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LYRA BRASILEIRA

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9 QUARESMA. & C. — Livreiros-Editorea

CANCIONEIRO POPULAR DE MODINHAS BRASILEIRAS


O C ancioneiro Popular é um v o lu m e s a b ia m e n te o rg a n is a d o p e lo Sr. CATÜLLO
DA PAIXÃO C E A R E N S E , d is tin c to m o ç o . c o n h e c id o p o e ta e p ro s a d o r, e x c e lle n te p r o ­
fessor d e l i n g u a s — n o m e q u e to d a a g e n te c o n h e c e e te m a p p la u d id o .
O a u t o r r e u n iu p a c ie n te m e n te a s m a is b e lla s p o e s ia s p o p u la re s , q u e s e p r e s ta m
para o c a n to (M ODINHAS), e m e n d o u -a s d e m o d o q u e c o m b in a s s e m a s p a la v r a s e a
m u s ic a ; in d ic o u e m c a d a u n ia a m u s ic a co m q u e d ev e s e r c a n ta d a . D esse m o d o o liv ro
to rn o u -s e a d m ira v e l e p re c io s o .

E is o in d ic e :
A p rim a v e ra é u m a e s ta ç ã o flo rid a ; T e n h o s a u d a d e s d e M a u r a ; Ao v io lão ; M in h a
v id a e r a u m la g o tr a n s p a r e n te ; Q u al fica d o u d o o m a c a c o , si lh e o fferec em b a n a n a ;
M in h ’a lm a s o lu ç a , n in g u é m lh e r e s p o n d e ; V em cá, ris o n h a m o re n a ; E n t r e o p e rfu m e
d a s f lo r e s ; N a s h o ra s q u e p a s s o c o m tig o n a m e n t e ; Si foi c rim e te a .n a r c o m lo u c u r a ;
L u n d ú i n f e r n a l ; A b r is a c o rr e d e m a n s o ; B o rb o le ta m e u s a m o re s , m im o s o in s e c to
o n d e v a i s ; T a n to a m o r p u ro , s a n to e s u b lim e ; O b a tu q u e , c a n ç ã o d o a fric a n o ; P e rd ã o ,
S e n h o r m e u D eu s. n p u h ’a lm a s e n te ; Si n ã o m e a m a s ; ó m u lh e r, p o rq u e m e p re n d e s ?
O p o e ta e a fid a lg a , m o d in h a m u ito c o n h e c id a c o m o titu lo — D esprèzo, c o n te n d o os
o ito v e rs o s (e n ã o s e is c o m o p o r a h i a n d a . to d a e rr a d a 1. N ão é s tu q u e m e u a m o . n ã o
é s ; A lo u ra tr a n ç a : O ’ p a llid a M a d o n a d o s m e u s s o n h o s ; Ao v ira r d a e s q u in a , eu vi
e m L isb o a : As o n d a s são a n jo s q u e d o rm e m n o m a r ; O s o lh o s a z u e s ; S o n h e i c o m tig o ,
d o n z e lla ; T u m e p e r g u n ta s a h is to ria d a q u e lle tr is te r a n c h i n h o ; O h m u lh e r , n ã o s o r ­
r ia s q u e eu c h o ro ! Q ue v a le m flo res ; V em v êr. E H sp , c o m o s u r g e a lu a : T e u n o m e ;
E u a m o a c a lm a q u e e m te u ro s to b r i l h a ; T a lv e z n ã o c re ia s q u e eu p o r ti so u lo u c o ;
C h iq u in h a , s i e u te p e d is s e , d e m o d o q u e n in g u é m v isse ; S e m p re te a m a n d o , d e s p r e ­
z a n d o a o u tr a s ; H o ra s s e re n a s d e s ta q u a d ra b e l l a : M eig a filh a d e D eus, r o s a d ’a u r o r a ;
V e n d e d o ra d e a m o r e s ; Q ue lin d o s m a ta m e s n a s a ia d e n ev e ; O s a n jo s b a h ia tio s ; P a s ­
sa v a s lin d a , c o m o p a s s a u m a n j o ; V am o s, E u g e n ia , fu g in d o ; E u só te p e ç o q u e te
le m b r e s , b e l la ; L à p a r a as bandas do norte, no sertã o da m in h a te r r a ; E ’s . M a rilia , tã o
b e lla e fo rm o sa ; M eu s a m o re s b r a s ile iro s ; S o b re o m a r d e e te rn o a m o r ; O b e m te v i ;
O v a g a b u n d o ; A c re o u la f a c e ir a ; Gosto de t i porque g o s to ; U m c a so eu vo s c o n to . q u e .
si b e m m e le m b ro , p a s s o u -se h a d o is a n n o s , n o rn ez d e n o v e m b r o ; Si m u ito te a d o ro :
A m u l a ta ; O p h ilo s o p h o ; F u i b ilo n tr a d e c id id o ; O cé o re c a m a -s e d e n u v e n s ró r id a s
— o u tr a im ita ç ã o d o a u to r : A’ te r r a u m a n jo b a ix o u : M o ren a, e s c u ta o s m e u s c a n t o s :
S ão b a g a s d e a m a rg o s p r a n t o s ; N a h o ra e m q u e s e c o b re ; Q ue s o r te , q u e s in a , c r u e l é
o m e u fa d o : U rsu lin a . n o cé o , a lu a d e s m a ia ; O P e rd ã o ; A ro s a q u e a o n a s c e r a b r e a
c o ro la ; L in d a flor. c o m o é s m im o s a ; P o r q u e v ejo n o s te u s o lh o s (d o S r. B ilh a r ) ; E u
v i-te s o r r in d o , v o a n d o n a v a lsa ; N ão é s tu q u e m eu a m o , n ã o é s ; e c e n te n a s d e o u tr a s
m o d in h a s , c a d a q u a l m a is lin d a , ig u a e s a e s ta s o u ta lv e z m e sm o m e lh o re s .

Um grosso volume com mais de 2 0 0 paginas com riquíssim a capa 2 s 0 0 0

LIVRARIA DO POVO - Rua de S. José, 65 e 67

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B IBLIO TH EC A DA L IV R A R IA DO P O V O

Lyra Brasileira
R E P E R T O R IO D E

MODINHAS POPULARES
Escriptas e colleccionadas
POK

Catullo da Paixão Cearense


A ucxor do «C A N C IO N E IR O P O P U L A R »

R IO D E JA N E IR O
LIVRARIA DO POVO — q u a r e s m a & c . — L iv re iro s-E d ito re t
0 5 e 0 7 , B U A D E S. J O S É . 0 5 e 0 7
1903

1 Original f ro m
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General Library System
University oí W isconsin - Madison
728 State Street
\ 'a d ;son, Wl 53706-1494
U.S. A.

Os editores Q U A R E S M A & C ., av i­
sam ao publico que todos os livros edi­
tad os p or su a casa — Livraria do Povo —
são de su a exclusiva p ropriedade litte—
ra ria .
C apital P ed eral, Ju lh o dfe 1908.

Quaresma & C.

Original f ro m
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fa

CATUELO O A P A IX Ã O C E A R E N SE
Autor da Lyra Brasileira — Cancioneiro Popular — Chôros ao Violão
e Lyra dos Salões.

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PALESTRANDO
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De que pouquíssim os se dêrn ao trab alh o de le r p refácio s de


liv ro s d esta n a tu reza, estou so bejam ente convencido. M as, como
so u teim oso e revel, não a tira re i este ao m undo d a publicidade,
sem baptisal-o com algu m as p alav ras, a esm o en fileirad as, sem a
p recisa coordenação. L er-m e-hão aquelles que, como eu, prezam
e m oralisam este divino in sp ira d o r dos m úsicos e p oetas, o in s tru ­
m en to que m ais com prehende o coração, e que m ais m elodicam ente
deixa coar-se as m ag u as de u m a alm a p ro fu n d am en te dolorida e
g ra n d e m e n te apaixonad a p o r tudo o que h a de sublim e e bello.
P a r a assim ilar e in te rp re ta r os m ais delicados m elin d res do am o r,
o s m ais reconditos segredos do etern o so ífrim en to , n ão conheço
o u tro que o exceda. E é p o r e sta razão que todo o in stru m en to
m a l tocado torna-se insu p p o rtav el e m assador, ao passo que o d u l­
císsim o violão, ain d a m esm o dedilhado por um in cip ien te, a g ra d a
e en tern ece, porque a s su as vibrações se en filtram so rrate iram e n te
n o in tim o da alm a, acordando a h i um en xam e de sau d ades, que
v o lita m no florido ja rd im d a im ag in ação .

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10 QU AR ES MA & C , e d it o h e s

*
* *

F echando os ouvidos a todos os seus pseudos adoradores,


desprezando os dicterio s, com que m e p resen teiam , irei seguindo c
m eu in tu ito , educando a esp eran ça de v e r um d ia esse bello in ­
stru m en to te r ingresso em todos os salões, sem re sp e ita r categoria,
in tellectu al ou m aterial, quero d izer — p ecu n iaria.
P resu m o eu que o m otivo p rim o rd ial d a su a isolação de
p ária, é a fa lta de u m a p e n n a h ab ilitad a que o a rra n c a sse do in ­
ju sto esquecim ento, p ro v an d o que o seu contacto é inoffensivo e
qu e u m a m odinha b ra sile ira , m ag istralm en te c an ta d a , vale bem
essa ro m aria de cançonetas fran cezas, hesp an h o las e ita lia n a s, m ais
estim adas, porque n ão são n o ssas, p orque é objecto de im portação.
A s nossas m odinhas vão, d ia a d ia , deslisando no abysm o
d as incorrecções, vão recebendo as cam a rtellad as desses senhores
que, n ão fazendo o m inim o caso d a poesia, das le ttra s ou das p a­
lav ras, só apreciam a m usica com que são c a n ta d as, ig n o ran d o que
adoram assim um corpo sem alm a, p orque a poesia é a alm a d a
m usica.
Conheço v ario s moços in tellig en tes e que dispõem de co n h e ­
cim entos p relim in ares, que seguem a ro tin a dos an alp h ab eto s e vão
c an tan d o essas frio leiras sem pé nem cabeça, que n ão resistem á
m ais com placente crilic a g ram m atical. Q uando lh es cham o a
a tten ção sobre o acerv o de tolices, respondem -m e logo a b ru p tam e n te ,
que j á sabem que eu sou o' u nico que ten h o m odinhas co rre c ta s,
que só eu can to bem , que só eu sou im peccavel n a correcção do
verso e no sentim ento do can to . O brigado a todos que assim m e
ju lg am .
N ão m e ten h o , porém , n e sta c o n ta, e nem poderia c o n sid e­
rar-m e assim , conhecendo a pleiade b rilh a n te dos bons to cad o res

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L Y R A BR A SI LE I RA ]1

desse canoro e harm onioso psalterio dos tro v ad o res. C itarei a lg u n s ,


prevenindo ao leito r que os vou n o m ear pelo appellido com que
são m ais conhecidos e n tre a boa rap a z iad a , m esm o po rq u e, sen d o
am igo e cam a rad a d a qu asi to talid ad e delles, ig noro-lhes . o n o m e
verdadeiro.
A hi tem os Q uincas L a ra n je ira , o so lista ap rim o ra d o , que se
co n sag ra de corpo e alm a aos estudos theoricos, executando n itid a ­
m en te alg u n s trechos de op eras. C onsidero o violão como o aconr-
p an h ad o r dolente das m o d in h as e lu n d ú s, não o ap recian d o m u ito
quando inv ad e o im pério de o u tro s in stru m e n to s, executando p e­
daços de m usicas classicas e o p eras in te ira s, ra rissim a s vezes.
Q uem m e tir a r o violão do choro de um aco m p an h am ento dengoso,
com todos os seus accordes gem entes e seus h arp ejo s d iv in aes, o
que m e espedaça g o sto sam en te as m ais in tim as fibras do co ração ,
não te rá a seu lado um apreciad o r devotad > e até fan atico . O acom ­
p an h am en to com to d as as h arm o n ias, com todos os concentos a rr e ­
batadores, é m uito m ais difficil, em m in h a hum ilde opinião, do que
um solo de rap id a execução. E is p orque o m eu velho am igo e com ­
p an h eiro de longos an n o s, Q uincas, n ão é p a ra m im um sem i-deus.
Se elle quizesse a b a n d o n a r o solo e dedicar-se tão sóm ente
ao acom panham en to, se ria , in co n testav elm en te, o nosso p rim e iro
violão. J á o conheço h a m ais de q uatorze a n n o s, e n ão é de h o je
que lhe canto e sta ladainha. V am os a g o ra aos aco m p an h ad o res
chorões, capazes de em ocionarem os m ais re fra c tá rio s á m usica, os
m ais gelados corações.
N ão quero referir-m e a elles, sem fa la r de u m excellente e
soberbo so lista, a quem perdôo o c rim e, p o r a b ra ç a r fe rv o ro sam en te
o rep erto rio das polkas e w alsas b ra sile ira s, p rin cip alm en te o q u e
se diz — chôro.
É o M anduca C atum by. Sem contestação sola bem , com q u an to
seja fraco acom panhador.

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12 QUARESMA & C., e d ito re s

N ão o m elindro com isso, p orque sabe elle que o aprecio.


O m eu an tig o am igo e com panheiro S aty ro B ilh a r é um
p rim o r n a su a escola, crea d a p o r si m esm o, carreg a n d o atra z de
seu m avioso violão um b ando de satellites im p ertin e n te s, que não
o pádem im itar nem de longe. Chico B orges, o u tro velho cam a ra d a ,
é o g ran d e acom panhad o r d a flau ta e, sem d u v id a, um dos p ri­
m eiros. E ’ digno riv al do N eco, que n a d a lhe fica devendo, q u an d o
gem e ao lado de u m a queixosa e sob erb a flau ta ou de um cav a­
q u in h o do quilate de G aldino ou M ario, dous te rrív e is que se
pódem b a te r, com quanto seja verdade co n fessar que o G ald in o é
m ais an tig o e, p o r isso, m ais conhecedor desse in stru m en to que só
póde se r ouvido quando tocado p o r u m dos dous. C ontinuando nos
v io lõ es:
Chico A lbuquerq u e, o pinho resp eitá v el, dos tem pos aureos
de C allado e V iriato , hoje affastado do terno, m as n ão esquecido
dos calladianos accordes. M edeiros, discípulo de B ilh a r, que não
com prom ette o m estre. Se tivesse m ethodo e escola, com o que
sab e, podia, sem g ran d e s receios, e n fre n ta r com o seu an tig o p ro ­
fessor. B enigno, acom p a n h ad o r firm e, que n ão vacilla e não tem e
o ca n ta n te . V e n tu ra , u m a lyra o p u len ta de boas h arm o n ias, m as
u m ta n to exag erad a p o r vezes. Com a lo n g a p ra tic a que tem , se ria
um ex tra o rd in á rio acom panhador, se soubesse com m edir-se um
pouco.
V elloso, que h a m ais de 12 an n o s não vejo, e ra um violão
severo e considerado. H oje deve to car o decuplo do que tocav a.
Jo sé V elho d a S ilva, in tellig en te pro fesso r publico, soberbissim o
pinho. A ntonico, seu digno irm ão , pro fesso r de subido m erito , so-
lidos conhecim entos e bello ta le n to , é um violão theorico e c erto ,
além de ser conhecido p ia n ista e m usico in te llig e n te .
T affi, o au to r da in sp ira d a m usica do Bem te vi, do illu stre

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L Y R A B RA SILEI RA 13

p o eta D r. Mello M oraes F ilh o , é tam b em um bom violão, possu­


indo um rep erto rio de doces e te rn a s h arm o n ias. T em os um A bilio,
que conhece p ro fu n d am en te o in stru m e n to e é um m agico acom pa-
nh ad o r. C ypriano, de N icth ero y, é seg u ro e n ão faz feio. H oracio
T e b e rg , que não deve te r in v eja desses todos, aco m p an h a p e rfe ita ­
m en te o qu e c a n ta , e n ã o receia a c o m p a n h ar o c a n to r m ais ex ig e n te .
D os extinctos tem os : Jo ão Jo c a, de quem , p a ra d u rad o u ra recor­
d ação , ficaram d iversas m usicas, que a in d a hoje nos deliciam . N ão
g o sta v a d e ouvil-o c a n ta r, m as confesso que o ad m ira v a n a s su as
inspirações, lam entando que elle n ão conhecesse m usica, p orque só
assim nos d eixaria scin tilla n te s com posições, que n ão seriam olvi­
d ad as pela in v eja vilissim a dos que não têm o seu talen to .
A arão e ra tam bem consciencioso e sabia o que fazia. E ra
optim o acom panhador.
A gora dos que vivem , e que n ão se ap plicam ao violão, com o
o s outros, m as que a in d a assim nos pódem d eliciar, tem os : A lvaro
N u n es, in tellig en te a rtis ta ; R au l, D in a rt F ra n ç a , E u g ên io e o u tro s,
dos quaes m e é im possível lem b ra r a g o ra . J á n ão m e re fe ri ao dis-
tin c to e provecto m aestro P a to la , irm ão do nosso g en ial H e n riq u e
d e M esquita, porque a in d a n ão tive a felicidade de ouvil-o to ca r.
O s que já tiv eram essa v e n tu ra , dizem que é elle u m v erd ad eiro
prodígio, u m a m arav ilh a , q u ando em p u n h a , victorioso, o hexacorde
m ais b rasileiro de todos os nossos in stru m en to s — o violão.
E n tre excellentes c an to res, c it a r e i: J u c a F o rte s, fu n ccio n ario
publico e distincto chefe de fam ilia ; H oracio T e b e rg , chorão m e­
lodioso ; o S r. N ogueira, n eg o cia n te ; T in o co , q j e em é ras m ais
propicias foi um ro u x in o l; L im a , voz p o ssan te e h a rm o n io s a ;
A lv aro N u n es, que a todos a g r a d a ; F red erico J u n io r, m elodioso e
te rn o ; T affi, de quem acim a já f a l le i; G eraldo de M ag alh ães, que
n ã o sabe a v a lia r a voz cóm que foi dotado ; Jo ão dos S an to s, bello

