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P oucas p e rs o n a g e n s da h is tó ria d a h u m a n id a d e terão

prov o cad o ta n to fa sc ín io e c o n tro v é rsia q u a n to Jesus d e


N azaré. T udo 0 q u e lh e d iz re sp e ito foi o b jeto d e in d a-
gações e in te rp re ta ç õ e s q u e a tra v e s sa ra m d o is m ilê n io s
sem se esgotar, g e ra n d o u m a b ib lio g ra fia q u e c o n té m na
p ró p ria d in â m ic a de su a s d isc u ssõ e s um p rin c íp io de con
tím ia g estação. H istó ria, teologia, filosofia, ética, p o lítica e
so b re tu d o religião» p a ra n ã o falar d o ro m a n c e , d a p o esia
e do d ra m a , sã o o u tra s ta n ta s vias com q u e a d evoção
e sp iritu a l e a p e sq u isa cien tífica p ro c u ra ra m d e sv e la r essa
figura d e “filho d o h o m e m ” tr a n s c e n d e n te 011 h istó ric o .
M as, se n a co n te m p la çã o d o p rim e iro , o c re n te tem p o u c as
d ú v id as, p ois é d a n a tu re z a de tal re la çã o n ã o tê-las» na vi-
su alizáção d o s e g u n d o o p e s q u is a d o r s e d e fro n ta co m u m
e n re d a n te cipoal de v e rd ad e s d ita s fatu ais q u e p re te n d e m ,
a p a rtir de d ifere n te s relato s, se r o d e se n h o d a o b jetiv id ad e
biográfica e q u e , n o s seu s d e sa c o rd o s, o m issõ e s, e m esm o
c o n tra p o siç õ e s, n ã o re siste m à c rític a , ou m elhor» d ã o
orig em a ta n ta s e n c a rn a ç õ e s de ssa figura q u a n to são os
o lh are s q u e a p e rs e ru ta m , in te n ta n d o re aliz a r o “m ila g re ”
d e sua figuração. N o e n ta n to , ela persiste n o seu envoltório
d e m istério : sa g ra d o ou h u m a n o ?
Jesus, 0 livro d e D avid Flusser, vem ao e n c o n tro d e ssas
questões co m a c o m p e tên c ia d e h isto ria d o r rig o ro so e a tu -
al izado» m a s ta m b é m c o m o e n g a ja m e n to d e se u e sp írito
na busca das p e g a d a s m e ssiâ n ic a s n a H istó ria Judaica,
p a rtic u la rm e n te n o p e rio d o e m q u e , n a Judeia sob o ju g o
rom ano, u m a revolução religiosa com eçava a la n ç a r os fios
de u m a n o v a c o n ta g e m do te m p o n a H istória. V alendo-se,
pois, d a m ais m o d e rn a m eto d o lo g ia c ie n tífica no c am p o
da análise textual, filológica, d o c u m e n ta l e arqueológica na
qual a leitu ra dos E vangelhos se faz à luz d o s M a n u sc rito s
do M ar M orto, da lite ra tu ra p se u d o -epig rá fic a e ap o ca líp -
tica em c o n ju n to c o m a d o Velho T e sta m e n to , d a tra d iç ã o
oral ju d a ic a , d a c risto lo g ia e das fo n tes g re c o -la tin a s da
h isto rio g ra fia c lássica, d e s e n h a -s e n a s p á g in a s d e ste pai-
nel u m a ten ta tiv a d o s a b e r e d a p aix ão p a ra r e c o n s tru ir
e re c o n stitu ir o se m b la n te v ero ssím il d o ju d e u de N azaré
e a feição objetiva d a re a lid a d e q u e lhe foi su b ja c e n te e
o p ro je to u n a tra n s c e n d ê n c ia - isto é» a d o ju d a ísm o do
século p rim e iro n a s su a s c o rre n te s c o n flita n te s de p e n sa -
m en to religioso, fô rm a su b s is te n te d o s p ro c e sso s so ciais,
políticos, c u ltu ra is e e sp iritu a is d o s u n iv e rso s h e le n ístic o ,
ro m an o e ju d a ic o e m e m b a te e c o m p o sição .
Tal é o q u a d ro e a m o ld u ra e m q u e se im p rim e m , por
identidade e diferen ça, os sucessivos passos, n o h o rto da
visão e n o ss á fa ro s c a m in h o s d a ex istê n cia , d a h istó ria do
“filho do h o m e m ‫ ״‬n a H istó ria , n u m a re p re se n ta ç ã o que,
p o r c erto , d e sa fia rá o le ito r d e q u a lq u e r o u de n e n h u m
cred o n e ste tra b a lh o in stig a n te , q u e a c o le çã o E stu d o s
d a E d ito ra P ersp ectiv a p u b lic a , co m as in tro d u ç õ e s de
R oberto R o m an o e N a c h m a n Ealbel.
J. G u i n s b u r g
Edmund Wilson descreveu David Flusser, morto ao completar 83
anos, como um gênio algo excêntrico que traduziu os Manuscritos
do Mar Morto do hebraico para 0 grego a fim de confrontar suas
similaridades com o Novo Testamento. Tal descrição diz muito de
seu brilho ede sua personalidade.
Historiador por formação, lecionou no departamento de Religião
Comparada da U niversidade Hebraica de Jerusalém duran te mais de
cinquenta anos. Estudioso da literatura clássica e talmúdica, conhecia
26 idiomas, em nove dos quais proferia palestras ao redor do mundo.
Flusser viveu em quase obscuridade, para não dizer penúria,
até os seus quarenta anos. Nascido na Áustria, foi em Praga que
se apaixonou por filologia e história e viu crescer seu amor pelos
animais. Seus pais - judeus austríacos inte ira mente emancipados
‫ ־‬eram rígidos com o menino desajeitado, e o mandaram para a
escola cristã local,
De acordo com uni de seus dois filhos, Johanan, foi como reação
ao caráter assimilado da família que se desencadeou em David Flus-
ser o interesse pelo judaismo. Conseguiu fugir do domínio nazista
na Europa, mas teve de passar por humilhante encontro com a SS,
quando da obtenção do visto de saída, sendo forçado a declarar-se
“um porco judeu”.
No final dos anos de 1930, na Palestina, tornou-se judeu prali-
cante voltado para os estudos bíblicos e talmúdicos. Seu interesse
pelo cristianismo foi estimulado por Gershon Scholem que, em
1955, 0 ajudou a galgar uma posição acadêmica - uma benção
para ele e para Hannah, recém-casados, ela viúva e sobrevivente
do Holocausto.
A fama de Flusser nasceu não só de suas pesquisas na estera do
judaísmo tradicional. Seu livro extremamente popular sobre Jesus,
publicado primeiro na Alemanha, em 1968, e depois em sete outros
idiomas, demonstrou como o Jesus histórico estava completamente
em casa no ambiente judaico e rabínico de seu tempo. Só mais tarde
é que o cristianismo teria vindo a emergir pelas mãos de outros,
não tão simpáticos em relação a essa origem e, certamente, menos
instruídos quanto às raízes judaicas de seu salvador.
Flusser admirava - e até amava - o “filho do homem”, vendo-o
como legítimo herdeiro dos Profetas hebreus, alguém possuído pelo
espírito sagrado. Ao falar dessa afinidade ao filósofo dominicano, pa-
dre Marcel Dubois, referiu-se a Jesus como “meu mestree seu Deus”.
Nas palavras de Dubois, um dos mais categorizados intelectuais
enviados por Roma à Terra Santa, a contribuição de Flusser modifi-
cou radicalmente 0 estudo do Novo Testamento. Mente aberta aos
valores da diferença, soube também enfrentar com visão científica,
isenção de preconceitos e sensibilidade para os dilemas da paixão
religiosa, e foi capaz de lançar novas luzes sobre a espiritualidade
e o carisma religioso de Jesus c ainda assim permanecer um judeu
prat icante. Diversamente de seus colegas e scholars empenhados cm
pesquisas afins, cujas tendências eram as de trabalhar as aposições
entre judaísmo e cristianismo, Flusser sublinhava ‫״‬as profundas
conexões” entre os dois movimentos de fé..
Dentre os muitos latiréis que lhe foram concedidos, um dos
mais cobiçados por ele foi provavelmente 0 prestigioso Prêmio
Israel, cm reconhecimento da edição do Josipon, uma crônica da
história judaica redigida no século X e inspirada sobretudo na obra
de Flávio Josefo. Assim, ficou realçada a preocupação central de
Flusser com a Antiguidade tardia c seus desdobramentos no curso
histórico do povo judeu.
The New Testament and Christian Jewish Dialogue, uma
coletânea em língua inglesa em homenagem a Flusser, publicada
pela E cum enical 'theological Research Fraternity cm Israel,
contém a bibliografia dos livros e de mais de setecentos artigos de
Flusser, além de calorosas apreciações do honrem c da obra escritas
por estudiosos tanto judeus como cristãos.
David Flusser nasceu em 15 de setembro; de 1937; morreu em
15 de setembro de 2000.
R A R A M E N T E SE E N C O N T R A U M E R U D I T O C O M T A N T A
PAIXÃO P O R C O M P R E E N D E R JESUS E SUA M E N S A G E M .
TAMPOUCO EX ISTEM M U ITO S QUE TENHAM TAL
D O M ÍN IO DAS IO N TES CLÁSSICAS E A HABILID A DE
D E USÁ-LAS DE M O D O Q U E A FIG U RA E M E N SA G E M
DE JESUS ENCONTREM UMA CLAREZA SIM PLES E
O R I G I N A L . (. . .) N A O T E N H O D Ú V I D A S D E Q U E A M B O S ,
LEITO RES JU D EUS E CRISTÃ OS, SERÃO D ESA FIA D OS
PELOS RESULTADOS DESTE ESTUDO.

R. S T E V E N N O T LEY

M U ITO SE TEM ESCRITO, EM ANOS RECENTES, A


R E S P E I T O DA R E A B I L I T A Ç Ã O D E J E S U S P E L A E R U D I Ç Ã O
J U D A I C A . U M A DAS C A R A C T E R Í S T I C A S Q U E D J S T I N G Ü E
DAVID I LUSSER É QUE, AO MESMO TEMPO EM QUE
C O N SID E R A JESUS C O M O Q U E PER TEN C EN D O C O M P L E -
'JA M EN TE ÀS CORRENTES D IV ER SIFIC A D A S E COM-
P E T I T IVAS D O PENSAMENTO JU D AICO DO PR IM EIR O
S É C U LO , ELE N Ã O SENTE N ECESSIDA D E DE NEGAR A
JESUS SEU ELE V A D O GRAU D E A U T O C O N S C IÊ N C IA . N O
SEU E N T E N D E R , O J E S U S H I S T Ó R I C O ERA I D E N T I F I C A D O
T A N T O C O M SEU P O V O C O M O C O M O P I L A R DA FÉ DA
COM UNIDAD!■; CRISTÃ P R IM IT IV A .

ROBERTO ROM ANO

í PER SPEC TIVA


‘> 7 8 8 5 2 7 30282!
estudos
estudos
estudos

PERSPECTIVA
Jesus
Coleção Estudos
Dirigida por J. Guinsburg

Equipe de realização - Tradução: Margarida Goldsztajn; Revisão: Maria Cristina Pereira


da Cunha Marques; Índices: Luiz Henrique Soares; Sobrecapa: Sergio Kon;
Produção: Ricardo W. Neves e Sergio Kon.
David Flusser

JESUS

^5 ¿ PERSPECTIVA
V/IW^‫־‬
Título do original em inglês: Jesus
Copyright © by The Magnes Press / The Hebrew University Jerusalem 1998

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÀO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

F668j

Flusser, David, 19172000‫־‬


Jesus / David Flusser; [tradução de Margarida
Goldsztajn], - [l.reimpr.]. - São Paulo : Perspectiva,
2010. i l . ; (Estudos ; v. 176)

1 reimpr. da 1 ed. 2002


Inclui bibliografia
ISBN 978-85-273-0282-1

1. Jesus Cristo. 2. Bíblia. N.T. Evangelhos -


Antiguidades. I. Título. II. Série.

10-2416. CDD: 232.901


CDU: 27-312

24.05.10 01.06.10 019376

1* edição - Ia reimpressão
[PPD]

Direitos reservados em língua portuguesa à


EDITORA PERSPECTIVA LTDA.

Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025


01401-000 São Paulo SP Brasil
Telefax: (011) 3885-8388
www.editoraperspcctiva.com.br

2019
D e d ica d o aos m eus a m ig o s M eronitas
Sumário

Apresentação - Roberto R om ano..................................................... XI


Preâmbulo à Edição Brasileira - Nachman F albel............... XXVII
Prefácio - R. Steven N otley..................................................... XXXVII
Introdução......................................................................................... XLI

1. As F o n tes.................................................................................... 1
2. Ancestral id a d e ............................................................................ 7
3. O Batismo......................................................................................19
4. A Lei.............................................................................................. 35
5. Amor.............................................................................................. 57
6. É tica.............................................................................................. 69
7. O Reino do C é u ...........................................................................79
8. O F ilh o ..........................................................................................87
9. O Filho do Homem...................................................................... 97
10. Jerusalém .................................................................................... 107
11. M o rte ...........................................................................................117
12. Epílogo........................................................................................ 141
Estudos Suplementares
13. “A Casa de Davi” num O ssuário........................................... 147
14. “Quem é que Te Bateu?” .......................................................... 153
15. “ .‫ ״‬Enterrar Caifás, Não Elogiá-lo” .........................................161
16. Qual Era 0 Significado Original de Ecce Homo? ................. 171
17. O Crucificado e os Ju d e u s........................................................ 183
18. Considerações Adicionais: Jesus Lamenta por Jerusalém .. 197
19. A Topografia e a Arqueologia da Paixão:
Uma Reconstrução da Via Dolorosa - Maguen Broshi.........209
20. Os Estágios da História da Redenção segundo
João Batista e Jesus.....................................................................215

Quadro Cronológico......................................................................... 229


Bibliografia........................................................................................ 233
índice de F o n te s ............................................................................... 237
índice Remissivo............................................................................... 253
Apresentação

Quando os nazistas confiscaram sua biblioteca, em 1940, Pierre


van Paassen afirmou que nela existiam “nada menos do que sete mil
‘vidas’ e escritos críticos sobre os ditos e feitos de Jesus [...] todos
publicados nos três últimos quartos de século”1. Apesar desta plétora,
poucos daqueles volumes traziam algo novo além dos encomios cris­
tãos, ou de arquelogias espirituais do Ocidente, além de virulentos ata­
ques à religião iniciada por Jesus. Poucos estudos voltaram-se, desde
0 século XVII, à pessoa histórica do Cristo, com toda a concretude
exigida por esta via essencial do saber.
O livro de David Flusser, publicado em boa hora pela Editora
Perspectiva, traz uma vida nova para a compreensão dos vínculos
entre 0 judaísmo, a religião do Nazareno, a história da cultura e da
filosofia. Nele encontramos uma análise percuciente e científica da
consciência religiosa. Existem autores que se libertam dos pressupôs-
tos metodológicos e doutrinários em proveito do assunto que investi­
gam e narram. Flusser mostra ser um deles no presente trabalho. Não
se trata, nas páginas que seguem, de um exame puramente empírico
ou positivista dos documentos (embora impressione 0 número dos que
foram compulsados pelo autor). As inspeções de Flusser apresentam
refinadas perspectivas teóricas. Mas todas elas são inseridas no pró­
prio recorte dos temas, realizando 0 mais elevado ideal historiográfico.1

1 P. van Paassen, Why Jesus Died, New York, Dial Press, 1949, p. 269. Cf. Walter
Kaufmann, Hegel, New York, Doubleday & Co., 1965.
XII JESUS

Saímos da leitura deste Jesus com maior conhecimento e mais pru­


dentes. A verdade (sempre almejada, nunca sorvida por inteiro) desta
procura do Cristo histórico contribui para 0 diálogo ecumênico, não
só dos judeus e cristãos, mas de todos os religiosos que tentam saber
algo sobre as raízes de sua crença.
Jesus é personagem fascinante para todos os que buscam a exce­
lência do convívio humano. A filosofia moderna teve na sua existência
um desafio já exposto nos escritos do apóstolo Paulo: 0 escândalo de
um homem aceito como Deus. A passagem do infinito para 0 efêmero
apresenta-se como 0 grande hiato irracional, recusado pelo saber filo­
sófico secular. Homem notável, sim. Sublime, certamente. Deus...
Os vínculos da filosofia com Jesus, na modernidade, tiveram a
sua primeira e ambigua expressão em Spinoza. Na mente do Nazareno
encontra-se uma sabedoria cujos ensinamentos, poucos e universais,
asseguram vida nobre para os homens simples. A economia da salvação
baseia-se nos ...paucissima et simplicissima dogmata, quae Christus
suos docuif. Cristo situa-se num nível super-humano23 e conheceu as
coisas adequadamente, tendo sido a “própria boca de Deus”4, pois a sua
missão é similar à dos anjos. Ele é o indivíduo livre por excelência5.
Universal, 0 Cristo define um modelo de humanidade. Este estatuto,

2 Cf. Tratado Teológico-Político, XI. Para as diferenças entre o tratamento spino-


zista e 0 cristão (embora devedor de Jansênio...), veja-se 0 belo texto “Entre Pas­
cal et Spinoza: la philosophic ou Pindififérence de la substance comme sujet de
contraíres”, Architectures de la raison, P.-F. Moreau (éd.), Fontenay-aux-Roses,
ENSEd., 1996, pp. 213-226.
3 As afirmações de S. Zac ainda hoje dão o que pensar: “Spinoza trata de anexar o
Cristo à sua própria filosofia, sem se preocupar com 0 princípio da interpretação da
Escritura por ela mesma”. Assim, ele concede ao Cristo “um privilégio espiritual
único, o mesmo que Maimônides concede a Moisés, que teria percebido as coisas
segundo a verdade, sem nenhum intermediário sensível, pelo pensamento puro,
fora das palavras e das imagens”. Spinoza teria feito mais: enquanto Maimônides
coloca Moisés no âmbito da humanidade, Spinoza põe o Cristo fora dos “limites
da natureza humana [...] com uma qualidade mais do que humana” (cf. Sylvain
Zac, Spinoza et I 'interprétation de I ’Écriture, Paris, PUF, 1965, p. 190). Para as
distinções de concepção do Cristo em Spinoza e nos demais autores importantes
de seu tempo, cf., entre muitos, Christian Lazzeri, Droit, pouvoir et liberte, Spi­
noza critique de Hobbes, Paris, PUF, 1998.
4 TTP, IV, Pleiade, p. 730 (cf. Norman O. Brown, “ Philosophy and Prophecy.
Spinoza's Hermeneutics”, Political Theory, vol. 14, n. 2, may 1986, p. 199).
Geneviève Brykman fala de uma duplicidade de Spinoza, no Tratado Teológico-
-Político, que desaparece no Tratado Político. O filósofo teria querido poupar
os judeus simples, afirmando a superiodidade de Moisés, e também poupar os
cristãos sinceros, admitindo a inspiração moral fora do comum de Cristo. Assim,
Spinoza daria testemunho de certa “admiração pelo Cristo, encontrada entre os
Marranos” (cf. La judéité de Spinoza, Paris, Vrin, 1972, pp. 68-69).
5 Etica, última seção do livro IV, prop. 67-73. A liberdade, após a queda, foi recu­
perada pelos Patriarcas, “dueti Spiritu Christ¡, hoc est Dei idea...”. Aphun, p. 134.
APRESENTAÇÃO XIII

entretando, não pode se ampliado até 0 ponto, inaceitável para a luz do


intelecto, de se afirmar algo sobre um ser humano e divino.
Nessa dificuldade, Spinoza adianta os nexos entre Jesus e seus
discípulos. Os primeiros ouvintes do Cristo que nele acreditaram
tiveram uma experiência imediata do sábio. Os outros, a começar
de Saulo, não o conheceram face a face. Assim, eles transmitiram a
doutrina em narrativas, na forma histórica. E aqui temos 0 campo da
imaginação, que pode ser captada pelo intelecto, mas nunca pode ser
com ele confundida. Entre 0 Cristo e o nosso pensamento instalou-se
a densa nuvem das noções confusas e obscuras que formam a into­
lerância, a violência, os dogmas ensandecidos que amesquinham os
homens, reduzindo-os ao estatuto de feras nutridas de “inumeráveis
ficções”6. Quando os religiosos pensam 0 divino e a natureza, a sua
exposição deixa de ser um relato racional e passa ao campo do delí­
rio e da extravagância.O Jesus judeu que sabia ler as Escrituras, e
delas deduziu ensinamentos morais perfeitos, foi transformado pelos
sacerdotes em fonte de ira e desprezo mútuo que reduzem os homens à
ferocidade. A imaginação religiosa turva a própria história do Cristo7.
História e imaginação seguem linhas diversas. Só o conhecimento
filosófico fúnda uma teoria capaz de expor a essência do cristianismo.
Com ela podemos discernir as fontes, os documentos, sem tombar no
abismo da metafísica que afirma a passagem do infinito ao finito num
ser humano. O Cristo separa-se das superstições, milagres, intolerância.
O elemento religioso cede a via para 0 super-homem, o sábio e filósofo
por excelência. Esta será a leitura das Luzes sobre a pessoa de Cristo8.
Assim, na Encyclopédie diderotiana, Jesus é dito fundador de uma
religião, “a qual é possível chamar filosofia por excelência”. E deste

6 “ Pouco importa que um número muito grande destes dogmas não contenha a menor
parcela de verdade, hasta que os homens por quem eles são aceitos não saibam que
eles são falsos”. Tratado Teológico-Politico, XIV. Cf. a análise bastante astuciosa
deste ponto em Francis Kaplan, “Le salut par l’obéissance et lanécessité de larévé-
lation chez Spinoza”, Révue de Métaphysique et de Morale, n. 1, 1973, p. 16.
7 Para uma análise recente de todos estes pontos, cf. Henri Laux, Imagination et
Religion chez Spinoza. Lapotentia dans I 'Histoire, Paris, Vrin, 1993. Não se deve
esquecer os fundamentos da leitura spinoziana da Biblia em geral, que também
vale para o Novo Testamento; “Assim como o método na interpretação da natu­
reza consiste em considerar desde o início a natureza como historiador c, depois
de reunir dados certos, concluir as definições das coisas naturais, também para
interpretar a Escritura é necessário dela adquirir um conhecimento histórico exato
e possuindo este conhecimento, isto é, dados e princípios certos, pode-se concluir
pela via de legítima consequência o pensamento dos atores da Escritura” ( Tra-
lado Teológico-Politico, VII, trad. C. appuhn, Paris, Gallimard, 1965, pp. 138­
139). Cf. L. Jaffro, “Spinoza: la question théologico-politique et la rhétorique de
la philosophic”, em E. Cattin e outros (eds.), Figures du Théologico-politique,
Paris, Vrin, 1999, pp. 91 e ss.
8 Ainda hoje o texto mais relevante sobre o assunto é o de Paul Verniére, Spinoza
el la pensée française avant la Révolution, Paris, PUF, 1954.
XIV JESUS

modo, ele “muito influenciou a moral e a metafísica dos antigos, para


depurá‫־‬la”. Mas o Cristo, “para falar com rigor, não foi um filósofo; foi
um Deus. Ele não veio propor opiniões aos homens, mas lhes anunciar
oráculos ; ele não veio fazer silogismos, mas milagres; os apóstolos
não foram filósofos, mas inspirados”. É completo 0 divórcio entre
Atenas e Jerusalém, entre Academia e Igreja. “O filósofo diz amicus
Plato, amicus Aristóteles, sed magis amica veritas. [...] O cristão tem
mais direito a este axioma, pois seu Deus é para ele a própria verdade”.
“Para ele”: note-se a armadilha da frase. Deus reside na cons­
ciência dos cristãos, logo infectada pelos diversos e contraditórios
sistemas filosóficos:

[...]a simplicidade do cristianismo não tardou a se ressentir da diversidade das opiniões


filosóficas partilhadas pelos seus primeiros seguidores. Os egípcios conservaram 0
gosto pela alegoria; os pitagóricos, os platônicos, os estoicos, renunciaram aos seus
erros, mas não à sua maneira de apresentar a verdade. Todos eles atacaram a doutrina
dos judeus e dos gentios, mas com as armas que lhes eram próprias. 0 mal não era tão
grande, mas ele anunciava um outro. As opiniões filosóficas não tardaram a se entre­
laçar com os dogmas cristãos, e viu-se eclodir de repente uma enorme quantidade de
heresias; a maior parte delas, sob uma falsa aparência de filosofia.

O núcleo do ensino enciclopédico sobre Jesus ecoa bem forte


a leitura spinoziana. Ao trazer ao mundo a sua religião, 0 Cristo se
propôs “instruir os homens, tornando-os melhores”9. A ética ordena
todo 0 campo religioso e Jesus assume 0 papel de grande moralista,
de homem exepcional, nada mais. Entre a simplicidade alojada no
ensino evangélico e as confusas querelas doutrinárias e filosóficas,
não há como escolher. O cristianismo é uma história que se complicou
tomando-se, de metafísica em metafísica, pura treva. A figura histó­
rica do Nazareno foi obnubilada nas afirmativas diderotianas. Pouco
enuncia Diderot sobre suas origens, a cultura que 0 nutriu, as fontes
judaicas que saciaram 0 seu espírito10.

9 Encyclopédie, art. CHRISTIANISME. Utilizo a edição em CD-Rom para Macin­


tosh, editada pela Redon, Paris. As citações da Encyclopédie foram todas extraí­
das desta edição.
10 Apesar do longo artigo sobre a religião judaica, na Enciclopédia 0 nexo entre
Jesus e seu tempo é pouco desenvolvido. Ressalta a face filosófica e doutrinária
de todos os setores envolvidos na histórica do povo judeu e de suas manifestações
religiosas. A relação entre o judaismo e 0 cristianismo é iniciada com a citação de
Montesquieu, para o qual a religiosidade judaica "est un vieux trone qui a produit
deux branches, le Christianisme & le Mahomélisme, qui ont couvert toute la terre
: ou plütôt, ajoute-t-il, c ’est une mere de deux filies qui 1’ont accablée de mille
plaies. Mais quelques mauvais traitemens qu’elle cn ait reçüs, elle ne laisse pas
de se glorificr de leur avoir donné la naissance. Elle se sert de 1’une & de 1’autre
pour embrasser le monde, tandis que sa vieillcsse vónérable embrasse tous les
terns” (cf. Encyclopédie, art. Juif).
APRESENTAÇÃO XV

Se a percepção de Jesus tem estatuto semelhante, a forma pela


qual Rousseau encara 0 Cristo apresenta-se ainda mais descarnada.
O cristianismo surgiu, na opinião do filósofo, e se propagou fora da
cultura, corrompendo-se sempre que participou desta ou daquela
forma social de convívio histórico11. Como no verbete acima citado
da Encyclopédie, Rousseau pensa que a mistura de cristianismo com
os sistemas filosóficos causou a corrupção do primeiro, piorando os
segundos. O autor lamenta os padres da Igreja e todos os “homens frí­
volos que reduziram a doutrina de Cristo a silogismos”. Cristianismo
e ciências são incompatíveis. Não seria outra a via do virulento crí­
tico das ciências e das artes. O Cristo é divino, disto Rousseau não
duvida. “Seria possível que um livro ao mesmo tempo tão sublime e
tão simples (0 Evangelho) seja obra de homens? Seria possível que o
narrador da história seja ele mesmo um homem?” Um caminho ten­
tador para Rousseau é encontrar na República platônica a descrição
do homem justo como imagem de Jesus. “Quando Platão pinta 0 seu
justo imaginário coberto pelo opróbio do crime e digno de todos os
prêmios da virtude, ele pinta traço por traço Jesus Cristo; a semelhança
é tão espantosa que todos os padres da Igreja a sentiram”.
Mas 0 Cristo não se resume a ser “imaginado” ou “pintado” por
escritores talentosos. 0 que era imaginação na República, tornou-se
realidade no Evangelho. Jesus nada tinha a ver com os judeus nem
com os gregos. “Onde Jesus teria extraído entre os seus esta moral
elevada e pura da qual só ele deu lições e 0 exemplo?” Não dependente
de Sócrates nem de Moisés, 0 Cristo, longe de estar em dívida para
com a cultura judaica (“furioso fanatismo”), seria um estrangeiro em
Israel. Este último pertence à história, não 0 Cristo. Jesus, um ser
espantoso porque nascido “na Judeia, entre 0 povo mais vil que possa
ter então existido” elevou-se acima de todos os mortais. O seu projeto
teria sido 0 de “elevar 0 seu povo, dele fazendo um povo livre e digno
de ser livre”. O estudo que ele fez de Moisés e da Lei mostraram que
seu projeto era possível. “Mas os seus vis e covardes compatriotas
em vez de escutá-lo o odiaram justamente por causa de seu gênio e
de sua virtude, os quais reprovavam a sua indignidade”. Uma causa
do seu fracasso estava ali. A outra era a doçura “de seu próprio cará­
ter; doçura mais adequada a um anjo e de Deus do que do homem”1112.
Estamos novamente em companhia de Spinoza no diagnóstico sobre
Jesus, um sábio angélico ou divino. Mas 0 último termo, em Rousseau,

11 Cf. “Observações de Jean-Jacques Rousseau ... sobre a resposta feita ao seu dis­
curso” (Oeuvres Complètes, t. III, pp. 4 3 4 9 ‫)־‬.
12 J-J. Rousseau, “Lettre à M. de Franquières”, Oeuvres complètes, t. IV, Paris,
Gallimard (La Pléiade), 1969, p. 1146. Um comentário pertinente de todos estes
pontos encontra-se em H. Gouhicr, Les Meditations Métaphysiques de Jean-
-Jacques Rousseau, Paris, Vrin, 1984, pp. 185 e ss.
XVI JESUS

não remete para 0 significado teológico da ortodoxia cristã. O Cristo


é divino porque não pertence à história.
Estrangeiro ao desenrolar do tempo, Jesus também 0 é diante de
seu povo. Sua lição ética nunca poderia surgir do judaísmo, porque
“nenhum dos escritores judeus teria encontrado nem este tom e nem
esta moral”. É a razão, e jamais a história, que indica a existência
de Jesus. Este não pode ser explicado por seu meio e cultura. Ele só
pode ser um inventor. E assim Rousseau põe a Revelação, pelo menos
a pensada pela ortodoxia cristã, na periferia do razoável. O gene-
brino passa bem rápido sobre temas essenciais da Revelação, como
a Redenção, a Encarnação do Verbo, a divindade de Jesus, a Ressur­
reição. Nada diz, também, sobre 0 pecado original. Jesus é “um sábio
hebreu”, e para evidenciar este fato os milagres são desnecessários.
Taumaturgias encantam e cativam apenas a massa dos povos. Os mila­
gres constituem uma questão disputada e o próprio Jesus não desejou
usá-los para atestar a sua missão, fundamentando-a no ensino e não
no espanto. Os milagres teriam sido apenas e tão-somente “atos de
bondade, de caridade, de benemerência ...em favor de seus amigos”13.
Jesus estranho ao seu povo, à história, um anjo ou ser divino,
não no sentido da Encarnação revelada, mas no sentido perfeitamente
natural. Esta figura do Cristo, em Rousseau, tem um inconveniente
maior para os que permanecem cristãos no século XVIII. Quando
afirma ser Jesus um “inventor”, a fórmula bate como uma bofetada
nos ouvidos crentes e bem informados acerca do movimento das idéias
que varriam a Europa e a França naqueles tempos.
O pressuposto anticristão mais radical da época foi posto no
famoso Tratado dos Três Impostores. Texto anônimo e virulento, a
ideia de uma invenção religiosa para enganar a massa ignara é ali
recorrente. Assim, Jesus, “considerando 0 quanto Moisés tomou-se
célebre”14apesar de possuir 0 comando de um povo inculto, “empreen­
deu construir sobre este fundamento e fez-se seguir por alguns imbe­
cis, aos quais persuadiu que 0 Espirito Santo era seu pai e sua mãe
uma Virgem”.
Jesus, “que não era totalmente ignorante, vendo a extrema cor­
rupção da república dos judeus, julgou-a próxima do seu fim e acredi­
tou que uma outra deveria renascer de suas cinzas”. Enquanto Moisés
teria procurado ser terrível contra as nações estrangeiras, Cristo tentou
atraí-las pela esperança das vantagens de uma outra vida. Deste modo,
“Jesus pretendeu habilmente aproveitar-se dos erros da política mosaica,
tomando a sua Nova Lei eterna”. Ele sabería bem que a sua Lei não

13 Rousseau, citado por H. Gouhier, op. cit., p. 21B.


14 Moisés seria o primeiro impostor, enquanto 0 Cristo e Maomé seriam os outros.
O escrito causou celeuma no seu tempo, sobretudo pela fama de ser uma versão,
ruim é verdade, do spinozismo.
APRESENTAÇÃO XVII

seria aceita pelos sábios e por isto só admitiu no seu reino “os pobres
de espírito e os imbecis”. Quanto à moral de Jesus, ele a teria extraído
dos filósofos, de quem roubou as mais belas sentenças. Dos judeus,
usou as crenças dos fariseus sobre “imortalidade da alma, ressurrei­
ção, inferno”.
A reputação divina que lhe veio após a morte, explica-se, segundo
0 autor anônimo, pelo fato de que 0 povo “é acostumado à desrazão”.
Deste modo, ele sempre corre “atrás de fantasmas e nada faz que tenha
a marca do bom senso”, sempre na busca de quimeras. Após a sua
morte, os seus discípulos frustrados “fizeram da necessidade virtude”.
Não tendo sucesso entre os judeus, seguiram rumo aos outros povos.
Com “prodígios e mentiras, deram ao seu mestre a honra de passar
por um Deus, honra à qual Jesus, quando vivia, não tinha alcançado”.
O cristianismo é uma só “impostura grosseira, cujo sucesso e
progressos espantariam mesmo os seus inventores se eles voltassem
ao mundo”15. A frase é importante na sequência de argumentos con­
trários a Jesus e aos seus discípulos: eles não herdaram nada dos gre­
gos, porque os pilharam. Eles não herdaram nada dos judeus, porque
desejavam abolir as bases de sua “república”. Eles inventaram (a
palavra foi solta!) tudo 0 que lhes diz respeito: divindade de Jesus,
ressurreição, e todos os dogmas.
Assim, quando Rousseau indica que Jesus foi um inventor, a orto­
doxia cristã tem razões para apurar os olhos e os ouvidos. O arcebispo
de Paris, Monseigneur de Beaumont, soube dizer o quanto a religio­
sidade rousseaunística não enganava os fiéis.
Jesus inventor de religião: tanto na linha de Rousseau, quanto na
mais antiga, a do Tratado dos Três Impostores, 0 Cristo nada deve ao
seu povo, nem aos gregos. Trata-se de um prodígio, nascido do éter
de pensamentos que paira acima das culturas e da história. Tanto a
imagem positiva quanto a negativa indicam um ser diáfano, encerrado
nas formas da moral (professor de boa moralidade, para Rousseau, de
péssima ética, segundo 0 autor dos Três Impostores). Estava preparado,
no cadinho do século XVIII, o básico para a tese do Jesus puramente
moral, 0 ser constituído apenas pela espiritualidade, sem nenhum apego
histórico e sem cultura alguma que o caracterizasse, visto ser ele um
valor, não um ente, capaz de se apresentar em toda cultura.
Chegara a época de I. Kant, 0 seguidor reverente de Rousseau no
campo espiritual. O “chinês de KOnigsberg”, na aguda percepção de
Nietzsche, reduziu a doutrina cristã e a existência de Jesus ao ponto

15 E. Morí (ed.), Traité des trois imposteurs, Herblay, Editions de l ’idée Libre,
1932 (texto de 1768). Encontrado no seguinte endereço eletrônico: http://www.
vc.unipmn.it/~mori/etexts/tti.htm. Paul Vemière desenvolve um extenso conten-
tário sobre este documento (cf. “L’ére des confusions (1715-1750)”, em Spinoza
el la penséefrançaise... ed. cit., pp. 362 e ss).
XVIII JESUS

mais diáfano da história. Com ele, a essência do cristianismo passou


a definir-se apenas como “fé moral”. Elevar-se até ela, arquétipo da
pureza ética, este é 0 fim da humanidade. Como somos imperfeitos,
arrazoa Kant, devemos dizer que semelhante arquétipo “desceu dos
céus e revestiu a humanidade”. O Cristo, “por seu exemplo, liberou
os homens que nele acreditam do domínio [...] do mal, dando-lhes a
lei moral”. O “arquétipo” Cristo pouco deve à história, ou nada. Suas
relações com o povo judeu e com a sua cultura é a mesma de um edi­
fício novo com andaimes que devem ser retirados após 0 término do
trabalho. Para entender e seguir a lição cristã, deve-se abandonar “0
judaísmo do qual saiu, procurando um princípio completamente novo”16.
A cristologia de Kant abre 0 caminho para teorizações como a
de L. Feuerbach, pois, no seu entender, o Jesus histórico é superado
pela ideia da humanidade. Ele “é 0 bom princípio, contra 0 qual luta
0 princípio maléfico para dominar 0 homem”. Estão dados os pontos
mais radicais do moderno secularismo. Jesus passa a representar “a
ideia personificada do bom princípio”1718.Tem razão 0 comentador que
adianta 0 seguinte: para Kant,

[...] a pessoa histórica de Jesus, enquanto histórica, não contém qualquer valor em si.
A história pode nos dizer dele 0 que quiser. Nesse sentido é interessante notar que,
cm Kant, jamais aparece o nome de “Jesus”, que designaria o homem histórico, mas o
termo “filho de Deus”, “protótipo” etc., para 0 ideal de perfeição, e “mestre”, “homem
Deus” etc., para o homem concreto. O significado de sua pessoa só poderá estar em
relação com 0 ideal da humanidade13.

A moral deve possuir um fundamento que lhe assegure univer­


salidade, para que seja inteligível às mentes de todos os homens. O
elemento histórico, preso ao espaço e tempo, não cumpre semelhante
mister. Apenas a Razão, liberta de todos os “preconceitos” morais e de
cultura, garante 0 nível requerido para fundamentar 0 fato religioso.
Segundo Kant, “a religião judaica é manifestamente estranha ao espí­
rito, e segundo os seus próprios olhos, não deve ser compreendida
como uma religião da razão” 19. Os vínculos de Jesus com seu povo
são irrelevantes para entender a mensagem cristã, ápice da mais pura

16 Para a análise das relações entre Jesus e o cristianismo, é relevante o uso do Kant
Lexicon, publicado por Rudolf Aisler. Emprego a tradução francesa desta obra
(cf. Paris, Gallimard, 1994, pp. 147-153).
17 Cf. Friedrich Delekat, “Person und Werk Jesu Christ¡ (Christologie)”, Immanuel
Kant. Historisch-Kritische Interpretation der Hauptschriften. Heidelberg, Quelle
&Maeyer, 1969, pp. 351-353.
18 Cf. F. J. Herrero, Religião e História em Kant, trad. J. A. Ceschin, São Paulo,
Loyola, 1991, pp. 178-179.
19 C f. J osef Simon, “ Philosophie Critique et Écriture Sainte”, Révue de M éta-
physique et de Morale, Octobre-Décem bre 2000, n. 4, pp. 441 e ss.
APRESENTAÇÀO XIX

razão antes da moral filosófica20. Cristo deixa de ser um indivíduo de


carne e de ossos, compartilhando costumes e gestos, noções e tradição,
com 0 judaísmo. Ele passa a significar um testemunho da universal
razão, uma evidência de que o bem pode realizar-se no mundo. Assim,
em vez de ser um Christus, ele na verdade é um Chrestus, o útil mes­
tre e 0 útil exemplo da universal moralidade que se fundamenta na
Razão. Acabou-se a dependência dos homens diante do mundo his­
tórico, positivo. “Não precisamos de exemplos empíricos para ter a
ideia de uma pessoa moralmente agradável a Deus, nosso arquétipo;
esta ideia como um arquétipo ainda está presente em nossa razão”, tal
é um dos núcleos fundamentais, exposto em Die Religion imerhalb
der Grenzen der blossen Vernunfi21.
Análises relevantes do sistema kantiano adiantam que os vínculos
entre 0 religioso e 0 moral, naquele pensador, devem ser lidos à luz da
Critica da Faculdade de Julgar, sobretudo a partir da noção do juízo
reflexionante. Esta via permite conferir 0 peso da ideia kantiana de
arquétipo, a qual dispensa todo particularismo histórico. Cristo não
é recebido como Deus encarnado no tempo, mas como exemplo de
santidade que permite aos homens efetivar a sua esperança num reino
bom. “Usando 0 poder da reflexão, podemos perceber os eventos da
vida de Jesus como exemplificações da vida moral, e esta percepção
nos dá um ímpeto que nos permite lutar e seguir 0 exemplo de Jesus”22.
Seja qual for a chave de leitura dos textos kantianos, importa notar
que todos eles seguem 0 rumo de internalizar 0 Cristo na consciência,
dele separando o “contingente”, ou seja, 0 histórico23.

20 Esta interpretação tem sido contestada, mas sem muitas oportunidades de persuadir
os leitores de Kant (cf. Stephen Palmquista, “Does Kant Reduce Religion to Mora­
lity?”, Kant-Studien, Ano 83,2, 1992, pp. 129 e ss.). O autor “salva” Kant da pecha
de reduzir o cristianismo à moralidade, ampliando a pergunta sobre os nexos entre
os dois campos à figura do próprio Jesus: “Kant reduziu a religião à moral? Talvez
a melhor maneira de responder esta pergunta seja através de uma outra: Jesus e os
escritores bíblicos reduziram a religião à moral?" (p. 148). Esta retórica inteiro-
gativa tem 0 mesmo procedimento que se emprega para afirmar todas as más infi­
nitudes: reverbera-se a mesma tese, sem provar o fundamento da questão inicial.
21 Um trabalho cativante, onde se discute as noções rousseaunísticas e kantianas
sobre Jesus enquanto Christus ou apenas enquanto Chrestus, foi redigido por Vin­
cent A. MacCarthy, “Christus as Chrestus in Rousseau and Kant”, Kant-Studien,
Ano 73,2,1982, pp. 193 e ss.
22 Cf. Adina Davidovich, “How to Read Religion Within the Limits of Reason
Alone”, Kant-Studien, Ano 85, 1, 1994, p. 14. Para uma correta análise deste
assunto, cf. Edmilson Menezes, História e Esperança em Kant, Aracaju, Editora
da Universidade Federal de Sergipe, 2000.
23 O Cristo seria “o arquétipo da humanidade em sua perfeição moral, fim de toda a
criação. Kant dele distingue Jesus deNazaret, personagem puramente humano, mas
notável pelo caráter divino de seu ensinamento, pela abnegação de que fez prova
na paixão e na morte; ele é portanto para nós um modelo comovente, apenas a lei
moral lhe serve como critério para sua avaliação. Logo, Kant opõe 0 verdadeiro
XX JESUS

No Opus postumum do filósofo são fornecidas as frases decisi­


vas para a leitura de suas visões de Jesus e do cristianismo: “Deus
é a Razão prática/moral que dá a si mesma as suas leis”. Deus está
em nós, ou seja, trata-se do “imperativo moral hipostasiado”24. Deus
reside no homem, na sua consciência. A partir daí, todas as formula­
ções modernas do ateísmo tomam-se possíveis. Claro que I. Kant não
deu, ele mesmo, este passo. Nem mesmo Hegel ou Fichte ousaram-no.
Mas a base antropológica da religião, dissolvendo a figura histórico-
-cultural de Jesus, serviu como fundamento da secularização cultural
dos séculos XIX e XX.
Na virulenta dissolução da personagem histórica Jesus, a filo­
sofia hegeliana, sob 0 forte impacto de Kant e das Luzes, foi um
dos elementos mais decisivos. Hegel procurou depurar 0 cristianismo
de todas as suas amarras, elevando-o à Ideia pura, ao Espírito pre­
sente a si mesmo, sem nada de positivo que o prendesse ao empírico.
Como enuncia G. Lukács em seu exame do jovem Hegel, a “positivi-
dade” significa, para 0 seminarista entusiasmado pela razão prática,
“a supressão da autonomia moral do sujeito”. Apesar da ladainha em
prol de um Hegel atento aos elementos históricos, 0 mesmo analista
afirma, de modo correto, que para Hegel “a religião cristã se contra­
põe na época, ao sujeito individual como algo objetivo, positivo, e a
obediência aos seus mandamentos é, por uma parte, consequência da
perda da liberdade e, por outro, uma reprodução constante da opres­
são e do despotismo”25.
Lukács mostra que 0 período apontado por comentadores como
“teológico” na carreira de Hegel, na verdade não se encerra naquela
rubrica do espírito. Na linha de Kant, 0 que se constata na sua Vida de
Jesus é uma antropologia cristã. O início daquele escrito basta para
dissipar mal-entendidos: “A Razão pura, não suscetível de nenhuma
limitação, é a própria divindade”. Trata-se de uma clara indicação
do ponto onde começou Hegel: no culto da deusa razão dos even­
tos revolucionários franceses. Isto aponta também para 0 desenvol­
vimento posterior da filosofia religiosa de Hegel. Neste momento, 0
Jesus descrito não ensina os Evangelhos, mas a ética de Kant26. Mais

cristianismo, expressão religiosa da moral, às crenças da Igreja que usurpam 0


seu nome” (Olivier Reboul, Nietzsche critique de Kant, Paris, PUF, 1974, p. 115).
24 B. Rousset, La doctrine kantienne de 1'objectmtè, Paris, Vrin, 1967, p. 636 (cf.
Adela Cortina, “Die AuflOsung des religiOsen Gottcsbegriffs im Opus postumnum
Kants”, Kant-Studien, Ano 75,3, 1984, p. 292).
25 O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista. Uso a tradução de M.
Sacristan (Barcelona, Grijalbo, 1972), pp. 49-50.
26 Cf. Walter Kaufmann, op. cit. Causam mesmo certa estranheza as frases coloca­
das na boca de Jesus pelo jovem Hegel: “O homem enquanto homem, respondeu
Jesus a Nicodemos, não é simplesmente um ser totalmente sensível. A sua natu­
reza não se limita simplesmente aos impulsos do prazer”. Muitas passagens deste
APRESENTAÇÃO XXI

tarde, nas Lições sobre a Filosofia da Religião, 0 pensamento hege-


liano se ampliou, tentando dominar 0 tempo histórico, sempre tendo
em vista o Eterno. A cultura judaica e a grega receberam, em sua
exposição sobre a marcha espiritual da humanidade, o selo do “ainda
não”, reconhecível nas elaborações do filósofo sobre os momentos
superados e recolhidos do pretérito. Quando surge uma nova forma
do espírito, as demais, que estavam na sua gênese, já estão nele con­
tidas, sem direito à existência autônoma.
O mundo judeu e a vida grega são lados abstratos do espírito,
superados pelo cristianismo, mas nele recolhidos enquanto marcas
do pretérito. A vida cristã é feita de instantes que surgem e superam­
-se no tempo. A maior experiência da religião inaugurada por Jesus
é a da morte de Deus.

Deus morreu, este é 0 pensamento mais terrível: tudo 0 que é eterno e verdadeiro, não
é. A negação c 0 próprio Deus, à qual se une a dor mais elevada, 0 sentimento da completa
perdição, a renúncia de tudo 0 que é mais elevado. Mas 0 curso não se detém aqui, porém
vai até a sua efetivação, Deus persiste neste processo que é apenas 0 da morte da morte.
Deus retoma em vida, se transforma no seu contrário. A ressurreição pertence essencial­
mente à fé. O Cristo apareceu após a sua ressurreição apenas para os seus amigos. Esta
não é uma história externa para os incrédulos, mas apenas uma aparição para a fé 21.

O registro da história externa é o da humanidade comum, parti­


lhada pelo Jesus professor de verdade. Neste plano, diz Hegel, quase
não há diferença entre Cristo e 0 mestre de Platão.

Também Sócrates conduziu à consciência da interioridade [...] também ele ensinou


que o homem não deve ater-se à autoridade habitual, mas deve buscar uma convicção
e agir segundo ela. São individualidades análogas e destinos análogos. A interioridade
de Sócrates foi contrária à fé religiosa de seu povo, como à constituição do Estado, e
por este motivo Sócrates foi justiçado; também ele morreu pela verdade.

Mas Cristo possui uma “interioridade infinitamente maior do que


a de Sócrates”. No plano moral temos, pois, uma analogia entre a
“história exterior de Cristo, a qual é válida mesmo para os incrédulos,
como vale para nós a história de Sócrates”.

jaez traem de modo absoluto 0 desejo de Hegel de colocar sobre o Jesus histórico
as roupagens da Critica da Razão Prática. Nenhum espanto se 0 indivfduo Jesus,
de carne e osso, desapareceu neste horizonte do ideal e do racional. Uso a tradu­
ção italiana dc N. Vaccaro e E. Mini, Hegel, Scritti Teologici Giovanili, Napoli,
Guida, 1977, vol. 1, pp. 119 e ss. Um dos mais importantes biógrafos de Hegel,
Karl Rosenkranz, afirma que o filósofo ficou muito pouco satisfeito com a Vida
de Jesus que produziu. Ele pretendia realizar uma “exposição mais completa deste
assunto”. Mais um plano frustrado na longa crônica do saber filosófico, quando
enfrenta a história (cf. Vita di Hegel, Firenze, Mondadori, 1974, p. 72).
27 Eu sublinho. “Christus is nach seiner Auferstehung nur seinen Freuden erschie-
nen; dies ist nicht ãusserliche Geschichte für den Unglauben, sondem nur für den
XXII JESUS

Mas a verdadeira história de Cristo é diferente, pois nela Jesus


não é mais apenas um mestre de verdade ou de moral. Na morte, ele
revelou a natureza divina. A fé, então, mostra-se absolutamente para
a consciência “como a verdade absoluta, daquilo que Deus é em si e
para si”. Assim, o cristianismo não se reduz apenas à moralidade, mas
o seu interesse “é urna infinita relação com Deus, com 0 Deus presente,
a certeza do reino de Deus, uma satisfação não com a moralidade, não
com 0 costume social, mas na consciência”. A morte de Cristo, de um
lado, “a morte de um homem, de um amigo, que foi morto com vio­
lência”. Mas “concebido de modo espiritual, ele se toma a salvação,
0 centro de reconciliação”28.
Duas histórias: a da fé, destinada a ser vivida e pensada pelos
crentes e a história exterior, sem maior relevância.

Se Cristo for considerado como Sócrates, o vemos enquanto homem comum,


como dele pensam os maometanos, um enviado por Deus à semelhança dos outros
grandes homens que são, em geral, mensageiros divinos. Se dissermos apenas de Cristo
que ele é 0 mestre da humanidade, mártir da verdade, não atingimos 0 ponto de vista
religioso. Este lado humano em Cristo, a sua aparição como homem vivo é um lado e
devemos mencionar apenas de modo breve os seus momentos2” 9.

Gérard Lebrun indica o aspecto fundamental desta concepção


hegeliana sobre a vida e a morte de Jesus. Com ela, a religião supe­
rior rompe as cadeias da Grécia, a visibilidade plena, e os vínculos
judaicos, 0 império da lei objetiva. Após a morte de Cristo, “Deus,
finalmente, não é mais visível; ele revelou-se menos ao encamar-se,
do que ao se despojar de seu corpo mortal”30. O tempo histórico é
apenas expressão do Eterno31.
A vida empírica de Jesus não possui maior relevância, e sim o
mundo de pensamentos, vontades, que se afirmaram na marcha do
espírito divino, revelado aos homens na sua invisível consciência.
Segundo Hegel os dogmas religiosos cristãos, enquanto não forem
pensados conceitualmente pela filosofia, sem dependências com a
história externa, não constituem “eventos que ocorreram outrora,
no tempo, mas realidades eternamente atuais porque puramente

Glauben ist die Erscheinung”. Cf. “Vorlesungen ilber die Philosophic der Reli­
gion”, em Werke in zwanzig Bünden, FAM, Suhrkamp, 1969, vol. 17, II, p. 290.
28 Cf. a edição italiana das Lições: E. Oberti e G. Borruso, Lezioni sulla filosofia
delia religione, Bolgona, Zanichelli, 1974, vol. II, pp. 371 e ss. (cf. também a
tradução de J. Gibelin, Leçons sur Ia Philosophie de Ia Religion, Paris, Vrin,
1975,111, 1, pp. 161 e ss.).
29 Lezioni sulla filosofia delia religione... ed. cit., p. 358.
30 G. Lebrun, La patience du concept, Paris, Gallimard, 1972, p. 34.
31 “A filosofia é a compreensão intemporal do próprio tempo e de um modo geral de
todas as coisas do ponto de vista de sua predestinação eterna” (Filosofia da Natureza,
citado por A. Comu, Karl Marx et Friedrich Engels, Paris, PUF, 1955,1.1, p. 42.).
APRESENTAÇÀO XXIII

espirituais. Sua positividade vem do fato de que exprimem em ter­


mos da representação ( Vorstellung) a própria vida do Espírito”32.
É ao redor dessa marca religiosa que se erigiu a interpretação dos
chamados “jovens hegelianos”. A filosofia definiu-se como 0 conhecí-
mento científico pleno, enquanto as demais formas do espírito, dentre
elas a religiosa, operariam com representações, desde a mais primi-
ti va superstição até as sublimes doutrinas eclesiásticas. Todas elas
não atingiríam a plenitude do conceito. Seus conteúdos deveríam ser
entendidos enquanto representações, nada mais. Os jovens hegelianos
enxergaram na filosofia religiosa de Hegel três elementos frágeis. Em
primeiro lugar, perguntaram eles, poder-se-ia pretender, sem deformar
a religião, transformar em conceitos o conteúdo da fé? Como fazer,
visto que a filosofia reside no Eterno, para enquadrar a história, tem­
poral e particularizada de certa religião, com a verdade racional? Além
disso, como a ideia geral da mediação entre Deus e o homem, 0 Cristo
seria compatível com a existência do Jesus histórico? Se, como dizia
Hegel, Deus se realiza progressivamente na história humana, 0 que
seria 0 Cristo, senão um momento desta marcha do espírito? A religião
cristã, mesmo ela, teria 0 seu instante de “supressão que conserva”
(Auftiebung) caindo para sempre, enquanto suposta forma autônoma,
no abismo do pretérito3334.
A Vida de Jesus, de D. F. Strauss, tentou esclarecer as dúvidas
levantadas pelos críticos de Hegel, rompendo as amarras entre a reli­
gião e a filosofia, de um lado, e tentando ler o elemento histórico sem
as lentes filosóficas ou religiosas. Assim, Strauss negou que os dogmas
poderíam ser reduzidos a conceitos filosóficos, sem alterar o conteúdo
da religião. Ao contrário de Hegel,

que pretendera poder-se negligenciar no estudo da religião cristã a sua realidade his­
tórica, os relatos bíblicos e evangélicos, para se apegar ao seu conteúdo simbólico,
ele considerava que estes relatos constituíam a essência da religião cristã e via nos
Evangelhos não símbolos filosóficos, mas, sim, mitos que traduziam as aspirações
profundas do povo judeu”54.

Assim, entra em pleno foco a historicidade de Jesus. Strauss ima­


ginou, de início, que tínhamos apenas uma ideia incompleta e defor­
mada do Cristo. E desejou extrair dos Evangelhos a “verdadeira”
figura de Jesus. Esta tentativa fracassou. O historiador foi conduzido
a romper com a concepção de um Jesus histórico.

32 H. Niel, De Ia mediation dans Ia philosophic de Hegel, Paris, Aubier, 1945, p.


330.
33 Para a análise detalhada destes passos, conferir A. Comu, op. cit., pp. 138 e ss. As
referências que faço a seguir têm como fundamento 0 trabalho deste importante
historiador do pensamento marxista.
34 A. Cornu, op. cit., p. 138.
XXIV JESUS

Retomando a noção de um Deus impessoal, cuja existência se confunde com a da


humanidade, implicitamente contida na cristologia hegeliana, Strauss negou a historiei-
dade de Jesus, a quem ele atribuiu apenas um valor simbólico, sustentando entretanto,
contra Hegel, que 0 Cristo, longe de constituir uma revelação total do Espírito divino,
dele representa apenas um momento essencial e que apenas a humanidade fornece no
curso dc seu desenvolvimento uma imagem completa de Deus” .

A partir dessa maneira de pensar 0 cristianismo enquanto mito,


projeção do intelecto e da vontade humanos num Além que mora ape­
nas na representação, desenvolveram-se as mais importantes filosofias
da cultura moderna. Todas elas, com fortíssimas críticas a Hegel,
de um lado, e às Luzes, de outro3536. Assim, as teorias antropológicas de
Ludwig Feuerbach, que enxergam em Jesus uma realização imaginária
do desejo humano fundamental: “ver a Deus, este é 0 desejo supremo,
este 0 triunfo supremo do coração. O Cristo constitui este triunfo, a
realização deste desejo”37. Mas no indivíduo é preciso ver um elo ape­
nas da grande cadeia do verdadeiro Deus, a Humanidade. A história do
homem singular tem significado apenas enquanto representa as con­
tradições mais elevadas do ser humano. Enquanto integrante de uma
cultura particular, 0 homem Jesus não apresenta nenhum interesse.
Aliás, no plano da história, Feuerbach inicia um dos ataques mais
virulentos contra a cultura judaica, ataque antissemita só ampliado
por seu discípulo Richard Wagner38. A razão é Deus e homem, ela é
0 único absoluto reconhecido a partir de agora.
A história moderna oscilou entre esse sentido racional (os posi­
tivismos e os marxismos exemplificam 0 pêndulo entre um absoluto
lógico e as desventuras do empírico) e a busca cautelosa do passado.
De Strauss a Rudolf Bultmann39, a análise do cristianismo enfrentou

35 A. Comu, op. cit., pp. 138-139.


36 ¡dem, ibidem.
37 A via satírica, empregada contra Hegel e as Luzes, encontra-se com facilidade em
filósofos e especialistas na teologia bíblica, como Bruno Bauer. Basta ler o cortante
panfleto A Trombeta do Juizo Final, contra Hegel, Ateu e Anti-Cristo. Um Ultimato
(1841). Bauer, fingindo-se um crente piedoso, mostra todos os lugares em que Hegel
manifesta sua atitude racionalista, ímpia, inimiga do judaismo e férvida admiradora
dos gregos e das Luzes francesas (cf. La Trompette du jugement dernier. Contre
Hegel, l'Athée et l 'Antichrist, trad. H. A. Baatsch, Paris, Aubier, 1972).
38 Cf. Das Wesen des Christentums, Stuttgart, Philipp Reclam Jun,, Universal-
-Bibiiothek, 1972, p. 229. Leia-se o capítulo sobre “O Significado da Criação no
Judaismo”, onde Feuerbach proclama ser a religião judaica egoísta, um culto que
não ultrapassa a experiencia do estômago e que jamais se eleva às alturas (gregas)
da teoria. Das Wesen... pp. 184 e ss. (cf. M. Xhauffalire, Feuerbach et la Thélogie
de la Secularisation, Paris, Cerf, 1970. Adriana Veríssimo Serrão, Â Humanidade
da Razão. Luthvig Feuerbach e o Projecto de uma Antropolgia Integral, Lisboa,
Calouste Gulbenkian, 1999.
39 R. Bultm ann (1884-1976): Die Geschichte der synoptischen Tradition.
Gõttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1970; Geschichte und Eschatologie,
Tübingen, 1958; Nuevo Testam entoy M itologia, trad. A. Bonano, 1998.
APRESENTAÇÃO XXV

a encruzilhada que se oferece entre a historia e a filosofia, O resul­


tado foi o esvaziamento da figura histórica de Jesus, em proveito de
filosofemas, mitemas, ou da simples corrosão cultural de valores.
Dos antissemitismos idealistas ou materialistas gerados nos sistemas
modernos, à luta de Bultmann contra o nazismo, os pensadores que
mergulharam nas águas filosóficas ajudaram a esvaziar a figura his­
tórica de Jesus.
A descoberta dos manuscritos do Mar Morto40 deram nova infle­
xão na longa e demorada crónica da vexata questio sobre a pessoa de
Cristo. Em 1947, alguns beduinos encontraram vários rolos antigos. A
história que fornecem mudou a interpretação das origens e das muitas
faces do cristianismo e de sua inserção na cultura. Boa parte do traba­
lho de David Flusser deve-se às fontes documentais postas à luz com
aqueles documentos. O leitor fica, a partir de agora, com a narrativa
fascinante do historiador. Neste pequeno texto, desejei apenas lembrar
que a cultura moderna possui uma tradição filosófica que retirou toda
substância do Jesus concreto, em nome de conceitos, idéias, sistemas.
Se importa pensar a religião, nem sempre os ensaios dos maiores
teóricos modernos, de Spinoza a Hegel, foram felizes diante de uma
pessoa que recolheu esperanças da Humanidade, dando-lhes sentido.
O texto de Flusser não “resolve” as dificuldades postas pelos víncu­
los entre Cristo e Jesus. Mas fornece uma luz nova da personagem,
dando-lhe carne e cores bem definidas: a de seu povo judeu.

