, The Dangerous Duty o f
Delight (Sisters, OR: Multnomah, 2001).
E eu mencionei que a Bíblia fala muito sobre a autoglorificação de Deus?9
Deus Morre
Então quando cheguei ao final do meu encontro às cegas com o calvinismo, tudo o
que sabia havia sido questionado — minha fé, minha teologia, meu modo de vida. E,
ao mesmo tempo que tinha odiado isso, eu tinha amado.
Qualquer um que tenha passado por uma desconstrução teológica conhece
a sensação. Suas mais profundas e mais estimadas (ou talvez mais supostas) visões de
Deus e do eu foram cutucadas e espetadas e embora você desesperadamente busque
tapar todos os buracos, há o perturbante senso de que talvez essa visão simplesmente
precisa morrer. Talvez esse deus precise de sete palmos de terra jogado sobre ele, de
maneira que algo mais próximo ao verdadeiro Deus possa sair andando do túmulo.
Sabia que meu deus precisava morrer. Sabia que estava imerso no
cristianismo que tinha pouco a ver com Jesus e com muito a ver comigo — meu
conforto, minha segurança, minhas coisas, minha consciência apaziguada, minha
mansão no céu. Sabia que precisava de um Deus novo e estava confiante que John
Piper estivesse me apresentando esse Deus. Mas também sabia que antes que pudesse
assinar o documento de endosso do calvinismo, eu precisaria aceitar as graves e
duras conseqüências desse sistema.
t f . 1:5-6, Sl. 19:1, Is. 43:25,48:11,49:3, Jr. 13:11, João 12:27-28, Hb. 2:14, Ap. 21:23.
18
pergunta difícil para mim. Como isso era justo? Como era justo para Deus escolher
salvar alguns e então enviar todas as demais pessoas para o inferno? Eu devia ter
previsto a resposta, você não quer justiça. Justiça significa receber o que merecemos
e o que merecemos é o inferno. Justiça - inferno. Bem, isso parece ser justo, eu acho.
Mas claro, a questão é um pouco mais complexa do que isso. Pois talvez nós
não queiramos o que é justo tanto quanto queremos o amor. Em outras palavras,
talvez nosso problema com a idéia de que Deus tenha incondicionalmente
predeterminado quem salvar e quem condenar seja que ela não parece amorosa, e a
Bíblia certamente nos diz que Deus é amor10. Além disso, se Deus determinou tudo,
Deus também não determinou os pecados pelos quais ele enviará as pessoas para o
inferno? Deus não se certificou de que as pessoas cometerão os pecados pelos quais
depois que ele as julgará? Se é assim, então como isso pode ser justo? E há ainda a
pergunta que une questões de amor e justiça, de que maneira Deus é bom? Se —
antes da criação de um único ser humano — Deus escolheu enviar pessoas para o
inferno pelos pecados que ele ordenou que as pessoas cometeriam, como é que ele é
bom? Se essa pergunta não conseguir fazê-lo contar um enorme rebanho de
cameirinhos em uma noite de insônia, então eu não sei o que mais consegue.
Mistério e Transcendência
Na busca por respostas, tomei conhecimento de dois termos que se tornaram
comuns em meu pensamento e vocabulário, mistério e transcendência. Você
conhece o versículo. “‘Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos,
nem os vossos caminhos os meus caminhos’, diz o Senhor. ‘Porque assim como os
céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os
vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos
pensamentos’”11.
O problema com a teologia é que são humanos que a estão fazendo.
Criaturas finitas, frágeis e caídas estão tentando entender o Criador. Tal ação está
propensa a resultar em erros e hilaridade. Conforme Frederick Buechner diz.
“Teologia é o estudo de Deus e de seus caminhos. Pelo que sabemos, besouros podem
estudar a nós e nossos caminhos e chamar tal área de humanologia. Se assim fosse.
Cerne
Quando você chega ao cerne da questão, este é o mistério que o aguarda. Como
Deus é amoroso, justo ou bom quando ele envia pessoas para o inferno pelos
pecados que ele ordenou que tais pessoás cometessem? Apesar de haver incontáveis
tentativas de explicar esse dilema, as respostas mais responsáveis, por fim, se rendem
ao mistério. Não podemos saber exatamente como Deus é amoroso, justo ou bom à
luz de sua eleição de alguns e não eleição de outros. Mas podemos saber que Deus é
completamente soberano sobre sua criação, é a realidade toda-determinante,
considera-nos responsáveis por nossos pecados e faz tudo para sua própria glória14.
E é nisso que se resume toda a questão, você está disposto a viver com esse
mistério? /
Vai aceitar a idéia de que você e eu e todo mundo que já viveu será enviado
à felicidade eterna ou perdição eterna com base em uma decisão incondicional e
15Sei que a coisa não é tão simples assim, mas já é um bom ponto de partida.
l6John Piper, “An Interview with John Piper,” eds. Piper e Taylor, O Sofrimento e a Soberania de Deus,
220 - 2 1 .
que a passagem esteja afirmando a eleição incondicional e a predestinação — assim
como defendendo a justiça de Deus em ambas — então você se enganando. E para
mim. não era apenas possível — era provável, talvez até mesmo certo. Eu era jovem,
incansável e agora eu era reformado17.
17 Eu estou utilizando os termos reformado e calvinismo aqui como sinônimos, embora eles não sejam
necessariamente sinônimos. Na verdade, eu sei que tal uso causará grande contusão nessa obra. Eu peço
perdão. E principalmente uma decisão retórica uma vez que os termos passaram a ser vistos como
sinônimos no evangelicalismo estadunidense atual. Como evangélico protestante, eu me considero
reformado em certo sentido, mas reconheço que o termo agora está carregado de pressuposições teológicas
calvinistas.
Raízes de Certeza, Sementes de Dúvida
Sagitário A#
No centro da galáxia Via Láctea há uma agitação de energia e moção. Estrelas
implodindo, ventos solares causticantes. gases rodopiando — um turbilhão de luz e
calor. E, todavia, bem no âmago do centro de nossa galáxia, em uma região chamada
Sagitário A*, as luzes se apagam. Uma entidade escura lá reside. Imune ao caos
circundante, ela faz girar essas estrelas, ventos e gases. Bem no âmago do centro da
galáxia há um buraco negro supermassivo, mantendo a ordem galáctica, enquanto
tenta sugar bilhões de estrelas e planetas para seu núcleo18.
Uma vez que aceitei as conseqüências e disse sim ao calvinismo, coloquei
minha prévia fé caótica em ordem. A glória de Deus era o Sagitário A* e todas as
demais coisas giravam e torno dele. Mas o que, exatamente, isso significa? O que
queremos dizer quando dizemos, “Tudo tem a ver com a glória de Deus?” E o que
acontece com todas as demais coisas quando tudo tem a ver com a glória de Deus? A
curiosidade me tomou e me encontrei avançando cada vez mais para o
supermassivo buraco negro.
l8Se o interessar, leia a obra de Fulvio Melia The Black Hole at the Center o f Our Galaxy (Princeton, NJ:
Princeton University Press, 2003).
191 Tm. 2:4,2 Pe. 3:9.
20 Só para constar, eu amo a minha sogra.
21 Ap. 20:11-15, Jd. 1:3-13, Mt. 25:31-*6.
22Vide Gregory McDonald, The Evangelical Universalist, 2“ ed. (Eugene, OR: Cascade, 2012).
quer que todos sejam salvos, mas nem todos serão salvos. Deus, em certo sentido, não
conseguirá o que quer.
Estamos acostumados a não conseguir o que queremos. Não conseguir o
que você quer faz parte de ser humano. Mas como Deus pode querer algo e não
conseguir tal coisa? Bem, Deus deve querer algo mais do que quer que todos sejam
salvos. E, mais uma vez, não há muito o que discutir sobre isso. O argumento vem à
tona quando tentamos explicar o que Deus mais quer do que a salvação de todas as
pessoas. Existem, de fato, apenas duas respostas.
Para o teísmo do livre-arbítrio, a resposta é relacionamento amoroso e
recíproco. Em outras palavras, Deus escolhe não salvar porque isso minimizaria
nossa habilidade de livremente aceitar e corresponder o amor de Deus. Portanto, se
Deus nos “forçasse" à salvação a nossa existência seria completamente redundante,
pois se Deus quisesse estar eternamente rodeado por pessoas incapazes de genuína
relacionalidade, pode-se supor que ele teria parado de criar no quinto dia.
Mas qual é a resposta que o calvinismo oferece? Se o amor livremente
aceito e correspondido não importa para Deus e Deus quer que todos sejam salvos,
por que Deus não salva a todos? Para responder isso, precisamos falar sobre a razão
pela qual Deus criou o mundo.
23Jonathan Edwards, The End fo r Which God Created the World, citado por John Piper, G od’s Passion fo r
His Glory (Wheaton, IL: Crossway, 2006), 151.
A glória de Deus é a multifacetada grandeza e bondade de quem Deus é.
Amor, justiça, misericórdia, ira, poder, compaixão — junte tudo isso e você chega à
glória. Mas, sem uma criação, algumas dessas coisas jamais seriam expressadas.
Como Deus poderia mostrar misericórdia ou justiça se tudo o que existisse fosse
Deus? O Filho mostrando misericórdia ao Espírito por... ser perfeito?
Assim, Deus cria para exercitar seus músculos de glória, para permitir a
plena manifestação de tudo o que ele é; isto é. a finalidade última para qual Deus
criou o mundo foi para exibir o pleno escopo de sua glória. Então, por que Deus não
salva todas as pessoas? Porque apesar de Deus querer salvar a todos, o que Deus
mais quer é exibir a plenitude de sua glória. Como tal, Deus ordena a eterna
condenação dos humanos que ele também quer salvar, pois ele quer mais exibir sua
ira e justiça, do que salvar a humanidade. No fundo, Deus valoriza sua
autoglorificação acima da salvação dos homens. Tudo tem a ver com a glória de
Deus— ou seja, tudo gira em torno do supermassivo buraco negro do desejo de Deus
de mostrar o que é ser Deus.
24 Bem, talvez haverá cavalos no céu, mas não porque os queremos lá.
Anne Lamott (citando seu velho amigo Tom), Bird by Bird: Some Instructions on Writing and Life (Nova
Iorque: Anchor, 1995), 21.
Claro, poucos, se é que alguém, conscientemente, fariam tal coisa; antes, nós
fazemos isso de forma subconsciente e instintiva. Como pequenos buracos negros
ambulantes, nosso instinto mais forte é a autopreservação, e qual melhor forma de
preservar o eu do que criar um “Deus” que divinamente autorizará nossos instintos
de preservação? É por isso —se analisarmos bem — que veremos que a maioria de
nós transfere mais nossas características para “Deus”, do que Deus transfere suas
características para nós.
E isso é o que a teologia centrada no homem faz. ela cria Deus à nossa
própria imagem. E ao passo que minhas raízes reformadas estavam se
aprofundando, comecei a suspeitar que aquela teologia era a culpada por trás de
quaisquer e todas as rejeições do calvinismo e de seu Deus que glorifica a si mesmo.
Conforme dito anteriormente, se não parece amável ou justo para Deus o punir
eternamente pelos pecados que ele ordenou que você cometesse, isso é porque você
está tratando Deus como um humano. Você está se esquecendo de que o amor, a
justiça e a bondade de Deus eclipsam seu débil e fraco entendimento de tais coisas.
Você pode desejar que Deus ame da maneira que pensa que ele deveria amar, mas
seu querer não torna isso verdade. Você pode desejar que Deus esteja mais
preocupado com sua glória, e não a dele, mas a Escritura ensina que ele não está.
Dois Bilis
Bill O’Reilly e Bill Maher são a desgraça da existência de muitas pessoas — e
provavelmente um é a desgraça da existência do outro. Ambos apresentam talk
shows políticos populares, o programa do O’Reilly é conservador; o do Maher é
liberal. Ambos também são muito persuasivos e bem ofensivos. Escute um deles por
um tempo e eles dirão algo que você odeia, mas que você não consegue deixar de
concordar, mas ainda assim quer brigar com eles, pois eles o fazem lembrar de um
erro que cometeu.
O calvinismo tende a deixar sua humanidade bem patente. E ele é ofensivo,
e desagradável, e o faz querer entrar no De Lorean26, programar a data para 1750,
ir a toda velocidade, e então arrancar a peruca de Jônatas Edwards, e falar umas
poucas e boas para ele. Mas, na análise final, o calvinismo desmarcara a sua
humanidade porque ele acredita que a Bíblia também a desmascara.
:<’Se você não sabe ou conhece o que é De Lorean, largue o livro e vá assistir ao filme De Volta para o
Futuro.
Fui lembrado de minhas falhas, e as aceitei, eu já não queria mais discutir
com Jônatas Edwards, e o doloroso processo de desconstrução e construção estava
completo. Eu tinha um novo Deus, o Deus bíblico. Eu tinha Deus.
O Abismo da Transcendência
Só que jamais tem os Deus.
E não importa o quanto estejamos certos de termos Deus, nós certamente
não podemos estar certos que, de fato, é Deus que temos. Certamente não é possível
quando o finito está colidindo com o infinito. Não é possível quando uma pessoa está
tentando conhecer outra pessoa. Se quiser tratar Deus como Deus e, nesse sentido,
como um Deus pessoal, você precisa abrir mão da certeza.
Mas por acaso isso não nos deixa na névoa do ceticismo, flutuando no
espaço vazio sem uma âncora? Em uma palavra, não. Existe uma grande distância
entre ceticismo e confiança, e uma distância igualmente grande entre confiança e
certeza. Deus nos ajuda a atravessar a ponte entre o ceticismo e a confiança, mas ele
não parece particularmente preocupado em nos construir uma ponte entre a
confiança e a certeza. Devido à natureza do relacionamento divino/humano, a
distância entre confiança e certeza é um abismo intransponível.E o abismo da
transcendência, e a transcendência é uma ofensa para todos igualmente, todos são
lembrados de suas fraquezas. O abismo da transcendência significa que sempre
haverá sementes de dúvida para minimizar nossas raízes de certeza, e que isso não é
engraçado. Porém, ainda mais importante, significa que Deus sempre terá espaço
para nos surpreender, para ser quem ele é, e não quem ele deve(ria) ser. E quando
Deus tem espaço para ser Deus, você nunca sabe onde pode parar.
Um Problema Infernal
(A Menina do Casaco Vermelho)
Procurando Soluções Milagrosas
A humanidade adora soluções milagrosas, soluções rápidas, diretas e indisputáveis
para problemas complexos. Como cuidamos dos pobres em nosso país? Eleja um
democrata. Como salvamos mais casamentos? Façam com que as mulheres
respeitem seus maridos. Como podemos ter certeza de que Deus existe? Todos os
homens compartilham absolutos morais. O que mais precisa ser dito? Na verdade,
muita coisa.
Todos estão buscando soluções milagrosas porque elas simplificam as
coisas. Diluem questões complicadas em silogismos banais. Retiram-nos a
responsabilidade, oferecendo-nos paz sem luta, segurança sem risco, tranqüilidade
sem caos. Os cristãos são particularmente suscetíveis à febre das soluções
milagrosas. Somos como mercenários das soluções milagrosas, esquadrinhando a
Bíblia em busca delas para que possamos encontrá-las, pegá-las e utilizá-las contra
todas as opiniões e crenças contrárias, resolvendo a questão.
Mas o problema com soluções milagrosas é que elas não existem. São uma
miragem, uma oferta de vitória conquistada muito facilmente. E quando se trata de
debate sobre calvinismo e teísmo de livre-arbítrio não existem soluções milagrosas,
quer sejam bíblicas, teológicas ou filosóficas. Se houvesse, poderia supor-se que o
debate já teria sido resolvido há muito tempo.
Grandes mudanças geralmente têm inícios pouco auspiciosos. Algo
acontece, algo é dito, algo enraíza, e uma pequena, minúscula semente é semeada.
Nessa semente estão os primórdios da conversão, as fundações para uma nova casa,
uma rota diferente de pensamento, ação e ser. Mas essa conversão só acontecerá
vagarosamente, a emergência gradual de um broto verde aparecendo sobre o chão
pedregoso. Eu havia relutado jn me converter ao calvinismo, mas agora estava
fortemente influenciado por sua atração. Qualquer passo para longe do calvinismo
não aconteceria facilmente.
Introdução à Teologia
Quem é Deus?
Como você sabe?
Da perspectiva cristã, essas são as indagações da existência humana. Todas as
outras perguntas feitas e respostas dadas, no fim, retornam a essas duas, pois em
cada resposta, a cada pergunta há uma alegação implícita: “Este é quem Deus é e
desta maneira que eu sei”. Portanto, quem é Deus e como você sabe?
Ainda me recordo de meu primeiro encontro com essas perguntas. Eu era
calouro precoce na faculdade, com ênfase nos estudos de teologia (uma combinação
volátil), e, graças a pessoas como a santa trindade dos “Johns” — Calvin, Edwards e
Piper 'eu cheguei à faculdade bem seguro de que tinha as respostas. Deus era a
realidade toda-determinante e toda-glorificadora que fazia tudo para sua glória, e
eü sabia disso, pois a Bíblia me dizia isso. Já posso pegar meu diploma?
Mas uma das melhores coisas da faculdade (ou de simplesmente ler um livro!)