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14 QUARESMA & C., b d it o r e s

talen to , voz debil, m as v iv id a e ch eia de s e n tim e n to ; Fructuoso,


um pouco derribado pelos in v ern o s, m as que reju v en esce quando
su s p ira u m a m odinha em saudoso m e n o r ; C arlos de Menezes, la ­
m entoso e tern o e, por fim, o B re y n er, a corporificação do se n ti­
m ento, a cotovia a desp ren d er o can to m a tin a l, sau d an d o a prima­
v era. D eixo de referir-m e a m ais alg u n s p o r m ero esquecim ento,
pedindo p erdão a todo aquelle que se offender com o te r feito
m enção de seu nom e n este prefacio desconjuntado. Q uero ap en as
p ro v a r que os am adores do violão são, n a su a m aio ria,s pessoas
que m erecem o m aior conceito, n ão devendo elle se r ju lg a d o p o r
m eia duzia de m altrap ilh o s cabulosos que o v illip en d iam . A os que
m e censuram p o r te r tira d o o sentido d as m o d in h as que te n h e
c o rrig id o , q uizera p e rg u n ta r: e q ue sen tid o tin h a m ellas ?
E ’ poesia ou verso u m a q u a d ra que tem no prim eiro verso
(linha) cinco sy llab as, no segundo sete, no terceiro tre s e no
q u arto dez ?
E não vistes desrespeitados os m ais com esinhos preceitos
d a g ra m m a tic a ?
E depois : n ão perd estes excellente occasião de ficar calados ?
N ão seria m elhor que, em buçados n a vossa ig n o rân cia, fosseis
acceitando as correcções que faço, pois que vos fallecem as h a b i­
litações p a ra poderdes critic al-a s ?
A ntes de v ir á publicidade o m eu Cancioneiro Popular, não
tiv e a satisfação de o u v ir a se g u in te m o d in h a senão da m a n e ira
que ides v e r :
O céo reclam a-se
de n u v en s h ó rrid as
fo rm an d o floridas
g ra to arreb o l
Ergue-se esplendido

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L Y R A BR AS I LEI RA 15

das m agas cérulas


b eijando a s pérolas
d a flor do sol.

V am os dissecar e sta concatenação de asn eiras. C om préhen-


d estes o t a l — reclama-se? N ão e stá bonito o — hórridas] rim an d o
com floridas ? Q uem beija a flôr do sol ? Que é flôr do sol n esta
v id a ? Como podeis conciliar estas du as idéas : — O céo coberto de
n u v e n s n eg ras, ao m esm o tem po — floridas e, p o r cum ulo, fo rm an d o
g ra to arrebol ? P ois bem : lêde esta a g o r a :

O céo recam a-se


de n u v en s ró rid as,
form ando floridas,
g ra to arreb o l !
E rg u e se esplendido
d as p lag as cérulas,
b eijando as pérolas
da flor — o sol.

N ão p re sta ! N ão tem com petência ! Q ue diabo q u er d izer


ró rid as ? Isto é p a la v ra ? Que é recam a-se, que é p la g a ? A o u tra
e stá m uito m elhor — D ireis vós.
Os que m e lêm , p orém , far-m e-lião ju stiç a , av aliando q u an to
cu sta c o rrig ir versos de m o din h as, cujos au cto res n in g u ém m ais
conhece e que de h a m uito j á dorm em o som no tu m u la r, versos
q u e correm meio m undo, esphacelando-se d ia á d ia. E m iste r se r
m uito conhecedor dessas cousas, como eu, conhecer todo esse infi­
n ito repertorio po p u lar, p a ra com os hum ildes recursos intellec-
tu aes de que disponho, d a r com o fio de A riadne. Ê preciso ser
u m a especie de C uvier. E cum pre não p ro seg u ir, porque o le ito r
'n te llig e n te já m e com preliendeu. H a pouco estive em um a sa la,

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WISCONSIN
16 QUARESMA & C , euit >kKS

onde ouvi um cidadão repim pado e entum ecido de faro fa pedari-


tesca, c a n ta r u m a m o d in h a, que p o r ahi a n d a em voga, a qual
está incluida n esta n o v a collecção, m o d in h a cujos versos tem um
pedaço dos m ais p o pu lares do Guarany. O figurão dizia assim :

E u vi-te h ontem sen tad a n a casinha...

E b a sta ! Se fosse a d e a n te , o leito r te ria um vágado. E x em ­


plos como este poderia a p re s e n ta r em nu m ero tão av u ltad o que
encheriam um volum e in teiro . E D eus q u eira que o am igo leito r
não te n h a occasião de o u v ir esses d isp arate s, como eu, in felizm ente,
tenho ouvido.

*
* *

P o r fa ta l esquecim ento, deixei de referir-m e a dous esplen­


didos tocadores — Conceição e P e d ro G am a.

r> Original from


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A Flauta

( AO e x í m i o f l a u t i s t a fe lis b e rto MARQUES )

Nas horas mais triste s da noite, se às vezes,


antigos recordos me vem despertar,
Só tu , m inha flauta, nas notas que gemes
as dores do peito me pódes calar.

Que sons maviosos meus labios te imprimem,


que fundos suspiros, ó flauta fie l!
Parece o soluço da fonte que chora,
n’um leito de flores e aguas de m é l!

Tu chóras, tu gemes com tal sentimento,


meu pranto te orvalha de tal suavidade,
que os threnos que expiras me exhumam do peito
mil sonhos sepultos n ’um m ar de saudade!
2

Original from
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18 QUARESMA & C., e d ito re s
-

Deixoi-to nas ribas do m ar sussurrante,


e as dores prol an las ou riste do m ar !...
Que às vezes imitas o brando m urm úrio
das ondas nitentes na areia a ro la r.

Ddixei-te pendente de um tronco despido,


da noite ao relento, de o rra lh o banhada,
por isso repete-me os hymnos das brisas,
que passam fagueiras, saudando a alvorada !

Dormiste nas m argens da fonte gem m te,


da fonte aprendeste queixumes e maguas,
por isso s ) à noite descantas saudosa,
repetes as tristes plagencias das aguas !

Tu já repousaste no calvo penedo,


por noite trevosa, de horrenda procella,
e as pragas infrenes do vento aprendeste,
segredos que á noite, bramindo re re la .

Nos galhos deixei-te de m urcho cypreste,


libando os frescores das auras suares,
e os tristes collo juios que aos mortos ouviste,
traduzes, ó flauta, nas notas mais graves. «

P o r entre os odores das rosas agrestes,


na relv a florida deixei-te flcar,
e ouviste das fl ores os ternos idyllios,
em noite silente de branco lu a r 1

^ r> Original from -


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LYRA BRASILEIRA 19

São h o ra s !... Modula seus fl^beis su-p’ros,


que tu recolheste ao ultimo adeus 1
São ellos as notis que gemes k noite,
mal collo os meus Labios saudosos nos teus !

Bobeste essa lagrim a santa, cahida


dos olhos cerrados, quando ella m orria I...
O rvalha-m e os labios, de dor resequidos,
C onverte essa lagrim a em doce harm onia...

Não me lembro agora


Em linda aurora, n’um jardim florente,
trajando vestes de funerea dor,
e n tre i convulso e com aspecto ardente...
Y i e n tre as flores m itu tiu a flor 1
E ra um a virgem divinal, singela,
harpa do dia a descantar sonora,
rosa celeste m atu tin a estrella,
cujos encantos não me lem bro agora.

E u que, arroubado, contemplei a virgem ,


eu que, em delirios, lhe adorei a cor,
como tomado de febril v jrtig em ,
pedi-lhe um beijo, suppliquei-lhe am or !

E s ta lin d is s'm a poesia, de u m p rim o ro so p o eta b a h ia n o , deve


ser c a n ta d a eim tom de recitativ o . O seu lo g a r n ão e ra a q u i. Como,
porém, segue-se-lhe a resp o sta , que é com posição m in h a , achei
m a is co n v en ie n te, fazendo e sta d ecla ração , collocat-a aq u i. A res­
posta é feita com os m esm os co n so an tes.

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IIVERSITY OF W ISCO NSIN
20 QUARES MA & C., e d it o r e s

Pedi-lhe em prantos que abrandasse a ch&mma,


que esta existencia sem cessar devóra,
contei-lhe o affecto por que esfaim a clama,
se mais contei-lhe, não me lembro agora.

Logo que ouviu a confissão descrente,


que eu, deshumano, proferi então,
suor de gelo sepulcral, sómente,
eu vi das faces lhe cair p’ra o chão !
Depois, córando, perguntou-m e : Louco,
não vês que a insultos a donzella c ó ra !
Lembras-te bem do que disseste ha pouco ?
< Do que eu te disse não me lembro agora. >

A voz sentida suifocou-lhe o pranto,


en tre soluços me falou por fim ;
Quem és, que a vida me to rtu ra s tanto ?
Eu, friam ente, respondi-lhe assim :
O meu passado, de tristonhas cores,
oh 1 . . . foi terriv e l, de nublada a u ro ra !
O meu fu tu ro se resume em dores„ ..
Quem sou, meu anjo, não me lem bro agora.

Quem sou, não digo, que sorrira o mundo,


quem sou que o julgue o trib u n al do c é ó !
Que im porta ao sec’l ) meu viver profundo,
que im porta ao mundo meu viver de réo ?
Jà fui cypreste de uma lagem fria,
j& fui escolho procelloso o u tr’ora !
Se inda me aqueço no calor da orgia,
Se delia fujo, não me lembro agora.

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IIVERSITY OF W ISCO NSIN
L Y R A B R A S I LE I R A 21

Mas, oh ! quem sou, eu te d ire i... E scuta :


J á riste em m&tta a carniceira féra,
olhos em chamma, enraivecida, astuta,
como ao incauto viajor espera?
E , logo, ao yel-o, lhe tra ra n d o o seio,
rasga-o de prompto e o coração devóra ?
Mas, ah I... Não digo I O meu passado é feio...
Dizel-o é crim e, não me lembro a g o ra .. .

A flor pendida que m urchou no galho,


re v ire logo com am or e fé,
se lhe dá rid a m atutino o rv a lh o !
E il-a que bella já se ostenta em pé !
Quem nos alcouces polluir a vida,
o seu passado deplorável chora !...
Purifiquei-m e! E tenho a fronte erguida,
do mais, ó virgem , não me lembro ag o ra...

Mas se, donzella, p erguntar-te alguem


com quem falaste ao despontar da aurora,
eis a resposta que te flca b e m :
Não s e i ! confesso 1 . . . Não me lembro a g o r a .. .

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Original from
WISCONSIN
22 QU AR ESMA & C., e d i t . res

Bem£me lembro agora

( R E S P O S T A Á P O E S IA — N ÃO M E E E M B R O A G O R A )

F oi, bem me lembro, n u m j&rdim florente,


trajav a vestes de recente dor,
tu me ju ra ste uma paixão ardente,
tu me chamaste de celeste flor !
A ttenta, ouvia a confissão singela,
que a tu a ly ra suspirou sonora !
Ncs ceos m orria a m atutina e stre lla...
E o que ju ra ste ... Bem me lembro agora !

E u , que de amores tinha o peito virgem ,


ouyindo historias de tão negra cor,
não fui vencida de fatal vertigem ,
mas desde logo consagrei-te amor 1
Tu me disseste que estuante chamma,
crestando o peito, teu v iv er devora !
Pois bem : o affecto por que o peito clama,
em mim te ju ro que encontraste agora 1

Se de am or puro não estás descrente,


pódes amar-me com fervor então I
Serei só tu a !... te am arei sómente,
mesmo debaixo do gelado chSo I
Chorando, é certo, te chamei de louco !
Pois tu bem sabes que a innocencia córa !
Repete, eu peço, o que disseste ha pouco,
que eu direi sempre o que te digo agora.

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IIVERSITY OF W ISCO NSIN
LYRA BRASILEIRA as

Se tens chorado, pódes bem teu pranto


n’um seio virgem estancar por fim !
Tu, que na te rra teas soffrido tanto,
serás ditoso n’um v iv er assim I
Se o teu futuro de funereas cores...
se a tu a infancia foi nublada au ro ra,
desfaze a noite que te cerca em dores...
E ’ sol um beijo !... Vem m’o dar agora !

Que nos im porta que m urm ure o mundo,


se é nosso affecto puro amor do céo ?
Não quero v e r-te no scffrer prcfundo...
Deus te absolve ! Tu não és mais réo.
Correu-te a vida soluçante e fria,
nas dores fundas do viver d’o u tr’ora !
Como podias encontrar na orgia
a voz amiga que te fala agora ? I

Nada me a ssu sta i... meu am or, escuta :


se tu já foste a tru cu len ta fera,
que no deserto, de alcatéa, astuta,
o pobre incauto, sitibunda, espera,
reclina a fronte neste amigo seio,
acalma a furia que, cruel, devora,
verás da mente esse passado feio
n'um breve instante dissipar-se agora.

Se és a rosa que m urchou no galho,


porque viveste sem am or, sem fé,
o meu affecto é rorejante orvalho,
e a flor pendida já revive <m pé.

j r* \n > Original from


_ Digitized by V ^ j C K '§ (j6 lV E R S I-T Y ^3 F WISCONSIN
i fifàSP»-
24 QU AR ESMA & C., e d it o r e s

Nos lupanares quem macula a vida,


ou tarde ou cedo a sua culpa chó ?a ! . . .
Purifiquei-te I Tens a fro ite erguida 1 ...
Feliz, contente viverá? agora 1

M is, ah t se um dia perguntar-te alguem


porque de novo resurgiste á au ro ra,
responde logo : se me queres bem,
não me recordes o passado agora !

V o lta !
Porque partiste,
saudosa flor ?
A v id t é triste
sem teu am or.

Dias risonhos,
tudo eu p e r d i!
Foram -se cs sonhos
atraz de t i ! "

Na solsdade
do meu carpir
atroz saudade
me vem f e r i r . ..
M usica do rom an ce ita lia n o — Torna.

^ rA r> Original from


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' ^
LYRA BRASILEIRA 25

Volta, que as flores


m urchando estão,
e sangra em dores
meu coração !

Tudo tem vida,


se perto estás,
e tu, inflda,
não voltas m a is !

E u vou, sem calma,


finar-m e a q u i !
Só quer m inh'alm a
voar p’ra ti.

Ss um ai tu soltas
de magua e dor,
porque não voltas
ao trovador I ?

V olta, que as flores


fanando estio
nos am argores
da solidão!

Tem pena, ó lu a ,
dos tristes ais I...
Na ju ra sua
fui crer de mais !

r^ \r> Original from


D i gi t i z ed b y V ^ j O (tfíiV E R S IT Y OF W ISCO NSIN
26 QU AR ES MA & C., e d it o b e s

Lem brança a m e n a !...


Fundo a m a rg o r!...
Tu nSo tens pena
da minha d o r !

Doce bonança
jâ não sorri,
e a dor não cança
longe de t i . . .

Volta, que as flores


m orrendo estão...
te invoca em dores
o coração !

À dor não ousa


te m sldizer,
pois nem na louza
te hei de esquecer !

Sagrados cantos
eu te offertei,
e choro em prantos
porque te a m e i!

Não sei, confesso,


se mal te fíz,
que a Deus fó peço
te v er fe liz !

O riginal from
D igitizedJiyJ
SITY OF WISCONSIN
LYRA B R AS IL EI RA 27

Yolta, que a ly ra
nos cantos meus
sómenie aspira
dizer-te adens 1

Quanto foi louco,


conheço sgora,
que a dor devóra
meu c o ra ç ã o !
Tu me m a ta ste !
Tu me illudiste I...
Tu me trah iste
sem com paixão!

Agora é t a r d e .. .
Sempre hei de a m ar-te f...
Como olvidar-te
no meu soffrer ?
Y olta I... Um m om ento!...
Meu anjo amado ! . . .
Q uero a teu lado
feliz m orrer i

Teimoso
Quero-te bem, porque quero,
porque te devo querer,
pois jà nasci, te assevero,
p ara te amando m orrer.
M usica do m e u 'a m ig o S aty ro B ilh ar, a quem são dedicados
e ste s versos.

Original from
Digitized by V ^ j C K ’ 5 ^ | V E R S I T Y OF W ISCO NSIN
28 QUARESMA & C., e d it o r e s

Soffro por ti por vontade,


que eu morro se não soffrer 1
O teu rigor e maldade c
a té me cauzam prazer.

Ghóro por ti, porque chóro,


quem am a Tive a penar,
por isso eu peço e te imploro
que tu me deixes chorar.

A m ar a outra não quero,


porque a ti só quero bem !
Se o peito meu é sincero,
que mal me faz teu desdem ?