R o b er to R o m a n o
D ep a rta m en to de F ilosofia-U nicam p

40. A bibliografia é imensa. Cito apenas dois livros que me parecem interessan­
tes para a rem em oração do assunto: H.E. M edico, The Riddle o f the Scrolls,
London, Burke, 1958; M. Burrows, More Light on the D ead Sea Scrolls,
New York, The Viking Press, 1958.
Preâmbulo à Edição Brasileira

O criticismo bíblico remonta aos próprios tempos da formação do


cânone hebraico do Velho Testamento e aos do Novo Testamento, uma
vez que ambos são 0 resultado de uma seleção de textos que exigiram
a adoção de critérios de escolha pelos quais foram rejeitados certos
escritos e aceitos outros. O estudo sistemático das Escrituras Sagradas
entre os cristãos tem suas raízes mais longínquas nas escolas de Ale­
xandria e Antioquia, bem como na dos Padres Latinos do Ocidente.
Tanto exegetas judeus quanto cristãos, desde que os cânones do Velho
e Novo Testamentos foram estabelecidos, procuraram conhecer 0 nexo
das palavras da mensagem divina. Deve-se aceitar que a necessidade
de traduzir as Escrituras Sagradas de sua língua original ao grego, ao
latim, ao siríaco e a outros idiomas, demandaria uma atividade exegé-
tica ímpar de parte daqueles que se empenhavam com zelo e minúcia
a não se desviar do significado dos termos que compunham 0 texto
atribuído à inspiração divina a ser transcrito. Nesse sentido, durante
a Idade Média, realizou-se, através dos sábios judeus, em particular
em Córdoba, um labor filológico imenso que resultou no aprimora­
mento sistemático do estudo da gramática da língua hebraica. Por
outro lado, a crítica de Rogério Bacon ao clero cristão, por deseo-
nhecer 0 hebraico e 0 grego para melhor entendimento das Escrituras
Sagradas, chamou a atenção para a necessidade de os estudiosos de
seu tempo dedicarem-se a essas línguas e não se restringirem apenas
ao estudo da Vulgata, a difundida tradução latina de São Jerónimo. A
influência da exegese hebraica, da hebraica veritas, sobre a exegese
XXVIII JESUS

cristã nesse tempo e, em particular, sobre a escola dos Vitorinos, como


bem demonstrou Beryl Smalley, em seu clássico The Study o f the Bible
in the Middle Ages, foi notável.
Com 0 movimento da Reforma, que se inclinou para o método do
sensus literallis, ganharam novo impulso os estudos bíblicos, ao mesmo
tempo que o humanismo do Renascimento pavimentava o caminho para
o conhecimento das fontes antigas, aprimorando o olhar crítico sobre
os textos históricos e eclesiásticos relativos ao cristianismo. Também o
racionalismo do pensamento filosófico moderno, a partir de Descartes,
Spinoza, Hugo Grotius, John Locke, chegando a Lessing e Kant, prop¡-
ciou a gestação de urna nova postura em face dos escritos sagrados e das
verdades teológicas indiscutíveis e estabelecidas como tais, propondo
uma leitura da Biblia como a de qualquer outro livro, requerendo uma
atenção especial para com a língua original e as circunstâncias históricas
que levaram à sua elaboração. Estava implícito nessa concepção 0 desejo
de inaugurar um acordo universal, baseado na tolerância, com respeito
ao conteúdo moral existente no texto escriturai e pavimentar 0 caminho
para uma religião espiritual. Um dos precursores desse racionalismo apli­
cado aos estudos bíblicos foi Richard Simon (f. 1712), autor da Histoire
critique du texte, des versions et des commentateurs du Vieux Testament.
Sua obra veste-se da crítica literária e histórica que duvida da origem
mosaica do Pentateuco, objeta à autenticidade de certos livros e utiliza­
-se do método literal-histórico no modo de interpretá-los em oposição
ao método alegórico-místico, próprio de seu tempo.
De fato, no século XVIII, a crítica racionalista das Escrituras
difunde-se amplamente e encontra sua primeira manifestação radical
em Johann Salomo Semler (f. 1791), cuja Abhandlungzurfreier Unter-
suchung des Kanons (Ensaio para uma Livre Investigação do Canône)
a sistematiza com base na concepção de que a Bíblia é uma obra a ser
examinada com os mesmos critérios humanos aplicados a qualquer
outra, isto é, isenta de pressupostos dogmáticos, devendo-se considerar
toda intervenção sobrenatural da divindade registrada no texto como
puramente legendária. A figura de Jesus é encarada como humana e
a de um ser que vive a expectativa messiânica de seu tempo a fim de
apresentar-se como Messias, sendo os Evangelhos um conjunto lite­
rário lendário a idealizar a figura do Cristo. A partir de Semler, uma
plêiade de estudiosos passou a adotar uma postura científica aproxima­
damente similar, com variantes pessoais, figurando entre eles Johann
Gabler, Jean Astruc, W. M. L. de Vette, J. C. Eichhom na investigação
do Velho Testamento, ao lado de estudiosos e pensadores que viveram
também no século XIX, como H. E. Paulus, F. C. Baur, D. F. Strauss,
B. Bauer e E. Renan, cuja Vie de Jesus, editada em 1863, inicia uma
série importante de trabalhos sobre a história do cristianismo. Um
ano antes, ao tomar posse da cadeira de hebraico na Universidade de
PREÂMBULO A EDIÇÃO BRASILEIRA XXIX

Paris, Renan levantou enorme celeuma ao usar, com referência a Jesus,


a expressão “um homem incomparável”, sendo obrigado pouco tempo
depois a interromper as suas aulas por pressão dos círculos ligados à
Igreja Católica. Foi nessa ocasião que estudiosos, como W. M. L. de
Wette, que relacionava 0 livro do Deuteronômio à reforma de Josias,
chegaram a admitir que o Pentateuco era composto de uma multipli­
cidade de fragmentos originários de períodos diferentes, 0 que provo­
caria 0 surgimento da hipótese yahveísta e elohista, de início proposta
por Jean Astruc em relação ao Gênese e estendida por J. G. Einchom
a todos os cinco livros de Moisés. Uma variante desta corrente seria a
obra de Heinrich Ewald, que formularia a hipótese dos suplementos, na
qual uma fonte “yahveísta” teria completado uma fonte anterior funda­
mental, denominada por ele “elohista”. Um outro passo seria dado, na
medida em que a proposta anterior não solucionava todas as dificul­
dades encontradas, com a renovação da hipótese da multiplicidade de
documentos, elaborada por E. Reuss, K. H. Graf e A. Kuenen, e aperfei­
çoada por J. Wellhausen, 0 qual estabelecería quatro fontes fundamen­
tais: yahveísta, elohista, deuteronomista e sacerdotal. Durante muito
tempo foi esta a teoria predominantemente aceita pelos estudiosos das
Escrituras Sagradas. O autor estabeleceu uma verdadeira síntese da his­
tória e da religião de Israel nos tempos bíblicos, numa linha de evolução
que vai desde o “animismo”, manifesto no período dos Patriarcas, até
o “monoteísmo ético”, dos Profetas do século VIII. A influência mais
poderosa de Wellhausen deu-se na exegese protestante que adotou não
só os seus métodos de análise documental dos livros sagrados, como a
sua preocupação no tocante à cronologia da redação dos fragmentos e
do conjunto, e a sua tentativa de recuperar a evolução ocorrida na litera­
tura bíblica etc. Na mesma época, alguns hermeneutas já haviam come­
çado a fixar-se na questão dos gêneros literários, que assumiu grande
importância nos estudos escriturais. No entanto, a linha evolucionista do
sistema de Wellhausen, amplamente difundida, foi posta em dúvida, e
isto, em boa parte, devido aos achados arqueológicos que vinham sendo
feitos no Oriente Médio, mais acentuadamente desde o século XIX, e
que, mais tarde, com a criação da Universidade Hebraica de Jerusa­
lém, tomaram grande impulso na região mesma onde os acontecimentos
relacionados às narrativas bíblicas ocorreram. Desde as descobertas de
novos documentos, em especial os papiros que começaram a ser siste­
maticamente explorados por Flinders Petrie, ainda no final dos anos 80
daquele século, que trouxeram à luz textos gregos contemporâneos que
possibilitaram comparações com 0 grego do Novo Testamento, em muito
se enriqueceu 0 nosso conhecimento sobre os Evangelhos. Na verdade,
houve uma mudança de enfoque na interpretação do contexto histórico
da vida de Israel e de sua literatura. De um apriorismo filosófico, em
que esta visão se baseava, ela passou a graduar-se por um conhecimento
XXX JESUS

prático decorrente dos subsídios arqueológicos, que permitiu a revisão


de velhas hipóteses e a criação de outras graças às novas evidências
materiais. O protagonista principal desse novo criticismo foi Hermann
Gunkel, cuja concepção, iniciada entre os anos de 1919 e 1922, tem
de um lado, vínculos com a corrente da Religionsgeschichte (história
das religiões) e, de outro, com a que se denomina Formgeschichtliche
Methode (método da história das formas), sendo os seus teóricos Martin
Dibelius, Karl Ludwig Schmidt e Rudolf Bultmann. Segundo Bultmann,
referindo-se aos Evangelhos, estes seriam uma coleção ou redação de
uma literatura essencialmente popular, gerada no seio da Igreja primitiva
para atender basicamente às suas necessidades. A concepção de Gunkel
tende a inserir os textos bíblicos quer sob 0 aspecto de seu conteúdo,
quer da “forma literária”, no amplo contexto das literaturas do antigo
Oriente. Sua fundamentação teórica busca no meio-ambiente onde tive­
ram origem a razão vital que lhes deu existência, constituindo o conceito
fundamental de seu “método” aquilo que ele denomina Sitz im Leben. Na
medida em que sabemos que 0 Sitz im Leben de cada sociedade antiga
possui a sua “forma” (Gattmg), esta poderá ser melhor compreendida à
luz do outro. Em suas obras, Die Sagen der Genesis e Einleitnng in die
Psalmen, e outras, estabeleceu categorias que ainda são aceitas hoje em
dia pelos especialistas e influenciou 0 importante trabalho de Sigmund
Mowinckel, cujo estudo sobre os Salmos concluiu serem eles hinos de
culto e lamentos para uso religioso, entre os quais um certo número
pertencería à celebração anual do Ano Novo e à entronização de Jeová
como rei. Contudo, cumpre assinalar que nenhum método e nenhuma
teoria na área de estudos bíblicos é absoluta e, apesar da aceitação geral
do método crítico de Gungel, muitas são as questões que se propõem
em face de seus aspectos teóricos e mesmo de sua aplicabilidade textual.
Sob um olhar retrospectivo, as diferentes escolas de crítica escri-
tural acabariam por abrir novas portas para a investigação. A liberal é
representada mais precisamente, entre outros pesquisadores e estudio­
sos importantes, por Ewald, Wellhausen e A. von Hamack. Este último,
que viria a falecer em 1930, deu uma contribuição científica em que
tentou demonstrar que os Logia, dos quais dependeríam os Evangelhos
de Mateus e Lucas, seriam obra de Mateus e teriam sido compostos por
volta do ano 50. Assim, Marcos seria um pouco posterior e, juntamente
com os Atos dos Apóstolos, obra de Lucas. O último Evangelho teria
sido escrito por João, o presbítero, seguindo uma tradição de João, o
apóstolo; mas, nem por isso, a polêmica sobre a primariedade dos textos
dos Evangelhos encerrou-se por aí, pois ela continuaria até os nossos
dias. O estudo dos ditos ou Logia de Jesus ainda levantaria 0 problema
da autenticidade destes e, como bem formulou Rudolf Bultmann em
sua History o f the Synoptic Tradition (versão inglesa, Londres-New
York, 1963), “só podemos estar certos de ter uma imagem genuína de
PREÂMBULO λ EDIÇÃO BRASILEIRA XXXI

Jesus quando, de um lado, se exprime 0 contraste entre a moralidade e


a devoção judaicas e a inclinação escatológica distinta que caracteriza
a pregação de Jesus, e quando, de outro lado, não encontramos traços
específicamente cristãos”. A escola representada, entre outros, por A.
Schweitzer, J. Weiss, A. Loisy, sublinhava 0 aspecto escatológico da
vida e ensinamento de Jesus, tendo como fundo histórico a expectativa
messiânica judaica da época, que prognosticava uma transformação
universal e a aceitação espiritual do judaísmo. Jesus anunciava e pre­
gava a preparação dos homens ao que lhe parecia ser iminente, sem
que pretendesse criar qualquer instituição. Nesse sentido, a leitura dos
textos dos Evangelhos exigiría uma atenta seleção do que é autêntico e
do que passava a ser considerado interpolação posterior para fins dog­
máticos. De outra parte, a escola histórica das religiões comparadas,
configurada por Gunkel, F. C. Burkitt, Richard Reitzenstein, voltava­
-se para um melhor conhecimento da literatura oriental e enfocava 0
conjunto dos Evangelhos como fruto de elementos provenientes dos
mundos judaico, oriental e grego. A sua busca, para 0 entendimento dos
Evangelhos, levou-os ao estudo comparativo dos mistérios pagãos, do
gnosticismo, do mandeísmo, do mitraísmo, do hermetismo e dos múlti-
pios aspectos das religiões orientais. Boa parte desses críticos fixaram­
-se no estudo do impacto da religião dos mistérios helenísticos sobre 0
cristianismo, tendo formulado várias teorias a seu respeito, com inclu­
são do papel mediador do judaísmo. Por fim, 0 método da história das
“formas”, que efetivamente começa com a obra Die Formgeschichte
des Evangeliums, publicada em 1919 por Martin Dibelius e que teve
como adepto também 0 destacado estudioso Rudolf Bultmann além de
outros, procurava indagar como se formaram e se transmitiram os pri­
meiros relatos sobre Jesus, antes que se fixassem em “formas literárias”
nos Evangelhos. Em seu conjunto, consideravam os Evangelhos como
coletâneas de tradições, cada qual modelada com um certo número de
formas populares, tais como parábolas, apotegmas, histórias a encerrar
conflitos, tendo cada forma brotado de uma necessidade da vida reli­
giosa da comunidade. Tratava-se de uma investigação do substrato pri­
mitivo de uma tradição elaborada e transmitida em um curto período nas
comunidades palestinenses e helenísticas. Essa tradição oral, que parte
da catequese e da pregação viva, comporia a matéria-prima da Igreja
primitiva e estaria ligada intimamente ao culto da seita dos nazarenos
e, mais tarde, ela seria compilada por escrito.
Todas essas escolas afirmavam as qualidades singulares da perso­
nalidade de Jesus de Nazaré, ao mesmo tempo que apontavam a sua
humanidade destituída de qualquer ambição em fundar uma Igreja e
pretender a divindade. Inegável, porém, é que, apesar dessa possível
classificação e reconhecimento da existência de “escolas” nos estudos
bíblicos, creio que 0 exame da obra de um estudioso de nossos dias,
XXXII JESUS

como no caso de David Flusser, nos leva a concluir que a interinfluén-


cia entre elas é seu traço predominante, e que todo grande scholar na
área dos estudos bíblicos é herdeiro de uma extraordinária tradição de
erudição e investigação científica realizada, por elas e seus expoentes,
durante os últimos duzentos anos, aproximadamente. Importa aínda des­
tacar que, dentro desse momento científico que engloba, grosso modo,
a escola históríco-crítica e das religiões comparadas, assim como as
derivadas dos rumos provocados pelos “modernistas” da Igreja Cató­
lica, encontramos um movimento que tende a procurar os fundamentos
da religião cristã não em outras fontes, senão no Antigo Testamento e
na literatura religiosa do judaísmo. Sob esse prisma, autores como H.
L. Strack & P. Billerbeck, !Comentar zum Nenen Testament aus Talmud
und Midrasch, assim como 0 Theologisches Wórterbuch zum Neuen
Testament, iniciado por G. Kittel e continuado por G. Friedrich, têm
uma importância especial. Os achados do Mar Morto trouxeram à luz
textos e documentos reveladores de estratos da religiosidade judaica
que permitiram entender melhor a gestação espiritual do cristianismo
e 0 conteúdo dos Evangelhos, evidenciando os pontos de contato entre
o cristianismo primitivo, a seita de Qumran ou dos essênios, o mundo
espiritual dos fariseus e a literatura rabínica, iluminando pontos obscuros
da literatura neotestamentária. Porém, estes não foram as únicas grandes
descobertas dos últimos cinquenta anos, uma vez que os textos de Nag
Hammadi, assim como os pseudoepígrafos do Velho e Novo Testamento,
abriram nossos olhos para aspectos ainda não conhecidos e criaram uma
nova visão da época em que viveu Jesus, permitindo uma compreensão
maior de passagens obscuras do Novo Testamento. Mas tudo isso está
também associado a um laborioso trabalho de crítica de texto que vem
se fazendo ao longo tempo, na tentativa de restaurar os textos originais -
tarefa das mais árduas se for levada em conta a extraordinária quantidade
desses manuscritos e fragmentos, acima de 5.000, entre os quais não se
encontra nenhum autógrafo e dificilmente dois documentos iguais. Esse
criticismo textual, que por seu aspecto técnico é apenas um elemento
coadjuvante da crítica bíblica, já levantara no século XVIII a hipótese
de que Mateus não fosse, cronologicamente, o primeiro dos Evangelhos
sinópticos, 0 que levou Eichhom a estabelecer a hipótese da existência
de duas fontes aramaicas, sendo uma usada por Mateus, Lucas e Marcos,
e a outra por Mateus e Lucas, sem que 0 trabalho de estabelecimento aí
se esgotasse, permanecendo aberto a novas especulações, à medida que
os textos são cuidadosamente comparados e estudados. Mas há outras
fontes importantes para a crítica textual e elas são as traduções antigas,
efetuadas a partir do grego para outras línguas como 0 latim, existindo
desde 0 século II de nossa era as versões para o siríaco e o copta. Além
do mais, as citações do Novo Testamento feitas pelos Padres da Igreja
em seus escritos, não podem ser dispensadas na atividade crítica, pois
PREÂMBULO À EDIÇÃO BRASILEIRA XXXIII

fornecem elementos preciosos para este trabalho, do mesmo modo que


os textos litúrgicos com menções escriturísticas são elementos indis­
pensáveis para o mesmo labor interpretativo. Mais recentemente, ou
melhor, desde os inícios do século XX, novas tendências ou métodos
de crítica bíblica, filiados ao criticismo literário, por não se restringirem
fundamentalmente à história e enfocarem antes de tudo o texto escrito,
incorporaram a velha crítica de fontes, chegando a melhores resultados,
ao se concentrar nos Evangelhos e indicar Marcos, além de uma fonte
desconhecida, denominada Q (de Quelle), como precedendo e servindo
aos demais Sinópticos. Próximo, e de certa maneira ligado a essa tendên­
cia, encontra-se o criticismo de redação - cunhado por Willi Marxsen,
nos anos 50, como Redaktionsgeschichte, que visa à composição final dos
textos escriturais, perscrutando 0 uso que um evangelista, como Marcos,
faz da tradição oral por ele recebida, e também inquire como os Evange­
lhos posteriores se relacionam com os que os antecederam. Associado a
isso, cabe ainda lembrar o criticismo de gênero que, na verdade, recorre
ao estudo do gênero literário ou à identificação, análise e classificação
de um texto através de sua forma, isto é, do estilo e conteúdo do material
bíblico comparado a outros escritos, a partir do pressuposto de que a cias-
sificação permite uma interpretação mais apurada. Em todas essas abor­
dagens surge uma clara e afirmativa inclinação do assim chamado novo
criticismo literário, no sentido de que a Bíblia deve ser estudada e inter­
pretada com os mesmos métodos vigentes em outro tipo de literatura.
Lembramos aqui alguns marcos significativos da longa trajetória
e dos caminhos percorridos pelos estudos bíblicos a fim de melhor
avaliarmos a contribuição dada por David Flusser com seus artigos e
livros, durante as várias décadas de sua atividade científica como pes­
quisador e professor de religião comparada na Universidade Hebraica
de Jerusalém, desde 1962. Nascido em 1917, na cidade de Viena, estu­
dou na Universidade de Praga, tendo desde cedo se interessado pela
história das religiões, e para isso encontrou, sem dúvida, condições bas­
tante propícias na atmosfera arejada e multicultural reinante na encan­
tadora metrópole tcheca. De início, seus trabalhos concentraram-se na
temática do cristianismo e, em especial, do Novo Testamento, esten­
dendo-se depois ao estudo do judaísmo do período do Segundo Templo
e, em especial, dos manuscritos do Mar Morto, da seita de Qumran
e sua relação com a literatura neotestamentária, bem como ao texto
medieval conhecido sob 0 nome Sefer Josippon. O profundo conheci­
mento dos escritos neotestamentários e da Patrística, juntamente com
o das fontes gregas, latinas e hebraicas da época, associado a urna refi­
nada penetração e interpretação filológicas, fez do conjunto da obra de
Flusser um referencial científico nessas áreas de investigação e crítica
histórica e textual. Basta-nos a leitura da coletânea sob o título Yaha-
dut uMekorot haNatzrut, editada em 1979, {Jewish Sources in Early
XXXIV JESUS

Christianity, Tel Aviv, Sifriat Poalim), para se ter uma ideia da dimen­
são e da originalidade de seu trabalho. O artigo “The Dead Sea Sect
and Pre-Pauline Christianity” (Scripta Hierosolymitana, Jerusalem,
1958) figura entre as análises mais significativas sobre 0 assunto. Da
mesma relevância são os estudos que realizou sobre o Josippon, entre
os quais “Mechaber Sefer Yosiphon, dmuto vetekufato” (“O autor do
Sefer Josippon, Sua Personalidade e Seu Tempo”, Zion, 18, 1953).
O presente livro, editado originalmente em alemão, sob o título
Jesus in Selbstzeugnissen und Bilddokumenten, apareceu no mesmo
ano, em 1968, em inglês, sendo reeditado nessa língua em 1997, e logo
no ano seguinte conheceu uma nova edição corrigida e aumentada, que
serviu de base para a tradução portuguesa. O título Jesus não define
a obra como uma biografia propriamente dita, pois ela envolve bem
mais do que isso, por seu rico conteúdo histórico, filológico e espiri-
tual-religioso adstrito ao mundo judaico que serviu de pano de fundo à
pregação do Nazareno e seus apóstolos e seguidores. As “biografias”,
ou os estudos sobre a vida do Jesus histórico, como ponto de partida
e pressuposto para o entendimento do cristianismo e suas origens,
acumularam uma imensa biblioteca refletindo correntes, concepções
e posturas religiosas de seus autores. Desde o século XIX, quando a
rejeição da cristologia ortodoxa passou a manifestar-se abertamente
no meio acadêmico, a figura do Nazareno foi objeto de numerosas
investigações que nem sempre ficaram isentas de convicções pessoais
e preconceitos. Desde a Vida de Jesus, de David Friedrich Strauss,
publicada em 1835, e a de Ernest Renan, lembrada acima, e os autores
do século XX já mencionados, passando pelos teólogos protestantes,
que se empenharam na busca da essência do cristianismo e da confi­
guração inevitável de um Jesus histórico, foi percorrida uma grande
distância que a inestimável e valiosa obra de David Flusser vem con­
firmar. A ênfase dada por ele ao valor do Novo Testamento como fonte
indispensável para 0 estudo do judaísmo e, do mesmo modo, o da lite­
ratura rabínica para o entendimento dos escritos neotestamentários,
resulta numa notável intuição em seu método de pesquisa. Se a busca
do Jesus histórico perfaz quase dois séculos, foi nos últimos cinquenta
anos, ou a partir da descoberta dos manuscritos do Mar Morto, que se
começou a redesenhar um novo panorama espiritual do judaísmo do
Segundo Templo e sua conexão com 0 conteúdo do Novo Testamento.
Paralelamente a esse começo, a famosa conferência de E. Kãse-
mann, em 1953, lembrada pelo Prof. James H. Charlesworth - que
reconhece a influência da obra de Flusser - em seu livro Jesus within
Judaism, assinalou de fato “A Nova Busca do Jesus Histórico”,
tendência da atual pesquisa que 0 estudioso alemão G. Bomkamm
sintetizou no seu livro Jesus o f Nazareth. Nesse sentido, devemos
lembrar ainda a obra de Charlesworth que, ao citar um estudioso
PREAMBULO A EDIÇÀO BRASILEIRA XXXV

contemporâneo, E. P. Sanders, Jesus and Judaism, afirma: “A opi­


nião predominante em nossos dias parece consistir em que podemos
conhecer muito bem 0 que Jesus queria fazer, que podemos saber
muito do que ele disse, e que essas duas coisas fazem sentido no con­
texto da história do judaísmo do primeiro século”. O autor do Jesus
within Judaism, comentando e questionando a concepção do já citado
erudito Rudolf Bultmann, que elaborou sua obra sobre 0 fundador do
cristianismo nos anos 20, dirá que a vida e 0 pensamento de Jesus não
podem ser reduzidos a um dos “pressupostos históricos” da teologia
do Novo Testamento. Os sonhos, as idéias, os símbolos e os termos
de seus primeiros seguidores foram herdados diretamente de Jesus.
Graças a descobertas e publicações que vêm renovando basicamente
0 modo de avaliar a questão, tais sonhos, idéias, símbolos e termos
são vistos como profundamente entranhados no mundo e no pensa­
mento do Judaísmo Antigo (por volta de 250 A.E.C. a 200 E.C.). Em
particular, 0 título “Filho do Homem”, tão frequente nas palavras de
Jesus - também objeto de um estudo de Flusser - , não é uma criação
cristã, como sustentaram alguns eruditos. Descobre-se agora a sua
presença em documentos que são claramente judaicos e anteriores a
70, isto é, remontam a uma época anterior ao incêndio de Jerusalém
pelos romanos, em 70 E.C. Essa visão renovadora sobre Jesus e as
origens do cristianismo, bem como em relação à literatura neotesta-
mentária, continuou a consolidar-se graças às contribuições de um
amplo grupo de estudiosos dos anos setenta e oitenta do século XX,
que inclui o nome de David Flusser como uma referência fundamen­
tal e importante.
Escrito com olhar estritamente científico, e acima de tudo com
isenção de espirito, originalidade de pensamento e de análise, valori­
zando ao mesmo tempo a mensagem ética universal que se encontra
nas Escrituras, o Jesus, de David Flusser, que a Editora Perspectiva
trás a lume, é uma verdadeira dádiva aos seus leitores e vem preen­
cher uma lacuna de há muito tempo sentida pelos que se dedicam aos
estudos bíblicos no período do Segundo Templo e ao conhecimento
de uma época decisiva da história do povo judeu e de suas múltiplas
manifestações espirituais, tão relevantes para toda a humanidade.

P r o f . N a c h m a n F a lb el
Prefácio

O empenho em colaborar com 0 Professor Flusser foi para mim 0


ponto culminante de quase doze anos de pesquisa em Jerusalém. Che-
guei em 1983 para com ele estudar na Universidade Hebraica, tendo
consciência de que certas questões de linguagem, cultura, história e
ambiente físico influem na forma como lemos os Evangelhos. Não
fiquei desapontado. Nós, cristãos, lemos com frequência as histórias
e os ditos de Jesus com pouco conhecimento de questões contempo­
râneas, personagens e nuances de linguagem que fornecem elementos
muito importantes para a formação de nossa compreensão de sua vida
e dos seus ensinamentos.
Quando fui procurado pela primeira vez, para assessorar na ree­
dição da versão inglesa de 1968 da obra Jesus, de Flusser, presumi
que a tarefa envolvesse simplesmente um aperfeiçoamento e a corre­
ção dos problemas de linguagem da tradução inglesa anterior. Entre­
tanto, percebemos rapidamente que, decorridos quase trinta anos, seria
necessário reescrevê-10, de fato, criar um novo livro. Não se tratava
apenas de uma riqueza de novos dados, mas 0 próprio pensamento de
Flusser desenvolvera-se à luz desta informação. Assim, aqueles que
estão familiarizados com o livro anterior encontrarão, na presente
edição, uma nova obra.
Uma das contribuições originais vem a ser 0 esboço pessoal de
Flusser sobre Pôncio Pilatos (pp. 122-132). Ele une, num só conjunto,
as evidências fragmentárias que mencionam Pilatos na inscrição dedi­
catória encontrada em Cesareia e as escassas referências a ele nas
XXXVIII JESUS

fontes literárias. O resultado é um retrato psicológico convincente de


uma das principais figuras responsáveis pela morte de Jesus. O estudo
de Flusser nos ajuda a compreender como as fraquezas pessoais de
Pilatos entraram em jogo na corrente trágica dos acontecimentos,
contribuindo para a execução eventual de Jesus.
A tradução anterior em língua inglesa, agora esgotada, represen­
tou os primórdios da investigação de Flusser sobre o Jesus histórico,
enquanto que 0 presente volume é seu ponto culminante. Raramente
se encontra um erudito com tanta paixão por compreender Jesus e
sua mensagem. Tampouco existem muitos que tenham tal domínio
das fontes clássicas e a habilidade de usá-las de modo que a figura
e a mensagem de Jesus encontrem uma clareza simples e original.
A abordagem filológico-histórica de Flusser requer uma reconsi­
deração de nossa leitura das fontes literárias. Ele emprega a riqueza
de novas informações, no que concerne ao ambiente do século 1, à luz
dos manuscritos do Mar Morto, da pesquisa histórica e de descobertas
arqueológicas recentes. De seu estudo biográfico resulta um retrato
de Jesus que ganha profundidade adicional, porque é visto dentro do
contexto do pensamento e da vida judaicos do primeiro século.
Jesus estava satisfeito com os elementos essenciais da dialética
judaica. Flusser demonstra que ele estava familiarizado - e até mesmo
revelava habilidade - com a natureza por vezes intrincada da herme­
nêutica judaica. Ainda assim, mesmo quando Jesus faz eco a muitos
dos sentimentos de seus contemporâneos, seria uma distorção ignorar
suas contribuições únicas ao panorama das idéias judaicas do século I.
Porém, 0 que Flusser expôs nesta obra é 0 argumento de que mesmo
as conclusões mais radicais de Jesus seriam inconcebíveis sem as
inovações das gerações precedentes e o ambiente estimulante do pen-
sarnento judaico da época.
Muito se tem escrito, em anos recentes, a respeito da reabilitação
de Jesus pela erudição judaica. É difícil, no entanto, explicar àqueles
que não conhecem Flusser 0 que toma sua obra tão especial. Uma das
características que o distingue é que, ao mesmo tempo em que consi­
dera Jesus como que pertencendo completamente às correntes diversifi­
cadas e competitivas do pensamento judaico do primeiro século, Flusser
não sente necessidade de negar a Jesus seu elevado grau de autocons-
ciência. No seu entender, 0 Jesus histórico era identificado tanto com
seu povo como com 0 pilar da fé da comunidade cristã primitiva.
Flusser tampouco hesita em questionar as pressuposições que são
fundamentais para muitos estudiosos contemporâneos do Novo Testa­
mento. Ele é um pensador original que deseja dar novas considerações às
evidências - ainda que isto signifique confrontar opiniões há muito arrai­
gadas, por vezes até as suas próprias. Não tenho dúvidas de que ambos,
leitores judeus e cristãos, serão desafiados pelos resultados deste estudo.
PREFACIO XXXIX

Outra característica de Flusser é sua apreciação profunda pelo


“Jesus histórico”. Sendo um dos principais pesquisadores sobre Jesus
e os primórdios do cristianismo, ele é geralmente solicitado a tecer seus
comentários acerca da “judaicidade de Jesus”, ou apresentar a “pers­
pectiva judaica”. Nada consegue irritá-lo mais. A atenção esmerada
que ele dedica à filologia e à análise textual é contrária à tendência do
estudo do Novo Testamento pelo “modismo”, no qual Jesus é recriado
em moldes tais, que refletem a tendência psicológica ou política em
voga. Ele lembra a seus alunos que seu estudo não é 0 do “Jesus judeu”
mas o do Jesus da história. O fato de Jesus ter sido judeu é uma questão
pertinente aos anais da história. O otimismo de Flusser, de que uma
pesquisa filológico-histórica cuidadosa possa produzir resultados ffu-
tíferos, surpreenderá alguns céticos.
Finalmente, na leitura dos filósofos gregos, dos teólogos medie­
vais ou das próprias palavras de Jesus, Flusser não trabalha como um
historiador desapaixonado. Ele trabalha como um homem de fé que
vê sua erudição como importante frente aos desafios complexos da era
atual. Esta faceta do caráter de Flusser é ilustrada por um incidente que
me foi relatado por Brad Young, que com ele estudou durante alguns
anos em Jerusalém.
Flusser tinha um aluno que foi cursar a Universidade de Zürich.
Quando um de seus professores ali descobriu que ele tinha sido disci-
pulo de Flusser, reprovou-o sem justificativa. A nota reprobatória arrui­
nou sua carreira acadêmica. Alguns anos mais tarde, outro aluno desse
mesmo professor cursava uma classe de Flusser e apresentou um tra­
balho cujo conteúdo era medíocre. Flusser instruiu Brad, na época seu
assistente, para que desse ao aluno a nota “A”. Quando Brad lhe per­
guntou 0 motivo, contou-lhe a história de seu aluno, repetindo suas ins­
truções: “Dê-lhe um ‘A’. Isso aprendí de Jesus”.
Durante todos os meus anos de estudo e trabalho com 0 Professor
Flusser, testemunhei seu desejo de não só entender os ensinamentos de
Jesus, mas de ver sua relevância em circunstâncias difíceis. Isso ficou
bem ilustrado à véspera da Guerra do Golfo. Em 15 de janeiro de 1991,
as ruas de Jerusalém estavam virtualmente vazias, antecipando a eclosão
da guerra e 0 lançamento consequente de mísseis Scud contra a população
civil israelense. Fui à casa de Flusser para discutir minha dissertação de
doutorado. Ao abrir a porta, ele ponderou em voz alta: “Dias interessantes
nós estamos vivendo. O que Jesus teria dito a respeito? Vamos descobrir”.
Sem maiores explicações, passamos para 0 seu escritório e ele pediu que
eu abrisse o Novo Testamento, na passagem das “Duas Espadas” (Lc
22:35-38). Começou a explicar as palavras de Jesus, como se, ao entender
os textos relevantes, pudéssemos vislumbrar 0 que Jesus poderia ter pen­
sado - e, por extensão, 0 que deveriamos pensar - acerca da crise atual.
Flusser explicou 0 equilíbrio delicado de Jesus entre o pacifismo - 0 evitar
XL JESUS

do conflito - e 0 direito à autodefesa. Sua exposição foi concisa, original


e pertinente à situação.
O que me surpreende em Flusser não é simplesmente seu dis-
cemimento dos ensinamentos de Jesus, mas sua pressuposição de
que 0 estudo das palavras de Jesus fazem uma diferença sobre como
conduzimos nossas vidas. A maioria dos cristãos, naturalmente, não
verá nada de extraordinário nessa ideia, todavia muitos alunos teste­
munharão quão excepcional é encontrar um erudito cuja pesquisa seja
importante para a vida. Espero que minha contribuição a este livro o
tenha tornado mais acessível aos leitores, reforçando o desejo do Prof.
Flusser de que esta biografia “sirva de porta-voz para a mensagem de
Jesus na atualidade”.

R. S t e v e n N o t l e y
P rofessor A ssisten te de N o vo Testam ento e C ristia n ism o A n tig o
J eru sa lem U niversity C ollege
Introdução

A obra atual não só reflete o truismo de que Jesus foi judeu e


queria permanecer dentro da fé judaica, mas argumenta que, sem 0
longo trabalho preparatório da fé judaica da época, 0 ensinamento de
Jesus teria sido impensável. Esta biografia desenvolveu-se de meu
livro anterior, também intitulado Jesus, escrito em alemão e publicado
pela primeira vez em maio de 1968 por Rowohlt Taschenbuch Verlag.
O novo livro foi completamente reescrito, vindo a ser uma expansão
atualizada do trabalho anterior. Ao escrever a edição alemã de Jesus,
eu estava mais ou menos no limiar de minha pesquisa sobre as ori­
gens do Cristianismo. Desde então, aprendí muito e escreví exten-
sámente sobre o Novo Testamento, em particular sobre Jesus. Por
conseguinte, a presente biografia está longe de ser idêntica ao livro
original. Acredito que minha nova edição de Jesus, em inglês, não é
meramente mais longa, como também significativamente melhor que
a edição alemã anterior.
Uma tradução do alemão para 0 inglês, feita por Ronald Walls, foi
publicada por Herder and Herder em 1969. Por não ter sido lida em
grande escala, essa tradução nunca foi reeditada, não mais podendo
ser encontrada. O original em alemão, entretanto, foi reeditado várias
vezes e traduzido para uma dúzia de outros idiomas. O insucesso da
tradução inglesa, comparado ao sucesso da edição alemã original e
sua tradução para outros idiomas, levou-me a concluir que era neces­
sária uma nova edição inglesa, melhorada, de minha obra sobre Jesus.
Destarte, não apenas corrigi as inúmeras imprecisões da tradução
XLII JESUS

anterior, como também achei necessário incluir insights recentes,


oriundos tanto da literatura rabínica como dos Manuscritos do Mar
Morto. Apesar de revisada e ampliada, a estrutura do original alemão e
da tradução inglesa subsequente permanece, em grande parte, intacta.
As ilustrações não são idênticas às que apareceram em edições
anteriores de Jesus. Atualizei-as, a fim de refletir a riqueza de descober­
tas arqueológicas recentes, em Israel e em outros lugares. A bibliografia
tem 0 intuito de ser “amigável ao usuário”, fornecendo assistência ao
leitor interessado em obter informações adicionais. As citações de Flá-
vio Josefo são tiradas da edição bilíngue da Loeb Classical Library. A
tradução inglesa da Bíblia utilizada é a da Nova Versão Internacional.
Complementei 0 livro com artigos já publicados alhures. O
breve estudo sobre o ossuário de Caifás apareceu, pela primeira vez,
em Jerusalem Perspective 4/4-5 (1991), pp. 23-28. Tem 0 propó­
sito de fornecer mais informação sobre o sumo-sacerdote saduceu
Caifás e seu clã, e inclui ilustrações do próprio ossuário. O estudo
“A Casa de Davi”, Israel Museum 5 (1986), pp. 37-40, não é rele­
vante apenas do ponto de vista arqueológico, como me possibilitou
corrigir um erro comum, também por mim cometido, no que tange
à existência de davidistas na época de Jesus. Agora está claro que
havia judeus no período do Segundo Templo que sabiam ser deseen-
dentes da Casa de Davi. Jesus poderia ter sido um deles. Todavia,
como havia muitos davidistas naqueles tempos, 0 simples fato de
pertencer a esta família famosa não constituía prova de nenhuma
reivindicação messiânica.
Três outros estudos de meus “Escritos Seletos”, que foram reu­
nidos e publicados em Judaism and the Origins o f Christianity (Jeru­
salem, Magnes, 1988), foram igualmente incluídos. “Qual Era o
Significado Original de Ecce Homo?’ ilumina vários aspectos his­
tóricos novos acerca da personalidade de Pilatos, enquanto “Quem é
que Te Bateu?” é urna nova abordagem sobre a sequência de eventos
entre a prisão de Jesus e a audiência perante Pilatos. O mais importante
aperfeiçoamento do manuscrito alemão original é encontrado em “O
Crucificado e os Judeus”. A descrição da solitude de Jesus no cami­
nho para a cruz é uma realização do autor do Evangelho de Marcos
(que influenciou a descrição apresentada em Mateus). Na realidade,
no seu caminho rumo ao lugar da execução, Jesus foi acompanhado
pela empatia de seu povo. É fácil perceber como 0 relato de Lucas foi
mudado deliberadamente por Marcos, cujas tentativas para desfazer os
laços de Jesus com 0 seu povo são igualmente evidentes na sua elimina­
ção das lamentações de Jesus por Jerusalém. Investiguei a criatividade
literária do autor do segundo Evangelho no meu estudo conclusivo
suplementar “Jesus Lamenta por Jerusalém”. Finalmente, acrescentei,
no apêndice do presente volume, uma contribuição original sobre o
INTRODUÇÃO XLIII

último caminho de Jesus, a assim chamada Via Dolorosa, escrita espe­


cialmente para esta edição pelo eminente especialista Magen Broshi.
A edição alemã de meu livro foi muito bem aceita na Europa,
encontrando somente uma tênue oposição por parte de alguns círculos
cristãos extremamente conservadores. Seus pares americanos devem
compreender que, em virtude de minha origem judaica, não posso ser
mais cristão que a maioria dos crentes em Jesus. Minha interpretação
dos Evangelhos, porém, é mais conservadora que a de muitos estudio­
sos do Novo Testamento na atualidade. Atribuo esta minha abordagem
conservadora à minha formação, que não foi a de um teólogo, seja ele
judeu ou cristão, mas a de um classicista. Meu método fundamenta­
-se nas disciplinas dos estudos clássicos, cujo interesse são os textos
gregos e latinos. Estou confiante de que os três primeiros Evange­
lhos refletem, fidedignamente, a realidade do Jesus “histórico”. Além
disso, não gosto da dicotomía feita entre 0 Jesus “histórico” e 0 Cristo
“querigmático” . Não estou sugerindo, em absoluto, que a leitura dos
textos deva ser isenta de críticas. Isto deve ficar claro após a leitura
do primeiro capítulo, onde analiso sucintamente meu método crítico.
Meu enfoque conservador dos Evangelhos origina-se também
da minha identidade judaica. Como judeu, estudei, tanto quanto pos­
sível, as várias tendências dentro do Judaísmo antigo. Esta direção
de estudos é deveras útil para a interpretação dos aspectos judaicos
dos Evangelhos, particularmente das palavras e dos feitos de Jesus.
Sei que alguns leitores abrirão este livro a fim de inquirir qual é a
opinião judaica prevalecente sobre Jesus. Não 0 escrevi com 0 fito de
descrever Jesus a partir de uma “perspectiva judaica”. A verdade é que
sou motivado pelo interesse de um erudito em aprender tudo quanto
posso sobre Jesus mas, sendo ao mesmo tempo um judeu praticante e não
um cristão, independo de qualquer igreja. Todavia, admito com prazer
que, pessoalmente, identifico-me com a concepção de mundo judaica
de Jesus, tanto a moral como a política, e creio que 0 conteúdo de seus
ensinamentos e a abordagem por ele adotada sempre tiveram 0 potencial
de modificar nosso mundo e evitar a maior parte do mal e do sofrimento.
Aqui, uma breve explicação se faz pertinente. Passei minha infân­
cia na cidade extremamente católica de Pribram, na Boêmia, que era
um dos grandes centros de peregrinação na Europa Central. Por causa
da atmosfera humana reinante na Checoslováquia naquela época, não
vivenciei nenhuma espécie de aversão cristã às minhas origens judai­
cas. Em particular, nunca ouvi nenhuma acusação de deicídio direta­
mente dirigida contra 0 meu povo. Como estudante na Universidade
de Praga, travei conhecimento com Josef Perl, pastor e membro da
Unidade de Irmãos da Boêmia, e passei muitas noites conversando
com ele na Associação Cristã de Moços em Praga. A forte ênfase
que este pastor e seus coirmãos colocavam no ensinamento de Jesus
XLIV JESUS

e na primitiva comunidade crente em Jerusalém despertou em mim


um interesse saudável e positivo por Jesus, influenciando também a
compreensão de minha própria fé judaica. Esta interação desempe­
nhou um papel decisivo no cultivo de meus interesses como estudioso
e pesquisador; sua influência foi uma das principais razões que me
levou à decisão de dedicar-me à personalidade e à mensagem de Jesus.
Anos mais tarde, interessei-me pela história desta irmandade e
descobri vínculos entre este grupo e outros movimentos similares no
passado e no presente. Desde então, tive a honra de conhecer mem­
bros de um destes movimentos que mantém ligações espirituais com
os Irmãos da Boêmia - os Menonitas no Canadá e nos Estados Uni­
dos. Quando da primeira publicação da edição alemã de Jesus, um
dos líderes menonitas perguntou-me se o livro era cristão ou judeu.
Repliquei, “Se os cristãos fossem menonitas, meu livro seria uma
obra cristã”. O que me propus a fazer aqui foi iluminar e interpretar,
ao menos em parte, a personalidade e as opiniões de Jesus dentro do
contexto de seu tempo e de seu povo. Minha ambição é simplesmente
servir de porta-voz para a mensagem de Jesus na atualidade.
Esta nova obra sobre Jesus, em inglês, não teria visto a luz do
dia sem a inestimável assistência de meu antigo aluno, Dr. R. Ste­
ven Notley, Professor-Assistente de Novo Testamento e Cristia­
nismo Antigo no Jerusalem University College, e professor visitante
no King’s College, em Londres. Ele colaborou comigo na correção,
revisão e ampliação da versão inglesa anterior, acrescentando novas
contribuições essenciais ao longo do trabalho. Estimo igualmente a
iniciativa do Professor William Klassen, do St. Paul’s United College
em Waterloo, Ontario e professor visitante na École Biblique, Jeru­
salém, que deu sugestões valiosas para 0 livro e do Professor Brad
H. Young, da Oral Roberts University em Tulsa, Oklahoma. Gostaria
de agradecer a Anna Iamim por suas contribuições artísticas com os
mapas da Galileia e da Jerusalém herodiana. Tampouco posso esque­
cer a assistência prática de meu aluno e amigo Joseph Frankovic.
Expresso meus agradecimentos especiais a Dan Benovici, da editora
The Magnes Press, Jerusalém, por seus esforços. Também à Sra. Fem
Seckbach, que tomou a seu encargo a árdua tarefa de compilação dos
índices e ao Fund for Encouraging Scholars and Writers, ligado ao
gabinete presidencial, por sua ajuda financeira. Em questões rabíni-
cas, como sempre, sou grato a meu colega e amigo de muitos anos,
Professor Shmuel Safrai.

D a v id F l u s s e r
Jerusalém , P á sco a de 1997
1. As Fontes

O objetivo principal deste livro é mostrar que é possível escre­


ver a historia da vida de Jesus. Realmente, possuímos registros mais
completos sobre as vidas dos imperadores seus contemporáneos e de
alguns poetas romanos. Entretanto, à exceção do historiador Flávio
Josefo, e possivelmente de São Paulo, Jesus é o judeu, de épocas pos­
teriores ao Antigo Testamento, sobre quem nós mais sabemos.

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I

. . .

O nome de Jesus, conforme escrito na grafia hebraica.


2 JESUS

Toda biografia tem seus próprios problemas peculiares. Difícil­


mente esperaríamos encontrar informação sobre Jesus em documen­
tos não cristãos. Ele compartilha deste destino com Moisés, Buda e
Maomé que, do mesmo modo, tampouco receberam menção alguma
nos relatos de não crentes. As únicas fontes cristãs importantes que
se referem a Jesus são os quatro Evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas
e João. O restante do Novo Testamento quase nada nos conta acerca
de sua vida.
Os três primeiros Evangelhos baseiam-se primordialmente em
material histórico comum, ao passo que 0 quarto, João, é corretamente
considerado como se mais se preocupasse mais com a apresentação
de uma perspectiva teológica. Os paralelos entre Mateus, Marcos e
Lucas são tantos que poderíam ser dispostos em três colunas parale­
las, de modo a formar uma sinopse - daí a designação “Evangelhos
Sinóticos”, a eles atribuída.
Seria a ausência de documentos não cristãos um obstáculo insu­
perável ao estudo da vida de Cristo? Quando um gênio religioso surge
num ambiente que permite a documentação precisa de seu desenvol­
vimento e das circunstâncias de sua vida, há sempre a tentação de
procurar descobrir 0 pano de fundo psicológico que conduz a esse
fenômeno religioso. Tais estudos psicológicos, no entanto, são em geral
insatisfatórios, porque 0 Espírito leva seu sopro para onde quer. Isto
é em especial verdadeiro no que concerne às personalidades que são,
por si próprias, dotadas pelo Espírito. Quem ousaria, por exemplo,
tentar fazer uma análise psicológica do mistério da personalidade de
São Francisco? Nossa incapacidade de prover uma psicologia de Jesus
que não faça ressoar uma nota dissonante origina-se não tanto do tipo
de fontes à nossa disposição como da natureza de sua personalidade.
Ainda que uma documentação objetiva fosse copiosa, as fontes
mais genuínas referentes a uma personalidade carismática são seus
próprios pronunciamentos e os relatos dos fiéis - lidos a partir de uma
abordagem crítica, é lógico. Juntamente com estas, 0 testemunho de
foráneos serve de controle. Consideremos dois exemplos modernos.
Tudo 0 que é significativo sobre Joseph Smith (1805-1844), funda­
dor dos Mórmons, pode ser estudado, em sua maior parte, de suas
palavras e de documentos mórmons1. Há também 0 caso do africano
Simon Kimbangu, que realizou milagres de cura no Congo Belga de
18 de março a 14 de setembro de 1921. Morreu no exílio em 1950.
Nos moldes cristãos, seus seguidores acreditavam que fosse 0 Filho de
Deus, mas os documentos não deixam claro o que ele pensava sobre
si mesmo. Devido à brevidade de sua atividade pública, nenhuma
resposta inequívoca pode ser atribuída à questão de sua própria 1

1 F. M. Brodie, No Man Knows My History, New York, 1979.


AS FONTES 3

autoavaliação2. O testemunho das autoridades belgas no Congo é,


no seu caso, de tanta valia quanto os arquivos do governador Pilatos,
ou os registros na chancelaria do sumo sacerdote, no caso de Jesus.
Os primeiros registros cristãos sobre Jesus não são tão indignos
de crédito como se costuma acreditar atualmente. Os três primeiros
Evangelhos apresentam um retrato razoavelmente fiel de Jesus como
um judeu típico de sua época, e também preservam consistentemente
seu modo de falar sobre 0 Salvador na terceira pessoa. Uma leitura
imparcial dos Evangelhos Sinóticos resulta num quadro que é mais
característico de um fazedor de milagres e pregador judeu do que de
um redentor da humanidade. Este quadro, sem dúvida, não faz justiça
ao Jesus histórico e, obviamente, não exigiría a experiência da Ressur­
reição da Igreja pós-pascal, antes de ser delineado. Uma série de lendas
sobre milagres e sermões certamente não pode ser interpretada como
constituinte de uma pregação “querigmática” de fé no Senhor ressur-
recto e glorificado, como muitos eruditos e teólogos da atualidade
sugerem. O único Evangelho que ensina uma cristologia pós-pascal é
0 Evangelho Segundo São João, e ele é de menor valor histórico que os
três Evangelhos Sinóticos. O Jesus retratado nos Evangelhos Sinóticos
é, pois, o Jesus histórico, não 0 “Cristo querigmático”.
Para a Cristandade judaica - mesmo em séculos posteriores,
quando a Igreja em geral considerava sua visão herética - 0 papel de
Jesus como fazedor de milagres, mestre, profeta e messias era mais
importante que o Senhor ressurrecto do querigma. Já nos primórdios,
esta ênfase começou a mudar entre as congregações cristãs helénicas
fundadas por judeus gregos e formadas predominantemente por não
judeus. Nelas, a redenção através do Cristo crucificado e ressurrecto
tomou-se 0 cerne da pregação. Não é por acaso que os escritos oriun­
dos destas comunidades - por exemplo, as cartas de São Paulo - mal
mencionam a vida e a pregação de Jesus3. Talvez seja um golpe de
sorte, até onde vai nosso conhecimento de Jesus, que os Evangelhos
Sinóticos tenham sido escritos relativamente tarde - ao que parece por
volta de 70 d.C. - quando a criatividade dinâmica dentro das congre­
gações paulinas declinara. Na maioria dos casos, este estrato posterior
da tradição sinótica encontrou sua primeira expressão na redação, no
estilo grego, dos evangelistas separados. Se examinarmos este mate­
rial com um espírito sem preconceitos, aprenderemos de seu conteúdo
e forma de expressão que ele não está relacionado com declarações
querigmáticas mas com platitudes cristãs.

2 Ver agora W. Ustorf, Afrikanische Initiative: Das aktive Leiden des Propheten
Simon Kimbangu, Bern, 1975. O mistério de seu autoconhecimento, no entanto,
não foi solucionado.
3 Ver a relação em D. Flusser, Judaism and the Origins o f Christianity [doravante:
Judaism], Jerusalem, 1988, pp. 621-625.
4 JESUS

Seria verossímil sugerir que, quando os Evangelhos Sinóticos são


estudados científicamente, apresentam um retrato fidedigno do Jesus
histórico, apesar da pregação de fé querigmática por parte da Igreja?
Minha pesquisa levou-me à conclusão de que os Evangelhos Sinóticos
fundamentam-se em alguns documentos antigos não mais subsistentes,
redigidos pelos discípulos de Jesus e pela antiga Igreja em Jerusalém.
Esses textos foram escritos originalmente em hebraico e subsequente­
mente, traduzidos para o grego, passando por vários estágios de reda­
ção. A tradução grega dessas antigas fontes hebraicas foi a utilizada por
nossos três evangelistas. Assim, quando estudados à luz de seu pano
de fundo judaico, os Evangelhos Sinóticos preservam um quadro de
Jesus que é mais confiável do que em geral se admite.
O problema da interdependência literária dos Evangelhos Sinóticos
é chamada de “Questão Sinótica”. O escopo deste livro não permite
espaço suficiente para tratar deste ponto crucial meticulosamente. Minha
experiência, porém, baseada em grande parte na pesquisa do falecido R.
L. Lindsey4, demonstrou que Lucas preserva, em comparação a Mar­
cos (e a Mateus, quando este se baseia em Marcos) a tradição original.
Uma reavaliação crítica das evidências literárias indica, portanto, que
Lucas escreveu antes de Marcos. Este então retrabalhou 0 material do
Evangelho, influenciando desfavoravelmente Mateus, que seguiu com
precisão a versão de Marcos. Finalmente, é importante acrescentar que
Mateus, quando é independente de Marcos, mantém com frequência as
fontes mais antigas da vida de Jesus, que estão por trás do Evangelho
de Lucas5. Por conseguinte, Lucas e Mateus, em conjunto, oferecem o
retrato mais autêntico da vida e dos ensinamentos de Jesus.

4 R. L. Lindsey, A Hebrew Translation o f the Gospel o f Mark, Jerusalem, 1973, pp.


9-84; A Comparative Greek Concordance o f the Synoptic Gospels, Jerusalem,
1985, pp. iii-xiv. O Evangelho de Marcos não é apenas reescrito segundo 0 gosto
popular, mesmo que num grego mais vulgar; seu autor revela também um dom
de estilização do conteúdo e de uma dramatização bem sucedida. Nesta atividade
literária, Marcos é guiado por sua própria concepção a respeito da personalidade
de Jesus; ele 0 descreveu como um santo homem fazedor de milagres, sobrenatural
e solitário, diferente de todos os seus contemporâneos. Estes não são capazes de
compreendê-lo, nem mesmo os que frequentam seu circulo mais próximo. Esta
tendência de Marcos atinge o climax no final de seu evangelho, na descrição da
crucificação e morte de Jesus. Aqui, Jesus não é somente abandonado pelo povo
judeu, mas parece que O Crucificado acreditou que seu Pai celestial 0 teria deser­
tado. Dessa forma, creio que a famosa citação de SI 22:2 em Mc 15:34 (e Mt 27:46)
seja uma invenção criativa. A propósito, neste ponto e, na verdade, em todo o capí­
tulo sobre a crucificação de Jesus, Marcos é seguido por Mateus. Consideraremos
adiante a descrição da crucificação de Jesus em Marcos (e em Mateus) nos estudos
suplementares, “O Crucificado e os Judeus” e “Jesus Lamenta por Jerusalém”.
5 Ver D. Flusser, “Die synoptische Frage und die Gleichnisse Jesu”, em Die
rabbinischen Gleichnisse und der Gleichniserzühler Jesus, Bern, 1981, pp.
193-233 c também D. Flusser, O Judaísmo e as Origens do Cristianismo (em
AS FONTES 5

A presente biografia pretende aplicar os métodos da crítica lite­


rária e a solução de Lindsey para revelar essas fontes antigas. A fim
de compreender 0 Jesus histórico, não é suficiente seguir o desenvol­
vimento literário do material dos Evangelhos. Faz-se necessária uma
familiaridade íntima com o Judaísmo dos dias de Jesus. O material
judaico é importante não apenas porque nos permite alocar Jesus em
seu próprio tempo, mas porque possibilita uma interpretação correta
de seus ditos hebraicos originais. Deste modo, sempre que pudermos
ter certeza de que há uma expressão hebraica por trás do texto grego
dos Evangelhos, esta será a traduzida, ao invés do grego literal.
Este livro não se dispõe a estabelecer uma ponte entre 0 Jesus da
história e a fé cristã. Sem ter nenhum interesse pessoal mas, ao mesmo
tempo, não pretendendo submergir na própria personalidade do autor
e de seu ambiente - pois como poderia alguém assim proceder ao
escrever uma biografia - busca apenas apresentar Jesus diretamente
ao leitor. A época atual parece-me bem propícia para compreendê-lo
e aos seus interesses. Uma nova sensibilidade foi despertada em nós,
causada por um temor profundo do futuro e do presente. Atualmente,
somos mais receptivos para a reavaliação que Jesus fez de todos os
nossos valores usuais. Muitos de nós nos conscientizamos de seu ques­
tionamento das normas morais, que constituiu, na realidade, seu ponto
de partida. Como Jesus, sentimo-nos atraídos pelos párias sociais,
pelos pecadores. Se ele diz que não devemos nos opor às forças do
mal, evidentemente entende que, ao combatê-las, beneficiamo-nos
apenas do indiferente jogo de forças dentro da sociedade e do mundo
mais amplo (ver e.g., Mt 5:25-26). Estes são, creio eu, os sentimentos
de muitos nos dias de hoje. Se nos libertarmos das correntes de pre­
conceitos obsoletos, seremos capazes de avaliar a exigência de Jesus
por um amor abrangente não como uma fraqueza filantrópica mas
como uma abordagem judiciosa de nosso mundo.
A grandiosidade da vida de Jesus também nos fala na atualidade:
0 chamado no seu batismo, os laços rompidos com sua família e sua
descoberta de uma filiação nova e sublime; o pandemônio dos enfer­
mos e dos possessos e sua morte na cruz. Assim, as palavras que
Mateus (28:20) coloca nos lábios do Senhor ressurrecto assumem para
nós um significado novo e não eclesiástico: “E eis que estou convosco
todos os dias, até a consumação do século”.

hebraico), pp. 28-49. Analisei isso também em meu artigo “The Last Supper
and the Essenes”, Judaism, p. 204.
2. Ancestralidade

Jesus é a forma grega comum do nome Josué. Nos dias de Jesus,


ele era pronunciado “Yeshua”. Encontramo-lo citado na literatura
judaica antiga onde, por vezes, é chamado de “Yeshu” 1, que, quase
certamente, era a pronúncia galileia. Após a prisão de Jesus, Pedro
traiu-se por sua pronúncia galileia peculiar12. Naqueles dias, “Jesus”
era um dos nomes judaicos mais comuns. O antigo historiador Flávio
Josefo menciona, por exemplo, vinte homens com este nome. O pri­
meiro é 0 Josué bíblico, sucessor de Moisés, que conquistou a Terra
Santa. Por temor religioso, os judeus antigos evitavam certos nomes
bíblicos importantes como Davi, Salomão, Moisés e Arão e pode ser
que 0 nome Yeshua - Jesus - naquela época tivesse ganho popular¡-
dade como uma espécie de substituto para Moisés.
O pai de Jesus e seus irmãos tinham também nomes muito popula­
res. Seus irmãos3 chamavam-se Tiago4, Joset, Judas* e Simão (Mc 6:3)
- os nomes do patriarca bíblico Jacó e três de seus filhos. Estes nomes

1 Ver a análise de R. Travers Herford, Christianity in Talmud and Midrash, New


York, 1975, pp. 35-96.
2 Ver Mt 26:73; Me 14:70; Lc 22:59.
3 Sobre a concepção de que os irmãos e irmãs de Jesus eram, na realidade, seus
primos, ou filhos de José de um casamento anterior, ver a excelente obra do eru­
dito católico J. Blinzler, Die lirüder und Schwestern Jesu, Stuttgart, 1967.
4 ‘‫־‬Tiago” é a forma aportuguesada do nome hebraico c grego “Jacó”.
* Variação de “Judá” (N. da T).
8 JESUS

eram tão comuns naqueles dias como José e João atualmente. Joset é
uma variação de José - 0 nome do pai de Jesus5. Nos dias de hoje, seria
praticamente impossível que um menino judeu recebesse o nome de
seu pai, se este ainda estivesse vivo. Todavia, em tempos antigos, tal
costume era bastante difundido. A mãe de Jesus chamava-se Maria,
que corresponde ao hebraico Miriam, outro nome comum naquela
época. Muito embora conheçamos poucos nomes femininos de então
- nenhum dos nomes das irmãs de Jesus nos foi transmitido pela
tradição - Josefo menciona oito mulheres chamadas de Miriam. A
primeira é a irmã de Moisés e todas as outras receberam seu nome
por causa dela.
O relato milagroso do nascimento de Jesus pode ser encontrado
em duas versões literárias independentes, a de Mateus e a de Lucas.
Não é mencionado em Marcos e João nem tampouco pressuposto em
nenhuma outra parte do Novo Testamento. À exceção dos escritores
do Novo Testamento, 0 primeiro a mencionar o nascimento virginal
foi Inácio de Antioquia (?6(107‫ ־‬.
Como se sabe muito bem, Jesus Cristo significa “Jesus, o Mes­
sias”. De acordo com a antiga crença judaica, o Messias deveria ser
descendente de Davi - o Filho de Davi. Ambos, Mateus (1:2-16)
e Lucas (3:23-38) fornecem uma árvore genealógica de Jesus, que
reporta a Davi. Nessas duas genealogias José é 0 descendente do Rei
Davi, e não Maria. O fato mais extraordinário é que as genealogias
de José são encontradas nos mesmos Evangelhos - Mateus e Lucas
- que contam a história do nascimento virginal. Parece que os dois
evangelistas não viam nenhum conflito entre Jesus descender de Davi
através de José e sua concepção sem a intervenção de um pai humano.
Devemos ter em mente que as duas genealogias concordam somente
de Abraão até Davi7. Os problemas internos de ambas as relações e
suas diferenças consideráveis nos deixam a impressão de que foram
construídas ad hoc, por assim dizer, com 0 intuito de provar a dinas­
tia de Davi8.
Seria muito natural que qualquer messias almejado fosse legi­
timado retrospectivamente por seus seguidores como sendo 0 Filho
de Davi. Por outro lado, tomou-se claro que na época de Jesus havia

5 Ver e.g., Lc 1:59.


6 Epístola aos Esmirnenses 1.
7 Ver W. Bauer, Das Leben Jesu im Zeitalter der neutestamentlichen Apokryphen,
Darmstadt, 1967, pp. 21-29. Sobre a filiação de Davi, ver A. Suhl, Die Funktion
der alttestamentlichen Zitate und die Anspielungen im Markusevangelium,
Giltersloh, 1965, pp. 89-94; F. Hahn, Christologische Hoheitstitel, Gottingen,
1964, pp. 242-279.
8 Ver, porém, J. Jeremias, Jerusalem in the Time o f Jesus, Philadelphia, 1989,
pp. 276-277, 287,291-297; v e r“ ‘A Casa de Davi’ num Ossuário”, nos estudos
suplementares deste livro.
ANCESTRAL IDADE 9

realmente muitos descendentes reais da família do famoso rei Davi9


(como hoje em dia há muitos descendentes de Carlos Magno). Em
anos recentes, foi até mesmo encontrado um ossuário designado de
“Os Ossos da ‘Casa de Davi’ ”101. Assim, 0 conhecimento de que
alguém fosse da família de Davi não daria, necessariamente, legiti­
midade para reivindicações messiânicas. Ademais, é importante reite­
rar que, ainda que houvesse no primeiro século aqueles que pudessem
traçar sua linhagem até Davi, não podemos estar seguros de que 0
próprio Jesus tivesse pertencido a esta estirpe.
Como Mateus e Lucas fornecem a genealogia davídica de Jesus,
não é de surpreender que sejam eles os que estabeleçam 0 lugar de
seu nascimento em Belém, cidade onde Davi nasceu. Neste ponto,
no entanto, os dois relatos exibem diferenças importantes. Segundo
Lucas 2:4, a família de Jesus só viajou a Belém por causa do recense-
amento. Antes do seu nascimento, ela vivia em Nazaré, à qual retor­
nou. De acordo com Mateus 2:23, a família já residia em Belém, na
Judeia, antes do nascimento de Jesus, fixando-se em Nazaré só depois
de retomar do Egito11. Parece, portanto, que tanto a tradição de que
Jesus tenha nascido em Belém como a prova de sua ascendência daví-
dica tenham surgido porque muitos acreditavam que 0 messias deveria
pertencer à linhagem de Davi e, como ele, nascer em Belém. Isso se
conclui plenamente de João 7:41-42. A passagem nos fala daqueles que
teriam negado ser Jesus o messias, dizendo: “Porventura pode 0 Cristo
vir da Galileia? A Escritura não diz que 0 Cristo será da descendência
de Davi e virá de Belém, a cidade de onde era Davi?” João, por con­
seguinte, não sabia que Jesus havia nascido em Belém, tampouco que
ele descendia de Davi. Ao mesmo tempo, este incidente revela como
as pessoas exigiam o cumprimento destas duas condições como legi­
timação da reivindicação messiânica.
Do ponto de vista histórico, Jesus foi um judeu da Galileia que
provavelmente nasceu em Nazaré. Foi certamente ali que ele viveu por
cerca de trinta anos, até a época de seu batismo por João (Lc 3:23). Foi
batizado em 27/28 d.C. ou em 28/29 d.C.12. É mais difícil determinar
a duração de seu ministério público, específicamente, o período entre
seu batismo e a crucificação. Com base nos três primeiros Evange­
lhos, parece que este período não se estendeu a mais do que um ano.
Segundo João, por outro lado, teríamos que pressupor que este período

9 Ver J. Jeremias, idem.


10 Ver “ ‘A Casa de Davi’ num Ossuário”, nos estudos suplementares deste livro.
11 Ver W. Bauer, op. cit., p. 59.
12 Sobre a cronologia de Jesus, ver M. Dibelius, From Tradition to Gospel, New
York, 1965;K. L. Schmidt, Der Rahmen derGeschichteJesu, Darmstadt, 1964,
pp. 1-17; Bauer, op. cit., pp. 279-310.
10 JESUS

O nome de Nazaré em hebraico (linha 2), encontrado em Cesareia, séculos II1-IV


d.C.

tenha coberto dois, ou mesmo três, anos. Hoje em dia, tomou-se sufi­
cientemente claro que João, 0 teólogo, tinha poucas intenções de ser
um historiador e seria, pois, imprudente aceitar sua cronologia ou sua
estrutura geográfica sem um exame criterioso13.
Ao mesmo tempo, temos de indagar se também os três primeiros
Evangelhos pretendiam apresentar um esquema histórico e geográfico
ou, em que medida este esquema foi condicionado pelas suposições
teológicas dos evangelistas individuais14. Há evidência material suges-
ti va de que, nestes aspectos cronológicos e geográficos, os sinoptis-
tas são confiáveis. Jesus pode ter exercido seu ministério na Judeia
e em Jerusalém, antes de sua jornada final para a morte, mas sua
esfera real de atuação foi na Galileia, na margem noroeste do lago de
Genesaré. Ficará inclusive evidente que os acontecimentos na vida de
Jesus são melhor compreendidos partindo-se do pressuposto de que
0 batismo e a crucificação foram separados por um espaço de tempo
muito curto. Há eruditos que sugerem ter Jesus morrido na Páscoa,
no ano de 30 ou de 33. O mais provável é que tenha sido batizado em
28/29 e morto no ano 30.

13 Sobre 0 valor histórico do Evangelho de São João, ver C. H. Dodd, Historical


Tradition in lhe Fourth Gospel, New York, 1963.
14 Sobre Marcos, ver W. Marxsen, Der Evangelist Markus, Gottingen, 19592. Sobre
Lucas, ver H. Conzelmann, The Theology o f St. Luke, New York, 1961.
ANCESTRAL! DADE 11

Como já mencionamos, Jesus tinha quatro irmãos e várias irmãs.


A família em Nazaré incluía, por conseguinte, ao menos sete filhos. Se
aceitamos o nascimento virginal como histórico e também admitimos
que os irmãos de Jesus eram seus irmãos e irmãs verdadeiros, devemos
concluir ser ele 0 primogênito de Maria. Mesmo os que consideram as
narrativas de nascimento de Mateus e de Lucas como não históricas,
devem admitir que Jesus pode muito bem ter sido 0 filho mais velho
da família. Lucas (2:22-24) relata que os pais de Jesus levaram-no
a Jerusalém pouco depois de seu nascimento, para apresentá-lo ao
Senhor, conforme prescrevia a Lei, “Todo macho que abre 0 útero será
consagrado ao Senhor”. É verdade que 0 filho primogênito podia ser
resgatado por meio de uma oferenda ao sacerdote em qualquer lugar15,
mas havia pessoas devotas que aproveitavam esta oportunidade para
fazer uma peregrinação com seu filho ao Templo em Jerusalém. Teria
Lucas ou sua fonte inventado esta história para proclamar 0 nasci­
mento virginal ou Jesus era, de fato, o primogênito de Maria?
É quase certo que 0 pai de Jesus morreu antes deste ser batizado,
talvez quando Jesus ainda era criança. Quando seu ministério público
tem início, encontramos sua mãe e seus irmãos, mas não há menção
nenhuma a seu pai. Segundo Lucas (2:41-51), José ainda vivia quando
Jesus tinha doze anos.

Seus pais iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa. Quando 0 menino
completou doze anos, segundo 0 costume, subiram para a festa. Terminados os dias,
eles voltaram, mas 0 menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais 0 notassem.
Pensando que ele estivesse na caravana, andaram o caminho de um dia, c puseram-se a
procurá-lo entre os parentes e conhecidos. E não o encontrando, voltaram a Jerusalém
à sua procura. Três dias depois, eles 0 encontraram no Templo, sentado em meio aos
doutores, ouvindo-os e interrogando-os; e todos os que 0 ouviam ficavam extasiados
com sua inteligência e com suas respostas.

Esta historieta da infância de Jesus possui um significado especial.


É a história de um erudito precoce, pode-se dizer quase de um jovem
talmudista. Atualmente, um menino judeu atinge a maioridade aos
treze anos mas, naquela época, um menino de doze anos já podia ser
considerado adulto. É possível que a história de Lucas seja verda­
deira. Eu mesmo já ouvi a viúva de um grande estudioso rabínico, A.
Aptowitzer, contar como seu marido perdeu-se por ocasião da visita
de seus pais a uma feira anual. Nas primeiras horas da manhã, foram
encontrá-lo numa sinagoga, discutindo argutamente problemas eruditos
com os rabinos. Esta mulher certamente nunca lera São Lucas. Se não
estou equivocado, 0 filósofo hindu Gupta conta uma história similar
em sua autobiografia16.

15 Ver Nm 18:15.
16 O historiador Flávio Josefo apresenta uma historieta similar sobre si mesmo,
“Enquanto ainda menino, com cerca dc quatorze anos, ganhei aplausos unânimes
12 JESUS

O relato sobre 0 menino, feito por Lucas, não contradiz 0 que


sabemos a respeito da educação judaica de Jesus. Poder-se‫־‬ia sugerir,
com alguma justificativa, que os discípulos de Jesus eram “homens
iletrados e sem posição social” (At 4:13). Isso levou-me à asserção -
feita, na realidade, pelo historicamente menos confiável João (7:15)
- de que 0 próprio Jesus era iletrado, de que ele nunca “havia estu­
dado”. Quando os pronunciamentos de Jesus são examinados tendo
como pano de fundo o estudo judaico contemporâneo, é fácil observar
que ele estava longe de ser iletrado. Jesus era muito versado tanto nas
escrituras sagradas como na tradição oral e sabia como aplicar esta
herança erudita. Ademais, sua educação judaica era incomparável­
mente superior à de São Paulo.
Pode-se dizer que Jesus foi um dos sábios judeus de sua época?
Esta é, ao menos, a conclusão de Flávio Josefo, algumas décadas
após a crucificação. Embora se reconheça, em geral, que a passa­
gem concernente a Jesus nos manuscritos gregos subsistentes de sua
obra Antiguidades Judaicas (Jewish Antiquities 18:63-64), tenha sido
distorcida por mãos cristãs posteriores, “a concepção mais provável
parece ser a de que nosso texto representa substancialmente 0 que
Josefo escreveu, mas que algumas alterações foram feitas por um
interpolador cristão” 17. Como veremos infra, a redação original não
se perdeu totalmente. É possível detectar o método do revisor cristão
no início da passagem. “Nesta época viveu Jesus, um homem sábio -
se é que na verdade deveriamos chamá-lo de homem E exatamente
esta interpolação infeliz que garante a autenticidade da declaração de
Josefo de que Jesus era “um homem sábio”18.
É óbvio que, por esta expressão, Josefo identifica Jesus com os
sábios judeus. A palavra grega para “sábio” tem uma raiz comum com
o termo grego “sofista”, termo este que não possuía então a conota­
ção negativa atual19. Alhures20 Josefo refere-se a dois sábios judeus
de destaque como sofistas, e este título era utilizado por ele com regu­
laridade, para designar sábios judeus proeminentes21. O autor grego
Luciano de Samosata (nascido em cerca de 120 e falecido após 180

pelo meu amor às letras; a tal ponto que os principais sacerdotes e os homens
proeminentes da cidade costumavam vir a mim constantemente, à busca de
informação precisa sobre alguma particularidade cm nossos preceitos” (Life 9).
17 O comentário de L. H. Feldman em Josephus, Cambridge, Mass., 1965, vol. IX,
p. 49.
18 A definição de Jesus como um “homem sábio”, apresentada por Josefo, é con­
firmada pela tradução árabe da suposta redação original da passagem.
19 A palavra grega “sofista” aparece também em textos rabínicos, designando um
sábio judeu. Ver M. Jastrow, Dictionary o f the Talmud, p. 968; M. Sokoloff, A
Dictionary o f Jewish Palestinian Aramaic, Ramat Gan, 1990, pp. 371-372.
20 Josefo, Antiquities 17:152; War 1:648, 650.
21 Ver a observação em Flávio Josefo, De bello Judaico, Darmstadt, 1957, vol. 1,
p. 425.
ANCESTRALIDADE 13

Uma derisão p a g ã do Cristianismo. O Crucificado tem a cabeça de um asno,


porque os ju d eu s eram então acusados de adorar um asno. Um grafite da p ri­
meira metade do séc. III d.C.

d.C.)*22 refere-se similarmente a Jesus como “o sofista crucificado”.


Nâo estou seguro de que 0 próprio Jesus teria gostado de ser visto
como um erudito rabínico judeu, mas isso não é muito relevante para
nossa questão. O importante é que a menção que Josefo faz a Jesus
como um “homem sábio” desafia a tendência recente de considerá-lo
meramente um simples campônio23.