é que você é forçado a conversar com pessoas qüe são, francamente, mais
inteligentes que voce. Elas leram mais, experimentaram mais, pensaram mais,
refletiram mais, e oraram mais. Você pode. contudo, discordar delas, mas você já não
pode mais viver sob a ilusão de que as posições delas são facilmente descartadas. E
durante meu primeiro ano de faculdade um professor em particular era um espinho
irritante em meu lado calvinista.
Algumas pessoas dizem que os melhores professores não nos dão as respostas
certas tanto qüahto nos ensinam a fazer as perguntas certas, pois até fazermos as
perguntas certas nós certamente não podemos chegar às respostas certas. E após
uma partida de tênis teológico e bíblico de um ano, meu professor, por fim, deu uma
Cortada, e a bola ficou em minha quadra, recusando-se a retomar à quadra do
adversário. Mas não era como se eu jamais tivesse pensado sobre o assunto ou visto
aquilo antes. Era que agora aquilo estava impiedosamente exposto, de sorte que eu
podia ver a coisa pelo o que ela era, e eu precisava admitir...era um problema
infernal.
Auschwitz e o Mal
Freqüentemente se diz que a teologia de uma pessoa não é sustentável a menos que
possa ser pregada nos portões de Auschwitz. Portanto, se não tiver estômago para
compartilhar o que você acredita acerca de Deus aos homens, mulheres e crianças
29
judeus, cujos olhares estão fixos nos canos da arma de extermínio nas mãos de um
mal personificado, então, é melhor você buscar algumas alternativas. Tudo isso para
dizer que o problema apresentado pelos males, tais como o holocausto e incontáveis
outros, é uma repulsiva escuridão rodeando e comumente satirizando nossas mais
valorizadas crenças acerca de Deus. Deus é totalmente bom e totalmente poderoso e,
ainda assim, o mal, o mal horrendo, existe. O que está errado?
Para lidar com o problema, tanto o calvinismo quanto o teísmo do livre-arbítrio
empregam argumentos do bem maior: isto é. Deus permite (teísmo do livre-arbítrio)
ou ordena (calvinismo) o mal para o bem maior. Conforme aludido previamente, no
teísmo do livre-arbítrio Deus permite o mal porque ele é uma possibilidade
inevitável em um mundo constituído por seres livres. Se Deus quiser alcançar o
aparentemente bem maior de relacionamentos recíprocos e amorosos com suas
criaturas, então o mal é algo que Deus deve permitir (mais sobre essa adiante).
Claro, no calvinismo, Deus ordena o mal para a plena manifestação de sua glória.
Mais uma vez fazendo uso de Jonathan Edwards.
De acordo com Edwards, Deus ordena o mal de maneira que possa manifestar
sua santidade ao julgar o mal, e manifestar sua graça ao perdoar o mal, e isso é bom,
pois permite que contemplemos a plenitude da glória de Deus.
E em minha opinião, tanto as explicações do teísmo do livre-arbítrio quanto as
do calvinismo são sustentáveis. Embora eu duvide que eu ficaria confortável em
fazer qualquer tipo de pregação nos portões de Auschwitz, alguém poderia defender
ambas visões como respostas coerentes ao problema do mal. No que diz respeito à
27Jonathan Edwards, citado por John Piper em “Is God Less Glorious Because He Ordained That Evil B e?’,
acesso dia 20 de junho de 2012, www.desiringgod.org/resource-librarv/conference-messages/is-god-less-
elorious-hecause-he-ordained-that-evil-be.
resposta calvinista, muitos encontram muito consolo na crença de que os males que
sofrem lhe foram afligidos por Deus de sorte que pudessem aprender a se apegar a
Deus de forma jamais experimentada antes. A história está repleta de vidas de
pessoas que tiveram ultrajantes males perpetrado contra elas — estupro, mutilação,
tortura, assassinato — e, todavia, elas fielmente acreditaram que era Deus quem, no
final, havia feito tais coisas a elas, e que Deus ainda era bondoso ao agir assim.
Inferno
Pouquíssimas almas são corajosas o bastante para permitir que suas mentes parem e
pensem nos horrores do lugar que chamamos “inferno”. Ele tem sido considerado,
Stephen Saint, “Sovereignty, Suffering, and the Work o f Missions,” eds. Piper e Taylor, O Sofrimento e a
Soberania de Deus, 118.
29Ibid., 120.
pela maior parte da história cristã, um lugar de tormento eterno, um lugar onde há
incessante ranger de dentes em agonia, um lugar onde o lamento sem fim oprime os
ouvidos, onde o fogo jamais se extingue e o verme jamais morre. É um lugar onde as
linhas entre a existência e a não existência se confundem, como pequenos buracos
negros que se autodestroem.
Alguns pensam ser um lugar complemente ausente da presença de Deus,
enquanto outros pensam ser ele cheio da severa ira de Deus. Com diferentes níveis
de sucesso, alguns chegaram a amenizar essa imagem do inferno. Alguns afirmam o
aniquilacionismo. a crença de que Deus sintplesmente extinguirá a existência de
todos os que estiverem no inferno.
Mas não importa o qUanto seja atenuado, o inferno é o que é, um destino
tão sinistro e medonho que a mente humana não consegue suportar o peso de seu
terror, e nada mais— nem estupro, nem tortura, nem assassinato, nem infanticídio,
nem Auschwitz — é tão alarmante quanto ele. E como calvinista, eu achava que o
inferno me deixava com muitas explicações a dar.
Os Réprobos
Osréprobos.
Esse é o termo técnico utilizado para descrever aqueles humanos que, de
acordo com o calvinismo, foram incondicionalmente predestinados ao inferno.
Dizendo de maneira diferente, os réprobos sãos os humanos que, antes de existirem,
foram escolhidos por Deus para passar a eternidade no inferno. E, para ser claro, os
réprobos passarão a eternidade no inferno pelos pecados que Deus ordenou que eles
cometessem. Em resumo, portanto, os réprobos são os humanos que experimentarão
um destino espantoso além da compreensão (o inferno), ao passo que são punidos
por Deus pelos pecados que ele ordenou, antes mesmo de nascerem, que eles
cometeriam — eles foram criados a fim de serem condenados. Se você não tremer
um pouco com essa idéia, você não é de carne.
Alguns calvinistas acham essa idéia repulsiva, e tentam chamá-la de calvinismo
extremado, mas, embora eu aprecie o sentimento, não acho que ele seja tão extrerrtò
quanto penso ser ele consistente. Isso é o que qualquer calvinista deveria crer se
aderir à noção de que Deus é a realidade toda-determinante (um elemento
fundamental do calvinismo). Você não pode defender duas posições auto
excludentes ao mesmo tempo. Se Deus é a realidade toda-determinante, então “toda
32
significa “toda”, e aqueles no inferno estão lá porque Deus tornou certos que eles
estariam lá30. Eu também observaria que Calvino, Edwards e Piper defendem essa
noção, insistindo que as pessoas que se esquivam disso estão sendo covardes31.
Isso nos traz de volta à pregação do calvinismo nos portões do inferno.
30 Existe muito malabarismo lingüístico utilizado para explicar a natureza da ordenação de Deus da
condenação dos réprobos. Alguns calvinistas preferem dizer que Deus simplesmente “ignora” o réprobo —
ele não escolhe ativamente sua condenação. Mas essa é uma distinção sem diferença. Independentemente
de como ela é dita, o calvinismo deve afirmar que toda e cada pessoa no inferno está lá porque Deus tomou
certo que ela estaria ali.
31João Calvino, Institutes o f the Christian Religion, Library o f Christian Classics vols. 20-21, ed. John T.
McNiell, trans. Ford Lewis Battles (Philadelphia: Westminster, 1959), 3.24.17 (985). Jônatas Edwards,
“Concerning the Divine Decrees in General and Election in Particular” ’ em ed. Edward Hickman, The
Works o f Jonathan Edwards Volume II, (Carlisle, PN: Banner o f Truth Trust, 1974), 525-43. Piper, The
Pleasures o f God, 313-340. Para uma ótima discussão sobre como o calvinismo necessita, em termos
lógicos, da dupla predestinação, vide Roger Olson, Contra o Calvinismo (São Paulo: Reflexão, 2013), 164-
173.
32 Apocalipse 21.4.
para com os outros. Eu vi alguém cantando a graça de Deus, a despeito dos gritos
dos réprobos. E por mais que eu tentasse, eu já não mais conseguia abafar seus
gemidos.
Quando, no passado, eu era encurralado dessa forma, eu apelava ao mistério, a
transcendência, e a Bíblia, mas quando eu recorri a eles,eles começaram a se revelar.
33Ou em termos filosóficos, a bondade de Deus não deve ser unívoca, mas também não pode ser ambígua.
Ela deve ser análoga.
34Piper, The Pleasures o f God, 336-337.
minha mulher de uma maneira especial que vai muito além de meu amor por todas
as outras mulheres. Assim é o amor de Deus pelos eleitos e os réprobos. Ele ama a
todas as pessoas, mas ele não as ama de maneira igual”.
Eu realmente queria que a analogia funcionasse, mas ao invés de aliviar minha
ansiedade, ela simplesmente dobrou o peso esmagador que estava sentido. O amor
de Deus não era apenas diferente do nosso. Não era simplesmente uma forma “mais
elevada” de amor. Não era somente misterioso e transcendente. Pelo contrário — até
onde podia ver —,ele era exata e completam ente oposto ao nosso conceito de amor.
O que Deus chamava de amor, nós chamávamos de ódio, e não tinha como sair
disso. De volta à analogia do casamento...
Ela parece funcionar porque quando um homem lhe diz que ele ama a esposa
dele de maneira especial, mas ama todas as mulheres de outra maneira, você (no
mínimo) presume que o amor dele por todas as outras mulheres inclui um desejo
genuíno pela sua saúde e bem-estar. Esperamos que ele seja gentil e as ajude. E
certamente esperamos que ele evite algum tipo ou todos os tipos de dor terrível e
sofrimento, caso seja possível. Mas essa é uma maneira excessivamente enganosa de
se falar do “amor” de Deus pelos réprobos, pois longe de ajudá-los a evitar a dor e o
sofrimento, ele traz a mais terrível dor e sofrimento sobre eles (o inferno).
Como tal, seria mais verdadeiro dizer algo mais ou menos nestas linhas. “Eu
amo minha esposa sendo gentil, compassivo e sacrificial para com ela, mas eu amo
todas as outras mulheres infligindo sobre elas algo bem pior que o estupro, a tortura
e o assassinato — eu ordeno a condenação delas ao inferno”. Eu posso entender por
que o pastor não disse exatamente assim, mas gostem ou não, esse parece ser a
estranha forma do “amor” de Deus pelos réprobos.
35 Para apenas alguns, dentro de centenas de exemplos, vide Ex. 22:21-27, Zc. 7:8-14, Am. 2:6-8, Is. 58:5-
10, Lc. 16:19-31.
tem permissão para desviar seu olhar da questão. Você não pode tratar os réprobos
como um detalhe da escatologia que não precisa ser lidado, pois Deus nos ensina a
prestar m uita atenção em pessoas como essas. Se você quer ser calvinista. você não
pode se esquecer dos réprobos, e que vergonhoso será da sua parte se você esquecê-
los.
Enfrentei meu desejo de me esquivar dos réprobos, e me forcei a ouvir seus
clamores. Eu me forcei a lembrar da garotinha no casaco vermelho e reconciliar o
fato de como um Deus bom pode criá-la a fim de condená-la.
Apoiando-se em Futilidades
Para aqueles que podem objetar dizendo que isso está indo longe demais, eu só posso
discordar e confessar que me pareceu que o calvinismo me forçou a chamar
algumas coisas de “boas” quando elas só poderiam ser consideradas as atrocidades
morais imagináveis mais repugnantes, perpetradas pelo próprio Criador. Eu estava,
repetidas vezes, me apoiando em futilidades, oferecendo analogias vazias sobre o
que eu queria dizer quando chamava Deus de “bom”, enquanto ele fazia algo tão
(aparentemente) repreensível, que meu vocabulário lutava para descrever tal ação.
E o ponto é este, não existem analogias aqui, nada de “bem, é mais ou menos
assim”, nenhuma estrutura de referência, seja ela qual for. Deus faz coisas como
enviar a garotinha do casaco vermelho para o inferno eterno por pecados que ele a
predestinou que ela cometesse, e nós devemos acreditar que Deus é bom e que ele
até mesmo a ama.
Dentro Do Abismo
Eu já disse que ainda era calvinista?
Bem, eu era, e apesar das feridas paralisantes que minha crença havia
sofrido, eu me apegava ao calvinismo porque — você deve imaginar — eu estava
convencido de que a Bíblia o ensinava. Conforme John Piper diz. “Meu objetivo é
deixar a Escritura prevalecer — deixá-la ensinar o que quiser, e não dizer o que ela
não pode dizer (...). A Escritura nos leva precisamente a esta posição paradoxal.
Estou disposto a deixar o paradoxo permanecer ainda que eu não possa explicá-
lo”38
Então, embasado nas Escrituras, eu adentrei o abismo. Quem é Deus? Eu, de
fato, não sabia. Ele glorifica a si mesmo — isso é tudo o que podia dizer. Como eu
sabia? Por causa da Bíblia. Mas conforme adentrava o abismo, o chão desmoronava
36LEWIS, C. S. A anatomia de uma dor. um luto em observação (São Paulo: Vida, 2006), 32.
37ROWLING, J. K. Harry Potter e a Pedra Filosofal (Rio de Janeiro: Rocco, 2000), 248.
38Piper, The Pleasures o f God, 146.
debaixo de mim. O calvinismo havia empurrado Deus tão fundo no vazio do
mistério e da transcendência, que o que me aconteceu a seguir era inevitável.
Deus Tornado Possível
No Horizonte de Eventos
O que aconteceria se a terra ficasse perto demais daquele supermassivo buraco
negro no centro da Via Láctea? O termo técnico para “perto demais" é horizonte-de
eventos, o ponto de não retomo. Se algo atinge o horizonte de eventos, a próxima
parada é o núcleo do buraco negro, pois nesse ponto sua gravidade é tão forte que
fugir é impossível. E nessa jornada ao núcleo, a terra seria esmagada de forma a ficar
irreconhecível, um planeta repleto de uma diversidade incrível, esmagado e
esfacelado.
Neste estágio de minha jornada as bandeiras vermelhas estavam sinalizando, e
meus ouvidos ameaçavam estourar em razão da pressão, mas eu ainda deixava a
Bíblia me trazer ao horizonte de eventos do calvinismo. E em minha descida ao
abismo, as linhas estavam embaçadas, a diversidade havia se tomado
homogeneidade, e tudo escureceu.
Isso é o que acontece com todas as demais coisas quando tudo tem a ver com a
glória de Deus.
Bíblia e Crença
Deus fala através da Bíblia. Podemos andar em círculos discutindo a precisa
natureza dessa fala, e se devemos chamar a Bíblia de infalível, inerrante ou outro
termo, mas a crença de que Deus está, de fato, falando mediante a Bíblia é uma
característica essencial do cristianismo. E. todavia, é uma ironia estranha que a
crença na inspiração e autoridade da Bíblia tenha se tomado tão arraigada e
presumida que muitos se esqueceram que tal crença é apenas isto, uma crença. Vale
a pena repetir, a crença na inspiração e autoridade (e seja lá quais forem as outras
definições que você se sinta compelido a oferecer) da Bíblia é, em última estância,
uma crença. E para ser mais preciso, é a crença de que Deus está verdadeiramente
comunicando sua mensagem e propósitos na Bíblia.
Suponha que pedissem para você provar a inspiração e a autoridade da
Bíblia — como você faria? Você poderia mostrar que descobertas arqueológicas
corroboram vários eventos bíblicos, você poderia ressaltar o cumprimento de várias
profecias bíblicas, poderia argumentar que ela impecavelmente explica o problema
humano. Ou você poderia pegar a rota da transformação pessoal e falar acerca de
como inúmeras pessoas sentem que ouviram Deus falar com eles através da
Escritura. Você poderia destacar que você mesmo experimentou isso.
E embora essas sejam boas razões para acreditar na inspiração e autoridade
da Bíblia, cada uma delas razões pode ser duvidada e, mais importante ainda,
nenhuma deles prova — de qualquer maneira remotamente definitiva — seja a
inspiração, seja a autoridade da Bíblia. Claro, algumas descobertas arqueológicas
afirmam o que a Bíblia diz, e algumas profecias parecem se ter cumprido, e muitas
pessoas sentem que Deus falou com elas mediante a Bíblia.
Mas nenhuma dessas razões — ou qualquer outra coisa que poderia ser
mencionada, ou mesmo o caso cumulativo que elas formam — jamais poderia
oferecer-nos uma certeza objetiva em relação à inspiração e autoridade da Bíblia.
Reflita sobre o caso. como você poderia estar “objetivamente certo’ que Deus fala
através da Bíblia? O que você sequer intenciona dizer com isso? Mas isso não é uma
crítica da Bíblia. É a natureza da crença.
Dando um salto
Em algum lugar próximo ao centro da crença existe um salto.