Porque te adoro e venero,


tu me ju ra ste odiar 1
Que importa, se nada espero...
Se te amo só por te am ar ?

E u creio em ti, porque creio,


porque não pódes m entir !
Quem v ire n’um doce enleio,
se illude por illudir.

Morro por ti, porque m orro,


pois inda morto hei de am ar !
E u não te peço soccorro,
porque meu gôsto ê penar !

GQOgk
Original f ro m
D i g i t i z e d by
IIVERSITY OF W ISCO NSIN
LYRA BRASILEIRA 29

M ata-me logo, ea tolero,


que eu te direi a m orrer :
quero-te bem, quero, quero,
quero, quero e hei de querer !

Saudades do passado

Que tristes momentos


me prostram , maguado,
se os dias relem bro
do tempo passado 1

Que doces lembranças


dos dias de o u tr’ora,
mais lindos, mais bellos
que os dias de agora 1

Não venhas, saudadé,


fa rir o meu peito,
que o triste passado
jaz morto e desfeito 1

Que lyras sonoras


nos ares v ib ra n d o !
As harpas saudosas
passavam cantando!

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IIVERSITY OF W ISCO NSIN
39 QUARESMA & C , e d it o r e s

Táo tris te lem brança


m inh’alma d eso la!
Na pobre choupana
não geme a viola !

Dispersos se f oram
meus roseos encantos 1...
Não resta um a estrella
nas brum as dos prantos...

A linda morena,
serrana adorada,
m orreu em meus braços
em noite estrell&da I...

Ai t... quantas saulades


da m inha serrana,
das noites de lua
na re lh a ch o u p an a!

O’ brisa, que passas,


escuta a canção...
C arrega estas maguas
ao fundo s e rtã o !

M orreu a Serrana
m orreu-m e a esperança
E u chóro por ella
qual uma creança 1

Original f r om •
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L Y R A B R AS IL EI R A 31

Dis flores dos dias


de t&o bolla edade
ficou-me, e n tre espinhos,
a f b r da saudade 1

D e s p e rta !
Vem Têr como a noite tãô calma deslisa
por en tre o silencio, que fala tamb9m !
Não oures meu canta, que a lo r sonorisa,
que e lera-se aos astros, sumindo-se alèm ?
Acorda a n a tu ra , so rriad ), embalada
nas notas maguadas da minha canção,
e a lua que escuta, de dor contristada,
sorri-m e e n tre estrellas da infinda amplidão.
E u tenho uns segredos, que em trovas canôras
conversam com a lyra, de noite, ao lu a r,
segredos de amores, que as ondas sonóras
sepultam nos labios argenteos do m ar.
R epara I... As estrellas de lucida chamma,
palpitam por re r-te , rasgando seus v é o s l...
A lua seus raios silente derram a...
Vem mesta detcm do das plagas dos céos 1
Desperta ! Não vej > nos céos uma estrella,
que possa em meu seio seu lume v e rte r !
D esperta, que a noite vae calm a e tão bella,
que as dores se mudam n’um aureo p r a z e r !!
M usica d a m odinh a : — A s ondas são anjos que dormem no m ar.

u ‘ .Original from
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32 QUARESMA & C., e d it o r e s

O Passado

Ai !... que tempo ditoso — o passado,


de saudosa e perenne lem brança,
quando um sonho de crenças dourado
nos floresce no peito a esperança.

Esse tempo que a r i r a saudade


na m inh’alm a faz hoje nascer,
esse tempo da nossa amizade
já não p ó le, meu anjo, volver.

E u tro cara esta vida presente,


tão penada e tão cheia de dor,
por um dia daquelles sómente,
quando tu me falavas de am or.

Disso tudo o que mais resta agora,


a não ser o farpar da saudade,
que m inh’alma calada devóra,
quando á m ente recorda essa edade ?
A m u sica é o rig in a l e em m enor.

Nunca mais

Nunca mais m orena in g ra ta ,


me òuvirás falar de am or 1
Vou viver na soledade...
Já ju rei por minha dor 1

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IIVERSITYOF WISCONSIN
LYRA BRASILEIRA 33

Foste falsa, p e rju ra s te .. .


Como em outra posso crer ?!
You viver na soledade.. .
Não verás o meu soffrer.

Tu ju ra v a s sempre am ar-m e,
tu fingias ser tão pura,
que m inh’alma embevecida
sempre creu em tu a ju ra !
Foste falsa, p e r ju r a s te ...
Vou viver na solidão I
Quero dar largas às dores
deste pobre coração.

Vou c u rtir meus soffrimentos


bem distante do meu la r,
pois aqui nfto tenho espaço
para, liv re, s o lu ç a r!
Como os teus, os mais amores
são volúveis, são mortaes ! . . .
Não te quero mal por isso .. .
mas a m a r-te .. . :nunca m ais I

Lyra em punho

L y ra em punho, vou p’ra ru a ,


quando a lu a
se m ostra no céo mais bella,
e, n’um menor bem gostóso,
vou saudoso,
can tar á tua janella I !...
3

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IIVERSITY OF W ISCO NSIN
34 QU A R ES MA & C., e d it o r e s

Tu perguntas onde eu vivo,


sempre esquivo,
durante o dia a scismar T
Manda a roupa que eu te fuja
de tão suja,
que até pódes vom itar ! !

NSo gosto m uito dos dias...


F ugirias
de mim, que & noite só é r r o l ...
Assim que visses os filhos
dos fundilhos,
tu gritarias — O’ ferro 1

A responder-te ònde móro,


não demoro,
porque não tenho agasalho 1 I
Nas ruas francas divago...
pois sou vago,
contrario a todo o trabalho.

Se tu promette8 querer-m e,
receber-m e,
verâs que este am or, de vez,
n'ura casorio emfim se ata,
ou desata
nas grades de algum xadrez 1

rA r> Original from


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LYRA. B R A S I L E I R A 35

L yra em punho, em serenata,


bella ingrata,
Cantarei emquanto eu possaI...
Até teu pai, de amolado,
já cançado,
m andar m etter-m e uma coça.

jfc partida

E u vou deixar-te, vou soffrer a vida


longe, ó querida, do sonhar traidor !
Ouvi meu fado de teu labio austero,
que mais espero de um cançado amor T

Deixa a m inh’alm a, que perdeu a crença,


n a dor intensa de perdidos ais !
Deixa a m inh’alm a, que o chorar conforta,
já quasi m orta por te am ar demais.

Bardo inditoso, que ò soffrer encobre,


mesquinho e pobre, que te posso r u dar ?
Fundos desgostos entranhados n’alma
me dfto a palma de infeliz te am ar.

Nem mesmo um canto posso d a r-te sgora,


que a ly ra chora por te ver p a rtir 1
E ’ morto, in grata, meu affecto santo...
Nem mais um canto poderás me o u v ir.

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IIVERSITY OF W ISCO NSIN
36 QUARESMA & C., e d it o r e s

Adeus I... E u parto para o meu calvario,


trilh o o fadario, que me roubá a luz !
P a ra um soluço já não tenho alento I. ..
Meu pensamento vae levando a cruz !

Meu nome apaga de teu labio infido,


deixa, perdido, p ro cu rar m eu fim
K tsrna ausência v iu fazer... Descança 1...
Nem mais lem brança tu terás de mim.

Que são teus olhos?

Os teus olhos peregrinos


brilham mais que um resplendor,
luzem brandos, mas, ferinos,
são travessos como o Amor.
São dous astros vespertinos,
dous luzeiros de candar
esses olhos peregrinos,
scintillantes de fulgor 1

São dous risos de ventura,


r. que bafeja o peito am ante,
são das dores um calm ante,
quando mais nos fere a dor !
Morta crença resuscitam.
sendo gaia e sendo o norte
no descrer da negra sorte
do prostrado trovador.
---------- ,i • '• • i •■
Musica original. r'

Original from
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LYRA BRASILEIRA 37

Tea cabello ü q o e louro


meu pensar prende e captiva I
E’ flagello em chaga; viva
do que soffre por te am ar !
Mas seus fios.perfumados
são do Amor divinos dardos,
que na mente vão dos bardos
bellos cantos inspirar.
São teus labios odorosos
uma fonte de poesia,
onde o genio da harm onia
vem seus carmes solfejar !...
Doce voz saudosa e terna,
mais cadente e mais saudosa
do que a vaga m arulhpsa
sob os beijos do lu ar.'

O jfflcmor e o Desgosto
( Para ser recitado)

A’ porta da formosa e fascinante Helena,


portento de belleza, em plena prim avera,
Cupido vae bater em um a noite amena,
n a hora em que o lu a r, a branquear a esphera,
nos mostra o manto azul do céo todo estrellado.
E , assim que elle transpoz esse recinto amado,
Helena, a suspirar, no peito seu presente
a chamma que despede o seu olhar fulgente,
o lh ar cheio de luz, de encanto e de paixão.

rA r> Original from


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38 QUARESMA & C., e d i t o r e s
____________________________________________________
p
S atu ra toda a alcova num môrno e doce arom a,
que as almas mais reveis subjuga e fere e doma,
e faz captivo um fero, um petreo coração.

«Ha muito que por ti suspiro, ardo e padeço,


«ba m uito que por ti pranteio, ó bella ingrata,
«e crê-me que este ardor fere e punge e mata,
«porque de ti jam ais um’hora só me esqueço.»

P alavras taes o deus dizia commovido.


o peito a palpitar, o coração plangendo,
quando Helena, a trem er, chegando a seu ouvido,
lhe mostra um vulto além , de aspecto feio, horrendo
í
Traz lucto em seu olhar, terrífico, doroso !
Caminha a soluçar n’uns prantos suffocados!
Que aspecto que elle traz ! I... Q ae vulto pavoroso,
tão cheio de am argor, tão cheio de cuidados !
I
b

Cupido, que inda ha pouco estava tão jocundo,


parece concentrar-se em m editar profundo.
. I
O vulto erecto vem, á frente avança um passo,
aperta com calor a cupidinea mã >,
e, chamando-lhe assim de amigo e caro irm ão,
procurava unil-o ao peito em fra tern a l abraço !

Debalde o deus do Amor busca fu g ir do agrado


daquelle que, tenaz, o segue em toda a parte ! .J
— Helena — diz então, adeus 1 eu vou deixar-te,
que é lei do fado m eu... por elle sou forçado 1
I
!*
r

r^r> Original f ro m i
Digitized by V ^ j O '5 (jÇ |V E R S IT Y OF W IS C O N ^IN
LYRA BRASILEIRA 39

Esteja onde estiver, inexoravelm ente,


o vulto que tu vês me segue fatalm ente ! i

A todo o coração que eu captivar procuro,


protestando adoral-o etern a e firmemente,
eu me torno infiel, mas innocentem ente,
pos isso é que se diz que eu sou vario e perjuro.

E , agora, um beijo mais Um beijo, e me p e rd ô a ! I


Que culpa posso te r, a seu império exposto ?
E nisto o deus do Amor as azas bate e vôa,
deixando em seu logar a sombra do Desgosto 1
De L acb am beaudie.

C arta original

O’ m inha am iga sinhà,


Ora aqui, ora acolá,
eu vou andando por cá,
comendo máo vatapá,
arroz doce, m ucunsá,
mas quem me dera estar l á
nos sertões do Ceará,
bebendo o meu aluà.
mais gostoso que o maná,
que Deus agora não dá !...
Irei viver no P a rá,
se m inha estrella, tão má,

D i g i t i z e d by
Googk Original from
IVERSITY
I OF W ISCO NSIN
QUARESMA'- & C., e d it o r e s

não consentir mais que eu vá


p’ra onde meu bem està,
dormir á sombra do ingá...
Pois não sei como será I...
Já não dou para o fubá,
que o rigor do teu papá 1
minha vida findará,
se não te vir mais, yayá !

Sem crenças, perdida a fé,


descreio do mundo até !
Quantas saudades, olé,
da casinha de sapé !
A’ sombra do grande ipé,
deitado; a tomar café,
na esteira do catolé
de tua morada ao pé,
a vida mais feliz é
Deu-me agora na maré,
de me entupir de rapé...
só de* saudades .. bofé.
Já pareço um jacaré,
andando sempre pr a ré,
neste andar de pangaró ! !

D ig it iz e d by Googk Original from


IIVERSITY OF W ISCONSIN
L Y R A BRASILEIRA.

Assim copo o bom P ery ,


ficou louco por Cecy,
desde o dia em que te -vi
n&quellas te rra s ... a ili...
p’r a as baudas do A racati, .
onde entao feliz vivi,
lá onde gosos frui,
logo o juizo perdi I !...
Do logar em que nasci,
sem nada dizer, fugi,
chorando deixei-te ahi,
puz-me em yiagem p’r a aqui,
onde tudo já soffri,
tão longe, m eu bem, de t i !

D istante do meu Icó,


nesta choça de cipó,
gaiola de curió,
do esquecimento no pó,
mais gasto qae gasto mó,
aturando a m inha avó,
mais triste que um noitibó,
vou comendo pela enxó,
até desfazer-se o nó
desta vida de bocó,
mais mole que um pão de ló,
na miséria como J ob,
tristinho. calado e só,
que a té faz pena e faz dó !!

D i g i t i z ed b y Googk Original from


IIVERSITY OF W ISCO NSIN
42 Q UARES MA & C , e d it o r e s

O bolso despido e nu,


neste tempo inurato e cru i
J á pareço um K angurú.
dormindo pobre um bahú,
como infeliz urubu,
cada vez mais ju r u iú I...
No meio deste zungu,
m urchando como um c»jú,
além da enxó vendo angú,
tomate, giló, chuchú,
aos domingos caru ru ..
Como eu passo vê là tú !...
Adeus ... Recebe, ó Lulú,
saudades do teu
Bilú.

Quem te fez tão bella ?

Quem te fez tão bella e pura,


fascinante de primores,
meiga estrella de candura,
resplendendo em céo de a m o re s! ?
São teus olhos tentadores
dous abysmos de poesia,
que me alen ta, que me guia,
do viver por entre espinhos
triste pária nos caminhos
em que a dor só allum ia !

^ r s \o Original f rom
D i g i t i z e d b y V ^ U O g y ^ l V E R S I T Y OF W ISCO NSIN
L Y R A BR A SI LE I RA 43

Teu olhar tem mil encantos,


mas seu brilho rouba & calma I
Se essa luz tem lumes santos,
quero um raio dentro d'alm a !
N’um sorriso eu vej > a palma
que m erece quem te adóra,
quem, soffrendo, a vida enílóra
nos matizes da esperança,
que esse olhar jamais se cança
de accender n’alma que chora !

Teu so rrir é o riso ethereo


de um a estrella bonançosa I
São teus labios um psalterio
n’uma prece harmoniosa !
Vem, que a noite tenebrosa,
jà mais densa e mais escura,
pede um raio de candura
desse olhar de virgindade,
— doce orvalho de piedade —
na aridez desta am argura.

M usica d a m o d in h a — Porque vejo nos teus olhos um luzeiro


de magia.

Original from
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44 Q U A RE S MA & C., e d it o r b s

Pleonasmo e Cacophonia
(r e c it a t iv o )

Consente agora que te fale um pouco


de um tempo louco,' em que a soffrer viyi,
pois esses dias reviver quizera,
na prim avera de outro am or por ti.

Hoje, que os annos meu sonhar trahiram ,


e me despiram de illuzões de o u tr’cra,
posso dizer-te o que em teus olhos via,
quando eu sentia o que nSo sinto agora.

P arvo, feioso, pobretão... em summa,


sem cousa algum a que pudesse, emfím,
fazer teu peito borbulhar de amores
e alguns doutores desprezar por mim 1

E ra estudante, e, como tal jcciso,


mas cabuloso por querer te s m ir 1...
E quanto á r o u p a ... nem falar d e v e m o s !...
silenciem os.. . que é m elhor c ila r .

E u te escrevia e, minhas phrazes lendo,


ia as rom penlo por achal-as fartas
de mil sandices.. . discurseira h o rriv e l.. .
E ra impossivel te agradar por cartas.

Saquei da penna e, m uita vez, em prantos,


tecia uns cantos de um am or perdido .
lá vinham flores e perfumes d’a u r a . . .
Teu nome, ó L aura, era um penhor mentido

Original from
Digitized by V ^ j O 'g if ilV E R S I T Y OF W ISCO NSIN
LYRA BRASILEIRA 45

G raphava os versos em papel dourado,


magro punhado de vinténs que tinha,
mas là ficava a producção diffusa,
pois nunca a musa em meu soccorro v in h a ! !

Q ueria ás vezes conversar comtigo,


e em teu postigo me encontrava frio !
Ia ju ra r -te inflado a m o r .. . mas logo
perdia o fogo ! . . . era meu pranto um rio I

V oltava murcho, cabisbaixo e triste,


porque sorriste de me ver garboso,
de botas to rtas, com feroz dentuça,
casaca russa e paletot seboso 1

Nos meus exames era c e rta a bomba,


que a sorte zomba de quem firme e s p e ra !
Que me im portava esse latim cançado,
se um teu olhado eu declinar quizera ? I

Analysava nos teus olhos bellos


tantos anhelos desse doce olhar '
E ra o sujeito da oração, tu , verbo,
penoso, acerbo para conjugar 1

Além de tudo o complemento occulto


era esse vulto de teu pai sem dó,
e a principal proposição—teu cobre —
pois era pobre e muito mais que Job.