22 The Passing o f Peregrinus, cap. 13. Ver supra, nota 19.


23 Ver J. D. Crossan, The Historical Jesus: The Ufe o f a Mediterranean Jewish
Peasant, San Francisco, 1991.
14 JESUS

Corroboração extema da erudição judaica de Jesus é fornecida


pelo fato de que, muito embora ele não fosse um escriba reconhe-
cido24, algumas pessoas estavam acostumadas a dirigir-se a ele como
“Rabi”, “meu professor/mestre”25. Deve-se observar, todavia, que
segundo as fontes mais antigas, conforme refletido por Lucas, Jesus
era chamado de “Rabí” só por estranhos. Aqueles que pertenciam ao
círculo íntimo de seus seguidores e os que a ele vinham por neces­
sidade, chamavam-no de “Senhor” (haadon). Ao que parece, este é
o título que ele preferia. Novamente 0 sabemos graças ao relato de
Lucas: “Como se pode dizer que o Cristo é filho de Davi? Se o próprio
Davi diz no livro dos Salmos (110:1), Ό Senhor (Deus) disse ao meu
Senhor’ (laadoni), ‘Senta-te à minha direita, até que eu ponha teus ini­
migos como escabelo para teus pés’. Davi, portanto, 0 chama Senhor
(adon); então, como pode ser seu filho?” (Lc 20:41-44 e parais.). O
título não deve ser confundido como um sinal de sua deidade (/.&,
Adonai), mas uma indicação de sua elevada autoconsciência.
O epíteto “Rabí” era de uso comum naqueles dias e especialmente
popular para descrever eruditos e mestres da Torá. Ainda não estava res­
trito a mestres experientes e ordenados26. A geração que se segue a Jesus
foi a primeira a empregar 0 título como uma graduação acadêmica. Jesus
não aprovava o prazer que tantos fariseus desfrutavam em serem chama­
dos de “Rabi”. “Quanto a vós, não permitais que vos chamem ‘Rabi’,
pois um só é vosso Mestre (ravkhem, i.e., Deus) e todos vós sois irmãos.
A ninguém na terra chameis ‘Pai’ (ou: Aba), pois um só é 0 vosso Pai,
0 celeste” (Mt 23:6-12). Naqueles dias, “Aba” era outra forma comum
de tratamento. Mesmo 0 famoso Bar Kokhba foi chamado, numa carta
recém-publicada, de Aba Havivi (Prezado Pai)27. Na geração anterior a
Jesus, um escriba tinha dito a mesma coisa, “Ame o trabalho manual e
odeie a mestria”28. Muitos outros compartilhavam desta visão.
A arrogância pode ter prevalecido entre os escribas, mas eles não
eram acadêmicos improdutivos. Exigiam que todos ensinassem um
ofício a seus filhos e muitos deles mesmos eram artesãos. Os carpin­
teiros eram considerados particularmente instruídos. Se um problema
difícil estava em discussão, perguntariam: “Há dentre nós um carpin­
teiro, ou 0 filho de um carpinteiro, que possa solucionar 0 problema
para nós?”29. Jesus era ambos, um carpinteiro e/ou 0 filho de um car-

24 Mt 21:2327‫ ־‬c Lc 20:1-8. Ver D. Daubc, The New Testament and Rabbinic
Judaism, London, 1956.
25 Halm, op. cit., pp. 7 4 8 1 ‫־‬.
26 Hahn, op. cit., pp. 75-76.
27 Ver Ada Yardcni, Naha! Seelim Documents, Jerusalem, 1995, pp. 9 1 9 2 ‫־‬.
28 Tratado Avot [Massekhet Avot (Ética dos Pais)], 1:10.
29 J. Levy, Worterbuch iiber die Talmudim und Midraschim III, Berlim, 1924, p.
338.
ANCESTRALIDADE 15

pinteiro30. Este fato, por si só, não constitui uma prova de que ele ou
seu pai fossem instruidos, mas vem alegar contra a noção idílica de
Jesus como um trabalhador manual ingenuo, afável e simples.
Nietzsche estava certo ao escrever, “As tentativas que conheço de
construir a história de uma ‘alma’ a partir dos Evangelhos parecem­
-me sugerir uma frivolidade psicológica deplorável”31. Existe, porém,
um elemento psicológico na vida de Jesus que não podemos ignorar:
0 conflito entre seus laços familiares e a compreensão que tinha de sua
tarefa divinamente nomeada. Este elemento pode ser encontrado até no
Evangelho de João que, do ponto de vista histórico, é menos fidedigno.
Numa festa de casamento em Caná, a mãe de Jesus pediu-lhe que
fizesse vinho e ele retrucou: “Que queres de mim, mulher?” (2:4)32.
Numa narrativa apócrifa recentemente descoberta, esta temática de
tensão entre Jesus e sua família é realçada de forma quase que intolerá­
vel. A fonte33 relata que, quando ele estava sendo crucificado, sua mãe
Maria e seus irmãos Tiago, Simão e Judá vieram e postaram-se diante
dele. Pendurado na cruz, Jesus disse a ela: “Pega teus filhos e vai-te!”
A intensificação desta tensão familiar está também presente nos
Evangelhos Sinóticos. Segundo Lucas 8:21, Jesus reconhecia a devo­
ção religiosa de sua família, “Minha mãe e meus irmãos são aqueles
que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”34. Não obstante,
ele exaltava a importância dos que acreditavam. Numa outra ocasião
ouvimos que “certa mulher levantou a voz do meio da multidão e
disse-lhe: ‘Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te
amamentaram’. Ele, porém, responde: ‘felizes, antes, os que ouvem a
palavra de Deus e a observam’ ” (Lc 11:27-28)35. Ainda assim, a ver­
são de Marcos a respeito de Lucas 8:21 exagera esta tensão familiar,
interpretando-a como uma rejeição que Jesus fazia de sua família: “
‘Quem é minha mãe e meus irmãos?’ E, repassando com 0 olhar os
que estavam sentados ao seu redor, disse: ‘Eis a minha mãe e os meus

30 Mt 13:55 e Mc 6:3 apresentam informações diferentes no que concerne a quem é


“0 carpinteiro”. Além disso, deve-se observar que Lucas omite qualquer menção
à profissão de carpinteiro, em relação a José ou a Jesus. Ver Lc 4:22.
31 F. W. Nietzsche, Antichrist, parágrafo 29, em Complete Works, New York, 1964,
18 vols.
32 A expressão, que figura com frequência nos Evangelhos, tem origem em 1 Rs
17:18. Ver também R. E. Brown, The Gospel According to John l-XII, The Anchor
Bible, New' York, 1966, p. 99.
33 S. Pines, The Jewish Christians o f the Early Centuries o f Christianity according
to a New Source, The Israel Academy o f Sciences and Humanities Proceedings
vol. II, n. 13, Jerusalem, 1986, p. 61.
34 Ver J. A. Fitzmyer, The Gospel According to Luke I-IX, The Anchor Bible, New‫׳‬
York, 1981, pp. 722-725.
35 B. Young, “ Messianic Blessings in Jewish and Christian Texts”, Judaism, pp.
280-300.
16 JESUS

irmãos. Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe’”
(Mc 3:34-35; cf. Lc ll:27-28)36.
Não obstante a evidência da criatividade editorial dos evange­
listas, Jesus compreendia claramente que um compromisso religioso
intransigente resulta, por vezes, no rompimento dos laços familiares:
“Em verdade eu vos digo, não há quem tenha deixado casa, mulher,
irmãos, pais ou filhos por causa do Reino de Deus, sem que receba
muito mais neste tempo e, no mundo futuro, a vida eterna” (Lc 18:28­
30). “Disse a outro: ‘Segue-me’. Este respondeu: ‘Permite-me ir pri­
meiro enterrar meu pai’. Ele replicou: ‘Deixa que os mortos enterrem
os seus mortos’ ... Outro disse-lhe ainda: ‘Eu te seguirei, senhor, mas
permite-me primeiro despedir-me dos que estão em minha casa’.
Jesus, porém, lhe respondeu: ‘Quem põe a mão no arado e olha para
trás não é apto para 0 Reino de Deus’ ” (Lc 9:59-62). Há um dito mais
pertinente que não soa tão inumano em hebraico como na tradução.
“Se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai e mãe, mulher,
filhos, irmãos, irmãs ... não pode ser meu discípulo” (Lc 14:26)3738.
Uma tensão carregada de emotividade parece ter surgido entre
Jesus e sua família em Nazaré. E pode ser que este fato psicológico -
cujo pano de fundo nos é desconhecido - tenha contribuído fortemente
para sua resolução pessoal, tão decisiva para a humanidade. O fator que
impulsionou sua partida de Nazaré foi, provavelmente, 0 fato de sua
família ter encarado a missão que conduziu Jesus à morte como uma
ilusão perigosa (Jo 7:5). Jesus suspeitava corretamente que nem seus
próprios familiares aprovariam sua missão e por esta razão não teria
voltado ao lar depois de seu batismo, dirigindo-se a Cafamaum. Mais
tarde, quando retornou de visita à sua cidade natal, provou que ninguém
é profeta em sua própria terra (Mt 13:57; Mc 6:4; Lc 4:24; Jo 4:44).
O que aconteceu à família de Jesus após a sua morte? Um relato
interessante (At 1:14)3sconta-nos que Maria, a mãe de Jesus, e seus
irmãos juntaram-se aos apóstolos em Jerusalém. O irmão do Senhor,
Tiago, veio a ter fé quando Jesus ressurrecto lhe apareceu39. Em 62 d.C.

36 A versão de Marcos deste dito parece ter sido influenciada por seu relato único e
não confiável alguns versículos antes, de que os familiares de Jesus vieram para
detê-lo, porque “diziam: ‘Enlouqueceu!’ ” (Mc 3:21). Ver Taylor, T h e G o s p e l
A c c o r d in g t o St. M a rk , New York, 1966, pp. 235-236; ver também Schmidt, op.
c it., pp. 122-123.
37 Em hebraico, os verbos “odiar e amar” podem ser justapostos de modo a sugerir
preferência (e .g ., Gn 29:31). O apóstolo Paulo estava também familiarizado com
este uso idiomático, “Conforme está escrito: ‘Amei a Jacó e aborrecí a Esaú’ ”
(Rm 9:13); “Contudo, eu amei Jacó e odiei a Esaú” (Ml 1:2-3).
38 Ver E. Haenchen, D ie A p o s te lg e s c h ic h te , Gottingen, 19592; E. Meyer, U r s p r u n g
u n d A n fü n g e d e s C h r is te n tu m s , Stuttgart-Berlin, 1921-1924, pp. 44-45.
39 1 Cor 15:7; Gl 2:9; sobre a história da família de Jesus, ver E. Hennecke & W.
Schneemelcher, N e w T e s ta m e n t A p o c r y p h a , /, G o s p e ls a n d R e l a t e d W ritin g s,
Westminster, 1991, pp. 470-488.
ANCESTRAL IDADE 17

Tiago morreu pela fé em seu irmão; foi assassinado por um sacerdote


saduceu40. Os outros irmãos converteram-se à fé mais tarde e com
suas esposas aceitaram a hospitalidade das congregações (1 Cor 9:5).
Tendo reconhecido seu falecido irmão como 0 messias, os irmãos do
Senhor perceberam então que também eles pertenciam à linhagem
de Davi. Um relato antigo41 conta-nos que o imperador Domiciano
encarava os netos de Judá, irmão do Senhor, com suspeita, porque per­
tenciam à casa real judaica. Supõe-se que o imperador os tenha inter­
rogado em Roma, deixando-os em liberdade ao descobrir que nada
mais eram do que camponeses pobres. Estes foram líderes das igrejas
cristãs, aparentemente na Galileia, e viveram até 0 reinado de Trajano.
Tiago, irmão do Senhor, foi sucedido como chefe da Igreja em
Jerusalém por Simão, primo de Jesus. Após a morte deste último, sua
família, portanto, superou a descrença, assumindo lugar de honra na
jovem comunidade judaico-cristã. Podemos entender seu modo de
agir. Poderia ser deveras perigoso viver como parentes do Redentor
numa sociedade organizada, mas seria mais compatível viver numa
comunidade messiânica. Não obstante a inabilidade em compreender
seu filho plenamente, o mesmo ocorreu com a mãe de Jesus. A partir
de seu ponto de vista, as preocupações de Maria eram justificadas, a
catástrofe temida consumou-se e seu próprio coração foi perfurado
por uma espada42. Teria ela encontrado mais tarde consolo pleno pela
fé em seu filho ressurrecto e na esperança de que 0 veria novamente?

40 Flávío Josefo, Jewish Antiquities, 20:200-201.


41 Eusébio, A History o f the Church, III, 11, 19-20, 32.
42 Lc 2:35. Acerca do sentido original destes versículos, ver meus comentários em
“The Magnificat and the Benedictus”, Judaism, p. 128, nota 10,
3. O Batismo

Naqueles dias, João Batista' saiu para o deserto pregando um


batismo de arrependimento para a absolvição dos pecados. A pro­
fecia de Isaías (40:3) estava sendo cumprida, “Urna voz clama: No
deserto, abri um caminho para o Senhor” (cf. Mc 1:2-4). Para os essê-
nios, cujos escritos foram descobertos nas cercanias do Mar Morto,

‫׳‬nu?‫׳־גי*׳ ׳‬0‫ ךו‬ísj‫״‬v *‫**׳ *»»*יל מ‬5 *‫ וי‬/


‫ *ויוזד‬γ η VJ v w *‫י»י‬V <5 ‫״‬ ‫ * *ייי״יי‬1
‫סי־י‬
*1 1W a‫ »*«זד‬wW KW4 «‫לי׳״יך‬ >

Isaías 40:3, conforme os M anuscritos do M ar Morto.

1 Para bibliografia, ver J. Steinmann, J o h a n n e s d e r T aü fer, Hamburg, 1960. Sobre


João Batista e os Manuscritos do Mar Morto, ver W. Brownlee, “John the Bap­
tist in the Light o f Ancient Scrolls”, em K. Stendhal (ed.), The S c r o lls a n d th e
N e w T e s ta m e n t , New York, 1957; ver também D. Flusser, “O Batismo de João e
a Seita do Mar Morto”, em E n s a io s s o b r e o s P e r g a m in h o s d o M a r M o r to , Jeru­
salém, 1961, pp. 209239‫( ־‬em hebraico); “Baptism”, J u d a is m , pp. 50-54.
20 JESUS

esta profecia era também um chamado para “deixar as habitações dos


homens pecadores e internar-se no deserto, a fim de preparar a vereda
do Senhor”23.As palavras de João estavam tão próximas às dos essê-
nios que é possível que, em certa época, ele tenha pertencido a uma de
suas comunidades. Ele a abandonou posteriormente, por desaprovar
0 separatismo sectário dos essênios e queria oferecer a oportunidade
de arrependimento e absolvição dos pecados para todo Israel. Multi­
dões acorreram de todos os recantos ao encontro deste irado e austero
profeta do deserto. Ouviam seus sermões penitenciais ameaçadores,
confessavam seus pecados e eram por ele batizados no rio Jordão.
A poderosa influência que João exercia sobre 0 povo levou à
sua execução por Herodes Antipas, filho do rei Herodes, o Grande.
Josefo relata:

Quando outros também sc juntaram às multidões à sua volta, pois que eram esti­
mulados ao extremo pelos seus sermões, Herodes alarmou-se. Uma eloquência que
exercia um efeito tão grande sobre a humanidade poderia conduzir a alguma forma de
sedição, pois parecia que eles seriam guiados por João em tudo que fizessem. Herodes
decidiu, portanto, que seria bem melhor golpear primeiro e livrar-se dele antes que sua
obra provocasse uma rebelião, do que esperar por uma sublevação, envolver-se numa
situação difícil e constatar 0 erro’.

Podemos aprender mais sobre a morte de João a partir dos


Evangelhos4.
O que mais atraía em João era o batismo que ele conferia. Muitos
nutriam a esperança de que a imersão expiasse seus pecados e, por este
meio, conseguissem escapar da ira vindoura do julgamento de Deus.
João, no entanto, exigia antes de tudo um arrependimento autêntico.
De acordo com Josefo, João era um santo homem que,

Havia exortado os judeus a levar uma vida íntegra, praticar a justiça para com seu
próximo e devoção para com Deus e assim proceder para tomar parte no batismo. A seu
ver, isto era uma preliminar necessária para que 0 batismo fosse aceitável por Deus.
Não deveríam empregá-lo para ganhar 0 perdão por quaisquer pecados que tivessem
cometido, mas como uma purificação do corpo, indicando que a alma já estava com­
pletamente purificada pela conduta correta5.

2 Regras da Comunidade (1QS) 8:13-16; 9:19-20. A divisão sintática que demos


em nossa tradução reflete melhor o sentido do versículo no Antigo Testamento
hebraico, na tradução grega da Septuaginta, nos Manuscritos do Mar Morto e até
no Novo Testamento! Em outras palavras, não é “Voz do que clama no deserto:
preparai...” e sim “Uma voz clama: Preparai no deserto”.
3 Josefo, Antiquities 18:118-119.
4 Mt 14:3-12; Mc 6:17-29; ver Lc 3:19-20.
5 Josefo, Antiquities 18:117.
0 BATISMO 21

Caverna 4 de Qumran.

Mikvé (banho de imersão ritual judaico) do prim eiro século, Jerusalém.


22 JESUS

Esta concepção do batismo está em total conformidade com a


visão dos essênios.
Os banhos batismais judaicos tradicionais lavavam meramente
a impureza ritual do corpo. Segundo a perspectiva essênica, entre­
tanto, um pecado cometido causa uma impureza ritual e, dessa forma,
“ninguém pode entrar na água ... a não ser que esteja arrependido do
seu mal, porque a impureza adere a todos os transgressores de Sua
palavra”6. Somente aquele “que submete sua alma à lei de Deus, tem
sua carne purificada pela aspersão das águas purgatorias, e é santi­
ficado pela água da pureza”7. Ou, novamente - quase nas próprias
palavras que expressam a concepção de João Batista - a água pode
purificar 0 corpo apenas se a alma foi purgada primeiro pela retidão.
Porém, o que existe no arrependimento que purifica a alma? “Pelo
espírito da santidade... o homem é purificado de todos os pecados”89.
Desse modo, 0 batismo essênico associava a penitência à absolvição
de pecados e estes últimos ao Espírito Santo. Assim como a ideia de
batismo de João coincidia com a dos essênios, ele também refletia sua
compreensão do Espírito Santo atuando no batismo5.
Bem podemos imaginar a santa excitação daquela multidão que
ouvira as palavras do Batista. Tendo confessado seus pecados e espe­
rando a dádiva do Espírito Santo para purificar suas almas de toda a
mácula do pecado, mergulhavam seus corpos conspurcados nas águas
limpas do rio. Poderia ter ocorrido que nenhum deles tenha tido uma
experiência pneumato-extática especial naquele mesmo momento em
que 0 Espírito de Deus os tocara? “Ora, tendo todo 0 povo recebido 0
batismo, e no momento em que Jesus, também batizado, achava-se em
oração, 0 céu se abriu e 0 Espírito Santo desceu sobre ele em forma
corporal, como pomba. E do céu veio uma voz101: ‘Tu és 0 meu Filho
amado"; em ti me comprazo’ ”. Assim falou a voz celestial, segundo
Mateus (3:17) e Marcos (1:11). Todavia, muitos eruditos12 estão cor­
retos ao pensar que, no relato original, a voz celestial tinha anunciado

6 R e g r a s d a C o m u n id a d e (IQS) 5:13-14.
7 I d e m (IQS) 3:8-9.
8 I d e m (IQS) 3:7-8.
9 Outra opinião, pela apologética, pode ser encontrada em At 19:1-7.
10 Lc 3:21-22.
11 A palavra grega traduz 0 hebraico “0 único” . Ver C. H. Turner, “Ho Hyios mou
110 agapetos J o u r n a l o f T h e o lo g ic a l S tu d ie s Π , 1926, ρρ. 113-129; ver também
Μ. D. Hooker, J e s u s a n d th e S e r v a n t, London, 1959, pp. 71, 183.
12 J. Jeremias em T h e o lo g is c h e s W õ rte r b u c h N T , V, p. 699; K. Stendhal, The S c h o o l
o f Sr. M a tth e w , Uppsala, 1954, pp. 110, 144; D. Flusser, “Blessed Are the Poor
in Spirit”, J u d a is m , pp. 110-111 e nota 25; Halm, o p . c it.. pp. 340-346; S. Pines,
The J e w is h C h r is tia n s o f th e E a r ly C e n tu r ie s o f C h r is tia n ity A c c o r d in g to a N e w
The Israel Academy o f Sciences and Humanities Proceedings, vol. II, n.
S o u rc e ,
13, Jerusalem, 1966, p. 63. Estes estudiosos viram que o final de Lc 3:21 e Me
1:11, “em ti me comprazo”, alude a Is 42:1, “era quem minha aliñase compraz” .
0 BATISMO 23

a Jesus: “Eis o meu servo que eu sustenho, 0 meu eleito, em quem


tenho prazer. Pus sobre ele o meu Espírito, ele trará 0 julgamento às
nações” (Is 42:1). Esta forma é, provavelmente, a original, porque a
palavra profética está adequada à situação.

João batiza Jesus (de uma catacum ba romana).

A dádiva do Espírito Santo assumiu para Jesus um significado


diferente do que para os outros batizados por João. Vozes celestiais
não eram um fenômeno incomum entre os judeus daqueles dias e, com
frequência, eram ouvidas expressando versos das Escrituras. Receber
0 dom do Espírito Santo, acompanhado de uma experiência extática
era, ao que parece, algo que acontecia a outros que haviam sido bati­
zados na presença de João, no rio Jordão. Se Jesus realmente ouviu
essas palavras de Isaías, a expressão “pus sobre ele 0 meu Espírito”
era uma confirmação maravilhosa da dádiva do Espírito Santo. Mas,
havia algo mais, que possui um significado único.
Se aceitamos a forma tradicional da mensagem celestial, Jesus
é descrito como “Meu Filho”. Entretanto, se a voz celestial entoava
24 JESUS

as palavras de Isaías, Jesus deve ter compreendido que estava sendo


consignado como o Servo de Deus, O Escolhido. Para ele, a dádiva
do Espírito Santo, que fazia parte do batismo de João, possuía outro
significado, especial, que seria decisivo para seu futuro. Nenhuma das
designações Filho, Servo ou O Escolhido eram títulos exclusivamente
messiânicos - os últimos dois poderíam denotar igualmente o status
especial do ministério profético. Por estes títulos, Jesus ficou ciente de
que agora fora escolhido, chamado, consignado. Nada do que apren­
demos lança qualquer dúvida sobre a historicidade da experiência de
Jesus no seu batismo no Jordão.
De acordo com Marcos (1:9) e Mateus (3:13), Jesus chegou a
João vindo de sua casa em Nazaré. Se devemos crer nas palavras do
arcanjo relatadas por Lucas (1:36), Maria era parente da mãe de João.

M apa da Galileia (por cortesia de Arma Iamim).


0 BATISMO 25

Não podemos depreender nada mais do que isso acerca do cenário


psicológico em cujo contexto Jesus decide juntar-se à multidão e
ser batizado por João. Por outro lado, se usarmos os documentos de
maneira devida, poderemos formar uma idéia bastante clara do que
aconteceu a Jesus depois do seu batismo e do seu chamado. O único
problema sério parece ser 0 de não termos um relato confiável a res­
peito do local das atividades do Batista*13. Ademais, este profeta do
deserto não permanecia num mesmo lugar. Talvez Jesus tenha sido
batizado por João não longe do ponto em que 0 Jordão desemboca
no Lago de Genesaré, ao norte. Nesta área está localizada Betsaida,
onde viviam os irmão André e Pedro, os quais, segundo João (1:40­
44), Jesus encontrou quando de seu batismo.

B a r c o d e p e s c a d o L a g o d e G e n e s a r é , p r i m e i r o s é c u lo .

Os primeiros discípulos - Pedro, seu irmão André e os irmãos


Tiago e João, filhos de Zebedeu - eram todos pescadores no Lago de

13 C. H. Kraeling, New York, 1951, pp. 9-16; E. Lohmeyer, D a s


J o h n th e B a p tis t,
U r c h r is te n tu m J o h a n n e s d e r T d u fe r ,
Gottingen, 1932, p, 26. Nossa pressupo­
sição de que o batismo de Jesus tenha ocorrido nas vizinhanças de Betsaida c
reforçada consistentemente por pesquisas recentes. Ver in fra , cap. 20 nota 2 e a
ilustração na p. 214.
26 JESUS

Genesaré. Pedro era casado com uma mulher dos arredores de Cafar-
naum, onde vivia na casa de sua sogra14. Esta tornara-se crente após
ter sido curada de uma febre por Jesus. Sua casa transformou-se quase
num segundo lar para ele e, mais tarde, após a malograda visita à sua
Nazaré natal, Jesus voltou à região de Cafamaum.
O ambiente geográfico para 0 ministério público de Jesus pode
ter resultado da proximidade do local de seu batismo e de sua rela­
ção com Pedro. Este não é um contexto teológico, mas estritamente
factual, sendo confirmado pelas próprias palavras de Jesus.

R u ín a s d a s i n a g o g a e m C o r a z im .

Então começou a verberar as cidades onde havia feito a maior


parte dos seus milagres, por não se terem arrependido; “Ai de ti,
Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque se em Tiro e em Sidônia tives­
sem sido realizados os milagres que em vós se realizaram, há muito
se teriam arrependido, vestindo-se de cilicio e cobrindo-se de cinza.

14 Mt 8:14, Lc 4:38. Mc (1:29) inclui a adição duvidosa de que André, Tiago e


João também moravam na casa. Mt (8:14) e Lc (4:38) concordam em omitir esta
expansão da família de Pedro.
0 BATISMO 27

Mas eu vos digo: No dia do Julgamento haverá menos rigor para Tiro
e Sidónia do que para vós. E tu, Cafarnaum,/wr acaso te elevarás até
o céu? Antes, até o inferno descerás. Porque se em Sodoma tivessem
sido realizados os milagres que em ti se realizaram, ela teria perma­
necido até hoje. Mas eu vos digo que no Dia do Julgamento haverá
menos rigor para a terra de Sodoma do que para vós” (Mt 11:2024‫;־‬
Le 10:12-15).
O lado noroeste do Mar da Galileia era densamente povoado e
bem cultivado. A vizinha Corazim - cujo trigo era famoso - não é
mencionada em nenhuma outra parte do Novo Testamento. A desven­
turada Maria Madalena, “da qual haviam saído sete demônios” (Lc
8:2), era oriunda da vizinha Magdala. Muitos pescadores ali viviam
e navegavam rotineiramente para a margem oriental, onde havia pei­
xes em abundância. Em contraposição a noções populares atuais, os
habitantes desta região não eram interioranos rudes.
Definir a relação entre João Batista e Jesus, após 0 batismo, é
mais importante do que estabelecer o ambiente geográfico do minis­
tério público de Jesus. Só depois de corrigir algumas concepções
errôneas comuns é que poderemos retratar Jesus em sua autêntica
relevância. O motivo da distorção reside na cronologia da história
da salvação15, encontrada em Marcos. Porque, na visão cristã, João
Batista era justificadamente considerado 0 precursor de Jesus e porque
a entrada em cena de Jesus segue-se à de João, Marcos faz de João 0
precursor de Jesus, no sentido literal. Dessa forma, segundo Marcos,
Jesus poderia ter aparecido em público só depois de João ter sido
aprisionado. “Depois que João foi preso, veio Jesus para a Galileia
proclamando o Evangelho de Deus” (Mc 1:14).
Mateus dá um passo adiante. Ele seguiu a estrutura cronoló­
gica de Marcos (ver Mt 4:12-13), que pressupunha que João tivesse
sido preso antes da primeira aparição de Jesus. Consequentemente,
só depois de João ter sido encarcerado é que Mateus foi capaz de
retratá-lo enviando mensageiros a Jesus, a fim de perguntar-lhe se
“ele era aquele que há de vir”. A versão de Mateus “corrigiu” a cro­
nologia original sob a influência de Marcos. Assim, Lucas 4:1 está
certo, ao passo que Mateus 11:2 está errado. E ainda mais: Mateus
revela uma tendência de combinar as palavras de João com elemen­
tos do discurso de Jesus (e vice-versa)16. Coloca, pois, a pregação de
Jesus, palavra por palavra, na boca do Batista (Mt 3:2; cf. 4:17). A
mudança da cronologia original por Marcos e Mateus, e a nova ordem
distorcida dos eventos, deu origem a reconstruções desnecessárias dos
primórdios de Jesus.

15 J. Weiss em Schmidt, op. cit., p. 34. A premissa psicológica para a cronologia


incorreta em Marcos está atestada em At 13:25 (ver a expressão em At 20:24).
16 C. H. Dodd, The Parables o f the Kingdom, London, 1969, p. 39 nota 20.
28 JESUS

A cronologia errônea de Marcos é, em geral, tomada para provar


que 0 objetivo principal de Jesus para galgar a vida pública foi preen­
cher a lacuna deixada em Israel pela prisão do Batista. Esta impressão
parece encontrar confirmação em Mateus. No início, segundo aquele
evangelho, Jesus simplesmente continuou a pregar a mensagem de
João. Se realmente assim tivesse acontecido, seria 0 clímax de uma
tragédia humana, pois, pouco antes de sua morte, João, que passara
toda a sua vida esperando pelo Messias, recebeu notícias sobre o apa­
recimento de Jesus e enviou mensageiros até ele. Não é de surpreen­
der que Flaubert tivesse descrito esta cena em sua história Herodias\
Uma vez mais, 0 quadro histórico original é alterado, primeiro
por Marcos e Mateus, por razões teológicas, e depois por reinterpre-
tações psicológicas de muitos eruditos. No entanto, até 0 menos con­
fiável Evangelho de João sabe que “João ainda não fora encarcerado”
(3:24). Também Lucas e suas fontes jamais relatam que Jesus surgiu
apenas depois do desaparecimento de João. Tendo agora removido as
distorções secundárias, podemos prosseguir no relato da história dos
primordios do ministério público de Jesus.
João Batista certamente tinha um círculo de discípulos, mas é óbvio
que a maior parte dos homens que batizara no Jordão haviam-no aban­
donado logo em seguida, retomando aos seus lares. João não queria
fundar uma seita; ele achava melhor enviar cada homem de volta ao seu
próprio ofício (Lc 3:10-14). Por outro lado, Jesus não retomou seu estilo
de vida anterior depois que a voz, no batismo, anunciou a sua eleição.
“A partir desse momento, começou Jesus a pregar e a dizer: ‘Arrepen­
dei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus’ ” (Mt 4:17). Chamou
seus discípulos, ensinou nas sinagogas, “lhe traziam todos os que eram
acometidos por doenças diversas ... E ele os curava” (Mt 4:17-25)17.
É possível que João Batista acreditasse ser ele mesmo 0 profeta
que viria no fim dos tempos. O povo 0 via como 0 profeta bíblico
Elias, que deveria preceder o Messias. Ele próprio pregava que logo
chegaria um que era mais poderoso que ele e que inauguraria 0 juízo
divino. Quando João ouviu a respeito da excitação provocada por
Jesus nas aldeias ao redor do Mar da Galileia - assim nos relatam
as fontes18 - enviou dois de seus discípulos para inquirir acerca de
Jesus. Naqueles dias, era um costume judaico enviar não um mas dois
homens numa delegação. Também Jesus enviou seus discípulos em
pares (Mc 6:7; Lc 10:1), e este hábito foi continuado por cristãos em
suas primeiras jornadas missionárias19.

17 Analisei a tentação de Jesus por Satã em “Die Versuchung Jesu und ihr jtldischer
Hintergrund”, Judaica 45, 1989, pp. 110-128.
18 Mt 11:2-6; Lc 7:18-23.
19 A. von Hamack, Die Mission und Ausbreitung des Christentums, Leipzig, 1924,
vol. 1, p. 344.
0 BATISMO 29

João Batista perguntou a Jesus, por intermédio de seus dois disci-


pulos, “És tu aquele que há de vir, ou deveremos esperar um outro?”
O significado dessas palavras toma-se claro quando lidas em cone­
xão com 0 conhecido versículo de Daniel 7:13, “quando notei, vindo
sobre as nuvens do céu, um como Filho de Homem”. Abordaremos
posteriormente, num capítulo à parte, a figura apocalíptica do Filho
do Homem. Veremos que sua tarefa principal, no futuro escatológico,
será a de separar os justos dos pecadores, salvar os primeiros e lançar
os últimos às chamas do inferno (ver e.g. Mt 25:31-46).
Isto é exatamente 0 que João pregara sobre aquele que era mais pode­
roso do que ele, que está vindo, e “cuja pá está em sua mão; limpará a
sua eira e recolherá 0 trigo em seu celeiro; a palha, porém, ele a queimará
num fogo inextinguível” (Lc 3:16-17; Mt 3:11-12). O Filho do Homem é
uma figura que surge exclusivamente nos escritos apocalípticos judaicos,
mormente naqueles próximos ao movimento essênico. Como veremos, 0
próprio Jesus aceitou também esta crença. Em contraste ao Batista, porém,
não via o advento do Filho do Homem e 0 juízo final como iminentes20.
Sua perspectiva distinta é expressa na “Parábola do Semeador” (Mt 13:14­
30; ver também a “Parábola da Rede” em Mt 13:47-50).
Estas parábolas contrastam acentuadamente com a escatologia
do Batista, ouvida na metáfora acima mencionada em Lucas 3:16­
17 e Mateus 3:11-12. A parábola do semeador de Jesus pode ter sido
concebida como uma reação indireta às palavras do Batista. Segundo
João, a salvação dos justos e a destruição dos pecadores terá lugar no
futuro imediato. Jesus, por outro lado, viu corretamente que, mesmo
no período do reino do céu, que começara a concretizar-se, os bons
e os maus coexistem.
A ideia do Filho do Homem pertence a um sistema apocalíptico
de pensamento, no qual não há lugar para 0 conceito do presente reino
do céu. Como veremos, esta ideia é particularmente rabínica, e sabe­
-se muito bem que ela foi cardinal para Jesus. É precisamente aqui que
constatamos a diferença explícita entre 0 profeta da destruição21 e Jesus.
Jesus enviou sua resposta ao Batista: “Ide contar a João 0 que
estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os coxos andam,
os leprosos são purificados e os surdos ouvem, os mortos ressusci­
tam e os pobres são evangelizados. E bem-aventurado aquele que não
ficar escandalizado por causa de mim!” (Mt 11:2-6; Lc 7:18-23)22. As

20 Ver D. Flusser, “Die jtldische Messiaserwartung Jesu”, nos escritos selecionados,


Das Christentum: eine jüdische Religion, Munich, 1990, pp. 37-52.
21 É somente em Mt 3:2 que João Batista fala sobre 0 reino do céu. “Mas não se
pode confiar que Mateus distinga entre as palavras de João e as de Jesus” . C. H.
Dodd, The Parables o f lhe Kingdom, p. 39.
22 Ver Is 26:19; 29:18; 35:5; 61:1 e o paralelo relevante em 4Q521, fragmentos
2ii e 4, linhas 6-13, especialmente linha 12. Ver E. Puech, “Une apocalypse
30 JESUS

dúvidas de Jesus a respeito do Batista eram justificadas. João nunca


aceitou os postulados de Jesus.
O importante é que Jesus confirmou, em princípio, a pergunta do
Batista sobre 0 significado escatológico de suas atividades, sem decía-
rar explícitamente que ele era 0 messias esperado. Ele estabeleceu seu
direito ao ministério escatológico ao falar de sua pregação de salva­
ção e de suas obras sobrenaturais de cura. Jesus viu nestas coisas um
sinal inequívoco de que a era da salvação já despontava. “Contudo,
se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, então 0 Reino de
Deus já chegou a vós” (Lc 11:20). A doença é do diabo, e 0 reino
de Deus advém quando Satanás é conquistado, tornando-se ineficaz.
Segundo Lucas (10:18), Jesus disse certa vez, “Eu via Satanás
cair do céu como um relâmpago”. De acordo com um livro23 escrito
quando Jesus era uma criança, “Então se estabelecerá seu reino sobre
toda criação, Satanás será destruído e 0 sofrimento com ele desapa­
recerá”. O advento do reino é, portanto, associado à derrocada de
Satanás e de seus espíritos. Quando Jesus cura os doentes e expurga
espíritos maculados, ele é 0 conquistador vitorioso que toma real 0
reino de Deus24. “Quando um homem forte e bem armado guarda
sua moradia, seus bens ficarão a seguro; todavia, se um mais forte 0
assalta e vence, tira-lhe a armadura, na qual confiava, e distribui seus
despojos. Quem não está a meu favor está contra mim, e quem não
ajunta comigo, dispersa” (Lcl 1:21-23).
Além dos milagres de cura, Jesus dá ao Batista uma segunda
prova de sua reivindicação. Os pobres têm a salvação pregada para
eles. Esta é uma alusão às palavras do profeta Isaías (61:1-2), que
eram particularmente importantes para Jesus. “O espírito do Senhor
está sobre mim, porque 0 Senhor me ungiu; enviou-me a anunciar a
boa nova aos pobres, a curar os quebrantados de coração e proclamar
a liberdade aos cativos, a liberdade aos que estão presos, a proclamar
um ano aceitável ao Senhor e um dia de vingança ao nosso Deus, a
fim de consolar todos os enlutados”. Estas foram as palavras que - de
acordo com Lucas 4:17-18 - Jesus leu na sinagoga no início de seu
ministério. Enrolou, então, 0 pergaminho, devolveu-o ao servente,
sentou-se e disse: “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passa­
gem da Escritura” (Lc 4:18-21).
As palavras do profeta reverberam também nas bem-aventuranças
de Jesus. Ele abre 0 reino do céu para os pobres de espírito e para os

messianique (4Q521)”, Revue de Qumran 60, outubro 1992, pp. 475-522. Apenas
a purificação dos leprosos está ausente nos paralelos. Quanto à última sentença
da resposta de Jesus, comparar com o final de Oseias.
23 A Ascensão de Moisés, 10:1.
24 Ver J. Jeremias, The Parables o f Jesus, New York, 1963, pp. 122-123.
O BATISMO 31

humildes, e dá conforto aos enlutados. A eles as boas novas de Jesus


foram enviadas. A palavra empregada em grego era “euangelion”,
derivada do verbo usado no versículo de Isalas para denotar a prega­
ção da salvação. Para Jesus, esta passagem da Escritura era a ponte
entre seu chamado, anunciado ao ser batizado por João no rio Jor­
dão, e sua presente vocação. Ele sabia que o Espirito do Senhor veio
sobre ele, porque o Senhor o ungira a fim de anunciar a salvação aos
humildes e aos pobres.
Quando os mensageiros de João partiram, com a intenção de
relatar a resposta de Jesus,

[...] começou Jesus a falar às multidões com respeito a João, “Que fostes ver 110 deserto?
Um caniço agitado pelo vento? Mas que fostes ver? Um homem vestido de roupas finas?
Mas os que vestem roupas finas vivem nos palácios dos reis. Então, que fostes ver? Um
profeta? Eu vos afirmo que sim, e mais do que um profeta. É dele que está escrito“ , ‘E is
que e n v io o m eu m e n s a g e ir o à tu a f r e n t e ; e le p r e p a r a r á o teu c a m in h o d ia n te d e t i Em
verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior do que
João, 0 Batista e, no entanto, 0 menor no Reino dos Céus é maior do que ele. Desde os
dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus sofre violência, e violentos se apode­
raram dele. Porque todos os profetas bem como a lei profetizaram até João. E, se qui­
serdes dar crédito, ele é o Elias que deve vir. Quem tem ouvidos, ouça!” (Mt 11:7-15).

Buber disse em certa ocasião que se um homem tem 0 dom de


ouvir, pode escutar a voz do próprio Jesus falando nos relatos mais
tardios dos Evangelhos. Esta observação autêntica pode, creio eu,
ser detectada nos comentários de Jesus sobre 0 Batista. Eles são, a
um só tempo, simples e profundos, ingênuos e cheios de paradoxos,
tempestuosos e, ainda assim, tranquilos. Pode alguém perscrutar sua
profundeza máxima? Jesus dirigia-se àqueles que haviam feito sua
peregrinação ao deserto para ver 0 novo profeta. Não era ali o lugar
para se encontrar cortesãos em trajes finos, que vivem em palácios
e curvam-se como um caniço ao vento, a cada mudança de opinião.
Observamos que 0 imaginário é tomado de uma conhecida fábula
de Esopo2526, com a qual também os rabinos estavam familiarizados27.
O caniço sobrevive à tormenta porque se dobra à força do vento,
enquanto uma árvore mais forte, que se recusa a inclinar-se, é em geral
arrancada com suas raízes pela tempestade. Agora sabemos quem era
0 alvo do escárnio de Jesus: Herodes Antipas e seus cortesãos adula­
dores, contra os quais o profeta do deserto, firme e indómito, vestido
num traje de pelos de camelo, proferia com veemência sua prega­
ção de destruição e morte. Não é certamente por acidente que Jesus

25 Mal 3:1.
26 Ver F a b u la e A e s o p ic a e , ed. Halm, Leipzig, 1875, números 179 “bc.
27 H. L. Strack & P. Billerbeck, K o m m e n ta r zu m N e u e n T e s ta m e n t a u s T a lm u d u n d
M id r a s c h , I, Munich, 1922-1961, pp. 596-597.
32 JESUS

reformula urna fábula de Esopo. Ele considerava nitidamente o


tetrarca e sua corte como uma espécie de “fazenda dos animais”.
Posteriormente, ao estilo de Esopo, ele descrevería Herodes como
“essa raposa” (Le 13:32)28.
Na concepção de Jesus, João era um profeta, se quiserdes, aquele
que estava preparando 0 caminho de Deus no final dos tempos, 0
Elias que deveria retornar. Com João tem início o fim dos dias - a
erupção decisiva na história do mundo. Todos os profetas profetiza­
ram até a época de João Batista; doravante, porém, “0 reino dos céus
sofre violências, e violentos se apoderam dele”. Estas palavras enig­
máticas estão relacionadas com o dito do profeta Miqueias (2:13):
“Subiu diante deles aquele que abre a brecha; eles abriram a brecha,
passaram pela porta e saíram por ela; seu rei passou diante deles e 0
Senhor estava na frente deles”.
David Kimchi, um comentarista medieval, ofereceu a seguinte
interpretação para este versículo29: “Aquele que ‘abre a brecha’ é Elias
e ‘seu rei’ é 0 descendente de Davi” . Segundo esta leitura, cuja forma
mais antiga Jesus parece ter conhecido, Elias deveria vir primeiro para
abrir a brecha, seguido por aqueles que avançariam com o seu rei, 0
Messias. De acordo com Jesus, Elias-João já chegou e aqueles homens
que possuem coragem de decisão estão agora tomando posse do reino.
Com 0 advento de João, 0 reino do céu irrompe. Mesmo assim,
ainda que João fosse 0 maior dentre “aqueles que nasceram de
mulher”, 0 menor no reino do céu seria maior do que ele. João Batista
criou a brecha através da qual 0 reino de Deus poderia irromper, mas
ele mesmo nunca foi membro daquele reino. Podemos expressar isso
de modo diferente. No seu batismo, Jesus foi iluminado pela voz
celestial, no que concerne ao reino messiânico. João foi o precursor,
aquele que “rompeu” para 0 advento daquele reino, ao qual ele pró­
prio não pertencia. Ele era, por assim dizer, um membro da geração
anterior. Este discernimento paradoxal por parte de Jesus enfatiza a
distinção entre João e 0 reino messiânico, bem como 0 elo histórico
entre Jesus e 0 Batista. Mas, a experiência de Jesus no seu batismo 0
investiu de uma função nova e distinta. Jesus não poderia tomar-se

28 No hebraico e no aramaico palestinense, 0 termo "raposa” era por vezes utili­


zado para denotar alguém insignificante. Dessa forma, o apelido que Jesus dava
a Antipas deve ser lido como um insulto nâo muito sutil, dirigido ao tetrarca da
Galileia. Ver M. Jastrow, D ic tio n a r y o f th e T alm u d , 1538; M. Sokoloff, A D i c t i o ­
n a r y o f J e w is h P a le s tin ia n A r a m a ic , Ramat Gan, 1990, p. 587.
29 B. H. Young, J e s u s th e J e w is h T h e o lo g ia n , Peabody, 1995, pp. 65-66 e 73-76,
observa que Edward Pococke, A C o m m e n ta r y o n th e P r o p h e c y o f M ic a h (Oxford,
1676), pp. 22-25, já havia visto a relação entre tvlt 11:12 e Mq 2:13. Sua explica­
ção baseia-se também no comentário de David Kimchi de Mq 2:13. Ver também
D. Flusser, D ie r a b b in is c h e n G le ic h n is s e , Bem, 1981, pp. 272-273.
0 BATISMO 33

um discípulo de João. Ele teria de percorrer as aldeias ao redor do


Mar da Galileia e anunciar 0 reino do céu.
Agora entendemos porque a resposta de Jesus à pergunta do Batista
terminou com uma advertência, “Bem-aventurado aquele que não ficar
escandalizado por causa de mim”. O verbo hebraico que, naqueles tem­
pos, ampliou-se de modo a significar “ser levado ao pecado, desviar-se
do conhecimento correto da vontade de Deus” foi interpretado no grego
do Evangelho literalmente como “tropeçar”. Segundo um documento
posterior (1 Pd 2:7-8), Jesus é, por assim dizer, a pedra de toque, uma
pedra angular para os crentes, uma rocha de transgressão e uma pedra
de tropeço (Lc 20:18; cf. 2:34) para os descrentes. Quando o Batista
enviou sua pergunta a Jesus, este deduziu corretamente que não poderia
acompanhá-lo porque João, 0 maior membro da geração anterior, não
pertencia ao reino de Deus. Pode até ser que Jesus tivesse indicações
concretas a respeito da hesitação de João. Nada nos é dito sobre a reação
do Batista à mensagem de Jesus. Todavia, 0 movimento por ele iniciado
teve uma vida paralela independente à do Cristianismo emergente.
Como vimos, muitos pensaram que João fosse Elias ressurrecto. O
próprio Antigo Testamento nos conta que Elias nunca morreu, mas foi
transportado para 0 céu. Como é, então, que este imortal, tendo retornado
no fim dos dias como João, foi morto irrevogavelmente por Herodes?
Havia, de fato, os que acreditavam que João Batista tivesse ressusci­
tado dos mortos (Lc 9:1) e ressurgido em Jesus. É óbvio que muitos dos
discípulos de João compartilhavam desta crença na ressurreição de seu
mestre. A própria pregação de João, no entanto, rejeita qualquer possibi­
lidade dele ter se considerado 0 Messias. Ele aguardava a vinda de outro
maior (Lc 3:16). Ainda assim, havia dentre seus discípulos aqueles que,
mesmo durante sua vida, divertiam-se com a ideia de que ele fosse 0
maior. De todo modo, após sua morte, há evidência de crença no Batista
como 0 Messias. Porém, uma vez que pertencia à linhagem sacerdotal
era, é óbvio, considerado 0 messias sacerdotal e não 0 davídico.
A lógica dos relatos implica que Herodes deve ter percebido com
rapidez 0 perigo que o Batista representava. Não 0 deixou em liberdade
por muito tempo. Também a atividade de Jesus, após 0 aprisionamento
de João, restringiu-se a um breve espaço de tempo. Herodes, a raposa,
não estava adormecido. Depois de ter executado João, “Herodes, o
tetrarca, veio conhecer a fama de Jesus e disse aos seus servidores:
‘Certamente se trata de João Batista: ele foi ressuscitado dos mortos’ ”
(Mt 14:1). Mais tarde, alguns fariseus advertiram Jesus de que Herodes
tentava matá-lo. Por conseguinte, Jesus enviou mensagem a Herodes
de que passaria mais dois ou três dias na região, partindo então para
Jerusalém, “pois não convém que um profeta pereça fora de Jerusa­
lém” (Lc 13:31). Como veremos, Herodes tem sua parcela de culpa
na crucificação.
34 JESUS

Após a execução de João, Jesus apontou para seus discípulos a


relação trágica entre aquela execução e 0 fim que 0 ameaçava. “Os
discípulos perguntaram-lhe: ‘Por que razão os escribas dizem que é
preciso que Elias venha primeiro?’ Responde-lhes Jesus: ‘Certamente
Elias terá de vir para restaurar tudo30; Eu vos digo, porém, que Elias
já veio, mas não 0 reconheceram. Ao contrário, fizeram com ele tudo
quanto quiseram. Assim também 0 Filho do Homem irá sofrer da parte
deles’. Então os discípulos entenderam que se referia a João Batista”
(Mt 17:10-13).
Antes disso, no início de seu ministério, quando João Batista
ainda pregava no deserto, Jesus havia se comparado a ele.

A quem vou comparar esta geração? Ela é como crianças sentadas nas praças,
a desafiarem-se mutuamente, “Nós vos tocamos flauta, e não dançastes! Entoamos
lamentações e não batestes no peito!” Com efeito, veio João, que não come nem bebe,
e dizem: “Um demônio está nele”. Veio 0 Filho do Homem, que come e bebe, e dizem:
“Eis aí um glutão e beberrâo, amigo de publícanos e pecadores”. Mas a Sabedoria foi
justificada pelas suas obras31 (Mt 11:16-19).

Era impossível contentar a todos. Diziam que 0 ascético prega­


dor do deserto, João, era louco - como disseram mais tarde que Jesus
estava usando um espírito do mal - e encontraram defeitos também
em Jesus, devido à sua abertura ao mundo. Deste dito de Jesus apren­
demos, indiretamente, que o conteúdo da pregação de cada homem
estava relacionado, de forma íntima, ao seu caráter. As boas novas
do amor estavam associadas à natureza socrática de Jesus; a pre­
gação penitencial estava ligada à tendência melancólica de João ao
ascetismo.

30 Jesus alude aqui à tradição dos “escribas” refletida na Mischná, T r a ta d o E d u y o t


8:7.
31. Jesus evidentemente depende aqui da fábula de Esopo. Ver F a b u la e A e s o p ic a e ,
n. 27"\ '
4. A Lei

Paulo e seu séquito “Atravessaram depois a Frigia e a região da Galá-


cia, impedidos que foram pelo Espírito Santo de anunciar a palavra na
Á s i a atravessaram então a Mísia e desceram a Trôade ... Ora, durante
a noite, sobreveio a Paulo uma visão. Um macedônio, de pé diante dele,
fazia-lhe este pedido: ‘Vem para a Macedonia, e ajuda-nos’” (At 16:6-10).
Este episódio sobre a missão de Paulo aos pagãos no Ocidente foi de
enorme importância. Era a vontade de Deus que 0 Cristianismo se espa­
lhasse em direção oeste, para a Europa. O Cristianismo penetrou, pois,
no mundo greco-romano, tomando-se, mais tarde, uma religião euro-
peía. Em contraste com o ambiente cultural do Judaismo e das religiões
da Ásia oriental, a começar pela Pérsia, a cultura ocidental contribuiu
para que o Cristianismo desenfatizasse preceitos rituais ou cerimoniais,
no que concerne “aos alimentos, às bebidas e às abluções diversas”
(Hb 9:10). Segundo a visão europeia, é permitido comer tudo o que se
vende no mercado, sem levantar dúvidas por motivo de consciência. Pois
“a terra e tudo o que ela contém pertence ao Senhor” (1 Cor 10:25-26).
Uma das tarefas empreendidas pelo paulinismo e outros movimentos
nos primórdios do Cristianismo foi a criação de um sistema ideológico
baseado neste conceito de liberdade da Lei. No curso da história do Cris­
tianismo, a superestrutura modificou-se. De um modo geral, entretanto,
foi obrigada a permanecer, porque este “liberalismo” é uma caracte­
rística intrínseca da civilização europeia. Se 0 Cristianismo tivesse se
difundido primeiro para as regiões asiáticas orientais, teria desenvolvido
36 JESUS

Moisés, conforme retratado num mural de Dura F.uropas.


A LEI 37

práticas rituais e cerimoniais específicas, baseadas na lei judaica, a fim


de tomar-se uma religião autêntica naquela parte do mundo.
Assim, seria um erro não reconhecer 0 constrangimento sentido
por muitos pensadores e eruditos cristãos. Estes sentiram-se obriga­
dos a lidar com o fato de que o fundador de sua religião era um judeu,
fiel à Lei, que nunca tivera de enfrentar a necessidade de adaptar seu
Judaísmo ao modo de vida europeu. Para Jesus havia, naturalmente,
0 problema peculiar de sua relação com a Lei e seus preceitos, mas 0
mesmo ocorre com todo judeu crente que leva a sério seu Judaísmo.
Nos Evangelhos, vemos como a atitude de Jesus com relação à
Lei tomou-se, por vezes, irreconhecível, como resultado do “escla­
recimento” dos evangelistas e a correção de revisores posteriores.
Todavia, os Evangelhos Sinóticos, lidos com os olhos de seus con­
temporáneos, ainda retratam Jesus como um judeu fiel, observador das
leis. Poucas pessoas se dão conta de que, nos Evangelhos Sinóticos,
Jesus nunca é mostrado em conflito com a prática corrente da Lei - à
única exceção das espigas arrancadas no Schabat. Com respeito a este
incidente, Lucas (6:1 -5) é 0 mais fiel ao relato original. “Certo sábado,
ao passarem pelas plantações, seus discípulos arrancavam espigas e as
comiam, debulhando-as com as mãos. Alguns fariseus disseram: ‘Por
que fazeis1o que não é permitido em dia de sábado?’ ”
Por consenso geral, no sábado era permitido apanhar espigas que
haviam caído e debulhá-las entre os dedos. Segundo Rabi Yehudá,
também da Galileia, era até permitido debulhá-las com as próprias
mãos1 2. Alguns fariseus criticaram os discípulos de Jesus por compor­
tar-se de acordo com sua tradição galileia. O tradutor grego do original
não estava evidentemente familiarizado com os costumes do povo.
Com 0 fito de tomar a cena ainda mais vivida, acrescentou a declara­
ção sobre a colheita das espigas de trigo, introduzindo, dessa maneira,
0 único ato de transgressão da Lei registrado na tradição sinótica3.
No caso de lavar as mãos antes de uma refeição, a tradição sinó­
tica não deve ser culpada pelo equivoco. O preceito da ablução das
mãos não fazia parte do ensinamento escrito, nem tampouco do oral.
Na época de Jesus, o preceito dizia: “Lavar as mãos antes de uma
refeição é aconselhável, a ablução após a refeição é obrigatória”4. Este

1 Assim é, segundo Mateus e Marcos.


2 Ver Pines, op. cit., p. 63. A colheita está ausente não só no texto mencionado por
Pines, como também no Diatessaron de Taciano, A. S. Marmadji (ed.), Beirute,
1935, p. 66, e no comentário de Efrém da Síria sobre 0 Diatessaron, L. Leloir
(ed.), Dublin, 1963, p. 104. Ver S. Pines, “Gospel Quotations”, Journal o f Semitic
and Islamic Studies, Jerusalem, 1987, pp. 2 5 8 2 5 9 ‫־‬.
3 Ver M. Kister, “ Plucking on the Sabbath and Christian-Jewish Polemic”, Imma­
nuel 24-25, Jerusalem, 1990, pp. 3 5 5 1 ‫־‬.
4 Tosefta Berakhot 5:13; Billerbcck 1, op. cit., pp. 696-698. A expressão “aconse­
lhável” pode ser compreendida como, “é uma questão de um preceito (formal)
38 JESUS

costume dizia respeito a regulamentos rabínicos encontrados talvez,


pela primeira vez, na geração anterior a Jesus. Mesmo os fariseus mais
fanáticos daqueles dias balançariam suas cabeças em sinal de incom­
preensão caso alguém tivesse afirmado que Jesus havia infringido a
Lei de Moisés, porque seus discípulos nem sempre lavavam suas mãos
antes de comer. “É razoável supor que até o período da destruição do
Templo e, possivelmente, mais tarde ainda, lavar as mãos antes de
ingerir alimentos comuns não era algo aceito por todos os sábios, nem
tampouco praticado por todo I s r a e l.
A partir de uma perspectiva gradativa dos preceitos judaicos,
os escribas em conversa com Jesus descreveram a ablução das mãos
como nada mais que “uma tradição dos antigos” (Mc 7:5). Também
Jesus empregava os conceitos de seus contemporâneos ao descrever
0 preceito rabínico da ablução - que não era inteiramente obrigatório
naqueles dias - como uma “tradição dos homens” (Mc 7:8), em con­
traposição aos mandamentos da Lei escrita e oral. O preceito de lavar
as mãos antes de uma refeição não era compulsório naquela época
pela simples razão de ser uma das regras de purificação não pertinente
a todos os judeus, sendo somente obrigatória para grupos específicos
que haviam-na aceito como um comprometimento para toda a vida.
O grau e a medida desta obrigação variavam. Os fariseus forma­
vam uma sociedade cujas regras de pureza ritual eram muito mais
lassas que as da comunidade essênica. Seria natural, portanto, que na
discussão sobre a ablução das mãos Jesus tivesse ampliado o escopo
de todo 0 problema da pureza ritual ao dizer: “Não é o que entra pela
boca que toma 0 homem impuro, mas 0 que sai da boca, isto sim 0
toma impuro” (Mt 15:11). A propósito, este dito é compatível, na inte­
gra, com a postura legal judaica. O corpo de uma pessoa não se torna
ritualmente impuro mesmo que ela tenha comido animais proibidos
pela Lei de Moisés!
Por conseguinte, 0 que Jesus disse nada tem a ver com uma
suposta ab-rogação da lei judaica, mas faz parte de uma crítica diri­
gida aos fariseus. A verdade geral, de que uma observância rigorosa
de pureza ritual pode encorajar a complacência moral, era aplicável
mesmo nos tempos de Jesus. Um escritor6 judeu daquela época com
certeza tinha em mente os fariseus ao falar de “homens pestilentos
e ímpios... hipócritas... E embora suas mãos e suas mentes estejam

da autoridade”. Outros exemplos deste significado são encontrados em G. Alon,


Estudos em História Judaica, Hakibutz Hameukhad, 1958, pp. 111-119 (em
hebraico). Esta interpretação se adapta melhor à discussão nos Evangelhos.
5 G. Alon, Jews, Judaism and the Classical World, Jerusalem, !977, p. 221 [os
itálicos são de Alón],
6 A Ascensão de Moisés 7:3-9. Ver H. F. D. Sparks, The Apocryphal Old Testament,
Oxford, 1988, p. 611.
A LEI 39

ocupadas com coisas impuras, eles farão uma bela apresentação em


palavras, afirmando até ‘Não me toques, para que não me macules...” ’
Aqui, como no caso de Jesus, enfatiza-se 0 contraste entre pensamento
e discurso moralmente impuros e 0 anseio por pureza ritual.
Jesus falou acerca deste assunto numa outra ocasião: “Ai de vós,
escribas e fariseus, hipócritas, que limpais 0 exterior do copo e do prato,
mas por dentro estais cheio de rapina e de intemperança! Fariseu cego,
limpa primeiro 0 interior do copo para que também 0 exterior fique
limpo!” (Mt 23:25-26). Ele também os chamava de “Condutores cegos,
que coais 0 mosquito e tragais o camelo!” (Mt 23:24). Este último dito
soa como um provérbio. Talvez a terminologia usada por Jesus sobre
as purezas interior e exterior tampouco tenha sido inventada por ele.
Se estamos corretos ao pensar que esse dito é importante, devería­
mos investigar o significado exato que tinha para 0 próprio Jesus.
Segundo a tradição, ele costumava dar graças pelo vinho e 0 pão.
Poderia Jesus, simultaneamente, acreditar que coisas materiais são,
em si mesmas, neutras, do ponto de vista religioso? Poucas déca­
das mais tarde, Raban Yokhanan ben Zakai disse a seus discípulos:
“Realmente, não são os mortos que vos tornam impuros, tampouco é
a água, mas é uma lei do Rei dos Reis. Deus disse: ‘Estabelecí Meu
estatuto. Determinei Meu regulamento. Nenhum homem tem 0 direito
de transgredir Minha ordenança’. Pois está escrito7, ‘Eis um estatuto
da Lei que 0 Senhor prescreveu’ ” 8.
Jesus não teria falado desta forma - em primeiro lugar, porque
é racional demais. Podemos afirmar - provisoriamente - que, para
ele, os valores morais ofuscavam todos os valores rituais, mas isto
está longe da verdade total. Teria Jesus, em todo caso, pensado em
categorias teóricas definidas com tanto rigor? No que tange à ablu-
ção das mãos9 e à colheita das espigas, foram os discípulos, e não 0
mestre, os menos rígidos na sua observância da Lei10. Mesmo isso
não é, em geral, observado. Quando a negligência de seus discípulos

7 Nm 19:2.
8 Billerbeck, 1, op. cit., p. 719. O importante é que Raban Yokhanan ben Zakai
estivera falando sobre um mandamento bíblico, ao passo que a abluçâo das mãos
era meramente um preceito posterior, e os preceitos de purificação dos fariseus
eram voluntários.
9 Ver também a importante história extracanônica do confronto entre Jesus e 0
sacerdote fariseu no átrio do Templo, em J. Jeremias, Unknown Sayings o f Jesus,
Naperville, 111., 1965, pp. 47-60.
10 Uma situação similar é descrita sobre Raban Gamaliel, 0 neto do mestre de Paulo,
que ensinava seus discípulos uma compreensão mais leniente de uma questão
legal, enquanto mantinha para si mesmo uma prática mais severa. Quando os
discípulos o desafiaram para que reservasse essa sua interpretação mais rígida
do preceito para sua noite de núpcias, respondeu: “Não prestarei atenção a vos­
sas palavras para não cancelar para mim, por uma hora que seja, 0 reino do céu”
(Mischná, Tratado Berakhot 2:5).
40 JESUS

foi apontada para 0 mestre, ele não só veio em sua defesa como tam­
bém respondeu de modo muito mais enérgico do que o caso aparen­
temente merecia.
Jesus aproveitou a oportunidade para elucidar um ponto impor­
tante. Suas respostas, aqui e acolá, não eram tão revolucionárias como
alguém inexperiente poderia imaginar. Seu discurso acerca da pureza
e da impureza é quase uma peça de sabedoria moral popular e as pala­
vras de Jesus, na discussão sobre as espigas no Schabat, harmonizam­
-se plenamente com as concepções dos escribas moderados. Naquela
mesma ocasião, Jesus dissera: “O Sábado foi feito para o homem, e
não 0 homem para 0 Sábado; de modo que 0 homem1' é senhor até do
Sábado” (Mc 2:27-28). Também os escribas haviam dito: “O Sábado
vos foi dado, não vós ao Sábado” 12.
Jesus sabia como explorar uma ocasião adequada para uma ofensiva
pedagógica contra os fanáticos intolerantes13. Assim 0 fez, por exem-
pio, ao realizar 0 milagre de cura no sábado. Para entender a situação
de forma adequada, devemos ter em mente que caso houvesse uma leve
suspeita de ameaça à vida, toda forma de cura era permitida. Mais ainda,
mesmo quando a doença não era perigosa, a utilização de meios mecâ­
nicos era proibida, mas a cura através de palavras era sempre permitida
no sábado. Segundo os Evangelhos Sinóticos, Jesus ateve-se a estas res­
trições em todas as suas curas14. O mesmo não ocorreu com João, que
estava menos interessado na história. Ele relata a cura de um homem
cego, história esta reminiscente de Marcos 8:22-26. De acordo com João
9:6, Jesus realizara a cura colocando lama, feita de terra e saliva, nos
olhos do homem cego. Ao contrário de Marcos, João acrescenta, “Ora,
era Sábado 0 dia em que Jesus fizera lama e lhe abrira os olhos... Diziam,
então, alguns dos fariseus: ‘Esse homem não vem de Deus, porque não
guarda 0 Sábado’ ” (Jo 9:14-16). Se Jesus tivesse agido assim, a objeção
dos fariseus teria sido legítima. Observamos, no entanto, que Jesus não
tinha nenhum desejo de opor-se à Lei de Moisés. Queria apenas expor
a inflexibilidade dos fanáticos, usando este caso como um exemplo.
Jesus não só utilizou a crítica de seus oponentes para propósitos
de ensino, ele na verdade sabia como criar situações que realçassem
aspectos de seu ensinamento.

11 Literalmente, “o filho do homem”. Aqui significa simplesmente “homem”. Isso


já fora reconhecido no século XVII pelo famoso erudito holandês Hugo Gro-
tius, em seu comentário sobre Mt 12:8. Ver também 0 capitulo sobre 0 Filho do
Homem neste volume.
12 Mekhilta sobre Êxodo 31:14 (103b); Horovitz e Rabin, p. 341; ver W. Bacher,
Die Agada der Tamaiten II, Strassburg, 1890, p. 493, nota 2. Ver também V.
Taylor, op. cit., pp. 218-220.
13 D. Flusser, “It is not a Serpent that Kills”, Judaism, p. 550.
14 Ver J. N. Epstein, Prolegomena ad Hueras Tannailicas, Jerusalem, 1957, pp.
280-281 (em hebraico).
A LEI 41

Em outro Sábado, entrou ele na sinagoga e começou a ensinar. Estava ali um


homem com a mão direita atrofiada. Os escribas e os fariseus observavam-no para ver
se ele o curaria no Sábado... Jesus lhes disse: “Eu vos pergunto se, no Sábado, é per­
mitido fazer o bem ou o mal, salvar uma vida ou arruiná-la”. Correndo os olhos por
todos, disse ao homem: “Estende a mão” . Ele 0 fez, e a mão voltou ao estado normal.
Eles, porém, se enfureceram e combinavam o que fariam a Jesus (Lc 6:6-11).

Como a menção aos fariseus é inconsistente em todas as três tra­


dições sinóticas, é provável que os observadores não fossem, de fato,
fariseus. Sua descrição como tal é obra da mão de um redator posterior.
Ademais, a declaração referente à sua motivação, “procuravam um
motivo para acusar Jesus”, também é secundária. A asserção de Jesus,
de que é permitido por lei salvar uma pessoa e não deixá-la perecer,
certamente não era estranha a muitos de seus ouvintes. Jesus aludia a
uma conhecida expressão clássica, característica da abordagem humana
judaica ao “outro”, conforme incluída no importante dito rabínico:

Portanto, somente um único homem foi criado no mundo, para cnsiná-10 que, se
qualquer ser humano leva uma única alma a perecer, a Escritura lhe imputa ter causado
a morte de todo 0 mundo; se qualquer homem salva uma única alma, a Escritura atribui
a ele a salvação de todo 0 mundo15.

A inovação criativa de Jesus foi a de aplicar este princípio judaico


comum em relação ao Sábado e às curas que nele aconteciam. Para
alguns de seus ouvintes, porém, a alusão a esta conhecida sentença
apenas reforçou sua perplexidade.
Jesus, já conhecido por ser um curador, encontra no sábado, na
sinagoga, um homem com a mão atrofiada. O homem está crônica mas
não perigosamente doente. Irá Jesus curar este homem? Sim! Mas de
uma maneira consistente com a observância do sábado. Por meio deste
feito e das palavras que disse, demonstrou 0 verdadeiro significado do
Schabat. Naturalmente, 0 fato incitou os hipócritas devotos, incapazes
de surpreendê-lo transgredindo a Lei. Além disso, no relato original,
que está por detrás de grande parte da narrativa de Mateus (Mt 12:9-14),
os fariseus não foram mencionados explícitamente16. A referência a eles
na conclusão de Mateus (Mt 12:14) não é extraída do relato original
dependendo, neste ponto, do Evangelho de Marcos. Em Marcos, a
história não termina com a perplexidade impotente dos fanáticos, mas
da seguinte maneira: “Ao se retirarem, os fariseus com os herodianos
¡mediatamente conspiraram contra ele, sobre como 0 destruiríam”.
Trata-se de uma clara referência à futura crucificação (cf. Mc 15:1). É

15 Mischná, T r a ta d o S a n h e d r in 4:5. Esta sentença era certamente conhecida por


Filo, filósofo judeu de Alexandria (20 a.C.-40 d.C.), O n th e D e c a lo g u e 3 7 , P h ilo
VIL trad. F. H. Colson, Cambridge, Mass., 1958, p. 25.
16 Ver também R. Bultmann, H is to r y o f th e S y n o p tic 'T radition , New York, 1963,
pp. 52 e ss.
42 JESUS

extremamente improvável que os fariseus tivessem agido dessa forma.


Mesmo os mais iníquos dentre eles nunca teriam resolvido matar Jesus
por este haver realizado uma cura no sábado - ação de todo modo per­
mitida. Por este motivo, a versão de Lucas (6:11) é a preferível aqui17.
Se Jesus enfatizava 0 aspecto moral da vida, optando por ele ao
invés de pelo ponto de vista puramente formal da observância da Lei,
podemos dar um pouco mais de profundidade a esta afirmação tempo­
rária, abandonando a questão da Lei e abordando dois de seus outros
diálogos controvertidos. O primeiro tem 0 mesmo sobretom polêmico
que 0 dito por ocasião da cura da mão atrofiada.

Aí lhe trouxeram um paralítico deitado numa cama. Jesus, vendo tão grande fé,
disse ao paralítico: “Tem ânimo, meu filho; os teus pecados te são perdoados”. Ao
ver isso, alguns dos escribas diziam consigo: “Está blasfemando. Quem pode perdoar
pecados senão Deus?” Mas Jesus, conhecendo os seus pensamentos, disse: “Por que
tendes esses maus pensamentos em vossos corações? Com efeito, que é mais fácil
dizer “Teus pecados são perdoados” ou dizer “Levanta-te e anda?” Pois bem, para que
saibais que 0 homem18 tem poder na terra de perdoar pecados” ... disse então ao para­
lítico: “Levanta-te, toma tua cama e vai para casa”. Ele se levantou e foi para casa.
Vendo 0 ocorrido, as multidões ficaram com medo e glorificaram a Deus, que deu tal
poder aos homens (cf. Mt 9:1-8).

Como no episódio da cura da mão atrofiada, Jesus uma vez mais


associa a palavra à ação. A cura não consituía um objetivo em si, mas
era uma prova evidente de sua mensagem. Como as pessoas acredi­
tavam que as enfermidades fossem consequência de pecados cometí-
dos, sua absolvição poderia até mesmo implicar em cura19. Ao curar
o paralítico, Jesus provou que Deus dera autoridade aos homens para
que estes proclamassem 0 perdão dos pecados mesmo quando estes
não tivessem sido cometidos contra eles. É também importante que
Jesus tenha perdoado os pecados do homem doente após ter percebido
a fé dos presentes e, aparentemente, a do enfermo. O relato original
não menciona a crença de Jesus em si mesmo - só mais tarde, esta
tomou-se parte integrante da fé cristã (e.g., no Evangelho de João) -

17 Poucos estudiosos perceberam o final, distintamente diferente, ao relato de Lucas


ou a tradução inglesa tendenciosa de a / v o t a , “Mas eles encheram-se de féria".
Os tradutores ingleses interpretaram a palavra grega à luz do final de Marcos (cf.
Mc 3;6; Mt 12:14). O termo grego, no entanto, nunca é traduzido em outras partes
como “raiva, fúria, ira” (ver H. G. Liddell & R. Scott, A Greek-English Lexicon,
New York, 1940, p. 145.) Ao contrário, deve-se interpretar que os observadores
encheram-se de “frustração, desconcerto”. Ver minha discussão na introdução
do livro J u d a is m , p. xxv, nota 35, ou meu prefácio à obra Hebrew T ra n s la tio n
o f the Gospel o f Mark, de R. L. Lindsey, Jerusalem, 1973, p. 5. Ver in fra , cap.
8, nota 10.
18 Literalmente, “0 filho do homem”; Taylor, op. cit., p. 197.
19 D. Flusser, “A Lost Jewish Benediction in Matthew 9:8”, J u d a is m , pp. 535-542.
A LEI 43

A cu ra d o h o m e m p a r a lític o (L e 5 :17-26 e p a r a is .) , d a Ig re ja d e D u r a E u r o p a s, p r i-
m e lra m e ta d e d o séc. I I I d .C .

mas o poder da própria fé já era reconhecido por Jesus. “Se tivésseis


fé como um grão de mostarda, dirieis a esta amoreira: ‘Arranca-te e
replanta-te no m ar’, e ela vos obedecería” (Lc 17:6).
Existe outra controvérsia no que tange à remissão dos pecados.
Alegava-se que o poder de cura de Jesus advinha de Belzebu, 0 prín­
cipe dos espíritos, por meio de cujo poder Jesus os havia expulsado.
Uma de suas respostas para esta calúnia é relatada em Mateus 12:32:
“Se alguém disser uma palavra contra 0 Filho do Homem [i.e., um
homem], ser-lhe-á perdoado, mas se disser contra 0 Espírito Santo,
não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no vindouro”. O signifi­
cado especial deste dito, que tem paralelos nos escritos judaicos20, está
no fato de Jesus saber que possuía o Espírito Santo desde seu batismo.
O pronunciamento é igualmente importante porque nos mostra 0
cerne para 0 qual Jesus aponta em suas controvérsias, mesmo naquelas
relacionadas à observância da Lei; ou seja, ao pecado e à dignidade

20 Ver P. Volz, Der Geisl Gottes, Tübingen, 1910, p. 164; D. Flusscr, “Die Sünde
gegen den heiligen Geist, “ Wie gut sind deine Zelte, J a a k o w Festschrift zum
60. Geburtstag von Reinold Mayer, Gerlingen, 1986, pp. 139-147.
44 JESUS

humanos. No decorrer de estágios subsequentes de revisão, os pro­


tagonistas nos diálogos controvertidos de Jesus foram delineados de
forma mais distinta - e progressivamente mais distorcida. No relato
original, os oponentes de Jesus são, com frequência, porta-vozes, anô­
nimos e autonomeados, do fanatismo local. Mais tarde, são descritos,
sem hesitação, como escribas e fariseus21. Vale a pena acompanhar 0
desenvolvimento progressivo do texto, a fim de ver como os oponen­
tes de Jesus vão se tomando cada vez mais seus inimigos, inspirados
por perversidade ilimitada e tendo como objetivo último sua morte
e destruição.
Há, no entanto, alguma justificativa em descrever os oponentes
de Jesus na argumentação como fariseus. Num sentido mais restrito,
estes formavam uma sociedade cujos membros - como dissemos -
haviam aceito voluntariamente certos preceitos de pureza e outras
obrigações. Nos dias de Jesus, esta sociedade contava com cerca de
seis mil membros em Jerusalém. Surgiu no período turbulento do
século II a.C., tendo-se oposto à dinastia macabeia dominante, que
havia feito aliança com 0 movimento político-religioso dos saduceus.
A antiga ideologia saduceia reflete-se em desenhos encontrados
em Jerusalém, na tumba de um certo Jasão. Este Jasão leva um nome
grego, e uma inscrição em língua grega na sua tumba convida os
vivos a desfrutar a vida. O homem era, evidentemente, um saduceu
que não acreditava na vida após a morte22. Existe na tumba também
0 desenho de três navios23. O do meio é um barco mercante (ou de
pesca). O navio de guerra da direita está perseguindo as outras duas

D e se n h o d a s em b a rca çõ es.