Por razões bíblicas, racionais e empíricas, somos levados a uma dada
crença. E tais razões podem levar-nos longe, e nos dar grande confiança que nossa
crença esteja certa, mas jamais podemos estar absolutamente certos disso. Não, se
você quiser verdadeiramente acreditar em algo — se quiser agir como se assim o
fosse, se quiser personificar a crença — então você precisará dar um salto. Não é um
salto às cegas (Deus jamais nos pede para que saltemos às cegas), mas, ainda assim, é
um salto. Crer é, afinal de contas, um negócio arriscado.
Tenho bons motivos para acreditar que minha esposa me ama. Ele é gentil
comigo, ela me diz que me ama, ela me respeita e até me prepara refeições
periodicamente. Mas não posso estar certo de que ela me ama. Não posso “provar”
que ela me ama. O altruísmo dela poderia simplesmente encobrir sua abominável
trama para arruinar a minha vida. Digo, ela realmente me disse “isso” uma vez e fez
41
“aquilo" outro dia. E, contudo, apesar da possibilidade de estar errado, eu escolho
acreditar que ela me ama. Claro, de uma maneira bem objetiva, ou minha esposa me
ama ou não me ama — ou é verdade ou não é. O problema é que como ser humano
não me é permitida a certeza objetiva. Ela pertence somente a Deus.
Dessa forma, não deveria ser surpresa que nossa crença na inspiração e
autoridade da Bíblia não é exceção. Apesar da barulhenta defesa em favor da certeza
objetiva da Bíblia, tais reivindicações — embora possam ser verdadeiras — são
sempre crenças. Chame a Bíblia do que quiser, acredite no que quiser, mas não se
engane= você está exercendo a fé (e muita) quando trata a Bíblia como inspirada por
Deus. Conforme Lesslie Newbigin diz.
Acreditar que Deus fala verdadeiramente sobre si e seus propósitos na Bíblia é, como
toda crença, um risco. Acreditar na Bíblia exige crença em um Deus confiável. E
para mim, esse era o problema. Hora de ligar os pontos.
Ligando os pontos
Quais são algumas coisas (ações, inclinações) que você atribuiria a alguém que você
considera amorosóí
Sua lista pode ser bem longa, mas aposto que ela se resume às noções
básicas acerca do autossacrifício e da preocupação genuína pelo bem dos outros. No
mínimo do mínimo, uma pessoa amorosa não machucaria, de maneira irreparável,
alguém que ela amasse, principalmente quando ela não precisasse machucar. Além
do mais, para uma pessoa amorosa, a questão jamais seria se machucar alguém é
39Leslie Newbigin, Proper Confidence (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1995), 54—55.
42
“justo”, mas se isso seria benévolo.Podemos concordar que de nossa perspectiva
(como seres finitos), tais coisas são essenciais ao amor?
Agora, quais coisas você atribuiria a alguém que você considera ju stó i
Nossas listas podem variar, mas — indo direto ao ponto — sua lista muito
provavelmente abarcará a crença de que uma pessoa justa não lhe daria um desejo
pecaminoso, não providenciaria meticulosamente as circunstâncias que o levariam a
agir em decorrência daquele desejo pecaminoso, e então o puniria por fazer algo
que ele tomou certo que você faria. Certo? Principalmente se o resultado de tudo
isso não fosse um bem maior para você, mas só punição sem fim. Podemos
concordar que, de nossa perspectiva humana, alguém que é justo não faz coisas
assim?
Agora, quais são as coisas que você atribuiria a alguém que você considera
bonfí
Mais uma vez. vamos direto ao ponto. Você não acha que uma pessoa boa
jamais faria algo como ignorar as pessoas em terrível sofrimento, quando ela
poderia facilmente ajudá-las. principalmente quando ela é a causa última desse
sofrimento. Podemos concordar que de uma perspectiva humana uma pessoa boa
não age assim?
" ,,)avKÍ Baggett e Jerry Walls, Good God: The Theistic Foundations o f Morality (Nova Iorque: Oxford
University Press, 2011), 78.
41 Eis aqui uma formulação formal do problema, encontrado em ibid., 245:
1) Se não temos justificativa para acreditar que a Bíblia foi inspirada por um Deus moralmente perfeito,
então não temos justificativa de pensar que ele seja confiável.
2) Se não temos justificativa para acreditar que Deus é moralmente perfeito, então não temos justificativa
de acreditar que a Bíblia foi inspirada por um Deus moralmente perfeito.
3) Se Deus não for reconhecidamente bom, então não temos justificativa de acreditar que Deus seja
moralmente perfeito.
4) Se for racional acreditar que Deus condena aqueles que ele poderia salvar, sem violar o livre-arbítrio dos
mesmos, então Deus não é reconhecidamente bom.
5) Se for racional acreditar no calvinismo, então é racional acreditar que Deus condena aqueles que ele
poderia ter salvado sem precisar violar o livre-arbítrio dos mesmos.
6) Se for racional acreditar no calvinismo, então Deus não é reconhecidamente bom.
7) Se for racional acreditar no calvinismo, então não temos justificativa para acreditar que Deus é
moralmente perfeito.
8) Se for racional acreditar no calvinismo, então não temos justificativa para acreditar que a Bíblia foi
inspirada por um Deus moralmente bom.
9) Se for racional acreditar no calvinismo, então não temos justificativa para pensar que a Bíblia é
confiável.
10) Temos boas razões para acreditar para acreditar que a Bíblia é confiável.
11) Portanto, não é racional acreditar no calvinismo.
Não estou reivindicando que os calvinistas não sabem o que fàzer com a Bíblia ou não acreditam em sua
inspiração ou autoridade. Estou dizendo que à medida que tentei ser um calvinista consistente, eu já não
podia mais enxergar quaisquer bases para minha crença na inspiração e autoridade da Escritura.
OLSON, Roger E. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. Tradutor: Wellington Carvalho Mariano
(São Paulo, Editora Reflexão, 2013) p. 94.
se a Bíblia ensina que Deus incondicionalmente ordena pessoas para a condenação
eterna, perdemos a Bíblia, pois perdemos um Deus confiável — a Bíblia torna-se
impossível. Eu não sabia como discordar.
Obscurecendo Totalmente
A busca de Lutero por um Deus gracioso foi um catalisador importante para a
Reforma Protestante44. Ironicamente, descobri que havia trilhado um caminho
semelhante e agora fui deixado à busca de um Deus confiável e cognoscível. A
ênfase persistente no mistério e na transcendência havia tirado Deus completamente
da esfera da “cognoscibilidade”, a ponto de que eu já não podia relacionar-me com
um Deus cujo branco era o meu preto. Podia temê-lo, mas jamais poderia conhecê-
lo — ele havia decretado que fosse assim.
E isso foi o que aconteceu comigo no núcleo do buraco negro da deidade
que se autoglorifica. as luzes apagaram e m e deixaram sentado no escuro, em um
universo absurdo, com uma deidade enigm ática de puro poder, mas sem interesse no
bem estar das pessoas. C. S. Lewis mais uma vez captura a essência da desorientação
exigida pelo calvinismo honesto e consistente:
44 Vide OLSON, Roger E. História da teologia cristã: 2000 anos de tradição e reformas (São Paulo, Vida,
2001), 379-384.
são tão diversas das nossas, aquilo a que Ele chama “Céu” pode muito
bem ser o que chamaríamos “Inferno”, e vice-versa.
Por fim, se a realidade em sua própria origem for tão sem sentido para
nós — ou exprimindo-o de maneira contrária, se formos esses
rematados imbecis — qual é o valor de tentarmos pensar sobre Deus ou
sobre alguma coisa mais? Esse nó desata-se quando tentamos apertá-
lo.45
Eu havia apertado bem o nó, e agora ele estava sendo desfeito. Pois se Deus
podia predestinar incondicionalmente as pessoas para o inferno — e eu devia
chamar isso e o Deus que fez isso de bons — então meu equipamento racional
estava tão avariado que Deus era completamente incognoscível, e toda a fala
contrária é tratar uma especulação como se fosse fato. Eu podia pensar que conhecia
a Deus, podia sentir que conhecia a Deus, mas eu não conhecia a Deus. Deus e a
Bíblia se tornaram impossíveis, eu fui relegado a uma vida em um universo
incoerente e distorcido. Porque quando tudo tem a ver com a glória de Deus, todas
as demais coisas — amor, justiça, bondade, misericórdia, ira, significado, existência-
— se obscurecem totalmente.
^ 45LEWIS, C. S. A anatomia de uma dor. um luto em observação (São Paulo: Vida, 2006), 53-54.
Essa é uma história que encontrei em Daniel Taylor’s The Skeptical Believer: Telling Stories to Your
Inner Atheist (Saint Paul, MN: Bog Walk Press, 2013), 27—28.
inaugurado toda a jornada. Claro, tudo isso foi bastante dramático, no sentido de
que essa é uma narração bastante condensada de um lento processo. Como disse no
início, não existem soluções fáceis aqui. Outros trilharam rotas semelhantes,
confrontaram os mesmos problemas, atravessaram o horizonte de eventos, enão
acham que o buraco negro seja, de fato, tão sombrio. Mas para mim, o ataque
violento havia sido demais. Duas perguntas simples.
Quem é Deus?
Como você sabe?
Eu já não podia mais responder a qualquer delas, e embora eu não soubesse
para onde estava indo, eu sabia que buracos negros não eram lugares apropriados
para moradia. Eu precisava de um novo lar.
O Deus Crucificado
Saindo de Casa
Minhas malas estavam feitas, meu Jeep estava entupido com meus pertences, e
conforme eu saía da garagem, eu sentia que aquele era um dos momentos em que
uma ação aparentemente insignificante era o indicador de uma realidade mais
profunda: eu estava saindo de casa.
Às vezes, sair de casa é fácil, especialmente se a casa tiver sido um local de
abuso ou negligência. Mas, muitas vezes, sair de casa é difícil, principalmente se a
casa tiver sido um bom lugar. Claro, isso é o que uma casa deve ser, um bom lugar,
um local onde somos amados e alimentados, e lembrados de quem somos. É preciso
coragem para deixar um lar, e esse é ainda mais o caso quando você não tem certeza
para onde está indo. E se seu novo lar não for tão bom quanto seu antigo lar? E se
não for bom de jeito algum? E se jamais encontrar um novo lar e ficar vagando...
para sempre? Isso ê o bastante para que você desista da jornada, e dê uma volta
rápida pelo quarteirão.
E embora a teologia represente várias coisas para nós, ela é primeiro e antes
de tudo, um lar47. A teologia é aonde vamos para sermos lembrados de quem Deus é,
quem somos e o que devemos fazer. É o local ao qual podemos retornar no fim de
um longo dia, e meditamos sobre nosso comportamento — onde peneiramos e
separamos as coisas, a fim de discernir onde estávamos, mas que não deveríamos
estar, e onde deveríamos estar, mas que não estávamos. Quando tudo fica
desordenado, a teologia nos alcança em meio à bagunça e encontra beleza por baixo
da superfície.
Deixar o calvinismo foi difícil, pois ele havia sido minha casa. Ele havia me
acolhido quando eu desesperadamente precisava de resgate. Ele havia me ensinado a
valorizar a glória de Deus acima do conforto, a Escritura acima das minhas opiniões,
47E u também observaria que a teologia não é uma opção. Todos nós temos um lar teológico. Conforme C.
S. Lewis diz, “se você não ‘der atenção’ à Teologia, isso não significa que não terá idéia alguma sobre
Deus. Significa que terá, isto sim, uma porção de idéias erradas — idéias más, confusas, obsoletas.”
Cristianismo Puro e Simples (São Paulo: Martins Fontes, 2005), 55.
e uma abordagem teocêntrica acima de uma abordagem antropocêntrica. E,
previsivelmente, meus primeiros passos atravessando a porta foram um caso cômico
de pernas vacilantes e olhos cegos.
Eu era jovem, eu era incansável e agora eu estava perdido.
Limbo
“Eu não sei no que você acredita, e acho que você também não saiba. É como se você
soubesse apenas no que você não acredita”.
Anos mais tarde, as palavras ainda doem. Lá eu sentei, de frente a um pastor
de jovens que havia sido meu mentor e me apresentado ao calvinismo, e a conversa
não foi engraçada. Passei a maior parte do tempo balbuciando, erguendo a voz de
maneira pouco coerente em frustração e medo, tentando explicar por que eu não
podia mais chamar o calvinismo de meu lar. Tentei dividir o discurso em partes, e
ele escutou pacientemente, fez algumas perguntas e então ofereceu um diagnóstico,
eu estava no limbo. Eu havia desmontado minha casa e agora sentava como um
errante sobre a guia gelada de cimento. Certamente aquilo não parecia muito uma
melhora.
Em uma inteligente avaliação de boa parte dos eruditos críticos da Bíblia,N.
T. Wright conta uma parábola de um homem levando seu velho carro ao mecânico
para um ajuste48. Ele retorna e descobre que o mecânico desmontou seu carro por
completo. As peças estão espalhadas por todos os lugares da oficina, e o mecânico
prossegue falando sobre como tem sido engraçado desmontar o carro, e como certas
peças precisam ser substituídas e outras reformadas. O dono, todavia, olha
fixamente em descrença, e então vai embora pesaroso. Ele não precisa de seu carro
desmontado de sorte que possa criticar e louvar todas as peças. Ele precisa de seu
carro ajustado para que possa usá-lo! Certa desmontagem pode ser exigida, mas
todas as peças precisam ser recolocadas, de maneira que o carro possa ser dirigido. A
única coisa pior que recusar a desconstrução de algo que claramente precisa ser
desconstruído é desconstruir algo e então jamais realizar o árduo trabalho da
reconstrução.
48N. T. Wright, How God Became King: The Forgotten Story o f the Gospels (Nova Iorque: HaiperOne,
2011), 253-254.
1Viva la Deconstrucciónl
Com um martelo em punho, eu observei o entulho ao meu redor e percebi que
embora a demolição de minha casa houvesse sido necessária, eu ainda precisava de
um lugar para morar. As pessoas que jamais tentam encontrar uma nova casa
acabam por ficar vagando pelas caçambas de lixo do cinismo. Cínicos adoram
inspecionar o lixo alheio e mostrar a roupa suja do outro, para que o mundo possa
ver. Se eles não podem ter uma casa. ninguém deve ter uma! / Viva la
D econstrucciónl
E então eu vaguei pelos escuros becos por certo tempo, inspecionei a minha
cota de caçambas de lixo, e vandalizei a casa de terceiros na tentativa de fazer com
que as pessoas se juntassem a mim nas ruas. Buracos negros são lugares ruins para
viver, mas as ruas não são muito melhores, então minha fé ansiava por um lar.
Ao relembrar essa experiência de limbo, apenas uma palavra parece
adequada, depressão. Parker Palmer chama depressão de um mecanismo de
sobrevivência da alma49. É a alma firmando bem os pés, e recusando a prosseguir
por um caminho insustentável. É a alma o advertindo de que a autodestruição o
espera, cáso você não dê meia-volta. E para qualquer um que experimentou a
depressão em alguma medida, isso é mais do que verdade. Pela graça de Deus, eu
entendi o recado e comecei o processo de troca do meu martelo por pregos. Mas por
onde começar?
No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era
Deus (...). Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós.
Vimos a sua glória, glória como do Unigénito vindo do Pai (...).
4,Parker Palmer, A Hidden Wholeness: The Journey Toward an Undivided Life (S3o Francisco, CA: Jossey-
Bass, 2004), 36-37.
Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus Unigénito, que está junto do
Pai, o tomou conhecido. (João 1:1, 14, 18, NVI)
Cristocêntricos Demais?
Mas podemos ser cristocêntricos demais? Podemos focar exageradamente em Jesus?
Essa é a pergunta que o proeminente teólogo calvinista Bruce Ware busca
responder, e sua conclusão é, uma palavra, sim. “Não há dúvida, então, da
50Brennan Manning, Ruthless Trust: The Ragamuffin’s Path to God (Nova Iorque: HarperCollins, 2000),
88 .
centralidade, supremacia e peremptoriedade da revelação de Jesus Cristo. Mas. por
outro lado, Jesus Cristo não deveria ser visto como a exclusiva revelação de quem
Deus é"51.
O ponto de Ware é que Jesus não é o único local onde Deus se revela. Em
especial. Ware quer preservar a testemunha das Escrituras hebraicas como um lugar
onde Deus é revelado, e um local que nós continuamente revisitemos se quisermos
entender o que Jesus está nos mostrando e dizendo. Ele faz uso de Hebreus 1.1-2
como prova, onde o escritor assevera a supremacia da revelação de Deus em Jesus,
mas também reconhece “a rica história ou revelação que já havia sido dada quando
Jesus encarna"52. E seu argumento é aceito e apreciado.
A teologia que coloca a revelação exclusivamente em Jesus e implicitamente
descarta o Antigo Testamento não é apenas irresponsável, mas extremamente rasa e,
por fim, fracassa em levar a sério o Jesus que ela supostamente venera, pois o Jesus
da Escritura certamente tratou as Escrituras hebraicas como revelatórias. Jesus
jamais ensinou que ele era a revelação exclusiva de Deus. Mas, interessantemente, o
ponto crucial da questão atinge um cume do qual a citação de Ware de Hebreus 1 se
precipita.