Original f ro m
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46 QU AR ESMA & C., e d it o r e s

Sempre temendo um men rival decente,


que era a incidente que eu temia então,
levei a tunda que me poz se n sív e l.. .
Choque terrív e l de um a collisão 1

Mas isso tudo já passou, querida 1


Cousas da vida, e como t a l . . . passou;
porém de toda essa intrincada historia
cà na memória um dicto teu ficou.

Foi n’uma noite de lu a r se re n o .. .


Teu rosto ameno pude emfim fitar !
Disse baixinho que por ti penava,
e louco estava por te o uvir falar I

Tu, motejando, me jogaste o dicto,


fui te u palito no mordaz sarcasmo I
Tu perguntaste se eu não me enxergava,
pois não passava de infeliz pleonasmo I...

Mas, o lh a : agora se me am ar tentasses,


e consultasses se te am ar podia,
rindo eu dissera :— pois que tudo foge,
p’ra mim és hoje um a cacophonia.. .

r^ \r> Original from


D i g i t i z e d by b O 'X ^ I V E R S I T Y OF W ISCO NSIN
L Y R A BR AS ILEIRA 47

Só assim serei feliz

J á não me queres bem, eu vejo a todo instante,


porque, não sei dizer, não sei por que razão I
J á não me tens amor. mas eu te sou constante...
Não posso mais domar esta voraz paixão.

Ai, se eu pudesse,
serias m inha a té m orrer 1
Muito padece
meu coraçã) por te q u e re r 1

Não negues ao captivó


trovador
um terno olhar fu rtivo,
m inha flor I
E u de saudades vivo,
meu am or ! . . .
Minha dor
te bemdiz I I
Decide a m inha sorte I. . .
Dá-me a morte,
pois só assim serei feliz I

Tu nem te lem bras mais desse sonhar fagueiro,


do tempo mais feliz de nosso alegre a m o r !
J á te esqueceste então desse passado inteiro,
que recordar-m e vens nos dias de am argor ?

Musica da modinha — Profundo dissabor me devora a vida —


do fallecido João-jóca.

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IIVERSITY OF W ISCO NSIN
48 QUARESMA & C., b d it o r e s

Ai, se eu pudesse,
serias m inha até m orrer !
Soffre e padece
meu coração por te querer.

Não negues ao captivo


trovador
um meigo o lh sr furtivo,
m inha flor t
E u sem te ver não vivo,
meu am or !
Que dulçor
nesse o lh a r !
Decide a minha sorte,
dá-me a m orte,
pois eu não quero mais penar !

Teu coração foi m eu, já foi só meu o u tr’ora,


delicias mil gosei, prazeres m il senti,
por isso vens me d ar a recompensa ag ora.,.
M aldito aquelle dia em que fui c re r em ti.

Quanto padece
meu illudido c o ra ç ã o !
Triste fenece
na dor da tu a ingratidão 1

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IIVERSITY OF W ISCO NSIN
f LYRA BRASILEIRA 49

Tu negas ao captivo
tro ra d o r
um te u olhar furtivo,
linda f lo r !
Só de ch o ra r eu vivo,
meu amor 1
M inha dor
te b em d iz!
Quero m orrer sonhando,
me eng&aando,
que só assim serei feliz !!

Nao sei quem te merece os divinaçs amores,


mas, mesmo sem saber, o faça Deus fe liz !
N5o soffra o que soffri, não sinta os dissabores,
que, emâm, te queira tanto assim como eu te quiz I

Ai, se eu pudesse,
serias m inha até m o rre r!
geme e padece
meu coraçao por te querer.

E m orra o teu captivo


trovador,
soffra sem lenitivo, t
sem amor 1
M orto, sem ti não vivo...
m inha flor I !
4

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IIVERSITY OF W ISCO NSIN
50 QUA R ES MA & . C . , e d it o r e s

Que a m a rg o r!
Que afflicçâo I
Pois que t u me illudiste,
me trahiste,
irei penar na solidão 1

O Demonio moreno

E lla é morena e trig u e ira,


cheirosa como um a flor 1
E u dera-lhe a rid a inteira
por um m inuto de amor.

E u amo o collo moreno,


donoso,
seu pé gentil e pequeno,
dengoso,
âquelle olhar tão sereno,
mas sempre m alicioso!

Quando ella sáe a passeio,


com seu vestido de chita,
eu gosto de ver-lhe o seio
como se alteia e se agita.

rA r> Original from


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L Y R A BRASILEIRA. 51

Naquell a .seio adorado,


querido,
naquelle m ar perfumado,
crescido,
quizera ver-me embalado,
sonhando um sonho florido !

Assim, confesso, táo bella,


aqui na te rra não ha !
E u ando louso por ella,
que nem sei como serà !

Quizera um beijo bem quente


depor
naquelle labio fremente
de amor.
morrendo nelle contente,
crestado no seu c a lo r !

Quando ella canta, que canto I


As nossas maguas aviva !
Um canto assim dá quebranto ! . . .
Seduz e prende e captiva.

Nao queiras vel-a. acredita,


vê l á !
m ulata assim tio bonita
nSo ha 1
Coitada d esfalm a afflicta,
que louca por ella está.

M usica do lundu — Sou pobre, m as sou ditoso, m eu D eus, ao-


la d o de m in h a R osa, cercado dos filhos m eus.

r ^ \r > Original from


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QUARESMA & C., e d it o k b s

No samba

ELEE

Yem cà. meu a n j),


creoula in g ra ta,
que o tpu requebro
me prende e m ata 1

EELA

Não vou, não vou,


deixe dançar,
e não me amolle
com seu falar.

EEEE

Não dança, 6 bella,


que esse quebrado
faz qualquer homem
por ti babado.

EEEA

Não páro agora,


commigo mangas,
vá lá p’ra fóra.
chorar pitangas.

M usica do lu n d ú — Seu M anduca da P e d re ira , que 6 de X ix i ?-

Original from
D i g i t i z ed b y 'g J tfílV E R S IT Y OF W ISCO NSIN
i LYRA BRASILEIRA 53

ELLE

T a és a rosa
fresca, orvalhada,
tu és a estrella
da m ad ra g ad a !
EEEA

Tu não me engrossas
com taas p e ta s .. .
No céo não luzem
estrellas pretas...

ELEE

E ’s mais ainda
do que um a e s tre lla :
és um a santa
formosa e bella I
ELLA

De santo preto,
sem ser bonito,
conheço apenas
São Benedicto.

EEEE

Pois olha escuta:


quero falar-te,
tenho uma cousa
para iffe rta r-te ...

rA r> Original from


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64 QUA RE SMA & C., e d i t o r e s

ELLA

Franquez&s dessas
me causim m edo!,
P r a dar-se um mimo
ta n t > segredo ! !
ELLE

Antas não Tisse,


meu Deus, tal fado !
Ai, triste vida
do apaixonado!...
ELLA

Pois se console,
meu caro amigo !
Quer por v e n tu ra ,
casar om tnigo ?

ELLE

Ai, não, creoula,


não sou tão louco v . .
Só se tu fosses
mais alva um pouco.
ELLA

Tambem declaro,
já que é tão franco,
que eu não desej >
casar com branco.

C fI í > Original from


D i g i t í z e d by
V^ U U 0 ^ HVERSITY 0 F W ISCO NSIN
L Y R A B R A S IL EI RA 65

EEEE

Pois nestes casos,


creoula amiga,
póde ir sahindo
jà de barriga.

EEEA

Ora, meu branco,


deixe eu dançar
que eu não sou bella
para engrossar.

O «Jardineiro

Eu vivo em meio das flores,


sou jardineiro, donzellas!
São ellas os meus a m o re s.. .
Os meus amores são ellas.

Eu amo o cravo oloroso,


amo a rosa purpurina,
adóro o jasmim cheiroso.. .
namoro a ru b ra cravina.

O' meu flel companheiro,


meu querido regador,
ó meu amigo primeiro,
tu és tambem uma flor !

a I í> Original from


D i g í t i z e d by
^ jU U 0 ^ HVERSITY OF W ISCO NSIN
§6 QU AR ESMA & C., è d it o r b s

Emquanto regas as flores


deste a d o rarei jardim ,
eu rego & flor dos amores,
que tenho dentro de mim I

E ’ flor que n’alma cultivo,


com tanto esmero e trabalho,
que vive emquanto eu fár vivo,
que com meus prantos orvalho.

E ’ flor que n’alma se encerra,


que tu , meu anjò, has de ver
b ro ta r um dia da te rra
em que p’ra sempre eu jazer.

casaca maravilhosa

AO MEU BOM AMIGO A . . .

E sta casaca que eu trago


ha tanto em cima de mim,
foi feita na eternidade ! . . .
Creou-se, mas não tem flm.

Cada dia que se e?côa,


roubando a existencia nossa,
esta casaca encantada
mais se repimpa e remoça !

Original from
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L Y R A B R A SI L E IR A 57.

Dia a dia esta cabeça


vae aos poucos alvejando,
emquanto a linda tstéa
nos bailes, sorte vae dando.

Nos porres que tomo ás yezes


nessas noites de alegria,
esta casaca tem sido
meu conductor e meu guia.

Se chego à casa doente,


ou antes meio chumbado,
não é preciso que a t i r e . . .
sae, logo que estou deitado.

Vae pendurar-?e ao cabide,


por si própria, sem ninguém 1
Pois d iz e i: não é motivo,
para q u e re r-lh e tão bem ?

Um sabio n a tu ra lista ,
que em .si mysterios encerra,
já disse que esta casaca
não era obra da terra .

Exam inando-a n'um dia,


nos varios arcanos seus,;
affirmou que ella foi feita
por alfaiate de Deus 1

. .. /-y /A rtlr* Original from


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58 QUARESMA .& C., edí TuRES

Pois revendo & c o n tu tu r a


deste bello talisman,
calculou seu nascimento
antes da e ra christ&n I

Segundo diz Daogr< mont.


grande sabio em velha' ias
pertenceu esta casaca
ao propheta J tre m ia s .,

Vivendo mil gerações,


teve, a c o rre r mundo inteiro,
vinte mil milhões de don s,
sem contar um feiticeiro.

Foi este Velho botânico,


forte porrista tambem,
quem lhe ensinou os segredos
que eu não revelo a ninguém.

Sol e chuva nem se f a l a .. .


tem apanhado a fa rta r .
Prediz n elhor que o therm om etro,
quando o tempo vae m udar.

Não traz ás vezes botões,


porque já li n’um tratado
que é bem prudente arrancal-os
por causa de máo olhado I

rA r> Original from


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• .LYRA, B R A S I L E I R A 59

Nos mundos civilisados,


que não no Brasil rhetorico,
esta casaca m acrobia
teria um valor historieo.

Os sabios da culta E uropa,


conhecendo tal thezouro,
travaram lacta renhida
por com pral-a a pezo d’ouro 1

Ha muitos annos é certo,


que eu ando desconfiando
que ella soffre de marasmo,
por ir demais encurtando.

Ah ! Não 1 Nem mesmo por sonhos


te deixarei isolada I. . .
Tu viverás nestas costas,
eternam ente a g a rr a d a !

E u íó te deixo de noite, ,
quando busco repousar,
mas não sem ver de meus olhos
uma lagrim a r o l a r !

Original from
Digitized by V ^ j C K fg ( ^ | V E R S I T Y OF W ISCO NSIN
60 Q UA RE SM A & C., e d it o r b s

Eu te coaservo, ó casaca,
por prazer e p^r vontade
até mesmo em certos actos
de urgente necessidade...

Tu és eterna, «credito ! . . .
porém o meu parecer
é que tambem de desgosto,
tu m orras, quando eu m orrer.

O ISoiadeiro

A noite chega a seu termo,


a aurora vej o apontar,
adeus, sert&o, bello ermo,
que eu vou de ti me ausentar.

Levanta, m ulher, levanta,


vem despedir-te do esposo,
pois no poleiro já canta
o gallo tris te e saudoso.

E scuta, m ulher querida,


esposa mia ha adorada,
ao longe, grave e sentida,
gemer em côro a bnada.

Original f r om
Digitized by Q y ^ lV E R S IT Y OF W ISCO NSIN
LYRA BRASILEIRA «1

Não creias, m u lh er, que eu m iuta .


E ’ justo, é bem natural
que a pobre rez tambam sinta
d eixar a te rra n atal.

A rez de uma alma é d o ta d a .. .


Tem de prever o condão,
por isso está desolada,
não quer sair do sertão.

Yamos, vamos. . Rompe a aurora,


vou ma affastar de teu lado 1
Vem v e r o gado que c h ó ra .. .
vem despedir-te do gado.

M ulher, preciso de c a lm a .. .
You deixar esta sertão I
Carrego a dor dentro d'alm a,
mas tenho ao labio a canção I

Crear com tantos desvellos,


e ver, ó m ulher, depois
m orrer os bois nos cutelos i
Coitados dos pobres bois ! !

E tu, mimosa açucena,


flor cheirosa desta serra,
bem sabas com quanta pena
eu vou p artir desta terra.

Digitized by G O O g J g | VERS|-p|l QF WISCONSIN


62 QUARESMA & C., e d it o r e s

Mas voltarei muito breve.


Muito breve hei de v oltar 1
Tristezas ! ? Que o vento as leve. .*
Não quero ver-te chorar. >

M ulher, se o fado cruento


deixar-m e lá p’ra onde v o u . . .
Senhor Deus ' . . . Que pensamento I. . .
Gado meu 1 Echô ! Elou ’. . .

JSIão te esqueças de mim, que te amo tanto

Quando & noite, ao lu ar, saudoso e lento,


escutares um mesto e flebil canto,
volve a m ente ao passado venturoso,
não te esqueças de mim, que te amo tanto 1

Quando a tard e m orrer e a noite escura


distender pela te rra o tetro manto,
quando as preces gemerem nos teus labios,
não me esqueças, por Deus, que te amo tanto I

Quando ouvires a voz d’uma harpa angélica


derram ar no silencio um triste pranto,
lem bra as ternas cançõis que me e sc u ta ste .. .
Não me esqueças, oh, não, que te amo tanto !

r^ \r> Original from


D i g i t i z e d by b O 'X ^ I V E R S I T Y OF W ISCO NSIN
L Y R A B RA S IL EI RA 63

Se uma farpa da dor ferir tu a alm a,


perolandc-te a face alfoj ar fauto, >
eu comtigo e s ta re i! . . . oh ! morto embora,
não te esqueças de mim, que te amo tan to ! 1

jfc tua saia

Como tu ficas dengosa,


como tu ficas catita,
quando tu saes no domingo
com tu a saia de chita.

Eu gosto tanto, ó florsinha,


da tu a saia am arella,
que o mais custoso vestido
não tro caria por ella.

Se eu me casasse comtigo,
quizera ver-te g arrida
no dia do casamento
com tu a saia vestida 1

Ai, se eu pudesge, Chiquinha,


não mais tira v a , acredita,,
meus pobres olhos de cima
de tu a saia de cíúta 1

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IIVERSITY OF W ISCO NSIN
«4 QUARESMÁ «St C., e d it o r e s

Q uandoeu m orrer, ó bemiinho,


tal como está, bem singela,
qnizera cobrir meu corpo
com tu a saia am arella.

Como eu gosto

E u amo certa m ulata,


mimosa como uma flor,
eu amo-a por ser ingrata,
e me tra ta r com furor.
O
Jamais a vi com brandura,
mas sempre braba e damnada,
pois não me agrada a te rn u ra ,
e a mansidão não me agrada.

F erre n h a brutalidade
reina en tre nós fatalm ente :
nem ella faz-me a vontade,
nem eu a ella egualm ente.

J á costumei-me com isso,


que nunca ás brigas me escapo:
pois, ao chegar do serviço,
entram os logo em sopapo.

A musica do lundií — Q ual fida doudo o macaco, se lhe offe-


recem banana. '

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LYRA BRASILEIRA

P o r mais que chegue cinçado,


me xinga sempre de lôntra,
e neste pobre costado
yae atirando o que encontra.

Ha cinco dias sómente,


eu vim achal-a com a têlha,
e, n’uma lucta de dente,
saquei-lhe fóra uma orelha.

Y endo-a disposta pr’a briga,


não quiz fazer-m e de pêco,
e dei-lhe um pé na barriga
que foi v er o china sêcco.

Ao v ir o dia apontando,
pr’a não fazer-m e de mouco,
me vae do somno acordando
a m urros, trancos e sôco.

Não é m ulher de chalaça,


nem gosta de quem lhe ria t
E , quando está na cachaça,
fica peior que uma harpia.

Hontem bebi que a leôa,


me vendo em miserò estado,
deu-me uma sova tão bôa,
que poz-me o dia prostrado !

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IIVERSITY OF W ISCO NSIN
Q UARES MA & C., e d it o r e s

Livre-m e Deus de a brandura


um dia ver no seu rosto 1
P e r lida estava a v en tu ra !
M orria a té de desgosto I

Mas não penseis, ó senhores,


que não nos queremos bem;
por ella eu morro de amores,
e ella por mim tambem.

Do philosopho

A vós, que tendes m ania


de m udar dia por dia
vossa csm isa, por luxo,
por opulência e riqueza,
(Que eu, nesta m inha pobreza,
não invejo, nem contemplo)
A’ vós, que a Parca desterra,
tal como o vulgo, da te rra ,
sem deixar dessa grandeza
pequeno, subtil indicio;
vós, que enfeitaes esse vicio,
quando o chamaes de lim peza.. .