21 Ver nota 16.


22 L. Y. Rahmani, “Jason’s Tomb”, Israel Exploration Journal 17/2, 1967, p. 95.
23 Idem, pp. 69-73.
A LEI 45

embarcações. Aparentemente, a cena retrata uma batalha marítima


entre o barco perseguidor e o barco mercante à sua frente.

Há pouca dúvida que 0 quadro da ação naval tinha como intuito referir-se à ocu­
pação de um importante membro da familia aqui enterrado ... No caso presente, existe
razão para supor que se trata de uma cena 11a qual o falecido desempenhou papel de
liderança e ele é mostrado claramente na proa de seu navio24.

Desse modo, 0 homem que está perseguindo 0 navio pesqueiro ou


0 navio mercante, bem como outra nau de guerra, é 0 próprio Jasão.
Ao que tudo indica, ele era um bucaneiro saduceu na época de Ale­
xandre Janeu (103-76 a.C.). Conhecemos tais atividades retratadas
no desenho por meio da preocupação expressa por Pompeu com os
ataques árabes e judeus (i.e., pelo mar) à Síria. Ele finalmente desa­
provou que o trono fosse ocupado pelo último selêucida, dizendo “que
ele não sabería defender para que a Síria não fosse exposta novamente
às depredações (latrocinio) dos judeus e dos árabes”25.
Os fariseus envolveram-se na guerra civil no período macabeu
posterior e, na época de Jesus, já eram reconhecidos como mestres
das massas, identificando-se conscientemente com a fé popular. Os
saduceus, por outro lado, formavam um grupo pequeno, se bem que
poderoso, entre a aristocracia sacerdotal do Templo em Jerusalém.
Fundamentalmente, a filosofia de vida farisaica coadunava-se com 0
judaísmo universal não sectário, enquanto os saduceus transformaram­
-se num grupo contrarrevolucionário que negava a validade da tradi­
ção oral, considerando a crença na vida futura uma tolice.

24 Idem, pp. 96-97.


25 Justino, Historiae Philippicae, cd. W. Seel, Stuttgart, 1972, p. 276; Stern, op.
cit., vol. I, p. 343.
46 JESUS

Os fariseus não eram idênticos aos rabinos posteriores, mas


ambos os grupos podem, na prática, ser considerados como que for­
mando uma unidade. Na literatura rabínica, os sábios nunca desig­
nam a si mesmos de fariseus. Conhecemos, entretanto, dois homens
que assim 0 faziam: 0 historiador Flávio Josefo26 e São Paulo27. Rabi
Gamaliel, mestre de São Paulo, nunca é denominado de fariseu nas
fontes rabínicas, mas em At 5:34 Lucas fala de “certo fariseu chamado
Gamaliel. Era um doutor da Lei, respeitado por todo 0 povo”. Simão,
filho de Gamaliel, é descrito como fariseu apenas em Josefo28. Essas
exceções à regra se devem ao fato de terem sido escritas em grego. O
termo “fariseu” em hebraico possuía, em geral, uma conotação nega­
tiva. Naqueles dias, ao dizer “fariseu”, ¡mediatamente se pensaria num
hipócrita religioso. Em seu leito de morte, o rei saduceu Alexandre
Janeu advertiu sua esposa não contra os verdadeiros fariseus mas
contra os “pintados, cujos feitos são os de Zimri, mas que esperam
receber a recompensa de Fineias”29.
O rei saduceu falou sobre “os pintados”. Os essênios chamavam
os fariseus de “caiados”30 e Jesus disse: “Ai de vós, escribas e fariseus,
hipócritas! Sois semelhantes a sepulcros caiados, que por fora parecem
bonitos, mas por dentro estão cheio de ossos de mortos e de toda podri­
dão. Assim também vós: por fora pareceis justos aos homens, mas por
dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade” (Mt 23:27-28). O rei
saduceu distinguía entre as más ações dos “caiados” e sua reivindica­
ção a honrarias de justos. Os essênios também condenavam os feitos
dos fariseus: “E conduziram 0 povo por caminhos desviados, ao lhes
proferir discursos macios. Falsos mestres, levam para maus caminhos e
caminham cegamente para a queda, pois suas obras são feitas no logro”31.
Jesus identificava a hipocrisia dos fariseus na discrepância entre
sua doutrina e suas ações, “pois dizem, mas não fazem” (Mt 23:3).
Vale a pena mencionar que esta mesma polêmica antifarisaica ocorre
também na literatura rabínica, que é uma expressão do verdadeiro
farisaísmo. A relação talmúdica das sete espécies de fariseus32 é uma
variação quíntupla sobre 0 tema da hipocrisia - os dois últimos tipos
são substituídos por duas espécies positivas. Não é, pois, por acaso
que no discurso sobre os fariseus de Mt 23:1-36, Jesus lança sete

26 Josefo, Life, 12. Sobre 0 nome “fariseu” e seus vários significados, ver agora
D. Flusser, “Ein Sendschreiben aus Qumran (4QMMT) und der Ketzersegen”,
Bulletin der Sclrweizerischen Gesellschaft fiir judaistische Forschung 4, 1995,
pp. 27-31.
27 F1 3:5; At 23:6; 26:5.
28 Josefo, Life, 191.
29 TB, Tratado Sota 22b; Esta é uma alusão à história contada em Nm 25:6-15.
30 Documento de Damasco (CD) 8:12; 19:25 (segundo Ez. 13:10).
31 Rolo de Ação de Graças (IQH) 4:6-8.
32 TB, Tratado Sotó 22b; TJ, Tratado Berakhot 13b.
A LEI 47

“maldições” contra eles. O primeiro tipo na relação talmúdica é 0


“fariseu dos ombros”, que joga 0 peso da Lei sobre os ombros dos
outros”33. Também Jesus dizia que os fariseus “amarram fardos pesa­
dos e os põem sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos nem
com um dedo se dispõem a movê-los” (Mt 23:4).
Os escritos essênicos estão repletos dos mais implacáveis ataques
contra o partido farisaico - se bem que 0 nome não seja mencionado
diretamente. Os fariseus eram descritos como “exegetas evasivos”,
suas ações eram uma hipocrisia e, por intermédio de “sua doutrina
ludibriadora, suas línguas mentirosas e seus lábios falsos”, eram capa­
zes de conduzir quase todo o povo por caminhos desviados34. Assim,
“eles fechavam a fonte de conhecimento aos sedentos, dando-lhes
vinagre para saciar sua sede”35. Isso nos faz recordar das palavras
de Jesus: “Ai de vós, legistas, porque tomastes a chave da ciência!
Vós mesmos não entrastes e impedistes os que queriam entrar!” (Lc
11:52; cf. Mt 23:13).

C á te d ra d e M o is é s , d e C o r a z im (v e r M t 23 :2 ).

33 De acordo com TJ, Tratado Berakhot 14b.


34 Pescher Nakhum (4Q169) 2 :7 1 0 ‫־‬.
35 Rolo de Ação de Graças (IQH) 4:11.
48 JESUS

Não obstante, a distância entre o ataque essênico contra os fari­


seus e a crítica que Jesus fazia deles é muito grande. Os essênios
rejeitavam explícitamente a doutrina dos fariseus36, ao passo que Jesus
dizia: “Os escribas e fariseus estão sentados na cátedra de Moisés.
Portanto, fazei e observai tudo quanto vos disserem. Mas não imiteis
as suas ações, pois dizem, mas não fazem” (Mt 2 3 :2 3 ‫)־‬. Jesus via
nos fariseus os herdeiros contemporâneos de Moisés, dizendo que os
homens deveríam moldar suas vidas segundo seus ensinamentos. Isso
faz sentido, pois muito embora Jesus fosse influenciado indiretamente
pelo essenismo, estava fundamentalmente enraizado no judaísmo uni-
versai não sectário. A filosofia e a prática deste judaísmo eram as dos
fariseus.
Não seria incorreto descrever Jesus como um fariseu, num sen­
tido mais amplo. Todavia, ainda que sua crítica deles não fosse tão
hostil quanto a dos essênios, nem tampouco tão contraditória como a
do escrito contemporâneo ao qual me referi (/. e., A Ascensão de Moi­
sés, cap. 7), Jesus os considerava foráneos, e não se identificava com
eles. Temos ainda que analisar a tensão inevitável entre o Jesus caris­
mático e 0 Judaísmo institucional. Tampouco ousemos nos esquecer
que 0 elemento revolucionário em sua pregação do reino aumentou
esta tensão. Ficará inclusive evidente que 0 ensinamento autêntico de
Jesus questionava os próprios fundamentos da estrutura social. Não
obstante, devemos ter em mente que esta tensão nunca implicou em
negação, e as concepções de Jesus e dos fariseus não eram opostas,
nem tampouco se degeneraram em inimizade.
Ainda que não fosse possível detectar, por meio do método filoló­
gico, a escalada de tensões provocada pelos evangelistas, seria difícil
entender a existência de uma hostilidade genuína com relação a Jesus
por parte dos “escribas e dos fariseus” - uma causa que alegada-
mente contribuiu para a sua morte. É óbvio que havia entre os fariseus
algumas pessoas de mente tacanha - elas são encontradas em todas
as sociedades - que suspeitavam deste realizador de milagres. Com
satisfação, teriam-no flagrado numa ação proibida para que pudessem
arrastá-lo para uma corte rabínica. Jesus, porém, sempre conseguiu
manifestar sua opinião sem lhes dar a mínima justificativa para levá-
-10 a julgamento.
Os pesquisadores dos escribas daqueles tempos estão cientes de
que seus líderes não deixavam de ter suas falhas. Ao mesmo tempo,
sabiam também que estavam longe de ser tacanhos. Caso Jesus
tivesse vivido nos dias tempestuosos dos últimos reis macabeus,

36 D. Flusser, "Pharisãer, Sadduzaer und Essener in Peschcr Nahum", Qumran,


Darmstadt, 1981, pp. 121 -166. Ver também meu estudo hebraico sobre a bênção
contra os hereges em Tarbiz, 1992, pp. 333-374, e a tradução alemã deste estudo,
supra, nota 26.
A LEI 49

possivelmente poderia ter sido perseguido pelos fariseus, por ser 0


líder de um movimento messiânico. Quando os fariseus chegaram
ao poder, na época da rainha Salomé Alexandra, não pouparam, em
absoluto, seus oponentes saduceus3738. Os manuscritos do Mar Morto
nos revelam que eles desencadearam ainda uma perseguição sistemá­
tica contra os essênios. Tudo isso, porém, pertencia a um passado do
qual os fariseus se envergonhavam. Jesus tem algo primoroso a dizer
sobre esta questão:

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, que edificáis os túmulos dos profetas e


enfeitais os sepulcros dos justos e dizeis: “Se estivéssemos vivos nos dias dos nossos
pais, nâo teríamos sido cúmplices seus no derramar sangue dos profetas”. Com isso
testificais, contra vós, que sois filhos daqueles que mataram os profetas (Mt 23:29-3 l),s.

O atestado que Jesus deu, involuntariamente, aos fariseus de seu


tempo, é confirmado pelo relato de seu julgamento. Raramente se
aponta que os fariseus, mencionados com tanta frequência nos Evan­
gelhos como os oponentes de Jesus, não figuram em nenhuma das
descrições sinóticas do julgamento. Teria sido fácil contrabandear
a palavra “fariseus” nessas narrativas relativamente tardias, o que é
comprovado pelo menos histórico João, que não teve quaisquer escrú­
pulos em mencioná-los no aprisionamento de Jesus: “Judas, então,
levando a coorte e guardas destacados pelos chefes dos sacerdotes e
pelos fariseus, aí chega, com lanternas, archotes e armas” (Jo 18:3).
Se lembrarmos 0 papel que os fariseus desempenharam nas primeiras
décadas da Igreja Cristã, fica mais claro 0 motivo pelo qual não só os
relatos originais, como também os três primeiros Evangelhos, evitam
mencionar os fariseus na história do julgamento de Jesus.
Quando os apóstolos foram perseguidos pelo sumo sacerdote
saduceu, Raban Gamaliel tomou seu partido e os salvou (At 5:17-42).
Quando Paulo foi levado a comparecer perante 0 Sinédrio em Jeru­
salém, encontrou solidariedade entre seus ouvintes ao apelar para os
fariseus (At 22:30 e 23:10). Quando Tiago, 0 irmão do Senhor, e apa­
rentemente outros cristãos, foram condenados ilegalmente à morte
em 62 d.C. pelo sumo sacerdote saduceu, os fariseus apelaram ao rei
e 0 sumo sacerdote foi destituído39. Analisando este último caso e os
dois anteriores, dificilmente podemos evitar a impressão de que os
fariseus consideravam a perseguição da hierocracia saduceia contra
os primeiros cristãos como prova adicional da crueldade manifesta­
mente injusta por parte daquele grupo. A partir dela forjaram uma

37 Ver Josefo, Antiquities 13:409-411; 1:110-114.


38 Ainda que no paralelo em Le 11:47-48 não se tenha certeza de que estas palavras
tivessem sido dirigidas diretamente contra os fariseus, creio que foram incluídas
na crítica de Jesus. Esta também era a opinião de Mateus.
39 Josefo, Antiquities 20:200-201.
50 JESUS

arma moral e política contra o sacerdócio saduceu - a política nem


sempre é um assunto malévolo. Isso explica a oposição, ao que parece
consistente, dos fariseus às perseguições dos sumos sacerdotes sadu-
ceus contra os cristãos, em decorrência do que um deles perdeu seu
ministério.
Um dos motivos pelos quais os primeiros cristãos transforma­
ram-se no pomo da discórdia entre os dois partidos judaicos é que os
fariseus consideravam a entrega de Jesus aos romanos como um ato
repulsivo de despotismo sacerdotal. De mais a mais, a entrega de um
judeu ao poder estrangeiro era, em geral, considerada um crime40.
Podemos inclusive pressupor que os fariseus não figuram como acu­
sadores de Jesus em seu julgamento nos relatos dos três primeiros
Evangelhos porque, naquela época, as pessoas sabiam que os fariseus
não haviam concordado em entregar Jesus aos romanos. Os sinóti­
cos não poderíam acusar a presença dos fariseus no julgamento sem
arriscar sua credibilidade. Por outro lado, os sinóticos não poderíam
mencionar o protesto dos fariseus, porque já haviam retratado Jesus
como antifarisaico na primeira parte de suas narrativas.
Quão curiosas são as mudanças pelas quais um movimento pode
passar no curso de sua história! Já no século II, cristãos de origem
judaica, que continuaram a seguir a Lei de Moisés, estavam sendo
marginalizados4142. Posteriormente, todos os cristãos foram proibidos
de manter os preceitos do antigo pacto, mesmo que Jesus tivesse dito:

Porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omi­
tido nem um só i, uma só vírgula da Lei12‫׳‬. Aquele, portanto, que violar um só desses
menores mandamentos e ensinar os homens a fazerem o mesmo, será chamado 0 menor

40 Ver a discussão sucinta de J. Klatzkin, Encyclopaedia Judaica, Jerusalem, 1972,


vol. 8, col. 1364 e meu estudo mencionado supra, na nota 36, pp. 13-15. No
midrasch do século II, Seder Olam, cap. 3 (ver C. J. Milikowsky, Seder Olam a
Rabbinic Chronography: A Dissertation Presented to the Faculty o f the Graduate
Schools o f Yale University‘, maio 1981, p. 458), os “ informantes, traidores” são
citados dentre aqueles cujos pecados são “imperdoáveis" e que são punidos para
sempre. Um estudo do equivalente linguístico grego παραδιςχδωμι nos Evange­
lhos denuncia um sentido pejorativo semelhante (ver W. Bauer, A Greek-English
Lexicon o f the New Testament, Chicago, 1957, pp. 619-620). A ilegalidade da
ação está, provavelmente, por detrás da tentativa de Caitas de justificar a entrega
de Jesus aos romanos em João 11:49-50. Isso pode igualmente explicar a preo­
cupação do sumo sacerdote de que o que acontecera clandestinamente poderia
vir a tornar-se domínio público (At 5:28). Ver a crítica de Bauer em W. Klassen,
Judas: Friend or Betrayer o f Jesus?, Minneapolis, 1996, pp. 48, 50-51, 59-60.
41 Justino, o Mártir, Diálogo com Trifão, cap. 47.
42 As palavras “sem que tudo seja realizado” não parecem ter sido expressas por
Jesus. Sobre 0 significado delas ver Billerbeck, op. cit., vol. 1, pp. 143-144. Eu
pessoalmente estou seguro de que o lugar natural para estas palavras seria Mt
24:34b (e paral.). Mateus também as citou em Mt 5:18 devido à semelhança
externa entre aquele versículo e Mt 24:34-35.
A LE! 5!

no Reino dos Céus. Aquele, porém, que os praticar e os ensinar, esse será chamado de
grande no Reino dos Céus (Mt 5:18-20)‫ ״‬.

A ab-rogação das leis judaicas nos primeiros séculos da Igreja


está relacionada ao fato de q u e ja num estágio inicial, o Cristianismo
estava se transformando numa religião de não judeus. Isso foi possível
porque no mundo antigo muitas pessoas, “tementes a Deus”, conside­
ravam o Deus dos judeus como 0 único verdadeiro. Alguns deram o
passo final, convertendo-se totalmente ao Judaísmo, enquanto outros
permaneceram na periferia. A expansão do Cristianismo no mundo
dos gentios atingiu, em primeiro lugar, aqueles que já demonstravam
simpatia para com aspectos do Judaísmo antigo, mas que ainda não
haviam se convertido4344.
A escola liberal de Hilel não se afligia ao ver gentios transfor­
mando-se em judeus. A de Schamai, em contraste, dificultava ao
máximo a conversão. Os ditos seguintes demonstram que Jesus com­
partilhava da visão severa de Shamai: “Ai de vós, escribas e fariseus,
hipócritas, que percorreis 0 mar e a terra para fazer um prosélito,
mas, quando conseguis conquistá-lo, vós o tornais duas vezes mais
digno da geena do que vós!” (Mt 23:15). Um não judeu, que vive de
acordo com certas leis morais básicas, sem seguir toda a Lei mosaica,
é abençoado. O prosélito, 0 gentio que se converteu ao Judaísmo,
entretanto, está comprometido com toda a Lei45. Se um prosélito não
consegue cumprir toda a Lei, que anteriormente não era compulsória
para ele, sua conversão ao Judaísmo constitui, por si só, a causa de
ele transformar-se num filho do inferno. Ele jogou fora, sem nenhuma
necessidade, sua bênção.

43 Seria absurdo acreditar que, após tais declarações, Jesus pretendesse dizer que
havia um contraste entre seu ensinamento e a lei mosaica. Sei que 'Judo é permi­
tido - mas nem tudo convém”(l Cor 6:12). Já foi observado que 0 famoso “mas
eu vos digo” não é uma expressão da oposição de Jesus a Moisés. Na realidade,
a opinião pessoal de Jesus que se segue a esta frase é, na maioria das vezes, con­
firmada também nas outras fontes judaicas. Ele escolheu uma ou duas opiniões
judaicas contrastantes que melhor se adaptam à sua ética. Mesmo Mt 5:44, “amai
os vossos inimigos” está dentro da estrutura contextual do Judaísmo (ver infra,
pp. 59-63 e 73-76). Nada que Jesus diz no sermão conflita particularmente com
0 conteúdo da legislação mosaica. Ver também D. Flusser, “Die Tora in der Ber-
gpredigt”, Entdeckungen, vol. 1, pp. 21-31 e “ 'Den Alten is gesagt’- Interpre­
tation der sogenannten Antithesen der Bergpredigt”, Judaica 48, Basel, 1992,
pp. 35-39. S. Ruzer, “The Technique of Composite Citations in the Sermon on
the Mount (Mt 5:21-22, 33-37)”, Revue Biblique 103, 1996, pp. 65-75.
44 Ver At 10, particularmente a descrição de Cornélio cm 10:2. D. Flusser, “Paul’s
Jewish-Christian Opponents in the Didache”, Gilgul, Dedicated to R. J. Z m
Werblowsky, Leiden, 1987, pp. 71-90; D. Flusser e Sh. Safrai, “Das Apostei-
dekret und die Noachitischen Gebote, Wer Tora mehrt, mehrt Leben”, Festgabe
fu r Heinz Kremers, Neukirchen-Oluyn, 1986, pp. 173-192.
45 Rm 3:10; Tg 2:10.
52 JESUS

Na medida em que as fontes nos permitem julgar, Jesus tinha


uma má opinião acerca dos não judeus, os gentios. Eles se preocupam
com seu futuro material, sem saber que “0 dia de amanhã se preocu­
pará consigo mesmo” (Mt 6:32-34). “Acumulam vãs repetições” nas
orações, pensando que “é pelo palavreado excessivo que serão ouvi­
dos” (Mt 6:7). Nada conhecem a respeito do mandamento judaico de
amar 0 próximo e associam-se apenas com seus amigos (Mt 5:47).
O primeiro e 0 terceiro ditos nos dão a sensação de que Jesus está
falando sobre vícios que ainda afligem, em certo ponto, a sociedade
europeia e ocidental.
Outro ensinamento profundo parece estar dirigido diretamente
contra os romanos. Segundo as palavras de Lucas (22:24-27), Jesus
indicou, durante a Última Ceia, que seria entregue. Seus apóstolos
começaram a discutir entre si quem seria 0 sucessor de Jesus ou, nas
palavras de Lucas,

Houve também uma discussão entre eles: qual seria o maior. Jesus lhes disse: “Os
reis das nações os dominam e os que as tiranizam são chamados Benfeitores. Quanto
a vós, não deverá ser assim; pelo contrário, 0 maior dentre vós torne-se como 0 mais
jovem, e 0 que governa como aquele que serve. Pois, qual é o maior? O que está à
mesa, ou aquele que serve? Não é aquele que está à mesa?4'’ Eu, porém, estou no meio
de vós como aquele que serve!”4647

Para uma compreensão plena dessas palavras de Jesus, faz-se


necessário algum conhecimento de hebraico. Os apóstolos estavam
discutindo quem seria seu futuro líder (em hebraico, rav, 0 grande).
Jesus se opunha a qualquer domínio sobre os homens, como era 0
costume dos reis gentios, “Quanto a vós, não deverá ser assim!” A
fim de expressar sua oposição a qualquer espécie de imperialismo
nacionalista, Jesus aludiu a Gênesis 25:23: “O maior (Rav, aqui no
sentido de ‘o mais velho’) servirá aos mais novo”. Isso foi dito em
relação a Esaú (“0 mais velho”) que serviría a Jacó (“0 mais novo”),
e considerado como uma profecia do poder decrescente do Esaú mais
velho sobre a ascendência do Jacó mais jovem.
Na época de Jesus, Esaú era tido como símbolo de Roma. Jesus,
num estado de espírito antiimperialista, despolitizou intencionalmente
a leitura contemporânea do versículo bíblico. Ele pretendia dizer, atra­
vés disso, que os governantes romanos das nações detêm 0 poder em
suas mãos; mas para nós, as palavras bíblicas significam que 0 maior,
0 líder, servirá 0 menor. É auto-evidente que os que estão à mesa são
mais importantes do que aquele que os serve. Entretanto, Jesus, 0
mestre, executa agora, às vésperas da Páscoa, a tarefa de um servidor,

46 Billerbeck, II, op. cit., p. 257.


47 Billerbeck, II, op. cit., pp. 257-258.
A LEI 53

servindo os apóstolos à mesa48. Jesus agiu com humildade incomum,


mesmo que uma ação similar seja relatada sobre o neto de Gamaliel
em Atos49.
De todo modo Jesus, via de regra, não curava não judeus. Numa
ocasião, uma mulher cananeia rogou-lhe que curasse sua filha e ele
reiterou o que já havia dito a seus discípulos50: “Fui enviado apenas
às ovelhas perdidas da casa de Israel”. Ela, porém, prostrou-se diante
dele, dizendo: “Senhor, socorre-me”. E ele respondeu: “Não fica bem
tirar o pão dos filhos e atirá-lo aos cachorrinhos”. Ela disse: “Isso é
verdade, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas
que caem da mesa dos seus donos!” Jesus comoveu-se com as pala­
vras da mulher e, a partir daquele momento, sua filha ficou curada
(Mt 15:21-28).
Existe somente mais um relato de Jesus curando um não judeu,
criado de um centurião romano em Cafarnaum (Mt 8:5-13; Lc 7:1-10).
Lucas relata que o centurião não era pagão, mas um homem temente
a Deus. Ele disse a Jesus: “Senhor ... não sou digno que entres em
minha casa;... dize, porém, uma palavra, para que 0 meu criado seja
curado” . Este romano devoto queria evitar a possibilidade de Jesus
contrair impureza através do contato com um não judeu - os locais
de moradia dos gentios eram considerados impuros - pedindo, pois,
que Jesus curasse seu criado à distância51. Ele fundamentou sua crença
no poder deste mestre fazedor de milagres, de curar desta maneira,
fazendo uma comparação com seu próprio ofício:

Pois também eu estou sob uma autoridade, e tenho soldados às minhas ordens; e
a um digo “Vai!”; e ele vai; e a outro “Vem!”, e ele vem; e a meu servo “Faze isto!” e
ele 0 faz”. Ao ouvir tais palavras, Jesus ficou admirado e, voltando-se para a multidão
que 0 seguia, disse: “Eu vos digo que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”52.

Essas são as duas únicas histórias em que Jesus curou não judeus.
Em ambas, as palavras decisivas não são pronunciadas por ele, mas

48 Mc (10:41-45 e, por conseguinte, também Mt 20:24-28) colocou a cena numa


conexão anterior, substituindo o final da história (Lc 18:27) por outra conclusão
cristológica (Mc 10:45; Mt 20:28).
49 Ver TB, Tratado Kiduschin 32b, cm Billerbeck, I, op. cit., p. 830. Esta história,
entretanto, não está relacionada com a Páscoa judaica.
50 Ver Mt 10:6.
51 Ver ToseftaAhilut 18:11 (cf. Jo 18:28; At 10:28). G. Alon, “T h eLevitical Uncle­
anness o f Gentiles”, Jews, Judaism and the Classical World, Jerusalem, 1977,
pp. 154, nota 12 e 186, nota 75. Com referência ao centurião temente a Deus,
ver Tratado Guerim 3:2.
52 Arrisco-me a dizer aqui que a palavra “fé" tem a mesma conotação no Judaísmo
como no Cristianismo; ou seja, uma atitude especial para com Deus. Opus-me
à opinião corrente sobre a diferença entre a fé no Judaísmo e no Cristianismo
em minhas observações conclusivas sobre Zwei Glaubensweisen, de M. Buber,
Neuausgabe Geri ingen, 1994, pp. 185-247.
54 JESUS

pelo gentio, e causam profunda impressão em Jesus. Devemos obser­


var também que nenhum dos documentos rabínicos diz que não se
deve ou que não é permitido curar um não judeu. O quadro preser­
vado pelos três primeiros evangelhos é explícito. Jesus, 0 judeu, atu­
ava entre judeus e queria fazê-lo somente entre eles (cf. Mt 10:5-7).
Mesmo Paulo, apóstolo dos gentios, confirma 0 fato. Jesus fora “nas­
cido sob a Lei” (Ge 4:4). Foi um “ministro dos circuncisos para hon­
rar a fidelidade de Deus, no cumprimento das promessas feitas aos
pais” (Rm 15:8).
O fato de Jesus só atuar entre os filhos de Israel não era, certamente,
sinal de uma mentalidade estreita e nacionalista. Assim 0 fez porque
esta restrição era, como ele acreditava, a vontade do Pai celestial. Foi
0 que disse explícitamente à mulher cananeia: “Eu não fui enviado
senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15:24; ver também Mt
10:6). Jesus aceitou esta restrição, muito embora soubesse, como outros
judeus53, que os gentios tendem mais ao arrependimento que muitos dos

U m a s in a g o g a a n tig a d o s d ia s d e Jesu s - a s in a g o g a d e G a m a la .

filhos de Israel. Imbuído deste espírito, Jesus disse sobre as cidades da


Galileia e seus habitantes judeus: “Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida!
Porque se em Tiro e em Sidônia tivessem sido realizados os milagres
que em vós se realizaram, há muito se teriam arrependido, vestindo­
-se de cilicio e cobrindo-se de cinza ...” (Mt 11:20-24; Lc 10:13-15). A

53 Ver a passagem pertinente sobre 0 profeta Jonas em Mekhilta a Êxodo 12:1, ed.
H. S. Horowitz & I. A. Rabin, Jerusalém, 1960, pp. 3-4.
A LEI 55

mesma atitude é expressa na crítica que Jesus faz de sua geração (Mt
12:38-42; Lc 11:29-32)545. Talvez esta fosse a intenção da Providência
Divina, que no início a mensagem se restringisse aos filhos de Israel
- e Jesus tivesse aceito esta restrição” .
Teriam razão as várias seitas judaico-cristãs ao pensar que,
vivendo como judeus, estariam seguindo a vontade de Jesus? Expulsos
das sinagogas como hereges, estigmatizados pela Igreja dos gentios
como não ortodoxos, estes judeus viveram com a firme convicção de
que apenas eles honravam a verdadeira herança de seu mestre. Esta­
vam também confiantes de serem os únicos a compreender 0 signifi­
cado genuíno do Judaísmo. A história passou por eles. Tomaram-se
amargurados e, assim, entre eles, a pregação de Jesus transformou­
-se gradualmente numa caricatura apologética rígida. Até o século
X poderíam ser encontrados em algum lugar de Mossul, totalmente
solitários em sua lealdade sobre-humana56.

54 Estas palavras dc Jesus mencionam 0 profeta Jonas da mesma forma que a pas­
sagem rabínica citada na nota anterior
55 Mais tarde, Paulo (Rm 1:7b) fala sobre “a força de Deus para a salvação dc todo
aquele que crê, em primeiro lugar do judeu, mas também do grego" (ver também
Rm 2:9-10).
56 Ver S. Pines, The Jewish Christians o f the Early Centuries o f Christianity Accor­
ding to a New Source, The Israel Academy o f Sciences and Humanities Proceed­
ings, vol. II, n. 13, Jerusalem, 1966.
5. Amor

O germe da revolução na pregação de Jesus não emerge de urna


crítica dirigida à lei judaica, mas, no geral, de outras premissas, que
não nasceram com Jesus. Ao contrário, seu ataque crítico originou-se
a partir de atitudes já estabelecidas antes de sua época. A revolução
irrompeu em três pontos: a interpretação radical do mandamento de
amor mútuo, o apelo por uma nova moralidade e a ideia do reino do céu.
Ao redor de 175 a.C., um escriba judeu que tinha 0 nome grego
de Antígono de Sohó, disse: “Não sejais como os servos que servem
0 seu amo visando à recom pensa, mas sim como servos que ser­
vem o seu amo sem visar a nenhuma recompensa; e tende sobre vós 0
temor do céu”1. Este dito é característico da transformação na atmos­
fera intelectual e moral que tivera lugar no Judaísmo desde os dias
do Antigo Testamento12. Ao mesmo tempo, exemplifica a expressão de
uma sensibilidade nova e mais profunda dentro do Judaísmo, que foi
uma precondição importante para a pregação de Jesus.
A religião de Israel prega 0 Deus justo único; Sua exclusividade
iconoclástica está associada à Sua vontade moral inflexível. A probi­
dade do Antigo Testamento buscou expressão concreta numa ordem
social nova e justa. A justiça de Deus é também Sua compaixão. Ele

1 Mischná, Tratado Avot 1:3. Ver K. Schlesinger, Die Gesetzeslehrer, Berlim, 1934.
p. 25. Acerca do que se segue, ver D. Flusser, “A New Sensitivity in Judaism
and the Christian Message”, Judaism, pp. 469-489.
2 Ver também as lendas em Avot de R. Natan 5:1, Schlesinger, op. cit., p. 25.
58 JESUS

advoga especialmente a causa dos pobres e oprimidos, pois não deseja


0 poder e a força físicos do homem, mas antes seu temor Dele. O
Judaísmo é uma religião ética na qual 0 princípio de justiça é indispen­
sável; por este motivo, a divisão da humanidade em justos e pecadores
é tão importante. Para 0 judeu, o conceito de que Deus recompensa 0
justo e pune o iníquo é a confirmação da verdade constante de Deus.
De outro modo, como poderia a justiça divina governar 0 mundo?
O destino do homem neste mundo, entretanto, raramente corres­
ponde a seu esforço moral. Em geral a culpa é conspicuamente não
punida e a virtude não recompensada. É, pois, fácil concluir que algo
está errado. Nenhuma ética ou religião logrou, até agora, resolver 0
problema do mal. No Antigo Testamento, 0 Livro de Jó é dedicado ao
tópico da sina amarga do justo. A literatura sapiencial pagã do Oriente
conhece também 0 lamento: “Eles caminham por veredas afortunadas,
aqueles que não buscam um deus. Os que oram com devoção a uma
deusa tomam-se pobres e fracos”3.
Não foi este o problema causador da revolução que inflamou 0
imperativo moral de Jesus. Como já observamos, a máxima religiosa
e moral, segundo a qual 0 justo prospera e 0 iníquo tem um triste fim,
é constantemente refutada pela própria vida. Para 0 judeu dos tempos
antigos, a afirmação era também duvidosa, a partir de um outro ponto
de vista. Ainda que a máxima fosse corroborada pela experiência, a
seguinte questão deveria ser formulada: Seria esta divisão simples dos
homens, em justos e pecadores, apropriada? Sabemos que ninguém é
perfeitamente justo ou completamente perverso, pois 0 bem e 0 mal
lutam entre si no coração de todo ser humano. Suscita-se igualmente a
questão se há ou não limites para a misericórdia e 0 amor de Deus pelos
homens. Mesmo que não houvesse problemas no que tange à recom­
pensa do justo e à punição do pecador, estaria ele executando um ato
verdadeiramente moral se fosse motivado a agir por uma gratificação?
Como dissemos, já Antígono de Sohó rejeitava tal atitude superficial e
servil como basicamente vulgar. Deve-se agir moralmente e, ao mesmo
tempo, não pensar em nenhuma recompensa, que certamente virá.
A moralidade rígida do antigo pacto era claramente inadequada
para a nova sensibilidade dos judeus nos períodos grego e romano.
Tendo reconhecido que as pessoas não estão divididas distintamente
em categorias de justos e pecadores, sentimo-nos compelidos a admi­
tir a impossibilidade de amar aqueles que são bons e odiar os maus.
Sendo difícil saber quão extensos eram o amor e a misericórdias de
Deus, muitos chegaram à conclusão de que se deveria exibir amor e
misericórdia para com todos, justos e perversos. Desse modo, estariam

3 J. B. Pritchard (ed.), Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament,
Princeton, 1955, p. 439.
ETICA 59

imitando o próprio Deus. Lucas coloca este dito na boca de Jesus:


“Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Le 6:36).
Este é também um antigo ensinamento rabínico4,
Lucas 6:36 é paralelo a Mateus 5:48: “Deveis ser perfeito como
o vosso Pai celeste é perfeito”. A melhor forma de traduzir este
dito é: “Não deve haver limite em vossa bondade, assim como a
bondade de vosso Pai celestial não conhece limites”5. Mateus 5:48
é meramente a conclusão de uma pequena homília, na qual Jesus
ensina que Deus estende a mão com amor para todas as pessoas, sem
levar em consideração sua atitude e seu comportamento com relação
a Ele, “porque faz nascer o sol igualmente sobre maus e bons e cair
a chuva sobre justos e injustos”. Neste aspecto, Jesus não está dis­
tante da atitude humana de outros judeus. Rabi Abahu disse, “Maior
é 0 dia da chuva que 0 da ressurreição. Pois este último beneficia
somente os devotos, ao passo que aquele beneficia igualmente devo­
tos e pecadores”6. Rabi Abahu viveu em cerca de 300 d.C., porém
existe um dito similar da época de Jesus7. Desse modo, não é de sur­
preender que em tal atmosfera espiritual Jesus chegasse à sua audaz
conclusão: “Amai os vossos inimigos!” (Mt 5:44)8. Em outras pala­
vras, “Retribuí amor aos que vos odeiam” ou: “Fazei o bem aos que
vos odeiam” (Lc 6:27).
Nos círculos em que a nova sensibilidade judaica estava então
bem desenvolvida, o amor ao próximo era considerado uma pre-
condição para a reconciliação com Deus. Certo rabino disse, pouco
tempo depois de Jesus9, “As transgressões entre um homem e seu
semelhante não são remidas pelo Dia da Expiação, a não ser que
aquele primeiro faça a paz com seu semelhante” . Similarmente, ouvi­
mos Jesus dizer: “Pois, se perdoardes aos homens os seus delitos,
também o vosso Pai celeste vos perdoará; mas se não perdoardes aos
homens, 0 vosso Pai também não perdoará os vossos delitos” (Mt
6:14-15).
O melhor sumário da nova ética judaica é encontrado no seu
manifesto mais antigo, 0 Eclesiástico, ou A Sabedoria de Jesus Ben
Sirac (27:30-28:7)10.

4 Ver Mekhilta de Rabi Ischmael sobre Ex 15:2.


5 Esta é a tradução de Mt 5:48 na Nova Bíblia Inglesa.
6 TB, Tratado Taanit 7a. Ver D. Flusser, “A New Sensitivity in Judaism and the
Christian Message”, Judaism, p. 482.
7 Ver D. Flusser, “Johanan ben Zakkai and Matthew”, Judaism, pp. 490493‫־‬.
8 Ver D. Flusser, Entdeckungen im Neuen Testament, Neukirchen, 1992, vol. 1,
pp. 22-23.
9 Mischná, Tratado Yoma, 8:9; H. D. Danby, The Mishnah, Oxford, 1985, p. 172.
10 Isto foi escrito aproximadamente em 185 a.C.
60 JESUS

E x p r e s s ã o d a n o v a s e n s ib il id a d e n o m u n d o a n tig o . F ig u ra e n c o n tr a d a n u m a
tu m b a e m A s c a lo n , q u e d a t a a p r o x im a d a m e n te d e 300 d .C .

O rancor e a cólera, também esses são abomináveis,


o pecador os possui.
Aquele que se vinga encontrará a vingança do Senhor
que pedirá minuciosa conta de seus pecados.
Perdoa ao teu próximo a injustiça,
e então, ao rezares, ser-te-ão perdoados os teus pecados.
Um homem guarda rancor contra outro:
do Senhor pedirá cura?
Para com 0 seu semelhante não tem misericórdia,
e pede 0 perdão de seus pecados?
Ele, que é só carne, guarda rancor:
quem lhe obterá o perdão dos seus pecados?
Lembra-te do fim e deixa 0 ódio,
da corrupção e da morte, e observa os mandamentos.
Lembra-te dos mandamentos e não tenhas ressentimento do próximo;
da aliança do Altíssimo, e não consideres a ofensa.

A concepção de que um homem deve reconciliar-se com seu seme­


lhante antes de orar para si próprio está associada, em Sirac, a uma
modificação da antiga noção da recompensa, típica do período. A antiga
justiça compensatória, segundo a qual 0 homem probo era recompen­
sado de acordo com a medida de sua retidão e o pecador punido de
acordo com a medida de seus pecados, desconcertava muitos naquela
época. Assim, começaram a pensar, se amas 0 teu próximo, Deus te
ETICA 61

recompensará com o bem; se odeias teu próximo, Deus te castigará


com o mal. Também Jesus disse algo semelhante:

Não julgueis, para não serdes julgados; não condeneis, para não serdes conde­
nados; perdoai, e vos será perdoado. Dai, e vos será dado; será derramada no vosso
regaço uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante, pois com a medida com que
medirdes sereis medidos também (Lc 6:37-38).

O início desta passagem nos faz recordar de algo já dito pelo céle­
bre Hilel, “Não julgues 0 teu próximo enquanto não te encontrares
na situação dele!” 11 O dito “Com a medida com que medirdes sereis
medidos também”112era um provérbio judaico naqueles dias. O ensi­
namento de Jesus, relatado por Lucas, tem um paralelo importante nas
palavras do Senhor, conforme reproduzidas por Clemente de Roma,
em aproximadamente 96 d.C., “Sêde misericordioso e encontrareis
misericórdia; perdoai e sereis perdoados; 0 que fizerdes, será feito a
vós; 0 que derdes, será dado a vós; como julgardes, sereis julgados;
como fizerdes 0 bem, 0 bem vos será feito; na mesma medida em que
derdes, será dado a vós” (1 Ciem 13:2). Este dito é oriundo da Madre
Igreja, ou talvez do próprio Jesus13.
Os temas nos quais a nova sensibilidade no Judaísmo se expres­
sava naqueles dias estavam entremeados. Este método dinâmico de
interação temática é reconhecível no próprio estilo didático de Jesus.
Com sua maneira de ensinar, ele era capaz de integrar seus ditos bem
como associá-los à rede mais ampla de temáticas judaicas. Clemente
de Roma relata que 0 Senhor disse, “0 que fizerdes, será feito a vós”.
Isto é, como tratares teu semelhante, assim Deus te tratará. Esta é uma
variação fascinante da chamada Regra de Ouro, aceita como impera­
tivo moral por muitas nações. Jesus citou esta máxima ao dizer, “Tudo
aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-0 vós
a eles, pois esta é a Lei e os Profetas (Mt 7:12). Entre os judeus14,
mesmo antes da época de Jesus, esta era considerada uma súmula da Lei
inteira. Hilel dissera: “0 que é desagradável para ti, não 0 faças a teu
semelhante; esta é toda a Lei, 0 demais não é senão dedução”. Os judeus

11 Mischná, Tratado Avol 2:3; Danby, op. cit., p. 448.


12 Billerbeck, I, op. cit., pp. 444-446.
13 Certamente não foi compilado pela primeira vez dos Evangelhos sinóticos gre­
gos. Seus semitismos, entre outras coisas, provam isso. Policarpo 2:3 depende
de Clemente, conforme demonstra a introdução aos ditos do Senhor (/ Ciem.
13:1b). Ver Annie Jaubert, Clement de Rome, SC n. 167, Paris, 1971, p. 52.
14 Billerbeck I, op. cit., pp. 459-460. Sobre 0 dito de Hilel em TB, Tratado Scha-
bat 31a, ver Bacher, I, op. cit., p. 4. Sobre a Regra de Ouro, ver em especial
A. Dihle, Die goldene Regei, Gõttingen, 1962; P. S. Alexander, “Jesus and the
Golden Rule”, Jesus and Hillel, J. H. Charlesworth & L. L. Johns (eds.), Phila­
delphia, 1977, pp. 363-338.
62 JESUS

da época provavelmente interpretavam 0 preceito da seguinte forma:


Deus te aquinhoa na mesma medida em que aquinhoas teu próximo.
A consequência é, “Assim como uma pessoa pede ao Senhor por sua
própria alma, da mesma maneira deve comportar-se com relação a
toda alma viva
Ambos Jesus e Hilel, antes dele, viam a Regra de Ouro como uma
síntese da Lei de Moisés. Isso se toma inteligível quando considera­
mos que 0 dito bíblico, “Amarás a teu próximo como a ti mesmo” (Lv
19:18) era tido por Jesus e pelos judeus, em geral, como 0 principal
mandamento da Lei1516. Uma antiga tradução aramaica deste preceito
bíblico diz, “Ama teu próximo, e o que quer que te desagrade, não
faças a eie!”l7Esta tradução perifrástica transforma a expressão “como
a ti mesmo” na forma negativa da Regra de Ouro. O dito “Ama teu
próximo” foi compreendido como um mandamento positivo, e as pala­
vras “como a ti mesmo” como 0 mandamento negativo nele incluído.
Não deves tratar teu próximo com ódio, porque não gostarias que ele
te tratasse desta forma. Por conseguinte, por intermédio de parale­
lismos judaicos, podemos ver como a Regra de Ouro (Mt 7:12) e 0
mandamento de amar ao próximo (Mt 22:39) estão relacionados no
contexto dos ensinamentos de Jesus.
Havia ainda uma outra interpretação da expressão “como a ti
mesmo”, no mandamento bíblico de amar 0 próximo, tão importante
naqueles dias. Em hebraico, a expressão pode significar também
“como se ele fosse tu”. O mandamento, então, ler-se-ia “Ama teu
próximo, pois ele é como tu”. Sirac conhecia bem esta interpretação,
ao exigir que 0 homem perdoasse as transgressões do seu semelhante,
pois é um pecado evitar misericórdia para com “um homem como si
próprio” (Eclo 2 8 :3 5 ‫)־‬. Rabí Hanina, que viveu aproximadamente
uma geração após Jesus, ensinava explícitamente que 0 mandamento
de amar 0 próximo é “um dito sobre o qual o mundo inteiro se firma,
um juramento poderoso do Monte Sinai. Se odeias teu próximo cujos
feitos são perversos como os teus, Eu, o Senhor, te punirei como teu
juiz; e se amas teu próximo, cujos feitos são bons como os teus, Eu,
0 Senhor, te serei fiel e terei misericórdia de ti”18.

15 IIEnoque 61:2; J. H. Charlesworth, The Old Testament Pseudepigrapha, I, New


York, 1983, p. 187. Ver Billerbeck I, op. cit., p. 460.
16 Vcr Billerbeck 1, op. cit., p. 358. Antes (p. 354) ele argumenta contra a asserção
dos eruditos judeus modernos, “que a velha sinagoga, mesmo nos tempos do
Novo Testamento, havia interpretado que 0 mandamento de amar ao próximo
estava contido no dever universal de amar a outros”. Assumamos que ele esteja
certo. Com que certeza, entretanto, podemos concluir que Jesus tivesse especifi­
camente ampliado o mandamento de amar ao próximo de forma a que incluísse
os gentios?
17 Targum Pseudo-Jonatas sobre Lev. 19:18.
18 Avot de R. Natan. Ver B, p. 53.
ETICA 63

O relacionamento de um homem com seu próximo deveria, pois,


ser determinado pelo fato de eles serem semelhantes entre si, tanto nas
características boas quanto nas más. Isso não está muito longe do man­
damento de amor de Jesus, mas ele foi adiante, quebrando as últimas
algemas que ainda limitavam 0 mandamento judaico de amar 0 próximo.
Já vimos que Rabi Hanina acreditava que se deveria amar o justo e não
odiar 0 pecador. Jesus disse: “Eu, porém, vos digo: amai os vossos ini­
migos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5:44). É verdade que, naque­
les dias, círculos semiessênicos haviam chegado a conclusões similares
partindo de pressuposições diferentes, e 0 ensinamento moral de Jesus
foi por eles influenciado. Mesmo assim, influências não explicam tudo.
Aquele que se afastara da casa de seus pais em Nazaré e tomara­
-se “amigo de publícanos e pecadores” sentia que tinha sido enviado
às “ovelhas perdidas da casa de Israel”. Não foi simplesmente seu
modo de vida geral que 0 motivou a expressar devoção amorosa aos
pecadores; esta inclinação estava profundamente associada ao propó­
sito último de sua mensagem. Desde o início de seu ministério até sua
morte na cruz, a pregação de Jesus estava, por sua vez, relacionada a
seu próprio modo de vida. O mandamento de amar os inimigos é uma
característica tão sua que, em todo 0 Novo Testamento, seus lábios são
os únicos dos quais ouvimos este mandamento. Alhures só ouvimos a
respeito de amor mútuo e bênção aos nossos perseguidores. Naquela
época era, obviamente, muito difícil que as pessoas se elevassem à
altura do mandamento de Jesus19.
Jesus mencionou 0 mandamento bíblico ao explicar a essência
da Lei de Moisés. “Portanto, amarás ao Senhor teu Deus de todo o
teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento (Dt 6:5).
Esse é 0 maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a
ele: Amarás o teu próximo como a ti mesmo (Lv 19:18). Desses dois
mandamentos dependem toda a Lei” (Mt 22:35-40)20.
E quase certo que aqui Jesus estava ensinando uma tradição
mais antiga, por ele considerada tão importante quanto sua própria
mensagem. Isso ocorreu inclusive em outras ocasiões. Ele simples­
mente tomou emprestado o dito de um escriba. “Então lhes disse:
‘Por isso, todo escriba21 ... é semelhante a um pai de família que do
seu tesouro tira coisas novas e velhas’ ” (Mt 13:52). O dito de Jesus

19 Ver H. W. Kuhn, “Das Liebesgcbot Jesu”, Vom Urchristentum zu Jesus, Fests-


chriftfür Joachim Gnilka, Freiburg, 1989, pp. 194-230.
20 A expressão “e os profetas” foi acrescentada mais tarde. Tentamos reconstruir
o inicio do dito do Senhor de acordo com o modo de falar da época. O pronun­
ciamento seria possível em sua forma presente apenas se 0 inquiridor quisesse
descobrir se Jesus sabia a resposta. Lc (10:25-28) percebeu esta dificuldade e
quis superá-la.
21 O dito não tem origem em Jesus. Passou por uma elaboração cristã.
64 JESUS

sobre 0 mandamento duplo de amor foi claramente cunhado antes de


sua época. Já vimos que o dito bíblico sobre o amor ao próximo foi
também descrito alhures como “o maior mandamento da Lei”22. Esse
mandamento é deveras semelhante ao outro - 0 de amar a Deus - uma
vez que ambos os versículos da Bíblia (Dt 6:5 e Lv 19:18) têm iní­
cio com a mesma palavra. A erudição rabínica comumente conside­
rava que passagens bíblicas redigidas de forma semelhante estivessem
relacionadas também no conteúdo. O primeiro grande mandamento
de Jesus - 0 amor a Deus - harmonizava-se, pois, com o espírito do
farisaísmo contemporâneo23. Na relação das sete espécies de fariseus
já mencionada24, dois tipos positivos são citados: 0 fariseu que teme
a Deus, como Jó e o fariseu que ama a Deus, como Abraão. As várias
passagens rabínicas que tecem comparações entre 0 temor a Deus e 0
amor a Ele colocam 0 amor acima do temor, 0 que se coadunava per-
feitamente com a nova sensibilidade judaica de servir a Deus a partir
de um amor incondicional, e não por medo à punição25.
O mandamento duplo de amor existia, pois, no Judaísmo antigo
antes e ao longo da vida de Jesus26. O fato de isso não figurar nos docu­
mentos rabínicos que chegaram até nós é provavelmente acidental27.
Marcos (12:28-34) e Lucas (10:25-28) mostram que Jesus e os escri­
bas estavam de pleno acordo no que tange ao “grande mandamento”.
O discurso de Jesus em Mt 22:35-40 é apenas um dos exemplos
em que 0 leitor novato pensa, equivocadamente, ter encontrado um
ensinamento característico de Jesus. Na realidade, ele não conseguiu
reconhecer os pronunciamentos que são verdadeiramente revolucioná­
rios. Sem embargo, tais ditos como “0 grande mandamento” exercem
uma função significativa no contexto da pregação total de Jesus. A
partir de escritos judaicos antigos poderiamos, com facilidade, cons­
truir todo um Evangelho sem utilizar uma única palavra que tivesse
se originado com Jesus. Isso só poderia ser feito, no entanto, porque
possuímos, de fato, os Evangelhos.

22 Ver nota 14.


23 Mischná, Tratado Avot 1:3.
24 Ver cap. 4, nota 32.
25 Sifre sobre Dt 6:5. O texto correto lê de acordo com 0 Micirasch Tanaim sobre
esta passagem.
26 Ver Livro dos Jubileus, cap. 36; Λ elaboração judaica “Dois Caminhos” no Dida-
quê 1:2; Testamento de Dan 5:3; Testamento de Issacar 5:2; 7:6; Testamento de
Zabulón 5:1. Ver também F. M. Braun, “Les Testaments des XII Patriarches”,
Revue Biblique 67, 1960, pp. 531-532.
27 O preceito duplo de amor aparece, realmente, numa compilação rabínica medie­
val, mas não se pode ter certeza se a passagem foi influenciada, de alguma forma,
pelos Evangelhos. Ver D. Flusser, “The Ten Commandments and the New Testa­
ment”, The Ten Commandments in History and Tradition, Jerusalem, 1990, pp.
241-243; Das essenische Abenteuer, Winterthur, 1994, pp. 86-87.
ÉTICA 65

A mesma verdade se aplica ao Sermão da Montanha, no qual Jesus


presumivelmente define sua própria atitude pessoal com relação à Lei
de Moisés (Mt 5:17-48). No sermão, Jesus, num certo sentido, tira do
seu tesouro coisas velhas e novas. A sensibilidade do Judaísmo antigo
desenvolvera toda uma dialética do pecado, em contraste à visão sim-
pies do Antigo Testamento. Quando o homem deixa de ser visto como
um ser não problemático, os pecados em si transformam-se num pro­
blema. Se uma pessoa não for cuidadosa, um pecado pode levar a outro.
Mesmo uma ação que não parece pecaminosa pode fazer com que ela
se enrede num pecado real. Havia um dito, “Fuja do mal e do que a ele
se assemelha”28. Se aplicamos este conceito aos mandamentos, deseo-
brimos que os menores são tão sérios quanto os maiores.
A exegese de Jesus em Mt 5:17-48 deve ser compreendida neste
sentido. A exegese propriamente dita é precedida por um preâmbulo
(Mt 5:17-20) no qual Jesus justifica seu método. Parece-me quedema-
siada importância tem sido atribuída à primeira sentença (Mt 5:17)
desta introdução. Jesus simplesmente pretendia dizer “Não penseis
que vim revogar a lei29; não vim revogá-la, mas sim confirmá-la”.
Desse modo, seguindo a linguagem costumeira30 de sua época, ele
evitou a acusação de que a exegese da Lei que se seguia ab-rogava
0 significado original das palavras da Bíblia. Jesus não poderia ter
pretendido fazer isso, uma vez que a Lei, conforme escrita, está mis­
teriosamente associada à existência deste mundo. Mesmo os manda­
mentos menores devem ser obedecidos, 0 que implica numa maior
severidade da Lei, não do ponto de vista do ritual, mas no que diz res­
peito às relações interpessoais. Tal atitude encontrava-se já presente no
Judaísmo, conforme exemplificado pelo seguinte dito: “Todo aquele
que envergonha publicamente seu semelhante derrama seu sangue”31.
As duas primeiras exposições bíblicas de Jesus no Sermão da
Montanha baseiam-se neste esquema conceituai e formal. Não só 0
assassino, mas também aquele que se encoleriza contra seu irmão,
serão condenados (Mt 5:21-22), e “todo aquele que olha para uma
mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu
coração” (Mt 5:28). De acordo com um ensinamento judaico tradicio­
nal posterior, três espécies de pecadores são consignados ao inferno
para toda a eternidade: 0 adúltero, aquele que envergonha seu próximo

28 Acerca deste dito, ver D. Flusser, “Qual 0 Caminho Correto que um Homem
Deve Escolher para Si Próprio?”, Tarbiz 60, 1991, pp. 172173‫( ־‬em hebraico);
D. Flusser, Das essenische Abenteuer, pp. 88-91; ver também Van l.oopik, The
Way o f the Sages, Tubingen, 1991, pp. 194197‫ ־‬.
29 A expressão “ou os profetas” não parece ser original.
30 Para um paralelo com o uso que Jesus fazia da expressão “dar pleno cumpri­
mento”, ver Rm. 3:31.
31 TB, Tratado Bava Mesia 58b.
66 JESUS

em público e o que insulta seu semelhante32. Jesus também tinha algo


a dizer acerca deste último tipo: “aquele que chamar a seu irmão ‘Cre­
tino!’ estará sujeito ao julgamento do Sinédrio; aquele que lhe chamar
‘Louco’ terá de responder na geena de fogo” (Mt 5:22).
A continuação (Mt 5:29-30) tem um paralelo interessante na lite­
ratura rabínica. Jesus disse: “Caso 0 teu olho direito te leve a pecar,
arranca-0 e lança-0 para longe de ti, pois é preferível que se perca um
dos teus membros do que todo o teu corpo seja lançado na geena”33.
O mesmo é dito acerca da mão e do pé. Anteriormente (Mt 5:28),
Jesus dissera que todo aquele que olha para uma mulher com desejo
libidinoso cometeu adultério com ela em seu coração. Existia uma
concepção judaica34 segundo a qual, no hebraico, a palavra “cometer
adultério” tinha quatro letras, a fim de advertir-nos que ele poderia ser
cometido por meio da mão, do pé, do olho e do coração. Jesus iniciou
sua exegese das Escrituras enfatizando a importância dos mandamen­
tos menores. Imbuído deste espírito, foi então capaz de equacionar a
cólera ao assassinato e o desejo libidinoso ao adultério.
Na elaboração judaica “Dois Caminhos”, preservada num antigo
documento cristão35, 0 Didaquê, lemos: “Meu filho, foge de todo mal
e de tudo que a ele se assemelha. Não sejas irascível, pois a cólera
conduz ao assassinato ... Meu filho, não sejas libidinoso, pois a luxúria
leva à fornicação ... pois de tudo isso engendram-se os adultérios”36.
Já encontramos a primeira declaração enquanto regra moral judaica
e as duas aplicações dessa regra correspondem ao sexto e sétimo dos
dez mandamentos que Jesus expõe exatamente da mesma forma no
Sermão da Montanha.
A segunda metade do Decálogo pode ser vista como 0 pano de
fundo da exegese que Jesus faz das Escrituras, igualmente percebida
em “Dois Caminhos”. Tais mandamentos bíblicos falam de nossa rela­
ção com 0 próximo e, por conseguinte, a conclusão real da exegese
de Jesus é seu comentário (Mt 5:43-48) sobre 0 grande mandamento
“Ama 0 teu próximo como a ti mesmo”. Todos aqueles que ouviam
as pregações de Jesus sobre o amor certamente poderíam comover­
-se. Na época, muitos pensavam de forma similar. Não obstante, na
pureza prístina de seu amor, devem ter detectado algo muito especial.
Jesus não aceitava tudo aquilo que era ensinado no Judaísmo de seu
tempo. Muito embora não fosse realmente um fariseu, estava muito

32 Idem.
33 Mateus abrevia o dito e Marcos 9:43-48 o ampliou.
34 Midrasch Hagadol sobre Ex 20:14.
35 Ver J. P. Audet, “Affinités litteraires et doctrinales du Manuel de Discipline”,
Revue Biblique 59,1952, pp. 219-238 e D. Flusser, “Die Zwôlfapostellehre und
Jesu”, Das essenische Abenleuer, Winterthur, 1994, pp. 79-96.
36 Didaquê 3:1-3; Ver também D. Flusser, Judaism, p. 508.
ÉTICA 67

próximo aos fariseus da escola de Hilel que pregavam 0 amor, indo


além, em direção ao amor incondicional - até mesmo aos inimigos e
pecadores. Como veremos, não se tratava meramente de um ensina­
mento sentimentalista.
6. Ética

Certo dia, alguém disse a Jesus: “Mestre, eu te seguirei para onde


quer que vás”. Ele respondeu, “As raposas têm tocas e as aves do céu,
ninhos; mas 0 Homem1não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8:19-20).
Esta resposta é, na realidade, um protesto social. Os marginalizados
sociais afro-americanos sabiam muito bem 0 que Jesus queria dizer,
quando cantavam:

As raposas têm tocas na terra,


E as aves do céu, ninhos no ar,
E tudo tem um esconderijo,
Mas nós, pobres pecadores, não temos nenhum12.

Com Jesus, a ênfase no aspecto social supera a dos rabinos. É o


cerne de sua autêntica mensagem, mas Jesus não era um revolucio­
nário social, no sentido usual da palavra. Já os essênios eram de outra
espécie. Originalmente, formavam um movimento revolucionário apo­
calíptico, que desenvolveu um amálgama ideológico de pobreza e
predestinação dupla. Eram os verdadeiros filhos da luz, os pobres
divinamente eleitos. No iminente fim dos dias, pelo poder das armas e
a assistência das hostes celestiais, herdariam a terra e conquistariam o
mundo. Os filhos das trevas - 0 resto de Israel, os gentios e os poderes

1 Literalmente, “o filho do homem”.


2 J. Jahn (ed.), Negro Spirituals, Frankfurt a.M., 1963, p. 48.
70 JESUS

demoníacos que governam o universo - seriam então aniquilados.


Mesmo que os essênios tivessem atenuado sua ideologia ativista na
época de Jesus, tornando-se uma seita mística mais contemplativa,
ainda viviam em comunidades de propriedade comum, prezavam
extremamente a pobreza e mantinham-se estritamente apartados do
resto da sociedade judaica.
Os filhos da luz essênicos restringiam, na medida do possível,
seus laços econômicos com a sociedade ao seu redor. “Nenhum deles
comerá de seu alimento ou beberá de sua bebida ou tomará algo de
suas mãos, a não ser que seja deles comprado ... pois todos os que des­
prezam Sua palavra serão por Ele aniquilados do mundo, todos os seus
feitos são para Ele como a imundície, e todas os seus bens estão macu­
lados pela impureza”3. Os essênios eram, pois, obrigados “a separar-se
dos filhos da destruição, mantendo-se livres da posse de iniquidades”4.
Jesus, obviamente, não queria anuir à sua separação ideológica
e econômica. “Os filhos deste século são mais prudentes com sua
geração do que os filhos da luz. E eu vos digo: fazei amigos com 0
Dinheiro [dos homens] da iniquidade5... Se não fostes fiéis quanto ao
Dinheiro iníquo, quem vos confiará o verdadeiro bem? Se não fostes
fiéis em relação ao bem alheio, quem vos dará 0 vosso?” (Lc 16:8­
12). Ao utilizar sua própria autodescrição - filhos da luz - Jesus fez
uma alusão irônica aos essênios.
Como estes, também Jesus considerava todos os bens uma ameaça
à verdadeira devoção. “Ninguém pode servir a dois senhores; com
efeito, ou amará um e odiará 0 outro, ou se apegará ao primeiro e des­
prezará 0 segundo. Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6:24)6.
O dualismo deste dito é essênico, em sua visão de mundo. Os essênios
esforçavam-se “para amar tudo que Ele tivesse escolhido, odiar tudo 0
que Ele tivesse repudiado, manter-se longe do mal e aderir a todas as
boas obras”7. Entre 0 bem e 0 mal existe inimizade eterna, assim tam­
bém entre os filhos da luz e os filhos das trevas, entre Deus e Belial, 0
demônio. Jesus não podia aceitar tal atitude. Ele não abraçou a teologia
essênica, apenas certos aspectos sociais de sua filosofia de vida. Por
conseguinte, os dois mestres que figuram em seu dito não são Deus e
o demônio, Belial, mas Deus e 0 dinheiro.

3 Regras da Comunidade (1QS) 5:14-20.


4 Documento de Damasco (CD) 6:14-15.
5 Antes da descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, a preposição ε*κ era, em
geral, traduzida no nosso versículo como '1por meio”, porque 0 contexto não
era compreendido. Lingüísticamente, isso é impossível. Ademais, no original,
a expressão aramaica mamona (em hebraico, mamón) significa “posses” . Sobre
a tradução c todo o conceito, ver “Jesus’ Opinion About the Essenes”, Judaism,
pp. 150-168.
6 Ver D. Flusser e S. SatVai, “The Slave ofTvvo Masters”, Judaism, pp. 169-172.
7 Regras da Comunidade (1QS) 1:4-5.
ÉTICA 71

Segundo Jesus, os bens são um obstáculo para a virtude, “Filhos,


como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo pas­
sar pelo fundo da agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!”
(Mc 10:24-25). Para ambos, os essênios e Jesus, a pobreza, a humil­
dade, a pureza e a simplicidade não sofisticada do coração eram as
virtudes religiosas essenciais. Jesus e os essênios pensavam que, no
futuro divino prestes a chegar, os párias sociais e os oprimidos tornar-
-se-iam os preferidos, “pois deles é 0 reino do céu”, e “os enlutados
serão reconfortados”. Jesus certamente não pretendia que atribuísse­
mos uma tendência sentimentalista a estas palavras, como provam
as “maldições”, dirigidas aos “ricos”, aos “saciados”, e “àqueles que
riem” (Lc 6:24-26). Todos estes sofrerão e chorarão ao chegar 0 fim dos
dias. Agora, pela primeira vez, graças aos Manuscritos do Mar Morto,
podemos compreender a expressão “pobres de espírito”. Este era um
título honorífico entre os essênios8. São estes os pobres aos quais 0
Espírito Santo é dado. Numa passagem do livro de hinos essênico
(1QH 18:14-15), 0 autor agradece a Deus por tê-lo nomeado pregador
de Sua graça. Ele está destinado “a proclamar aos mansos a multitude
de Tuas misericórdias e permitir aos de espírito contrito ouvir a sal­
vação de Sua fonte eterna, e aos que pranteiam, alegria eterna”. Estes
correspondem aos “mansos”, aos “pobres de espírito” e aos “aflitos”
das três primeiras bem-aventuranças de Jesus.

Um paralelo às Bem-Aventuranças, do manuscrito do Mar Morto.

Um paralelo ainda mais significativo às “bem-aventuranças” de


Jesus e às “maldições” é encontrado em escritos judaicos que não são
essênicos, porém periféricos a este movimento9. São os chamados

8 Ver D. Flusser, “Blessed are the Poor in Spirit”, Judaism, pp. 102-114. Sobre eles
paira o Espírito de Deus. Ver4Q 521, fragmento 211 + 4, linha 6, Revue Biblique
15, 1992, pp. 485-486.
9 Ver D. Flusser, “Some Notes to the Beatitudes", Judaism, p. 117.
72 JESUS

Testamentos dos Doze Patriarcas, que possuímos num texto cristão


revisado. É fácil, no entanto, detectar a proveniéncia judaica destes
escritos. A obra é apresentada na forma de discursos de despedida
dos doze filhos de Jacó. Judá fala sobre a salvação no fim dos dias101.

E haverá um só povo do Senhor e uma só língua;


E não mais existirá o espirito de erro de Belial,
Pois ele será lançado ao fogo para todo o sempre.
E aqueles que morreram no sofrimento ressuscitarão na alegria,
E aqueles que se encontram na penúria" tornar-se-ão ricos,
E aqueles que passam por necessidade saciar-se-ão na fartura,
E aqueles que são fracos receberão sua força,
E aqueles que foram levados à morte, em nome do Senhor, acordarão para a vida.
E os cervos de Jacó correrão com satisfação,
E as águias de Israel voarão com alegria
(Mas os descrentes lamentarão e os pecadores chorarão),
E todos glorificarâo 0 Senhor para todo 0 sempre.