Hebreus 1.3
Hebreus 1.3, embora freqüentemente ignorado, é uma das afirmações mais
surpreendentes do cânon bíblico. “O qual (Jesus), sendo o resplendor da sua glória, e
a expressa imagem da sua pessoa...”.
O mistério impenetrável da glória divina resplandece como um bilhão de
estrelas no rosto de Jesus de Nazaré. “Vemos a glória de Deus em Jesus, e a vemos
como ela realmente é’53. E ainda mais importante, Jesus é a precisa representação da
natureza de Deus. Ou, no grego, Jesus é o charaktér (impressão exata) do
hypostaseós (ser/natureza/essência) de Deus.
Essa é uma expressão carregada de significados, gotejando tanto
implicações morais quanto ontológicas, com talvez seu significado mais importante
sendo o mais simples deles, o caráter de Jesus é o caráter de Deus. Deus jam ais faria
5lBruce Ware, G od’s Greater Glory: The Exalted God o f Scripture and the Christian Faith (Wheaton, IL:
Crossway, 2004), 41.
52 Ibid.
53Leon Morris, “Hebrews,” ed. Frank E. Gaebelein, The Expositor’s Bible Commentary, vol. 12 (Grand
Rapids, MI: Zondervan, 1981), 14.
algo que Jesus considerasse moralmente repreensível, então se você não encontra
determinado aspecto em Jesus, então você realmente precisa pensar duas vezes antes
de alegar que o encontrou em Deus. Embora seja verdadeiro que Jesus não é a
exclusiva revelação de Deus, também é verdadeiro que Jesus é a revelação exaustiva
do caráter de Deus, do coração de Deus.
O Deus Oculto
Uma das características menos conhecidas da teologia de Martinho Lutero era a
doutrina do Deus absconditus, ou o Deus oculto54. Indo bem além do óbvio truísmo
de que nem tudo acerca de Deus é compreensível para os humanos, Lutero
acreditava que, em pé atrás do Deus revelado em Jesus, há um Deus oculto, do qual
nós nada sabemos. Resumindo a doutrina de Lutero do Deus oculto, B. A. Gerrish diz,
“A imagem de Deus não plenamente coincide, afinal de contas, com a figura de
Jesus’55.
Claro que a partir daqui basta um mero impulso, uma corrida e um salto
para a doutrina da dupla predestinação, na qual o Deus revelado em Jesus parece
querer que todo o mundo seja salvo, ao passo que o Deus oculto ordena que muitos
pereçam. Embora poucos sejam tão honestos quanto Lutero, o calvinismo consistente
parece forçar que você acredite em um Deus oculto58.
E embora a doutrina do Deus oculto negue os ensinos de Jesus e de Paulo
mencionados acima, é possível apreciar o ímpeto que alimentou o pensamento de
Lutero. Na mente de Lutero, a maioria da teologia a seu redor domesticava Deus ao
inseri-lo em caixas lógicas herméticas. Compreensivelmente, então, Lutero quis
remover os grilhões, e dar espaço a Deus para ser Deus, e o princípio de sola
scriptura (escritura somente) da Reforma e o pensamento protestante subseqüente
seguiram o exemplo. Nós protestantes (supostamente) nos recusamos a colocar Deus
em qualquer çaixa lógica ou experiencial por receio de que ela irá restringir sua
absoluta liberdade e, conseqüentemente, diminuir sua glória. Nós só o colocamos na
caixa da Bíblia.
54Para uma boa discussão sobre isso vide OLSON, Roger E. História da Teologia
Cristã: 2000 anos (Je tradição e reformas (São Paulo, Vida, 2001), 397-399.
55B. A. Gerrish, ‘“ To the Unknown God’: Luther and Calvin on the Hiddenness o f God”, Journal o f
Religion 53 (1973), 276.
56Muitos tentam evitar essa ideia do Deus oculto dizendo, por outro lado, que Deus tem “duas vontades”.
Mas, novamente, uma distinção sem diferença. Deus oculto... duas vontades em Deus... ambas querem
dizer um Deus esquizofrênico.
Mas e se a Bíblia nos ensinar que Deus, todavia, realmente se coloca em
ainda outra caixa?
57Dallas Willard, The Divine Conspiracy: Rediscovering Our Hidden Life in God (Nova Iorque:
HarperCollins, 1997), 334.
par perfeito de sapatos"58. Esse Jesus jamais poderia enviar alguém para o inferno,
pois isso violaria o seu principal atributo, agradabilidade.
Anos antes, J. B. Phillips fez uma observação semelhante em sua obra
clássica, Your God is too Sm all (Seu Deus é pequeno demais), satirizando o meigo e
suave Jesus.
58Mark Driscoll, “7 Big Questions.” Relevant Magazine, Edição 24, agosto de 2007.
http://www.relevantmagazine.eom/i; txl/church/features/l344-from-the-mag-7-big-auestions.
59J. B. Phillips, Your God Is Too Small (Nova Iorque: Touchstone, 2004), 27,29.
“ Driscoll, “7 Big Questions.”
moldar nossas crenças a favor ou contra o calvinismo? A única maneira de formar
uma boa opinião é ler os evangelhos.
Vinte e Quatro
Jesus estava por volta de seus trinta e três anos quando faleceu. Ele teve um
ministério público de três anos. João nos diz que se alguém tentasse escrever todas as
coisas miraculosas que Jesus fez, o próprio mundo não seria uma biblioteca grande o
bastante para a coleção final. E, todavia, com todo esse de que material se escolher,
todos os quatro evangelhos incessantemente dão atenção ao período de vinte e
quatro horas como o centro e clímax de, não apenas a história de Jesus, mas a
história de Israel e de toda a criação. É o período de vinte e quatro horas que se
O Deus na Cruz
Onde você vê Deus quando Jesus é sendo crucificado?66
Você o vê pairando sobre a cruz. virando as costas para Jesus e derramando
sua ira? Você o vê nos soldados romanos crucificando Jesus? Ou você vê Deus
precisamente no Jesus crucificado, no Deus-homem pregado na cruz? Embora
certamente seja correto ver Deus punindo o pecado enquanto Jesus é crucificado
( vide Isaías 53=10), os evangelhos são enfáticos em sua ênfase de que devemos ver
Deus primeiro e acima de tudo no Jesus que está na cruz. Como Moltmann diz.
“Quando o Jesus crucificado é chamado a ‘imagem do Deus invisível’, o significado é
63Jürgen Moltmann, The Crucified God (Mineápolis, MN: Fortress, 1993), 212.
64 Ibid., x.
“ Gregory Boyd, Is God to Blame? Beyond Pat Answers to the Problem o f Suffering (Downers Grove, IL:
InterVarsity, 2003), 35.
66 Certa vez ouvi Brian McLaren fezer essa pergunta.
que esse é Deus, e Deus é assim (...). O núcleo de tudo que a teologia cristã diz acerca
de ‘Deus’ deve ser encontrado nesse evento de Cristo’67.
Isso vale a pena ser repetido — o núcleo de tudo que a teologia cristã diz
acerca de Deus deve ser encontrado no Jesus crucificado. E no Jesus crucificado nós
aprendemos que o Deus que derrama ira é o Deus cujas mãos estão pregadas na
cruz. O Deus que pune o pecado éo Deus que recebe a punição. O Deus que julga é
o Deus que olha para aqueles que o crucificam e diz, “Perdoai-os”68. Achei muito
difícil de conciliar o Deus crucificado com o Deus do calvinismo.
Reflita sobre isso por um momento. Deus poderia ter lidado com o pecado
de qualquer forma que lhe agradasse. Deus poderia ter feito conosco qualquer coisa
que quisesse. Deus poderia nos ter aniquilado ou nos lançado no eterno monte de
lixo. M as Deus escolheu a cruz. O Criador morre nas mãos de sua criação para que
ela (nós) não precise receber o que merece. E, contudo, esse mesmo Deus crucificado
também meticulosamente planejou e levou a cabo a condenação eterna das criaturas
pelas quais ele morreu?69 O Deus que se humilharia a tal ponto de ser crucificado e
sepultado é o mesmo Deus que crucificaria eternamente milhares de almas pelas
coisas que ele tornou certo que elas fizessem? Aquele que corta o ar noite com o
brado de abandono em prol de pecadores ordena o abandono dos réprobos?
Houve uma época em que eu permaneci diante da cruz maravilhado pelo
amor, justiça e bondade de Deus. mas por volta do final de minha jornada de
desconversão do calvinismo, meu fascínio foi substituído por pesar. A cruz já não era
mais um lugar de radiante amor e justiça, mas de brutal parcialidade da parte do
Deus, que supostamente não mostra parcialidade ( vide Deuteronômio 10=17, 2
Crônicas 19=7, Jó 34=19. Atos 10=34, Romanos 2=11, Gálatas 2=6, Efésios 6=9).
A cruz era um lugar onde o contrassenso suprem o e a ausência de
significado do universo atingiram seu auge. o Deus que tanto ama a ponto de
padecer a crucificação ama tão pouco a ponto de glorificar a si mesmo na
condenação de humanos que ele criou para serem condenados. Mas esperava-se que
eu permanecesse diante da cruz e adorasse esse Deus de ambígua moralidade que,
no fim das contas, não podia ser conhecido, como se eu soubesse o significado do
Esquizofrenia Divina
Devemos observar adicionalmente que o Cristo crucificado é o mesmo Cristo que
encontramos em todas as páginas dos evangelhos. O que vemos no Gólgota é de tirar
o fôlego e maravilhoso, mas para os que estiveram prestando atenção, isso não
surpreende. Pois desde o início, Jesus se revela ser uma pessoa que, sem exceção,
envolve-se nos sofrimentos dos outros a fim de curá-los e transformá-los (só em
Mateus vemos 4=23-24; 8.1-4, 5-13, 14-17, 28-32; 9=1-8, 18-35; 12.9-14, 22-
29; 15.21-28, 29-31; 17.14-18; 20.29-34).
Nenhuma única vez sequer temos o menor indício de que Jesus é a fonte
por trás do sofrimento dos outros. Antes, Jesus incessantemente revela que Deus é o
curador do sofrimento e da doença, não o causador. “Sem exceção, quando Jesus
confrontava o aleijado, surdo, mudo, enfermo ou endemoninhado, ele
uniformemente diagnosticava a aflição dos mesmos como algo que Deus não
desejava (...). Jesus consistentemente revelava a vontade de Deus para as pessoas ao
curá-las de suas enfermidades"70.
Isso cria um dilema um tanto quanto bisonho para o calvinismo, onde Deus
Pai está fazendo as pessoas sofrer e o Deus Filho (Jesus) está curando as pessoas do
sofrimento que o Deus Pai está infligindo. Como eu deveria acreditar que Deus
infligiria sofrimento eterno nas pessoas pelos pecados que ele ordenou que elas
cometessem, quando Jesus (a exata representação de Deus) sempre curou as pessoas
de seus sofrimentos? Para mim, isso não era nem mistério e nem paradoxo, mas pura
esquizofrenia divina. Isso abria uma fissura no próprio coração de Deus ao dilacerar
a Trindade, colocando o Pai em oposição ao Filho e vice-versa — o Pai crucifica
pecadores, enquanto o Filho é crucificado pelos pecadores.
João
Mas como já foi devidamente observado durante todo o tempo, existem certas
passagens bíblicas que podem levar alguém ao calvinismo. As mais conhecidas são
É uma razoável defesa a ser feita. Mas caso esteja procurando o calvinismo
nos evangelhos, você sairá frustrado. Você poderá dar atenção a algumas passagens
de ensinamentos de João e então projetá-las nos demais lugares. Novamente, isso é
possível — só não creio que seja provável. Contudo, o que é provável é que se você
seguir por esse caminho, sua Bíblia se tornará impossível (mas já vimos e já falamos
disso).
Romanos 9
Então, claro, há Romanos 9, o tigre rugindo que devora “defensores do livre-
arbítrio”. Cartas sobre a mesa, eu penso que Romanos ensina o calvinismo? Não (e
trataremos disso no último capítulo). Tenho certeza disso? Não, mas eis aqui do que
tenho certeza.
Durante os prim eiros quatrocentos anos da história da Igreja, as pessoas
leram Romanos 9 e não acharam que a passagem ensinava o que posteriorm ente
veio a ser chamado calvinismo. Falando de Romanos 9 e dos primeiros pais da igreja,
Gerald Bray observa, ‘Apenas Agostinho, e ainda assim apenas em seus escritos mais
tardios, estava preparado a aceitar as plenas implicações da predestinação divina”72.
Isso não significa que de maneira alguma Romanos 9 ensine o calvinismo, mas
Lógica da Crucificação
E embora um pouco de lógica racional tenha me trazido até aqui, foi a lógica bíblica
da crucificação que me levou a ajoelhar. Podemos lançar versículos e lógicas para lá
e para cá até Jesus voltar, mas quando olhamos para aquela imagem, a verdadeira
ação começa. E conforme eu assistia, percebi que a crucificação era por demais
grande e generosa para que o calvinismo a explicasse. Era o tipo de coisa que faz
você parar de argumentar, pois você está por demais ocupado, adorando.
Eu me havia tomado calvinista porque não achava que a Bíblia me deixava
muita escolha. Comecei a me afastar porque o calvinismo havia tomado tanto a
Bíblia quanto Deus impossíveis. Dei meus últimos passos em direção à porta porque
não achava que Jesus me deixava muita opção e, no processo, encontrei o
fundamento para um novo lar — uma casa que girava em tomo da adoração de um
cordeiro lacerado. Porque no centro do universo há e sempre haverá a adoração a
um cordeiro lacerado.
A Glória de Deus (É) a Glória do Amor
Construindo uma Casa
Por que acreditamos no que acreditamos?
Tentar responder essa pergunta é muito parecido com descascar uma
cebola. Tentamos passar por todas as camadas até chegar ao núcleo, mas, no final,
descobrimos que não há um núcleo fixo. nossas crenças têm camadas. Elas são uma
complexa interação de incontáveis fatores, tanto de se prender a coisas que nos
fazem sentido, quanto a ser preso por coisas que jamais fariam sentido caso não
tivéssemos sido presos por elas.
Com a teologia é bem parecido. Fazemos o melhor sentido possível das
opções possíveis. Dizemos sim a isto e não a aquilo. Consultamos as autoridades
necessárias. Tentamos construir uma casa teológica apropriada para nós mesmos. E,
todavia, forças contrárias a nosso controle também estão agindo sobre nós,
explicando-nos, dizendo sim para nós, e construindo em nós uma casa para elas
mesmas. Ou é assim que parece, pois quando nos afastamos, vemos que todas as
peças discrepantes e processos nos construíram uma única casa.
Pelo menos essa foi a minha experiência. Eu havia tanto agarrado, quanto
sido agarrado pela convicção de que o único fundamento para a teologia era a
revelação de Deus em Jesus Cristo. “Porque ninguém pode pôr outro fundamento
além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Coríntios 3.11). Não uma teoria
acerca da Bíblia, não um conjunto de pressuposições acerca de como Deus deveria
agir, mas um passo de fé onde eu confiava na revelação de Deus em Jesus, porque o
Deus revelado em Jesus me havia levado até a beira do monte, me empurrado e me
pegado. E sobre esse fundamento eu busquei construir uma nova casa. Visitei outros
lugares buscando idéias, até mesmo morei neles ocasionalmente, pois minha casa
ainda não estava pronta para ser ocupada. Juntei materiais e pensamentos, e fui
juntado por materiais e pensamentos. Trouxe meus materiais e pensamentos de volta
para casa, e comecei a martelá-los. E, no processo, uma coisa estranha aconteceria.
Eu passaria o dia inteiro construindo algo pouco sólido, só para acordar na manhã
seguinte e descobrir que Alguém havia vindo e transformado aquilo tudo em algo
robusto e belo além de minha imaginação.
Outros experimentaram o mesmo. Procuramos e somos procurados,
juntamos e somos juntados, construímos e somos construídos, e prego a prego o
milagre acontece. Deus nos ajuda a construir uma nova casa.
Linhas de Batalha
O que é válido em história parece ser válido em teologia, quanto mais as coisas
mudam, mais elas ficam iguais. Em toda geração há (supostamente) uma batalha
mortal sendo travada entre liberais e conservadores. Os liberais detestam a mente
fechada dos conservadores, e os conservadores detestam a disposição irresoluta dos
liberais. As linhas são traçadas e os lados são escolhidos, e a área intermediária é
terra sem dono. ou melhor ainda, um caminho que inevitavelmente o leva ao terreno
inimigo. E. claro, ambos estão certos de que Deus está do seu lado.
Eu sou, orgulhosamente, um produto da subcultura evangélica
conservadora. E embora haja desvios mal direcionados em razão de minha educação
religiosa, eu não a trocaria por coisa alguma, pois através dela eu aprendi um
profundo senso de reverência, tanto por Deus quanto pela Escritura. E foi essa
reverência que me havia empurrado para os braços do calvinismo. Percebi que
existia realmente uma batalha de naturezas acontecendo, e que no âmago dessa
batalha havia dias maneiras distintas de se fazer teologia.
Começamos a partir do que os humanos dizem acerca de Deus ou do que
Deus diz acerca de Deus? É o homem ou Deus que dá a primeira palavra?