E sta p arte da poesia o Philosopho , do Cancioneiro Popular,


é recitad a logo após o verso — Q ue cheiro ! ! ! . . . Q ue e s s e n c ia
v ag a i I I . . .
%

rA r> Original from


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LYR V BRASILEIRA 67

A vós s g e r i este ex mplo


de constancia e de firm eza.. ,
( em falar na eonom ia,
que das derrotas nos salva)
— Prostae-m e toda attenção !
P^rquo mudae? todo o dia
v_ssa camisa tão alva,
sem d rso te r precisão ?

Olhae p’ra m in h a ! Era branca,


mais tra n c a ainda que a tua,
mais branca que a branca l u a t ...
Mas a vaidade quo mente,
que a probidade babuja,
sem m >tivo e sem razão,
dirá, na lingua demente,
que esta camisa está suja,
que é porcaria indecente,
vestil-a assim como a visto,
mais negra do que um carvão 1
Mas o sabio q u e pondéra
dicterios da maldizencia,
yae c aminhando na vida,
tendo a fronte sempre erguida,
que é seu guia a c.nscicncia.

Tingem-se calças, colletes,


casacas velhas se tin g e m .. .
Senhoras, vossos vestidos,
n’um banho sendo mettidos,
per novos passam, se impingem.

rA r> Original from


D i g i t i z e d by V ^ j O 'g i f i lV E R S I T Y OF W ISCO NSIN
68 Q U A R ES M A & C., e d it o r e s

Porque sómente a camisa,


de que a gente mais precisa,
não se pôde então tin g ir ?
Em gostos nuuca disp u to .. .
Não acho graça p’ra r ir d

Ides ficar jà calados ; —


Quando vó< estaes de lucto,
mas lucto todo fechado,
qual é a cor da camisa
que todos deveis v eitir ?

P a ra que mais ninguém ria ,


julgando a bolsa mesquinha,
direi que tingi a minha,
tendo em vista a economia,
sem g is ta r tempo ou dinheiro,
sem ir â tin tu ra ria I . . .
Quem m’a tingiu foi o tempo,
que o tempo é bom tin tu re iro !

Mas isso tudo é passível,


por não passar de chim era !
Porém a moda mais tôla,
o que a razão não tolera,
é ver-se a própria ceroula
perfum ada em aguas fin is
de nenhum valor real
porque vos digo e asseguro;
da minha o cheiro é mais puro I... ►
Só uso essenciis traquinas,
p e rfu n e mais n a tu ra l.

D i g i t i z e d by Googk Original from


IVERSITY OF W ISCO NSIN
LYRA B R \S I L E I R A 69

H istoria de um casamento

Senhores meus, e:cutae-m e,


«alados, neste nu mento,
que eu vou contar-vos a m inha
historia do casamento.

F az hoje apenas um anno


que fui com ella casado ! . . .
Mas vou p arar, meus senhores ! . . .
j â me sinto enci listrado !!

T res horas depois de vel-a,


«ahi na am arga esparrélla
de psdil-a em casamento
*o velho Honorio, pae delia.

Pois ao chegarmos em casa,


praguejo do fado máo,
ao ver que a bruxa horrorosa,
tra z ia pernas de pào !

Passados cinco minutos,


no quarto estando fechada,
âquei pasmado de yel-a
da todo descabellada 1

Além de tantos deíeitos,


pois trem o ao contar-vos isso,
trazia uns trapos no peito...
Pois tin h a o peito postiço.

rA r> Original from


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70 QUA RE SMA & C , e d it o r e s

Até no dia seguinte


confesso que tive medo
ao ver que a bicha não tinha
nos i' rtos pes um só dedo I

comendo um dia cangica,


rachóu-m e um prato dourado,
porque cahiu-lhe da o. bita
um grande olho vidrado !

As pernas dolla, senhores,


não tinham nem a grossura
das pernas de uma gallinha,
ou mesmo da saracura.

Uns quatro dentes na b. cca,


na bocca h rriv e l, immunda,
canhota, surda, pateta,
e além de tudo corcunda !

Por cima disso uma cousa


que supportar niDguem póde:
deitava a brixa nojenta
tremendo fartum de bide I

Comendo mais que um camelo,


bebendo mais que um cavallo,
o r a b da velha horrenda
fedia mais do que um ralo !

rA r> Original from


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L Y R A B R A S I LE I R A 71

0 seu nariz parecia


um rato enorme e bojudo I
Tinha cara de repolho
e queixo fino e cascudo.

Não tinha couro a cabeça I . . .


Verm elha como carmim ! . . .
O re lh a s.. . Cala-te, bocca ! . . .
E u nunca vi cousa assim.
'J

E para emfim d ar a nota


mais triste e mais infeliz,
direi que a velha m egera
comia pelo nariz t

/c canção do ermitão

A choupana que habito, ó querida,


é pequena,
mas é perto de um lago sereno,
e de um bosque que dá-lhe, florida,
sombra am ena.

Muito cedo saúdam-me em festas


bellas flores 1
Neste banco de pedra eu respiro
dos jasm ins e das verdes giestas
os odores.

Im ita ç ã o de B rizeux. M usica do p roprio au to r.

Digitized by G O < J g | ^ | V E R S |-ri! 0 F W IS C O N S IN


72 QUARESMA & C . / e d it o r e s

Quando o sol surge além q q horisonte,


na campina
dissipando da neve os arm inhos,
bebo d’agua da próxima fonte
chrystallina.

Mas se a luz em tristo r desparece,


e, sombria,
geme a rola no colmo da choça,
dos meus labios se evola uma p r e c e .. .
M orre o dia.

Neste pobre tugurio, em retiro ,


passo a Tida,
no colloquio das aves, das flores,
mas & noite teu nome suspiro,
M a rg a rid a !

No silencio da noite saudosa,


a scismar,
eu confio os profundos mysterios
de m inh’alma, que fala queixosa
ao lu a r.

Quando eu leio no meu breviário


com fervor,
que de vezes teu nome n ío digo,
revelando a carpir, solitário,
m inha dor i !!

^ r ^ o Original f rom
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L Y R A BR AS I LEI RA

M argarida, belleza sem par,


anjo amado, 1 *
quando fôres teu la r demandando,
vem um breve momento quedar
a meu lado.

M argarida! .. Silencio! !... Adormece,


coração I ! !
C M ra o sino da ermida sagrada I
E rgue à Yirgem M aria um a prece,
erm itão !

A uma criança morta

M E D E IR O S E A L B U Q U E R Q U E

E u não venho dizer-te que tu dormes,


Pobre criança regelada, m o rta ...
Nada meu fundo dissabor conforta
E as minhas m aguas acalenta, enormes

Sei que partiste os élos da existencia,


Tendo nos labios um sorriso a in d a ;
Sei que rolaste, descuidosa e liada,
Na trava sepulcral da inconsciência.

E s ta poesia e to d as as que se seguem , são colleccionada»


pelo a u to r.

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IVERSITY OF W ISCO NSIN
74 QU A R ES MA & C., e d it o e e s

M orreste... Não ha céo, nem ha inferno.


Onde reviva teu perfil amigo :
— Nós já perdemos esse engano antigo
De um paraizo luminoso e eterno !

E sabes a que vim ? I — Não para prantos,


P a ra lagrim as vans... Chorem a Morte
Os que não viram como sabe a sorte
M atar os nossi s mais gentis encantos !

Vim para te pedir calor e vida.


A ti-g e lid a e m orta e inanimada,
Porque, mais do que tu, em mim, cançada,
Sinto m inh’alma fria e succumbida !

Nada lhe resta ! A’s pontas dos espinhos


Deixou rasgadas illusões formosas,
E seguio por derrotas tenebrosas,
P or escuros, por lôbregos cam inhos...

Tem pois, criança, compaixão daquelle


Que hoje t* inveja a tragica ventura
E a quem da vida na solidão escura
Nem uma simples illusão impelle I

Ouve : que vaes fazer no m ar de sonhos


Que no teu cerebro infantil se agita,
Se em breve sobre ti — tu rb a m aldicta I —
Hão de os vermes pousar, negros, medonhos ?

rA r> Original from


D i g i t i z e d by V ^ j O ’ 5 ^ | V E R S I T Y OF W ISCO NSIN
L Y R A B R A SI L E IR V 75

Nas cellulas sem vida certamente,


De azas fechadas, como em vis clausuras,
Dormem, inda em botão, chimeras puras,
Da luz roubadas ao fu’gor nitente.

Poupa-as do Verme á sórdida festança 1


Nas minhas trilh a s escalvadas, nuas,
Careço de illus õ a s : — deixa-me as t u a s ! . . .
Venho ped ir-fas como nobre herança!

M usica do atictor deste livro.

O corcunda

Um dia que 0 corcunda


sahiu a passear,
as moças na janella
puzeram-se a m angar.

Um dia que o corcunda


botou sua luneta,
as moças pelas ruas
faziam-lhe care ta .

Ha tempos o corcunda,
sahindo de collete,
as meças da janella
soltavam-lhe foguete.

n \r > Original from


D i g i t i z e d by V ^ j C K > S ü w iV E R S IT Y OF W ISCO NSIN
76 QUA_RE; MA & C., e d it jr e s

0 pobre do corcunda
n lo pôde u sar bonnet,
que as moças logo o chamam
de velho jacaré.

N’areia faço a cova,


e n e lli após me deito,
mas nem por mil diabos
esta corcunda ageito.

E u volto entSo p’ra casa,


corrido, envergonhado,
pois logo as moças gritam :
sàe fóra, câo damnado.

Se o pobre do corcunda
penteia o seu cabello,
as moças mais bonitas
lhe chamam de camello.

Ha dias o corcunda
sahindo encartolado,
levou medonha vaia
na ru a , apedrejado.

P or causa de um a moça
levei terrivel tunda,
mas n 3m assim livrei-m e
do raio da corcunda.

/-a r s \r > Original f ro m


D i g i t i z ed b y y w iv E R S IT Y OF W ISCO NSIN
LYRA BRASILEIRA 77

De c a rre g ar ta l trcuxa
jà y ív o acabrunhado I
A peste da corcunda
parece o corcovado I

Seu peso me assassina,


me abate e me aniquila...
vou v e r se algum soldado
me compra esta m cchila.

Se vou n’algum pagóde,


mil moças logo eu acho
que a r ir desta corcunda
me fazem seu capacho.

Ha dias a morena
por quem meu peito bate,
só por pedir-lhe um beijo,
chamou-me de mascate.

A té na própria cama
não posso a gosto estar,
a b u rra da corcunda
não deixa me v irar.

E S T R IB IL H O

Bem sei, sou corcunda,


mas tenho dinheiro,
por falta da moças
não m orro solteiro.

rA r> Original from


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78 QU AR ESMA & C , e d it o r e s

Minha mãe

Tenho saudàdes do berço,


onde o u tr’ora me embalava,
e m inha mãe carinhosa,
cantando, me acalentava I

Porém a sorte roubou-me


essa mãe te rn a e querida,
ficando triste e sosinho,
sosinho em meio da vida.

Minha mãe, já que tão cedo


foste no céo habitar,
de là mesmo abençoai-me,
podeis de lá me guiar I

Pede a Deus omnipotente


que de ti me separou,
que eu tambem possa habitar
là p’ra onde te levou.

Criei-me, p irque foi sorte,


e vivo só por meu mal 1
Que mais me resta no mundo,
sem a benção m aternal ? 1

rA r> Original from


D i g i t i z e d by V ^ j O ,5 ^ | V E R S I T Y OF WISCO.NSIN
L Y R À BR AS ILEIRA 79

Jvlos dias dourados

Nos dias dourados, nos dias da infancia,


arfav a meu peito não sei se de amor,
mas hoje que o sinto pulsar agitado,
presinto que aos poucos lhe foge o calor.

A voz de um ai chanjo m orava em meu peito,


de amores por ella vivia a cantar,
seus olhos me davam coragem na vida,
seus labios às vezes me vinham beijar.

Mas hoje que resta somente a lem brança


dos tempos felizes que o u tr’ora gosei,
meus olhos derram am to rren tes de prantos,
e chóro sentido porque te adorei.

O a r que respiram teus labios carmineos,


quizera sesinho no mundo inspirar !
Á vida que vive3, os gosos que gosas,
os sonhos que sonhas quizera sonhar.

Querida flo r a

Querida F lora, gentil donzella,


abre a janella, vem me escutar !
Yae alta a noite, vem ver a lua
como fluctúa beijando o m ar.

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IVERSITY OF W ISCO NSIN
80 QUARESMA & C., e d it o r e s

Se estás me ouvindo, vem te r ccmmigo,


pois só comtigo feliz s e r e i!
Teu lindo collo, virgem formosa,
com mSo lodosa nSo tocarei.

E rgue-te, ó virgem , do brando leito,


consola o peito do trovador I
Como palpita, como suspira,
como delira cheio de amor.
i t
Vem v er a te rra silenciosa,
como é saudosa vem v e r agora !
 lua foge do céo nó m a n to .. .
Ouve o m eu canto, querida F lo ra !

Eu e tu

Tu és o astro que a luzir vigora,


eu sou corolla j à pendida ao chão,
tu és a brisa que perpassa rindo,
eu sou infindo cam inhante, em vão !

T u és a estrella que no espaço brilha,


eu sou a ilha inhabitavel, erm a,
tu és a fonte de sentido canto,
eu sou o pranto da rolinha enferm a.

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IVERSITY OF W ISCO NSIN
L Y R A B R A S I L E I RA 81

Tu és a deusa deste campo immeneo,


eu sou incenso j à queimado, extincto,
tu és o orvalho no qual Deus se banha,
eu sou a sanha do leão faminto.
■* ~f . ” »

Tu és a ondina que domina a vaga,


eu sou a plaga desnudada e tu rv a ,
tu és rain h a no seu throno amigo,
eu sou mendigo que a teus pós se curva.

JMão te esqueças de mim

Não te esqueças de mim, que nem sempre


o meu fado ha de ser triste assim,
não desprezes quem tanto te a d o r a .. .
Não te esqueças, meu anjo, de mim.

A i, que noite tão calma e tão bella


no teu bello e florido jardim !
G uardarei dentro d'alm& a lem b ran ç a ,, .
NSo te esqueças, meu anjo, de mim.

Quando o rares em teu sanctuario,


e beijares a cruz de marflm,
pelos sacros m ysterios te peço:
não te esqueças, meu anjo, de mim;
6

D i g i t i z ed b y Googk Original f r om
IVERSITY OF W ISCO NSIN
QUARESMA & G., k d it o r k s

Quando a rola gemer á tard in h a,


quando o dia chegar a seu fim,, , . ,
lem bra o dia da triste partida.
Não te esqueças, meu anjo, de mim.

Morto embora, debaixo da t9 rra,


no meu leito final, inda assim
guardarei de teu rosto a le m b ra n ç a ...'
Não te esqueças, meu anjo, de mim.

JMo silencio da noite sómente

No silencio da noite, sómente,


posso, livre, um gemido soltar,
que no meio das bulhas do dia
não me é dado um momento c h o r a r !
Riam todos à vista do pranto,
não escutem, por Deus, m inha dor,
não procurem saber porque soffro,
não indaguem quem f)i meu am or.

É segredo que guardo em meu peito,


que sabel-o não ha de ninguém !
E ’ qual onda queixosa, gemendo
sobre as rochas cavadas de além .
E ’ segredo que n ’alm a conservo.
B reve á campa vou mudo descer !
Mas depois de findar a existencia,
meu segredo não pódem saber !

D i g i t i z e d by Googk Original from


IVERSITY OF W ISCO NSIN
LYRA BRASILEIRA 33

Deixem, p:is, no silencio da louza


meu segredo p’ra sempre dorm ir,
etquecido do mundo e de todo»,
desvendal*o ninguém ha de vir !
Não, não ha de I. . . Pois bem desgraçado
sou na te r r a por ser trovador I
Mas, que im porta, se vão se apagando
meu3 gemidos, meus ais, minha dor ? I

Vou partir
Vou p artir, viver ausente,
vou v iv er longe de ti,
saudoso deixar os lares
onde feliz eu nasci. . .
onde cs mais bellos encantos,
sorrindo, n alm a fruí.

M ulher, ó m ulher querida,


vou partir, vem me ab raçar,
eu quero com triste pranto
teu collo am ante m olhar 1
T u não sabes quanto é triste
eú de ti me separar 1

A i ' . . . de lá, de lá, tão lo n g e ...


N azareth, bclla cidade,
hei de m andar-te um suspiro
nas azas desta am iz ad e .. .
suspiro que diga as magu&s
da m inha triste saudade.

D i g i t i z e d by Googk Original from


IV E R S ITY O F W ISCO NSIN
84 Q U A RE S MA & C., e d it o r e s

M ulher, m ulher, um teu beijo


é qual bello talisman !
E ’ com > um beijo sagrado
n a face do cara irm ã I . . .
Quando delia me ausentei
era uma triste manhã 1

/tcorda, Desperta

Acorda, desperta,
e vem vêr a lua,
como ella é tão bella,
como ella fl actua 1

Acorda, desperta,
levanta do leito,
vem ouvir a voz
que sae do meu peito.