A similaridade entre as bem-aventuranças e as maldições de Jesus


e 0 Testamento deJudá é óbvia. O autor judeu ampliou poeticamente
a tradição comum, elaborando em especial a ressurreição dos mor­
tos. Ele diz que aqueles que morreram pelo Senhor despertarão para
a vida, enquanto Jesus promete que os perseguidos herdarão 0 reino
do céu. Isso sugere que os Testamentos dos Doze Patriarcas são uma
obra semiessênica. É verdade que os essênios genuínos acreditavam
no paraíso, no inferno e na vida eterna; mas não criam, como os fari­
seus e, mais tarde, os cristãos, na ressurreição dos mortos. É extraor­
dinário que, nos três primeiros Evangelhos, também Jesus fale sobre
a vida eterna, contudo nunca explícitamente sobre a ressurreição dos
mortos - à exceção de sua conversa com os saduceus “que negam
existir ressurreição” (Lc 20:27-39 e par.) e quando, em passagens
aparentemente secundárias, fala acerca de sua própria ressurreição.
Seria uma coincidência?
Tendo dito isso, precisamos explicar como é que as bem-aventu-
ranças profundamente humanas de Jesus insuflam 0 espírito dos essê-
nios que, muito embora fossem menos hostis em sua época, ainda não
tinham se descartado de seu impulso teológico misantrópico. Deve-se
observar, neste contexto, que seitas radicais podem, com frequência,
ser bastante afáveis. Os escritos essênicos distinguem-se por sua devo­
ção fervorosa. Ambos, o antigo historiador judeu Josefo e 0 filósofo
Filo de Alexandria, não estão divagando ao retratar os essênios como
homens à la Tolstoi. No decorrer do tempo, uma ideologia inumana
pode produzir consequências quase humanas. Isso aconteceu com os

10 Testamento de Judá 2 5 :3 5 ‫ ;־‬Sparks, op. cit., pp. 550-551.


11 A expressão que se segue, “cm nome do Senhor”, é evidentemente uma
interpolaçâo.
ÉTICA 73

essênios. A humanização foi amplamente concretizada nos círculos


judaicos que existiam nas periferias do essenismo e que foram simul­
taneamente influenciadas pela sensibilidade do judaísmo rabínico.
Jesus estava familiarizado com as idéias prevalecentes nestes círculos
e as incorporou à sua transposição de todos os valores.
Os essênios acreditavam que sua vitória final e a aniquilação do
mal estavam predestinadas por Deus. Se 0 fim não chegou, estamos
ainda sujeitos aos poderes maléficos deste mundo. Portanto, o modo
de vida é regulado da seguinte maneira: “Demonstrai ódio eterno e
secreto aos homens da destruição, deixando-lhes propriedades e 0
produto do trabalho, do mesmo modo que um escravo exibe humil­
dade para aquele que o domina. Mas, ao mesmo tempo, deixai que
todos estejam cônscios do tempo predestinado - 0 dia da vingança”12.
Esta perspectiva deu origem a uma espécie de humanismo inumano,
de modo que os essênios pudessem dizer acerca de si mesmos, “A
ninguém retribuirei com 0 mal; infligirei aos homens a bondade, pois
Deus julga todas as coisas que vivem e Ele retribuirá ... Não renun­
ciarei à luta contra os homens da destruição até o dia da vingança,
não obstare¡ minha cólera dos homens iníquos e não descansarei até
que Deus designe o julgamento”13.
A descoberta essênica de que o mal pode ser vencido com 0 bem
provou ser uma arma poderosa na história do mundo. Como veremos,
essa ideia foi desenvolvida adiante por Jesus e adotada pelo Cristia­
nismo - independentemente da doutrina de amor de Jesus14. A regra
“não resistais ao homem mau” (Mt 5:39) penetrou também no mundo
moderno. Chegou a Gandhi, que a aprendeu por intermédio do Cris­
tianismo, transplantando-a para antigas idéias hindus. Esta concep­
ção originalmente essênica ajudou, pois, a libertar a índia por meio
da resistência passiva.
A história demonstrou que um inimigo pode ser vencido pela bon­
dade, mesmo que não 0 amemos e ainda que ele não se tome melhor
como resultado do bem que lhe é feito. Era isso que os essênios que­
riam; é difícil, entretanto, realizar estas duas condições. Faz parte da
natureza humana começar a amar aquele para 0 qual estamos fazendo
0 bem. Mais importante, quando fazemos genuinamente o bem para
alguém - mesmo que só 0 amemos um pouco - via de regra, ele se
toma um ser humano melhor. Tais grupos, que ocupavam a periferia
do essenismo, superaram a teologia essênica do ódio e, eventualmente,
começaram a ratificar estas mesmas consequências de fazer 0 bem
ao inimigo. Nos Testamentos dos Doze Patriarcas, em particular no

12 Regras da Comunidade (1QS) 9:21-26.


13 Regras da Comunidade (1QS) 10:17-20.
14 Ver em especial Rni 12:9-13:7.
74 JESUS

Testamento de Benjamim, a conquista do pecador pelo amor toma-se


um imperativo moral importante15:

O homem bom não tem um olho que não pode ver; pois ele mostra misericórdia
a todos os homens, por mais pecadores que sejam e ainda que possam conspirar pela
sua ruína. Este homem, ao fazer 0 bem, vence 0 mal, uma vez que é protegido pelo
bem ... Se então, filhos, vossas mentes estão predispostas para 0 que é bom, homens
iníquos viverão convosco em paz, os devassos vos reverenciarão e voltar-se‫־‬ão para 0
bem e os argentários não só darão suas costas para as coisas pelas quais se empenha­
ram, como também doarão 0 que conseguiram por intermédio de sua ganância àque­
les que estão em aflição ... Seu bom coração não o deixará falar com duas línguas, a
da bênção c a da maldição, a do insulto e a do elogio, a do pesar e a da alegria, a da
quietude e a do tumulto, a da hipocrisia e a da verdade, a da pobreza e a da riqueza;
ele terá uma única inclinação, simples e pura, que diz a mesma coisa para todos. Não
possui visão ou audição duplas; sempre que tal homem faz, diz ou vê alguma coisa,
sabe que 0 Senhor olha para sua alma em juízo. E ele purifica sua mente para que não
seja condenado por Deus e pelos homens. Porém, tudo o que Belial faz é duplo e abso­
lutamente nada tem de único.

M o e d a c u n h a d a c o m u m a f lo r - d e - li s .

Jesus estava imbuído do mesmo espírito, ao dizer:

Ouvistes que foi dito: “Olho por olho e dente por dente... golpe por golpe” (Ex
21:24-25)16. Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau; antes, àquele que te

15 Testamento de Benjamim 4:2-3; 5:1; 6:5-7. Sparks, op. cit., pp. 595-597.
16 O final do dito bíblico está faltando cm Mateus, não obstante sejam precisamente
suas palavras de conclusão as que Jesus explica.
ETICA 75

fere na face direita oferece-lhe também a esquerda; e àquele que quer pleitear contigo,
para tomar-te a túnica, deixa-lhe também a veste; e se alguém te obriga a andar u’a
milha, caminha com ele duas. Dá ao que te pede e não voltes as costas ao que tc pede
emprestado17189. Ouvistes que foi dito: Amarás o leu próximo18 (Lv 19:18) e odiarás o
teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos‫ ״‬e orai pelos que vos per-
seguem20; desse modo vos tomareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque Ele
faz nascer 0 seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva sobre justos e injus­
tos... Portanto, deveis ser perfeitos como 0 vosso Pai celeste é perfeito (Mt 5:38-48).

De acordo com o Testamento de Benjamim, não se deve ter “duas


línguas, uma da bênção e uma da maldição... Entretanto, tudo o que
Beliar faz é duplo e absolutamente nada tem de único”. De acordo com
Jesus, ao amar nosso próximo, devemos ficar indivisos, assim como
Deus é indiviso. Mesmo no Antigo Testamento, 0 dito “olho por olho”
(Ex 21:24) não era tomado literalmente. Jesus queria levar adiante
esta interpretação do versículo de Êxodo ao explicar que “golpe por
golpe” significava dar a outra face para receber mais uma pancada.
Isto também estava em harmonia com 0 espirito pietista da periferia
essênica. De acordo com os Testamentos dos Doze Patriarcas21, 0
patriarca dominante, Zabulón, chegou até mesmo a levar, sub-repti-
ciamente, uma roupa para um homem pobre que vira tremendo no frio
do inverno. Numa ocasião, nada encontrando para dar a um homem
pobre, acompanhou-o por sete estágios de sua jornada, lamentando 0
tempo todo, pois seu coração se confrangia em simpatia para com ele.
Foi também da periferia essênica que Jesus tomou a ideia de que
não se deve resistir ao mal, e 0 conceito de boas-novas dirigidas par­
ticularmente aos pobres e aos párias. A doutrina da periferia essênica,
de manter uma relação consistente com todos os homens, sem distin­
ção, foi desenvolvida por Jesus, transformando-se no mandamento de
amar os inimigos e, em especial, os pecadores. Quando os fariseus

17 Assim de acordo com Lc 6:30. Ver 0 comentário correto feito por G. Strecker,
"Der Weg der Gerechtigkeit”, Untersuchung zur Theologie des Matthüus, Gõt-
tingen, 1966, p. 134.
18 Ao invés de “como a ti mesmo", Mateus diz: “e odiarás teu inimigo”. Estas
palavras são uma explicação secundária da expressão (ausente) “como a vós
mesmos”. Aqueles que assim o faziam (evidentemente, saduceus) interpretavam
estas palavras: Age com 0 próximo conforme ele age contigo. Se ele é bom para
ti, é teu amigo, então sê amigável para com ele, mas se ele faz algo de ruim para
ti, odeia-o. Isso se harmoniza com a antiga ética (pagã) vulgar de retribuição.
Sobre este tipo de ética, ver A. Dihle, Die goldene Regei. O antigo poeta grego
Arquíloco (século VII a.C.) vangloria-se: “Sei amar um homem que (me) ama
e odiar 0 inimigo”. Ver Architochos, M. Treu (ed.), Munich, 1959, p. 10.
19 A interpretação correta deste amor ao inimigo é apresentada em Lc 6:27: “Amai
aos vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam”.
20 Ver 0 interessante paralelo rabínico em Tos. Baba Qama 9:29-30, Zuckermandel,
p. 365.
21 Testamento de Zabulón, cap. 7.
76 JESUS

0 menosprezaram por comer na companhia de publícanos (que são


pecadores)22, ele retrucou, “Os sãos não têm necessidade de médico e
sim os doentes”. A isto acrescentou, “não vim chamar os justos, mas
sim os pecadores” (Lc 5:30-32 e parr.).
O paradoxo do rompimento de Jesus com a antiga moralidade
costumeira foi maravilhosamente expresso na parábola dos trabalha­
dores da vinha (Mt 20:1 -16). Um proprietário saiu para contratar tra­
balhadores para sua vinha, prometendo um denário por dia a cada. À
noite, pagou-lhes 0 mesmo salário, sem considerar 0 tempo que ha-
-viam trabalhado. Aqueles que haviam iniciado 0 trabalho cedo come­
çaram a reclamar, e então o proprietário disse a um deles:

Amigo, nâo fui injusto contigo. Não combinaste um denário? Toma lá 0 que é
teu e vai. Eu quero dar a este último 0 mesmo que a ti. Nâo lenho 0 direito de fazer 0
que cu quero com o que é meu? Ou 0 teu olho 6 mau porque cu sou bom? Assim, os
últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos.

Aqui, como em outra parte, 0 princípio da recompensa é aceito


por Jesus, mas todas as normas dos conceitos usuais da justiça divina
são ab-rogadas. Poder-se-ia pensar que isso acontece porque Deus,
em Seu amor e misericórdia, não faz distinções entre os homens. Com
Jesus, todavia, a transposição de todos os valores não é idílica. Até
mesmo o infortúnio não distingue entre o pecador e 0 homem justo.
Numa ocasião, alguém trouxe a Jesus as notícias sobre os galileus,
cujo sangue Pilatos misturara com 0 de suas vítimas. Os observado­
res esperavam, logicamente, uma resposta política, mas Jesus disse,

[...] acreditais que, por terem sofrido tal sorte, esses galileus eram mais pecadores
do que todos os outros galileus? Não, eu vos digo; todavia, se não vos arrepender­
des, perecereis todos do mesmo modo. Ou os dezoito que a torre de Siloé matou em
sua queda, julgais que a sua culpa tenha sido maior do que a de todos os habitantes
de Jerusalém? Não, eu vos digo; mas, se não vos arrependerdes, perecereis todos de
modo semelhante (Lc 13:1-5).

O consenso geral na época era de que a calamidade - e a doença


- constituía uma punição para 0 pecado. Poder-se-ia argumentar, por­
tanto, que estes homens eram pecadores maiores que outros galileus.
Jesus não rejeitava este ponto de vista mas, ao mesmo tempo, repu­
diou como simplista a aplicação corrente desta visão. Ao invés da ética
vulgar, disse a Israel: “Arrependei-vos ou perecereis!” Ele ilustrou seu
chamado para um arrependimento nacional com a parábola da figueira

22 A expressão “e pecadores” está corretamente ausente em dois manuscritos impor­


tantes de Lc 5:30, porque comer “com pecadores” é, de acordo com 0 Judaísmo
clássico, uma acusação excessivamente abstrata. Insinuou-se furtivamente em Lc
5:30 (e nos dois paralelos), a partir da resposta de Jesus em Lc 5:32 (e parais.).
ÉTICA 77

estéril (Le 13:6-9). Mais tarde, estando em Jerusalém, viu que a catás­
trofe iminente era quase que inevitável (Le 19:40-44). A destruição
futura de Jerusalém poderia ter sido evitada se o povo tivesse esco­
lhido o caminho da paz e do arrependimento23.
A noção de justiça divina de Jesus é, pois, incomensurável com
a razão. O homem não pode medi-la, mas pode compreendê-la. Ela
conduz à pregação do reino, no qual o último será o primeiro e o pri­
meiro, o último. Leva também do Sermão da Montanha ao Gólgota,
onde o homem justo morre uma morte semelhante à do criminoso. É
ao mesmo tempo profundamente moral, e ainda assim, além do bem
e do mal. Neste esquema paradoxal, todas as virtudes costumeiras
“importantes” e a personalidade bem talhada, a dignidade mundana
e a insistência orgulhosa no cumprimento formal da Lei são fragmen­
tárias e vazias. Sócrates questionou o aspecto intelectual do homem.
Jesus questionou 0 aspecto moral. Ambos foram executados. Seria
por mero acaso?

23 Veri. H. Marshall, The Gospel o f Luke, NIGTC, Grand Rapids, Mich., 1979, pp.
553, 717; Hugo Grotius sobre Lc 13:2. Ver também infra, cap. 18, nota 22.
Uma moeda judaica do período da guerra contra os romanos (66-70 d.C.).
7. O Reino do Céu

Certo dia, enviaram espiões para observar e surpreender Jesus


no que ele dizia.

“Mestre, sabemos que falas e ensinas com retidão, e, sem levar em conta a pos¡‫־‬
çâo das pessoas, ensinas de fato o caminho de Deus. É lícito a nós pagar 0 tributo a
César ou não?” Ele, porém, penetrando-lhes a astúcia, disse: “Mostrai-me um denário.
Dc quem traz a imagem e a inscrição?” Responderam: “ De César”. Ele disse então:
“Devolvei, pois, 0 que é de César a César, e o que é de Deus a Deus” (cf. Lc 20:20-26).

Uma vez mais, Jesus conseguira evitar a captura, ao mesmo


tempo deixando sua mensagem inequivocamente explícita. Não se
pode servir a dois mestres, a Deus e a Mamón. O dinheiro vem de
César, e deve, portanto, ser entregue a ele. Este pronunciamento certa­
mente não expressava amizade com relação aos romanos, mas também
mostrava que Jesus não apoiava qualquer revolta contra eles. Seu ensi­
namento ético tornava isto impossível. Ele estava perfeitamente ciente
da realidade social, mas esta não era sua preocupação mais importante.
Uma vez no jogo, deve-se jogar de acordo com as regras. “Assume
logo uma atitude conciliadora com o teu adversário, enquanto estás
com ele no caminho, para não acontecer que o adversário te entregue
ao juiz e 0 juiz ao oficial de justiça e, assim, sejas lançado na prisão.
Em verdade te digo: dali não sairás, enquanto não pagares 0 último
centavo” (Mt 5:25-26).
80 JESUS

" D e v o lv e i, p o is , 0 que é d e C é s a r a C é s a r ” (L c 20 :24-25 e p a r a is .) . M o e d a c o m a e fí­


g ie d o im p e r a d o r r o m a n o T ib é r io .

É difícil concordar com 0 argumento1 de que Pilatos tinha razão


ao executar Jesus, por ser ele um agitador político, ou 0 líder de um
bando na guerra judaica de libertação contra Roma. Além do julga­
mento de Jesus, a evidência principal citada para sustentar esta visão
é que Jesus havia pregado 0 reino do céu. “Céu” é um circunlóquio
para “Deus”, e 0 povo em geral acreditava que, no advento do reino de
Deus, Israel ficaria livre do jugo romano. Naquela época, a maior parte
dos judeus odiava 0 poder da ocupação romana. O partido conhecido
como os zelotas12 acreditava que a luta armada contra Roma tinha sido
ordenada divinamente, e suas atividades terroristas deixavam a nação
insegura. Um dos 12 apóstolos fora, em outros tempos, um zelota3.
O ensinamento fundamental dos zelotas era “a exigência do domí­
nio único de Deus, 0 que levou a uma fissura radical com as reivindi­
cações por soberania do César romano; estava associado à expectativa
de que, em decorrência da luta contra 0 opressor romano, a libertação
escatológica de Israel no fim dos dias seria anunciada”4. Embora pos­
sivelmente também os zelotas falassem sobre 0 reino do céu, naquela
época a expressão havia de fato se transformado num chavão antizelota.
Por haver similaridades explícitas entre a concepção rabínica de reino
e a de Jesus, podemos pressupor que este último tivesse desenvolvido
sua ideia. O mesmo conceito não surgiu entre os essênios5.

1 Ver especialmente a discussão de W. G. Kümmel, “Jesustbrschung seit 1950”, Teo-


logische Rundschau 31, 1966, pp. 312-313. O único dito de Jesus que pode ser
seriamente interpretado no sentido de resistência ativa é Lc 22:35-38, mas veja meus
comentários em “Jesus’ Opinion About the Essenes”, Judaism, p. 165, nota 40.
2 Ver M. Hengel, Die Zelolen: Untersuchungen zurjüdischen Freiheisbewegung in
derZeitvon ¡■¡erodes ¡.bis 70n.C,hr., Institutum Judaicum Tübingen, Leiden, 1961.
3 At 1:13; Me 3:18; Lc 6:15.
4 Hengel, op. cit., p. 384.
5 Sobre todo o tema, ver D. Flusser, “Die jüdische Messiaserwartung Jesu”, Das
Christentum: eine jüdische Religion, Munich, 1990, pp. 37-62. Ver também D.
O REINO DO CEU 8!

Entre os judeus, o reino ou o governo de Deus significava que o


um e único Deus governa presentemente de jure. Somente no futuro
escatológico, “o Reino de Deus será revelado a todos os habitantes do
mundo de facto"6. Muito embora Israel esteja no momento debilitado
sob 0 jugo estrangeiro, no final apenas Deus reinará em Sião. Também
os partidos antizelotas acalentavam esta esperança, e os discípulos de
Jesus pensavam da mesma maneira. De acordo com Atos 1:6, pergun­
taram ao Cristo ressurrecto, “Senhor, é agora o tempo em que irás res­
taurar a realeza em Israel?” No Apocalipse (cap. 18), ouvimos júbilo
pela queda de Roma, mas 0 “Jesus histórico” dos Evangelhos está
silencioso. Poderia 0 amigo dos pobres e dos perseguidos ser também
amigo dos romanos? Parece que Jesus, indiretamente, aludiu ao fim
da ocupação estrangeira de sua terra natal. Ainda assim, mesmo que
Jesus realmente previsse a queda de Roma, os evangelistas poderíam
não tê-la mencionado, para não lançar ainda mais suspeitas sobre o
fundador de sua religião.
A dominação de Israel por um poder estrangeiro era vista como
castigo por seus pecados. “Se a casa de Israel transgride a Lei, nações
estrangeiras a dominarão, mas, se mantém a Lei, lamentações, tribu-
lações e prantos dela se desviarão”7. Em outras palavras, “Se Israel
cumprisse as palavras da Lei a ele dada, nenhum povo ou reino 0
dominaria. E o que diz a Lei? ‘Tomai sobre vós 0 jugo de meu reino e
segui um 0 exemplo do outro no temor a Deus e praticai a bondade um
ao outro’ ”8. Dessa forma, mesmo no presente, pode haver indivíduos
que estão, por assim dizer, vivendo no reino de Deus. “Quem toma
sobre si o jugo da Lei, alivia de si 0 jugo do Estado e 0 das questões
materiais; quem tira de si 0 jugo da Lei, recebe sobre si 0 jugo do
Estado e 0 das questões materiais”9.
Quando Israel fizer somente a vontade de Deus, 0 reino do céu
lhe será revelado. “Se Israel, no Mar Vermelho, tivesse dito, ‘Ele é
rei para toda a eternidade’, nenhuma nação ou língua 0 teria domi­
nado; mas eles disseram (Ex 15:18), Ό Senhor reinará para sempre e

Flusser, 'O s Mortos de Massada aos Olhos de seus Contemporâneos”, Judeus e


Judaísmo: Estudos em Homenagem a Shmuel Safrai, Jerusalém, 1993, pp. 116­
146 (em hebraico). B. H. Young, Jesus and his Jewish Parables, New York,
1989, pp. 189-235. Ver também o estudo suplementar no cap. 18, “Jesus Lamenta
por Jerusalém”.
6 Targum sobre Zc 14:9.
7 Targum sobre Ez 2:10.
8 Sifre sobre Dt 32:29.
9 Mischná, TratadoAvot3:6.
82 JESUS

eternamente’ ”101. Este dito era, ao que parece, dirigido não só contra
as esperanças futuras dos apocalipsistas, porém contra os zelotas que
desejavam tomar o céu à força. Quando os zelotas de fato tomaram
o governo pela violência e a rebelião foi reprimida sanguinariamente
por Roma, um dos escribas reclamou dos “governantes das cidades
de Judá, que se livraram do jugo do céu e tomaram para si o jugo do
governo de carne e sangue”". Esta visão era compartilhada por Raban
Yokhanan ben Zakai12. Após a destruição de Jerusalém, ao ver a filha
de Nicodemos aplacando sua fome com grãos de cevada apanhados
do esterco de um cavalo árabe, chorou e disse:

Enquanto Israel estiver fazendo a vontade de Deus, nenhuma nação ou reino 0


dominará. Mas se não estiver fazendo a vontade de Deus, Ele o entregará nas mãos
da mais baixa das nações e não somente isto, mas sob os pés da besta da mais baixa
das nações13.

De acordo com a literatura rabínica, o jugo da dominação estran­


geira seria permanentemente removido de Israel com 0 aparecimento
do reino do céu. Os apocalipsistas14 acreditavam que então Satã e
seus poderes seriam também destruídos, e Jesus pensava da mesma
forma. Em outros aspectos, como já mencionamos, seu conceito de
reino do céu estava relacionado ao dos rabinos. De acordo com Jesus,
0 advento do domínio de Deus e a esperança no Salvador escatoló-
gico eram dois aspectos diferentes da expectativa do fim. A ideia do
reino de Deus e a do Filho do Homem nunca se confundiram em sua
mente15. De acordo com ambos, Jesus e os rabinos, 0 reino do céu
emerge, na verdade, do poder de Deus, mas é concretizado sobre a
terra pelos homens. O homem, então, pode e deve trabalhar para a
concretização deste reino. “Arrependei-vos, porque está próximo 0
Reino dos Céus” (Mt4:17).
O primeiro a apontar a orientação escatológica da mensagem de
Jesus por intermédio de sua pregação do reino de Deus foi Hermann
Samuel Reimarus (1694-1768). G. E. Lessing, como sabemos, publicou
subsequentemente fragmentos de seus escritos. Partindo do texto de Les­
sing, Albert Schweitzer elaborou sua própria “escatologia consistente":
“para ser digno de consideração, 0 modo de pensamento de Jesus deve
ser completamente escatológico ou completamente não escatológico”16.
Reimarus certamente não teria concordado com isso. Na versão final de

10 H. S. Horovitz & I. A. Rabin (eds.), Uekhilta de Rabi lschmael, 1960, pp.


150-151.
11 S. Schechter, ed., Avol de Rabí Natan, 1945, p. 72.
12 Tosefta Sold, 14:4.
13 Sifre sobre Deuteronômio, piská 304 (Finkelstein, p. 325); Mekhilta sobre Ex
19:1 (Horovitz & Rabin, p. 203). Ver Bacher, op. cit., vol. I, p. 42.
14 Ver A Ascensão de Moisés 10:110‫ ;־‬Testamento de Dan 6 :1 5 ‫־‬.
15 Ver R Vielhauer, Aufsãtze zum Neuen Testament, Munich, 1965, pp. 58, 80-87.
16 A. Schweitzer, In Quest o f the Historical Jesus, New York, 1968, p. viii.
O REINO DO CEU 83

Herman Samuel Reimarus

sua obra, ele distinguiu entre a pregação de arrependimento moral não


escatológica de Jesus e “seu propósito principal, que era estabelecer o
reino” 17. Descrições modernas de Jesus, entretanto, traçam geralmente
sua escatologia ao longo de linhas diferentes. A advertência do grande
socialista religioso e cristão, Leonhard Ragaz, foi em vão.

A concepção de que Jesus construiu uma espécie de ética e uma teologia baseadas
em sua expectativa acerca da iminência do reino de Deus é insustentável. Este tipo
de coisa pode acontecer perfeitamente no estudo de um teólogo ou de um filósofo... A
relação é totalmente contrária à imaginada pelos sistematizadores escatológicos. Não é
a expectativa escatológica que determina a compreensão que Jesus tinha de Deus e do
homem ... mas, inversamente, sua compreensão de Deus e do homem é que determina
sua expectativa escatológica ... Não conseguir ver isto significa que já se colocou os
óculos de um acadêmico‫ ״‬.

Schweitzer ainda estava preocupado com a verdade dolorosa, mas


escatologistas posteriores caíram numa admiração descompromissada
por um alegado pan-escatologismo de Jesus. Se compreendemos cada
um dos ditos de Jesus num sentido puramente escatológico, de modo
que a escatologia se torna irreal e puramente existencial, chegamos à
conclusão de que as exigências de Jesus não são moralmente compul­
sórias. Um erudito do Novo Testamento disse que dar a outra face é
somente permitido por ser uma “licença messiânica” - caso contrário
este tipo de coisa seria revolucionária. Esta é uma avaliação correta,
pois a pregação de Jesus é realmente revolucionária e subversiva: e
Jesus sabia disso! (Mt 10:16).

17 H. S. Reimarus, Apologie, Frankfurt a. M , 1972, vol. 2, pp. 147148‫ ־‬.


18 L. Ragaz, Die Botschafi vom Reiche Gottes, Bem, 1942, p. 280. Ver também Die
Geschichle der Sache Christi, Hamburg, 1945, pp. 112-113.
84 JESUS

A lb e r t S c h w e itz e r

Para Jesus e os rabinos, 0 reino de Deus é ambos, presente e


futuro, mas suas perspectivas são diferentes. Ao perguntarem a Jesus
quando 0 reino de Deus deveria vir ele disse “A vinda do Reino de
Deus não é observável. Não se poderá dizer: ‘Ei-lo aqui! Ei10‫ ־‬aqui!’,
pois eis que 0 Reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17: 20-21). Em
outra parte disse, “Contudo, se é pelo dedo de Deus que eu expulso
os demônios, então 0 Reino de Deus já chegou a vós” (Lc 11:20). Há,
por conseguinte, de acordo com Jesus, indivíduos que já se encon­
tram no reino do céu. Não é exatamente neste sentido que os rabinos
compreendiam 0 reino. Para eles, 0 reino sempre fora uma realidade
imutável, no entanto para Jesus havia um ponto específico no tempo
em que 0 reino começou a irromper sobre a terra. “Desde os dias de
João Batista até agora, 0 reino dos céus sofre violência, e violentos
se apoderam dele” (Mt 11:12). De acordo com Lucas 16:16 “todos
se esforçam para entrar nele, com violência”. As palavras de Jesus
baseiam-se em Miqueias 2:13.
Esta é, pois, a “escatologia concretizada” de Jesus. Ele é 0 único
judeu conhecido da antiguidade que pregou não só que as pessoas se
encontravam no limiar do fim dos tempos, mas que uma nova era de
salvação já começara19. Ela teve início com João Batista que, apesar
de ter feito a grande ruptura, não era um membro do reino. A erupção
do reino de Deus significou também sua expansão entre 0 povo. “O
Reino dos Céus é semelhante ao fermento que uma mulher tomou e
pôs em três medidas de farinha, até que tudo ficasse fermentado”

19 Jeremias, The Parables o f Jesus, op. cit., p. 227.


O REINO DO CÉU 85

(Mt 13:33). Acerca do crescimento do reino do céu, Jesus disse tam­


bém, “É semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e
lançou em sua porta; ele cresce, toma-se árvore, e as aves do céu se
abrigam em seus ramos” (Lc 13:18-19).
Uma imagem similar pode ser encontrada no livro de hinos essê-
nico20. O poeta compara a congregação a uma árvore, “todas as feras
da floresta são alimentadas por seus ramos folhosos... e seus galhos
abrigavam toda as aves, mas todas as árvores ao lado da água erguiam­
-se acima dela”. Este era um símbolo do mundo perverso que nos
rodeia. A árvore da vida está oculta - “o selo de seu mistério perma­
nece inobservado, irreconhecido”. O próprio Deus guarda seu segredo;
0 estrangeiro “vê mas não reconhece, e pensa mas não acredita na
fonte da vida”. Isso nos faz lembrar das palavras de Jesus. “Por que
a vós foi dado conhecer os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles
não” (cf. Mt 13:11-15)212. A semelhança entre parábola do grão de
mostarda e 0 símbolo essênico da comunidade é muito importante.
Assim, para Jesus, 0 Reino do Céu não é somente 0 domínio
escatológico de Deus que já despontou, mas um movimento divina­
mente voluntário, que se alastra entre as pessoas por toda a terra. O
Reino de Deus não é simplesmente uma questão da realeza de Deus,
mas também do domínio de Seu estatuto, uma esfera que se expande
e abrange cada vez mais e mais pessoas, um reino no qual pode-se
entrar e encontrar sua herança, um domínio onde há ambos, grandes
e pequenos. É por este motivo que Jesus chamou os Doze para que
fossem pescadores de homens21, para que curassem e pregassem por
todas as partes. “O Reino dos Céus está próximo” (Mt 10:5-16). Por
isso, ele exigiu que alguns deixassem tudo para trás e 0 seguissem.
Não queremos afirmar que Jesus quis fundar uma igreja ou mesmo
uma comunidade única, mas que ele desejava dar início a um movi­
mento. Formulado em termos eclesiológicos exagerados, poderiamos
dizer que a erupção do Reino do Céu é um processo no qual, em última
análise, a igreja invisível toma-se idêntica à visível.
Aquilo que Jesus reconhecia e desejava é concretizado na men­
sagem do reino. Ali, 0 amor incondicional de Deus por todos torna­
-se visível, e as barreiras entre 0 pecador e 0 justo são despedaçadas.
A dignidade humana torna-se írrita e nula, 0 último é o primeiro, e 0
primeiro toma-se 0 último. O pobre, o faminto, 0 manso, os prantea-
dores e os perseguidos herdam 0 Reino do Céu. Na mensagem de
Jesus do reino, 0 fator estritamente social não parece ser o decisivo.
Sua revolução tem a ver principalmente com a transposição de todos os
valores morais usuais, e sua promessa é especialmente dirigida para

20 Hinos de Ação de Graças (1QH) 8:4-14; 6:15-16.


21 D. Flusser, Die rabbinischen Gleichnisse, pp. 273-277.
22 M t4:19.
86 JESUS

os pecadores. “Em verdade vos digo que os publícanos e as prostitu­


tas estão vos precedendo no Reino de Deus” (Mt 21: 31- 32). Jesus
encontrou eco entre os párias sociais e os desprezados, assim como
João Batista antes dele.
Mesmo o ensinamento ético não escatológico de Jesus pode, pre­
sumivelmente, ser orientado em direção à sua mensagem do reino23.
Uma vez que Satã e seus poderes serão derrotados e a presente ordem
do mundo destruída, eles devem ser tratados quase que com indife­
rença, e não reforçados pela oposição. Por conseguinte, não se deve
resistir ao fazedores do mal; deve-se amar os inimigos e não provocar
o império romano para que ataque24. Pois quando o reino de Deus se
concretizar plenamente, tudo isso desaparecerá.

23 Ver Ragaz svpra, nota 18.


24 Cf. Josefo, Jewish War 2:350351‫־‬.
8. O Filho

Jesus é retratado nos Evangelhos como um fazedor de milagres. A


literatura rabínica nos conta sobre quatro outros homens que viveram
e atuaram antes da destruição do Segundo Templo, dois1 dos quais
eram galileus. Ela os descreve como homens extremamente pobres.
Um deles, Aba Hilkia, era um trabalhador pago por dia123.Numa certa
ocasião, quando dois escribas5 tinham sido enviados para pedir que
Aba Hilkia orasse por chuva, respondeu-lhes de maneira bastante
peculiar. A razão, em parte, devia-se indubitavelmente à tensão que
existia entre os fazedores de milagres e os escribas. O segundo galileu,
rabi Hanina ben Dossa4, viveu uma geração após Jesus e ficou famoso
por seus milagres de cura5. Uma voz celestial disse acerca dele, “Todo
0 mundo será alimentado por causa de meu filho Hanina e um pedaço
de broto de alfarrobeira satisfará meu filho Hanina por uma semana”6.

1 Aba Hilkia e Rabi Hanina ben Dossa.


2 Ver TB, Tratado Taanit 23a; Schlesinger, op. cit., pp. 71-77.
3 Acerca do costume judaico e do antigo costume cristão de enviar homens aos
pares, ver cap. 3, nota 19.
4 Ver G. Vermes, “Hanina ben Dosa”, Journal o f Jewish Studies 23, 1972, pp.
28-50; 24, 1973, pp. 5 1 6 4 ‫ ;־‬G. Vermes, Post-Biblical Jewish Studies, 1975, pp.
118-214. Ver também A. Büchler, The Ancient Pious Men, New York, 1968 e S.
Safrai, “The Teaching of the Pietists in Mishnaic Literature”, Journal o f Jewish
Studies 16, 1965, pp. 15-33.
5 Mischná, Tratado Berakhot, 5:5.
6 TB, Tratado Taanit, 24b,
88 JESUS

Não é por acidente que a voz celestial dirigiu-se a Hanina como


“Meu filho”. O fazedor de milagres está mais próximo de Deus do que
outros homens. Quando Hanina curou 0 filho de Rabi Yokhanan ben
Zakai pela oração78,a esposa do escriba disse: “É Hanina maior, então,
do que tu?” e ele respondeu: “Não, mas ele é como um escravo diante
do rei, e eu sou como um alto oficial diante do rei”s.
Algo semelhante é dito sobre Honi, 0 do círculo910, que morreu na
primavera do ano 65 a.C. Certa vez, quando lhe pediram que rezasse
pela chuva, desenhou um círculo ao redor de si mesmo e rezou, “Rei
do universo, Teus filhos vieram a mim, porque estou em Tua presença
como alguém da Tua família. Juro por Teu grande nome que não me
moverei deste lugar até que Tenhas piedade de Teus filhos”. Então,
quando veio a chuva, 0 chefe dos fariseus na época, Simão ben Scha-
takh, queixou-se acerca de seu comportamento audacioso, “Se não
fosses Honi, eu te excomungaria. Que posso fazer contigo?'°Te mos­
tras agradável a Deus e ele faz 0 que pedes, como quando um filho
adula seu pai, que então faz o que o filho quer”. O fazedor de milagres
está próximo a Deus, como um membro de sua casa, como um filho.
Honi foi morto na guerra civil entre os dois irmãos macabeus,
Aristóbolo e Hircano. Josefo" relata ter ele se escondido por causa
da guerra, tendo sido levado ao acampamento de Hircano, onde lhe
pediram que amaldiçoasse Aristóbolo, sitiado na cidade de Jerusalém.
Quando recusou-se a atender a exigência de Hircano, foi executado.
Um autor hebreu medieval12 foi sagaz 0 suficiente para detectar que,
no episódio da morte de Honi, Josefo interpretou mal e expandiu a tra­
dição oral. Em sua redação da história, deixou de fora a razão alegada
para 0 ocultamento de Honi. Ele não se escondeu por temor à guerra,
mas porque tal era 0 hábito deste fazedor de milagres devoto. Ele era
um santo oculto, como Hanan, “0 Oculto”, de uma época posterior.

7 TB, Tratado Berakhot, 34b.


8 O oficial, muito embora possua um status mais elevado, não disfruta da mesma
intimidade com 0 rei que seu servo pessoal.
9 Mischná, Tratado Taanit, 3:8; Josefo, Antiquities, 14:22; K. Schlesinger, op. cit.,
pp. 62-65.
10 As palavras hebraicas de Simão ben Schatakh são precisamente as pronunciadas
pelos observadores quando Jesus curou 0 homem da mão atrofiada. Eles ficaram
perplexos (não “furiosos”) e disseram um ao outro: “O que podemos fazer a
Jesus?” (Lc 6:11), porque ele nada fizera para violar o Sábado. Lucas compreen­
deu muito bem sua fonte, como podemos depreender de At 4:16, mas os outros
dois evangelhos sinóticos interpretaram a reação orginal de forma equivocada
(Mc 3:4 e Mt 12:14). Ver minha discussão em Judaism, pp. xxv-xxvi. Ver supra,
cap. 4, nota 17.
11 Josefo, Antiquities, 14:22-24.
12 O assim chamado Josefo Gorionides (Josippon). D. Flusser (ed.), The Josippon,
Jerusalém, 1978, 35:99 e ss. (p. 148).
O FILHO 89

Quando a chuva era necessária, os escribas costumavam enviar crianças a Hanan,


para que puxassem a bainha de seu manto e dissessem, “Aba, Aba1314, dô-nos chuva!”
Então ele se dirigia a Deus, “Rei do universo, faze isso pelo bem daqueles que não são
capazes de distinguir entre um pai (Aba) que pode dar a chuva e um pai que não pode”.
E por que chamavam-no de Hanan, 0 Oculto? Porque ele costumava esconder-se^.

Existem alguns pontos em comum entre a história de Hanan e a


atividade de Jesus. O santo homem dirige-se a Deus como “Aba” -
pai. A temática da filiação é característica deste tipo de homem santo
judeu. Mais importante ainda, Hanan costumava esconder-se, como
Honi, 0 do círculo, provavelmente fazia. Todos aqueles que leem os
Evangelhos sabem que Jesus também se escondia das multidões, orde­
nando à pessoa curada que nada revelasse sobre sua cura15.
O ponto de contato mais importante entre os dois, no entanto, está
no ensinamento de Jesus sobre as criancinhas (Lc 18:15; Mc 10:13-16).
Hanan era 0 único homem devoto da antiguidade ao qual crianças cer­
tamente tinham mais fácil acesso do que rabinos. Quando elas foram
levadas a Jesus, para que as tocasse16, ele disse que “delas é 0 Reino de
Deus. Em verdade vos digo, aquele que não receber o Reino de Deus
como uma criancinha, não entrará nele”. Este dito sublime significa,
naturalmente, que se deve aceitar 0 Reino de Deus sem reservas. Esta
era igualmente a essência da oração de Hanan. “Senhor do universo,
faze isso pelo bem daqueles (as crianças) que não são capazes de dis­
tinguir entre um pai que pode trazer a chuva e um pai que não pode.”
Vemos, pois, que naqueles dias havia uma tensão compreensível
entre os santos homens carismáticos e 0 establishment farisaico. Tam­
pouco é estranho que tais homens sagrados praticassem a pobreza,
seja por compulsão ou voluntariamente. Devido à escassez de infor­
mação sobre tais homens devotos, é impossível saber até que ponto 0
modo de vida de Jesus e de seus discípulos, e a avaliação positiva de

13 Conforme evidenciado a partir do já mencionado Aba Hilkia, e de Mt 23:7-9, bem


como de outras fontes, naqueles dias “Aba”, assim como “Rabí”, era um título
honorífico. A palavra aramaica “aba", como designação ou sinal de afeição, é
utilizada também em textos hebraicos. Ver cap. 2, nota 27.
14 TB, Tratado Taanit, 23b.
15 Dessa forma, 0 comportamento de Jesus nestes aspectos nada tem a ver com seu
pressuposto “segredo messiânico”, do modo como foi desenvolvido por Marcos.
Este último descreve Jesus como um homem solitário e santo, que não foi com­
preendido por outros e morreu na cruz abandonado. Esta descrição, obviamente,
está longe da verdade. No que tange às últimas horas de vida de Jesus, ver “O
Crucificado c os Judeus”, nos estudos suplementares deste volume. Entretanto,
é verdade que Jesus não disse em tantas palavras ser 0 messias, porque ainda
não tinha realizado sua tarefa messiânica. Ver D. Flusser, “Two Notes on the
Midrash on 2 Samuel VII”, Judaism, pp. 93-98.
16 Era costume em Jerusalém e em outras cidades levar crianças pequenas para
que homens de respeitabilidade as abençoassem. Ver Tratado Soferim 18:7; M.
Higger (ed.), New York, 1937, pp. 318-319; Billerbeck, I, pp. 807-808.
90 JESUS

A mulher curada ao tocar a orla da veste [tsitsit (literalmente, “franjas")] de Jesus


(M t 9:20-22). De uma catacumba romana, fim do séc. III d.C.
0 FILHO 91

Jesus no que concerne ao valor religioso da pobreza, refletem a atitude


do grupo como um todo. O certo é que, específicamente do ponto de
vista sociológico, Jesus era um deles. Já vimos (cap. 6) que, no que
tange à questão da pobreza e da riqueza, Jesus aceitou algumas pers­
pectivas essênicas. E provável que estas temáticas lhe tenham sido
transmitidas por intermédio de João Batista17.
Era também apropriado que os milagres fossem realizados em
segredo. Isso se aplica a Jesus, que ordenou à pessoa que nada dis­
sesse a respeito de sua cura (Me 5:43; Le 8:56). Ao que parece, era
também por este motivo que Jesus não queria revelar completamente
o segredo de sua eleição divina.
Vimos como a relação com Deus destes três fazedores de milagres,
pertencentes ao período do Segundo Templo, era descrita como análoga
à de um filho com seu pai. O primeiro, Honi, rezou a Deus como um
membro de sua família, e foi comparado a um filho que estava acostu­
mado a mostrar-se agradável ao seu pai. Hanina postou-se diante de Deus
como seu servo pessoal, e foi chamado por uma voz celestial de “Meu
filho!” Hanan, 0 Oculto, adotou a palavra dita pelas crianças, “Pai” e,
na oração, descreveu Deus como “o pai que pode dar a chuva”. Como
poderia ser que tais homens, que eram como filhos para Deus, se dirigis­
sem a Ele de outro modo que não “Pai?” Jesus falava da mesma forma18.
Os homens devotos e carismáticos acreditavam que seus laços
com Deus fossem muito mais fortes, se bem que certamente não
excluíam a possibilidade de que outros fossem capazes de atingir uma
posição semelhante. Por comparação, entretanto, a autoconsciência de
Jesus era ainda mais elevada. Isto pode ser visto a partir dos três pri­
meiros Evangelhos. De acordo com os textos existentes, Jesus distin­
gue entre Deus como 0 pai comum do crente, e Deus como seu pai. Ele
chama Deus de “nosso pai”, mas por outro lado fala sobre “meu pai”.
A oração do Senhor não é uma exceção, porque “Pai nosso que estais
no Céu” (Mt 6:9) é a abertura de uma oração prescrita para outros.
Este modo de falar revela o elevado grau de autoconsciência de
Jesus, porque não há evidências de uma mão posterior introduzindo
elocuções sobre “nosso Pai”. Isto é extraordinário quando lembramos
que a cristologia da Igreja inclui uma compreensão de que Cristo dera
ao crente 0 Espírito de sua filiação (Rm 8:15). Lemos, “Mas a todos

17 Ver, de minha autoria, “Jesus’ Opinion about the Essenes”, Judaism, pp. 150­
168, especialmente pp. 162-163.
18 J. Jeremias, “Abba”, Studien zur neutestamentlichen Theologie und Zeitgeschi-
chte, Gottingen, 1966, pp. 15-67. B. M. F. Van Iersel percebeu corretamente que,
entre os rabinos, dirigir-se a Deus como “nosso Pai” não tinha o mesmo peso
que “meu Pai”, ou “Aba”, conforme feito por Jesus. Contudo, considerando a
escassez de materia rabínico sobre a oração carismática, isso não nos diz muita
coisa (Der Sohn, Nov. Test. Supplement 111, Leiden, 1961).
92 JESUS

que 0 receberam, aos que creem em seu nome, deu 0 poder de se


tornarem filhos de Deus” (Jo 1:17). Entretanto, mesmo 0 Evangelho
de João, que leva sinais de desenvolvimentos cristológicos posterio­
res, é capaz de reter a filiação característica de Jesus na declaração
do Senhor ressurrecto, “Subo a meu Pai e vosso Pai; a meu Deus e
vosso Deus” (Jo 20:17). Como vimos, 0 Jesus “histórico” não falava
exatamente assim mas ele, com certeza, distinguía entre sua filiação
única e a paternidade comum de Deus. Esta indicação é descrita de
uma maneira um tanto distorcida na expressão de ódio dos judeus
contra Jesus, utilizada por João, “pois ele dizia ser Deus seu próprio
pai, fazendo-se, assim, igual a Deus” (Jo 5:18)19. Infelizmente, não é
aqui 0 lugar de demonstrar que, a partir de um enfoque histórico, toda
a acusação é irreal. De todo modo, Jesus evidentemente compreendia
sua filiação divina como única e decisiva.
Se Jesus era como um filho para Deus, isto denotava mais que a
mera filiação dos fazedores de milagres. Para ele, a filiação era tam­
bém a consequência de sua eleição por intermédio da voz celestial,
por ocasião de seu batismo. Como filho, ele conhecia seu Pai no céu.

Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos
sábios e doutores e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu
agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece 0 Filho20 senão o Pai,
e ninguém conhece 0 Pai senão 0 Filho e aquele a quem 0 Filho o quiser revelar (Mt
11:25‫־‬27 )21.

Até a descoberta dos escritos essênicos no Mar Morto, não conhe-


ciamos um grau tão elevado de autoconsciência no Judaísmo antigo.
Agora percebemos que esta celebração de Jesus está em concordância
com 0 hino essênico22. 0 hino de Jesus começa com a mesma palavra
que a maior parte das orações essênicas, e até a estrutura rítmica é
similar. Também para 0 autor essênico, “sua mensagem será prudên­
cia para os simples”23; e, como para Jesus, a revelação consiste no
conhecimento dos mistérios divinos.

Através de mim Tu iluminastes a face de muitos,


e mostrastes Teu poder infinito.

19 Jesus tampouco “violara 0 Sábado”, como é acusado na mesma passagem.


20 Assim, segundo Lc 10:22. Sobre 0 significado, ver G. Dalman, Die Worte Jesu,
Leipzig, 1930, pp. 231-233. Ver D. Flusser, Die rabbinischen Gleichnisse, Bem,
1981, pp. 2 6 5 2 6 8 ‫־‬. Esta não é uma elocução cristológica, simplesmente uma
observação sobre a relação entre um pai e seu filho.
21 A sequência do dito (Mt 11:28-30) também parece ser original.
22 Meyer, op. oil.. 1, pp. 280-291, intuiu corretamente que havia hinos deste tipo no
Judaísmo antigo. Ver também a excelente análise de Mt 11:25-27, em E. Sjüberg.
Der verborgene Menschensohn, Lund, 1955, pp. 195-190.
23 Hinos de Ação de Graças (1QH) 2:9-10.
O FILHO 93

Pois deste-me o conhecimento


de Teus maravilhosos mistérios,
E mostrastes a Ti mesmo poderoso comigo
por meio do segredo dos Teus portentos.
Realizastes maravilhas diante de muitos
para 0 bem da Tua glória,
Para que possas tornar conhecidos Teus feitos poderosos
Para todos os viventes24.

Esta é a mentalidade do apocalipsista carismático que tem acesso


aos mistérios divinos, por meio dos quais é capaz de “iluminar a face
de muitos”.
Segundo os Evangelhos, Jesus foi chamado pela voz celestial
de “Filho” já em seu batismo. A pressuposição de que naquela época
ele estava sendo simplesmente chamado de servo eleito é, entretanto,
justificada. Só depois da voz na Transfiguração, foi ele verdadeira­
mente chamado de “Filho”. Jesus levou Pedro, João, e Tiago, e com
eles subiu à montanha. O aspecto de seu rosto se alterou e suas vestes
tomaram-se brancas e brilhantes; e Moisés e Elias conversaram com
ele. Quando estes estavam partindo, Pedro disse a Jesus: “Mestre, é
bom estarmos aqui; façamos, pois, três tendas, uma para ti, outra para
Moisés e outra para Elias”. Uma nuvem então desceu, cobrindo-os
com sua sombra, e da nuvem veio uma voz dizendo: “Este é 0 meu
único25 Filho; ouvi-o”. Após a partida dos dois, Jesus ficou sozinho
(Lc 9:28-36).
Mesmo E. M eyer26 considerava esta visão autêntica. A voz
celestial é significativa. As palavras “ouvi-o” são tornadas inte­
ligíveis pela profecia de Moisés. “E 0 Senhor teu Deus suscitará
um profeta como eu no meio de ti, dentre os teus irmãos, e vós 0
ouvireis” (Dt. 18:15). O aparecimento de dois grandes profetas da
antiguidade, Moisés e Elias, realçou a relevância da voz. Jesus é 0
pregador profético ao qual 0 Antigo Testamento fez menção. A voz
chamou Jesus de “único Filho”, como Deus havia dito a Abraão,
“Toma teu filho, teu único, que amas, Isaac... e lá o oferecerás em
holocausto...” (Gn.22:2). Tal designação de Jesus alude, pois, a seu
martírio vindouro. Lucas (9:31) diz, na verdade, que, por ocasião da
Transfiguração, Moisés e Elias falaram com Jesus sobre sua morte
iminente em Jerusalém.
Jesus associou seu senso de filiação, sua predestinação como pre­
gador profético, e 0 conhecimento de seu trágico fim, na parábola dos
vinhateiros (cf. Lc 20:9-19), contada por ele no Templo, na presença
dos sumos sacerdotes, pouco antes de sua morte:

24 Hinos de Ação de Graças (1QH) 4:27-29.


25 “Amado” é a tradução grega de “único". Ver cap. 3, nota 11.
26 Meyer, op. cit., I, pp. 151-157.
94 JESUS

O dono da vinha enviou um servo aos vinhateiros, para que lhe entregassem
uma parte do fruto. Os vinhateiros espancaram-no, despedindo-o sem nada. O dono
enviou de novo outro servo, que também foi espancado e insultado. Enviou ainda um
terceiro, que foi ferido e lançado fora. Finalmente, enviou 0 seu filho, pensando que
0 respeitariam. Mas quando os vinhateiros 0 viram, disseram uns aos outros, “Este é
o herdeiro; vamos matá-lo e a herança será nossa”. Levaram-no para fora da vinha e
o mataram. O que lhes fará 0 dono da vinha? Eles virá e destruirá esses vinhateiros, c
dará a vinha a outros.

Percebendo que a parábola era dirigida a eles, os sacerdotes cogi­


taram como poderíam prender Jesus, mas temiam a multidão.

S a c r ifíc io d e Isa a c . M o s a ic o d a S in a g o g a d e B e it-A lfa .

Estamos aqui no epicentro do embate de Jesus com os saduceus,


a aristocracia do Templo - o choque que 0 conduziría à morte. Os
sumos sacerdotes interpretaram a parábola corretamente. Eles eram
os arrendatários perversos da vinha que, por razão de seu ministério,
mantinham monopólio sobre 0 povo de Deus - pois a vinha era 0
povo de Israel27. Os sumos sacerdotes seriam destruídos, e Deus daria
sua vinha para outros. Isso realmente aconteceu após a destruição do
Templo, quando a casta sacerdotal foi destruída, e desapareceu. Os
servos enviados para a vinha eram os mensageiros proféticos de Deus,
que tinham sido perseguidos e assassinados. Entre eles se encontrava
Jesus, 0 Filho.

27 Ver Is 5:1-7.
O FILHO 95

Jesus, porém, acreditava que 0 assassinato do Filho não seria 0


fim da tragédia. Concluiu, pois, a parábola (Lc 20:17) citando Sal­
mos 118:22: “a pedra que os edificadores tinham rejeitado tomou-se
a pedra angular”28. Ele tinha certeza de que a causa do Filho seria
vitoriosa29, ainda que este fosse assassinado. Esta é a elocução “cris-
tológica” inequívoca de Jesus.
Existe uma parábola judaica30 acerca de um proprietário e seus
arrendatários iníquos e desonestos. O proprietário lhes tirou a pro­
priedade, dando-a a seus filhos, que eram piores que os pais. O pro­
prietário teve então um filho, expulsou os arrendatários e 0 colocou
na propriedade. Jesus, aparentemente, conhecia uma parábola similar,
mas adaptou-a de modo a transformá-la numa tragédia. Em sua ver­
são, 0 filho é assassinado.
A filiação de Jesus, por conseguinte, conduz não à vida, mas à
mesma morte de outros profetas anteriores a ele. Após a Transfigu­
ração (Lc 9:28-36), sua consciência da filiação de Deus estava asso­
ciada à premonição de que ele tinha que morrer. Antes de sua entrada
em Jerusalém, já pressentiu 0 seu final trágico, mas para Jesus este
conhecimento da filiação divina certamente não era idêntico à sua
consciência de ser 0 Messias. Os judeus naqueles dias estavam, na
verdade, familiarizados com a imagem do martírio como um sacrifício
de expiação31. Contudo, uma análise filológica cuidadosa dos textos
relevantes mostra que nos três primeiros Evangelhos não há uma elo­
cução de Jesus completamente fidedigna na qual ele expressa, inequi­
vocamente, que deve morrer a fim de expiar os pecados daqueles que
nele creem32. Tampouco é provável que ele visse a si próprio como o
servo sofredor e expiador de Deus, descrito pelo profetas Isaías. Esta
concepção é ouvida retrospectivamente nos primórdios da Igreja, mas
somente após a crucificação33. Jesus não elaborou a concepção34 de sua

28 O versículo seguinte cm Lucas (20:18) é: “Aquele que cair sobre esta pedra vai se
quebrar todo, e aquele sobre quem ela cair, ela o esmagará”. Estas palavras apare­
cem somente em Lucas e seus paralelos judaicos. Ver B. H. Young, Jesus and His
Jewish Parables, New York, 1989, pp. 293-316; Jesus the Jewish Theologian, pp.
215-224. No que concerne a Mt 21:44, ver B. M. Metzger, A Textual Commentary
o f New Testament, London, 1975, p. 58. Ver também infra, cap. 11, nota 26.
29 Teria Jesus visto na pedra uma metáfora de si mesmo? De todo modo, a pedra
em SI 118:22 foi identificada, em fontes judaicas, com Davi. Ver o Targunt Ara-
maico de SI 118:22 c B. H. Young, Parables, New York, 1989, pp. 293-294.
30 Sifre sobre Dt 32:9. Ver Billerbeck, I, p. 874.
31 A começar com os casos de martirio nas perseguições feitas pelo selêucida Antí-
oco Epffanes (167 a.C.). Ver 2 Mc 6-7.
32 Por exemplo, comparar Mc 10:45 com seu paralelo em Lc 22:27. Ver D. Flusser.
“Salvation Present and Future”, Judaism, p. 233, nota 4.
33 Acerca deste tema, ver Morna Hooker, op. cit., pp. 151-157.
34 Os dois versículos cardinais, nos quais se relata que Jesus proclama explicita­
mente que morrerá para dar sua vida em resgate, são Mc 10:45 (e Mt 20:28) e
96 JESUS

própria morte a partir dos escritos antigos, seja sutil ou miticamente,


muito menos a levou a cabo. Ele não era 0 “Cristo do festival”, de
um drama sacro medieval, uma vez que combateu a morte até 0 fim.

0 relatório de Marcos sobre a Última Ceia (Mc 14:24 e Mt 20:28). Quanto ao


segundo item, é sabido por muitos que o paralelo em Lc 22:20 não é original, uma
vez que está ausente num antigo manuscrito importante, e que toda a passagem
(Lc 22:19b-20) é uma adição secundária ao texto original de Lucas, tomado de
1 Cor 11:2325‫( ־‬ver D. Flusser, “The Last Supper and the Essenes”, Judaism,
pp. 202-206). O paralelo em Me 14:24 (e Mt 26:28) depende da mesma tradição,
conforme representada por 1 Cor 11:23-24. No que diz respeito ao outro dito,
específicamente, Mc 10:45 (e Mt 20:28), é evidente que as palavras de Jesus
em Lc 22:28 são autênticas e ali, a oferenda vicária de Jesus não é mencionada.
Acerca da autenticidade de Lc 22:24-27, ver supra, pp. 76-77.
9. O Filho do Homem

Certo dia, ele orava em particular, cercado dos discípulos, aos quais perguntou:
“quem sou eu, no dizer das multidões?” Eles responderam: “João Batista; outros, Elias;
outros, porém, um dos antigos profetas que ressuscitou.” Ele replicou: “E vós, quem
dizeis que eu sou?” Pedro então respondeu: “O Cristo de Deus" (Lc 9:18-20).

Segundo Mateus (16:1719‫) ־‬, nesta ocasião ele disse a Pedro,


"Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne
ou sangue que te revelaram isso, e sim 0 meu Pai que está nos céus”1.
De acordo com este relato, o povo considerava Jesus um profeta.
Haviam identificado João Batista com Elias12, que deveria retomar. A
crença no retomo de Elias era só um dos aspectos de uma esperança na
renovação da profecia, que seria iniciada por um profeta no final dos
tempos3. Esta expectativa também jaz por detrás do relato de Lucas
de que alguns acreditavam que Jesus fosses um dos “antigos profetas
que ressuscitou” (Lc 9:19). As palavras são tiradas de Deuteronômio
18:18: “Vou suscitar para eles um profeta...”

1 Também considero a sequência (Mt 16:18-19) fundamentalmente genuína. Ver


D. Flusser, “Quntran und die Z w õlf’, Initiation, Leiden, 1965, pp. 138-139: D.
Flusser, Judaism, pp. 177-178; B. U. Young, “ Messianic Blessings in Jewish and
Christian Texts”, Judaism, pp. 280-300.
2 Ver Mt 14:1-2; Me 6:14-16; Lc 9:7-9.
3 A crença no que concerne a Elias baseou-se ent Ml 4:5; a que diz respeito a Moi­
sés, em Dt 18:18. F. Hahn, op. cit., pp. 351-404. Sobre a temática do profeta dos
últimos dias, ver P. Volz, Eschatologie, Tübingen, 1934, pp. 191-197.
98 JESUS

Todas estas opiniões (i.e., 0 Batista, Elias, e 0 profeta ressurrecto)


representam uma única ideia; específicamente, que Jesus é 0 profeta
dos últimos dias. A esperança num profeta escatológico era acalentada
por muitos, originando-se no fato de a profecia clássica (bíblica) haver
cessado. Assim pensava 0 judaísmo rabínico, bem como outras corren­
tes do pensamento judaico no período, como 0 essênios de Qumran.
Por todo 0 Novo Testamento encontramos indicações inequívocas de
que muitos acreditavam ser Jesus 0 profeta escatológico. Uma passa­
gem pungente é Atos 3:17-22. Neste caso específico, é possível que
uma tradição sobre João Batista tivesse sido transferida para Jesus4.
A concepção de que Jesus é 0 “verdadeiro profeta” escatológico foi
uma das doutrinas centrais da seita cristã judaica dos ebionitas5. Na ver­
dade, Jesus via a si mesmo como um profeta. Sua observação, “Não con­
vém que um profeta pereça fora de Jerusalém” (Lc 13:33), 0 confirma.
Suas palavras refletem a noção de que Jerusalém “Mata os profetas e
apedreja os que foram a ela enviados” (Lc 13: 34 e Mt 23:37)6. Ademais,
na parábola dos vinhateiros homicidas (Lc 20:9-19), Jesus fala sobre si
próprio como um profeta - e ao mesmo tempo como 0 Filho de Deus -
que seria morto, do mesmo modo que os profetas que 0 antecederam.
A impressão dada por esta parábola é que a corrente profética à
qual Jesus e outros pertenciam não fora interrompida após Zacarias.
Tal posição não é adequada à doutrina dos fariseus, nem à dos essê-
nios. Devemos observar que Jesus nunca se identifica como 0 profeta
dos últimos dias. Talvez ele não aceitasse a noção popular de que a
profecia tivesse cessado após os dias do Antigo Testamento, e talvez
não tenha sido 0 único que se recusava a aceitar, sem crítica, a opi­
nião prevalecente. De todo modo, estas considerações não são muito
pertinentes à questão da autoconsciência messiânica de Jesus, que cer­
tamente existia. Vimos que muitos reconheceram-no somente como 0
profeta escatológico, mas havia obviamente outros que pensavam que
ele era (ou aspirava ser) o Messias. Aprendemos isto indiretamente
da inscrição sobre a cruz (“0 Rei dos Judeus”).
As palavras de Jesus a Pedro, na versão de Mateus, soam autênti­
cas. Poderiamos, seguindo a crença da Igreja, pensar que Jesus se con­
siderava 0 Messias, ou devemos concordar com aqueles que sugerem
que sua vida era “não-messiânica”?7 Esta última opinião baseia-se no

4 O. Bauernfeind, em Abraham unser Valer, Leiden, 1963, pp. 13-23; reimpresso


em Kommentar und Studien zur Apostelgeschichte, de Bauernfeind, Tübingen,
1980, pp. 473-483.
5 G. Strecker, Das Judenchristentum in den Pseudoklementinen, Berlim, 1981, pp.
145-153; H. J. Schoeps, Das Judenchristentum, Bern, 1964, pp. 56-62.
6 Sobre a matança dos profetas, ver E. E. Urbach, The Sages, Jerusalem, 1979, pp.
548-563; H. J. Schoeps, Ausfriihchristlicher Vorzeit, Tübingen, 1950, pp. 126-143.
7 R. Bultmann, Theology o f the New Testament, New York, 1951, pp. 30 e ss.;
sobre a questão da autoconsciência de Jesus acerca de sua messianidade, ver
O FILHO DO HOMEM 99

fato de Jesus, ao que parece, nunca ter utilizado o título “Messias” para
falar de si próprio. De mais a mais, sempre falava do Filho do Homem
na terceira pessoa, como se não fosse idêntico a ele. Os ditos evangé-
líeos sobre o Filho do Homem dividem-se em três grupos: 1) aqueles
que se referem ao Filho do Homem vindouro, 2) os que se referem ao
seu sofrimento e à sua ressurreição, e 3) aqueles nos quais 0 filho do
homem está atuando no presente. “As raposas têm tocas e as aves do
céu, ninhos; mas 0 Filho do Homem8não tem onde reclinar a cabeça”
(Mt 8:19-20). Neste e em outros pronunciamentos do terceiro grupo, 0
termo aramaico ou hebraico “filho do homem” significa simplesmente
“homem”. Este grupo de ditos, portanto, nada tem a ver com a espe­
rança escatológica0de Jesus. O segundo grupo é aquele no qual 0 título
“filho do homem” é usado em conexão à paixão, morte e ressurreição
do Senhor. No passado, eu estava seguro - como muitos ainda estão
- de que este grupo era um produto do Cristianismo antigo. Os três
assim chamados “anúncios da paixão” (Lc 9:22; 9:43b-45; 18: 31-34
e parais.) são evidentemente, em sua forma presente, configurados
pela Igreja em seus primórdios. Apenas 0 segundo anúncio foi con­
siderado original por um erudito proeminente do Novo Testamento10.
Segundo Lucas (9:44), Jesus disse a seus discípulos, “Quanto a vós,
abri bem os ouvidos às seguintes palavras: o Filho do Homem vai
ser entregue às mãos dos homens”. Este dito é reminiscente de outro
pronunciamento autêntico de Jesus. Durante a Última Ceia, ele disse:
“Eis, porém, que a mão do que me trai está comigo, sobre a mesa. O
Filho do Homem vai, segundo 0 que foi determinado, mas ai daquele
homem por quem ele for entregue!” (Lc 22:21). Estas duas frases são
similares até mesmo em sua forma, e ambas baseiam-se num jogo de
palavras em hebraico.
Nelas, Jesus fala sobre a entrega do “filho do homem”, e sobre seu
trágico fim nas mãos dos homens (em hebraico: “filhos dos homens”).
No primeiro caso (Lc 9:44), Jesus (“0 Filho do Homem”) será entregue
nas mãos dos homens (“filhos dos homens”), ao passo que no segundo
caso (Lc 22:21 -22), ele fala a respeito do homem (em hebraico: “ filho
do homem”) que o entregará. Entretanto, 0 aspecto formal destes dois
ditos autênticos é menos importante do que 0 fato de Jesus falar sobre

pp. 26-32. No que tange à autoconsciância messiânica de Jesus, ver particular­


mente M. Hengel, Jesus, der Messias Israels, nos escritos compilados Messias
undChristus, Tubingen, 1992, pp. 155-176.
8 Ver cap. 6 nota 2.
9 Sobre a concepção do Filho do Homem no Judaísmo e no Novo !estamento,
ver D. Flusser, “O Reflexo de Figuras Messiânicas Judaicas nos Primórdios do
Cristianismo”, Messianismo e Escatologia, Jerusalém, 1983, pp. 105-112 (em
hebraico). Ver infra, nota 17.
10 J. Jeremias, New Testament Theology, Londres, 1987s, pp. 281-282. Ver também
R. E. Brown, Death o f the Messiah, vol. 2, New York, 1993, pp. 1468-1491.
100 JESUS

si mesmo como 0 “sofredor filho do homem”. Esta forma de referir­


-se a si próprio como “0 filho do homem”, seja por modéstia ou numa
declaração que tenha conteúdo inoportuno, pode ser vista alhures, e
parece ser adequada à forma da expressão judaica na Antiguidade.
Vermes já observou" que em aramaico, em tal situação, a pessoa pode
chamar a si mesma de “aquele homem” (hahu gavra). Em geral, uma
declaração desagradável, atemorizante, ou fatídica emprega este cir-
cunlóquio112. Jeremias, porém, assinalou corretamente13 que apesar de
Jesus aludir ao significado do termo “aquele homem”, não há exemplo
explícito no qual nosso título, “filho do homem”, seja utilizado nas
fontes conhecidas tendo um significado tão puramente eufemístico.
Ainda que as objeções de Jeremias não estejam fora de lugar, elas não
são definitivas, porque muito do material hebraico e aramaico dos dias
de Jesus não mais subsiste.
Vemos que, segundo os Evangelhos, Jesus usava 0 título “filho do
homem” com três significados. O terceiro tipo era por ele utilizado,
como no discurso hebraico atual, simplesmente como um termo para
“homem”. No segundo tipo, ele evidentemente referia-se a si próprio
como 0 “filho do homem” enquanto circunlóquio eufemístico. Temos
ainda que considerar 0 primeiro significado da expressão, no qual ele
anunciou 0 vindouro Filho do Homem como uma figura escatológica.
No segundo e terceiro grupos, é claramente uma autodesignação, mas
no caso do Filho do Homem escatológico, não é fácil demonstrar com
certeza absoluta que Jesus acreditava que, eventualmente, seria reve­
lado como 0 Filho do Homem celestial. Certa vez14tentei demonstrar
que ele realmente tinha tal aspiração. Se estou certo, 0 significado
triplo da designação “filho do homem” na boca de Jesus revela seu
modo de, por vezes, criar uma espécie de quarta dimensão por detrás
de suas elocuções15. Ele é solidário com outros seres humanos e sujeito
à mesma humanidade, mas pessoalmente deve sofrer uma morte cruel,
e será também revelado como uma figura escatológica. Tudo isso é
especulativo. De todo modo, não recomendamos tentar harmonizar
e buscar consistência entre os três significados de “filho do homem”.
Nossa tarefa é muito mais restrita. Devemos agora falar apenas sobre
o advento do futuro “Filho do Homem”, da forma como este conceito
é relevante à doutrina do Salvador de Jesus.

11 O. Vermes, Jesus the Jew, Philadelphia, 1981, pp. 160-191, especialmente pp.
163-168 e 188-191.
12 Tal espécie de eufemismo era então (e ainda hoje é) também utilizado em outras
ocasiões. Quando se dizia algo desagradável sobre os judeus, costumava-se falar
dos “inimigos de Israel” !
13 Jeremias, Theology, p. 261 nota 1.
14 D. Flusser, “Jesus and the Sign o f the Son o f Man”, Judaism, pp. 526-534.
15 Jesus, por exemplo, define este aspecto de seu caráter e de sua pregação em Mt
10:16.
Ο FILHO EX) HOMEM 1οι

Antes de abordar este tema de modo mais ampio, permitam-me


fazer uma observação linguística. Pertenço àquele grupo de estudio­
sos que acredita que 0 ensinamento de Jesus era feito em hebraico e
que a língua semítica por detrás dos três primeiros Evangelhos era 0
hebraico. Por outro lado, 0 bar anosch ou Filho do Homem em Daniel
7:9-14, é uma expressão aramaica. Por quê? Porque todo o capítulo 7
de Daniel é escrito em aramaico. Seríamos obrigados a crer que, ainda
que esse ensinamento se desse em hebraico, Jesus utilizou 0 termo
aramaico ao falar sobre 0 “filho do homem”? Certamente não! Como
veremos16, no Testamento de Abraão, 0 Filho do Homem escatológico
é identificado com Abel, filho do primeiro Adam*. Isto é prova de
que 0 Filho do Homem era assim chamado em hebraico·, ben adam.
A expressão “filho do homem” aparece no Antigo Testamento.
Numa visão, Daniel descreve 0 julgamento vindouro de Deus sobre
todos os reinos do mundo.