Se dermos a primeira palavra, entramos no caminho que inevitavelmente
apenas dá voltas da teologia antropocêntrica, onde “Deus” é meramente uma cifra
para nossos grandes ideais, e uma noção fraca e fraudulenta de amor e tolerância é o
melhor que podemos ter como ponto central. Se Deus der a primeira palavra,
embarcamos na jornada imprevisível da revelação, onde se permite que Deus fale
sobre si mesmo. E essa jornada sem dúvidas nos conduz ao todo-determinante e
autoglorificadora Deus do calvinismo. Ou será mesmo?
Muitos que são jovens e incansáveis acabam reformados porque não
enxergam outras opções bíblicas persuasivas — se você disser sim à glória, à
soberania e à Bíblia, você deve dizer sim ao calvinismo. Isso é, pelo menos, o que eu
pensava, mas agora que o calvinismo não era uma alternativa viável, para onde eu
65
iria? Onde poderia encontrar uma fé que fosse desafiadora e bíblica, sem tomar
tanto Deus quanto a Bíblia impossíveis? Onde poderia encontrar uma teologia que
teria sentido significativo, tanto para a glória quanto para o amor? Onde poderia
encontrar um Deus transcendente e soberano, que ainda se parecia com Jesus, como
o Deus na cruz? E, como você pode esperar, não se pode encontrar tal Deus, antes, é
esse Deus que encontra você.
Barth
Karl Barth é uma figura enigmática. Ele foi um teólogo reformado suíço que perdeu
seu emprego quando recusou a jurar lealdade a Adolf Hitler, e que mais tarde lhe
enviou uma cópia da declaração que havia escrito criticando veementemente a
ideologia nazista74. Diz-se que seu primeiro livro, um comentário sobre Romanos,
“caiu como uma bomba no playground dos teólogos'75. Sua principal obra,
Dogmática Eclesiástica, é uma das mais extensas obras de teologia sistemática já
produzidas. Em abril de 1962, ele apareceu na capa da revista Time, e é amplamente
reconhecido como o maior teólogo do século XX. Recebeu uma educação liberal
protestante de ponta, e tinha um brilhante futuro pela frente nos hallsâo liberalismo
protestante alemão. Mas com tudo isso lhe esperando, ele fez a coisa mais estranha,
ele queimou e derrubou a casa.
O liberalismo estava no ar, se infiltrando subversivamente na fé e teologia
cristãs. A Bíblia era negligenciada e sua autoridade descartada, em favor de
especulações filosóficas da moda. O otimismo acerca do progresso humano e
bondade estava expulsando toda afirmação da depravação. Apesar de todas as
gerações gostarem de fazer alarme sem motivo, e de dizer que a batalha que ela está
enfrentando é a mais importante até o momento, a batalha que Karl Barth lutou tem
uma forte reivindicação para tal título.
Após completar sua educação teológica, Barth havia assimilado a teologia
de seus professores, e até mesmo trabalhou para um periódico liberal de ponta. Mas
então ele foi pastorear na pequena cidade suíça de Safenwil, e, como geralmente é o
caso, suas experiências fora da torre de marfim da academia o levaram a fazer uma
76Karl Barth, “Evangelical Theology in the 19th Century,” em The Humanity o f God (Richmond, VA: John
Knox, 1960), 14.
77Karl Barth, Church Dogmatics 2.1, ed. G.W. Bromiley 2 T.F. Torrance (Edimburgo: T & T Clark, 1957),
261.
enfatizou foi que no próprio ato de revelação, o ato de falar à humanidade e de se
mostrar a si mesmo, Deus é revelado como sendo aquele que livremente escolhe
partilhar de si com os outros. Deus tem o direito de fazer conosco o que quiser, e
Deus deseja se relacionar conosco. Conforme Barth diz.
Deus é aquele que, sem ter a obrigação, busca e cria comunhão entre
Ele e nós (...). Ele deseja ser nosso e Ele deseja que sejamos dele. Ele
deseja pertencer a nós e deseja que pertençamos a Ele. Ele não deseja
estar sem nós, e Ele não deseja ser Deus para Si mesmo, nem, como
Deus, estar sozinho Consigo mesmo. Ele deseja, como Deus, ser por
nós e conosco que não somos Deus.78
Problemas do Amor
O cristianismo ocidental tem um problema com o amor, a saber, diminuímos por
demais o amor ao fazermos muito caso dele. Amor é tolerância, amor é inclusão,
amor é autoestima, amor é conforto. E, ao transformar o amor nessas coisas, o amor
se tomou em nada. “O termo passou a ser desvalorizado (...), perdeu seu poder de
diferenciação, tendo-se tomado um pretexto para todas as formas de
autoindulgência enfadonha”80. Para fins de simplicidade, vamos chamar isso de o
problema do “amor brando”, ao se tomar tudo. o amor se toma nada.
“ Ibid.
l2Barth, Church Dogmatics, 2.1, 276.
13 Ibid.
“Ibid., 278.
É isso o que queremos dizer quando falamos do incondicional e gracioso
amor de Deus.
Quando Deus olha para nós, ele não vê criaturas que ele deveria amar. Ele
vê criaturas que ele deseja e, assim, escolhe amar, apesar do fato de que ele não
deveria. E nisso, o amor de Deus se mostra em contra distinção ao amor humano.
Nós amamos as coisas — Deus, outros, posses — em razão do que elas podem fazer
por nós. Moltmann chama isso de eras um amor pelo bonito, e ele expõe a lógica
mais importante do amor humano, nós amamos o que é bonito na esperança de que
o que é amado irá, em troca, nos tomar bonitos. Amamos como buraco negros.
Amamos a fim de receber.
Mas esse não é o amor de Deus, porque o amor de Deus não toma — ele dá.
Deus não busca objetos bonitos para amar; Deus faz coisas bonitas em razão de seu
amor. Afinal de contas, a boa notícia do evangelho não é que sejamos bons, mas que
somos amados,
# 5 - Necessário e Livre
Quinto, o amor de Deus é tanto necessário, quanto completamente livre. E aqui todos
os horizontes do amor de Deus convergem. Desde toda a eternidade Deus é o ser que
sempre existiu em amor perfeito, glorioso e doador entre Pai, Filho e Espírito. Antes
de existirmos, Deus amava. Desde toda a eternidade Deus ama porque amor é quem
Deus é. Deus, infinito e eterno, é o Deus do amor. E como tal,o amor de Deus é
necessário no sentido de que Deus tem que ser ele mesmo.
Mas o amor de Deus é completamente livre no sentido de que ele está
simplesmente sendo o que ele é. Se Deus, em seu âmago, é pessoa(s) de infinito amor
doador, então mesmo embora Deus não possa ser outra coisa (odioso, arbitrário),
isso não é uma limitação. “Ser movido por si mesmo em amor é ser divinamente
livre”88. Na verdade, essa é a liberdade que só Deus tem. “Mas a liberdade em suas
87Miroslav Volf, Free o f Charge: Giving and Forgiving in a Culture Stripped o f Grace (Grand Rapids, MI:
Zondervan, 2005), 39.
88Ibid„ 64.
qualidades positivas e próprias significa estar fundamentada no próprio ser de
alguém, ser determinada e movida por si mesmo”89.
Dessa forma, longe de limitar Deus ou de minimizar sua glória, o amor de
Deus é a expressão última de sua liberdade, soberania e glória. Sua transcendência é
exibida supremamente no fato de que embora Deus seja completamente não
condicionado, ele estende-se para fora de si mesmo para criar e se unir a outros —
uma transcendência caracterizada por externalidade e não por interioridade.
A gravidade da glória de Deus está enraizada em seu ato de dar, não em
receber, e então a glória de Deus brilha mais em sua existência como o único não
buraco negro de interesse próprio (ego) no universo — Aquele que em absoluta
liberdade ama absolutamente.
Reposicionando o Mistério
Eu cheguei ao final desta devastadora visão misericordiosa do amor de Deus e me
dei conta de que o mistério de Deus não havia sido removido; ele havia sido
reposicionado. O mistério já não era mais como um Deus bom, como um Deus
revelado em Jesus, como o Deus crucificado, poderia criar pessoas com o propósito
de condená-las. O mistério não está em um Deus oculto espreitando atrás de Jesus,
mas, antes, o mistério está em Jesus.
O mistério é que Deus é condenado a fim de salvar. O mistério é que, em
sua absoluta liberdade, Deus se reveste de carne, sobe na cruz e desce ao túmulo. O
mistério é que o coração de Deus está repleto de um suprimento infinito de energia
doadora, redentora e reconciliadora, que nós chamamos de amor. O mistério de
Deus é que ele nos ama — a todos nós.
9lPara uma breve discussão acerca da diferença entre livre-arbítrio libertário e compatibilista, vide capítulo
8.
92Ware, G od’s Greater Glory, 66-67.
experiência humanas, e se ela assim o fizer, descobriremos que nós simplesmente
criamos Deus à nossa própria imagem. Essa é a casa que Barth destruiu.
Então, no que diz respeito ao livre-arbítrio, a pergunta não é “você acha que
tem livre-arbítrio?”, mas “o que Deus diz acerca do livre-arbítrio?"
O Ovo ou a Galinha?
Procurar por livre-arbítrio na Bíblia é como procurar pela gravidade, ela está
presumida em todo lugar e mantém tudo unido, então você provavelmente não vai
percebê-la até que ela falte e você flutue.
É por isso que geralmente é mais fácil recitar vários versículos que parecem
contradizer o livre-arbítrio do que nomear um único que o afirme. Pensamos em
Deus endurecendo o coração de Faraó, porque a passagem se sobressai — ela se
destaca sobre o restante da textura da narrativa bíblica. Não pensamos nas sessenta e
três vezes que Jesus diz às pessoas para que façam ou não façam algo durante seu
Sermão da Montanha, aparentemente presumindo que eles tinham a habilidade de
fazer ou não o que ele disse, pois isso flui perfeitamente no padrão da narrativa
bíblica93. Mas, para ser justo, existem muitos versículos em ambos os lados, então a
questão geralmente se resume ao conhecido dilema em relação à prioridade de
ordem.
Qual veio primeiro, o ovo ou a galinha? Devemos ler os textos de livre-
arbítrio à luz dos textos deterministas e, dessa forma, supor que todas as evidências
de livre-arbítrio na Escritura são uma farsa? Ou devemos ler os textos deterministas
à luz do livre-arbítrio e, assim, supor que todas as aparentes negações do livre-
arbítrio são exceções raras e singulares à forma normal com que Deus faz as coisas?
Parafraseando, o livre-arbítrio ou o determinismo servem como pano de
fundo da narrativa bíblica? Ao buscar a resposta de tal pergunta, seria bom
começarmos onde a história começa.
No Inicio
Barasit. É a primeira palavra na Bíblia e. muito adequadamente, significa “no
princípio”94. E é disto que o livro de Gênesis trata, inícios e origens. Uma longa
história, repleta de surpresas e reviravoltas, lágrimas e triunfos, virá logo após. Mas
ImagoDei
Gênesis 1,26-28 diz.
98Gênesis 2:9.
99 Gênesis 2:16.
looSama, Genesis, 13.
em vez de desistir do propósito implementado no Éden, em vez de nos abandonar à
nossa própria depravação, Deus faz o impensável: ele oferece outra árvore, uma
árvore que irá tanto perdoar nossos pecados, quanto curar nossa pecaminosidade,
caso nos rendamos à graça a Deus.
Jesus está na cruz dizendo, “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que
fazem” (Lucas 23=34). Anos mais tarde o apóstolo Paulo irá olhar para a cruz e dizer,
“De sorte que somos embaixadores da parte de Cristo, como se Deus por nós rogasse.
Rogamo-vos, pois,da parte de Cristo, que vos reconcilieis com Deus” (2 Coríntios
5,20). OCriador preso em um madeiro, humildemente pedindo que nos
reconciliemos com ele, refazendo o convite divino de exercer nossa independência
em completa submissão a nossa completa dependência Dele. E isso, contudo,
lembra-nos de ainda outra árvore.
A história chegou ao seu fim. Todos os reinos teimosos e rebeldes do mundo
foram confrontados e destruídos pelo reino de Deus101. Os que se recusaram a ceder
seus reinos ao Deus crucificado agora recebem a morte e o julgamento que estava
latente desde Gênesis capítulo 3. Mas os que cederam a seu domínio e abraçaram
sua dependência agora recebem sua promessa. Lágrimas são enxugadas, a morte é
morta, e o reino de Deus é tudo em todos102. E no meio de seu reino de ressurreição
há uma árvore,
Comece do Começo
Mas como observado anteriormente, sem dúvidas existem outras maneiras de ler a
história bíblica. Você poderia argumentar que Deus, na verdade, predeterminou os
eventos no Éden, e que Deus jamais delega qualquer parte de seu controle sobre a
criação. Conforme Bruce Ware diz,
Mas essa é uma leitura que, na minha opinião, falha em fazer precisamente
o que Ware afirma que ela faz, começar do início. É uma leitura que começa em
Romanos 9 ou Efésios 1. e dá prosseguimento ao restante da narrativa bíblica a
partir de um início que não é o início que Deus nos dá. Por exemplo, após fazer essa
reivindicação de que a definição calvinista de soberania é ensinada desde o início da
Bíblia, Ware começa com uma exposição de... Efésios 1,11106. Acredito que podemos
concordar que esse não é o início. Eu achava e ainda acho que uma leitura calvinista
da Escritura que negue que o genuíno livre-arbítrio é possível, mas eu já não a
considero como a melhor leitura da Bíblia107.
A Forma da Soberania
Neste ponto, muitas de nossas noções de soberania podem ter sido invertidas e
deslocadas, e Piper ainda cutuca em nosso desconforto, “Onipotência impotente é
uma contradição’108. Em outras palavras, “Deus não pode utilizar sua soberania para
torná-lo não soberano”109. A idéia é que Deus não pode evitar estar em completo
controle, não pode deter seu poder, e “Deus é soberano" significa “Deus está em
completo controle”. Mas, para afirmar o óbvio, “Deus é soberano” não precisa
significar “Deus está em completo controle”, nem a partir da perspectiva bíblica
(como vimos), nem da perspectiva lógica. Antes, o que Piper — e muitos outros -—
faz é importar ilegitimamente sua definição de soberania para a palavra soberania.
Para Piper, soberania é o uso absoluto de poder absoluto e controle absoluto em
absolutamente todo o tempo. E, de acordo com tal definição, ele está certo, mas sua
definição não é obrigatória nem em termos bíblicos, nem lógicos. E, claro, bem mais
Por que devemos supor que Deus deseja fazer tudo o que ele tem o
poder de fazer? (...) A Escritura deixa evidente que embora Deus
poderia controlar-nos, ele deseja outorgar-nos poder para que sejamos
agentes autodeterminantes e moralmente responsáveis. “O que quer que
apraz ao Senhor, ele faz”, incluindo criar agentes livres.110
Ou. para colocar de maneira diferente, quem diz que Deus não pode ser
soberano sobre sua soberania? Deus não diz.
Assim sendo, reivindicar que Deus voluntária e temporariamente limita sua
soberania para capacitar agentes morais livres não é desfigurar a soberania de Deus,
numa tentativa humanista de tomá-la mais palatável. Antes, é deixar a soberania de
Deus falar por si mesma, em contraste a nós dizendo o que ela precisa significar. E
quando a soberania fala por si mesma, fica evidente que sua forma é quenótica.
Kenoàs
Não sei se posso afirmar que qualquer outra coisa possa dizer-nos mais acerca de
Jesus do que o grande hino cristológico de Filipenses 2.
Jesus não via sua condição divina como algo a ser protegido nem
preservado. Em contradistinçâo aos regentes e déspotas egocêntricos,
ele não considerou seu estado de exaltação como uma posição elevada
112Todd D. Still, Philippians & Philemon, Smyth and Helwys Bible Commentary (Macon, GA: Smith &
Helwys, 2011), 68-69.
ll3Na oração do Pai Nosso (Mateus 6:10), Jesus ensina que a vontade de Deus não está sendo feita na terra
como ela é no céu — por isso a necessidade de orar por ela.
ll4Moltmann, The Crucified God, 223.
livremente escolher amá-lo ou não, Deus limita seu controle. Ainda
mais, Deus é soberano no sentido de que nada, de forma nenhuma,
jamais pode acontecer sem que Deus permita. Nada cai fora de sua
supervisão e governo Interventor.115
Resistir é Inútil
Quando confrontados com essa soberania peculiar de Deus, temos algumas opções.
Podemos resisti-la. Podemos dizer que é audacioso pensar que Deus concederia
tanto controle aos humanos. Podemos dizer que é indigno para Deus limitar-se a si
mesmo, e que os que assim acreditam diminuem a glória de Deus. Podemos insistir
que Deus é um buraco negro. E embora entenda tais sentimentos, e eu mesmo já os
tenha compartilhado, eu só conheço uma forma de responder, resolva isso com
Deus. Pois aparentemente Deus não pensa que seja indigno de sua parte
compartilhar sua soberania. Aparentemente, a glória de Deus não necessita que ele
acumule todo o poder no universo.
E aqui encontramos um pouco de ironia. Como calvinista, eu rotulava o
teísmo do livre-arbítrio de humanista. Pensava que o Deus do teísmo do livre-
arbítrio era meramente uma projeção dos ideais e conceitos humanos, e esse é
freqüentemente o caso. Todavia, a mesma acusação pode ser feita ao calvinismo.