Acorda, desperta,
descerra e sta p o r ta !
Teu rosto divino
meu p ú to conforta.
i
Acorda, desperta,
que a noite vae b e lla .. .
L evanta do leito
descerra a janella t

D i g i t i z e d by
Googk Original from
IVERSITY OF W ISCO NSIN
L Y R A BR AS ILEIRA 85

Acorda, desperta,
expõe ao sereno
teu collo formoso,
teu rosto moreno I

E S T R IB IL H O

Amei-te em s ile n c io ...


Que noite t5o bella !
Se dormes ainda,
desperta, ó donzella.

Jslas aguas dormentes

Nas aguas dormentes do m ar da existencia,


sonhamos aos raios do frio lu ar,
sonhamos e a mente se embebe na imagem
com quem nós podemos a gosto sonhar.

As brisas vêm cheias de aromas e beijos,


o m ar de cançado, repouza, descança I
As harpas de amores suspiram nos ares,
cantando saudades, amor, esperança !

Aos doces murm urios das ondas que choram ,


que plácidos sonhos, que musica e dores I
Nos peitos amantes, que brandos suspiram,
que banho de crenças, que sonhos de amores !

| Original f rom
D i g i t i z ed b y V j ü ü y ü filV E R S IT Y OF W ISCO NSIN
86 QUARESMA & C., K ü i t res

Deslisa & canôa e a voz do barqueiro


confunde-se aos roncos das ondas do m ar 1
Que opchestra divina ! Que magos encantos!
As brisas que passam, suspiram— Amar !

A lua branqueia n ’areia gelada


a praia ê d e serta ! Que bello s o n h a r!
Amemos, que a vida doslisa e n tre flores,
sonhemos ao leve balanço d ) m ar.

Vejo o céo adornado de estrellas

Vejo o céo adornalo de estrellas,


vejo a te rra semeoda da flore3,
vejo a au ro ra risonha e fagueira,
só não vejo, mau Deus, meus amores.

Hoje vivo sem vor meus encantos,


tenho n’al<na desgosto profundo,
busco v er uma flor no d e s o rto .. .
Tudo é triste p’ra mim neite m indo.

Não ha riso que en fn te meus labios,


nem prazer que em meu ro3to se aponte,
nao ha gôso perfeito na vida,
não ha magoa que o vento não c o n te .. .

_, Original from
Digitized by L i O l ^ U n i v ERSITY OF W ISCO NSIN
LYRA BRASILEIRA 87

Que me im porta que seja já tarde,


que no céo brilhe ainda o lu ar,
que não tenham perfumes as dores
e que as aves não queiram c an tar?

Vejo o céo adornado de estrellss,


Tejo a te rra coberta de flores,
vejo tudo contente no mundo,
mas não vejo meus castos amores I

Seu |Vlanduca

Seu Manduca, vá-se embora I


Janjão não tarda a chegar,
Janjão é homem de g e n io ...
Não é bom fac ilita r'

V à-se embora, seu M andcca,


não brinque, deixe de r ir 1
J á são quasi quatro h o r a s ...
O Janjão não tarda v ir.

Seu M anJuca, fique quieto,


am anhã temos maÍ3 dia I
Se Janjão o v ir commigo,
aposto que desconfia.

n \r > Original from


D i g i t i z e d by V ^ j C K > S ü w iV E R S IT Y OF W ISCO NSIN
88 QUA RE SMA & C., e d it o r e s

Siia, tenha paciência,


pois lhe quero muito bem t
Tome este b e ijo .. . São h o r a s .. .
01h9 ! Janjão ahi vem ! I

L á vem Janjão, seu M a n d u c a ! ...


A gora como ha de ser '
Com mil d isb o s.. . d e p re m ,
và depressa se esconder !

O’ meu Deus, que precipicio


para uma pobre m ulher I
Se mando e n trar, elle entra,
se mando sair, não quer !

Perdida estou ! Deus, valei-me


nesta horrorosa afflicçâo !
Seu Manduca, co rra a toda
se esconder lá no fogão.

©omo a rolinha innocente

Como a rolinha innocente,


que vôa de aqui p’ra alli,
assim eu vago penando,
soffrendo porque te vi.

r * \o Original from
D i g i t i z e d by Ü N IV E R S ITY OF W ISCO NSIN
LYRA BR \SILEIRA 89

Essa que agora me odeia,


já me adorou, jà me quiz I
Não sei porque me despreza!
Não sei que mal eu lhe fiz.

Um favor te peço, in g ra ta :
se fôres â igreja o rar,
pela m inha alm a perdida
roga a Deus no santo a lta r.

Pede a Deus por quem te adora,


por quem só te amou na vida,
compaixão merece um pobre,
que descança na jazida.

As flores fenecem
do sol ao calor,
eu triste succumbo
cjm tanto rigor.

Quero ser pobre na minha te rra


Quando a m anhã, jà vem dsspontando,
e o sol raiando là no horisonte,
não vejo os olhos do m eu thezouro,
nem ouço o chôro da tern a fonte.

Aqui a lua não tem fulgores,


soluça em dores o c o ra ç ã o !
Ai, quantas m aguas sinto por ella,
saudosa e bella, rosa em botão 1

.................. Original f rom


Digitized by L i O v ^ Í Í n I V E R S I T Y OF W ISCO NSIN
90 QUA RE SMA & C , e d it o r e s

Maguas eu sinto Deste momento,


cruel torm ento de am or tão santo 1
Pois a saudade que sinto agora,
tudo devora no triste pranto.

Tanta vaidade, tan ta riqueza,


venha a pobreza, mas junto delia !
Quero ser pobre na rainha te rra ,
viver na se rra com a m inha bella I

Tanta vaidade, ta n ta opulência,


quero a indigência,'que é mais honrada...
Q uero ser pobre no meu cantinho,
viver sósinho com a minha a m a d a !

Sinto tris teza


Ai, eu sinto tristeza em m eu peito,
que me quer a existencia findar !
P or am ar uma virgem formosa
passo a vida constante a penar.

Compaixão eu te peço, ó in g rata,


pois que eu soffrô e suspiro por t i !
Ouve um t r i s t e ... Ku deiejo fa la r-te ,
não de amores, que a fé já perdi.

Se escutares dizer algum dia


que finou-se meu triste viver,
deixa ao menos c o rre r uma lagrim a
por quem tanto fizeste soffrer.

D i g i t i z e d by Googfe Original from


IVERSITY OF W ISCO NSIN
L Y R A BRA SI LE I RA 91

V ae depor uma rôxa saudade


junto áquelle que tanto te quiz,
escrevendo na pedra da cam pa:
Aqui jaz um amante infeliz/

Quero morrer

Quero m orrer dormindo nos teus braços,


sentindo palpitar o peito teu,
n’um leito nupcial alabastrino,
coberto com cortinas côr do céo !

Quero m orrer entre soluços ternos,


na crença de um am or que nSo findou,
sentindo dos teus olhos os languores,
ô fogo divinal que me queimou 1

Quero m orrer, quero acabar a vida,


depois de um dia fó te pertencer ;
gosando os beijes teus que me embriagam,
quizera te r mil vidas p’ra m o rr e r !

Quero m orrer, quero findar as dores


quero emfim descançar da m inha dor I
Quero m orrer, cantando nos teus braços
um cin to divinal de meu am orl

n \r > Original from


D i g i t i z e d by V ^ j O ,5 ^ | V E R S I T Y OF W ISCO NSIN
92 QUARESMA & C., e d it o r e s

J^ão penses, ó virgem

Não penses, ó virgem, que o ouro me prende,


que o ouro me rende não creias, douzella t
E u quero-te muito por seres bondosa,
por seres piedosa, por ser63 tio bella.

Eu prezo a virtude, prezando a belleza,


eu amo a pureza que em ti só diviso !
Detesto o teu ouro, porém por ti m orro I
Vem dar-m e soccorro, vem dar-m e um sorriso.

Não negues, ó virgem, um riso a quem ama,


um riso que indamma somente a pureza,
não negues, sê ju s ta ; bem sei que sou pobre,
mas meu peito é nobre de toda a riqueza.

Mas, ah t tu não penses, qne o ouro me illude,


adoro a virtu d e que é pura e mais b o lla !
E u amo os teus olhos, eu amo o teu riso 1
Oh, dà-me um sorriso, formosa donzella.

O gondoleiro do amor

Teus olhos são negros, negros,


como as noites sem lu a r,
são ardentes, são profundos,
como o negrum e do m ar.

n \r > Original from


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L Y R A B R A S IL E IR A 93

Sobre o barco dos amores,


da vida boiando à flor,
doiram teus olhos a ftvnte
do gondoleiro do amor.

Tua voz é a cavatina


dos palacios de Sorrento,
quando a praia beija a vaga,
quando a vaga beija o vento.

E como em noites de Italia,


ama um canto o pescador,
bebe a harm onia em teus cantos
o gondoleiro do am or.

Teu sorriso é u n a aurora,


que o horisonte enrubesceu!
Rosa aberta com o biquinho
das aves rubras do céo.

Nas tempestades da vida,


das rojadas no furor,
foi-se a noite, tem auroras
o gondoleiro do amor 1

Teu seio é vsga doirada


ao tibio clarão da lua,
que, ao m urm urio das volupias,
arqueja, palpita núa.

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94 QUARESM A & C., e d it o r e s

Como é doce em pensamento,


de teu collo no langor,
vagar* naufragar, perder-se,
o gondoleiro do amor.

Tau amor na trev a é um astro*


no silencio, uma canção,
é brisa nas calmarias,
é abrigo no tufão.

P o r isso eu te amo, querida,


quer no prazer, quer na dor ! . . .
Rosa I Canto ) Sombra I E strella
do gondoleiro do amor.

♦—------

Eu quero am ar-te

E u quero am ar-te, feiticeira Jungem ,


6 flor singela que me dás viver,
dá-m e, meu anjo, dessa luz um r a i o .. .
Eu quero am ar-te p’ra depois m orrer.

E u quero am ar-te, scintillante estrella,


dentro em teu seio o puro am or sorver,
dá-me, meu anjo, dessa luz um r a i o .. .
Eu quero am ar-te p’ra depcis m orrer.

rA r> Original from


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LYRA. B R A SIL E IR A

E u quero am ár-te, já que a sorte au stera


me vae matando no cruel soffrer !
A febre ardente me espedaça o peito ! . . .
E u quero am ar-te p’ra depois m orrer.

E u quero am ar-te, muito embora um dia


suffoque em prantos meu cruel viver !
E u quero a vida term inar em b r e v e ...
E u quero am ar-te p’ra depois m orrer.

i ■ i .. . I

Ultima vontade

Senhores 1 . . . Nada de graças,


nem quero ouvir mais dicterios,
que vou t r a t a r neste instante
de negocios muito sérios.

Todas as moças bonitas,


no dia em qüe eu fallecer,
hão de passar sete dias
rezando, mas sem comer.

Pois a m orte de um bilontra,


que causará grande magua,
pede um jejum rigoroso,
ao menos de pão e agua.

rA r> Original from


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96 Q UARESM A & C., e d it o r e s

Q uarenta feias m atronts,


com respeito e com decencia,
abrirão alas na frente,
fazendo-me continência.

O mesmo num ero delias,


formando ao lado um piquete,
de cinco em cinco minutos,
irão soltando foguete.

Seis meças, quero m ulatas,


tres m agras e tres gorduchas,
irão dançando na frente
w ahas, polkas e cichuchas.

V inte devotas, em côro,


com sentimento e com fé,
irão no meio da ru a
rezando um libera-me.

Sete creoulas, bem pretas,


e uns molecotes m atreiros,
n?um vozear diabolico
irão tocando pandeiros.

Um chim, bem velho e bem seceo,


no seu tra ja r exquesit»,
irá do lado direito
comendo arroz com palito.

rA o Original from
D ig it iz e d by 'X y N IV E R S IT Y OF W ISCO NSIN
L Y R A B R A S IL E IR A 97

Dezoito velhas gaiteiras,


mais gordas do que uma paca,
devem seguir na calçada,
tocando bombo e m atraca.

Do lado esquerdo da ru a
uma velhota, velhinha,
irá, em voz m uito baixa,
rezando a Salve Rainha.

Dous carcamanos peixeiros,


chorando, de pé no chão,
devem ir na retag u ard a
entoando um cantochão.

Um tu rco todo de preto,


e uma joven turquita,
irão perguntando a todos
se querem coisa bonita.

Um portuguez dos mais sérios,


baixo, gordo e bem pançudo,
irá do lado, bem sério,
soprando em grande canudo.

Q uatro ciganos vestidos


de comprido casacão,
pegarão nas quatro argolas
de meu medesto caixão.
7

D ig itiz e d by Googk Original from


IVERSITY OF W ISCO NSIN
98 QUARESM A & C., e d it o r e s

E u quero achar-m e sem botas,


só de fralda de camisa,
porque defunto que é pobre,
de luxo nunca precisa.

Quero lev a r um a palma,


qual se fosse um a donzella,
por uma moça offertada,
moça chic, e muito bella.

Quero que levem meu corpo


de vagar e sem abalos,
que não se escute dos sinos
os repiques dos badalos.

Quero mais que o meu caixão


và de todo escancarado,.
para assim poder ser visto
do bello sexo amado.

Um pobre velho mendigo,


baixinho, gordo e careca,
irá na fren te do terno,
tocando em sua rabeca.

Uns cem pândegos cantando,


n’um chôro de violão,
irão n’um porre medonho,
bebendo n’um garrafão.

rA r> Original from


D ig itiz e d by V ^ j O ,5 ^ | V E R S I T Y OF W ISCO NSIN
LY ÍtA B R A S IL E IR A 99

Violas, flautins, rabecas,


de cordas soberbos ternos,
farão medonha balbúrdia
de ensurdecer os infernos.

Desejo ainda um a co u sa:—


que a fórma do m eu caixão
seja a fórma exactam ente
de um immenso violão.

Assim, pois, quando meu corpo


fôr chegando ao cemiterio,
deve crescer a balbúrdia,
mais ninguém ficando sério.

Ao descer à sepultura
eis o meu maior desejo—
a moça mais balia e joven
me d a ià na face um beijo.

O mais canalha do bando,


com phraseido bem Cru,
ao som dos pinhos nocturnos
ha de cantar-m e um lundu.

L 'g o após toda a baderna


as suas gambias espiche,
dançando em cima da cóva
um requebrado maxixe.

í^ \r > Original from


D ig itiz e d by V ^ j C K > 9 Ü n IVERSITY OF W ISCO NSIN
100 QUARESM A & C., e d it o r e s

E quando as mãos do coveiro


d i todoi emflm me escondam,
soltem uma gargalhada
que os echos todos respondam.

Revisto», m elhorados e accrescen tad o s pelo autor deste-


Iivro.

JSIão fui culpado

Se eu te vi, nSo fui culpado t


Porque me culpas assim ?
Se por te am ar me desprezas,
ai, não te esqueças de mim !

E ’s tão m eiga e seductora,


tens da belleza o cindão,
pois jà te dei desde m uito
alma e vida e o r a ç ã o .

Culpa tem tu a belleza,


se, por v entura, eu pequei !
Vi-te, e logo torturado,
n ’um m ar de p ra n tj fiquei.

Quando me olhaste, sorriado,


minh’alma te obedeceu,
e o teu sorriso divino
m inh'alm a in te ira prendeu.

Original from
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LYRA. B R A S IL E IR A 101

Meu pobre peito suspira,


por teu desprezo esm agado!
Culpa teus por S9res b a ila .. .
Que eu não sou, não fui culpado.

Quem form osa. . .

Quem , formosa, na sala do baile,


en tre as bellas seduz por mais bella ?
Quem ser& essa deusa de encantos,
quem será essa linda donzella ?

Que m ortal haverá, que, olvidando-a,


nãô suspire, náo m orra de amores ?
Symbolisa na te rra a balleza,
é rain h a, inda mesmo entre as flores.

E’ a rosa, que, ainda em botao,


vae abrindo a corclla em perfil,
-é a branca e mimosa açucena,
re tra ta d a em um l?go de anil.

E ’ o lirio gentil das campinas,


pelo sopro do vento emballado ! . . .
E’ a lua engastada em saphiras,
ou um arjo em m ulher trantform ado?

n \r > Original from


D ig itiz e d by V ^ j C K > S ü w iV E R S IT Y OF W ISCO NSIN
102 QUA R ESM A & C., e d it o r e s

Seja um anjo, ou m ulher, será d’ella


tudo quaato a m inh’alma contem !
Ai, se os anjos a vissem, de certo,
se estremavam por ella tambem 1

Eu tinha minha senhora

E u tinha m inha s e n h o ra ...


Quem e ra ella T Quem era ella?
E u era d’ella. só d'ella 1 ...
Da Raphaela ! de R tp h aela 1

Dos filhos de m inha mãe


fui eu, de carto, o mais infeliz I
Eu nasci n’uma macega,
como filho de perdiz.

Mas ditoso fui o u tr’ora,


gosei o m ella, gosei com ella !
E u era d’ella, só d’e lla ! . . .
De Raphaela, de Raphaela 1

Sou pobre, n.to tenho nada !


Eu fui, de certo, bem infeliz !
E u nasci n’umu macega,
sou qual filho de perdiz I

rA r> Original from


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L Y R A B R A S IL E IR A 103

Ric& m orena,
mimosa flor,
por Deus tem pena,
do tro v a d o r!

D à-m e um abraço,
nesta afflicçSo
que forme um laço
no coraçSo !