Eu continuava contemplando, quando foram preparados alguns tronos e um


Ancião sentou-se ... O tribunal tomou assento e os livros foram abertos... Eu continuava
contemplando, nas minhas visões noturnas, quando notei, vindo sobre as nuvens do
céu, um como Filho de Homem. Ele adiantou-se até ao Ancião e foi introduzido à sua
presença. A ele foi outorgado o império, a honra e o reino, e todos os povos, nações e
línguas 0 serviram. Seu império é um império eterno que jamais passará e seu reino
jamais será destruído (D11 7: 9-14).

Para Daniel, 0 filho do homem era um símbolo dos “santos do


Altíssimo”. No entanto, como aprendemos de outros escritos, nota­
velmente do livro etíope de Enoque, esta identificação é secundária17.
Originalmente, 0 Filho do Homem era 0 juiz escatológico de aparência
humana. Jesus falou acerca dele.

Quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os anjos com ele, então
se assentará no trono da sua glória. E serão reunidas em sua presença todas as nações
e ele separará os homens uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabri­
tos, c porá as ovelhas à sua e direita e os cabritos à sua esquerda. Então dirá 0 rei aos
que estiverem à sua direita: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança 0 Reino
preparado para vós desde a fundação do mundo...” Em seguida dirá aos que estiverem
à sua esquerda: “Apartai-vos de mim, malditos, para 0 fogo eterno preparado para 0
diabo e para os seus anjos... E irão estes para 0 castigo eterno, enquanto os justos irão
para a vida eterna” (Mt 25: 31-36).

Em todas as fontes, aquele que se assemelha a um homem é retra­


tado de maneira consistente. O Filho do Homem tem uma sublimi­
dade sobre-humana, celestial. Ele é o juiz cósmico do fim dos tempos.

16 Ver infra, nota 20.


* Em hebraico, significa “Adão” e também “homem” (N. daT.).
17 Sigo os pesquisadores: S. O. Mowinckel, He that Cometh, London, 1956; E.
Sjõberg, Der Menschensohn im Àthiopischen Henochbuch, Lund, 1946 e Der
verborgene Menschensohn in den Evangelten, Lund, 1955.
102 JESUS

Sentado sobre o trono de Deus, julgando a raça humana com 0 auxílio


das hostes celestiais, consignará 0 justo à bem-aventurança e 0 iní­
quo ao inferno. Qualquer sentença que conferir será executada. Com
frequência, é identificado18 com 0 Messias, mas pode igualmente ser
identificado com Enoque, que foi levado para 0 céu19. De acordo com
0 Testamento de Abraão20, o Filho do Homem é literalmente 0 filho
de Adão - benAdam - Abel, que foi morto pelo perverso Caim. Deus
nomeou Abel para ser o juiz escatológico, porque desejava que todo
homem fosse julgado por seu igual. No segundo julgamento, as doze
tribos de Israel julgarão toda a criação. Deus será 0 juiz só no terceiro
julgamento. Esta tradição apocalíptica explica por que Jesus disse
aos doze, “Vós, que permanecestes comigo em minhas tribulações,
quando 0 Filho do Homem se assentar em seu trono da glória, tam­
bém vós vos sentareis em tronos, para julgar as doze tribos de Israel”
(cf. Mt 19:28; Lc 22:28-30).
Num dos fragmentos essênicos21, Melquisedec, 0 sacerdote-rei
de Jerusalém na época de Abraão, no Antigo Testamento, figura como
0 sacerdote celestial e escatológico do fim dos tempos22. Das alturas,
em companhia dos anjos, julgará os homens e os espíritos perver­
sos de Belial. É dele que fala o salmista, “Deus se levanta no con­
selho divino; em meio aos deuses ele julga” (SI 82:1). Também em
outras partes da Bíblia, a tradição judaica interpreta a palavra “Deus”
como “juiz”23, mas a identificação essênica nos permite um vislum­
bre extraordinário da majestade que poderia ser atribuída ao juiz de
aparência humana no final dos tempos.
A perspectiva de que o executor do último julgamento seria 0
Melquisedec bíblico foi fundamentada no Salmo 110. “Oráculo do
Senhor ao meu senhor: ‘Senta-te à minha direita... Tu és sacerdote para
sempre, segundo a ordem de Melquisedec...’ ” A expressão hebraica
“segundo a ordem de” poderia ser compreendida como “Eu (Deus)
disse a ti (Melquisedec)”. Neste sentido, Deus se dirige ao próprio
Melquisedec do salmo. Esta foi a interpretação do autor essênico. De
acordo com a leitura usual, aquele que irá se sentar à direita de Deus

18 Por exemplo, I Enoque 48:10; 52:4. H. F. D. Sparks, op. cit.. pp. 230,232; e IV
Esdras, cap. 13, onde 0 “Homem” cósmico é, inequivocamente, 0 Messias.
19 I Enoque 71; Sparks, op. cit., pp. 255-256.
20 M. R. James (ed.), The Testament o f Abraham, Cambridge, 1892, caps. 12-13,
pp. 90, 92; F. Schmidt, Le Testamente grec d'Abraham, Tubingen, 1986, pp.
132-139.
21 M. de Jonge & A. S. Van der Woude, “ 11Q Melchizedek and the New Testa­
ment”, New Testament Studies, 1966, pp. 301-321; D. Flusser, “Melchizedek &
the Son o f Man”, Judaism, pp. 186-192. Ver agora uma edição de 1lQMelch
comentada por E. Puech, Revue de Qumran 12, 1987, pp. 483-573. Obviamente,
este fragmento essênico é importante em conexão à Epístola aos Hebreus.
22 Junto com ele, surgirá “aquele ungido pelo Espírito” (i.e., 0 profeta escatológico).
23 Por exemplo, Midrasch sobre os Salmos, acerca de SI 82:1.
O FILHO DO HOMEM 103

não é o próprio Melquisedec, mas meramente alguém que é 0 mesmo


tipo de pessoa. Era assim que Jesus compreendia este salmo. Numa
ocasião, relatada em Lc 20:4143‫־‬, ele citou 0 início do Salmo 110 com
referência ao Messias. Noutra, antes de ser entregue aos romanos, alu­
diu às palavras deste salmo quando o sumo sacerdote lhe perguntou se
ele era o Messias. Jesus disse, “Mas, desde agora, 0 Filho do Homem
estará sentado à direita do Poder de Deus” (Lc 22:69). Os presentes
compreenderam corretamente que isso era uma admissão indireta que
Jesus fazia de sua dignidade messiânica24.
E certo que, em sua própria vida, Jesus foi aceito por muitos
- não só por Pedro - como o Messias. Caso contrário, Pilatos não
teria escrito sobre a cruz “Rei dos Judeus”25. Por outro lado, não se
pode descartar a possibilidade de que Jesus, por vezes, referia-se ao
vindouro Filho do Homem na terceira pessoa, simplesmente porque
queria preservar seu incognito. No inicio, possivelmente esperava
por outro. No final, contudo, prevaleceu a convicção de que era ele 0
futuro Filho do Homem. De outro modo, a resposta de Jesus ao sumo
sacerdote não faz sentido. De acordo com Lc 22:67-70, perguntaram
a Jesus, “Se tu és 0 Cristo Messias, diz-nos!” Jesus respondeu, “Se
eu vos disser, não acreditareis, e se eu vos interrogar, não responde­
reis. Mas, desde agora, 0 Filho do Homem estará sentado à direita do
Poder de Deus”26. Este dito, em particular, dificilmente pode ser uma
invenção da Igreja, porque os evangelistas, pensando não se tratar
de uma confissão suficientemente inequívoca de sua messianidade,
aumentaram-na27.
Aquele que se assemelha a um homem, que está sentado sobre 0
trono da glória divina, o juiz escatológico sublime, é a mais elevada
concepção do Redentor jamais desenvolvida pelo judaísmo antigo.
Só um artista foi capaz de apreendê-la, Van Eyck. Ele retratou, acima
do altar em Ghent, 0 Filho do Homem como um ser humano que é
divino28. Poderia Jesus de Nazaré ter compreendido a si próprio desta
maneira? Não nos esqueçamos de que ele sentia ser o eleito de Deus,
Seu servo, 0 único Filho para 0 qual os mistérios do Pai celestial

24 Ver D. Flusser, “Melchizedek and the Son of Man”, Judaism, p. 192 “nota adi­
cional”. Pode-se ver que o difícil - e provavelmente corrompido - versículo
em SI 110:3 significava provavelmente que o herói do salmo já tinha nascido,
ao passo que em SI 2, Deus diz ao herói do salmo, “Tu és meu filho, eu hoje te
gerei”. Não há grande diferença entre os dois versículos bíblicos.
25 Mc 15:26.
26 Para um paralelo destas palavras nos Manuscritos do Mar Morto, ver D. Flusser,
“At the Right Hand o f Power”, Judaism, pp. 301-305.
27 Mt 26:64 acrescenta “Tu 0 disseste” ; Mc 14:62 acrescenta “Eu sou”; Lc 22:67­
70 acrescenta, entre outras coisas, “Vós dizeis que eu sou”.
28 Leo van Puyvelde, L'Agneau mystique d ’Hubert et Jean van Eyck, Brussels,
1964, p. 30.
Van Eyck, O Filho do Homem.
O FILHO DO HOMEM 105

estavam abertos. Este senso de dignidade sublime poderia tê-lo levado,


finalmente, a ousar dizer que seria revelado como 0 Filho do Homem;
e, no Judaísmo, o Filho do Homem era frequentemente compreendido
como 0 Messias.
O Novo Testamento relaciona a morte de Jesus com sua messia-
nidade, mas parece que 0 próprio Jesus associava sua tragédia na cruz à
sua filiação divina. Ademais, tanto a ideia da filiação como adam orte
estavam ligadas, em sua mente, à sua tarefa profética. Estes elos foram,
evidentemente, expressados pela voz celestial na Transfiguração. “Este
é 0 meu Filho único (ou: amado), ouvi-o!” (Mt 17:5; Mc 9:7; Lc 9:35,
com variantes). A primeira parte alude ao sacrifício de Isaac, 0 único
filho amado de Abraão (Gn 22:2) e, na segunda, a voz celestial faz
insinuação ao profeta escatológico (Dt 18:15). Também na parábola
dos vinhateiros homicidas (Lc 20:9-19 e parais.), Jesus fala sobre o
profeta, 0 filho do proprietário (isto é, Deus), que será morto. Creio
que esta relação entre a tarefa profética de Jesus, sua filiação, e a tra­
gédia final originou-se da própria intuição de Jesus. Aquele que havia
ordenado que não resistíssemos aos praticantes do mal, caminhou para
sua morte sem luta. Ao final, teria ele percebido que sua execução era
a coroação de sua transposição de todos os valores usuais? Por inter­
médio dela, 0 superior realmente tornou-se 0 mais baixo e 0 inferior,
0 mais alto. “Pois Cristo também morreu uma vez pelos pecados, 0
justo pelos injustos, afim de vos conduzir a Deus” (1 Pd 3:18).
10. Jerusalém

Na mesma hora, aproximaram-se alguns fariseus que lhe disseram: “Parte e vai-te
daqui, porque Herodes quer te matar”. Ele respondeu: “Ide dizer a essa raposa: eis que
eu expulso demônios e realizo curas hoje e amanha e no terceiro dia terei consumado!
Mas hoje, amanha e depois de amanhã, devo prosseguir 0 meu caminho, pois que nâo
convém que um profeta pereça fora de Jerusalém” (Lc 13:31-33).

Herodes Antipas acreditava que Jesus fosse 0 Batista que ele havia
decapitado, ressuscitado dos mortos, e estava preparado para matá-lo
“novamente”. Jesus sabia que sua vida corria perigo - uma voz celestial
nunca vem de um céu azul límpido - mas não queria morrer na Gali­
leia, onde estivera pregando o reino do céu. Morrería em Jerusalém,
que tinha a reputação de “matar os profetas e apedrejar os que a ela
foram enviados” (Lc 13:34). A razão ostensiva para sua peregrinação
era, entretanto, diferente. A Páscoa se aproximava. Os judeus estavam
acostumados a fazer uma peregrinação a Jerusalém, para sacrificar 0
cordeiro pascal e celebrar sua libertação da escravidão no Egito. Tam­
bém Jesus ansiava veementemente por comer esta refeição festiva com
seus discípulos1. Então, iniciou-se seu caminho para a cruz.
Quando Jesus aproximou-se da cidade, enviou dois discípulos
para apanhar um jumento. Depois, montou 0 animal e cavalgou para
dentro de Jerusalém. Entrando na cidade, foi saudado com “Hosana!”
e um versículo dos Salmos (118:26), “Bendito 0 que vem em nome
do Senhor”. Nas festas de peregrinação, estas palavras eram cantadas

1 Lc 22:15.
108 JESUS

e usadas para saudar os peregrinos, à medida em que chegavam2.


Estender vestes3 em seu caminho pode ter sido a forma que 0 povo
encontrou para honrar o profeta da Galileia (Mt 21:11). Jesus entrou
em Jerusalém e visitou o Templo, dirigindo-se depois para Betânia,
uma aldeia nas cercanias da cidade. Ali, entre amigos, passou suas
últimas noites45. Durante o dia, ia a Jerusalém e ensinava no Templo.
Os oficiais do lugar perguntaram-lhe com que autoridade o fazia, mas
ele replicou: “Também eu vou propor-vos uma questão. O batismo de
João era do Céu ou dos homens?” Esta resposta deixou seus interroga­
dores confusos. As autoridades saduceias do Templo não sentiam amor
pelo Batista, de modo que não podiam dizer que o batismo de João era
divino. No entanto, dizer que ele era dos homens era por demais peri­
goso, pois temiam a multidão que acreditava ter sido João Batista um
profeta de Deus. Por conseguinte, responderam simplesmente, “Não
sabemos”. Jesus disse-lhes: “Nem eu vos digo com que autoridade
faço estas coisas”. Assim, deu-se por encerrada a questão (Lc 20:1-8).
Este conflito deu início a uma série de embates entre Jesus e a hie­
rarquia do Templo, nos quais ele conscientemente tomou a iniciativa,
ganhando a solidariedade da multidão, que odiava os sumos sacerdotes
saduceus. Sua ira profética era perfeitamente genuína; mas 0 que pre­
tendia ele conseguir, a vitória de sua causa, com a ajuda de Deus e do
homem - e sem ter de morrer - ou a morte de um profeta? De acordo
com Lucas, 0 primeiro ataque de Jesus seguiu-se ¡mediatamente à
conversa a respeito do batismo de João. Na parábola dos vinhateiros
(Lc 20:9-18), Jesus falou acerca de sua morte nas mãos dos sumos
sacerdotes, e anunciou-lhes sua própria destruição. “Os escribas e os
chefes dos sacerdotes procuravam deitar a mão sobre ele naquela hora.
Tinham percebido que ele contara essa parábola a respeito deles. Mas
ficaram com medo do povo” (Lc 20:19).
Assim, Jesus ensinava diariamente no Templo. Os sumos sacer­
dotes tentaram destruí-lo, mas tinham medo, pois a multidão confiava
em suas palavrass. Numa certa ocasião, quando algumas pessoas dis­
seram acerca do Templo, “que era ordenado de belas pedras”, Jesus
anunciou, “Estais contemplando essas coisas... Dias virão em que
não ficará pedra sobre pedra que não seja demolida!” (Lc 21:5-6).

2 Ver S. Safrai, Die Wallfahrt im Zeitaller des Zweiten Tempels, Neukirchen-Vluyn,


1981, p. 158. Ele também cita 0 Midrasch sobre os Salmos 118 (Buber, ed.,
p. 488). O povo de Jerusalém costumava dizer: “Senhor, dá-nos a salvação!
(Hosana!)”, e os peregrinos respondiam: “Assim seja!” O povo de Jerusalém
costumava dizer: “Bendito 0 que vem em nome do Senhor!”, e os peregrinos
respondiam: “Da casa do Senhor nós vos abençoamos”.
3 De acordo com Jo 12:13, Jesus foi também recebido com ramos de palmeira. Mt
21:8 e Mc 11:8 são diferentes. Lucas omite isso.
4 Ver Safrai, op. cit., pp. 135, 159, 162.
5 Mc 11:18-19; Lc 19:47-48. Os “escribas” podem ter sido os escribas do Templo
(Mt 21:15-16).
“Em seguida, deixando-os, saiu fora da cidade e dirigiu-se para Betânia. E ali per­
noitou” (M t 21:17). “Degraus de Ascensão” ao longo da muralha meridional que
levava ao Templo.
110 JESUS

"Não ficará pedra sobre pedra” (Lc 21:6 e parr.).

Quarenta anos mais tarde, 0 Templo ardeu em chamas nas mãos dos
romanos. A insuportável opressão romana provocou insurreição e ter­
rorismo por parte dos fanáticos, e 0 santuário em Jerusalém foi 0
reduto dos odiados saduceus, que tinham feito um pacto com Roma.
A indignação aguça a visão, e muito previram a destruição do Templo,
Assim, por exemplo, em 62 d.C., na Festa dos Tabernáculos, aconte­
ceu que Josué, filho de Ananias, um simples camponês, foi acometido
pelo Espírito e, de repente, pronunciou uma maldição profética na qual
prognosticou a destruição do Templo. Como um possesso, continuou
seu clamor dia e noite nas ruas de Jerusalém. As autoridades arras­
taram-no para diante de Albino, o governador romano, que mandou
açoitá-lo. Contudo, 0 homem seguia repetindo sua profecia ameaça­
dora. O governador, então, 0 pôs em liberdade, julgando-o fora de si6.
Jesus expressou sua oposição aos abusos no Templo não só em
palavras, como também em ações. Como acontece em geral nos san­
tuários, um comércio efervescente tinha lugar no Templo em Jerusalém
naqueles dias. Jesus não era 0 único cujo desprazer tinha sido suscitado

6 Flávio Josefo, The Jewish War 6:300305‫־‬.


JERUSALÉM Ill

pelas mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas no


local da santificação7. Porém, foi só depois da sua morte que os escri­
bas adotaram medidas práticas para manter 0 comércio necessário aos
sacrifícios do Templo do lado de fora dos recintos. Quando Jesus ali
esteve, estas medidas ainda não estavam em vigor. Tendo adentrado a
área do Templo, começou a remover8 aqueles que estavam vendendo,
dizendo, “Está escrito: ‘minha casa será uma casa de oração9. Vós,
porém, fizestes dela um covil de ladrões!’ ”10 (Lc 19:45-6)‫ ״‬.
João relata que neste ponto Jesus disse também, “Eu destruirei
este Templo feito por mãos humanas e, depois de três dias, edificare¡
outro, não feito por mãos humanas” (Mc 14:58; cf. Mt 26:61). Em
Marcos (14:57-59), todavia, esta é a declaração de uma testemunha
falsa12. Se fosse verdade que Jesus realmente disse que reconstruiría

7 Ver Safrai, op. cit., pp. 185-188.


8 O verbo grego significa em Lc 19:45-46, como em outras partes no Novo resta-
mento, “tirar, remover”, sem nenhuma conotação de força. E verdade, no entanto,
que o significado principal deste verbo grego é “expulsar, literalmente, lançar para
fora”, mais ou menos à força (ver W. Bauer, A Greek-English Lexicon o f the New
Testament, Chicago, 1979, p. 237). Segundo Lucas, Jesus evidentemente não usou
de força. Ele persuadiu os comerciantes a sair, citando apenas as palavras pertinentes
da Bíblia Mc (11:15) - e seguindo-o Mt (21:12) - leu o grego ε*κβαςχλλειν em sua
fonte de acordo com seu significado principal, acreditando pois que Jesus “começou
a expulsar” os comerciantes do Templo, utilizando-se de força. Ver infra‫ ״‬nota 11.
9 Is 56:7.
10 Jr 7:11.
11 O que certamente pertence ao relato original pode ser lido em Lucas. Mc 11:15­
17 expande 0 relato, baseando-se na realidade física do Templo. Não podemos,
portanto, dizer se Jesus conseguiu ou não, através de suas palavras, persuadir
os comerciantes a deixar 0 lugar. Mt 21:12-13 segue Marcos, mas transforma a
tentativa de Jesus de expulsar os comerciantes num feito realizado. Jo 2:13-17
transpõe 0 incidente ao inicio da vida pública de Jesus, enfatizando e exagerando
0 episódio. Relata, por exemplo, que Jesus expulsou bois do Templo (2:15), ani­
mais que seguramente nunca estiveram ali presentes. João, porém, preserva a
relação entre a purificação do Templo e a profecia sobre ele (2:19).
12 Segundo 0 texto original de Mt 26:60, as duas pessoas que informaram o sumo sacer­
dote não são testemunhas falsas. Este dito não se encontra em Lucas. Para Jo 2:19,
foi realmente pronunciado por Jesus. O paralelo mais próximo ao Templo escatoló-
gico, “não erigido por mãos humanas”, é encontrado no Rolo do Templo (29:9-10)
de Qumran. Nesta passagem Deus diz: “E Eu consagrarei Meu [TJemplo por Minha
glória, (0 Templo) no qual estabelecerei Minha glória, até 0 dia de (uma nova) cria­
ção, quando criarei Meu Templo e o estabelecerei para Mim, para todo 0 sempre, de
acordo com o pacto que fiz com Jacó em Betel”. Ver a nota adicional em Judaism,
p. 98, e a obra recém-publicada de E. Qimron, The Temple Scroll, A Critical Edition,
Beer Sheva-Jerusalem, 1996, p. 44. O Templo, descrito no Rolo do Templo, no qual
Deus estabelece Sua glória, é provisório. O Templo que o próprio Deus constrói será
por Ele erigido no dia da nova criação. Esta divisão tripla entre o passado (bíblico),
0 período presente (i.e., “os dias do domínio de Belial - 1QS 2:19), durante 0 qual a
seita vivia e 0 futuro puramente escatológico é, evidentemente, central à agenda da
seita de Qumran. Assemelha-se, em alguns aspectos, à divisão tripartite de tempo feita
por Jesus: 0 período “bíblico” até João Batista (Mt 11:13; Lc 16:16), 0 período da
tgnjÇ

Maquete do Templo de Herodes.


JERUSALÉM 113

0 Templo, então Caifás, o saduceu, não estava ouvindo fantasias rabí-


nicas. Há um versículo bíblico que era por todos compreendido como
se falasse sobre 0 Messias, que construiría 0 Templo. “Eis um homem
cujo nome é Rebento... Ele reconstruirá 0 santuário do Senhor” (Zc
6:12). O Rebento era, em geral, compreendido como uma designação
do Messias. É lógico supor que se Jesus disse que reconstruiría 0 Tem-
pio, teria confessado ser 0 Messias. Do mesmo modo, seria lógico que
0 sumo sacerdote lhe perguntasse, “És, pois, 0 Cristo?”13
Parece que não possuímos a frase em sua forma original. Os três
dias estão relacionados à crença de que Jesus ressuscitou no terceiro dia.
Mas, 0 pronunciamento era expresso originalmente na primeira pessoa.
Jesus certamente falou em nome de Deus14, no espírito do apocalipsismo
judaico15. O Templo atual seria destruído e outro erguido pelas mãos de
Deus. O pronunciamento é, portanto, outra profecia sobre a destruição. Ao
deixar a Galileia, Jesus disse, “Eis que vossa casa ficará abandonada” (Lc
13:35) e ele foi enviado a Jerusalém para anunciar isto. Vendo as coisas a
partir deste ângulo, sua remoção dos vendedores e 0 pronunciamento rela­
cionado ao Templo são 0 clímax de sua missão profética em Jerusalém.
As palavras e as ações de Jesus em Jerusalém precipitaram a
catástrofe. O sacerdócio saduceu, desprezado por todos, encontrou seu
único apoio no Templo. Este profeta da Galileia, diante da multidão
reunida para a festa, havia não só previsto a destruição do santuário,
mas o término de sua casta sacerdotal. Ademais, explorando os sen­
timentos amargos sobre o comércio que ali tinha lugar, desferiu um
golpe doloroso contra as autoridades. As mesmas, trinta anos mais
tarde, entregarão aos romanos Josué, filho de Ananias, por também
profetizar a ruína do Templo. Os romanos protegiam com diligên­
cia todos os santuários religiosos no império. Assumiam igualmente
a tarefa de proteger os sumos sacerdotes de agitadores importunos.
Segundo Lucas, Jesus simplesmente começou a remover os
comerciantes do Templo. Ao que parece, não foi capaz de levar a cabo

concretização do reino do Céu e 0 advento do Filho do Homem (ver “Die jüdische


Messiascrwartung Jesu”, pp. 3752‫ ־‬e Die rabbinischen Gleichnisse, pp. 270273‫)־‬.
A similitude entre os dois conceitos é apenas externa, porque o sistema messiânico
de Jesus depende de premissas rabínicas. A melhor explicação para a afinidade
entre 0 esquema essênico, o sistema rabínico e a concepção de Jesus parece ser a
existência de uma divisão anterior em três períodos: 0 bíblico, nossa época atual e
o eschaton puramente pós-histórico.
13 Lc 22:67; Mt 26:63; Mc 14:61. Ao que parece, Lucas abreviou o relato do inter­
rogatório, removendo a questão da construção do Templo que levou à pergunta
do sumo sacerdote.
14 Como em Mt 23:24 e, talvez, Mt 23:37.
15 Bultmann, History o f the Synoptic Tradition, op. cit., pp. 125 e ss., e em Supplement,
p. 403. D. Flusser, “Two Notes on the Midrash on 2 Samuel 7:1: The Temple 'Not
Made with Hands’ in the Qumran Doctrine”, Judaism, pp. 8 8 9 3 ‫־‬. Ver em especial
D. Dimant, Messiah and Christos, Tubingen, 1992, p. 38. Ver supra, nota 12.
114 JESUS

sua intenção, e não sabemos quantos obedeceram às suas instruções,


nem tampouco temos qualquer relato acerca da reação da multidão
de peregrinos presentes. É quase certo que a guarda eventualmente
interveio. Podemos também pressupor que a purificação do Templo
tivera lugar pouco antes do aprisionamento de Jesus - algo que ele
tinha sido capaz de evitar na primeira ocasião.
De acordo com os três primeiros Evangelhos, a Última Ceia foi
uma refeição pascal. Jesus já tinha, pois, feito a oferenda do cor­
deiro pascal. Como estava prescrito que 0 cordeiro assado deveria
ser comido dentro dos muros da cidade santa16, Jesus não retomou a
Betânia na última noite, permanecendo em Jerusalém17. Não temos
nenhum registro do nome de seu anfitrião, pois naqueles dias os pere­
grinos eram recebidos com prazer em todas as partes. Ao cair da noite,
ele reclinou-se à mesa com os doze apóstolos e disse:

“Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco antes de morrer1819;pois eu vos


digo que já nao a comerei até que ela se cumpra'’ no Reino de Deus”. Então, tomando
um cálice, deu graças e disse: “Tomai isto e reparti entre vós; pois eu vos digo que
doravante não beberei do fruto da videira, até que venha 0 Reino de Deus”20. E tomou
um pão, deu graças, partiu c distribuiu-0 a eles, dizendo. “Isto é o meu corpo”21.

A catástrofe era iminente. Jesus não fez segredo dela aos seus dis-
cípulos22. Evidentemente, insinuou acerca de seu martírio futuro ao
anunciar sobre 0 pão partido: “Isto é 0 meu corpo”. Jesus disse ainda a
Pedro que, antes que 0 galo cantasse, este negaria conhecê-lo por três
vezes23. No banquete, à sombra da morte, disse, “Eis, porém, que a mão
do que me trai está24 sobre a mesa” (Lc 22:21). Teria ele descoberto 0
traidor? Ao que tudo indica, após 0 embate no Templo, Judas Iscariotes,
um dos doze, foi ao encontro dos sumos sacerdotes para entregar-lhes
Jesus. Estes prometeram pagar generosamente por sua ação (Lc 22:3-6
e parr.). Não sabemos por que ele fez isto, e os relatos de sua morte são
contraditórios. É mais provável que ele tenha desaparecido depois da

16 Mischná, Tratado Zevakhim 5:7-8; cf. Mischná, Tratado Pessakhim 7:9.


17 Mt 26:17-20. Ver Safrai, op. cit., pp. 220-223.
18 Lc 22:15 lê “antes de sofrer”.
19 Assim é interpretado no Codex Bezae.
20 É mais provável que, nos dois pronunciamentos, Jesus tivesse dito “no mundo
vindouro”.
21 Cf. Lc 22:15-19. No importante manuscrito mencionado na nota 19, o texto ter­
mina aqui. Acerca deste ponto, ver R. Otto, Sünde und Urschuld, Munich, 1932,
pp. 9 6 1 2 2 ‫־‬. D. Flusser, “The Last Supper and the Essenes ",Judaism, p. 203. Ver
também B. M. Metzger, A Textual Commentary, pp. 173-177.
22 Lc 22:21-22.
23 Lc 22:34.
24 A palavra “comigo” está ausente em alguns manuscritos de Lc 22:21 (D e outros).
Ver J. Fitzmyer, Luke, p. 1410. O pronome oblíquo provavelmente insinuou-se
no texto proveniente de Mt 26:23 (cf. Mc 14:20), onde a expressão “comigo” é
indispensável.
JERUSALÉM 115

traição, pois muitas pessoas certamente lhe teriam pago de volta em


sangue por haver entregue um judeu aos romanos.

Getsêmani.

Após a refeição, tendo entoado 0 hino de louvor*25, Jesus deixou a


cidade com seus discípulos, indo ao Monte das Oliveiras, a um lugar
conhecido como Getsêmani26. Ali, pediu-lhes que esperassem e vigias­
sem. Caminhou um pouco mais adiante, prostrou-se e orou: “Pai, se
queres, afasta de mim este cálice! Contudo, que não a minha vontade,
mas a tua seja feita!” Voltou para junto dos discípulos, que encontrou
adormecidos. E disse-lhes: “Por que estais dormindo? Levantai-vos e
orai, para que eu não caia em tentação27. O Espírito está pronto, mas a
carne é fraca”28 (cf. Lc 22:39-46). Jesus estava tentado a trair as vozes
que lhe tinham anunciado sua eleição e filiação divinas, mas supe­
rou 0 impulso de fugir de Getsêmani para a escuridão daquela noite

25 O assim chamado Halel, i.e., SI 113-118.


26 S. Safrai chamou à minha atenção que, segundo uma tradição conhecida nos dias
do Segundo Templo, havia um local específico no Monte das Oliveiras onde 0
Rei Davi costumava rezar, que acabou se transformando num ponto central de
oração. Se Jesus retirava-se costumeiramente para 0 Monte das Oliveiras a fim
de orar, conforme registrado por Lc 22:39, é provavelmente a este lugar que ele
e seus discípulos vieram após a refeição pascal. VerTJ, Tratado Berakhot 4:8b
(baseado em 11 Sam 20:3032‫)־‬.
27 Nas fontes: “para que não entreis em tentação”. Ver Jean Hering: “Zwei exege-
tische Probleme in der Perikope von Jesus in Gethsemanc”, Supplementum in
NT, 1962, pp. 64-69.
28 A última frase, “O Espírito... íraco”(M t26:41beM c 14:38b) não figura em Lucas.
116 JESUS

e ganhar a vida com dificuldade numa existência secreta e anônima


noutras partes. Submeteu-se à vontade de seu Pai no céu e bebeu 0
cálice que já adivinhara lhe estava predestinado.
A guarda do Templo aproximou-se, acompanhada - de acordo
com João 18:3 - por uma coorte romana29 e por Judas Iscariotes. Judas
saudou a Jesus na maneira costumeira, como meio de identificá-lo
para os oficiais na escuridão. A traição de Judas e a ironia de sua sau­
dação foram expostas pela resposta de Jesus: “Judas, com um beijo
entregas o Filho do Homem (ou: uma pessoa)? (Lc 22:48). Um dos
seguidores de Jesus feriu o servo do sumo sacerdote, decepando lhe a
orelha direita, mas Jesus disse, “Deixai! Basta!”. “Depois, dirigiu-se
àqueles que vieram de encontro a ele, chefes dos sacerdotes, chefe da
guarda do Templo e anciãos: ‘Como a um ladrão saístes com espadas
e paus? Eu estava convosco no Templo todos os dias e não pusestes
a mão sobre mim’” (Lc 22:52-53)30. Jesus então foi preso e levado,
sob custódia, para a casa do sumo sacerdote.

Os oponentes reais de Jesus: Jesus é apresentado pelos sacerdotes e soldados


(extraído dos Códigos Egbert¡, Trier, fim do século X d.C.).

29 Creio ser esta uma invenção tendenciosa da fonte de João. Ver “Qual Era 0 Sig-
niñeado Original de Ecce H om oT, nos estudos suplementares desta obra.
30 J. Frankovic me fez recordar, numa conversa particular, do fato de Xeno-
fonte {Mem. I. 1, 10) enfatizar que também Sócrates falava sobre sua filosofia
abertamente.
11. Morte

Em 62 d.C., o sumo sacerdote saduceu Anás convocou urna ses­


são do Sinédrio na qual Tiago, o irmão do Senhor, e outros cristãos
foram indiciados pelos juizes e condenados ao apedrejamento. Os fari­
seus tramaram a deposição de Anás, porque, em sua opinião, a sessão
tinha sido ilegal - convocada sem o seu conhecimento'. O Sinédrio era
a suprema corte judaica, constituida por setenta e um membros. Para
passar uma sentença de morte, era necessária a presença de vinte e três
juizes12. Se é que o Sinédrio estava em sessão durante 0 interrogatório
de Jesus, devemos presumir que 0 sumo sacerdote tinha reunido um
número suficiente de juizes dentre seus amigos saduceus. Vimos antes,
nos três primeiros Evangelhos que, os fariseus não são mencionados
em relação ao julgamento de Jesus. E, de acordo com tudo 0 que nos é
relatado sobre eles, jamais poderiam ter aquiescido à entrega de Jesus
aos romanos. Por conseguinte, se houve uma sessão do Sinédrio antes
da crucificação de Jesus, ela deve ter se assemelhado à assembléia
arbitrária de saduceus de destaque que mais tarde condenaram Tiago,
innão do Senhor, à morte.
Teria sido uma assembléia oficial do Sinédrio a que condenou
Jesus à morte? João nada sabia acerca da questão e no Evangelho de
Lucas - não só em sua descrição da Paixão - um veredito da suprema

1 Josefo, Antiquities 20:200-203.


2 Mischná, Tratado Sanhedrin 4 :1. Mischná, Tratado Sanhedrin 4:1.
118 JESUS

corte nem sequer é mencionado3. Marcos foi 0 primeiro a alterar o


relato antigo. Ele tentou retratar uma sessão do judiciário durante
0 julgamento. Mateus, subsequentemente, baseou seu relato em Mar­
eos. A hora e 0 lugar do interrogatório, entretanto, variam em cada
um dos evangelistas.
Segundo Lucas (22:66), os procedimentos ocorreram após aquela
noite angustiante. Pela manhã, Jesus foi levado ao “seu Sinédrio”4.
De acordo com Marcos (14:5365‫ )־‬e Mateus (26:57-68), os proce­
dimentos tiveram lugar na mesma noite, na casa do sumo sacerdote,
onde “todos os chefes dos sacerdotes, os anciãos e os escribas esta­
vam reunidos” (Mc 14:53; cf. Mt 26:57). Em relatos posteriores (Mc
14:55; Mt 26:59), a assembléia é repentinamente transformada em
“os chefes dos sacerdotes e todo 0 Sinédrio”.
Na manhã seguinte - assim escreve Marcos (15: 1) - “os chefes
dos sacerdotes fizeram um conselho com os anciãos e os escribas e
todo 0 Sinédrio. E manietando a Jesus, levaram-no e entregaram-no a
Pilatos”. Mateus (27:1-2) omite a expressão “e todo 0 Sinédrio” que
ele, aparentemente, considerava supérflua. Assim, Lucas (22:26) e
Mateus (26:59) mencionam explícitamente 0 Sinédrio somente uma
vez, e Marcos 0 faz duas vezes (14:55; 15: 1). Isto demonstra que
algo inquietante acontecera - não na realidade, mas em Marcos e
Mateus. Não houve uma sessão dupla do Sinédrio. Para sermos fran­
cos, a sessão noturna na casa do sumo sacerdote é produto da criativi­
dade literária de Marcos, bem como sua concepção da condenação de
Jesus à morte pela Suprema Corte judaica5. Em contraste, Lucas está
livre da afirmação de que Jesus foi condenado formalmente à morte
pelas autoridades judaicas. Tal apresentação é consistente com suas
versões dos “anúncios da paixão” (Lc 9: 22,44; 18: 31-34). Ele tam­
pouco menciona qualquer sessão noturna do Sinédrio. É, pois, mais
razoável seguir aqui o relato de Lucas.
Uma evidência adicional nos permite deduzir que não foi 0 Siné-
drio que condenou Jesus à morte. Isso é indicado pelo fato de ele
não ter sido enterrado em nenhuma das duas tumbas reservadas para
aqueles executados por ordem do conselho supremo6. José de Ari-
mateia implorou a Pilatos que 0 deixasse levar 0 corpo. Descendo-o,
envolveu-o num lençol e colocou-o numa tumba talhada na pedra,

3 Ver P. Winter, On the Trial o f Jesus, Berlin, 1961, p. 28.


4 O termo grego συνεςίδριον pode referir-se ao “conselho” ou ao “aposento onde
0 conselho se reunia” (W. Bauer, A Greek-English Lexicon o f the New Testament,
Chicago, 1979, p. 786).
5 Espero ter conseguido provar a irrealidade destas invenções, por meio de minha
análise dos Evangelhos em meu artigo nos estudos suplementares, “Quem é que
Tc Bateu?”
6 Mischná, Tratado Sanhedrin 6:5. Ver Billerbeck, I, p. 1049.
MORTE 119

onde ninguém ainda havia sido posto (Lc 23:5056‫)־‬. Apenas Mateus
inclui 0 detalhe questionável de que a tumba na qual Jesus foi colo­
cado pertencia a José (Mt 27:60). Este foi, contudo, um ato profundo
de amor, porque dificilmente podemos encontrar tumbas judaicas
antigas daquela época na qual não houvesse vários ocupantes. José
de Arimateia era membro do conselho da cidade de Jerusalém - um
homem rico - e como tal, dele se esperava a caridade. Este dever foi
cumprido no sepultamento de Jesus.
De acordo com João (19:39), Nicodemos, que Jesus encontrara
algum tempo antes (Jo 3:1-15), trouxe uma mistura de mirra e aloés,
e juntos, ele e José sepultaram Jesus. Nicodemos também era oriundo
da Galileia (Jo 7:52). Sabemos a partir de fontes rabínicas que este
Nicodemos, filho de Gorion, era também um dos conselheiros de Jeru­
salém e um dos três nobres mais ricos da cidade. Mais tarde, durante a

A assim chamada “Tumba Familiar de Herodes".


120 JESUS

guerra judaico-romana, os rebeldes fanáticos queimaram seu celeiro7.


Nicodemos provavelmente morreu na guerra, e sua filha então viveu
numa pobreza terrível. Seu contrato de casamento foi assinado por
Rabi Yokhanan ben Zakai8, amante da paz e aluno de Hilel. O filho
de Nicodemos foi, mais provavelmente, 0 Gorion que, no início do
levante, tomou parte nas negociações que levaram à rendição da guar­
nição romana em Jerusalém9. Então, quando os insurgentes haviam
forçado a que todos tomassem parte na guerra, um certo José - filho
de Gorion - e Anás, 0 sumo sacerdote saduceu, que previamente tinha
mandado executar a Tiago, irmão do Senhor, e que se opunha aos
fanáticos, foram eleitos ao poder supremo em Jerusalém101. O pai deste
José era quase certamente Gorion, um homem de respeitabilidade e
nobilidade destacadas, mais tarde executado em Jerusalém durante 0
reinado de terror dos fanáticos".
Num relato anterior, um homem chamado Gorion, filho de José,
e o fariseu Simão, filho do famoso Gamaliel, que veio em defesa dos
apóstolos e foi mestre de Paulo, tentaram em vão opor-se aos faná-
ticos12. Ao que parece, todos estes homens pertenciam às mesmas
famílias patrícias de Jerusalém. Distinguiam-se por sua resistência ao
partido militante radical dos fanáticos estando, em sua perspectiva,
próximos ao fariseus moderados. O fato de dois conselheiros jeroso-
limítanos terem realizado 0 ato final de caridade para com Jesus parece
contradizer a conclusão de que 0 Sinédrio, funcionando em sua capa­
cidade oficial, teria entregue Jesus aos romanos13.
De acordo com João (18:12-14,24), Jesus foi primeiro levado de
Getsêmani “a Anás”, que era 0 sogro de Caifás, “o sumo sacerdote

7 TB, Tratado Guitin 56a. “O homem dentre os fariseus, chamado Nicodemos,


membro do conselho judaico governante” (Jo 3:1) aparece não só em João (caps.
3 e 7:50-52; 19:39-40), como também é conhecido de fontes rabínicas (ver, e.g.,
“Nakdimon ben Guriyon”, EJ, vol.12, cois. 801-802). Em Jo 7:52 é dito que ele
provinha da Galileia, o que é confirmado por Tos. Erubin 3(4): 17, onde lemos
que as propriedades da família encontravam-se em Ruma, na Baixa Galileia.
Segundo Jo 19:39-40, Nicodemos, juntamente com José de Arimateia, parti­
cipou do sepultamento de Jesus. Trouxe “cerca de cem libras de uma mistura
de mirra c aloés”. Esta “ quantidade extraordinária” (R. E. Brown, The Death,
New York, 1994, p. 1260) é adequada à caridade proverbial do Nicodemos
“rabínico”. Destacadamente rico, ele era, ao mesmo tempo, um santo homem e
mantinha boas relações com a administração romana (ver TB, Tratado Taanit
19b). Fontes rabínicas complementam, portanto, o retrato de Nicodemos apre­
sentado por João.
8 Tos. Ketubot 5:9-10; TB, Tratado Ketubot 66b e Mekhilta de Rabi Ischmael
(Rabin & Morovitz), pp. 203-204.
9 Josefo, Wars 2:451.
10 Idem, 2:563.
11 Idem, 4:358.
12 Idem, 4:159.
13 Ver supra, nota 6.
MORTE 121

Vilas do período herodiano - Bairro judaico em Jerusalém.

daquele ano”. Anás, mesmo já não sendo sumo sacerdote, ainda era
uma espécie de “eminência parda” muito influente. Neste ponto, João
deve ser confiável. De todo modo, Jesus passou sua última noite sob
custódia, na casa de Caifás14. A fim de passar 0 tempo e divertir-se, “os
guardas caçoavam de Jesus, espancavam-no, cobriam-lhe o rosto e 0
interrogavam: ‘Faz uma profecia: quem é que te bateu?’ ” (Lc 22:63­
64 e parais.). Os soldados estavam colocando em prática um antigo
jogo violento, ainda hoje atual15. No caso de Jesus, o comportamento
dos guardas era particularmente ofensivo. Os saduceus não acredita­
vam em anjos ou no espírito da profecia. Os guardas do sumo sacer­
dote saduceu Caifás, ao que tudo indica, pensavam como seu mestre
- um profeta dos dias modernos era um despropósito supersticioso.
Ao raiar do dia, os anciãos, os chefes dos sacerdotes e os escribas
encontraram-se e levaram-no para seu Sinédrio (Lc 22:66), em outras
palavras, ao aposento onde 0 Sinédrio costumava encontrar-se16.

14 Incluí mais informação sobre Caifás nos estudos suplementares deste volume,
“Quem é que Te Bateu?” e “... Sepultar Caifás, Não Elogiá-lo”.
15 Ver mais detalhes sobre a história deste jogo no estudo suplementar, “Quem é
que Te Bateu?”
16 Ver supra, nota 4. Winter, op. cit., pp. 2 0 2 1 ‫־‬.
122 JESUS

Muito embora 0 termo “sinédrio” possa designar aqui 0 aposento


ao invés de o “conselho”, será que isto exclui a possibilidade de que
naquela manhã o Sinédrio de fato tenha se reunido? Antes (Lc 20:1),
a “troica judaica” dos anciãos, chefes dos sacerdotes e escribas apa-
receu no Templo e questionou Jesus sobre sua autoridade para ensi-
nar. A expressão se lê como uma designação formal do comitê do
Templo; os anciãos eram os anciãos do Templo e os escribas eram os
secretários do Templo17.
Assim, naquela manhã fatídica, Jesus foi levado da custódia da
casa do sumo sacerdote para o Templo, perante seu comitê - os mes-
mos indivíduos que antes haviam decidido prendê-lo (ver Lc 22:2 e
parais.). O intuito desta sessão não era chegar a um veredito. Eles
funcionavam meramente como uma espécie de comitê, que tinha por
objetivo apurar os fatos. Queriam colher, dos próprios lábios de Jesus,
evidências suficientes para justificar seu próximo passo - a extradição
ao governador romano18. Já tinham tentado fazê-lo antes, sem sucesso.
Naquela ocasião, esperando surpreendê-lo em alguma palavra sua, a
fim de entregá-lo às autoridades romanas, haviam enviado agentes. Os
espiões tinham perguntado, “É lícito a nós pagar 0 tributo a César ou
não?” Jesus percebeu seu truque, frustrando sua tentativa de surpreen-
dê-lo em público (Lc 20:2026‫)־‬. Este fracasso, porém, não evitou que,
mais tarde, o acusassem, quando diante de Pilatos: “Encontramos
este homem subvertendo nossa nação, impedindo que se paguem os
impostos a César e pretendendo ser Cristo Rei” (Lc 23:1-2). Na ses-
são destinada a apurar os fatos, tentaram descobrir apenas se Jesus
alegava ser 0 Messias, nada lhe perguntaram sobre o pagamento dos
tributos ao governo romano. Já sabiam que ele se recusaria a confir-
mar tal acusação (Lc 22:6771‫ ־‬e parais.).
No início, tentaram encontrar alguma corroboração crível de que
Jesus houvesse de fato pronunciado o perigoso dito sobre a destrui-
ção do Templo. Encontraram dois homens que finalmente forneceram
evidências fidedignas de que tal declaração tinha sido feita (Mt 26:57-
61)19. Então, 0 sumo sacerdote levantou-se e disse a Jesus, “Nada
respondes?” Jesus, porém, ficou calado20. O pronunciamento público

17 Um édito de Antíoco III aos judeus, no ano 198 a.C. dizia: “Que 0 senado eos sacer-
dotes, os escribas e os cantores do Templo estejam isentos do imposto por cabeça,
do imposto sobre a coroa e do imposto sobre 0 sal”. Josefo, Antiquities 12:142.
18 Apesar de ser evidente, a partir dos relatos evangélicos, que Pilatos era um magis-
trado romano e que soldados romanos erigiram a cruz para Jesus, os romanos
nunca são mencionados como tal neste contexto - em todo o Novo Testamento!
Apenas uma vez, em Jo 11:48, fala-se sobre eles como uma possivel ameaça,
caso Jesus não seja morto.
19 Esta é a alusão messiânica à reconstrução do Templo. Ver supra, cap. 10 nota 15.
20 Lc (23:6-12) relata que, mais tarde, Pilatos enviou Jesus a Herodes Antipas,
governador da Galileia que, naqueles dias, encontrava-se em Jerusalém. Ao que
MORTE 123

sobre a destruição do Templo, que Jesus provavelmente fizera no


seu confronto com os comerciantes no santuário, pode também ter
parecido ao sumo sacerdote razão suficiente para entregá-lo aos roma­
nos. Era do interesse de Roma proteger os lugares sagrados. Mas,
os rumores de que Jesus era considerado 0 Messias21 despertavam
um interesse ainda maior. Movimentos messiânicos eram reprimidos
pelos romanos, que acreditavam que 0 Messias era 0 Rei dos judeus.
Para assegurar-se ainda mais de que estava se livrando deste incen­
diário incômodo, 0 sumo sacerdote disse a Jesus, “Se tu és 0 Cristo,
dize-nos!” Jesus respondeu. “Desde agora, 0 Filho do Homem estará
sentado à direita do Poder de Deus” (22:69)22.
Como poderia Jesus falar desta maneira? Ele devia saber que che­
gara ao fim de sua vida. O Antigo Testamento relatara como ambos,
0 profeta Elias e Enoque, nunca haviam morrido, tendo sido levados
para 0 céu. Nos dias de Jesus, esta crença havia conquistado a imagi­
nação popular. As pessoas acreditavam 0 mesmo acerca de Moisés,
muito embora a Bíblia falasse sobre sua morte. O mesmo era dito
sobre Melquisedec, que não só não possuía pai nem mãe, mas apa-
receria como juiz no final dos tempos23. Da mesma forma, 0 povo
acreditava que o profeta Jeremias nunca tinha morrido24. Vimos ainda
que havia aqueles que estavam convencidos de que 0 decapitado João
Batista ressuscitara dos mortos (Mc 8:28 e parais.).
Segundo 0 Apocalipse (11:3-12), dois profetas viriam, mas “a
Besta que sobe do Abismo combaterá contra eles, vencê-los-á e os
matará”. Seus cadáveres ficariam expostos nas ruas de Jerusalém por
três dias e meio. Então, eles ressuscitariam e subiriam ao céu numa
nuvem. Cerca de vinte anos após a morte de Jesus, apareceu um judeu
egípcio, que afirmava pretender libertar Jerusalém dos romanos. O
governador Félix marchou contra ele com um exército, dispersando
seu grupo de partidários. O próprio profeta desapareceu, mas as pes­
soas acreditavam que Deus 0 mantinha oculto, e aguardavam seu

tudo indica, Jesus nada respondeu a Antipas. Ao menos 0 cerne da conexão de


Herodes (Antipas) na morte de Jesus é histórico, porque em At 4:25-28, uma
interpretação cristã muito antiga é citada, segundo a qual Herodes Antipas e
Pôncio Pilatos causaram a morte de Jesus (ver meu livro Judaism, pp. 376 e
382-383). O Evangelho apócrifo de Pedro 1:1-2 associa igualmente Herodes
Antipas a Pilatos. A participação de Herodes Antipas no julgamento de Jesus
pode ser também reconhecida a partir dos textos judaico-cristãos publicados por
Pines, op. cit., pp. 55-56.
21 Observar, por exemplo, a inscrição “rei dos judeus” sobre a cruz.
22 Ver supra, cap. 9, nota 26.
23 D. Flusser, “ Melchizedek”,yt/í)fcí(í/r!, pp. 186-192. Acerca de Moisés, ver Josefo,
Antiquities 4:326; L. Ginzberg, The Legends o f the Jews, VI, Philadelphia, 1946,
pp. 161162‫ ־‬, nota 951.
24 Mt 16:14. Ver também R. Harris, The Rest o f the Words o f Baruch, London, 1889.
JESUS

A estrada romana em Emaús (Le 24:13-35).

retorno. Quando Paulo chegou a Jerusalém, perguntaram-lhe se ele


era o egipcio25.
Estou convicto de que há relatos fidedignos de que O Crucifi­
cado “apareceu a Pedro, depois aos doze. Em seguida, apareceu a
mais de quinhentos irmãos de uma vez ... Posteriormente, apareceu
para Tiago, e, depois, a todos os apóstolos. Finalmente, apareceu a
Paulo na estrada de Damasco” (1 Cor. 15:3-8). Quando Jesus res­
pondeu à pergunta do sumo sacerdote sobre sua messianidade com
as palavras, “Mas, desde agora, 0 Filho do Homem estará sentado à
direita do Poder de Deus”, teria ele acreditado que também escapa­
ria do destino que o ameaçava? Ou, mais provável ainda, acreditava

25 Josefo, Wars 2:261-263, Antiquities 20:169172‫ ;־‬At21:38. VerHengel, op. cit.,


pp. 236-237.
MORTE 125

ele que ressuscitaria dos mortos?26De todo modo, o sumo sacerdote


compreendeu corretamente que, com suas palavras, Jesus confessava
ser 0 Messias. Caifás portanto disse, “Que necessidade temos ainda
de testemunho? Ouvimo-lo de sua própria boca” (Lc 22:71). Jesus foi
levado diretamente à presença de Pi latos.
Gostaria agora de fazer uma digressão a fim de traçar um esboço da
personalidade do famoso governador da Judeia, Pôncio Pilatos27. Não
é por acidente que ele é citado nos primórdios do Credo Apostólico em
relação à crucificação de Jesus. Em duas fontes judaicas, Pilatos é des­
crito em termos similares, específicamente, como um vilão cruel. Mesmo
Lucas (13:1) menciona um incidente horrível por ele instigado. “Nesse
momento, vieram algumas pessoas que lhe contaram o que acontecera
com os galileus, cujo sangue Pilatos havia misturado com 0 das suas
vítimas”. Filo, 0 filósofo judeu de Alexandria, disse que Pilatos “era um
homem de uma disposição inflexível, obstinada e cruel”28. Filo também
enumerou29 os sete pecados mortais de Pilatos, “sua venalidade, sua
violência, sua ladroagem, suas agressões, seu comportamento abusivo,
suas execuções frequentes de prisioneiros sem nenhum julgamento, e
sua ferocidade selvagem infinita”. Esta avaliação negativa do gover­
nador não difere muito do relato de Josefo. Certa vez, numa conversa
particular, um erudito do Novo Testamento, competente e sucintamente,
descreveu Pilatos. Disse que ele era “um açougueiro”.
Como podemos conciliar este retrato negro com 0 Pilatos dos Evan­
gelhos? Ali ele figura como um homem sensível e justo, um joguete nas
mãos dos líderes judaicos30. Ademais, Mateus intensifica esta apreciação
positiva em seu Evangelho31. Todavia, demonstra alhures uma propen­
são teológica para difamar os judeus como um todo32. Deveríamos ser

26 Jesus certamente sabia que sua causa nâo se extinguiría pela crucificação - ver Lc
20:17 e paral. Não é por acaso que cita aqui o Salmo 118:22. Ele indica que será
a “pedra angular”. Igualmente significativo é o fato de Jesus aludir ao futuro,
assinalando que esperava que a crucificação não significasse 0 fim. Ver também
cap. 8 nota 28.
27 Sobre Pilatos, ver SchUrer, op. cil., vol. I, pp. 358,383-387; G. Winkler, Der kleine
Pauly, Berlim, 1979, vol. 4, p. 1050; M. Stern em Compendia Rerum Iudaicarum.
The Jewish People in the First Century, Assen, 1974, vol. 1, pp. 316,349-354; F.
Millar, Das rõmische Reich undseine Nachbaren. Fischer Weltgeschichte, 1966,
vol. 8, pp. 68-69; Philonis Alexandrini: Legatio ad Gaium, E. M. Smallwood (ed.),
Leiden, 1961, pp. 128-131,294-305; S. Mason, Josephus and the New Testament,
Peabody, 1993, pp. 103-105, 109, 114-117.
28 Legatio ad Gaium, 38:301.
29 Josefo, War 2:169-177; Antiquities 18:55-62, 85-90; Filo, Legatio ad Gaium
38:299-305.
30 Mason, op. cit., p. 116.
31 Idem.
32 Muitos acreditam hoje que Mateus é um Evangelho judaico-cristâo, mas a situa-
çâo é muito mais complexa. Ver D. Flusser, “Two Anti-Jewish Montages in Mat­
thew”, e “ Matthew’s ‘Verus Israel’ ',,Judaism, pp. 552-576.
126 JESUS

Ό Bom e Velho Pilatos”, extraído dos Evangelhos Rossano.

induzidos à antiga polaridade, segundo a qual há somente duas solu­


ções opostas? Os judeus (ou a maior parte deles) são vistos como cul­
pados pela morte de Jesus e acredita-se que existiu “um velho e bom
Pilatos”33. Ou será que deveriamos aceitar 0 ponto de vista contrastante,
de que nem um único judeu (à exceção dos traidores) esteve envolvido
no assim chamado “julgamento” de Jesus, e que o único criminoso
monstruoso seria Pilatos - com 0 apoio de Roma? Esta antinomia apa­
rente pode ser solucionada se considerarmos seriamente as numerosas e
cortantes acusações contra Pilatos, relatadas por Filo e por Josefo, reco­
nhecendo ao mesmo tempo os esforços tendenciosos e compreensíveis
para encobrir sua pessoa nos Evangelhos. De mais a mais, devemos
atentar meticulosamente para as ações de Pilatos, do modo como são
descritas nas fontes cristãs.
Descobrimos que 0 seu comportamento nos Evangelhos não é
muito diferente daquele descrito em outras fontes. Esta abordagem
permite que 0 caráter verdadeiro de Pilatos emerja. Os resultados não
lhe são lisonjeiros, mas, entre outras coisas importantes, aprendemos
que não é suficiente falar sobre a “banalidade do mal”34. Devemos
distinguir entre as várias especificidades de tal banalidade. Nem todo
mal é banal, mas a iniquidade de Pilatos pertence à banalidade do mal.

33 Como cm "Jesus Cristo Superstar'.


34 Isso foi 0 que Hannah Arendt escreveu sobre A dolf Eichmann em seu relato do
julgamento realizado em Jerusalém (Eichmann in Jerusalem, New York, 1963),
cujo subtítulo é “A Report on the Banality o f Evil”.
MORTE 127

Antes de enfocar a importante questão do envolvimento de Pila-


tos na crucificação de Jesus, gostaria de tecer alguns comentários
preliminares adicionais. O alegado relatório sobre Jesus em Josefo
(Antiquities 18:630 ,(64‫ ־‬assim chamado Testimonium Flavianum,
é corretamente considerado, em sua forma atual, inautêntico, ou ao
menos “cristianizado”35. No entanto, creio que uma forma deste tes­
temunho sobre Jesus, feito por Josefo, realmente existiu, tendo sido
descoberto por Pines36. No século X, 0 autor cristão Agápio escreveu
uma história do mundo em árabe, na qual reproduziu a declaração de
Josefo sobre Jesus37.

Naquela época havia um sábio homem chamado Jesus. E sua conduta era boa
e ele era conhecido por ser virtuoso. Muitos dentre os judeus e dentre outras nações
tomaram-se seus discípulos. Pilatos 0 condenou a ser crucificado e a morrer. Todavia,
aqueles que haviam se tomado seus discípulos não abandonaram seu discipulado. Rela­
taram que ele lhes havia aparecido três dias após sua crucificação e que estava vivo:
consequentemente, pensava-se que ele era o Messias (0 Cristo) sobre o qual os profetas
haviam contado maravilhas. E 0 povo dos cristãos, que foi designado com seu nome,
não desapareceu até o dia de hoje.

Tentei demonstrar alhures que esta forma do Testimonium Fia-


vianum é basicamente a de Josefo38. 0 fato de ter sido Pilatos quem
condenou Jesus a ser crucificado é mencionado mesmo no texto grego.
Na recém-descoberta versão árabe nada é dito sobre acusações judai­
cas contra Jesus. Similarmente, 0 historiador romano Comélio Tácito39
conta que Jesus foi executado por Pilatos, “no reinado de Tibério”.
Assim como Josefo, Tácito queria explicar por que os cristãos recebe­
ram seu nome. “ ‘Christus’ era 0 nome do fundador”. Neste contexto,
Tácito fala sobre o procurator Pôncio Pilatos. Na realidade, Pilatos,
como outros governadores da Judeia antes da época de Cláudio, era
oficialmente chamado de “praefectus ludaeae" e não de procurator40.
Temos certeza desta afirmação por causa de uma inscrição encontrada
em Cesareia. Ela diz41:

35 Mason, op. cit., pp. 163-175; W. Schneemelcher, New Testament Apocrypha, 1,


Louisville, 1991, pp. 489-491.
36 S. Pines, An Arabic Version o f the Testimonium Flavianum, Israel Academy of
Sciences, Jerusalem, 1971.
37 A última sentença foi extraída do grego Josephus. Ver Pines, op. cit., pp. 38-39
nota 145.
38 D. Flusser, "Bcricht des Josephus líber Jesus”, Entdeckungen im Neuen Testa­
ment, Neukirchen-Vluyn, 1992, vol. 1, pp. 216-225.
39 Tácito, Anuales XV, 44:2-3.
40 Stern, Greek and Latin Authors, vol. 2, pp. 92-93.
41 Stern, Compendia, vol. 1, p. 316. O texto da inscrição foi restaurado por A.
Degrassi, A ui della Accademia dei Lincei, 1964, pp. 5 9 6 5 ‫־‬.
128 JESUS

[Dis Augusti]s Tiberieum


[ - Pojntius Pilatus
[praefjectus luda]ea]e
[fecit, d] e [dicavit]

Esta inscrição deveria levar a uma reavaliação da personalidade


de Pilatos e a uma nova compreensão do que realmente aconteceu na
condenação de Jesus. A nova informação nos compele a renovar a
análise das ações de Pilatos de acordo com ambos, os Evangelhos e
os relatos judaicos sobre ele.
Um tiberieum é um templo - neste caso evidentemente pequeno
- dedicado a Tibério. Foi construído por Pilatos em Cesareia, onde foi
encontrada a inscrição. Cesareia era então o local principal do gover­
nador da Judeia (ver, e.g., At 23:23,33). Na época da construção do
templo, 0 imperador romano era Tibério. Imperadores romanos eram
normalmente deificados apenas depois de sua morte, mas aos gover­
nantes das províncias e satélites permitia-se erigir santuários mesmo a
um imperador vivo. Roma encarava tais atos como expressão de devo­
ção e fidelidade42. Um exemplo de destaque desta adoração estrangeira
do imperador vivo, por seus vassalos, é Herodes, o Grande. Os tem-
pios que foram por ele construídos com este intuito eram chamados
em grego de Kaisareia43, Herodes construiu uma de suas Kaisareia em

42 Schürcr, op. cit., vol. I, pp. 304-305 e vol. 2, pp. 34-35, em especial nota 27. Em
1995, foram escavadas as fundações do templo de Augusto em Cesareia.
43 Esta forma (Caesareum e, em grego, Sabasteiori) corresponde completamente
ao nosso “Tiberieum
MORTE 129

Cesareia. Foi erguida no centro da cidade, sobre uma colina, podendo


ser avistada ao longe pelos marinheiros dos navios que se aproxima­
vam do porto. Suspeito que mais tarde, nas cercanias do templo de
Augusto, Pilatos ergueu o pequeno santuário paraTibério, cuja inseri-
ção dedicatória foi descoberta.
Certos imperadores romanos impunham limites ao culto dirigido
a si próprios. Augusto 0 permitiu nas províncias, mas não em Roma.
Tibério era bastante cético no que tange ao culto de sua própria per­
sonalidade, muito embora seja verdade que a cidade de Tiberíades
recebeu esse nome em sua homenagem, dado pelo governante “orien­
tal” Herodes Antipas. De acordo com Suetônio (Tiberius, cap. 26),
ele chegou mesmo a proibir a consagração do templo à sua pessoa. A
edificação do “Tiberieum” em Cesareia certamente não teria sido do
seu agrado. Mais desagradável ainda era 0 fato de ele ter sido erguido
por um magistrado romano! Pôncio Pilatos foi, então, 0 único oficial
romano conhecido que construiu um templo para o imperador vivo.
Como veremos, não foi este o único exemplo de sua devoção exage­
rada ao imperador, e tentaremos explicar a causa deste seu compor­
tamento, que teria sido aplaudido por um “stalinista” do século XX.
Uma breve investigação da carreira44 de Pilatos mostrará como
sua conduta em situações diversas era ditada pela interação entre sua
disposição mental e a estrutura da administração romana das provín­
cias. No que tange ao caráter, sua brutalidade era, evidentemente,
proverbial. Aparentemente, ele também desgostava de judeus e do
judaísmo. Ao estampar suas moedas, outros governadores tinham 0
cuidado de não ofender sentimentos religiosos judaicos. Só Pilatos
pode ser considerado uma exceção neste aspecto. As moedas por ele
cunhadas traziam símbolos pagãos na forma de vasos sagrados45. Sua
brutalidade, porém, nada mais era do que uma espécie de supercom-
pensação, que ocultava uma fraqueza básica; Pilatos tentava demons­
trar sua força por meio de atos cruéis, mas podia ser influenciado a
abandonar seus projetos. Infelizmente, 0 episódio com Jesus parece
ser simplesmente mais um numa série de comédias trágicas de Pila-
tos, só que, neste caso, sua fraqueza modificou 0 curso da história.
O primeiro conflito grave entre Pilatos e o povo judeu irrompeu
quando ele introduziu em Jerusalém estandartes militares que levavam
a imagem do imperador46. Ao agir desta forma, Pilatos traiu tanto sua
devoção stalinista ao imperador quanto sua fraqueza intrínseca, face à
forte oposição dos judeus. As multidões afluíram em protesto a Cesareia
e, por muitos dias, imploraram que retirasse as imagens. De início, Pila-
tos não cedeu, pois fazê-lo teria sido um ultraje ao imperador. Porém,

44 Ver em especial Stem, Compendia, pp. 349-353.


45 Idem, p. 350.
46 Josefo, Antiquities 18:55-59.
130 JESUS

logo reconheceu que 0 povo preferia morrer a sofrer a profanação de sua


fé. No final, removeu as imagens de Jerusalém, levando-as de volta a
Cesareia. Incidentalmente, ouvimos sobre outras demonstrações de massa
diante de Pilatos, uma das quais relacionada ao “julgamento” de Jesus
(Mt 27:11-23; Mc 15:6-12; Lc 23:18-21). Os “nativos” descobriram com
facilidade a fraqueza inata de Pilatos. Esporadicamente, as demonstrações
populares conseguiam dobrar sua vontade.
Encontramos a tática cruel e bem-sucedida de Pilatos noutro acon­
tecimento. Ele pegou dinheiro do tesouro do Templo para financiar a
construção de um aqueduto que fornecería água para Jerusalém. Esta
medida despertou ressentimento entre os judeus, que exigiram que
parasse de usar 0 dinheiro do Templo. Dezenas de milhares de mem­
bros da população judaica reuniram-se em protesto. Pilatos, entretanto,
espalhou entre a multidão uma tropa de soldados em trajes civis, com
ordens de golpear amotinadores com suas espadas. Deu a seus soldados
um sinal combinado de antemão e muitos dos participantes desarmados
pereceram. Neste caso, suas estratégias brutais foram bem-sucedidas, e
o “bom e velho Pilatos” demonstrou, uma vez mais, que podia dominar
a situação com sua esperteza. A propósito, podemos ver que na época
era impossível discernir entre a “raça” judaica e os soldados romanos!45
Filo de Alexandria relata outro conflito entre Pilatos e 0 judeus48.
O governador trouxe a Jerusalém escudos dourados, colocando-os no
palácio de Herodes. Eles levavam uma inscrição com 0 nome de quem
os dedicava, específicamente Pilatos, e o nome de Tibério, ao qual eram
dedicados. Os judeus enviaram uma embaixada ao governador. Entre
os delegados estavam os quatro filhos de Herodes. Pilatos, no entanto,
recusou-se a remover os escudos de Jerusalém. Ele estava “num sério
dilema; não tinha nem a coragem de remover o que havia estabele­
cido, nem tampouco desejava fazer algo que pudesse agradar a seus
súditos”49. Por outro lado, temia que os judeus enviassem uma embai­
xada ao imperador, acusando-o. “Quando as autoridades judaicas viram
isso, e perceberam que Pilatos estava se arrependendo do que havia
feito, muito embora não quisesse demonstrá-lo, escreveram uma carta
a Tibério, pleiteando 0 seu caso”50. A reação de Tibério à queixa foi exa­
tamente a esperada pelos judeus. Pilatos removeu os escudos de Jeru­
salém, levando-os para Cesareia, para serem oferecidos no templo de
Augusto. “Desta forma, tanto a honra do imperador como a política tra­
dicional, no que se refere a Jerusalém, foram igualmente preservadas”51.
As duas histórias sobre Pilatos e os judeus revelam características
similares, como também 0 “julgamento” de Jesus. Nos três casos, é 0

47 Joscfo, Antiquities 18:60-62; War 2:175-177; Stem, op. cit., pp. 351-352.
48 Filo, Legatio ad Gaium, cap. 38.
49 Idem, 38:303.
50 Idem, 38:306.
51 Idem, 38:305.
MORTE 131

mesmo Pilatos52. Sua dependência exagerada do imperador em Roma


foi um fator importante na sua decisão fatal sobre Jesus. De acordo
com Jo 19:12 - em quem podemos confiar, neste caso - quando Pila-
tos pensou em libertar Jesus, seus oponentes judeus clamaram, “Se 0
soltas, não és um amigo de César! Todo aquele que se faz rei opõe-se
a César!” Ao ouvir isto, Pilatos decidiu executar Jesus.
Observamos a devoção “stalinista” de Pilatos a Tibério, sua ten­
tativa de exibir força por intermédio da obstinação, sua fraqueza e
indecisão, e sua retirada covarde diante de demonstrações de massa.
Estes atributos eram acentuados pelas circunstâncias externas de sua
tarefa árdua. Um governador de província dependia de grupos influen­
tes da população local, especialmente da aristocracia, que servia de elo
entre a província e 0 império. No caso de Jesus, esta era a hierarquia
do Templo, encabeçada pelo sumo sacerdote judeu. Tal governador,
por outro lado, dependia da boa vontade do imperador, que atuava
enquanto juiz supremo quando uma queixa lhe era encaminhada. Tal
configuração de forças, aliada à personalidade de Pilatos, causou final­
mente sua derrocada53.
A impiedosa política de “braço forte” de Pilatos contra os
samaritanos teve como consequência uma queixa do conselho sarna-
ritano dirigida a Vitélio, governador da Síria, por ocasião de sua visita
a Jerusalém na Páscoa, em 36 d.C. Pilatos foi dispensado e teve de ir
a Roma para justificar suas ações perante o imperador. Seu fim não
é conhecido. Por intermédio da deposição de Pilatos, Vitélio quis
restaurar a confiança da população judaica no domínio romano. Por
conseguinte, não só causou a destruição de Pilatos, como também a
deposição do sumo sacerdote Caifás, seu aliado leal.
Dissemos que Pilatos trouxe os escudos dourados ao palácio de
Herodes. Tratava-se de uma fortaleza utilizada como quartel-general
administrativo do governador quando em Jerusalém, e os soldados por
vezes ali se alojavam54. A localização atual deste palácio é 0 bairro
armênio da cidade velha de Jerusalém. A pergunta para onde Jesus foi
levado por aqueles que o acusaram ainda permanece sem respostas.
Teria ele sido entregue a Pilatos e aprisionado na fortaleza Antonia,
que dava vista para a área do Templo? Ou foi ele levado a Pilatos no
palácio de Herodes?
A pergunta é decisiva para aqueles que procuram conhecer 0 curso
da famosa via dolorosa (0 caminho do sofrimento), porque Jesus foi
conduzido finalmente do pretório para sua crucificação como um prisio­
neiro do governador romano. De acordo com pesquisas e descobertas

52 De acordo com Jo (19:12 e 19:15), Pilatos finalmente decidiu não libertar Jesus,
devido à objeção, “Se 0 soltas, não és amigo de César...”
53 Ver Stem, Compendia, p. 353; Josefo, Antiquities 18:85-89.
54 Smallwood, legatio ad Gaium, p. 301.
132 JESUS

arqueológicas da última década, o caminho tradicional de Jesus não pode


ser autenticado. As ruinas antigas que marcam a via dolorosa datam de
um período posterior, do reinado do imperador Adriano. Quanto à forta­
leza Antonia, sua localização é impossível de precisar. Por esta e outras
considerações, muitos estudiosos acreditam atualmente que Jesus foi
levado a Pilatos quando este residia no palácio de Herodes55.
O governador romano perguntou a Jesus, “Tu és 0 rei dos judeus?”
As fontes nos dizem que Jesus respondeu, “Tu o dizes”. Isto é realmente
tudo 0 que nos foi entregue. Segundo João (18:29-38), este pronuncia­
mento ambíguo significa uma negação. “Tu 0 dizes: Eu sou rei. Falas
assim por ti mesmo ou outros te disseram isso de mim?” Na realidade,
Jesus provavelmente nada respondeu. Por ter ouvido que Jesus era um
galileu, e portanto súdito de Herodes Antipas, Pilatos enviou 0 prisio­
neiro a ele, que também se encontrava em Jerusalém para a Páscoa.
Herodes Antipas ficava no antigo palácio asmoneu, que estava
mais próximo do Templo. Este palácio servia como residência dos
príncipes herodianos em suas visitas à capital56. O tetrarca questionou
Jesus minuciosamente, mas este permaneceu calado, e Herodes 0 man­
dou de volta a Pilatos (Lc 23:6-12)57. A “raposa”, que tentara tirar a
vida de Jesus na Galileia, deixou-o confiantemente em Jerusalém, nas
mãos do governador romano cuja brutalidade era amplamente conhe-
cida58. As formalidades do caso tinham terminado, mas essa cortesia
por parte de Pilatos foi benéfica para desfazer a desavença que havia
entre ele e Herodes Antipas (Lc 23:12)59.
Jesus estava encarcerado com ao menos outros três homens. Eram
guerrilheiros antirromanos, chefiados por Barrabás, que participara de atos
terroristas que custaram vidas, fora pego e aprisionado com os outros. 0
governador considerava seu dever crucificá-los - particulamiente a Barra­
bás. Se isto fosse feito durante a grande festa dos judeus, diante da enorme

55 Ver P. Benoit, “The Archeological Reconstruction of the Antonia Fortress”, Jeru­


salem Revealed, Y. Yadin (ed.), Jerusalem, 1976, pp. 87-88. Ver também a con­
tribuição de M. Broshi nos estudos suplementares deste volume. Pilatos enviou
para lá os escudos dourados. Ver supra, nota 48.
56 Smallwood, op. cit.
57 Ver supra, nota 20.
58 O relato dc Lucas (23:6-12) é escrito em grego puro, sem vestigios semíticos
visíveis. Parece que o evangelista (ou sua fonte) desenvolveu todo 0 incidente de
forma bastante livre. Segundo Lucas, Herodes e seus soldados caçoam de Jesus
de forma diferente que em Marcos (15:16-20) e em Mateus (27:27-31), e toda
a cena em Lucas vem em lugar do relato nos outros dois Evangelhos Sinóticos.
Não obstante, creio que o outro relato seja mais fidedigno, por causa dos para­
lelos históricos a esta chacota romana. Ver infra, nota 68.
59 Tal desavença tinha sido evidentemente provocada pelo protesto anterior dos quatro
filhos de Herodes, com referência aos escudos dourados que Pilatos trouxe ao palá­
cio dc Herodes na Cidade Santa (ver Legatio ad Gaium, cap. 38,300, pp. 128-129).
Herodes Antipas seguramente era um desses quatro filhos (ver Smallwood, p. 303).
MORTE 133

multidão de peregrinos, todos veríam a mão de ferro de Roma. Toda­


via, a execução de um herói popular poderia levar ao tumulto. De fato, a
atmosfera elétrica de uma festa de peregrinação, em especial a Páscoa, era
sempre potencialmente explosiva60. Havia grande probabilidade de que
“bandidos” judeus dentre 0 povo quisessem vingara morte de Barrabás,
e um grande número de judeus perecería, vítima do frenesi das espadas
romanas alimentando-se de sua carne. Os odiados sumos sacerdotes,
por sua vez, devem ter receado que tal cenário realmente desencadeasse
uma rebelião durante a festa (Mt 26:5). Tais consequências poderiam ser
evitadas somente se Barrabás fosse mantido vivo.
Uma oportunidade ideal se apresentava. O governador romano
tinha o hábito de libertar um prisioneiro judeu na Páscoa61. A partir
da literatura rabínica62, sabemos que esta anistia era, em geral, feita à
revelia ou concedida somente após apelos exaustivos. Nesta ocasião,
os sumos sacerdotes e Pi latos tentaram manipular a libertação do pri­
sioneiro para seu próprio benefício. Antes da audiência perante Pila-
tos, uma multidão seleta - indubitavelmente não as grandes massas
de Jerusalém - havia se reunido, e 0 povo clamava pela costumeira
clemência de um prisioneiro. Vimos que tais demonstrações de massa
eram usuais na época de Pilatos, devido à sua crueldade e à sua fra­
queza. Ele aproveitou a oportunidade e disse-lhes, “Quereis que eu
vos solte 0 Rei dos Judeus?” (Mc 15:6-10).
Neste “ Rei dos Judeus”, Pilatos via pouca ameaça para 0 império,
esperando que os judeus considerassem igualmente não haver motivo
lógico para sua execução. Se ele libertasse este homem, poderia cruci­
ficar Barrabás. Os sumos sacerdotes, no entanto, intervieram; a multi­
dão amava Barrabás, o lutador pela liberdade. Nesta ocasião, foi fácil
para os sumos sacerdotes ficar do lado do populacho. Finalmente, a
proposta para a anistia de Barrabás foi aceita (Mc 15:11). Pilatos per­
guntou, “Que farei de Jesus, que dizeis ser 0 rei dos judeus?” A res­
posta que recebeu foi, “Crucifica-o”. De acordo com João (19:6), 0
grito veio, antes de tudo, dos sumos sacerdotes e de seus auxiliares63.