Um soberano que absoluta e inequivocamente exerce a total medida de seu
controle em todos os tempos, não deixando espaço para dissensão ou vontades
contrárias? Essa não é a coisa mais divina que já ouvi — parece a projeção de
pequenos buracos negros de ego, formando um buraco negro supermaciço de Ego
nos céus.
Digo isso com ironia, simplesmente ressaltando o fato de que a soberania
calvinista não é mais “gloriosa” do que a soberania quenótica e autolimitadora, nem
está imune a acusações de projeção. O fato é que todos nós fazemos pequenas
projeções. Espera-se que Deus nos perdoe. E isso nos traz à segunda forma com que
podemos responder a essa soberania peculiar de Deus.
116 LEWIS C. S. Cristianismo puro e simples (São Paulo: Martins Fontes, 2005), 55-56.
86
Monstros no Porão
Monstros no Porão
Uma dura peregrinação havia chegado ao fim. A crença que tremulava vacilante
agora brilhava. A fé outrora dormente agora renascia. A alma perdida havia sido
encontrada. O processo de desconstrução e reconstrução havia causado dúvida e
desespero, mas também me havia dado um novo lugar para reclinar minha cabeça.
Eu estava cansado e fatigado, mas sabia que estava em casa. Era uma casa construída
sobre a glória de um Deus crucificado de amor altruísta, e ao redor daquele centro
havia florescido muros de graça, livre-arbítrio, kenosis e um tipo peculiar de
soberania. E, na minha opinião, era uma casa por completo.
Mas nenhuma casa é perfeita. Sempre há rachaduras escondidas, uma
torneira com vazamento, um azulejo quebrado. Às vezes há barulhos estranhos que
vêm do porão. Assim, encontrar uma casa não é uma questão de encontrar a casa
perfeita, é mais uma questão de encontrar um lugar que você ama, e então aprende
a viver com suas frustrações. Portanto, não deveria ser surpresa que, uma vez que a
novidade de minha casa nova acabou, eu comecei a observar algumas rachaduras e
alguns vazamentos. Eu até mesmo comecei a ouvir alguns barulhos no porão.
E, então, o que uma pessoa faz com as rachaduras, os vazamentos e os
barulhos? Como lidamos com os monstros em potencial em nossos porões? Nós os
cobrimos e tentamos convencer a nós mesmos e a outros de que eles não estão lá?
Geralmente, essa é a decisão mais comum. Mas tal decisão não promove a verdade,
pois a verdade jamais teme a honestidade. A verdade não está preocupada em vencer
uma discussão, ou criar um grande número de seguidores. A verdade só quer sair e
ser conhecida.
Então foi isso que eu, no melhor de minha capacidade, fiz. Fui até o porão,
procurei e reuni todos os monstros, e então os arrastei até à luz, e aprendi a viver
com eles.
Estacionar Pode Ser um Pesadelo
Minha viagem ao porão do teismo do livre-arbitrio teve início em meu último ano
de faculdade. Um representante de um seminário próximo havia vindo em uma
visita de recrutamento, e então ele fez o que os representantes em visitas de
recrutamento fazem, ele nos disse quão perfeita a instituição dele era. Tinha
excelência acadêmica, excelência em formação espiritual, excelência em vida no
campus, e os professores e alunos geralmente eram vistos se esbarrando pelos
corredores. Você conhece a coisa. A pessoa faz uso de uma argumentação e venda
embaraçosamente persuasiva, na qual todos os pontos fortes são realçados e
nenhuma fraqueza é reconhecida. Os efeitos colaterais estão sempre nas letras
miúdas. E apesar de tal tática ser convincente, ela não exatamente o ajuda a tomar
uma boa decisão.
Então eu levantei minha mão e lhe perguntei, “Qual é a pior coisa sobre seu
seminário?”. Ficou evidente que essa foi uma daquelas perguntas que ele não estava
preparado para responder. Ele queria evitar dizer qualquer coisa negativa sobre a
instituição, mas percebendo que ele não tinha recursos requintados, ele
relutantemente disse, “Bem. jamais me fizeram essa pergunta antes, então eu acho
que se precisasse dizer algo... Estacionar pode ser um pesadelo”. Muito útil.
Essa situação enlouquecedora de semi-transparência é a infeliz realidade da
maioria dos argumentos utilizados em publicidade teológica. Os vendedores
teológicos estão mais preocupados em lhe vender uma casa exatamente como a
deles, do que em ajudá-lo a encontrar o lugar certo para você. Mas falar é mais fácil
do que agir, e embora reclamar seja bom, a reclamação geralmente não produz
muita coisa, portanto, aqueles de nós que querem honestidade teológica devem
liderar o caminho ao abertamente reconhecer os buracos, as brechas e os monstros
em nossas construções teológicas.
Precisamos deixar que os outros vejam os mistérios com os quais estamos
aprendendo a conviver.
México ou Suécia
E apesar de o compatibilismo (o “livre-arbítrio” calvinista) ser problemático por uma
série de razões já mencionadas (a existência do pecado, o mal, o inferno), também
deve ser admitido que o maior mistério do teísmo do livre-arbítrio é o mistério do
livre-arbítrio libertário. Na verdade muitos filósofos consideram a idéia de livre-
arbítrio incoerente.
Considere isso, você quer viajar de férias e tem suas escolhidas reduzidas a
México e Suécia, e, após muita deliberação, você decide viajar para o México. Agora,
de acordo com o livre-arbítrio libertário, o mesmo conjunto de circunstâncias e
deliberações (mesmos desejos, mesmas inclinações, mesmas crenças, etc.) que o
levaram a escolher o México poderiam também o ter levado a escolher a Suécia. Isso
parece um tanto estranho. Se nada fosse mudado, de onde viria essa decisão de
escolher a Suécia? Ela apareceria como mágica, do nada? Ela se materializaria em
seu córtex pré-frontal? Como se pode, de alguma forma, entender esse tipo de
impulso “livre”?
Essa acusação é bastante justa, mas qualquer cristão atencioso perceberá
que se a criação do mundo por parte de Deus foi um ato de graça, então Deus deve
ter tido a habilidade de não criar o mundo. E se isso for verdadeiro, então, no
mínimo, Deus deve ter liberdade libertária. E se Deus tiver liberdade libertária,
então, ainda que não possamos plenamente (ou remotamente) explicá-la, o fato de
Deus a ter não é uma idéia incoerente ou absurda.
Pecado
Agora, a menos que pensemos que isso seja um jogo de filosofia de alunos do
segundo ano da faculdade, aqui é onde o problema começa. Qual a origem do
primeiro impulso pecaminoso?
Embora os calvinistas consistentes acreditem que Deus tenha ordenado a
queda, eles hesitam em dizer que Deus colocou o primeiro impulso pecaminoso em
Adão. Mas se não veio de Deus, de onde mais poderia ter vindo? Críticos do
calvinismo acusam-no de inconsistência nesse ponto. Já foi afirmado que Deus é a
realidade toda-determinante e ordenou a queda, no entanto, o calvinismo
simplesmente não aceita esse difícil ponto, nem admite que Deus ordenou o
primeiro impulso pecaminoso em Adão. O que os calvinistas têm a dizer como
defesa? Eles apelam ao mistério. “Não sabemos de onde surgiu o primeiro impulso
pecaminoso”. Todavia certamente não parece que eles não sabem de onde veio o
impulso, mas sim que eles não querem dizer de onde ele veio. Ou, melhor ainda,
parece que os calvinistas deliberadamente suspendem a lógica de sua teologia nesse
ponto.
Mas agora devemos fazer a mesma pergunta ao teísmo do livre-arbítrio: de
onde surgiu o primeiro impulso pecaminoso? Deus cria um mundo livre de pecado,
e humanos sem pecado. Como que um humano sem pecado em um mundo livre de
pecado escolhe pecar? De onde vem o impulso? Apelar para Satanás não vai
realmente ajudar, pois então precisaríamos fazer a mesma pergunta acerca de
Satanás, de onde veio seu primeiro impulso maligno? De fato, no fim das contas, a
melhor coisa que podemos dizer é. “É um mistério”. Nós não acreditamos que Deus
tenha ordenado esse primeiro impulso; nós acreditamos que Adão seja responsável
por ele, mas não podemos explicar como uma criatura sem pecado escolhe pecar.
Salvação
Mas agora deixemos de falar sobre pecado, e passemos a falar sobre salvação. De
acordo com o teísmo do livre-arbítrio, por que algumas pessoas aceitam a Cristo, ao
passo que outras o rejeitam? Certamente não é porque os que aceitam a Cristo sejam
— em certo sentido moral — “melhores” dos que os que o rejeitam, pois nós todos
somos totalmente depravados à parte da graça de Deus. Então, como fica? O que os
teístas do livre-arbítrio dizem em sua defesa? É um mistério. Conforme Jerry Walls
observa.
Vanglória no Céu
Um calvinista e um teísta do livre-arbítrio estão diante dos portões de pérola, e o
Apóstolo Pedro lhes pergunta, “Quem recebe a glória por sua salvação?” O calvinista
rapidamente responde, “Deus recebe toda a glória, pois minha salvação é
inteiramente dele. De acordo com Efésios 1, ele me elegeu antes da fundação do
ll7Jerry Walls, “The Free Will Defense, Calvinism, Wesley, and the Goodness o f God,” Christian Scholar’s
Review 13, no. 1 (1983), 25.
mundo, me justificou na cruz, e ordenou que eu acreditasse e aceitasse a Jesus”.
Satisfeito, Pedro então se volta para o teísta do livre-arbítrio, que diz, “Bem, Deus
recebe 99 por cento da glória, pois ele fez todo o trabalho pesado, mas então eu
escolhi acreditar e aceitar a Jesus, portanto, eu recebo 1 por cento”. Pedro suspira em
horror, bate na testa do teísta do livre-arbítrio com seu cetro dourado, e diz que esse
é apenas mais um exemplo de como o teísmo do livre-arbítrio usurpa Deus de sua
glória. Ela cria pessoas que se vangloriariam no céu.
Essa é a típica acusação feita contra o sinergismo, que é o termo técnico
para o entendimento libertário da salvação, no qual há cooperação divina-humana
na salvação — Deus, em graça, faz tudo, mas os humanos precisam cooperar ao
aceitar essa graça. De acordo com pessoas como James Montgomery Boice, os teístas
do livre-arbítrio não podem dar glória a Deus, “Eles querem glorificar a Deus. Na
verdade, eles podem e dizem ‘a Deus seja a glória’, mas eles não podem dizer
‘som ente a Deus seja a glória’, porque insistem em misturar o poder ou a habilidade
do homem, com a resposta humana ao evangelho da graça”118
Por conseguinte, quando teístas do livre-arbítrio chegam ao céu, nós iremos
inevitavelmente nos vangloriar, “Eu escolhi crer. Eu, pelo meu próprio poder, recebi
Jesus Cristo como meu Salvador”119. Boice conclui sugerindo que caímos nesse erro
porque não entendemos adequadamente o peso de nossa pecaminosidade humana.
Tudo isso para dizer que o teísmo do livre-arbítrio enfrenta as acusações de
depreciar a pecaminosidade humana, minimizar a salvação pela graça, e usurpar a
glória de Deus. As acusações se sustentam? O que podemos dizer em defesa? Após
sentar com esses monstros por um tempo, aqui estão algumas coisas que posso dizer
por mim mesmo.
Minimiza o Pecado?
Todo ser humano fez algo que ele pensou que não fosse capaz de fazer. Às vezes isso
é bom, mas na maioria das vezes é ruim. Você tem um pensamento tão repulsivo que
fica perplexo que ele tenha entrado em sua mente. Você diz algo tão cruel que
imagina como um humano sequer consegue pensar em dizer tal coisa a outro ser
humano. Você faz algo tão egoísta que se acha na frente do espelho pensando,
“Quem sou eu, quem faz esse tipo de coisa?”. Isso é algo diário para mim.
llsBOICE, James Montgomery. O Evangelho da Graça. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, pp. 160, 61.
,,9Ibid.
E todavia eu geralmente não me vejo como uma espécie de criatura
horrendamente repulsiva, cruel e egoísta. Isso me leva a acreditar que eu (e
provavelmente todo ser humano que já existiu) sou inquestionavelmente culpado de
subestimar minha própria pecaminosidade — somos piores do que pensamos que
somos. A verdade é que enquanto estivermos rodeados por humanos tão defeituosos
quanto nós somos, jamais conheceremos as profundidades de nossa depravação —
que somente virá quando estivermos diante do Criador crucificado. Mas tendo dito
tudo isso, eu considero que meu teísmo do livre-arbítrio não deprecia minha própria
pecaminosidade (não mais do que qualquer teologia deprecia),mas sim magnifica a
graça de Deus.
Ele não minimiza pecado — ele só magnífica a graça.
Magnifica a Graça
O calvinismo tenta enfatizar o pecado e magnificar a graça ao enfatizar nossa
depravação, somos tão depravados que Deus precisa realizar toda e cada parte de
nossa salvação. Deus até mesmo determina nossa aceitação do dom de salvação, pois
nós, de outra forma, não poderíamos aceitá-lo.
Mas como já observado, para mim isso minimiza tanto o pecado quanto a
graça, porque Deus é a causa última de nossa pecaminosidade e depravação, e como
tal, a salvação Dele não é um ato de graça — Deus está meramente resolvendo o
problema que Ele mesmo causou. E assim, apesar de eu poder responder a esse gesto
dizendo. “Deus, você fez a coisa certa”, eu certamente não responderia com um
“obrigado”. Ou, no mínimo, eu não saberia a razão de estar dizendo “obrigado”.
Conforme notado anteriormente, se você não pode ficar diante da cruz e entender a
razão de estar dizendo “obrigado", existe aí um grande problema. O pecado deixa de
ser pecado e a graça deixa de ser graça. Não. a fim de que o pecado seja pecado e a
graça seja graça, devemos enfatizar o pecado e magnificar a graça de outra forma. A
outra forma é bastante óbvia, uma vez que eu já a apontei para você.
Conforme copiosamente lembrado do início ao fim. o teísmo clássico do
livre-arbítrio afirma, com toda sinceridade, a depravação total. Os humanos não têm
a habilidade de se voltar para Deus por eles mesmos. Nós somos buracos negros,
desesperadamente voltados para nós mesmos, e somos tanto culpados do pecado,
quanto infectados por ele. Mas o teísmo clássico do livre-arbítrio também afirma
que a graça de Deus é mais do que capaz de superar a depravação. Estou falando
bem sério...
A graça de Deus é capaz de criar o cosmos, sustentar a existência, e
ressuscitar Jesus de entre os mortos, mas ela não pode superar nossa depravação a
ponto de nos conceder a habilidade de aceitar ou rejeitar a oferta divina de
redenção?120 Em vez de depreciar o pecado e a graça, eu acredito que o teísmo do
livre-arbítrio faz exatamente o oposto.
120 Isso se rfim n graça preveniente. A graça preveniente é entendida como sendo a atração poderosa de
Deus, mas resistível, na qual a vontade caída é liberta, e lhe é concedida a oportunidade de aceitar a Deus
ou rejeitá-lo.
12101son, Teologia Arminiana, 206.
funciona para mim. Mas ainda assim não há um pequeno espaço para que nós nos
vangloriemos de nossa salvação, mesmo que seja 0,000000001 por cento? E aqui
chegamos ao impasse. Não, eu não penso que haja espaço para que nós nos
vangloriemos de nossa salvação — mas o calvinista pensa que há. Precisaremos
concordar em discordar.
Conseqüentemente, ao passo que compreendo a preocupação calvinista, ela
simplesmente não parece preocupar a Deus tanto quanto preocupa a eles122. Eu não
penso que um Deus que assume forma humana para ser assassinado por suas
criaturas está muito preocupado com que tirem vantagem dele, então nós
provavelmente também não nos devemos preocupar tanto com isso.
Presciência e Mal
Outro monstro — ou pelo menos uma característica desconcertante — do teísmo do
livre-arbítrio diz respeito à presciência de Deus.
De acordo com o teísmo clássico, Deus tem presciência absoluta e exaustiva
do futuro. De acordo com o teísmo aberto, uma recente variação do teísmo clássico,
Deus não tem presciência exaustiva do futuro, mas sendo infinitamente inteligente,
ele certamente tem uma boa ideia do que irá acontecer. De qualquer forma, isso
resulta no seguinte dilema. Se Deus soubesse — ou pelo menos tivesse uma boa ideia
(teísmo aberto) — de que o mundo que ele iria criar resultaria nesta enorme
quantidade de mal e na condenação eterna de um número imensurável de humanos,
por que ele o criaria? Se Deus cria um mundo no qual o pecado, o mal, e o inferno
122 Na verdade, no calvinismo é difícil de se entender por que, se Deus odeia tanto o orgulho, Ele ordenou
tanto orgulho e ordenou que esse orgulho lhe trará glória.
123Willard, The Divine Conspiracy, 38.
são inevitáveis, Deus não é responsável por eles? O teísta do livre-arbítrio não fica
na mesma posição que o calvinista?
No mundo teológico/filosófico, é coisa rara ver muito consenso, mas quando
se trata desse assunto, há incrível concordância de que a defesa do clássico teísmo de
Alvin Plantiga resolveu a questão.