Tanto penar,
tanto su ffre r!
Amor me m a ta !
Quero m o r r e r !

jfcmo-te \e r de joelhos

Amo-te ver de joelhos,


com os olhos fltos na cruz,
como dous pingos de estrellas,
ou duas gottas de luz.

Teus olhos me dizem : Ama !


Meu peito cança de am ar !
A iI de teus olhos a chamína
deixa em minha alma pouzar.

Original from
D ig itiz e d by V j ü 'X Ü w iV E R S IT Y OF W ISCO NSIN
104 QUARESMA. & C., e d it o r e s

Amo-te v er abatida,
de vez em quando a scism ar! . . .
Tu és mais linda, mais bella,
quando eu te vejo a chorar.

E u sou como o passarinho


já cançado de voar !
A i ! De teu seio no ninho
deixa m inh’alm a pouzar.

Am o-te ver ao piano,


mimosa e bella a sorrir,
vertendo o mel das volupias,
que o labio te u vêm tin g ir.

E ntão pareces um anjo


no teclado a suspirar 1
Deixa em te u seio de rosas
m iah'alm a triste pouzar.

O grande progresso

Espanta o grande progresso


desta nossa Capital 1
Decresce o bem, eu confesso,
mas vae augm entando o mal I
A carestia se espalha,
de grande jà não tem nome 1
O pobre m orre de fome,
e m orre, porque trabalha.

i-a rA o Original from


D ig it iz e d by V j U V j g y w i v E R S I T Y OF W ISCO NSIN
L Y R A B R A S IL E IR A 105

Em ricos carros o rico corre,


o pobre m orre sem que co m er!
Quantos m artyrios para a pobreza I
Rindo-se delia, folga a riqueza 1
M ortal que vive do seu trabalho,
não acha um canto para agasalho !
Sobem os preços dos alugueiB I. . .
Custa um biombo trin ta mil réis.

Andam mendigos nas ruas,


ha ladrões por toda a parte !
As nossas casas são núas 1
Reinam faca e bacam arte I
Os cidadãos ratoneiros,
só por quererem , não mais,
invadem nossos poleiros,
pulando os nossos q u in ta e s!...

Pois tudo rapam de um modo extranho !


Pretos do ganho são atacados,
e após roubados por um ladrão,
indo além disso p’ra Correcção I
Mas um m alandro que nos amola
vive nas ruas pedindo esmola !
Sobem òs preços dos alugaeis ' . . .
Custa um chiqueiro trin ta mil réis.

A carne secca se a s su s ta .. .
Dia a dia vae crescendo 1 ...
O monopolista à custa
dos pobres se vae enchendo 1

.................. Original from


D ig it iz e d b y 'g ü N IV E R S IT Y OF W ISCO NSIN
106 Q UARESM A & C , e d it o r e s

A carne verde fedendo!


Nas ruas leite com agua I
Até faz fome e faz m agua
0 pão que vamos roendo 1

Pinto gosmento por dous mil reis !


Feijão bichento vale por ouro !
Toucinho em couro, já bem tocado...
com milho podre café torrado I
A ssucar velho, cheio de bicho,
farinha grossa trazendo lixo 1
Alho e cebola, já com bolor,
banana mole, vinho sem cor !. .

Azeite preto, cachaça aguada,


mofo vendido por goiabada,
pimenta podre, toda movida,
carne salgada já bem sentida,
quatro maxixes um nicoldo,
cara de velha por bacalháo,
sabão já podre, sem ser barato,
queijo seboso, fedendo a r a t o . . .
tudo se vende por um ceitil I . . .
V iva o progresso 1 Viva o B r a z il!

Viva quem viva '


Viva o progresso !
Viva a nação 1
Viva o Congresso !

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IV E R S ITY O F W ISCO NSIN
L Y R A B R A S IL E IR A 107

Sinhá, não peça dinheiro,


quo eu não tenho p’ra lhe dar !
J à não fia o taverneiro !__
J à ninguém me quer fiar.
R evista e accrescen tad a pelo a u to r do livro.

fc flor de meus cultos


A flor de meus cultos,
a rosa que ha pouco,
tão cheia de encantos
se via ostentar,
de chofre o tufão
levou-a nas azas,
as petflas voaram,
dispersas no a r i

Que flor é aquella


que, triste e pendida,
o crepe do lucto
parece vestir ?
E ’ rôxa saudade
que, ausente da rosa,
commigo chorosa
parece s e n tir !

Yem, flor de minh’alma,


unir-te ao meu seio,
pois quero comtigo
meu pranto v e rte r I

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D ig itiz e d by V ^ j O ’ 5 ^ | V E R S I T Y OF W ISCO NSIN
108 QUARESM A & C., e d it o r e s

0 meu coração
partido suspira 1
Comtigo meu peito
quer triste gemer.

Se eu morresse amanhã

Se eu morresse am anhã, viria, ao menos,


f achar meus olhos m inha triste irm ã I
M inha mãe de saudades m orreria,
se eu morresse am anhã.

Quanta gloria presinto em meu fu tu ro ,


que au ro ra de porvir, e que manhã !
E u perdera chorando es3as corôas,
se eu morresse am anhã !

Que sol I Que céu a z u l! Que doce n’a lv a !


acorda a natureza mais louçã !
Não me batera tan to amor no peito
Se eu morresse am anhã !

Mas essa dor da vida, que devóra


& ancia da gloria, o dolorido afan. .
a dor no peito emudecera, ao menos,
Se eu morresse am anhã.

Original from
D ig itiz e d by V j O 'g U N IV E R S IT Y OF W ISCO NSIN
LYRA B R A SIL E IR A 109

Já não posso

J á não posso existir, scffrendo tanto,


m inha dor cresce mais, é dor sem üm !
Culpa tem essa ingrata, a quem adoro,
mas que a taça do fel só tem p’ra mim.

Não te peço scccorro 1 . . . Vou vivendo


sem queixar-m e da sorte n?gra, escura,
mas tir a r- te da mente já não posso !
Inda não me sumi na sepultura.

Se me vires passar tristonho e pobre,


não me a tires o riso por vingança í
Tu não pódes me a m a r ! E s d’outro agora,
mas eu quero te am ar sem esperança.

J á não pôsso viver, eu soffro ta n to ! . . .


M inha dor cresce mais, já não tem âm 1
You viver bem distante dessa ingrata,
que não tem compaixão de ver-m e assim ...

Eu chóro á tarde

E u chóro à tarde, quando a voz do sino


entôa um hymno de funerea dor,
e quando á noite, no pallor da lua,
a fronte tua vem falar de amor.

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IVERSITY OF W ISCO NSIN
110 Q U A RESM A & C., e d it o r e s

E u chóro a sorte que me foi tão d u r a !


Tive a ventura de beijtr-t9 a fica I
Ai, se eu te visse como via o u tr’ora,
de dor agora talvez não choraise.

E u chóro á noite, quando, triste, penso


no am or immenso que te consagrei 1
F a g ir quizera destas maguas f r i a s ...
V oltar aos dias que, feliz, passei._

M ulher, eu soffro por am ar-te tanto I


Não cessa o pranto que me escalda a f r o n t e !
Deixa, eu te peço, te adorar descrente,
na chamma ardente de um amor insonte.

Teu orgulho

Teu orgulho em mâ hora quiz voacer-m e,


eu te amei como a virgem de meus sonhos,
muito amor puro e terno consagrei-te
nesses dias felizes e risonhos I

Não te lembras das ju ra s que fizeste,


pelas cinzas de quem tanto te amou ?
Teus caprichos, m ulher, foram cumpridos,
mas m inh’alma por fim já se cançou.

D ig itiz e d by Googk Original from


IVERSITY OF W ISCO NSIN
L Y R A BRASJLEIRA 111

Têm teus olhos o fpgo que fascina,


os teu3 l&bios me pódem dominar,
teu orgulho me fere o pobre peito,
mas não posso deixar de te adorar.

E S T R IB IL H O

J à gosei dias felizes,


sem o teu am or cruel,
m inha vida era ditosa,
não tragava amargo fel.

Só tu não pensas em mim

A brba passa beijando


as flores do teu jardim !
As flore* pensam nas b r is a s ...
Só tu não pensas em mim.

A lua, em noite saudosa,


até chegar a seu fl n,
vae dando beijos nas o n d a s.. .
Só tu não pensas em mim.

O vento beija a floresta


e a m atta responde: óh, sim 1
As ondas beijam a p r a i a . . .
Só tu não pensas em mim.

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D ig itiz e d by V ^ j C K > 9 Ü n IVERSITY OF W ISCO NSIN
112 QUARESM A & C., e d it o r e s

O preguiçoso regato,
chorando vae, mesrm aesim,
beijar as flores do p r a d o .. .
Só tu não pensas em mim.

A borboleta mimosa
nam óra o branco jasm im .. .
A flor suspira por e ll a .. .
Só tu n&o pensas em mim.

O fresco orvalho da noite


rocia o verde capim 1
A te rra toda é saudade f. . .
Só tu não pensas em mim.

Em horas m ortas da noite

Em horas m ortas da noite,


em moitas de horrível m atta,
gemia um triste
infeliz bardo
por um a vil
m ulher in g ra ta 1

Com os olhos fitos para o céo,


pedia só conforto a Deus ! . . .
Que lhe mudasse a triste sina,
ou terminasse os diasseus 1

rA r> Original from


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L Y R A B R A S IL E IR A 113

T a não sabes quem era este bardo


que chorava os tormentos da sorte,
véo da infamia cobrindo-lhe o rosto,
solitário, a cham ar pela m orte ?
E ra e u ! E ra eu 1
E ra e u ! E ra eu !

Mas, não! !... Zombando do mundo,


fundo abysmo da v e n ta ra,
com brandura hei de vingar-m e,
deslem brar-m e da p e rju ra !

De mim não temas, ó fem entida !


P o r um bandido foste illu d id a !
Em quanto a ly ra me fôr hei,
será só delia m inha affeição,
pois neste mundo tenho soffrido
maguas eternas no coração.

Os olhos verdes

E u conheço uns lindos olhos,


que fazem m o rrer de amor 1
Têm a verde e linda cor,
Que tem o m ar em bonança.
Ai de mim, que nesses olhos .
Hei posto m inha esperança !
8

D ig itiz e d by Googk Original from


IVERSITY OF W ISCO NSIN
*14 QUAR ESM A & C., e d it o r e s

São b rilh a n te s , e fo rm o so s,
co m o d o u s a s tro s sem T éo ,
a s o r r ir em p u ro cêo
em n o ite s e re n a e m a n sa .
Mas nesses astros brilhantes
nSo vejo luz de esperança.

J Wnão creio em olhos verdes 1


Olhos verdes sSio tra id o re s !
SSo fanaes enganad tres 1
Não me inspiram confiança;
Sabem s i m atar de amores
sem nunca dar esperança

Antes nunca eu visse os olhos,


que fazem m orrer de am or,
e que tem a linda cor
que tem o m ar em bonança I
Ai de mim que nesses olhos
nSo tenho mais esperança.

T u és um anjo

T a és um anjo, uma visSo celeste,


és um a deusa divinal, sem par,
eu sou proscripto desprezado e pobre
louco e perdido por querer te am ar.

f^ \r > Original from


D ig itiz e d by V ^ j O 'g ^ f ilV E R S I T Y OF W ISCO NSIN
L Y R A B R A S IL E IR A 115

Bam sei que é triste este viver penado


do peregrino, que padece só I
Teu peito ingrato, teu rig o r me matam,
n lo tens do pobre eompaixão nem dó.

E u vi-te um dia seductora e bella,


m orri de amores, de paixão m o r r i!
Hoje maldigo esse momento, ó bella,
fatal momento em que te conheci.

Tu és a deusa que sonhei na infancia,


tu é3 um anjo que me anim a a vida,
tu és o orvalho que me banha o peito...
Dà-me, eu te peço teu amor, querida.

Se durmo, sonho comtigo,


comtigo acordo na mente 1
Meu pobre peito suspira
pela paixão mais ardente.

Eu amei-te com todo o fervor

E u amai-to com todo o fervor,


eu am ei-te inda mais que podia,
mas teu peito, ó m ulher, me tra h ia
nas promessas mentidas de amor.

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116 Q UA R ESM A & C., e d it o r e s

Vae-te, m ulher, orgulhosa


dessa tua f irm osura !
O í desprezes são le m b rad o s..,
Nem sempre a belleza dura ! . . .

Se teus desprezos têm força,


meu am or tem mais poder,
que um am or tão verdadeiro
nunca mais póde esquecer.

Se tu me foste perjura,
hei de sempre te querer,
que um amor tão verdadeiro
será firme a té m o rre r!

Quiz debalde varrer-te da memória

Quiz debalde v a rre r-te da memória,


e teu nome a rra n c a r do coração !
Amo m u ito !... oh, que m artyrio infindo...
Tem a força da m orte esta paixão.

E u sentia-m e atado ao teu prestigio


por grilhõ is poderosos e fit&es I
Nem me vias, s e q u e r.. . te am ava sempre I
Motejavas de m im .. . te am ava mais I

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IVERSITY OF W ISCO NSIN
L Y R A B R A SIL E IR A 117

Não ma vias ch o ra r ! Os prantos d’alma


só confiam-se & dor a a solidão !
Tu me vias passar calmo e tranquillo,
tendo a m orte a gelar-m e o coração.

Stffri muito por t i ; nas minhas trevas,


nem um raio de am or deste, siquer !
Tu sorrias feliz quando eu chorava,
e eu chorava por te am ar, m ulher I

Q uantas luctas travei com o sentimento,


quantas vezes corei da m inha dor I
Quiz até te o d ia r. . . te a m a ra sempre !
Chasqueavas de mim, do meu amor.

Não consigo v a rre r-te da memória,


nem te u nome a rra n c a r do coração !
Amc-te m u ito ! ai, que m artyrio infindo 1
Tem a força da morte esta paixão.

Giumes

Por outros labios passado


teu nome não posio ouvir,
de tudo tenho ciumes,
até de v e r-te sorrir.
Desconfiava das flores,
se a teus pés as visss a b rir 1

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118 Q UA R ESM A & C., e d it o r e s

Aborreço os olhos todos,


que vão teu rosto m irar,
aborreço a mansa brisa,
que vae teus labios beijar I
Se é liu c u ra te r ciumes,
eu louco sou por te am ar.

Não me volvas esses olhos


que me fazem d e lir a r .. .
Tenho medo de mim m esm o.. .
Tenho medo desse olhar i
N ío me tires estas settas,
se não me queres m atar.

Quando o dia já desmaia

Quando o dia já desmaia,


e a noite estende o seu véo,
eu vou m irar teu retrato
na lua que aclara o céo !
Eu vou m irar teu re tra to
na lua que aclara o céo !

Na hora da m eia-noite,
qu an lo a saudade consome,
aos ventos frios que passam
eu vou falar de teu n o m e .. .
Aos ventos frios que passam
eu vou falar de teu nome 1

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L Y R A B R A SIL E IR A 119

E nesta lucla incessante,


e nesta dura afücção,
Só meus suspiros tra d u z 'm
segredos do c o ra ç ã o !
Ai, meus suspiros revelam
segredos do coração.

flc p do ipê
DR. EUCIO D E MENDONÇA

Ma clara estação gorgeada,


em flor o ipê se desata 1
O’ bella arv o re dourada,
ó loura filha da m atta 1
O tronco, o pae, se rev ê,
todo ufano, todo zelos,
nesses teus aureos c&ballos,
que o sol beija, ó flor do ipê.

As abelhas, joias vivas,


adereçam -te o toucado,
diz-te phrazes expressivas
o sabiá namorado,
de ramo em ram o, o tiê
cae, como gotta de sangue,
e a coral se enrosca langue
nos teus braços, flor do ipê.

D ig itize d by G O O g { g | V E R S IT Y O F W IS C O N S IN
130 QUARESMA. & C., e d it a r e s

Mas, ai, ta n ta form osura,


tio festejada e querida,
pouco tempo Tive e d u r a ..*
logo cae a flor sem vida,
e sombrio e nú se vê,
mudo, trágico, isolado,
como um pae desamparado,
o velho tronco do ipê.

Na alegre quadra encantada


dos sonhos e da esperança,
vestiu-te a illusio dourada
o coraçio de creança I . . .
S u rg iu -te , nâo sei porque,
ante os passos peregrinos,
creança de olhos divinos,
loira, como a flor do ipê !

Sonhos de que te cobriste,


coraçio em prim avera,
cahiram todos, ai triste I . . .
Q uanta dourada chim era !
E is-te da sorte á mercê,
j i sem viço, jà sem flores ! . . .
Aquelles pobres amores
foram como a fl >r do ipê !

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IV E R S ITY O F W ISCO NSIN
LYRA B R \S IL E IR A 121

Esta polka

Esta polka é um dente de velha,


é sapato de barro, vulcão,
caranguej o pastado na grelha,
feijoada a fe rv e r no fogão.

Gato preto p9gande uma ra ta ,


cão leproso, latindo na ru a ,
Dulcinéa mat&nd) uma pata,
Don Quixote montado na l j a .

P e rn a fína de moça da moda,


Velho abbade monttdo n’um bode,
um menino berrando na Roda,
c a ru rú a dançar em pagode.

M u ru n ian g a de preto d’Angola,


barafunda de coisas fataes,
bambinellas pendentes d ’argola,
babuzeiras de um asno sagaz.