60 Ver Safrai, op. cit., pp. 204-205.


61 Yow gJesustheJew ish Theologian, pp. 225 e 239 (nota 9), mostrou que não só Mar­
cos (15:6), Mateus (27:15) e João (13:40), como também Lucas (23:17) dizem “Por
ocasião da Festa, ele (Pilatos) lhes soltava um preso que pedissem”. Este versículo
de Lucas não está embutido em muitas edições e traduções modernas, porque é omi­
tido de alguns testemunhos anteriores. No Codex Bczae aparece após Lucas 23:19.
Segundo Metzger, A Textual Commentary on the Greek New Testament, pp. 179-180,
Lucas 23:17 “é uma glosa”. A situação textual não έ muito dissimilar daquela perti­
nente à leitura que o Codex Bezae faz de Lucas 23:37. Ver infra, nota 68.
62 Safrai, Die Wallfahrt, p. 206.
63 Esta narrativa importante de João é, em geral, esquecida. O sumo sacerdote e seus
servos constituíam, pois, o espirito popular organizado daqueles dias. Segundo
os Evangelhos, o grito “Crucifica-o!” foi repetido duas vezes, o que é intrinsi-
camente possível. Numa leitura dos relatos individuais, vemos que os diferentes
134 JESUS

É possível que este clamor tenha sido uma realidade histórica. De todo
modo, a aclamação era supérflua, pois Pilatos sabia que se Barrabás
fosse libertado, Jesus seria crucificado. Uma vez mais, Pilatos tentou
a sorte para salvar a situação. Disse que não podia encontrar acusa-
ção nenhuma contra Jesus, que fosse séria 0 suficiente para justificar
a execução. Ele 0 castigaria e 0 deixaria partir (Lc 23:22), mas isto de
nada serviu. Pilatos tinha de libertar Barrabás, e Jesus foi castigado e
entregue para ser crucificado (Mt 27:26).
A lei romana ordenava que “instigadores de uma revolta, motim,
ou agitadores do povo” deveríam ser “crucificados, lançados às feras,
ou banidos para uma ilha”. A punição era determinada pela posição
do perpetrador na sociedade romana64. O status de Jesus fez com que
ganhasse a crucificação.
Exibindo um senso de justiça distorcido, Pilatos libertou Barra-
bás. Sua decisão 0 obrigou, por bem ou por mal, a levar a acusação
contra Jesus muito mais a sério do que antes. Devido ao incidente no
Templo e a censura profética de Jesus contra os sacerdotes aristocra-
tas, Pilatos podia facilmente crucificá-lo como um agitador do povo.
Ademais, circulavam rumores de que ele era 0 Messias65.
Ao que tudo indica, Jesus foi entregue a Pilatos sem um veredito
e, em nenhuma parte nas fontes, tampouco é mencionado 0 veredito
de Pilatos. No catálogo dos seus crimes, fornecido pelo filósofo Filo
de Alexandria66, entre outras coisas encontramos “execução constante
sem julgamento”. Parece, pois, que 0 trágico fim de Jesus não foi pre-
cedido por nenhum veredito de qualquer poder judiciário terreno. Foi
resultado de uma interação pavorosa de esferas de interesse nuas, à
sombra de antagonismos brutais. Visivelmente, não tinha nenhuma
relação real com 0 homem Jesus ou com sua causa.
Somente Rembrandt captou 0 isolamento silencioso de Jesus em
seu julgamento - que não foi deveras um julgamento. Numa água-
-forte, retrata Jesus sendo trazido de Pilatos para 0 povo, sem que nin-
guém realmente esteja observando este estranho espetáculo. Jesus é
bastante passivo, como se estivesse esperando que a pantomima sem

evangelhos intensificaram 0 grito. O fato de 0 suposto deicídio ter levado a um


homicídio concreto pertence a um período posterior.
64 Paulus, sent. 5, 22, 1 = dig. 48, 19, 38, par. 2. Ver O. Betz, Was wissen wir von
Jesus, Stutgart-Berlin, 1965, pp. 56-57; Hengel, op. cit., pp. 33-34 e R. E. Brown,
The Death o f the Messiah, New York, 1994, pp. 945-947.
65 Pilatos fez com que as palavras “Rei dos Judeus” fossem penduradas sobre a
cabeça de Jesus, em tom de chacota. São idênticas àquelas com as quais brincou
ironicamente durante seu interrogatório de Jesus. Para uma análise mais ampla
sobre a lei romana e 0 julgamento de Jesus, ver A. N. Shervvin-White, Roman
Im v and Roman Society in the New Testament, Grand Rapids, 1994, pp. 24-47.
Sua discussão poderia ter sido reforçada caso desse mais atenção à política e aos
procedimentos legais de Roma nas recêm-adquiridas províncias orientais durante
a cpoca de Jesus.
66 Ver nota 27.
MORTE 135

Rembrandt. Jesus com Pilatos diante dos judeus (1“fase-1643).

sentido terminasse. Sua descrição contrasta fortemente com o ódio rui­


doso da multidão, relatado nos Evangelhos, mas é historicamente mais
correta. Aparentemente, Rembrandt não se satisfez com sua descrição
e, numa versão posterior, removeu a turba isolada quase que por com­
pleto. Agora, um marco vazio e hediondo adorna 0 primeiro plano da
cena. Um único judeu permanece à direita do balcão, observando tudo
com uma intensidade patética e sonhadora. “Quem é? Um amigo? Um
bom homem? Alguém que estava solidário? Alguém que queria ajudar?
Era só uma pessoa? Ou estavam todos eles ali? Havia ajuda à mão?
Onde estava a Suprema Corte na qual ele nunca havia penetrado?”67
Chegara a vez dos romanos de degradar Jesus. Conduziram-no
para o saguão interno do palácio e reuniram toda a coorte. Vestiram-no

67 F. Kafka, The Tria!, New York, 1937, p. 248. Ver, contudo, “O Crucificado c os
Judeus”, nos estudos suplementares da presente obra.
136 JESUS

Fase posterior (165¡).


com um manto púrpura, teceram uma coroa de espinhos e puseram-
■na sobre sua cabeça. Colocaram também um caniço em sua mão
direita. Quando 0 “rei” recebeu todas as suas insígnias, os soldados
se ajoelharam, prostrando-se diante dele como se diante um déspota
oriental, saudando‫־‬o: “Salve, ó Rei dos Judeus!” Então cuspiram nele,
despojaram-no de seu “cetro” e bateram-lhe na cabeça com um caniço
(cf.. Mc 15:16-20)*68.

68 Este incidente (Mt 27:27-31 e Mc 15:16-20) não consta do Evangelho de Lucas.


Em seu lugar, há uma descrição de um episódio semelhante sobre Jesus diante dc
Herodes (Lc 23:6-16). A passagem de Lucas tem seus próprios méritos, em par­
ticular quando se considera 0 texto de Lucas 23:36-37 de acordo com o Codex
Bezae e outros testemunhos ocidentais. Lemos, “E os soldados aproximaram-se
(de Jesus na cruz), e ofereceram-lhe vinagre, dizendo ‘Salve! Ó Rei dos Judeus! ’ E
MORTH 137

Os soldados romanos zombaram terrivelmente de Jesus. Como na


casa do sumo sacerdote, quando os guardas brincaram com ele de um
jogo mortal, a fim de ridicularizar o carisma da profecia, os soldados
romanos usaram Jesus para zombar da esperança judaica de liberdade.
Não foi esta a primeira nem a última vez que os gentios escar-
neceriam das esperanças messiânica dos judeus. Alguns anos depois
da morte de Jesus, quando o rei judeu Agripa visitou Alexandria, os
alexandrinos pegaram um lunático inofensivo chamado Carabas

[...] e levaram-no ao ginásio. Ali, ele foi içado cm um tablado, para que pudesse ser
visto por todos. Colocou-se sobre a cabeça, à guisa dc diadema, uma cesta esburacada;
envolveram seu corpo com uma esteira grosseira, à guisa de traje real; alguém, vendo
no caminho um pedaço de papiro, pegou-o e colocou-o na mão, à guisa de cetro. E,
como numa farsa teatral, após ter recebido as insígnias de sua realeza e ter sido ador­
nado como um rei, jovens com bastões sobre os ombros, como lanceiros, postaram­
-se à sua direita e à sua esquerda, numa imitação de guarda. Outros aproximaram-se
dele, uns fingiam saudá-lo, outros demandavam justiça, outros ainda consultavam-no
sobre questões dc Estado. Então, das multidões que 0 rodeavam, ouviu-se um grito
saudando-o de Mari®, que se supunha era o nome para “Senhor", usado pelos sírios70.

Um papiro mal conservado contém outro relato de uma cerimô­


nia de escárnio semelhante, de um “rei de farsa”, que também teve
lugar em Alexandria, após 0 levante dos judeus no ano 115-117 d.C.
Nessa ocasião, 0 próprio governador romano parece ter participado71.
Após degradar Jesus, os soldados conduziram-no para ser crucifi­
cado. No caminho ao local da execução, obrigaram um judeu que por
ali passava, chamado Simão, a carregar a cruz para Jesus (Mc 15:21).
Simão era originário de Cirene, no norte da África72. Não era incomum
que as forças de ocupação romanas exigissem trabalho estatutário
dos peregrinos durante as festividades judaicas73. Dirigindo-se para
Gólgota (0 lugar da Caveira), a procissão deixou a cidade. Judeus

colocaram sobre ele uma coroa de espinhos”. Steve Notley me fez recordar desta lei­
tura variante (comunicação particular). Se ela realmente reflete a narrativa original, a
coroação de Jesus com espinhos pertence à Paixão, também no Evangelho de Lucas.
69 “ Mari” (meu Senhor) era evidentemente a palavra aramaica; ver infra, cap. 16
nota 9. Comparar com 1 Cor 16:22.
70 Filo, In Flaccum, 36:39. Ver Filo de Alexandria, On Proofs o f G od’s Power,
Cambridge, Mass., 1962. A similaridade entre o escárnio feito pelos soldados e
0 incidente em Alexandria foi observada por Grotius em seu comentário sobre
Mt 27:28. Ver infra. cap. 16 nota 10.
71 O texto deste papiro aparece em V. A. Tchcrikover & A. Fuks (eds.), Corpus
Papyrorum Judaicarum, II, Cambridge, Mass., 1960, pp. 61-62 e Acia Alexan-
drinorum, ed. H. Musurillo, Leipzig, 1961, p. 37.
72 Naqueles dias, Cirene era um centro judaico importante. O nome de Simão c 0
dc seus filhos, Alexandre e Rufo eram muito comuns entre os judeus. Simão c
o equivalente do Simeão bíblico; Rufo é o equivalente do Ruben bíblico. Ver
Corpus Papyrorum Judaicarum, I, op. cit., 1957, p. 29.
73 Ver Safra¡, op. cit., pp. 205-206.
138 JESUS

piedosos, como de costume, ofereceram a Jesus vinho com mirra,


para ajudar a entorpecer a morte agonizante que o aguardava; mas
ele recusou (Mc 15:23)74.
Três homens foram crucificados ao mesmo tempo, dois ladrões,
um à sua direita, o outro à esquerda, e Jesus no meio. Os soldados
colocaram-no, intencionalmente, numa posição de destaque. Era seu
gesto cruel de despedida, de “honra” ao “Rei dos Judeus”.
Pendurado na cruz, Jesus disse, “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem
o que fazem”75. Como já sugerido antes, Jesus provavelmente não
estava intercedendo pelos judeus, responsáveis por sua execução
pelo governo romano, mas pelos soldados gentios e ignorantes que
0 haviam crucificado. Estes dividiram suas roupas entre si, e 0 povo
observava. A gente simples compadeceu-se desta mais recente vitima
da ocupação romana76; porém, os inimigos de Jesus certamente se ale­
graram. Os chefes, que eram provavelmente aristocratas judeus, dele
caçoavam e observavam sardónicamente, “Se este homem, que quer
salvar a outros, é 0 Messias, que primeiro salve a si mesmo!” Os sol­
dados juntaram-se ao escárnio. Um deles até mesmo correu para apa­
nhar uma esponja, a embebeu em vinagre e, colocando-a numa vara,
deu-a de beber a Jesus (Mt 27:48, Mc 15:36 e Lc 23:36)77. Os sumos
sacerdotes também caçoavam de Jesus. Até mesmo os criminosos que
com ele foram crucificados acrescentavam seus próprios insultos78.

74 Ver Billerbeck, I, pp. 1037-1038.


75 Lc 23:24. Ver D. Flusser, “Sie wissen nicht, was sie tun”, Entdeckungen im Netien
Testament, Neukirchen-Vluyn, 21992, pp. 179-196. Demonstrei ali (pp. 185-186)
que manuscritos importantes estão ausentes cm Lucas 23:24. Este versículo foi
provavelmente omitido por aqueles que acreditavam que Jesus tivesse orado
pelos judeus, o que lhes parecia improvável. Lucas 23:24 tem um paralelo nas
últimas palavras de Estêvão (At 7:60). Ver também R. E. Brown, Death o f the
Messiah, Anchor Bible Reference Library, New York, 1994, pp. 971-981.
76 Ver “O Crucificado e os Judeus”, nos estudos suplementares deste livro, e Young,
“The Cross, Jesus and the Jewish People”, Immanuel, 24-25, 1990, pp. 23-34.
77 Uma imagem similar é encontrada no Rolo de Ação de Graças (1 QH 4:11). Ali,
0 autor sectário escreveu sobre os oponentes à sua seita: “Eles negam ao sedento
a bebida do conhecimento e saciam sua sede com vinagre” .
78 De acordo com Lucas 23:39-43, só um dos malfeitores crucificados insultava
Jesus.
Mas o outro, tomando a palavra, 0 repreendia: “Nem sequer temes a Deus,
estando na mesma condenação? Quanto a nós, é de justiça; estamos pagando por
nossos atos; mas ele não fez nenhum mal” . E acrescentou: “Jesus, lembra-te de
mim, quando vieres com teu reino” . Ele respondeu: “Em verdade, eu te digo.
hoje estarás comigo no Paraíso” .
Esta é, realmente, uma passagem bela e comovente, e parece ser a primeira
expressão subsistente de uma antiga temática midráschica. Em 1 Sm 28:19, o espí­
rito de Samuel disse a Saul que ele morrería na próxima batalha contra os filisteus:
“Amanhã tu e os teus filhos estareis comigo”. Este versículo é comentado num
midrasch criativo preservado em I^evítico Rabá 26:7 (Margulies (ed.), pp. 605-606).
Segundo 0 midrasch, Saul teria perguntado ao espírito de Samuel: “Poderei salvar
MORTE 139

Finalmente, Jesus deu um grande grito79 e morreu. “E toda a multidão


que havia acorrido para o espetáculo, vendo 0 que acontecera, voltou,
batendo no peito [como expressão de pesar]” (Lc 23:48).

a minha vida com a fuga?” Samuel respondeu, “Sim! Se fugires, estarás seguro.
Mas se aceitares o julgamento de Deus, amanhã estarás comigo [i.e., no céu]”. Ver
Ginsberg, The Legends o f the Jews, vol. 4, p. 71; e a glosa a Uvltico Rabá 26:7, no
dicionário de Jastrow, pp. 760-761. Comparar também Billerbeck, op. cit., vol. 2,
pp. 264-265. Pergunta-se por que Pirke de Rabí Eliezer, obra midráschica muito
posterior, datada dos século VIII-IX, é citada ao invés do Levítico Rabá. Em Pirke)’
de Rabí Eliezer 33, o midrasch sobre 1 Sm 28:19 é repetido (Comparar também
Midrasch Samuel 23:4). De mais a mais, Billerbeck não analisou satisfatoriamente
o significado deste midrasch com relação a Lucas 23:39-43.
O midrasch encara a aceitação de Saul de sua morte iminente como indica­
ção de arrependimento. Em outras palavras, ao não fugir, Saul aceitou 0 julga­
mento de Deus e pagou a pena por sua desobediência anterior. O mesmo tipo de
pensamento reflete-se na Mischná, Tratado Sanhedrin 6:5: “Quando ele estava
aproximadamente a dez cubitos do local do apedrejamento, costumavam dizer­
-lhe, ‘Faz tua confissão’, pois o caminho daqueles que foram condenados à morte
é fazer a confissão, já que a todo aquele que faz sua confissão cabe uma parcela
no mundo vindouro... Se ele não sabe como fazer sua confissão, dizem-lhe, ‘Diz,
que minha morte possa ser uma expiação para todos os meus pecados’” (tradução
de Danby, p. 390). A única defesa criminal de Jesus é, em essência, uma confissão
de culpa e a aceitação da justiça divina. Portanto, segundo 0 pensamento judaico,
este criminoso merecería uma parcela no mundo vindouro, ou Paraíso. É a mesma
temática vista em Levítico Rabá 26:7. Como Jesus e os dois criminosos morreram
no mesmo dia em que foram crucificados, as palavras “amanhã estarás comigo
[no Paraíso]” tiveram que ser modificadas para “Hoje estarás comigo no Paraíso”.
A concepção de que esta passagem de Lucas tenha sido gerada por impul­
sos midráschicos é sustentada por duas considerações adicionais. Em primeiro
lugar, não há paralelo da história em Mateus ou em Marcos. Em segundo lugar,
este episódio não se coaduna com a tradição fundamentada historicamente que
Paulo recebeu (1 Cor 15:4) e que mais tarde foi absorvida no Credo Apostólico:
“Ele sofreu nas mãos de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado. Des­
ceu à mansão dos mortos. Ressuscitou ao terceiro dia” (ver “Credo Apostólico”,
The New Encyclopaedia Britannica's Micropaedia). J. Fitzmyer focaliza essa
mesma tensão quando diz, “A junção de ‘hoje’ e ‘no Paraíso’ neste versículo
cria um problema quando se tenta relacioná-lo com o ‘descenso ao Inferno’ do
credo, e até mesmo com 1 Pd 3:19-20”, J. Fitzmyer, The Gospel According to
Luke X-XXIV, The Anchor Bible, New York, 1985, p. 1511.
79 Em Marcos 15:34 (seguido por Mt 27:46), o último grito de Jesus foi 0 Salmo
22:2 (ver também 0 apócrifo Evangelho de Pedro 5:19). O paradoxo de Marcos foi
eliminado por Lucas (23:46). Na narrativa de Lucas, Jesus citou o Salmo 31:6(5).
O mesmo versículo bíblico (transliterado em grego a partir do original hebraico)
figura no apócrifo Atos de Pilatos 11. Observar que o Salmo 31:6(5) faz parte da
confissão padrão dita por um judeu em seu leito de morte. Ver também J. H. Hertz,
The Authorised Daily Prayer Book, edição revista, New York, 1965, p. 1065.
A maneira mais fácil de explicar a discrepância entre Marcos e Lucas é sugerir
que era impossível discernir o significado, se é que havia algum, do último grito
agonizante de Jesus. Marcos colocou em sua boca 0 Salmo 22:2, a fim de mostrar
que 0 solitário Jesus foi aparentemente abandonado até por Deus. Lucas, por
outro lado, retratou Jesus dizendo o que esperaríamos que um judeu observante
dissesse à beira da morte. Ver também supra, cap. 1 nota 4.
O suicidio de Judas e a crucificação de Jesus.
12. Epílogo

Não discorrerei aqui sobre Jesus após sua morte na cruz, exceto
para discorrer como, no pensamento da antiga comunidade crente, a
elevada autoconsciência do Jesus “histórico” começou a evoluir para
a cristologia da fé cristã. Neste livro1, desafiei 0 preconceito moderno,
que vê pouca relação entre a compreensão que Jesus tinha de sua
tarefa na organização divina e 0 “querigma” da Igreja. Face à morte
iminente, Jesus contou a parábola dos vinhateiros homicidas (Lc 20:9­
16). Ao final acrescentou, “Que significa então o que está escrito: ‘a
pedra que os edificadores tinham rejeitado tornou-se a pedra angu­
lar’?” Ao citar 0 Salmo 118:22, Jesus informou seus ouvintes de que
a crucificação não impediría o triunfo de sua causa12. Ele tinha razão.
Entretanto, na história da Igreja em seus primordios, duas ten­
dências revolucionárias causaram uma modificação na estrutura da fé
cristã. A primeira foi a dissonância cognitiva que surgiu no curso da
tragédia da crucificação. O próprio Lucas encontrou algumas das per­
sonagens dramáticas da crise, descrevendo sua experiência traumática,
especialmente na história de Emaús (24:13-35) e no diálogo entre 0
Senhor ressurrecto e seus apóstolos (At 1:1-9). Para que a comunidade
neófita e sua nova crença pudessem superar esta crise, uma solução

1 Ver também, de minha autoria, “Messianology and Christology in the Epistle to


the Hebrews”, Judaism, pp. 246-279.
2 Comparar Dn 2:34, onde a tem ática da pedra aparece com implicações
similares.
142 JESUS

deveria ser encontrada instintivamente. A compensação foi enfati­


zar 0 caráter divino do Cristo e 0 significado cósmico de sua tarefa.
Dessa forma, passou a existir um drama metahistórico, apresentando
a encarnação do Cristo preexistente, sua morte na cruz, a ressurreição
e 0 retomo ao seu Pai celestial, até seu advento impressionante como
0 juiz escatológico. A segunda revolução subsequente ocorreu quando
Paulo ainda pregava e ensinava sobre a nova fé. Durante este período,
nasceu a Igreja gentia e as relações formais entre 0 Cristianismo e 0
Judaísmo começaram a desatar-se. Esta segunda revolução abasteceu
0 desenvolvimento cristológico.
Ainda assim, seria totalmente absurdo supor que o Cristianismo
adotou um mártir judeu não ambicioso e desconhecido, lançando-o de
catapulta, contra sua vontade, no papel de ator principal de um drama
cósmico. Não quero repetir aqui 0 que já foi dito sobre a elevada auto-
consciência de Jesus e como ela serviu de gérmen, a partir do qual a
futura cristologia brotaria. Quero apenas mencionar o fato de que 0
próprio Jesus, no decorrer de sua vida, jamais teve prazer no culto de
sua personalidade5: “Não são todos os que me chamam de ‘Senhor,
Senhor’ que entrarão no Reino dos Céus, apenas aqueles que fazem
a vontade de meu Pai celestial”. Esta autoconsciência de Jesus não
pode ser negada, e estou certo de que, eventualmente, ele abraçou a
convicção de que seria revelado como 0 Messias de Israel. A inscrição
colocada sobre sua cabeça na cruz, “Este é 0 Rei dos Judeus”, sugere
que outros tinham chegado à mesma conclusão. Por outro lado, os
três primeiros Evangelhos não indicam claramente que Jesus exigia
que outros aceitassem suas próprias aspirações, provenientes de sua
autoconsciência. Tampouco posso encontrar qualquer sinal explícito
nos três primeiros Evangelhos de que Jesus falasse sobre a crença nele
próprio. Na tradição sinótica, Jesus fala unicamente da fé em Deus.
mas, após a ressurreição, a crença em Jesus tomou-se essencial, como
podemos ver em inúmeras passagens do Novo Testamento.
Apesar da dificuldade em se obter um retrato acurado da vida e da
mensagem de Jesus, à parte os Evangelhos, estas duas revoluções nos
primordios do Cristianismo não obliteraram a tradição sólida dos seus
ensinamentos345.O cerne dos Evangelhos é 0 material preservado pelos
primeiros discípulos de Jesus. Não muito tempo depois, várias pessoas
começaram a fazer revisões intemas deste precioso núcleo de material5

3 Ver, de minha autoria, “Two Anti-Jewish Montages in Matthew”, Judaism, pp.


554556‫־‬, onde reconstruí um pronunciamento mais amplo de Jesus contra sua
veneração.
4 Já discuti esta questão em “The Jewish-Christian Schism”, pt. \, Judaism, pp.
621 ‫־‬625 .
5 Comparar a declaração dc Papias, citada em Eusébio, História Eclesiástica III,
39, 16.
EPÍLOGO 143

e, no fim, os próprios evangelistas revisaram e ampliaram-no6. A men­


sagem de Jesus, contudo, nunca se perdeu7. Ela ainda pode ser ouvida
hoje - mesmo que não tenha sido o cerne da crença do Cristianismo
ao longo das eras. Por toda a longa história da Igreja, porém, a reli­
gião do próprio Jesus tornou-se algo vital para pequenos grupos - a
um deles o presente livro é dedicado. Espero que, de alguma forma,
no futuro, a situação melhore e a Igreja comece a colocar mais ênfase
sobre a mensagem de Jesus8.
O último aspecto a ser abordado neste epílogo é a questão da
judaicidade de Jesus. Estou pessoalmente interessado nesta questão,
porque a exegese dos Evangelhos é muito mais determinada por pre­
conceitos do que eu pensava. Algumas distorções exegéticas já se
refletem no texto subsistente dos próprios Evangelhos. São, pois, bas­
tante antigas. De mais a mais, creio que muitas das interpretações
falsas que persistiram por toda a história tornaram-se como que uma
segunda natureza para a maior parte dos pesquisadores modernos, quer
eles reconheçam ou não este fato. O que me propus a realizar neste
livro foi uma pesquisa minuciosa e bem fundamentada, na busca pelo
Jesus histórico, e não simplesmente pelos aspectos de sua judaicidade.

6 Comparar o prólogo de Lucas com seu Evangelho (Lc 1:1 -4).


7 A nostalgia moderna pelas seitas judaico-cristãs primitivas não é injustificada. Ao
lermos os fragmentes subsistentes dos Evangelhos judaico-cristãos, nada cncon-
tramos ali de novo ou de importante acerca da mensagem de Jesus. Mesmo o que
ouvimos sobre sua mensagem nos Evangelhos Sinóticos está quase que ausente
dos evangelhos judaico-cristãos - nem uma só palavra acerca de sua mensagem
de amor abrangente!
8 Ver meu epílogo à obra Zwei Gtaubensweisen, de Martin Buber, Gerlingen, 1994,
pp. 187-247. Este epílogo foi reeditado em meu livro Das essenische Abenleuer,
Winterthur, 1994, pp. 121-153.
Estudos Suplementares
13. “A Casa de Davi”
num Ossuário1

Uma inscrição interessante foi encontrada num ossuário, numa


gruta de sepultamento descoberta em Jerusalém, na rua Midbar Sinai
53, durante uma escavação realizada por Amós Kloner12 para 0 Depar­
tamento de Antiguidades e Museus de Israel, de novembro de 1971
a maio de 1972. Ao que parece, a gruta começou a ser utilizada na
primeira metade do século I a.C., data corroborada pela cerâmica
encontrada e, evidentemente, deixou de ser usada para sepultamentos
ao redor do ano 70 d.C.
A descoberta mais digna de nota é o ossuário M, encontrado no
nicho n. 6. Leva uma inscrição que foi decifrada por A. Kloner como
‫ דוד שלבי‬. O idioma da inscrição é o hebraico, com um elemento de
aramaico, mescla linguística não incomum no período. O compo­
nente aramaico é a palavra bei, que significa “casa” (em hebraico,
bait). Por conseguinte, o significado da inscrição é que os ossos no

1 Este artigo é reimpresso com a gentil permissão do Museu de Israel, onde í'oi
publicado pela primeira vez em The Israel Museum Journal 5, 1986, pp. 37-40.
Foi editado por Brad Young.
2 Ver as publicações de Kloner, “ Urna Cova de Sepultamento do Periodo do
Segundo Templo em Givat Hamivtar, Jerusalém”, relato preliminar em hebraico,
Qadmoniot 19-20 (1972), pp. 108109‫ ; ־‬foi publicado em inglés em Jerusalem
Revealed, Jerusalem, 1975, pp. 69-70 e, novamente em hebraico, com 0 mesmo
título, em Jerusalém no Período do Segundo Templo. Abraham Schalit Memorial
Volume, Jerusalém, 1980, pp. 191-224, resumo em inglês, pp. xii-xiii. O ultimo
estudo é a publicação definitiva e só a ela nos referiremos aqui.
148 JESUS

‫ה^דףד‬.^
A inscrição “A Casa de D avi”.

ossuário “pertencem à casa de ‫”דוד‬. Como podemos compreender a


designação ‫ ?דוד‬Kloner propõe duas soluções possíveis. A primeira é
que os ossos pertencem à casa (isto é, à família) do tio (‫)דוד‬. Na minha
opinião, esta explicação é altamente improvável; é inverossímil que 0
tio permanecesse anônimo, mesmo que a inscrição no ossuário fosse
destinada para o uso particular da família. A outra sugestão é que ins-
criçâo indica que os ossos contidos no ossuário “pertencem à Casa
de Davi”*. Imagino que a primeira e improvável proposta tenha sido
sugerida por duas inibições. Uma certamente adveio da preocupação
de que a menção à Casa de Davi tendería a exagerar a importância da
inscrição. A segunda dificuldade estava relacionada à opinião, mantida
por alguns eruditos, de que os descendentes de Davi não poderíam ter
conhecido sua genealogia neste período posterior do Segundo Tem-
pio3. Porém, se for possível demonstrar que descendentes reais ou
supostos de Davi existiram durante 0 período da inscrição4, nenhum
obstáculo poderá impedir a utilização da inscrição “Casa de ‫ ”דוד‬como
uma prova epigráfica disso.

* Em hebraico, as palavras “tio (dod) e “David” são grafadas da mesma forma


(N. daT.).
3 Ver Kloner, p. 207 e nota 21. Ver também J. Liver, Encyclopedia Judaica, Jeru­
salem, 1972, reeditada em 1978, cois. 13391345‫( ־‬Davi, Dinastia de).
4 Isto foi demonstrado, inter alia, por Jeremias, Jerusalem,yp. 276-297 e 226-228.
‘A CASA DE DAVI" NUM OSSUARIO 149

Como primeiro passo, quero contar sucintamente uma história


estranha que se diz ter acontecido pouco antes do nascimento de Jesus5.
“Havia um grupo de judeus que se orgulhava de sua adesão ao costume
ancestral... e por estes homens, denominados fariseus, as mulheres da
corte (de Herodes) eram dominadas. Estes homens podiam ajudar o
rei devido à sua capacidade de presciencia, mas estavam obviamente
decididos a combatê-lo e a injuriá-lo”. Quando Herodes os puniu com
uma multa, a esposa de Feroras, seu irmão, pagou a multa por eles.

Em retribuição à sua amizade, eles previram - pois se acreditava que tivessem


conhecimento prévio dos acontecimentos por intermédio de aparições divinas - que por
decreto divino, 0 trono de Herodes seria tomado dele e de seus descendentes, passando
0 poder real para as mãos dela e de Feroras e de quaisquer filhos que viessem a ter... e 0
rei mandou matar aqueles dentre os fariseus que julgava que tivessem a maior culpa, e 0
eunuco Bagoas e um certo Caros... matou também todos os de sua casa que aprovavam
0 que os fariseus diziam. Bagoas ficara empolgado com a asservação dos fariseus de que
seria nomeado pai e benfeitor, num pronunciamento leito pelo futuro rei que, detendo
todo 0 poder em suas mãos, conceder-lhe-ia a capacidade de se casar e ser pai de filhos6.

O futuro rei que suplantará a dinastia ilegal de Herodes, em cujas


mãos tudo será confiado e que restaurará a fertilidade ao eunuco (ver
Is 56:3) é, naturalmente, o Messias. A história deve ter chamado mais
atenção daqueles que estavam familiarizados com os Evangelhos.
Deve tê-los lembrado do massacre das crianças em Mateus 2: 16-18-
um ato levado a cabo pelo mesmo governante, Herodes, 0 Grande. Isso
reforça a probabilidade de que um evento histórico esteja por detrás
deste acontecimento, mas mesmo assim não podemos ter certeza de
que a matança dos inocentes em Belém estava realmente relacionada
ao nascimento de Jesus. De mais a mais, não devemos nos esquecer
que pouco antes do nascimento de Jesus, em cerca de 27 a.C.7, Hero-
des ordenou a execução dos filhos de Baba “e daqueles que foram
com ele acusados, da família de Hircano (os Macabeus) nenhuma
pessoa sobreviveu, e o reino ficou totalmente em poder de Herodes,
não havendo ninguém de alto escalão que pudesse ficar no caminho
de seus atos ilegais”. Durante o longo curso da história judaica, não
há outro registro de perseguições associadas ao nascimento de um
Messias, à exceção dos dois relatos referentes ao mesmo Herodes.
Não obstante, a narrativa pertinente ao movimento messiânico
farisaico relacionado à esposa de Feroras é inexato e altamente ten­
dencioso. Não se acreditava que os fariseus “tivessem conhecimento
prévio dos acontecimentos por intermédio de aparições divinas”, e a

5 Josefo, Antiquities 17:4145‫ ;־‬E. Schürer, The History o f the Jewish People, G.
Vermes, F. Millar & M. Black (eds.), Edinburgh, 1979, vol. 2, p. 505.
6 O final da tradução é citado a partir dc Schürer.
7 Josefo, Antiquities 15:259-266; Schürer, op. cit., vol. 1, pp. 303304‫־‬.
150 JESUS

noção de que, segundo a crença judaica, surgiría um rei que concedería


a fertilidade aos eunucos tinha por intuito demonstrar quão supersti­
ciosos eram os judeus. Por conseguinte, é claro que o relato provém
da pena de um pagão, ao que tudo indica, Nicolau de Damasco. Não
obstante, mesmo se aqueles que aguardavam o nascimento do Mes­
sias não fossem fariseus propriamente ditos, estavam provavelmente
muito próximos a eles. Acreditavam que 0 futuro Messias nascería
da Casa de Davi e não poderíam ter argumentado que Feroras, irmão
de Herodes, era originário de uma linhagem davídica, por ser filho
de Antípater, suspeito de ser um idumeu, e de Cypros, uma mulher
árabe. Portanto, 0 único outro candidato que poderia ser descendente
de Davi era a esposa de Feroras. Sua origem davídica pode ter levado
Herodes a exigir que seu irmão a repudiasse - 0 que evitaria o nasci­
mento de um pretendente messiânico. Feroras, entretanto, respondeu
“que preferia morrer a suportar viver sem uma esposa que lhe era tão
cara" (Antiguidades 17:49).
Se rejeitamos a ideia de que havia famílias da época de Herodes
que se consideravam oriundas da estirpe de Davi, a história sobre a
esposa de Feroras deve ser entendida da seguinte maneira: uma vez
que os descendentes de Davi são desconhecidos, qualquer homem ou
mulher que não seja de origem sacerdotal ou levítica pode ser decía-
rado, por um movimento messiânico, ser 0 Messias Davi (ou um de
seus pais). Tal explicação não parece plausível no caso da esposa de
Feroras. Aqueles que nutriam a esperança de que ela se tornaria a mãe
do Messias deveríam ter uma justificativa mais sólida para sua rei­
vindicação, do que a mera afeição pela mulher e o ódio por Herodes.
Admito, contudo, que sem casos adicionais como evidência, a con­
tribuição da nossa história para uma solução da questão - se famílias
davídicas existiam ou não durante a época do Segundo Templo - não
é muito valiosa.
Caso pudéssemos demonstrar que, no último século do Segundo
Templo, havia famílias que alegavam ser de origem davídica, nosso
questionamento da ascendência davídica de Jesus seria menor. Toda­
via, se 0 título “filho de Davi” é compreendido meramente como uma
consequência retrospectiva de uma alegação messiânica, a genealogia
davídica de Jesus não poderia ter base histórica. Por outro lado, se as
famílias davídicas eram numerosas, não há lugar para a imagem absurda
de Jesus como um príncipe disfarçado. No conjunto, a concepção de
que Jesus era da Casa de Davi permanece uma mera pressuposição8.
Uma prova mais fidedigna da existência de descendentes de Davi
durante 0 período é 0 relato de Eusébio acerca dos imperadores Vespa-
siano (Eusébio, História Eclesiástica 111, 12), Domiciano (III, 19-20)

8 Jeremias, Jerusalem, pp. 276 e 290-297, é muito mais otimista.


Ά CASA DE DAVI” NUM OSSUARIO 151

e Trajano (III, 32:3-4). Com base em Hegésipo (c. 180 d.C.), Eusébio
observou que estes imperadores perseguiam a família de Davi para
que nenhum descendente da linhagem real sobrevivesse. Vemos, pois,
que 0 número daqueles que alegavam ter origem davídica não era
absolutamente pequeno. Entretanto, mesmo aqui devemos ser caute­
losos, porque toda esta informação está mais ou menos relacionada à
família de Jesus e, consequentemente, estas perseguições de davídicos
poderíam ter sido causadas pela difusão do Cristianismo. Por outro
lado, 0 valor dessa informação para 0 nosso questionamento não é
absolutamente negligenciável9.
Para nosso propósito, é importante observar que durante este
período descobrimos várias referências a uma forma escrita de
genealogias101. A existência de genealogias seculares escritas não é
controvertida e é evidente que havia tradições genealógicas orais e
escritas sobre famílias seculares, de caráter particular e público. Um
estudioso até mesmo deduziu, a partir de fontes rabínicas, que durante
aquele período todo israelita podia remontar à sua ancestralidade por
cinco gerações". Em tal atmosfera, a existência da Casa de Davi teria
sido esquecida apenas se a família tivesse desaparecido fisicamente,
probabilidade esta muito pequena. Segundo um relato talmúdico12,
membros de certas famílias costumavam trazer madeira para o altar
do Templo, um privilégio antigo que reporta à época da reorganização
da comunidade judaica após 0 exílio babilónico. Esta prerrogativa foi
zelosamente conservada por famílias privilegiadas durante séculos,
conforme aprendemos de uma relação preservada na Mischná, Taa-
nit 4:5, dos que forneciam madeira para 0 altar e das datas em que
estas famílias cumpriam a nobre tarefa: “A oferenda da madeira, dos

9 idem, p. 277, se arrisca a dizer “que entre os pretendentes messiânicos do século


I d.C. havia ao menos uma família que reivindicava ser de descendência daví-
dica”, específicamente a família de insurgentes cujo último membro foi Eleazar,
defensor de Massada. Ver também M. Hengel, Die Zeloten, Leiden, 1961, pp.
2 9 6 3 0 6 ‫־‬. Porém, ainda que a família - e seus seguidores - acreditasse ser da
estirpe de Davi, esta alegação pode ter sido levantada retrospectivamente, porque
0 fundador da família e seus últimos membros eram pretendentes messiânicos.
O Talmud relata que Rabí Haya, 0 Ancião (c. 200 d.C.) era descendente de Davi
(ver Jeremias, Jerusalem, pp. 277, 288-299).
10 Idem, pp. 280-283.
11 Ver as referências em Jeremias, Jerusalem, pp. 280-290. No que tange à reivin­
dicação de descendência davídica por parte da família de Hilel {idem, p. 287),
não devemos ser céticos demais. O próprio Jeremias cita Josefo, Life, 191, para
quem Rabi Simão ben Gamaliel (neto ou bisneto de Hilel) era oriundo de uma
“família muito ilustre”. Um panegírico tão enaltecedor jamais aparece nova­
mente nos escritos de Josefo. Pode-se imaginar que Josefo percebeu os perigos
que envolveríam sua atribuição explícita de uma ancestralidade davídica a Rabi
Simão?
12 Tos. Taanit 3:5. Ver Tos. Moed, ed. S. Lieberman, New York, 1962, p. 338; Tos.
Kifschulá, parte V, p. 1111. Ver também Jeremias, Jerusalem, pp. 226-227.
152 JESUS

sacerdotes e do povo, era levada nove vezes (durante 0 ano). No pri­


meiro dia de Nissan, pela família de Arã, da tribo de Judá. No dia 20
de Tamuz, pela família de Davi, da tribo de Judá...” Temos razão para
pressupor que a lista preserva os nomes das famílias patrícias emi­
nentes, que retinham a tradição de um privilégio de séculos. Indica
igualmente que a tradição genealógica era bem preservada entre os
judeus naquela época. É inclusive interessante observar que, além da
referência a membros da linhagem de Davi, a maior parte das atribui­
ções diz respeito a integrantes da família de Judá.
A tarefa do presente estudo foi alocar uma inscrição antiga,
encontrada num ossuário, no contexto de seu tempo. Nosso objetivo
certamente não foi 0 de reforçar a alegação de que Jesus também per­
tencia à Casa de Davi. Por outro lado, não se pode negar que, existindo
algumas famílias judaicas que sabiam ser descendentes de Davi, a
origem davídica de Jesus deixa de ser uma reivindicação absurda. No
entanto, mesmo que algumas famílias durante esse período se consi­
derassem descendentes de Davi, ainda nos seria permitido pressupor
que a ancestral idade davídica poderia ter sido atribuída a Jesus numa
data posterior, com base em sua alegação messiânica. Porém, mesmo
aqueles que supõem que ele realmente descendia de Davi, não ale­
gam necessariamente que existe alguma base histórica para as duas
listas divergentes da genealogia davídica de Jesus13. Em resumo, os
exemplos citados no estudo presente não são suficientes para afirmar,
categoricamente, que durante 0 período da vida de Jesus, famílias
eram capazes de alegar ancestralidade davídica. Entretanto, mesmo
antes da descoberta de nosso ossuário, já existia evidência suficiente
para fazer com que a tese oposta - específicamente, que descenden­
tes de Davi não tinham sobrevivido - pareça um tanto improvável.
Agora, a inscrição no ossuário pode diminuir ou mesmo dissipar todas
as dúvidas. Ela diz que os ossos do ossuário pertencem “àqueles que
são da Casa de Davi”. Sendo assim, toma-se difícil negar a existên­
cia de famílias davídicas no último século do Templo de Jerusalém.

13 Jeremias trata das duas listas da estirpe davídica de Jesus (Mt 1:1-17, Lc 3:23­
38), pp. 290-297. Com razão dá preferência a Lucas, dizendo que, numa com­
paração com Mateus, aquele apresenta uma tradição mais fidedigna.
14. “Quem é que Te Bateu?”

Por vezes, encontramos uma lacuna entre uma abordagem teoló­


gica especulativa e o estudo sério da realidade histórica. Não quero
determinar com quanta frequência a fé é reforçada exatamente pelo
conhecimento da realidade, ou quando uma consideração teológica
fomenta 0 progresso religioso. Minha experiência demonstrou-me
que, ao menos no que tange a Jesus, ao que ele disse e fez e ao que
lhe aconteceu, o conhecimento da realidade “secular” está longe de
ser um mau aliado da fé. A fé cristã só tem a lucrar do escrutínio eru­
dito da biografia de Jesus.
A cerimônia farsesca da aclamação de Jesus pelos soldados roma­
nos e, possivelmente, pelo próprio Pilatos, foi uma espécie de jogo
real1
2. As conotações macabras do aprisionamento e da execução ser­
vem como um estímulo apropriado para rituais grotescos; uma atmos­
fera de sadismo é propícia para jogos desta espécie. No caso de Jesus,
a apresentação humilhante de sua coroação como Rei dos Judeus foi
precedida, na casa do sumo sacerdote, por outro jogo cruel. “Os guar­
das caçoavam de Jesus, espancavam-no, cobriam-lhe 0 rosto e o inter­
rogavam: ‘Faz uma profecia: quem é que te bateu?’ ” (Lc 22:63-64)3.

1 Este artigo apareceu pela primeira vez em Immanuel 20; D. Flusser, Judaism,
pp. 604-609.
2 Ver D. Flusser, “What Was the Original Meaning o f Ecce H om oT , Judaism, pp.
593603‫־‬, ao qual este estudo está associado.
3 Cf. Mt 26:67-68 e Mc 14:65. Lucas preservou todos os elementos do acontecí-
mento. Mateus esqueceu-se de dizer que Jesus teve então seus olhos vendados,
154 JESUS

Entretanto, antes de tecer nossas conclusões principais, deve­


mos tentar compreender 0 significado do jogo ignóbil relatado nos
Evangelhos Sinóticos. A sequência dos acontecimentos em Lucas é
bastante clara. Após seu aprisionamento, Jesus foi levado, à noite,
para a casa do sumo sacerdote; Pedro seguia de longe, e renegou seu
mestre por três vezes (Lc 22:56-62). Na casa do sumo sacerdote, os
guardas fizeram com Jesus este jogo humilhante (22:63-65). Quando
se fez dia, ele foi levado ao conselho do sumo sacerdote (22:66-71)
e, finalmente, entregue aos romanos (23:1-5).
Marcos (e Mateus, que 0 segue) exibe uma ordem inversa dos acon­
tecimentos. Após ter sido preso (Mc 14:43-52), Jesus foi conduzido ao
“sumo sacerdote, e todos os chefes dos sacerdotes, os anciãos e os escri­
bas estavam reunidos” (14:53). Pedro seguira-0 de longe (14:54). Teve
lugar a sessão noturna do conselho na casa do sumo sacerdote, quando
“todos julgaram-no réu de morte” (14:55-64). Alguns humilharam Jesus
dizendo-lhe que profetizasse, “e os guardas esbofetearam-no” (14:65).
Encontramos novamente Pedro no pátio e ouvimos sobre sua negação
tripla de Jesus (14:66-72). Finalmente, “logo de manhã”, todo 0 conselho
reuniu-se uma vez mais e 0 entregou a Pilatos (Mc 15:1).
Como já percebemos, a sequência dos eventos durante aquela
noite terrível, conforme relatada em Lucas, faz sentido, ao passo que
em Marcos (e Mateus) a descrição é, no mínimo, estranha e muito
confusa. Após Jesus ter sido preso, a assembléia é reunida na mesma
casa; depois, Pedro é mencionado; Jesus é condenado pelo conselho e
algumas pessoas humilham-no; Pedro então ressurge, a fim de negar
seu mestre por três vezes. E, “logo de manhã”, todo 0 conselho se
reúne novamente, com 0 propósito exclusivo de entregar Jesus aos
romanos, depois de ele já ter sido condenado à morte na sessão con­
duzida durante a noite. Minha experiência ensinou-me que este não
é, em absoluto, 0 único caso no qual Marcos deliberadamente modi­
fica o palavreado e a ordem de seu Vorlage. Eu conjeturaría que ele
assim 0 fez porque a noite que se seguiu ao aprisionamento de Jesus
foi praticamente tranquila. O prisioneiro estava sob guarda na casa do
sumo sacerdote. Pedro aproximou-se e, por três vezes, renegou a Jesus,
e os homens que o guardavam puseram em prática um jogo humi­
lhante. Marcos foi aqui induzido ao erro, devido ao seu sentimento
de horror vacui e à sua tendência natural de multiplicar 0 número
de episódios, a fim de causar a impressão de que os acontecimentos

ao passo que em Marcos os homens gritavam apenas, “Faz uma profecia!”. Por
conseguinte, a questão decisiva “Quem é que te bateu?” não aparece lá. As pala­
vras “cobriam seu rosto” estão ausentes cm alguns testemunhos de Mc 14:65,
entre eles o importante Codex Bezae. A respeito dos problemas textuais de Mc
14:65, ver V. Taylor, The Gospel According to St. Mark, London, 1975, p. 571;
Metzger, op. cit., p. 115.
"QUEM É QUE TE BATEU?’ 155

estão relacionados e seguem-se uns aos outros, numa ação contínua.


Ele geralmente também dramatiza, empregando quiasmas. Tudo isso
Marcos fez aqui, criando até mesmo uma sessão noturna do Sinédrio,
0 que é corretamente considerado, pela maioria dos estudiosos, como
algo altamente improvável.
A ambição literária de Marcos o levou a cometer um erro crasso.
Sua propensão para acumular eventos simultâneos impediu que ele
escrevesse no momento adequado, “Exeunt membros do Sinédrio”.
Dessa forma, eles se tomam presentes quando 0 prisioneiro Jesus foi
alvo de chacota. No relato de Marcos, entre aqueles que golpearam
Jesus com seus punhos encontravam-se, é óbvio, alguns dos membros
do Sinédrio. Marcos, porém, havia lido em sua fonte quem eram os
que zombavam e desta forma, sua má consciência 0 levou a acrescen­
tar num grego coloquial “e os guardas golpearam-no” (Mc 14:65b).
Mateus (26:68) não tem necessidade desta adição e portanto a omite.
Um erudito eminente escreve sobre 0 episódio da humilhação de Jesus
na casa do sumo sacerdote como a seguir: “O fundamento da história é
assegurado pelas duas narrativas independentes. A de Lucas está mais
próxima dos fatos reais”4. Mas por que não admitir que foi Marcos
quem alterou 0 relato original da última noite de Jesus, sendo pois com­
pelido a distorcer 0 episódio do jogo humilhante dos guardas? Como já
vimos, apenas Lucas cita todos os componentes do jogo em si5.
Assim, de acordo com o relato original, após sua detenção durante
a noite, Jesus foi conduzido para a casa do sumo sacerdote. Ali, os
homens que 0 vigiavam dele escarneceram, golpearam-no, vendaram
seus olhos e disseram-lhe, “Faz uma profecia: quem é que te bateu?”
(Lc 22:63-64). Os membros do clã sacerdotal e 0 próprio sumo sacer­
dote eram saduceus, que negavam a existência de anjos ou espíritos (At
23:6). É portanto fácil imaginar que eles escarneceríam daqueles que
acreditavam que homens como Jesus possuíssem 0 espírito da profecia.
Poderiamos pressupor que 0 escárnio brutal do profeta da Galileia traiu
este desprezo pelo dom sobrenatural da profecia, bem como pelo seu
mestre? Muito embora isto pareça provável, veremos em seguida que
0 jogo não foi inventado ad hoc pelos homens que vigiavam Jesus6.

4 Taylor, op. cit., pp. 570571‫־‬. Cf. I. H. Marshall, Commentary on Luke, Grand
Rapids, 1979, p. 845.
5 Ver nota 3. Mateus (26:67-68) depende em grande parte de Mc 14:65, mas
um pequeno ponto importante de consenso com Lc 22:63-64 indica que, como
Lucas, 0 autor de Mateus também conhecia 0 relato original. Em Marcos pede­
-se a Jesus somente que somente faça uma profecia, porém Mateus está certo
ao escrever: “Faze-nos uma profecia, Cristo: quem é que te bateu?” A adição de
“nos” e “Cristo” são maneirismos de Mateus.
6 W. C. Van Unnik já sugeriu que 0 episódio reflete um jogo, “Jesu Verhühnung
vor dem Synhedrium”, ZNW 29, 1930, pp. 310 ess. Ver também E. Klostemiann,
Das Markusevangelium, Tübingen, 1971, p. 157.
156 JESUS

Se é que tal jogo já existia, não deixa de ser interessante saber se


estes homens eram judeus ou escravos gentios. A última possibilidade
é muito mais plausível. Ao menos um dos homens que aprisionou
Jesus era servo do sumo sacerdote (Mt 26:51; Mc 14:47; Lc 22:30);
segundo João 18:10, 0 nome dele era Maleo (ver também Jo 18:26).
A partir de João 18:18 toma-se claro que alguns dos que guardavam
0 prisioneiro eram escravos7. Ouvimos de uma fonte rabínica8 sobre
a brutalidade dos escravos que constituíam a força policial particular
das famílias sacerdotais de destaque em Jerusalém; somos advertidos
acerca de seus punhos, e se nos é dito que seus escravos vêm e “gol­
peiam-nos com bastões”. Numa fonte rabínica posterior910, é preser­
vada uma repercussão lendária dos escravos gentios dos sacerdotes
em Jerusalém. No tempo de Jesus, não havia mais escravos hebreus,
de modo que é muito mais verossímil que os guardas brutais fossem
escravos gentios.
Comecei a pensar na probabilidade de que os guardas de Jesus
na prisão do sumo sacerdote estivessem jogando com ele um jogo
cruel, já tradicional, ao ler 0 romance autobiográfico Der Gehülfe
(O Assistente)'0, do autor suíço Robert Walser (1878-1956), que era
extremamente admirado por Franz Kafka. Entre outras coisas, Wal-
ser refere-se à sua própria experiência na prisão militar em Berna, no
ano de 1904, onde foi objeto involuntário de um jogo brutal conhe­
cido em alemão como “Schinkenklopfen” (“bater no lombo”)11. O

7 A criada que perguntou a Pedro se ele era um dos discípulos de Jesus era, clara­
mente, uma escrava (schifkhá, ver Lc 22:58; Mt 26:68; Mc 14:66) que guardava
a porta (Jo 18:17).
8 Tos. Menakhot 13:21. Tradução alemã em Strack & Billerbeck, op. cit., II: 570.
Em Tos. Pessakhim 7:14 (ver S. Lieberman, Tosefia ki-feshutah, New York, 1962,
IV:614-5, e The Tosefta, p. 182), ouvimos falar a respeito de soldados gentios
que guardavam os portões de Jerusalém - exceto os do Templo, pois esta era
uma das tarefas dos levitas.
9 TB, Tratado Kiduschin 70b.
10 Publicado pela primeira vez em 1908. Cito 0 romance de Walser de acordo com
a edição de Suhrkamp Taschenbuch, Frankfurt, 1982. As passagens pertinentes
estão nas pp. 202, 203-204, 207, 208-209.
11 O jogo é retratado na página 204. Vale a pena citar a descrição em sua totalidade,
também para demonstrar a excelente qualidade do estilo de Walser: “Es hieB
das “Schinkenklopfen” und bestand in einem ziemlich brutalen Draufloshauen
mit der gestreckt Hachen Hand auf den Podex desjeningen, des verdammt war,
denselbcn den umbarmherzigen Hieben darzuhalten. Einer der Nichtmitspieler
muBte dem Dulder die Augen zudccken, damit er sich nicht die Herkunft der
Hiebe und Schlãge merken konnte. Erriet er nun aber trozdem die Person des­
sen, der ihn gehauen hatte, so war er freí, und der Ertappte hatte sich, willig oder
nicht, an die unangenehme Stelle des Erlõsten herabzubücken, bis auch ihm das
rasch-oder langsam-crkãmpfte Gltlck des richtigen Erratens zufiel”. Os cama­
radas de Hitler praticavam o mesmo jogo cruel que os guardas de Jesus, “Hitler
aber sitzt in Landsberg,,. Im ErdgcschoB veranstaltet der lãrmende Parteigenosse
‘QUEM É QUE TE BATEU?‫’־‬ 157

homem condenado a ser objeto deste jogo tem seus olhos vendados
e seu traseiro golpeado. Quando consegue adivinhar quem lhe bateu,
é libertado e aquele cujo soco foi identificado toma-se seu substi­
tuto. Tanto quanto é de meu conhecimento, este jogo, bem como seu
nome, é comum em países de língua alemã. Durante a Primeira Guerra
Mundial, 0 pai de Shmuel Safrai foi obrigado a participar dele numa
prisão tzarista na Polônia. Existe também 0 relato interessante de que
em 1923, após o putsch malogrado, Hitler e seus camaradas pratica­
ram este jogo na prisão em Landsberg. Apesar de ter posteriormente
se transformado num jogo infantil, não há dúvida de que 0 Sitz im
Leben deste tipo de esporte brutal eram, como ainda são, as prisões.
Por conseguinte, não é de admirar que, durante a noite final de Jesus,
os homens que o mantinham sob guarda na casa do sumo sacerdote
estivessem se divertindo com uma variante desse jogo cruel. Como
já presumimos, estes eram os violentos escravos gentios do sumo
sacerdote - que, tanto quanto sabemos, tampouco era considerado
exatamente um cavalheiro.
Antes de apresentarmos provas adicionais, devemos fazer duas
perguntas, à primeira das quais não tenho qualquer resposta defini­
tiva. Os Evangelhos referem-se apenas num aparte à brincadeira bru­
tal daqueles que vigiavam Jesus12, de modo que nosso conhecimento
deste jogo é fragmentário. Ao que tudo indica, Jesus relutava em coo­
perar, dando a resposta obrigatória à repetida questão sobre quem é
que lhe havia batido e estragando toda a diversão. Seria mais impor­
tante saber em que medida os homens adaptaram o jogo à pessoa de
Jesus. Em outras palavras, a exigência “Faz uma profecia, quem é
que te bateu?” teria sido ditada pela tarefa profética de Jesus ou será
que outros prisioneiros comuns eram tratados igualmente? A resposta
para esta questão depende de 0 verbo hebraico “profetizar” poder ou
não ser utilizado no sentido mais amplo de “adivinhar”. Esta parece
ter sido uma possibilidade13, mas nosso conhecimento restrito não
nos permite responder conclusivamente com uma afirmativa. De todo
modo, no presente caso, 0 intuito principal do jogo era claramente o
de humilhar o profeta da Galileia.
Até agora, não encontrei nenhum comentarista teológico que
ousasse sugerir que o que ele lê no Evangelho pode ser observado

Heines mit den Kameraden ‘Schinkenklopfen’ und andere Spiele...” Ver K. Hei-
den, A dolf Hitler, Zürich, 1936, vol. 1, p. 207.
12 Lucas, um leitor sensível de sua fonte, sentiu que a descrição do escárnio na pri­
são era superficial e acrescentou as observações seguintes, “E proferiram contra
ele muitos outros insultos”.
13 Há três passagens no Talmud da Babilônia (Eruvin 60b; BavaBatra 12a; Bekho-
rot 45a), nas quais as palavras divrey neviut (palavras de profecia) são emprega­
das num sentido depreciativo - mais ou menos como “mera adivinhação”. Ver
W. Bacher, Die exegetische Terminologie, Darmstadt, 1965, pt. II, p. 123.
158 JESUS

em sua própria vizinhança14. Contudo, dois escritores de jogos infan­


tis interpretaram a cena corretamente, aduzindo material demonstra­
tivo que esse jogo já existia na antiguidade, provavelmente muitos
séculos antes dos dias de Jesus15. Citam-no sob o nome de “Stroke
the Baby”*, mas ele tem ainda outros nomes e é (e era) jogado com
algumas variações.
E quase um axioma que quanto mais insignificante parece um
jogo, mais extraordinária é a sua história... [na Inglaterra foi popu­
lar] nos últimos três ou quatro séculos, em geral com o nome de “Hot
Cockles”...** Tradicionalmente, era jogado no Natal, o adivinhador
tinha seus olhos vendados, ajoelhava-se no chão, os outros jogadores,
um de cada vez, batiam com força em sua cabeça ou em suas costas,
esperando que seu soco não fosse identificado... na Grécia antiga, 0
jogo era denominado “Kollabismos”. Pólux [século II d.C.] diz que
um dos jogadores cobria seus olhos com as palmas [estendidas] de
suas mãos, enquanto outro 0 golpeava, pedindo-lhe (como fazem as
crianças hoje em dia em Darlington) que identificasse qual fora a
mão que desferira 0 golpe (Onomasticon IX, 129)16. É mais do que
provável que essa brincadeira fosse familiar aos homens que vigia­
vam Jesus, quando vendaram seus olhos e “0 esbofetearam, dizendo:
‘Faz-nos uma profecia, Cristo: quem é que te bateu?’ ” (Mt 26:67­
68; Mc 14:65; Lc 22:64). Na realidade, já então o jogo podia serbas-
tante antigo. Uma das ilustrações na parede da tumba em Beni Hassan,

14 Ver, porém, nota 6.


15 lona c Peter Opie, Children’s Games in Street and Playground , Oxford, 1969,
pp. 292-294.
* Literalmente, “bater no bebê” (N. da T.).
** Literalmente, “fogareiro quente” (N. da T.).
16 Adaptei 0 texto grego da citação.
“QUEM E QUE TE BATEU?” 159

c. 2000 a.C. mostra um jogador de joelhos, enquanto dois outros, que


ele não pode ver, golpeiam ou fingem golpeá-lo em suas costas com os
punhos17. É difícil imaginar que outro tipo de jogo estariam jogando
exceto um semelhante ao “Kollabismos” ou ao “Bater no Bebê”.
Avida e a morte de Jesus são paradigmáticas precisamente devido
à sua concretude humana. Foi durante sua Paixão que ele foi ridícula-
rizado e humilhado em dois jogos brutais e grotescos. A primeira vez
ocorreu na sua última noite, na casa do sumo sacerdote, quando os
homens que 0 guardavam tentaram obrigá-lo a representar o profeta.
A segunda se deu no dia seguinte, quando os soldados romanos acia-
maram-no rei. Ficou claro que o primeiro incidente já era um antigo
e conhecido jogo. Devido ao seu aspecto brutal, ele é apropriado à
atmosfera das prisões, mas continua sendo, até os dias de hoje, um
jogo infantil. A descoberta do pano de fundo secular deste episódio é
útil não só para a pesquisa acadêmica, como também, na minha opi­
nião, para a concretude da fé. Os resultados de nossa investigação,
contudo, têm implicações mais amplas. Encontramos evidências adi­
cionais para 0 grande valor do Evangelho de Lucas e espero ainda ter
demonstrado que, na realidade, não houve nenhuma sessão noturna
na casa do sumo sacerdote18. A sequência correta dos acontecimentos,
desde o aprisionamento de Jesus até 0 momento em que foi entregue
aos romanos, é a relatada por Lucas.