Observe que Plantiga não afirmou que suas conclusões são à prova de bala.
Ele está meramente enfatizando que é certamente possível que Deus escolheu criar
este mundo — sabendo que ele resultaria nesta quantidade de pecado e sofrimento
— pois não lhe era possível criar um mundo em que o bem moral e os
relacionamentos divino-humano genuínos fossem possíveis e o mal não fosse. Você
não precisa concordar com a argumentação, mas é difícil discordar de que essa é
uma possibilidade.
E, além de ouvir uma possibilidade, aqueles de nós embasados na história da
Escritura ouvem ecos do Éden — Deus colocando duas arvores diante de Adão,
dando-lhe a opção de viver dentro ou fora do projeto divino para a criação. Dessa
forma, apesar de Deus realmente ter criado um mundo no qual ele sabia (ou estava
bem certo) de que algumas de suas criaturas acabariam no inferno, ele não tinha
opções melhores caso suas criaturas devessem ser verdadeiramente livres e capazes
de gozar de relacionamentos genuínos com ele.
I24PLANTINGA, Alvin. Deus, a Liberdade e o Mal (São Paulo: Vida Nova, 2012), p.47
96
Ao passo que essa explicação é possível e — parece-me — bíblica, deve se
admitir que ela ainda deixa espaço para que alguém se sinta desconfortável. Sim, as
pessoas no inferno estão lá como conseqüência de seus próprios pensamentos, ações
e inclinações pecaminosas. Elas merecem o inferno assim tanto quanto nós o
merecemos. Mas Deus trouxe esses homens à existência sabendo que eles
iriam/poderiam acabar dessa forma, sabendo que eles iriam/poderiam passar a
eternidade no inferno125. Isso pode ser um elevado preço a se pagar, e somos
deixados entregues ao mistério, confiando que Deus sabia o que estava fazendo
quando criou este mundo e não outro.
Bliks
Já viu o coelho-pato?
É uma imagem de um pato... Ou de um coelho. Dependendo de como você olhar
para a imagem, você ou vê um pato ou um coelho126. Ambos estão lá para serem
vistos, e é difícil dizer por que algumas pessoas inicialmente veem o pato e outras
veem o coelho. Esse é um exemplo não refinado do que os filósofos chamam de blik
Um b lik t uma lente interpretativa através da qual vemos todas as demais coisas. Um
b lik explica porque alguns olham para o sofrimento e veem ausência de Deus ao
passo que outros olham para o sofrimento e vêem a presença de Deus. Vemos a
mesma coisa através de olhos diferentes e, conseqüentemente, vemos coisas distintas.
E, de muitas maneiras, bliks são os motivos pelos quais algumas pessoas
optam pelo calvinismo enquanto outras optam pelo teísmo do livre-arbítrio127. Os
calvinistas lêem a Bíblia e o que lhe salta aos olhos é a soberania de Deus toda-
determinante e o comprometimento de glorificar a si mesmo a todos os custos — o
b lik deles é a glória do poder. Os teístas do livre-arbítrio leem a Bíblia e o que lhes
salta aos olhos é a soberania altruísta de Jesus, na qual o amor é mais importante do
que o controle — o b lik deles é a glória do amor.
125 No teísmo aberto, Deus não sabe exatamente quais humanos acabarão no inferno, mas ele deve ter uma
boa ideia de que muitos humanos realmente acabarão lá, então eu considero o dilema o mesmo.
126 Apenas pesquise no Google por “duck rabbif’.
l27Devo esse pensamento ao Roger Olson, e ele elabora essa ideia em Teologia Arminiana, 90-94.
Vivendo Mistérios
E, no fim das contas, eu não tenho idéia de por que um b likvem mais naturalmente
do que o outro. Mas eu realmente penso que tenho uma ideia de por que, tendo visto
as opções, escolhemos ficar com nosso b lik ou conseguir outro. Mas, no frigir dos
ovos, penso que ficamos com uma casa teológica porque preferimos os monstros em
seu porão aos monstros nos outros porões. As pessoas não escolhem o calvinismo ou
o teísmo do livre-arbítrio porque um lado provou claramente ser o certo, mas
porque eles “consideram o conjunto de mistérios de um mais fácil de se viver do que
o conjunto de mistérios do outro”128.
Então, com quais mistérios você está disposto a conviver? Melhor ainda,
com quais mistérios você pensa que a Bíblia o ensina a conviver? Talvez o apóstolo
Paulo seja o que mais se aproxima do cerne do mistério supremo.
Quero que vocês saibam quanto estou lutando por vocês (...) e por todos
os que ainda não me conhecem pessoalmente. Esforço-me para que eles
sejam fortalecidos em seus corações, estejam unidos em amor e
alcancem toda a riqueza do pleno entendimento, a fim de conhecerem
plenamente o mistério de Deus, a saber, Cristo. Nele estão escondidos
todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento. (Colossenses 2:1-3)
128Ibid., 92-93.
129George C. Berthold, “The Cappadocian Roots o f Maximus the Confessor,” em eds. F. Heinzer e d C. von
Schonbom, Maximus Confessor, Actes du Symposium sure Maxime le Confesseur (Fribourg: Editions
Universitaires, 1982), 56.
Mancando
Atravessando o Jaboque
Jacó quer ir para casa. Ele está fora há muito tempo, em uma longa jornada. “Volte
para a terra de seus pais”, Deus diz; e Jacó concorda130. Então ele desmonta o
acampamento, faz as malas e vai em direção á sua casa, mas há receio em seus
passos. Jacó não havia saído de lá exatamente nos melhores termos. Ele havia
enganado seu pai, roubado uma bênção de seu irmão, e foi enviado para longe para
viver com seus parentes. Que tipo de recepção ele receberá? Esaú ainda está bravo o
bastante a ponto de matá-lo? É difícil dizer.
Então Jacó faz o que ele sempre havia feito, ele planeja e manipula. Ele
envia sua família e todos os seus servos na frente para se encontrarem com Esaú
primeiro, para lisonjearem-no e darem a ele várias cabras, camelos, vacas e burros.
E agora ele está sozinho no centro do vau do Jaboque. O crepúsculo dá lugar à noite,
ao passo que o sol desaparece sob o horizonte. De manhã ele irá atravessar o vau de
Jaboque e estará em casa — se ele conseguir superar a noite.
De repente — um farfalhar nos arbustos.
Jacó senta-se com a coluna ereta, seus olhos se esforçam para conseguir o
foco, mas antes que consiga ver direito, acontece. Um estranho salta do escuro e Jacó
está lutando por sua vida. Quem é? Esaú? Um espírito mau protegendo a travessia
do rio? Eles selvagemente se agarram, chutando pó e grama, e enquanto isso os olhos
de Jacó ainda se esforçam para focar no rosto do agressor, mas sem sucesso. O
estranho permanece um mistério.
Os músculos ardem e a adrenalina diminui gradualmente, mas nenhuma
das partes irá se render. O estranho é forte, mas Jacó está determinado. De fato,
parece que Jacó irá vencer! Mas então tudo se desenrola com um simples toque. O
estranho toca o quadril de Jacó, deslocando-o, e instantaneamente Jacó grita de
agonia enquanto cai no chão. Lá ele fica paralisado e machucado, todavia, ele não
largou seu agressor — Jacó o puxou para o chão.
Israel
O estranho então quebra o silêncio com uma indagação curiosa, qual é o seu nome?
“Jacó”, ele responde, recusando soltar o estranho, apesar de suspeitar que o intruso a
quem segura seja algo completamente Outro. Mas a suspeita de Jacó, excessiva como
é, não consegue antecipar o que vem em seguida — ele recebe um novo nome. “Seu
nome não será mais Jacó, mas sim Israel, pois você lutou com Deus e com homens, e
venceu”132. Perplexo, Jacó solta o estranho e considera o impossível.
Ele está lutando com Deus.
Suas mãos agarraram o divino.
E agora ele recebeu um nome que marca aquele arbusto com deidade. Jacó
agora é Israel, e a nação que descenderá dele é a nação nascida desse ataque de
Deus. Israel é a nação nascida no momento em que Jacó derrotou a Deus. Mas ele
derrotou mesmo?
A história termina com o sol se nascendo, enquanto ele manca até sua casa,
“Ao nascer do sol, atravessou Peniel, mancando por causa da coxa...”133
Mancos e Migalhas
Isso é o que acontece quando humanos se encontram com Deus.
Quer chamemos isso de derrota magnífica ou de derrota incapacitante, quando
damos de cara com o Mistério dos mistérios, recebemos uma bênção, mas também
13lFrederick Buechner, The Magnificent Defeat (Nova Iorque: Seabury Press, 1966), 18. Devo muito à
forma magistral de como Buechner narra essa história em minha narrativa menos hábil.
'“ Gênesis 32:28 (NVI).
133 Gênesis 32:31.
saímos do encontro com uma fraqueza134. Quando lidamos com o EU SOU, somos
todos mancos procurando migalhas. E talvez o sinal mais certo de que nossa teologia
na verdade apenas toca Deus de leve é a presença de uma fraqueza. É o cultivo da
humildade, candor e generosidade. É um certo temor, modéstia e limitação. A
teologia que não manca não é teologia cristã.
Quando alguém pesquisa a cena teológica hodierna, existe muita vanglória,
mas pouca deficiência. É um fenômeno enigmático. Estamos reivindicando falar de e
até mesmo por Deus, pelo Criador e Mantenedor do cosmo. Estamos reivindicando
falar pela voz que, através da fala, chamou o mundo à existência. Estamos
reivindicando descrever o Mistério por trás de todos os outros mistérios. E, todavia,
nos vangloriamos? De onde vem esse orgulho? As sementes do orgulho teológico
geralmente germinam no mesmo lugar, a certeza.
O Comichão da Certeza
Desde o momento em que Adão e Eva morderam aquele mal fadado pedaço de fruta,
os humanos têm tentado transcender a transcendência. Rejeitamos nossa
humanidade e tentamos entender a divindade. Tais tentativas de compreensão
assumem diferentes formas, mas freqüentemente ela se mostra em nossas audaciosas
tentativas de alcançar a certeza em nosso conhecimento de Deus. Nem a fé e nem a
probabilidades são o bastante. Queremos conhecimento que não possa ser duvidado.
Esse é especialmente o caso no presente meio filosófico e teológico, no qual
muitos de nós sentem que estamos afogando-nos em um mar de relativismo,
ceticismo e niilismo. Tudo é duvidado, ninguém possui convicção, e estamos
desesperados por uma viagem segura em terra seca. Isso torna a certeza e a
presunção teológica ainda mais atraente, “Nosso apetite por certeza só tem crescido
em nosso problemático século. Quanto mais distante ele está, mais desejável
parece”135. Enxameamo-nos como insetos à luz de teólogos, instituições e
movimentos presunçosos, buscando ser salvos do bicho-papão do pós-modernismo
(ou pós-pós-modernismo ou metamodernismo ou... Seja lá o que for).
l34Buechner cunhou o termo “Derrota Magnífica,” enquanto Brueggemann sugeriu o termo “Vitória
Incapacitante”.
l35Daniel Taylor, The Myth o f Certainty (Downers Grove, IL: InterVarsity), 79.
Descartes
Mas a grande ironia e tragédia em tudo isso é que muito do ceticismo que agora
suportamos foi acelerado por uma tentativa semelhante de alcançar certeza em
nosso conhecimento de Deus.
Era a Europa do século XVII, e o ateísmo estava já se inclinando à porta.
Preocupado que ele, em breve, arrombaria as portas da igreja, o cardeal Pierre de
Berulle empregou a ajuda de um jovem e promissor filósofo, René Descartes.
Descartes deveria provar, para além da dúvida, a existência de Deus. Para tal, ele
precisava limpar o terreno de qualquer coisa que não fosse certa, isto é. ele
descartou como inconfiável qualquer tipo de conhecimento de que ele pudesse
duvidar136.
As repercussões desse método sobre a cultura e o pensamento humano
subseqüentes não podem ser exageradas, mas para nossos propósitos a mais
importante é esta. Indubitavelmente, a certeza objetiva tornou-se o único
conhecimento que realmente contava como conhecimento: “A era moderna começou
com o ousado programa de Descartes, um programa encorajado pelo cardeal da
igreja e voltado para banir o ceticismo de uma vez por todas, ao estabelecer o
método pelo qual a certeza indubitável poderia ser obtida”137. Parecia bem
promissora, mas no fim ficou claro que a certeza é uma sedutora, uma provocação e,
por fim, uma ilusão.
As gerações seguintes enfatizaram que se o conhecimento objetivo é o único
tipo que realmente vale, então nenhum conhecimento humano significativo é
possível, pois não existe tal coisa como conhecimento objetivo. Todo mundo “sabe” a
partir de uma perspectiva. Tudo pode ser duvidado. A verdade objetiva só pode ser
conhecida subjetivam ente. E se tudo pode ser duvidado e o único conhecimento que
conta é o conhecimento que não pode ser duvidado, então estamos em um sério
dilema. Metemo-nos em um beco sem saída. Não é de se surpreender que as coisas
tenham caminhado para esse lamaçal de ceticismo e dúvida.
Lamente se quiser, mas a saída para nosso dilema é simplesmente não tocar
a bateria da certeza cada vez mais alto. Também não é agir presunçosamente,
136 E, sabidamente, a única coisa que ele descobriu que não poderia ser duvidado era sua dúvida. Ou,
colocando de outra forma, a única coisa de que ele estava “certo” era sua existência como um sujeito
(pensante) que duvida.
137Newbigin, Proper Confidence, 27.
esperando que nossa pompa compense a ignorância e a dúvida que nós
inevitavelmente nutrimos, como pequenas pilhas de pó no vasto cosmo de nosso
Criador. Não, a certeza e a presunção não nos irão livrar do ceticismo.
Mas o andar manco irá.
138 Ou uma comunidade completamente unificada de pessoas para ser exato — ou para ser inexato.
09 Para poupá-lo da ironia — eu estou certo disso? Claro que não, e esse é exatamente o ponto!
103
não está certo. E isso se dá porque você sempre conhece comouma pessoa, como um
ser com uma perspectiva inflexivelmente limitada, e você jamais pode transcender
sua “pessoalidade” a fim de alcançar certo tipo de conhecimento objetivamente certo.
Conforme Leslie Newbigin diz, “É obviamente absurdo supor que a objetividade total
seja possível; pois, se não há sujeito algum que conheça, não há conhecer’140.
Conhecimento Pessoal
E aqui se encontra a saída do ceticismo e relativismo. Devemos adotar o fato de que
todo nosso saber é, em última análise, pessoal. É o conhecimento que temos como
pessoas penosamente finitas. E além disso, o tipo mais significativo de conhecimento
que podemos ter é o conhecimento de outras pessoas. Em ambas as extremidades, o
conhecimento genuíno é pessoal,
Isso quer dizer que devemos aceitar e adotar o risco envolvido em todo o
saber humano, principalmente nosso conhecer de Deus. Nós poderíamos mais
certamente estar errados e nossas crenças mais amadas podem certamente ser
duvidadas. Mas isso não torna nosso conhecimento inadequado ou menos
significativo. Longe disso! Ele simplesmente quer dizer que devemos rejeitar a noção
inocente de que o tipo mais significativo de conhecimento seja o conhecimento que
não possa ser duvidado.
Antes, o oposto é verdadeiro, o tipo mais significativo de conhecimento —
conhecimento pessoal — sempre pode ser duvidado! É o comprometimento pessoal
de uma pessoa com outra pessoa. Não é um salto de fé cega, mas é um passo em solo
incerto. Podemos e devemos estar confiantes — profundamente confiantes —, mas
não podemos ter certeza.
142lbid„ 67.
143Taylor, The Myth o f Certainty, 94.
l44Buechner, Wishful Thinking, 23.
lado da humanidade — pode dar à luz a fé, quando a colocamos diante de Cristo
que, na cruz, disse, “M eu Deus, m eu Deus, porque m e abandonaste?
Fé, dúvida, humildade e confiança — essas são o material e a substânciada
teologia na sua melhor condição. Presunção, soberba e certeza — essas são o
material e a substância da ideologia no seu pior estado.
Dizendo o Indizível
Tenho uma opinião. Estou confiante em minha teologia. Penso que os calvinistas
estão certos em algumas coisas, um tanto quanto equivocados em outras, e
realmente errados em ainda outras. Eu provavelmente tenho minha parcela
presunção. E compartilho minha experiência porque acredito que haja um caminho
melhor, e gostaria de que você se juntasse a mim nesse caminho. Mas eu poderia
estar errado e devo estar bem com isso, pois talvez a única coisa pior do que estar
errado é estar certo de que você está certo — uma afirmação que é menos sobre
boas-maneiras e tolerância do que é sobre teologia e honestidade.
Barth, em uma de suas conhecidas declarações, disse, “Devemos falar de
Deus. Somos humanos e, todavia, não podemos falar de Deus. Devemos, assim,
reconhecer tanto nossa obrigação quanto nossa inabilidade, e com esse mesmo
reconhecimento dar glória a Deus. Essa é nossa perplexidade. O restante de nossa
tarefa, em comparação, esvai-se em insignificância’145.
Não conseguimos realmente falar de Deus.
Não podemos parar de falar de Deus.