Esta polka parece a zoada


das b aratas em noite de chnva,
da m enina que pede to rrad a,
chorom ingas de velha v iav a.

E ’ macaco barbudo, gritando


por alguem m achucvr-lhe no rabo,
é gallinha já velha chocando.. .
Esta polka parece o diabo 1 . . .

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122 Q UARESM A & C , e d it o r e s

E ’ zabumba rachado tocando,


é com eta nas mfios de vadios,
é nos ares um homem voando,
é moleque soltando assobios.

Sapateiro sovando na tóla,


rato magro pescando em canôa,
um mendigo mostrando a sacola,
quitandeira a g r i t a r : la vae biôa.

E ’ gambá se affogando em cachaça,


sapo podre cantando ao piano,
é jacuba tomada em cabaça,
é ceroula de algam carcam an o .. .

Esta polka é um ovo de gallo,


percevejo mordendo no pé,
finalm ente esta pj l ka ó um ralo,
é um velho fedendo a chulé.

E’ cachimbo de preto com sarro,


ó aquillo que em casa nao fica,
é penico rachado e de barro,
é creança cheirando a titica !

Esta polka é telhado sem telha,


ó p’ra tudo ficar côncluido,
esta polka ó um traque de velha,
quando sae com medonho estampido.

rA r> Original from


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L Y R A B R A S IL E IR A 12 »

fos horas que passo

Ai, longe de ti
não posso viver I
M orena, é bem triste
m eu negro soffrer 1

Se negro não fosse


meu lento pezar,
quizera ditoso
soffrer e te a m a r !

Se é crime adcrar-te,
sem ter esperança,
de que serve a vida,
mimosa creança ?!

A’ noite, tristonho,
gemendo cançado,
profiro o teu nome
no peito guardado !

E S T R IB IL H O

As horas que passo


tristonhas na vida
são por tua ausência,
m orena querida I

_. Original from
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124 QUARESMA & C., k d it o r k s

Em que pensas nesta hora


Em que pensas nesta hora,
ai, responde, m inha amada !
Se acaso pensas na yida,
quem te fez tão decgraçada ?

E u não penso neste instante


em quem me fez pezarosa,
só penso na triste m orte
de m inha mãe carinhosa !

Deixa lá que ella descance


no calado cerni terio I
E ’ grande segredo a m orte
Ninguém sabe esse m ysterio I

V ae-te embora, tã o me venhas


a m inh’alma entristecer,
que de m inha mãe querida
nunca mais hei de esquecer.

Não augm entes meus suspiros,


não, não venhas me lem brar
essa prenda abençoada,
por quem sempre hei de c h o ra r !

Não augmentes meus gemidos,


deixa esfaim a pezarosa,
porque eu choro a triste m orte
de m inha mãe carinhosa.

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IVERSITY OF W ISCO NSIN
LYRA B R A SIL E IR A 125

jfc\e JVIaria

A tard e expira,
triste s g o n is a l...
Perpassa a brisa,
msguando a flor I
Um genio erran te
nas auras cbóra I . . .
Bemdicta a hora
de mais tr is to r ! !

Vamos, m inh’alm a,
que a luz fenece,
do mundo esquece,
que te angustia !
Aocende a crença
que a dor agita,
dize, c o n tric ta :
Ave M aria i 1!

Solfeja o mocho,
feral, sjm brio,
gem ente pio
que o morto a c o ite !
Nos solitários,
ermos caminhos,
palpitam ninhos,
saudando a n o ite .. .

f^ \r > Original from


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126 Q UARESM A & C., e d it o e h s

Na choça o pobre,
que a dor desola,
deixa a viola,
que Amor taugia,
cu rv a os joelhos,
no chSo prostrado,
e diz, m aguado:
Ave M aria I ! !

As aves f ogem,
buscando abrigo
no seio amigo
da soledade I
A fonte chóra,
contando as flores
todas as dores
de um a saudade !

Ouvindo o sino,
que a .luz pranteia,
na pobre aldeia,
que lhe sorria,
a camponeza,
d’alma innocente,
diz, pura e cren te:
Ave M aria ! 1 1

Nossos queixumes,
nossos tormentos,
nossos lamentos
vinde abrandar 1

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L Y R A B R A S IL E IR A 127

Ai, quantas preces


de ima, tristeza
da natureza
no sacro a l t a r !

Q uanta am argura,
quanto quebranto
chóra n ’um pranto,
correndo a s ó s !
Alma q ie soffres,
tem fé . . . Confia ! . . .
Ave M aria ! I I
Rogae por n ó s !!

/c morte de uma casaca

(A MEU BOM AMIGO I . . . )

M orreste, em fin, velha amiga,


tão eedo, na fl >r da edade !
Eis-me sem ti, desolado,
nesta medonha orphandade!

No dia em que completaste


teus cento e trin ta janeiros,
á noite foste levada
pelos nocturnos o v e iro s 1

a lí> Original from


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V^ , U U 0 ^ IVERSITY 0 F W ISCO NSIN
128 QUARESM A & C., e d it o r e s

Que pr&uto em casa I As crianças


não te q u e m m deixar !
E u , sobre ti soluçando,
sem poder me consolar 1

P ela (resta da janella,


nessa noite m alfadada,
que dor ao v e r-te na ru a
h irta , fria, in an im a d a !

Esperava a todo o instante


esse momento infeliz
em que serias levada
pelos maldictos garys I

Passava um ebrio cantando ' . . .


A lu a, em céo estrell&do,
projectava os nireos raios
sobre um corpo esverdeado !

Pouco depcis teu s verdugos,


sem dó, sem magua, sem mossa,
te jogaram brutalm ente
dentro de immunda carroça I

Ai, que dor que dor profunda


m inh’alma queima e devora I
O pranto corria em bsgas,
como corre ainda «gora I

^ Original from
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L Y R A B R A S IL E IR A 129

G ritei por ti, gritei m uito,


pois queria te e n te rra r, *
mas tive um longo desmaio I
Não te pude acom panhar.
A tu a neta, que ha tempos
em certo pagode eu vi,
por não te ver veio logo
saber noticias de ti 1
Recebendo a triste nova,
chorou que fazia dó !
Q ueira Deus que ella resista
á perda de sua a r ó !
Podias viver ainda,
nedia, gorda e bem sadia,
se não fosse o desespero,
da tu a gastronom ia I
A tu a moléstia verde,
am arella, azul, escura,
em duchas de pau campeche
podia encontrar a cura.
Agora é tard e ! M orreste,
preciosa m aravilha,
mas, como lem brança eterna,
me deixaste a tu a filha I
J á não é muito mocinha,
nem é mais virgem, bem sei,
mas ha de achar-se commigo,
cemo eu comtigo me achei.
9

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IVERSITY OF W ISCO NSIN
130 QUA R ESM A & C., b d it o r k s

Bôa, meiga, tern a am ante,


mais sensata e precavida,
como a tunica de Nessas,
me seguirá toda a v id a .. .

E s ta poesia e a an tec ed e n te — A ve M aria — são producções


do au cto r deste liv ro . A p rim e ira deve se r c a n ta d a com a m usica
d a poesia de V arella, q u e tem o m esm o titu lo .

Resposta ao Ta'ento e form osura


T u pódes bem g u a rd a r os d ons d a fo rm o su ra ,
que o tem po um d ia h a de, im placavel, tru c id a r, e tc . (*j

C a t u 1,1,0 C e a r e n s e .

1 » PARTE

0 dom mais bello e o mais sublime da Harm onia,


que é lá dos céós a mais olente em anação;
a fonte pura e mais sonora da P o esia;
o dom mais casto e de suprema inspiração;
o dom mais nobre, o mais sublime o mais vehemente
o mais pajante, o mais fatal, celipotente,
o mais feliz, de mais candura
e de mais resplendor,
é a Form ozura,
o dom mais ra ro do Senhor I

(*) A m od in h a — Talenlo e Formozura — que deu m otivo a e sta


resp o sta, está no meu livro — Lyra dos Salões.

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LYRA BRASILEIRA 131

2.» PA RTE
Que im porta, ó bardo, a força audaz
da intelligencia
se a existencia
cà na te r r a é tran sitó ria ?
Que im porta a gloria,
que a m arm órea
pedra faz m orrer,
se cá na te r r a tudo tem
de fenecer ? I
1 » PARTE
O rouxinol, cantor plumoso, alm a repleta
de sãos gorgeios, que não sabes im itar,
da N atureza e do Ideal é o poeta,
que sabe os versrs com o biquinho b u rila r,
com seu c a n ta r formoso, meigo e peregrino,
não tem o dom, o dom da plastica div in o I...
Eis a razão por que ô prim or que a te rra
encerra,
aqui,
não é poeta, mas é bello...
é o c o lib ri!...
VOLTE à 2 * PA RTE
O que seria de um a flor sem a belleza,
que a N atureza
quiz lhe d ar com o sentimento ?
Que im porta & flor a eternidade
do talento,
se as auras vêm lhe segredar
canções de am or ? 1

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132 QUARESMA & C., e d ito re s

1.* PA RTE
Que importa a gloria ? Meu dominio ioda é mais fo rte !
Em quanto bella, os corações hei de render 1!
Que im porta a mim o que se diz depois da morte,
se o morto a gloria já não póde comprehender ?
Na sepultura
gosa a posthuma v en tu ra I
E que não falem mais na m inha form ozara I
Que im porta, ó bardo,
a tu a gloria e a tu a presumpção,
quando dormirmos som no eterno
em frio chão ? !
3.* PA RTE
O flammeo sol o collo azul
da m adrugada a ensanguentar,
de estrellas o collar
que Deus nos céqs faz derram ar ;
dourado effluvio de uma flor
emperolada,
em que o lu a r
endeixas vem, saudoso, opalinar ;
o suspirar
de um trovador,
que são as pjtalas da dôr ;
na ebúrnea areia o m ar
os ais de am or
a ren d ilh ar...
não valem nunca a Form ozura,
a reflexão dos céos,
a mais donosa inspiração
da luz de D en s!

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LYRA BRASILEIRA 133

; 1.» PA RTE
08 cantos taus das almas tristas são confort \
d >lente orvalho de f8ral consolação l !
Mas, se cantarem versos teus, quando já m orto,
nojento vérm e profanar-te o coração,
não ó por ti, que em tu a ly ra
és meigo e dextro,
não é somente para as glorias
do teu estro,
mas pela Form ozura,
a fonte
de teus pobres
ais,
que fez teus cantos
e teus versos
immortaes 11
M ais u m a vez rep ito a o le ito r : poesia p a ra c a u to n ã o obedece
á M étrica.

/c casinha Bonitinha

i
Não te lem bras da casinha,
Bonitinha,
Onde o nosso amor nasceu 1
Tinha um coqueiro do lado,
Que coitado,
De saudade já m orreu.
' ' 2
Não te lem bras oh ! morena
Da pequena

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134 QUARESMA & C., e d ito re s

Casinha onde te t í ,
Daquella enorme m angueira,
A ltaneira,
Onde cantava o bem -te-vi !
3.
Não te lembras do c a n ta r,
Do trin a r
Do mimoso ro u x in o l;
Que contente assim cantava
Annunciava
O nascer do flameo Sol.
4
Não te lembras das juras,
E perjuras,
Que fizestes com fe r v o r ;
D’aquelle beijo demorado
Prolongado
Que sellou o nosso am or !

. .. /a / v /t I o Original from
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LYRA. BRASILEIRA. • 135

I3^ T E )IC E 3
R e tra to do a u to r ...................................................................... S
D e d ic a tó ria................................................................................ 7
P re fa c io ...................................................................................... 9
A f la u ta ....................................................................................... 17
N ão m e lem bro a g o ra ........................................................... 19
B em m e lem bro a g o ra ........................................................... 22
V o lta ............................................................................................ 24
Q uero-te b em , porque q u e ro ................................................ 27
S au d ad es do p a ssa d o ............................................................. 29
V em v er como a noite tão calm a d e slisa ......................... 31
N u n ca m ais m o ren a in g r a ta ............................................... 32
A i ! que tem po d ito s o ........................................................... 32
L y r a em p u n h o ........................................................................ 33
E u vou deixar-te, vou so ffrer a v id a ................................ 35
Os teu s olhos p e re g rin o s...................................................... 36
O am or e o d esg o sto .............................................................. 37
C a rta o rig in a l........................................................................... 39
Q uem te fez tão b ella e p u ra ? ........................................... 42
C onsente a g o ra ........................................................................ 44
Só assim serei fe liz ................................................................. 47
50
O ja r d in e iro .............................................................................. 55
A casaca m a ra v ilh o sa ............................................................ 56
60
N ão te esqueças de m im que te am o ta n to ..................... 62
Como tu ficas d e n g o sa.......................................................... 63
64
" o hilosopho ......................................................................... 66
H isio ria de um c a sa m e n to .................................................... 69
A canção do e rm itã o .............................................................. 71
A u m a c rian ça m o rta ............................................................ 73
75
78
N os dias d o u rad o s................................................................... 79
Q u erid a E lo ra, g e n til d o n z ella.......................................... 79
E u e t u ........................................................................................ 80
N ão te esqueças de m im ...................................................... 81
N o silencio d a noite, só m e n te............................................. 82

rA r> Original from


D i g i t i z e d by V ^ j O ’ 5 ^ | V E R S I T Y OF W ISCO NSIN
136 QUARESMA & C., b d ito re b

V ou p a r tir , v iv er a u s e n te .............................................................. Pag. 83


A corda, d e s p e r ta ............................................................................. » 84
N as ag u as d orm entes do m ar d a e x iste n c ia .......................... » 85
V ejo o céo ad ornado de e s tre lla s ................................................ » 86
Seu M anduca, vá-se e m b o ra ......................................................... n 87
Como a ro lin h a in n o c e n te ............................................................. » 88
Q uero se r pobre n a m in h a te r r a ................................................. » 89
90
Q uero m o rre r dorm indo nos te u s b ra ç o s................................. » 91
N ão penses, ó v irg e m ..................................................................... » 92
T e u s olhos são n eg ro s, n e g ro s, como a s n o ites sem lu a r .. » 93
E u quero am ar-te feitic e ira im a g e m ........................................ n 94
U ltim a v o n ta d e ................................................................................. N 95
N ão fu i cu lp a d o ............................................................................... » 100
Q uem , form osa, n a sa la do b a ile ............................................... » 101 ,
E u tin h a m in h a s e n h o r a ............................................................... » 102
A m o-te v è r de joelho s, com os olhos fitos n a c r u z . ............. » 103
E s p a n ta o g ra n d e p ro g re sso ........................................................ )) 104
A flor de m eus c u lto s...................................................................... » 107
Se eu m orresse a m a n h ã ................................................................. > 108
J á não posso e x is tir........................................................................ » 109
E u chóro á ta r d e .............................................................................. » 109
T e u orgulho em m á h o ra quiz v e n cer-m e ............................... » 110
Só tu n ão pen sas em m im ............................................................ » 111
E m horas m ortas da n o ite ............................................................ » 112
» 113
T u és um a n jo .................................................................................. » 114
E u am ei-te com iodo o fe r v o r..................................................... » 115
Q uiz debalde v arre r-te d a m e m ó ria ......................................... » 116
» 117
Q uando o dia já d e sm a ia ............................................................... n 118
E lo r do ip ê ......................................................................................... » 119
E s ta polka, é um d en te de v e lh a ............................................ » 121
A i, longe de ti não posso v iv e r................................................... » 123
E m que p en sas n e sta h o ra ........................................................... » 124
A ve M a ria .......................................................................................... „ 125
A m orte de um a c a sa c a .................................................................. » 127
T a le n to e E orm o zura (R esp o sta)............................................... » 131
A casin h a B o n itin h a ...................................................................... » 133

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LIVRARIA Q U A R E S M A - Editora

GATUIxIxO G E A R E N S E
T O D A S AS M O D IN H A S , C A N T IG A S , CANÇÕES,
FA D O S. ETC.
Em 6 v o l u m e s ..................................................... 13ÍOOO

Cancioneiro Popular de Modinhas Bras l i-


ras, um grosso v o l u m e ............................. 3-S000
N ovos Cantares, um grosso volume . . . 2S000
Lyra dos Salões, um grosso volume . . . 3S000
Lyra Brasileira, um grosso volume . . . 1$000
Trovas e Canções, um grosso volume . . 2$00Q
Florilégio dos Cantores ■ 2$000

13$000
N ’estes seis volum es estã o reunidas todas as m odi­
nhas, cantigas, canções, fados, etc., do Sr. CatuIIo da* Pai­
xão C earense, m o dinhas que se ouvem can ta r nos salões
familiares, em reuniões festivas, em concertos, em festas
collegiaes, etc.
T odas as m odinhas trazem a indicação da mus/ca com
que devem ser cantadas.

AVISO
A LIVRARIA QUARESM A rem ette para o interior, com
a m a xim a b ravidade possive! e livre d e despezas com o
Correio, estes seis volumes, b astando, tão somente, enviar
a sua in portancia (13S003 em dinheiro, não se acceitam
sellos), em C A R T A R E G IS T R A D A C O M O V A L O R D E ­
C L A R A D O e dirigida á LIVRARIA QUARESM A, rua de
S. José, ns. 71 e 73 — RIO DE JANEIRO.

LIV RARIA Q UA RESM A — Rua S. José Ns. 71 e 73

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