Essa é realmente nossa perplexidade — minha e sua —, e é uma
perplexidade que jamais é resolvida. Ela só é aceita. Confiança? Definitivamente.
Certeza? Não. Você é humano e eu também sou — isso é fato. Portanto, troquemos
nossa confiança por um andar manco e vamos, juntos, procurar por migalhas.
14SKarl Barth, The Word o f God and the Word o f Man (Nova Iorque: Harper & Brothers, 1957), 186.
106
Jovem, Incansável e...
Dilema do Evangelho
Então essa é minha peregrinação de conversão ao calvinismo e desconversão dele,
minhas divagações de desconstrução e reconstrução. E apesar de minha jornada
teológica jamais chegar ao fim deste lado do túmulo, podemos encontrar um lar no
caminho Deus sabe que precisamos de um. Eu tenho um, e estou aprendendo a
mancar pela casa. Eu sou mais ou menos jovem, sou incansável e sou...
Bem, ainda não estou bem certo acerca de como terminar a frase acima.
“Jovem, incansável e reformado” flui facilmente ao dizer.“Jovem, incansável e teísta
do livre-arbítrio” não tem o mesmo efeito. E além de ser um dilema retórico, isso é
um dilem a do evangelho, pois essa frase precisa terminar com algo acerca do
evangelho. Se o evangelho for realmente o centro radiante da fé, da vida, da
adoração e da missão cristãs, então faríamos bem se nos centrássemos nele, ao invés
de nos tornarmos fixados em um de seus raios.
Independentemente de sua convicção teológica, o evangelho não é
primariamente uma proclamação do calvinismo ou do teísmo do livre-arbítrio (ou
de qualquer outro “ismo”, diga-se de passagem); no entanto, você seria desculpado
por pensar que fosse, devido ao sentido atribuído por certas pessoas. Nem é o
evangelho “as boas novas que, em razão apenas da morte de Jesus, seus pecados
podem ser perdoados, e tudo o que você precisa fazer é crer, ao invés de tentar
impressionar Deus com suas ‘boas obras’”146. Não, como uma avalanche crescente de
vozes estão enfatizando, o evangelho é algo muito maior que a justificação pela fé,
dupla imputação, e expiação substitutiva147. Como um protestante evangélico, penso
que essas doutrinas têm seu devido lugar, mas elas não são o evangelho. Se
quisermos ser pessoas que vivem e preguem o evangelho, então precisamos ir até os
Evangelhos (Mateus. Marcos, Lucas e João... Eles são chamados Evangelhos por um
Reino
Tanto em Mateus 4:23 como em 9:35, ouvimos que Jesus estava “proclamando o
evangelho do reino”. Se quisermos basear nossa interpretação em Jesus —
geralmente uma idéia brilhante —, então talvez nós devêssemos, no mínimo, tentar
definir o evangelho em termos de reino. O evangelho é uma mensagem acerca de
um reie um reino. E conforme N.T. Wright, Scot McKnight e vários outros
laboriosamente enfatizaram, o evangelho é a boa nova de que Deus tornou-se rei de
todo o universo na e através da história de Jesus.
Discipulado
Siga-me.
Procure em todas as partes nos evangelhos, e verá que esse é o único convite
que Jesus realmente estende a todos. Conforme Dallas Willard observa, o Novo
Testamento é um livro escrito por discípulos, sobre discípulos e para discípulos155. O
reino é para os discípulos, pessoas que estão aprendendo a seguir Jesus, para que
possam se tornar como ele156. Você não pode optar pelo cristianismo, mas recusar o
discipulado. Discípulos não são super-cristãos; eles são apenas cristãos.
E, atrelada á palavra “discípulo", está uma gama de outras ideias importantes,
confiar em Jesus, pedir a Ele para que “entre em seu coração", ter seus pecados
perdoados. E apesar dessas coisas serem importantes, elas jamais podem ser tomadas
como um convite para algo que não seja o discipulado. É discipulado ou fracasso. O
discipulado é a entrada para o reino.
A intenção de Jesus — e a intenção do evangelho — era e é criar uma
comunidade de discípulos que ama Deus com o coração, a alma e as forças, e ama
seu próximo como a si mesmo. Era criar uma comunidade onde o Rei crucificado
reina. Nada mais serve, pois isso é o que o evangelho faz, ele faz discípulos daquele
reino em forma de cruz do crucificado Deus e Rei, Jesus.
154Ibid., 239-240.
155Dallas Willard, The Spirit o f the Disciplines: Understanding How God Changes Lives (Nova Iorque:
HarperCollins, 1988), 258.
l56Essa é uma descrição muito simples de discipulado, portanto, leia a obra The Divine Conspiracy escrita
por Dallas Willard.
Discípulos. Manufaturados ou Orgânicos?
Como mencionado anteriormente, geralmente se diz que a teologia de alguém não é
sustentável a menos que ela possa ser pregada nos portões de Auschwitz. Parece que
o evangelho também força-nos a dizer que a teologia de alguém não é sustentável a
menos que ela naturalmente produza discípulos do reino.
Se você estiver vivo e tiver um par de olhos decente, então você sabe que o
não discipulado é o elefante branco na igreja”137. O evangelicalismo está repleto de
evangelhos falsos e teologias que produzem consumidores de bens e serviços
religiosos, ao invés de discípulos. Tanto o calvinismo quanto o teísmo do livre-
arbítrio, em suas várias formas e expressões, não são exceções. Mas uma vez que se
admite que as mãos de todos estão um pouco sujas, há uma pergunta que pede para
ser feita. O calvinismo ou o teísmo do livre-arbítrio produzem, de maneira natural.
discípulos do reino?
A pergunta é penosamente escorregadia, pois (conforme mencionado
acima) existem muitas variações e expressões de cada um desses sistemas. Tendo dito
e admitido isso, eu ainda penso que seja uma pergunta que valha a pena ser
considerada.
158N. T. Wright, Justification: G od’s Plan and P aul’s Vision (Downer’s Grove, IL: InterVarsity, 2009), 37.
115
de sorte que fique mais fácil para nós lidarmos com a passagem e a “aplicarmos em
nossas vidas”.
Como um judeu seguidor de Jesus, a pergunta de Israel deixou Paulo em
grande angústia (9.2-3), mas ela era especialmente pertinente à situação de Roma.
Sabemos que Roma tinha um histórico de antijudaísmo, e que os judeus foram
expulsos de Roma no final da década de 40, então aparece provável (e o capítulo 11
confirma) que os gentios romanos estavam predispostos a olhar os judeus com
desdém1S9. Os judeus eram uma raça inferior, que havia surpreendentemente
rejeitado o Jesus que você adorava. É uma combinação volátil, certa para produzir
confusão e arrogância da parte dos cristãos gentios em Roma.
Paulo então escreve como um cristão judeu, tentando explicar como a
rejeição de Israel de seu Messias realmente não significa que Deus se tenha
esquecido de Israel, nem que isso deixa algum espaço para arrogância dos gentios.
Ben Witherington, de maneira sucinta, diz.
Paulo deve refutar as noções de que Deus abandonou seu primeiro povo
escolhido, de que a Palavra de Deus falhou, e de que Israel tenha
tropeçado a ponto de estar permanentemente perdido. Subjacente a
essas réplicas está a refutação da hipótese da superioridade gentia na
igreja romana. Aqui como em outros lugares, Paulo está buscando
nivelar o campo de jogo, a fim de deixar claro que todos estão “no”
povo de Deus pela misericórdia e graça de Deus, e que ninguém tem o
direito de se vangloriar em suas próprias realizações. Ele também quer
deixar claro que a salvação de Israel ainda faz parte da estratégia de
Deus 160
Com esse contexto firmemente em vista, nós podemos agora ler o restante
de Romanos 9-11, e evitar de perder o todo por causa das minúcias.
Endurecimento e Misericórdia
Então, o que está acontecendo com Israel?
De maneira bastante apropriada, Paulo responde essa pergunta ao recontar
a história de Israel, ilustrando que, do início ao fim, a fidelidade e a misericórdia de
159Ben Witherington III e Darlene Hyatt, P aul’s Letter to the Romans: A Socio-Rhetorical Commentary
(Grand Rapids: Eerdmans, 2004), 279.
I60lbid., 249.
Deus têm sido mais fortes do que a incredulidade de Israel161. Desde os patriarcas
(9:6-13), passando pelo êxodo (9.14-18), até o exílio (9,19-29). Deus encontrou
uma maneira de superar a futilidade do pecado e das circunstâncias de Israel.de
sorte que ele pudesse mostrar as riquezas de sua glória sobre os vasos de
misericórdia, tanto judeus quanto gentios (9.23-24). Deus quer uma família enorme
e mundial de pecadores redimidos, e ele irá conseguir sua família. Israel deveria
ajudar na realização desse plano através de sua obediência, mas, porque eles
falharam. Deus irá, contudo, fazer com que isso aconteça através de sua
desobediência.
Em termos do êxodo, Deus não causa a pecaminosidade de Faraó (Faraó já
havia escravizado o povo de Deus — Êxodo 1,8-14), mas endurece Faraó em sua
pecaminosidade pré-existente, de maneira que o nome e o poder de Deus possam ser
proclamados por toda a terra. Semelhantemente, Deus não causa o pecado de Israel,
mas os “endureceu parcialmente’ em seu pecado pré-existente, de sorte que a
“plenitude dos gentios’ possa chegar (11,25). É simplesmente má leitura bíblica
ignorar o paralelo entre o endurecimento de Faraó e o de Israel, falhando em
reconhecer que o endurecimento de Israel não é um decreto de reprovação (como
11,11-32 deixa claro), assim como também não o é o endurecimento de Faraó.
Agora, como no passado, Deus usa — e não causa — a incredulidade humana para
alargar sua família. Paulo oferece um excelente resumo em 9,30-32.
Em termos nada incertos, Paulo diz que Israel tropeçou e rejeitou seu
Messias porque falharam em buscar a retidão pela fé. Eles não tropeçaram porque
Deus unilateralmente os endureceu, mas porque eles buscaram a justiça "como se
fosse pelas obras’ (9.32). Inversamente, os gentios obtiveram a justiça, não porque
Deus unilateralmente escolheu salvá-los, mas porque eles a buscaram pela fé, Em
outras palavras, Paulo explica a misericórdia e o endurecim ento como respostas de
Deus à fé e à incredulidade, não decisões eternas e unilaterais para salvar ou
161 Uma percepção que devo a N. T. Wright, “Romans”, The New Interpreter’s Bible, vol. 10 (Nashville'
Abingdon, 1994), 622.
condenar pessoas. E para que não percamos esse ponto. Paulo elucida isso pelo
menos duas outras vezes. Em 11,20-23. ele diz,
Fazendo uso da imagem de uma oliveira, Paulo diz que os judeus haviam
sido cortados p o r sua incredulidade, ao passo que os gentios foram enxertados em
razão de sua fé. E, mais uma vez, voltamos a Romanos 11.25,
Irmãos, não quero que ignorem este mistério, para que não se tomem
presunçosos: Israel experimentou um endurecimento em parte, até que
chegasse a plenitude dos gentios (...).
Endurecimento Parcial
Isso foi o que aconteceu com Israel. Por que eles rejeitaram seu Messias, Deus
endureceu Israel, a fim de abrir amplamente o reino para os gentios. Deus fez uso da
incredulidade de Israel como uma oportunidade de arrancar as portas do reino de
suas dobradiças. M as esse é um endurecim ento parcial e temporário. Não é um
decreto de condenação preordenado e incondicional. Israel foi realmente endurecido
e cortado, mas ele pode ser enxertado novamente caso não continue em sua
incredulidade (11,23). Paul Achtemeier, de maneira muito útil, observa,
No final, Paulo encerra toda a questão, “Pois Deus colocou todos sob a desobediência,
para exercer misericórdia para com todos* (11:32). Conforme Witherington diz,
'“ Paul Achtemeir, Romans, Interpretation (Atlanta: John Knox, 1985), 164-165.
Witherington e Hyatt, P aul’s Letter to the Romans, 276-77.
(em oposição em se firmar sobre os textos 9,14-23 e interpretar o restante da Bíblia
a partir de tais versículos), nós podemos ter um vislumbre de uma visão maior. Eu o
encorajo a ler a passagem agora, e ver por si mesmo. Para uma análise mais
aprofundada feita por pessoas com credenciais para tal, vide alguma das seguintes
obras.
— Ben Witherington III d Darla Hyatt, Paul’s Commentary to the Romans, A Socio-
Rhetorical Commentary (Grand Rapids, Eerdmans, 2004).
Luzes Apagadas
Suíça?
Tenho um amigo que, através de uma mistura perplexa de natureza e nutrição, alega
profunda lealdade tanto à equipe da Universidade do Texas quanto à da Texas A&M.
Ele nos deixa loucos com suas lealdades conflitantes. O que quero dizer é que você
não pode ir a um jogo de futebol americano do time Longhom s contra o Aggies e
torcer para ambos — isso simplesmente não está certo.Pare de ficar em cima do
muro, ou você irá se machucar. Contudo, ele, de maneira feliz, torce. Isso me frustra,
mas preciso admitir: ele é a única pessoa no jogo que se dá bem com todo mundo
(ou ao menos ele acha que se dá). Em uma multidão de pessoas vestindo laranja
queimado e outras vestindo vinho, ele é a Suíça.
Toda vez que chego no final de um debate particularmente disputado, a
primeira pergunta que me vem à mente não é, “Eu ganhei?”, mas “Valeu a pena?'. Eu
precisei tomar partido? Posso ser neutro nessa questão? Podemos dizer sim aos dois
lados? A Suíça é a melhor opção?
No que diz respeito ao livre-arbítrio e ao calvinismo, os argumentos podem
tomar-se tão complexos, as evidências bíblicas tão flexíveis, e os debates tão raivosos
que você não consegue deixar de pensar se essa coisa toda não deveria ser marcada
como uma Suíça teológica. Sim, Deus é infinitamente bom e, sim. Deus cria pessoas
para condená-las. Sim, Deus se parece com Jesus e, sim, Deus não se parece
com pletam ente com Jesus. Sim, nós temos livre-arbítrio verdadeiro e, sim, Deus é a
causa última de todo evento.
Na verdade, quer seja uma escolha calculada ou uma contradição não
examinada, eu penso que a maioria das pessoas, nessa questão, pousa na Suíça. Os
que se inclinam para o teísmo do livre-arbítrio usam o calvinismo como uma muleta
quando querem segurança e conforto. Os que se inclinam para o calvinismo usam o
livre-arbítrio como uma muleta para perceber suas vidas, suas escolhas e seus
relacionamentos — isto é, sua existência — como significativos.
Salte!
E para esses eu diria, eu gosto de Suíças teológicas muito mais do que nazistas
teológicos — e você é mais que certamente livre para pousar onde quiser —, mas a
Suíça realmente existe nessa questão ou você só gostaria que ela existisse? Você pode
acreditar que Deus unilateralmente controla cada pequena partícula da realidade e,
todavia, Deus não controla cada pequena partícula da realidade, assim como você
pode acreditar que Deus criou o mundo e que ele não criou o mundo (eu suponho).
Ninguém pode fazer com que você faça sentido — você pode acreditar em qualquer
coisa o que quiser.
Mas por que acreditar em algo que, até onde podemos ver, não é um
paradoxo, mas uma patente contradição? Ou Deus é a realidade toda-determinante
ou ele não é (por sua própria escolha, naturalmente). Eu gostaria que houvesse um
meio termo, mas... Qual seria ele? Contudo, talvez você ainda pense que seja a
melhor opção — talvez seja (essa é a Suíça em mim se pronunciando). Mas, se nada
mais, eu espero que o conteúdo lido até o momento tenha mostrado que há outra
forma; uma forma de ter um Deus soberano, glorioso, que ainda se parece com Jesus
e ama igual a ele. Apesar de longe de ser perfeito, o teísmo do livre-arbítrio tem a
seriedade de manter a soberania, a glória, a graça e o amor juntos. Portanto, fique
em cima do muro o tempo que quiser, mas não tenha medo de saltar.
Luzes Apagadas
Porque um dia as luzes irão se apagar.
Aquela chama tremeluzente da existência da forma como a conhecemos
será extinguida pelo túmulo. O que acontecerá lá, do outro lado da morte? É uma
pergunta repleta de enigmas e temores. Ouvimos sussurros de esperança tão
profundos que eles fazem o coração palpitar. Temos vislumbres da ressurreição.
Eu não conheço a linha do tempo, nem o mecanismo de como tudo
funciona, mas eu não ficarei muito surpreso caso a morte nos envie em uma jornada
ao centro do universo. E o que encontraremos lá? Quem encontraremos lá?
Infinita energia absorvedora, ou infinita energia doadora?
Um infinito colapso de Ser em direção a si mesmo, ou um infinito
compartilhar de Ser altruísta?
Um Ser que glorifica a si mesmo a todo o custo, ou que ama a todo custo?
Um buraco negro, ou um Cordeiro crucificado?
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No centro do universo, penso que existe um Criador com marcas em suas
mãos, encharcando o cosmos em um gratuito derramar de amor. Ele não precisa
disso — ele simplesmente quer isso. É quem Ele é. E quando as luzes se apagam, o
verdadeiro concerto começa.