17 J. G. Wilkinson, Ancient Egyptians, Oxford, 1878, Π, p. 61.


18 Em sua obra Studies in the Gospel o f Mark, London, 1985, Martin Hengel argu­
menta que “ investigações mais recentes uma vez mais revelaram de que forma
maravilhosa Marcos organizou seu Evangelho”(p. 34). Ele vai além, alegando
que “Quase toda perícope e todo logion tem seu lugar bem considerado e seu
caráter paradigmático” (p. 37). Henhel enfatizou que, “;Vo entanto, este rigor
em seu plano geral não só prescinde de historicidade: Marcos apenas relata a
história que passou pela reflexão deliberada da fé " (p. 38). Os textos examinados
no presente estudo demonstram com bastante clareza que não é tão fácil harmo­
nizar um elogio tão enaltecedor de Marcos com 0 conteúdo de seu Evangelho.
João (18:22-23) reinterpretou 0 jogo cruel, evidentemente sob 0 impacto de At
23:2-4. Ali, o sumo sacerdote é Ananias, em João seu nome é Anás.
15. Enterrar Caifás, Não
Elogiá-lo”

Caifás12 é a personalidade judaica mais proeminente do período


do Segundo Templo cujo ossuário e restos mortais foram descobertos.
Aproveitei a ocasião desta descoberta para discutir a personalidade de
Caifás, alocando-a entre os sumos sacerdotes, bem como para explicar
0 pano de fundo que levou à sua decisão fatídica de eliminar Jesus e
seus discípulos3. Uma leitura cuidadosa dos Evangelhos mostra como
0 envolvimento deste sumo sacerdote na entrega de Jesus aos roma­
nos e na perseguição a seus discípulos foi muito mais decisivo do
que comumente se acreditava4. Ambos, fontes rabínicas e ossuários

1 Este artigo apareceu pela primeira vez em Jerusalem Perspective 4,4-5, 1991,
pp. 2 3 2 8 ‫־‬. Ver também D. Flusser, “Caiaphas in the New Testament”, Aliquot
21, 1992, pp. 81-87.
2 Existem duas grafias diferentes: “Caiaphas” e “Kaiaphas” Utilizamos a primeira,
que é comum nas traduções inglesas do Novo Testamento e na literatura erudita
[em português, a tradução de uso corrente é “Caifás” - N. da T.].
3 Ver D. Flusser, “A Literary Approach to the Trial of Jesus”, Judaism, pp. 588­
592. Sobre 0 julgamento, ver na presente obra: “O Crucificado e os Judeus”,
“Qual Era o Significado Original de Ecce HomoT'\ “Quem é que Te Bateu?”.
Ver também “Utilitas Crucis”, E. Bickermann, Studies in Jewish and Christian
History, parte 3, Leiden, 1978, pp. 82-138.
4 No que concerne a Caifás e à sua família, ver D. Barag & D. Flusser, “The
Ossuary of Jehohanah Granddaughter o f the High Priest Theophilus”, Israel
Exploration Journal 36, 1986, pp. 39-44; D. R. Schwartz, Agrippa I: The Last
King o f Judaea, Tubingen, 1990, pp. 184-185; E. SchUrer, The History o f the
Jewish People, Edinburgh, 1979, vol. 2, pp. 225-236; J. Jeremias, Jerusalem in
162 JESUS

O Ossuário de Caifás.

recém-descobertos, mostram que o nome Caifás era a designação de


toda esta família. A Tosefta fala sobre a casa de Caifás*5e Josefo refere­
-se a José, de sobrenome Caifás6.
O sobrenome Caifás (‫קפא‬/‫ )קיפא‬aparece em dois dos ossuários
descobertos na tumba, e um deles leva a inscrição ‫קפא‬/‫יהוסף בר קיפא‬
José bar Caifás7. A família era oriunda de Bet Mekoschesch, uma
aldeia nas cercanias de Jerusalém. Este clã de sumos sacerdotes des­
cendia da segunda esposa de um membro da família, de um casamento

the Time o f Jesus, Philadelphia, 1989; B. Z. Rosenfeld, “The Settlement o f Two


Families o f High Priests During the Second Temple Period”, Historical Geo-
graphical Studies in the Settlement o f Eretz-lsrael, vol. 2; Y. Katz, Y. Ben Arieh
& Y. Kaniel (eds.), Jerusalem, 1991, pp. 206-218; especialmente pp. 209-218
(em hebraico); M. Stem, “Herod’s Policies and Jewish Society at the End of the
Second Temple Period”, Tarbiz 35, 1966, pp. 235-253. Reeditado em Estudos
de Historia Judaica: O Período do Segundo Templo, M. Amit, I. Oafni, M. D.
Herr (eds.), Jerusalém, 1991, pp. 190-198 (em hebraico).
5 Mischná, Tratado Yevamot 1:10.
6 Josefo, Antiquities 18:35, 95.
7 No que diz respeito aos ossuários, ver: Z. Greenhut, “The Caiaphas Tomb in
North Talpiot”, Ancient Jerusalem Revealed, ed. Hillel Geva, Jerusalem, Israel
Exploration Society, 1994, pp. 219-222; R. Reich, “Ossuary Inscriptions of the
Caiaphas Family from Jerusalem”, Ancient Jerusalem, pp. 223-225. Não há
dúvida que a forma original do nome era Και>ας«ρας (Kaiafas, Caíalas), muito
embora exista a variante Κ α ιχ ρ α ς (Kaifas, Caifas) no Novo Testamento (ver
F. Blass e A. Debrunner, A Greek Grammar o f the New Testament and Other
Early Christian Literature, Chicago, 1961, § 37, p. 20). Josefo fala dele como
José, denominado Caiafas (Ant. 18:35,95). Tos. Yevamot 1:10 menciona a “casa
de Caifás”. Assim, conforme mostra a inscrição “'bar Cairos” (ver N. Avigad,
“Excavations in the Jewish Quarter o f the Old City, 1969-1971”, Jerusalem
Revealed, Jerusalem, 1976, p. 49), o nome Caifás designava todos os membros
da familia. Por conseguinte, José bar Caifás é o mesmo José Caifás. Para exem-
píos de variantes similares, ver Stem, op. cit. (em hebraico), p. 191 nota 75 e p.
192 nota 83.
“ ... ENTERRAR CAIFAS, NÂO ELOGIÁ-LO” 163

de levirato. Um dos membros da familia, Elionaio®, foi nomeado sumo


sacerdote em aproximadamente 44 d.C.. pelo rei Agripa I89. Assim, são
conhecidos dois sumos sacerdotes que pertencem à família Caifás,
sendo José 0 primeiro deles (18-36 d.C.). É até mesmo provável que
0 sumo sacerdote Elionaio fosse filho de José Caifás.
Seria esta família sacerdotal importante antes da nomeação de José
para a mais elevada tarefa em Israel? Teria ele se tornado sumo sacerdote
pelo fato de ter nascido numa das famílias sacerdotais ilustres, ou havería
outra explicação para sua promoção precipitada? Uma das razões para
a promoção de José Caifás poderia ter sido seu casamento com a filha
de Anás, chefe de um poderoso clã de sumos sacerdotes. Esta relação é
relatada apenas pelo Evangelho de João (18:13), que não é totalmente
fidedigno enquanto documento histórico. Porém, tendo a aceitar a afir­
mação de João de que Anás era sogro de Caifás e a crer que este último
se tomou sumo sacerdote em decorrência deste casamento101.
Anás (Hanan), filho de Set, foi o fundador de uma dinastia impor­
tante de sumos sacerdotes. Josefo escreve, “é dito que 0 Ananus
[Anás] mais velho era extremamente afortunado. Teve cinco filhos,
e todos eles, depois que 0 próprio Anás desfrutou do ministério por
um período muito longo, tomaram-se sumo sacerdotes de Deus -
algo que nunca ocorrera com outros sumos sacerdotes”11. Anás foi
nomeado pelo prefeito romano Quirino, mantendo seu cargo de 6 a 15
d.C., quando foi deposto pelo prefeito Valério Grato. Por conseguinte,
quando José Caifás era 0 sumo sacerdote, Anás já não mais servia
ativamente, mas ainda manipulava 0 poder por detrás do “trono”12.

8 Ver J. Liver, Capítulos na História de Sacerdotes e Levitas, Jerusalém, 1968, p.


105 (em hebraico).
9 Josefo, Antiquities 19:342, Mischná, Tratado Pará 3:5 e 20:16; ver Josephus,
L. H. Feldman (cd.), Cambridge, Mass., 1965, vol. 9, pp. 398-399. Segundo 0
Tratado Pará 3:5, este sumo sacerdote pertencia à família de Caifás, ao passo
que Josefo (Antiquities 19:342) fala sobre ‘‘Elionaio, filho de Cantera”. A família
Cantera, evidentemente, deve ser identificada com a casa de Catros. Desse modo,
há uma discrepância explícita entre Josefo e a Mischná, e eruditos que acreditam
em ambos os testemunhos não têm opção exceto equacionar as duas famílias de
sumos sacerdotes. Entretanto, deve-se levar em consideração a possibilidade de que
Josefo tenha se equivocado ao supor que Elionaio fosse filho de José Cantera. Esta
é a opinião de M. Stem, op. cit., p. 196 (em hebraico); um exemplo de erro simi­
lar pode ser encontrado em idem, p. 194 nota 88. Em todo caso, B. Z. Rosenfeld
sugere, com razão, p. 218, que o nome raro Elionaio demonstra que ele pertencia
à famosa família sacerdotal de Fassur. Se Elionaio era membro da casa de Caifás.
a origem de seus outros membros, inclusive a de José Caifás, era Fassur.
10 No que tange às regras que influenciam 0 casamento do sumo sacerdote, ver Jere­
mias, pp. 154-157. Em 1984, a Autoridade de Antiguidades de Israel adquiriu 0
ossuário de um membro da família de Anás (ver Barag & Flusser, supra, nota 4).
11 Josefo, Antiquities 20:198.
12 Sobre a influência decisiva dos sumos sacerdotes aposentados, ver Jeremias, p. 157.
164 JESUS

Os relatos do Novo Testamento sobre a última semana de vida de


Jesus e a perseguição da Igreja em Jerusalém confirmam a pressuposi­
ção de que Caifás pertencia a uma facção da familia de Anás. “O sumo
sacerdote Anás, e também Caifás, Jônatas* e Alexandre e todos os
que eram da linhagem do sumo sacerdote” são explícitamente citados
em At 4:6. Anás e Caifás estão no topo da lista, aparecendo também
juntos em Jo 18:13-24. O clã de Anás pertencia, indubitavelmente,
ao partido dos saduceus13, conforme afirmado de forma explícita em
At 5:17, que se refere ao “sumo sacerdote com toda a sua gente, isto
é, a seita dos saduceus”. Também o mais jovem Anás, filho do nosso
Anás, “seguiu a escola do saduceus”14. É, pois, razoável pressupor
que outros membros da família, se não todo o clã, fossem saduceus.
Josefo, ao falar da filiação do Anás mais jovem ao partido dos
saduceus, disse que eles “são realmente mais cruéis que quaisquer
outros judeus, quando em julgamento”15. O Talmud da Babilônia e a
Tosefta apresentam uma relação dos infortúnios causados pela farm'-
lias dos sumos sacerdotes. Um deles é, “Ai de mim, por causa da casa
de Hanin, ai de mim por causa de suas calúnias”16. A casa de Hanin é
uma referência à poderosa família de Anás e poderiamos incluir fácil­
mente entre estas calúnias a perseguição a Jesus e aos seus primeiros
discípulos, na qual Caifás desempenhou igualmente papel decisivo. O
Novo Testamento indica que as pessoas atuantes na entrega de Jesus
a Pilatos eram membros da aristocracia sumo sacerdotal. Uma con­
clusão adicional é quase que inevitável, ou seja, que as figuras-chave
nesta ação fatídica eram Anás e seu clã, juntamente com José Caifás,
provavelmente seu genro17.
Nos três primeiros Evangelhos, os “sumos sacerdotes” são apre­
sentados como os principais inimigos de Jesus. A trama para matá-lo
é ali descrita como a seguir:

Aproximava-se a festa dos Azimos, chamada Páscoa. E os chefes dos sacerdo­


tes e os escribas procuravam de que modo eliminá-lo, pois temiam 0 povo. Então...
Judas, chamado Iscariotes... foi conferenciar com os chefes dos sacerdotes e com os
chefes da guarda sobre 0 modo de lho entregar. Alegraram-se e combinaram dar-lhe
dinheiro. Ele aceitou, c procurava uma oportunidade para entregá-lo a eles, escondido
da multidão (Lc 22:1 -6).

* Variação de “João” (N. da T.).


13 Ver Jeremias, pp. 229-230. Em At 4:1-2 lemos sobre a detenção dos apóstolos
pelos “sacerdotes... e os saduceus”. Os últimos eram, evidentemente, idênticos
aos homens da família do sumo sacerdote mencionada em At 4:6.
14 Josefo, Antiquities 20:199.
15 Josefo, 20:199; cf. também Josefo, 13:294.
16 TB, Tratado Pessakhim 57a; Tos. Menakhot 13:21.
17 Esta conclusão fundamenta-se principalmente na minha interpretação de At
4:6.
ENTERRAR CAIFAS, NÀO ELOGIÁ-LO” 165

“Desfruta tua vida!” Uma inscrição saduceia, dos primordios do século I a.C.,
encontrada numa tumba em Jerusalém.

E quando Jesus foi finalmente preso, “levaram-no, introduzindo-


-0 na casa do sumo sacerdote” (Lc 22:54). Ali, no palácio de Caifás,
Jesus passou a noite sob custódia, e os homens que o mantinham sob
guarda caçoaram dele (Lc 22:63)1s.
O interrogatório teve lugar na manhã seguinte, e foi 0 sumo sacer­
dote José Caifás quem fez a Jesus a pergunta decisiva, “ ‘És tu 0
Messias?” (Mt 26:62-64; Mc 14:60-62). Ao ser entregue a Pilatos,
“os chefes dos sacerdotes acusavam-no de muitas coisas” (Mc 15:3;
Mt 27:12) e quando Pilatos ofereceu-se para libertar Jesus, “os chefes
dos sacerdotes, porém, incitavam 0 povo para que pedisse que, antes,
lhes soltasse Barrabás” (Mc 15:11; Mt 27:20).
Os três primeiros Evangelhos não explicitam a causa do ódio
daqueles que entregaram Jesus à morte19. Podemos apenas conjeturar
por que a hierarquia do Templo temia este profeta da Galileia e por
que tudo fez para livrar-se dele. A presença de Jesus em Jerusalém, na
Páscoa, representava, ao que tudo indica, uma clara ameaça.
O propósito da peregrinação de Jesus a Jerusalém não era realizar
curas, nem tampouco provocar agitações contra a ocupação romana;
na sua concepção, sua tarefa assemelhava-se à de Jeremias, no final
do período do Primeiro Templo, ou seja, a de um profeta da des­
truição, que viría para advertir as pessoas acerca da futura queda do
Segundo Templo (ver, por exemplo, Lc 21:5-6)20. Jesus descrevia 0
Templo como “um covil de ladrões” e começou a expulsar os que ali

18 Ver o estudo anterior, “Quem é que Te Bateu?”


19 Marcos (15:10, seguido por Mt 27:18) diz que “ele sabia, com efeito, que os
chefes dos sacerdotes 0 tinham entregue por inveja”. Esta é, obviamente, uma
mera dramatização de Marcos. Lucas nada diz nesta linha.
20 Se José Caifás era, na verdade, descendente de Fassur, há um paralelo surpreen­
dente entre 0 comportamento de Fassur, que ordenou que 0 profeta Jeremias
fosse detido e espancado, após ter profetizado, no átrio do Templo, a destruição
de Jerusalém (Jr 19:14-20:6) e a conduta do descendente de Fassur, José Caifás,
que mandou aprisionar Jesus pela mesma ofensa.
166 JESUS

comerciavam, e as autoridades do Templo não tinham 0 poder de detê-


-10, “pois 0 povo todo 0 ouvia, enlevado” (Lc 19:45-48).
A parábola dos vinhateiros homicidas (Lc 20:9-18 e parais.) era
claramente dirigida contra 0 establishment sacerdotal. “Ele [Deus]
virá e destruirá esses vinhateiros, e dará a vinha [Israel] a outros”.
Os “escribas e chefes dos sacerdotes” compreenderam muito bem a
ameaça; “procuravam deitar a mão sobre ele naquela hora, tinham
percebido que ele contara essa parábola a respeito deles. Mas ficaram
com medo do povo. E ficaram de espreita. Enviaram espiões que se
fingiram de justos, para surpreendê-lo em alguma palavra sua, a fim de
entregá-lo ao poder e à autoridade do governador” (Lc 20:19-20). Ape­
sar de Jesus não ter caído em sua armadilha, foi finalmente entregue
por um de seus discípulos, aprisionado e levado para a casa de Caifás.
O medo que os oponentes de Jesus sentiam não foi 0 único
motivo da tragédia; esta foi igualmente condicionada pela formação
de seu grupo. Eles eram saduceus e, como já vimos, Josefo os retrata
como “mais cruéis do que quaisquer outros judeus quando em julga­
mento”. No que concerne ao clã sumo sacerdotal de Anás, ao qual Cai-
fás pertencia, observamos acima que o Talmud menciona as intrigas
malévolas daquela família. A história nos ensina que pessoas acusadas
de agir com perversidade comumente não respondem com 0 arrepen­
dimento. Ao contrário, via de regra, reagem às acusações tomando-se
ainda mais obstinados, recusando-se a modificar seu comportamento.
Foi isso que aconteceu com os adversários de Jesus.
No início da comunidade dos discípulos de Jesus em Jerusalém,
“os sacerdotes e os saduceus sobrevieram e lançaram as mãos sobre
eles” (At 4:1-3). Já mencionamos a lista desses oponentes em At 4:6,
“que eram todos da linhagem dos sumos sacerdotes”, entre eles Caifás.
Mais tarde, os apóstolos foram novamente aprisionados por Caifás,
“0 sumo sacerdote com toda a sua gente, isto é, a seita dos saduceus”
(At 5:17-18,21).

Tendo-os, pois, trazido, fizeram-nos comparecer perante o Sinedrio. O sumo sacer­


dote [i.e., Caifás] os interpelou: “Expressamente vos ordenamos que não ensinásseis
nesse nome. No entanto, enchestes Jerusalém com a vossa doutrina, querendo fazer
recair sobre nós 0 sangue desse homem!” (At 5:27-28)21.

21 Aventuro-me mesmo a dizer que a famosa autocondenaçüo, citada por Mateus,


de Ioda a nação judaica, para 0 presente e 0 futuro (Mt 27:25, “0 seu sangue caia
sobre nós e sobre nossos filhos”) é uma distorção tendenciosa do perigo real de
que a crucificação de Jesus faria com que o sangue recaísse sobre 0 clã culpado
de Caifás (At 5:27-28). Acerca do sentimento inamistoso do último redator de
Mateus para com os judeus ver, de minha autoria, “Two Anti-Jewish Montages
in Matthew” e “Matthew’s’ Vents Israel”, Judaism, pp. 552-574. Sobre Mt 27:24­
25, ver específicamente, pp. xxiii-xxiv e 554, 556 nota 12. Compreendo muito
bem teólogos cristãos e eruditos que sentem - após 0 Holocausto - a obrigação
de interpretar Mt 27:24-25 como inócuo.
‫ ״‬... ENTERRAR CAIFÂS, NÀO ELOGIÁ-LO” 167

Portanto, de acordo com os Atos dos Apóstolos, Caifás reconhe­


ceu muito bem 0 perigo que o ameaçava e a seus amigos, quando os
discípulos de Jesus pregavam a nova fé. Ao recontar a vida e o mar­
tirio de seu Senhor, os discípulos não podiam deixar de mencionar a
culpa dos sumos sacerdotes saduceus que haviam entregue Jesus aos
romanos. Aos olhos de Caifás, ao pregar esta mensagem ao povo,
os discípulos estavam tentando transformar os sumos sacerdotes em
responsáveis pela morte de Jesus. Em oposição ao que conhecemos,
em particular de João 11:47-53, sobre Caifás e sua facção, os fari­
seus de sua época não perseguiam movimentos proféticos judaicos.
O fato é atestado pelo próprio Jesus (Mt 23:29-31), segundo 0 qual
os fariseus de então costumavam dizer, “se estivéssemos vivos nos
dias dos nossos pais, não teríamos sido cúmplices seus no derramar 0
sangue dos profetas”. Realmente, quando fazemos uma leitura crítica
dos Evangelhos, tornamo-nos cientes de que os fariseus não desempe­
nharam nenhum papel decisivo no aprisionamento, no interrogatório
e na crucificação de Jesus22. Eles sequer são mencionados pelo seu
nome no contexto do julgamento, conforme relatado nos três primei­
ros Evangelhos, à exceção da história sobre a guarda do túmulo de
Jesus (Mt 27:62)23.
Quando 0 Sinédrio quis condenar os discípulos de Jesus à morte,
suas vidas foram salvas por “um fariseu denominado Gamaliel, um
mestre da Lei, muito considerado por todo o povo”, em outras pala­
vras, Rabi Gamaliel, o Ancião. Os fariseus, é óbvio, discordavam
da ação levada a cabo pelos sumos sacerdotes contra Jesus porque,
segundo sua halakhá*, a entrega de um judeu a uma autoridade estran­
geira era um pecado imperdoável24. Podemos até mesmo presumir que,
para os fariseus, toda a questão constituiu prova adicional da cruel­
dade saduceia e que qualquer crítica por eles feita apenas recrudescia
a perseguição que os saduceus moviam contra os discípulos de Jesus.
Um embate similar entre os fariseus e o jovem Anás, provável­
mente cunhado de Caifás, teve lugar no ano 62 d.C. “Anás, 0 jovem,
convocou 0 Sinédrio de juizes, apresentando diante deles 0 homem
denominado Tiago, irmão de Jesus, que era chamado de Cristo, e outros
[provavelmente cristãos]. Acusou-os de haver transgredido a Lei e

22 Ver Paul Winter, On lhe Trial o f Jesus, Berlin, 1961, pp. 125-126, e A. F. J. Klijn,
“Scribes, Pharisees, High Priests and Elders”, Novum Teslamentum 3, 1959, pp.
259-267.
23 Ver A Comparative Greek Concordance o f the Synoptic Gospels, R. L. Lindsey
(ed.), Jerusalem, 1989, vol. 3, pp. 267-269.
* A parte legislativa da literatura talmúdica (N. da T.).
24 Ver Seder Olam Rabá, final do cap. 3, e o chamado “Birkat há-Minim”, nas
Dezoito Bênçãos. No presente volume, ver cap. 4 nota 36. Sobre o último item,
ver também 0 estudo de D. Flusser em Tarbiz 60 (1992), pp. 333-374 (em
hebraico). Em alemão, “Ein Sendschreiben”, pp. 13-16.
168 JESUS

os entregou para que fossem apedrejados”25. Os fariseus, que Josefo


descreve como “os mais justos e imparciais habitantes da cidade,
rigorosos na observância dos mandamentos”, conseguiram que o
sumo sacerdote Anás, o jovem, fosse deposto de seu cargo, como
consequência da execução ilegal de Tiago.
Os quatro Evangelhos descrevem o papel decisivo do grupo sumo
sacerdotal, em particular do próprio Caifás, na tragédia de Jesus, che­
gando ao consenso de que os seus oponentes o temiam. Entretanto,
apenas João registra explícitamente as circunstâncias históricas do
medo de Caifás.

Os chefes dos sacerdotes e os fariseus reuniram o conselho e disseram, “Que fare­


mos? Esse homem [Jesus] realiza muitos sinais. Sc 0 deixarmos assim, todos crerão
nele e os romanos virão, destruindo 0 nosso lugar santo e a nação”. Um deles, porém,
Caifás, que era sumo sacerdote naquele ano, disse-lhes: “Vós de nada entendeis. Não
compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça
a nação toda?” Não dizia isso por si mesmo, mas sendo sumo sacerdote naquele ano,
profetizou que Jesus iria morrer pela nação (Jo 11:47-51).

Não está claro em que medida este relato foi moldado por João ou
por sua fonte. Muito embora a declaração de Caifás, de que se muitos
acreditassem em Jesus “os romanos virão, destruindo 0 nosso lugar
santo e a nação”, possa ser tardia, sabe-se muito bem que nos tempos
de Caifás, profecias de destruição sobre a futura queda do Templo já
existiam26; uma delas foi pronunciada pelo próprio Jesus.
É muito provável que Caifás tenha decidido agir porque receava
que 0 movimento de Jesus e seu possível sucesso entre 0 povo desen­
cadeasse um processo violento de intervenção romana. Sua ansiedade
era exagerada, se bem que tivesse seus fundamentos. As forças milita­
res romanas não só lutavam contra os rebeldes judeus como também
esmagavam qualquer movimento profético judaico entusiasta, cujo
objetivo fosse a libertação de Israel. O líder de um destes movimen­
tos, Teudas, é mencionado em Atos 5:36. Josefo descreve sua carreira:
“Ele persuadira a maioria das massas a que tomassem suas posses e
o seguissem até 0 rio Jordão. Declarou ser um profeta e que, a seu
comando, as águas do rio se abriríam, fornecendo-lhes uma fácil pas­
sagem”. Fado “enviou contra eles um esquadrão de cavalaria... mas­
sacrou muitos” e 0 próprio Teudas foi executado pelos romanos27.
Quando Félix foi governador da Judeia, “enganadores e impos­
tores, sob o pretexto de que a inspiração divina fomentaria mudanças

25 Josefo, Antiquities 20:200-203.


26 Comparar Josefo, War 6:288-315 e a profecia de Raban Yokhanan ben Zakai sobre
a destruição do Templo no Talmud Babilónico, Tratado Yoma 39b. Segundo 0
Talmud, ben Zakai fez esta profecia quarenta anos antes da destruição do Templo.
27 Josefo, Antiquities 20:97-99.
"... ENTERRAR CAIFAS, NÀO ELOGIÁ-LO" 169

revolucionárias, persuadiram as multidões a agir como lunáticos, con-


duzindo‫־‬os ao deserto, na crença de que ali Deus lhes enviaria sinais
de libertação. Félix, considerando isto nada mais que uma fase preli­
minar antes da insurreição, enviou contra eles um corpo de cavalaria e
uma infantaria fortemente armada, passando um grande número no fio
da espada”28. Ele antecipou o ataque de um profeta similar, de origem
egípcia, enfrentando-o e a seus seguidores com uma pesada infanta­
ria romana. “O resultado do combate subsequente foi que 0 egípcio
escapou com alguns poucos seguidores; a maior parte de suas forças
foi morta ou capturada”29. Paulo foi, mais tarde, equivocadamente
identificado como este egípcio por um tribuno romano (At 21:38).
É certamente possível que o temor de Caifás, de que as ativida­
des de Jesus levassem a algo semelhante, 0 instigasse a prendê-lo e
entregá-lo a Pilatos. No entanto, a fim de realizar seu propósito, 0
sumo sacerdote tinha necessidade da confirmação de Jesus em sua
crença de ser 0 Messias (Mt 26:62-64; Mc 14:61-62). Caifás não
recebeu uma confirmação explícita plena, mas os oponentes de Jesus
acusaram-no diante de Pilatos. “Encontramos este homem subver­
tendo nossa nação, impedindo que se paguem os impostos a César e
pretendendo ser Cristo Rei” (Lc 23:2). Apesar de Pilatos não ter cer­
teza que Jesus era um rebelde contra Roma, ordenou que se pendu­
rasse uma inscrição na cruz, acusando-o de ser “Rei dos Judeus” (Mt
27:27; Mc 15:26; Lc 23:38; e Jo 19:19).
Retomando ao relato de João 11:47-51, Caifás justificou sua
terrível decisão argumentando que “é de vosso interesse que um só
homem morra pelo povo e não pereça a nação toda” (Jo 11:50). Pes­
soalmente, creio que Caifás fosse capaz de argumentar desta forma.
Muitos políticos e governantes, antes e depois dele, acreditaram que
uma conveniência real ou pressuposta tem mais valor do que qual­
quer escrúpulo moral. Esta forma de raciocinar e agir era e é, indu­
bitavelmente, antagônica à abordagem humana da fé judaica30 - mas
um sumo sacerdote saduceu poderia discordar.
Para melhor compreender a reação de Caifás ao movimento de
Jesus em Jo 11:47-52, devemos ter ciência de que 0 horror pela entrega
de um cidadão a um poder estrangeiro (que quase certamente signifi­
cava expor a vítima à execução) não se restringia ao rabinismo fari­
saico. Segundo 0 Rolo do Templo essênico (64:7-8), “Se um homem
calunia Meu povo e entrega Meu povo para uma nação estrangeira,
e pratica a iniquidade contra Meu povo, pendurá-lo-eis numa árvore

28 Idem, War 2:259-260.


29 Josefo, 2:261-263.
30 Ver Tos. Terumot 7:20. Em tais casos, a halakhú hassfdica 1130 permitia qualquer
transigencia. Ver W. Bacher, Die Aguda der Palüslinensischen Amorãer, Strassburg,
1892, vol. 1; reedição publicada por Q. Olms, Hildesheim, 1965, pp. 128,188-189.
170 JESUS

e ele morrerá...”31. Ouvimos também dos sábios judeus, “Se há um


grupo de pessoas e os gentios lhes dizem, ‘entregai um de vós para
nós e 0 mataremos; se não 0 fizerdes, mataremos a todos’; (a regra
é) deixai que todos sejam assassinados, e não entregueis a eles uma
única alma em Israel; porém, se eles o escolherem..., deixai que 0
entreguem, para que todos não sejam massacrados”32. Quando, em
Getsêmani, Judas aproximou-se para beijar Jesus, este 0 saudou com
horror trágico: “Judas, com um beijo entregas uma pessoa (literal­
mente, 0 Filho do Homem)?”
É quase impossível acreditar que os saduceus não tivessem ficado
sensibilizados com a oposição comum e compreensível de entregar
um judeu aos poderes estrangeiros hostis. O perigo de que pudesse
ser executado pelos romanos não era puramente hipotético - con­
forme comprovado no caso de Jesus. Caifás e seu clã certamente não
se entristeceram com o desfecho violento decorrente. Mesmo assim,
parece que a proposta de Caifás em Jo 11:47-52 foi, na realidade, uma
espécie de desculpa duvidosa, quando disse, “Não compreendeis que
é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça
a nação toda?” O caso de Jesus não se ajusta, de forma alguma, à
exceção que permite a entrega de um judeu específico aos romanos.
Caifás, contudo, com certeza viu-se obrigado a justificar sua decisão.
O próprio Jesus considerava sua entrega iminente como um crime
abominável (Lc 22:22).

31 Ver D. Flusser, “Ein Sendschreiben”, pp. 1 3 1 6 ‫־‬. O verbo grego empregado em


conexão ao ato de Judas não significa “trair”, conforme observado com razão por
W. Klassen, Judas, Minneapolis, 1996, pp. 47-57. Judas “entregou Jesus”. Ver
também 1 Cr 11:23b. Entretanto, já em Lc 6:16 (cf. At 7:52), Judas é chamado
de “traidor”.
32 Tos. Tentmol 7:20 cT ¡, Tratado TerumotVlll 46b, citados por Safrai, “Teaching
o f the Pietists”, p. 26 e nota 52. Ver supra, nota 30.
16. Qual Era o Significado
Original de Ecce Homo?

A expressão latina no título deste artigo é uma tradução do


grego no Evangelho Segundo São João 19:5; sua tradução seria “Eis
0 homem!” No decorrer do tempo, esta expressão tornou-se familiar;
mas o que realmente significa? No contexto de João, é utilizada pelo
governador romano Pôncio Pilatos, ao apresentar Jesus para o povo.
Lemos como, por ocasião do seu julgamento, “Jesus, então, saiu fora,
trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura e Pilatos lhes disse:
‘Eis 0 homem! ’ Quando os chefes dos sacerdotes e os guardas 0 viram,
gritaram: ‘Crucifica-o! Crucifica-o!’ ”
Esta passagem do Evangelho de João aparece numa seção paralela
nos Evangelhos Sinóticos. O grito “Crucifica-o! Crucifica-ο!”, com
0 qual a multidão judaica respondeu ao apelo de Pilatos é também
encontrado, em interpretações distintas, em Mateus (27:21-23), Marcos
(15:12-14) e Lucas (23:21-23). Anteriormente, João relatara que Pilatos
mandara flagelar Jesus, e que os soldados teceram uma coroa de espi­
nhos, puseram-na em sua cabeça, vestiram-no com um manto púrpura
e, aproximando-se dele, disseram, “Salve, Rei dos Judeus!”, e 0 esbo­
fetearam (Jo 19:1-3). Uma história similar aparece em Marcos 15:16­
20, onde se relata que toda uma coorte de soldados romanos participou1

1 Este artigo foi publ içado original mente em hebraico em Proceedings o f the Israel
Academy o f Science and Humanities VI:8, 1982, pp. 143151‫ ־‬, baseado numa
conferência ministrada em 9 de dezembro de 1980; traduzido do hebraico por
Anna Barber.
172 JESUS

desta cerimônia de chacota2. Vestiram Jesus de púrpura, coroaram-no


com espinhos, saudaram-no como “Rei dos Judeus”, bateram em sua
cabeça com um caniço, cuspiram e prostraram-se diante dele. Mateus
(27:27-31) recebeu a história de Marcos3mas omitiu a prostração zom-
beteira, por meio da qual os soldados trataram Jesus como 0 fariam
com um monarca oriental bárbaro. De acordo com João, 0 incidente
com os soldados teve lugar antes de Pilatos decidir crucificar Jesus; em
Marcos e Mateus, entretanto, 0 ultraje seguiu-se à decisão de Pilatos.
Havería uma conexão entre as palavras “Eis o homem” e a acia-
mação escarnecedora dos soldados romanos? As palavras de Pilatos
deram origem a algumas interpretações curiosas e forçadas, todas
oriundas da pressuposição de que Pilatos não encontrou caso nenhum
contra Jesus, empenhando-se para salvar sua vida. Esta tendência de
mitigar ou até mesmo de expiar a parcela de culpa de Pilatos já está
presente nos Evangelhos. Assim, em João 19:4-5, depois de os sol-
dados terem abusado de Jesus, vestido-o de púrpura e coroado-o com
espinhos, diz-se que Pilatos saiu e disse ao judeus, “Vêde: Eu vo-lo
trago aqui fora, para saberdes que não encontro nele motivo algum
de condenação”. Neste momento, Jesus surgiu em seu manto púrpura
e sua coroa de espinhos, e Pilatos disse ao povo, “Eis o homem!” A
interpretação mais comumente aceita das palavras de Pilatos hoje em
dia é a seguinte. O governador romano exibe 0 desafortunado Jesus,
humilhado e parecendo ridículo, a fim de provar ao judeus que uma
figura tão patética jamais poderia ser um rebelde contra Roma4. Não há
dúvida de que esta interpretação moderna, ao lado de outras propostas,
não conseguiu entender as intenções de Pôncio Pilatos. Realmente, é
difícil saber com certeza até mesmo se 0 próprio autor do Evangelho
compreendeu a história que transmitiu aqui, presumivelmente com
base numa fonte anterior.
Todos aqueles que estudaram 0 Pilatos histórico sabem que
ele era um homem muito brutal, cuja crueldade estava especifica-
mente dirigida contra os judeus5. Porém, parece-me que Pilatos real-
mente relutou em matar Jesus - se bem que não por misericórdia ou

2 A palavra grega para “coorte” é uma tradução do latim cohors.


3 Uma repercussão desta história c encontrada em Lc 23:11; ver supra, cap. 11
nota 68.
4 Ver R. E. Brown, The Gospel According 10 John, II, New York, 1970, pp. 875-
876; R. Schnackenburg, Das Johannesevangelium, III, Freiburg, 1976, pp.
294-296.
5 Ver, e. g., as sete acusações contra Pilatos, que figuram nos escritos de Filo: “...
eles também exporiam o restante de sua conduta enquanto governador, decía-
rando na íntegra os subornos, os insultos, os roubos, os ultrajes e as injúrias
maldosas, as execuções sem julgamento, repetidas constantemente, a crueldade
incessante e extremamente dolorosa” (Filo, Legalio adGaium, cap. 38:302; ed.
Loeb, 10:153) e Smallwood, pp. 128-129.
QUAL ERA O SIGNIFICADO ORIGINAL DE EC.CE HÜMCP. 173

solidariedade. Na mesma época, ele mantinha prisioneiro ao menos


três zelotas condenados à crucificação, o mais importante dos quais
era um homem chamado Barrabás. Pilatos tinha de decidir qual de
seus prisioneiros judeus seria perdoado em honra à festa da Páscoa6.
Pouco depois da hora estabelecida para a execução, voltou-se para a
multidão de judeus que protestavam e propôs conceder anistia a Jesus,
0 profeta da Galileia, por ele considerado o menos perigoso. Mas os
sumos sacerdotes já haviam persuadido a multidão a exigir a liber­
tação de Barrabás, 0 herói popular; Pilatos, que dependia do apoio
da liderança local, foi forçado a ceder e perdoar Barrabás. Dali em
diante, sua crueldade natural voltou-se contra Jesus. Estes parecem
ser os fatos que subjazem às histórias tendenciosas que figuram nos
Evangelhos7; por razões óbvias, seus autores interpretaram os fatos
como evidência da solidariedade de Pilatos para com Jesus.
Retornemos agora àquela aclamação simulada de realeza, encenada
pelos soldados romanos, da qual Jesus foi a vítima desafortunada. Ao que
parece, tais cenas eram encenadas por todo 0 despótico império romano,
vitimizando membros de outros povos considerados, com razão ou não,
inimigos de Roma. No caso de Jesus, o exercício brutal foi claramente
compreendido; quando ele foi finalmente crucificado, um lembrete de
sua culpa foi afixado à cruz - uma inscrição especificando que ali estava
sendo crucificado “0 rei dos judeus”. De acordo com João (19:19-22),
esta inscrição foi escrita em três línguas - hebraico, latim e grego - a
pedido do próprio Pilatos. Ele relata também que os sumos sacerdotes
disseram, “Não escrevas: ‘0 rei dos judeus’, mas: ‘este homem disse:
eu sou 0 rei dos judeus’ ”, Pilatos respondeu: “o que escrevi, escreví”. A
partir desta inscrição, os sumos sacerdotes compreenderam que Pilatos
deliberadamente zombava das esperanças dos judeus e tentaram dissu­
adi-lo - mas Pilatos, é lógico, não mudaria de opinião. Deve-se notar que
0 Evangelho de João contém certos detalhes históricos importantes, não
encontrados nos outros Evangelhos. Alguns, inclusive o recém-discutido,
refletem uma perspectiva nacionalista judaica e uma hostilidade conco­
mitante com relação a Pilatos, representante de Roma. Por conseguinte,
esta passagem contradiz o tom geral do Evangelho de João que, via de
regra, é mais antagônico com relação aos judeus do que os outros e ten­
dem a apresentar Pilatos numa luz mais positiva8.

6 Sobre 0 costume de conceder perdão aos prisioneiros judeus, ver S. Safrai, Die
Wallfahrt im Zeitalter des Zweiten Tempels, Neukirchen-VIuyn, 1981, p. 206.
Safrai cita as seguintes passagens: Tratado Pessakhim 8:6; TB, Tratado Pes-
sakhim 91a; TJ, Tratado Pessakhim 36a (8:6).
7 Ver D. Flusser, “O Julgamento e a Morte de Jesus de Nazaré”, Yahadut u-Mekoroi
há-Natzrut (Fontes Judaicas no Cristianismo Antigo), Tel Aviv, 1979, pp. 120­
149 (cm hebraico).
8 Esta situação estranha pode ser explicada partindo-se do pressuposto de que
existe uma fonte de João mais antiga. Ver D. Flusser, “Eine judenchristliche
174 JESUS

A inscrição na cruz era, portanto, um ataque contra a crença judaica


num rei messiânico que libertaria Israel do jugo romano. A aclamação
na qual soldados romanos “honram” Jesus com 0 título de “Rei dos
Judeus” é uma espécie de prólogo da história da inscrição insultante,
mais tarde afixada à cruz. Esta aclamação farsesca, dirigida a Jesus, não
é 0 único exemplo de teatralidade antissemita na época. Anos depois,
0 rei Agripa I visitou Alexandria. A fim de satisfazer o desejo popu­
lar de escarnecer deste rei judeu, a turba pegou um lunático e levou 0
pobre infeliz para 0 ginásio, onde foi içado em um tablado, para que
pudesse ser visto por todos. Ali, coroaram-no com caniços, vestiram­
-lhe um manto de palha e deram-lhe um papiro à guisa de cetro; desta
forma, 0 lunático patético ganhou os aparamentos da realeza. Alguns
chamaram-no de “rei” e, no final, aplaudiram-no e gritaram “m a r t, a
palavra aramaica para “senhor”9. Hugo Grotius10já discutiu a seme­
lhança entre essa história e a aclamação dos soldados por ocasião do
julgamento de Jesus. Nos dois casos, a aclamação de irrisão visava
claramente ridicularizar as crenças messiânicas dos judeus.
Foi descoberta uma evidência adicional, no que tange a esta espé­
cie de incidente antissemita. Um fragmento de papiro descreve uma
onda de inquietação antissemita em Alexandria, no final do ano 117
d.C., durante 0 reinado do imperador Trajano; refere-se “ao rei” e
descreve “como 0 levaram para frente e dele zombaram”. O próprio
governador romano ordenou-lhes “que 0 levassem para frente... para
zombar do rei da cena e da farsa” 11. O fato de apenas fragmentos

Quelle des Johannesevangeliums”, Entdeckungen im Neuen Testament, New


Kirchen-VIuyn, 19922, vol. l,p p . 115-129. Este estudo baseia-se em E. Fortna,
The Cospe¡ o f Signs, Cambridge, 1970. Ver igualmente a obra The Fourth Gospel
and its Predecessor, Edinburgh, 1989. Ver infra, notas 12, 13.
9 Ver Filo, In Flaccum, 36-39, onde a descrição έ mais extensa. Acerca do termo
mari, ver D. Flusser, “Paganism in Palestine”, em The Jewish People in the First
Century, II, Assen, 1976, p. !078.
10 Hugo Grotius, A nnotations in Novum Testamentum II, Groningen, 1837, p. 356
(ad Mt 27:28-29).
11 Sobre o texto, ver Acta Alexandrinorum, H. Musurillo (ed.), Stuttgart, 1961, p. 37;
também Corpus Papyrorum Judaicarum, V. A. Tcherikover & A. Fuks (eds.), II,
Cambridge, Mass., 1960, pp. 61-62. A respeito deste documento, ver V. A. Tcheri-
kover, Ηά-Yehudim be-Mitzrayim (Os Judeus no Egito), Jerusalem, 1945, pp. 209­
2 11. No que concerne a aclamações farsescas antissemitas, em particular a de Jesus,
comparar com Josefo, Guerras Judaicas (Jewish Wars 7:29), onde ele relata como
Simeão bar Guiora ressurgiu de seu esconderijo subterrâneo, depois do incêndio do
Templo. A fim de aterrorizar os romanos, Simeão vestiu “uma túnica branca e um
manto púrpura” e “surgiu da terra, exatamente no mesmo local em que 0 Templo
estava erigido”. Por alguns momentos, seu plano foi bem sucedido; os primeiros a
vê-lo ficaram petrificados com 0 choque. No fim, entretanto, Simeão foi capturado.
Ver também a nota em O. Michel & O. Bauemfeind, Flávio Josefo, De Bello Judaico
11,2, Munich, 1969, pp. 226-227. É bem possível que Simeão bar Guiora tenha apa­
recido desta forma deliberadamente, porque estava ciente do temor que tinham os
QUAL ERA O SIGNIFICADO ORIGINAL DE HCCI■ H O M O ? 175

destes documentos estarem disponíveis deu origem a uma variedade


de hipóteses eruditas. Um estudioso acredita que a comédia cruel tinha
por intuito ridicularizar 0 líder cativo da rebelião judaica em Cirene.
Segundo outro ponto de vista, os gregos em Alexandria encenaram
uma apresentação cômica dirigida ao “Rei dos Judeus”, semelhante
à exibida na época de Agripa. De todo modo, 0 papiro indica que 0
próprio governador teve parte ativa nesta apresentação cômica, fato
de considerável importância para a nossa discussão.
A fim de resolver 0 enigma da expressão “Eis o homem!”, deve­
mos atentar para a cerimônia de aclamação na Antiguidade, mas
antes temos de tentar explicar por que o Evangelho de João contém,
com tanta frequência, opostos diamétricos, como já vimos ser 0 caso
na apresentação da personalidade de Pilatos. Fiquei ciente pela pri­
meira vez das características peculiares deste Evangelho com relação
à expressão que ora discutimos. No curso de minha pesquisa, deparei­
-me com um livro importante12, que chegou à mesma conclusão a que
eu havia chegado num estudo anterior sobre 0 tema13.
A explicação das contradições recorrentes do Evangelho de João,
apresentadas no livro acima mencionado, parece-me correta, ou seja,
que 0 autor do Evangelho tinha à mão uma fonte judaico-cristã com
tendências nacionalistas judaicas. Esta fonte enfatizou a profunda impor­
tância - para os próprios judeus - da crença na messianidade de Jesus.
Seu autor era muito mais antirromano do que os outros evangelistas, e
suas concepções sobre este tema podem tê-lo levado, ocasionalmente, a
uma distorção retórica da verdade histórica. Assim, em Marcos 15:15 e
Mateus 27:27 se nos é dito que uma coorte de soldados romanos tomou
parte na coroação farsesca de Jesus; em João (19:2-3), todavia, o termo
técnico “coorte” está ausente, porque ali é auto-evidente que os solda­
dos romanos estavam envolvidos. Jesus passara a noite na casa do sumo
sacerdote, antes de ser entregue aos romanos como prisioneiro14. Seria,

gentios do advento do rei messiânico. Se nossa hipótese está correta, suas aclama-
çôes farsescas antissemitas serviam também, num nível psicológico, para superar seu
medo do advento do Messias. De todo modo, 0 manto púrpura de Simeão é paralelo
àquele com o qual os soldados romanos trajaram Jesus, para dele escarnecer. O relato
está ausente em Lucas. Ali (23:8-11) conta-se que, antes de ser entregue a Pilatos,
Jesus foi levado diante de Heredes Antipas. Este e seus soldados “trataram-no com
desprezo e escárnio, remetendo-o a Pilatos trajando uma veste brilhante”. Alguns
eruditos entenderam que isto significava “uma veste branca” que, neste caso, seria
paralela à túnica branca de Simeâo bar Guiora - ver supra, cap. 11 nota 68.
12 R. T. Fortna, The Gospel o f Signs, Cambridge, 1970.
13 D. Flusscr, “Uma Fonte Judaico-Cristã para 0 Evangelho de João”, Fontes Judai­
cas no Cristianismo Antigo, op. cit., pp. 60-72 (em hebraico), e sua tradução alemã,
supra, nota 8.0 presente artigo é uma espécie de suplemento daquele estudo anterior.
14 Para uma análise dos acontecimentos daquela noite, específicamente de um ato de
humilhação cerimonial um tanto análogo ao aqui discutido, ver “Quem é que Te
Bateu?”
176 JESUS

pois, razoável pressupor que ele fora detido pela guarda do Templo,
conforme sugerido pelo relato em Lucas 22:52. Os três Evangelhos
Sinóticos mencionam o ferimento do servo do sumo sacerdote, que
ocorreu nesta ocasião (ver também Jo 18:10-11). Em João, por outro
lado, lemos, “Judas [Iscariotes], então, levando um destacamento
[coorte] de soldados [i.e., soldados romanos] e guardas destacados
pelos chefes dos sacerdotes e pelos fariseus...” (18:3). Adiante, “0
destacamento [i.e., coorte] com seu tribuno, e os guardas dos judeus
prenderam a Jesus e o mataram” (18:12). Parece, portanto, que a
fonte judaico-cristã de João introduziu soldados romanos na história
da captura de Jesus, com base no envolvimento da coorte romana na
coroação zombeteira que se seguiu à entrega de Jesus aos romanos15.
Na verdade, Jesus foi detido pelos guardas dos sumos sacerdotes, e
não pelas tropas romanas.
Este exemplo ilustra 0 caráter da fonte judaico-cristã de João.
O evangelista elaborou partes dela, que tinha uma orientação muito
diferente da sua, dentro de seu Evangelho. Este processo levou a cer­
tas discrepâncias no fluxo da narrativa que, por sua vez, produziram
- deliberadamente, ao que parece - a atmosfera de profundo mistério
que permeia o Evangelho Segundo João. A própria tensão entre a men­
sagem do evangelista e a orientação de sua fonte nos permite isolar
os fragmentos da fonte do evangelho em si - procedimento este que
pode ser aplicado à passagem em discussão. Ademais, o autor contri­
bui para a confusão, repetindo 0 episódio da apresentação de Jesus ao
povo, feita por Pi latos e as conversas entre ambos, produzindo assim
duplicações. Desta forma, a influência da fonte judaico-cristã se faz
sentir até mesmo naquelas passagens que são de autoria do próprio
evangelista. Abordaremos este aspecto confuso do Evangelho de João
apenas na medida em que for pertinente para a nossa questão histórica.
Um exame de nossa passagem (Jo 19:1-16) revela duas seções
paralelas, João 19:4-6 e 12-14. Cada uma delas parece refletir, à sua
maneira, a mesma passagem da fonte judaico-cristã original. Em
ambas, Pilatos apresenta Jesus ao judeus (v. 4-5; 13-14) e estes res­
pondem com o chamado para sua crucificação (v. 6, v. 15). As forças
judaicas que pediram a crucificação de Jesus eram “os chefes dos
sacerdotes e seus guardas” (v. 6), os judeus (v. 7,12,14), e “os chefes
dos sacerdotes” (v. 15). Quem está familiarizado com a perspectiva do
autor deste evangelho percebe com clareza que, aqui e acolá, a men­
ção aos “judeus” como inimigos de Jesus é obra do redator final. Por

15 Muito embora o termo próprio “coorte” não seja utilizado na descrição que João
faz da aclamação de chacota dos soldados romanos, ele pode ter aparecido na
sua fonte judaico-cristã, tendo aparentemente passado desapercebido pelo autor
de nosso Evangelho.
QUAL ERA O SIGNIFICADO ORIGINAL DE F.C.CM H O M O ? ]77

outro lado, a referencia aos “chefes dos sacerdotes” parece refletir a


verdade histórica por detrás do julgamento de Jesus. Os outros Evan­
gelhos indicam que os instigadores do julgamento por Roma foram os
sumos sacerdotes e os saduceus, para os quais pregação de Jesus em
Jerusalém era uma ameaça direta a seu status. A segunda passagem
paralela contém dois exemplos da temática da menção a César, um
no início, 0 outro no final da passagem. O versículo 12 diz “Daí em
diante, Pilatos procurava libertá-lo [a Jesus], Mas os judeus gritavam:
;Se 0 soltas, não és amigo de César! Todo aquele que se faz rei opõe-se
a César!’” No versículo 15, Pilatos perguntou “Crucificarei 0 vosso
rei?!” Os chefes dos sacerdotes responderam: “Não temos outro rei a
não ser César”. Tentei demonstrar acima que esta linha de argumen­
tação particular tinha a maior probabilidade de mover Pilatos, cuja
lealdade e subserviência com relação ao imperador eram característi­
cas salientes de sua personalidade. Josefo relata que numa ocasião à
noite, Pilatos colocou secretamente efígies de César nos estandartes
militares em Jerusalém. Os judeus reagiram, afluindo em multidão
para Cesareia, e “por muitos dias, suplicaram-lhe que retirasse as
imagens. Pilatos recusou-se a aquiescer, uma vez que fazê-lo seria um
ultraje ao imperador”. No final, contudo, cedeu (Antiquities 18:53-59).
No tocante à nossa própria passagem, não há dúvida de que qualquer
pessoa que pusesse à prova a lealdade de Pilatos para com César 0
incitaria a uma ação imediata. Se isso é verdade, os conteúdos de João
19:12 e 15 devem ter sua origem na fonte judaico-cristã, refletindo 0
curso verdadeiro dos acontecimentos.
Comparemos a apresentação que Pilatos faz de Jesus ao judeus
(antes do chamado para a crucificação) em nossas duas passagens
paralelas. A segunda (Jo 19:13-14) diz, “Ouvindo tais palavras, Pilatos
trouxe Jesus para fora, fê-lo sentar-se no tribunal, no lugar chamado
Pavimento, em hebraico, Gábata... Disse Pilatos aos judeus: ‘Eis 0
vosso rei!’ ” A palavra grega pode ser realmente traduzida de modo
a significar “ele fê-lo sentar”, isto é, Pilatos fez Jesus sentar-se16. Se
este é 0 significado pretendido no texto, temos aqui uma história de
Pilatos fazendo Jesus sentar-se no tribunal a fim de exibi-lo ao povo
com as palavras “Eis 0 vosso rei!” Entretanto, 0 significado do grego
não é totalmente claro, e é possível que Pilatos, não Jesus, foi quem
tomasse assento. E evidente, porém, que as palavras “Eis 0 vosso
rei”, na segunda passagem, são paralelas às palavras de Pilatos na
primeira, “Eis 0 homem!” Na passagem anterior (Jo 19:4-5), encon­
tramos evidências explícitas do método bizarro do autor, de utilizar
a história original da fonte ao mesmo tempo em que reelabora partes
dela em suas próprias palavras, processo este que produz uma certa

16 Ver Brown, op. cit., nota 4, pp. 880-881; Schnackenburg, op. cit., nota 4, p. 305.
JESUS

tensão e uma qualidade contraditória, obscura, no relato. Repetimos


a primeira passagem: “Pilatos, de novo, saiu fora e lhes disse: ‘Vede:
eu vo-lo trago aqui fora, para saberdes que não encontro nele motivo
algum de condenação’. Jesus, então, saiu fora, trazendo a coroa de
espinhos e o manto de púrpura. E Pilatos lhes disse: ‘Eis 0 homem!’”
O único significado explícito das palavras de Pilatos nesta passa-
gem é que ele não encontra caso nenhum contra Jesus. Este, natural-
mente, é 0 Pilatos inocente, aquele que demonstra solidariedade para
com Jesus, o Pilatos parcial que os evangelistas gostam de descrever,
em contraste aos judeus culpados. Porém, como podemos explicar a
inconsistência entre 0 Pilatos benevolente e sua exibição pública cruel
de Jesus? Segundo João, Pilatos levou Jesus para fora afim de, por meio
deste mesmo ato, informar os judeus que ele 0 considerava isento de
culpa. No entanto, muito embora a intenção do autor seja clara, a his-
tória por si só não tem lógica e é totalmente irrealista. Devemos, pois,
supor que 0 autor do evangelho trabalhou a temática de um Pilatos
benevolente e compreensivo em nossa fonte, e que a história original
era mais ou menos a seguinte: “Pilatos levou Jesus para fora, e Jesus
usava a coroa de espinhos e um manto de púrpura. ‘Eis 0 homem!’,
disse Pilatos”. Já vimos que “Eis 0 homem!” é paralelo à “Eis o vosso
rei!” Todavia, mais significativo ainda é o fato de Jesus estar usando
0 aparato “real” com o qual tinha sido trajado pelos soldados romanos
para sua própria cerimônia de ridicularização, na qual foi saudado numa
aclamação farsesca, “Salve, Rei dos Judeus!” De acordo com João, logo
após este episódio, Pilatos levou Jesus para fora, assim trajado e decía-
rou, “Eis o homem!” Se pudermos demonstrar que tais palavras eram
apropriadas a uma aclamação, então, de acordo com a fonte judaico-
-cristã deste evangelho, Pilatos não tinha intenção nenhuma de pro-
nunciar a inocência de Jesus; muito pelo contrário, o fato revelaria que
0 governador tomou parte ativa na farsa da aclamação de Jesus como
“rei dos judeus”. Temos aqui 0 mesmo Pilatos que ordenou a inscrição
provocadora “Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus” (em três línguas) afi-
xada à cruz, recusando-se a removê-la, apesar dos protestos dos sumos
sacerdotes. Mesmo durante as negociações para a libertação de um
prisioneiro, Pilatos referiu-se a Jesus, em tom de chacota, como “rei
dos judeus” (Jo 18:39; Mc 15:9). Um erudito aponta corretamente que,

[...] em João 0 episódio desenvolve a temática da realeza de Jesus. Reconhecido por


Pilatos como o “rei dos judeus” ... coroado e investido pelos soldados... Jesus agora
passa por outra cerimônia no ritual de coroação; ele é levado para fora, adornado com
símbolos da realeza, coberto de púrpura, para ser apresentado a seu povo e, por fim,
aclamado. Aos olhos de João, a longa espera de Israel por seu rei messiânico chega a
uma concretização irônica17.

17 Brown, op. cit., p. 890.


QUAL ERA O SIGNIFICADO ORIGINAL DE EC.CE H O M O ? 179

Em nossa opinião, o que temos aqui não é uma declaração teoló­


gica por parte de João, ao contrário, é a descrição de uma paródia de
aclamação real, uma cerimônia de irrisão para Jesus, encenada pelos
soldados e que atinge seu clímax com a participação ativa do próprio
governador romano. A história em si não foi produzida por João, mas
por sua fonte judaico-cristã.
O significado da expressão “Eis 0 homem” tornou-se mais explí­
cito para mim após ter ouvido uma palestra (subsequentemente publi­
cada) de Saul Lieberman18. A cerimônia de aclamação (em latim:
acclamatió) era muito significativa no mundo antigo; os reis de várias
nações, bem como imperadores romanos, eram tradicionalmente acia-
mados na Antiguidade. Já discutimos as duas farsas de aclamação
ocorridas em Alexandria, quando Agripa visitou a cidade e na época
do imperador Trajano, depois que a revolta judaica contra Roma fora
sufocada. Estudamos também a cerimônia de escárnio na qual solda­
dos romanos aclamaram 0 cativo Jesus de Nazaré, antes de sua cruci­
ficação. A questão crucial é se “Eis 0 homem!” é uma possível frase
de aclamação. Lieberman declara que, “na maior parte, apontar o
dedo e dizer, Έ ele!’ nada mais é que uma aclamação”, apresentando
evidências instrutivas com base em pesquisas anteriores19. Numa
fonte grega, lemos, “cada um apontará para ele, dizendo, ‘É ele’
”20. Um poeta latino escreve, “é muito bom quando alguém aponta
para ti e diz, ‘É ele’ ”21. Lieberman também aduz material compará­
vel da tradição rabínica. Assim, quando se nos é dito que 0 próprio
Pilatos trouxe Jesus em seus trajes reais, dizendo “Eis 0 homem”, 0
fato indica que, ao empregar esta expressão particular, ele pretendia
“aclamar” zombeteiramente Jesus como Rei dos Judeus, e participar
da aclamação iniciada por seus soldados22. Além dessas provas, deve­
mos ter em mente que, de acordo com João 19:6, os sumos sacerdotes
e seus guardas reagiram à expressão “ Eis 0 homem!” com um grito
de “Crucifica-o! Crucifica-o!” Alguns estudiosos acreditam que este

18 S. Lieberman, “Qeles Qilusin”, AleyAyin [Z. Schocken Festschrift], Jerusalem,


1948-1952, pp. 75-81. Ver, em particular, p. 81 e notas 48, 49. Ver também E.
R. Smothers, “KALOS in Acclamation”, TraditioS, 1947, pp. 1-57; Der Kleine
Pauly: Lexikon der Antike, Munich, 1979, pp. 30-31; Reallexikonfür Antike und
Christentum, I, Stuttgart, 1950, pp. 216-233 (T. Klausner).
19 C. Sittl, Die Gehürden der Griechen undRõmer, Leipzig, 1890, pp. 52-53.
20 Luciano, Somn. 11: τών ópóvrow έκαστος tòv πλησίον κινήσας δείξει.
21 Pérsio 1,28: A t pulchrum est digito monstrari et dicier: hicest. A mesma excla-
maçâo aparece em Marcial, Epigramas 5, 13,3.
22 Poderia a forma linguística “Eis o homem!” ser indicativa de uma escrita ori­
ginal hebraica (i.e., hiney ha-isch)l Isso é possível, se bem que não certo. Sittl,
op. cit., p. 53, sugere verificar se a expressão latina ecce acompanha o gesto de
apontar 0 dedo. Toda esta problemática necessita de uma investigação adicional.
180 JESUS

grito - encontrado igualmente nos Evangelhos Sinóticos - seja outra


expressão de aclamação23; a evidência paralela certamente corrobora
tal hipótese. De acordo com a história, a apresentação feita por Pilatos
do Jesus espancado e humilhado provoca a resposta vociferante dos
sumos sacerdotes, para que 0 crucifiquem. A interpretação que pro­
pusemos para “Eis 0 homem!’’ baseia-se tanto numa análise intema
do texto como em paralelos históricos e linguísticos e é, até agora,
a única razoável.
O quadro descrito é consistente e surpreendente. Os soldados roma­
nos vestiram Jesus num manto púrpura, colocaram uma coroa de espi­
nhos sobre sua cabeça, e proclamaram-no zombeteiramente Rei dos
Judeus. O governador romano 0 levou para fora e 0 apresentou, assim
trajado, aos judeus reunidos, apontou para ele e 0 saudou na fórmula cos­
tumeira de aclamação, “Eis 0 homem!” Os sumos sacerdotes reagiram
clamando “Crucifica-o! Crucifica‫־‬o!”24 Naturalmente, isto não é retra­
tado por João, autor deste evangelho, mas dá suporte à história. Como
vimos, esta parece ser a descrição encontrada na fonte judaico-cristã de
João. Devemos questionar se este retrato é fiel, ou se foi editado pela
tendenciosidade judaico-cristã nacionalista do autor da fonte. Em outras
palavras, teria 0 próprio Pilatos tomado parte na aclamação?
Nossas fontes não deixam dúvidas quanto à crueldade de Pilatos e
0 ódio que ele nutria pelo povo judeu25. Ademais, pode ser facilmente
demonstrado que 0 homem gostava de pompa e cerimônia. No que
dizia respeito a Jesus, Pilatos não só ordenou que a inscrição “rei dos
judeus” fosse afixada à cruz; também utilizou pessoalmente 0 termo
em tom de sarcasmo, ao referir-se a ele antes, no “julgamento”, como
0 rei dos judeus. Quanto à participação efetiva de Pilatos na cerimô­
nia farsesca de aclamação, já vimos que, num incidente similar em
Alexandria, no final do ano 117, um governador romano participou de
uma cerimônia semelhante, dirigida contra os judeus26. Não é impos­
sível, pois, que 0 próprio Pilatos, cego pelo ódio e atraído por sua
predileção no que tange a cerimônias sem sentido, tivesse participado
desta aclamação, executando assim um ato que era ao mesmo tempo
provocativo e politicamente insensato. Entretanto, é precisamente a
loucura de tal demonstração de poder e escárnio por parte do repre­
sentante oficial de Roma que faz com que nos tomemos duplamente

23 Este material é apresentado no Reallexikon, op. cit., nota 18, p. 218.


24 Ver D. Flusser, “O Julgamento e a Morte de Jesus”, op. cit., em especial p. 143.
25 A postura negativa de Pilatos com relação aos judeus e seu desprezo por suas
crenças religiosas pode ser vista no tipo de moedas cunhadas na Judeia. Todo
governador romano tinha o cuidado de não cunhar moedas que levassem símbo­
los de adoração pagã. O mesmo não aconteceu com Pilatos. Ver M. Stern, The
Jewish People in the First Century, 1, Assen, 1974, pp. 336, 350.
26 Ver supra, nota 11.
QUAL ERA O SIGNIFICADO ORIGINAL DE E C C E H O M O ? 181

cautelosos em nossa avaliação da autenticidade da história. A cautela


é também ditada por outro detalhe acima mencionado. De acordo com
João - aqui, novamente, baseado em sua fonte judaico-cristã - uma
coorte de soldados romanos também participou da captura de Jesus (Jo
18: 3,12), ao passo que em Marcos (15:16-20) e, seguindo-o, Mateus
(27:27-31), os judeus entregaram Jesus aos romanos e a coorte ape­
nas apareceu por ocasião da aclamação. Esta última hipótese parece
mais razoável do ponto de vista histórico, pois como já observamos,
a história da cooperação entre os homens do sumo sacerdote e os
soldados romanos durante a detenção de Jesus parece originar-se da
predisposição antirromana da fonte de João27.
A questão histórica da participação de Pilatos na aclamação mote-
jadora de Jesus é interessante e importante por si só e pelo que dela
se depreende. Contudo, nossa preocupação principal é a exclamação
“Eis 0 homem!”, cujo significado no contexto imediato do Evangelho
de João não é absolutamente claro. Estas palavras podem ser com­
preendidas apenas partindo-se da suposição de que, como em outras
partes, João elaborou em seu livro uma fonte judaico-cristã imbuí­
da de ódio por Roma e por seus representantes. De acordo com ela,
a participação de Pilatos na aclamação farsesca era uma espécie de
toque final na degradação vil de Jesus, 0 rei messiânico dos judeus,
feita pelos romanos. A verdadeira personalidade de Pilatos é retratada
fielmente neste papel - ele é 0 mesmo indivíduo cruel e cínico, por nós
conhecido das fontes judaicas, que odeia o povo de Israel. De mais a
mais, por intermédio de evidências paralelas, conseguimos esclarecer
0 significado da expressão Ecce Homo. Esta era a fórmula atestada de
aclamação na Antiguidade.

27 Na sequência dos acontecimentos, existe outra diferença entre Marcos e João.


Segundo Marcos, a aclamação de escárnio dos soldados romanos teve lugar
depois de Pilatos ter concordado em crucificar Jesus e de tê-lo entregue às tro­
pas, que o crucificaram ¡mediatamente após a aclamação. Em João, a aclamação
teve lugar na hora das negociações entre Pilatos e os sumos sacerdotes, antes
de Jesus ser condenado à crucificação (Jo 19:16). No entanto, devemos obser­
var que em João (19:1), Marcos (16:15) e Mateus (27:26), a ordem de Pilatos
para que Jesus seja açoitado precede a cerimônia zombeteira dos soldados; este
ponto merece consideração adicional. Sobre a diferença entre Marcos e João, no
que concerne ao local do açoitamento, ver Schnackenburg, op. cit., III, pp. 291­
292. Uma discussão assaz instrutiva sobre a aclamação escarnecedora de Jesus
c ocorrências paralelas na Antiguidade figuram em T. Birt, Aus dem Leben der
Amike, Leipzig, 1922, pp. 189-202.
17. O Crucificado e os Judeus

A hostilidade contra os judeus não é uma invenção cristã, mas foi


flagrantemente intensificada pelo Cristianismo; e o antijudaísmo cris­
tão está desaparecendo muito lentamente. Amigos bem-intencionados
dos judeus geralmente dizem, “Se estivéssemos vivos nos dias dos
nossos pais, não teríamos sido cúmplices seus no derramar o sangue
dos judeus” (cf. Mt 23:30 e ss.). Por razões propriamente apologé­
ticas, construções pseudo-históricas são adicionadas para justificar,
como um lapso, os terríveis sofrimentos que os judeus passaram nas
mãos dos cristãos. Esta teoria é passada adiante, e espera-se que o
participante judeu na discussão viva feliz com a justificativa bem­
-intencionada. Talvez isto seja suportável, mas como deve reagir um
pesquisador? Infelizmente, pode acontecer com facilidade, se ele for
judeu e sua consciência científica não lhe permitir aceitar com grati­
dão a “antijudaística” no Novo Testamento como “admoestações pro­
féticas”, que seu colega cristão se tome agressivo! Por conseguinte,
deveria 0 pesquisador judeu negar a verdade simples que fala nos
textos, só para preservar a paz?
Não queremos, contudo, tratar aqui de questões gerais. Demons­
traremos, por intermédio de um exemplo, como a solidariedade 1

1 O título original deste artigo era: “Der Gekreuzigte und die Juden”, publicado em
J a h r e s b e r ic h t 1 9 7 5 -1 9 7 6 o f th e L u c e r n e T h e o lo g ic a l F a c u lty a n d C a te c h e tic a l
I n s titu te ‫׳‬, também J u d a is m , pp. 575-587. Foi dedicado em gratidão à Faculdade
Teológica de Lucerna, e traduzido para o inglés por Yvonne Bearne.
JESUS

original do povo judeu com 0 Jesus crucificado foi transformada,


já de inicio, na hostilidade das multidões escarnecedoras. Se conse­
guirmos revelar esta mudança de tendencia ñas Escrituras, tocaremos
num ponto sensível. Ela começou, talvez, como uma reviravolta ten­
denciosa e suas consequências são bem conhecidas. Quero enfatizar
que é dever do historiador, ao deparar-se com uma injustiça cruel que
contém 0 gérmen de crimes futuros, avaliá-la como tal. Caso contrá­
rio, será apenas um colecionador e não um erudito.
Mais uma observação preliminar. Em meu trabalho, parti do pres­
suposto de que 0 relato original sobre Jesus é melhor preservado em
Lucas, de que Marcos fez uma revisão total do material, e onde Mar­
cos é disponível, Mateus depende bastante dele. Em meu livro anterior
sobre Jesus, em alemão, infelizmente não fiz uso desta percepção de
forma suficientemente meticulosa, ao tratar da crucificação. Só mais
tarde reconhecí a importância especial das diferenças entre Lucas e
Marcos na descrição daquele evento. As conclusões que determina­
rei não possuem, portanto, uma base ideológica mas sim filológica.
Fundamentam-se no método da crítica literária.
A multidão notoriamente grita “Hosana” num dia e “Crucifica-
-0” no próximo. Tal dito advém de uma interpretação particular do
relato de Marcos-Mateus sobre a crucificação. Esta expressão popular,
entretanto, não exprime 0 significado verdadeiro dessas narrativas. Se
Lucas não tivesse sido preservado, poderiamos supor que os grupos de
transeuntes que passavam pelo crucificado eram constituídos, parcial­
mente, do partido dos sumos sacerdotes saduceus mas, principalmente,
de uma turba sádica que se divertia às custas do Messias sacrificado. Até
mesmo presumi que as palavras do Salmo (22:2), que Marcos (15:34)
e Mateus (27:46) relatam como as últimas pronunciadas por Jesus, são
uma interpretação inamistosa de seu último grito, feita pelos espectado­
res que Marcos, por engano, coloca na boca do próprio Jesus2. Porque

2 Em minha versão alemã, p. 133 (em baixo) e nota 237. Esta pressuposição é
improvável. Havia uma tendência cristã antiga de relacionar as palavras do SI 22
com a morte de Jesus. Em Marcos (15:34; cf. Mt 27:46) 0 versículo 2 transforma­
-se no grito vindo da cruz; Lucas (23:35) e Marcos (15:29; cf. Mt 27:39) aludem
ao versículo 8; 0 sorteio realizado, no que diz respeito às vestes de Jesus (Lc
23:34; Mc 15:24, Mt 27:35; Jo 19:23 e s.) depende do SI 22:19. Existe a possi­
bilidade de ter havido uma influência sucessiva do Salmo sobre os Evangelhos.
Isso até pode ser verdade no que tange a Lucas, e por esta razão não podemos
saber em que medida as palavras do SI 22 já haviam influenciado sua fonte. 0
salmo SI 22:8, em sua forma grega, já tinha influenciado Lc 23:35. No SI 22:8
está escrito: “Todos os que me veem caçoam de mim... meneiam a cabeça”.
Somente o meneio das cabeças é registrado em Mc 15:29 e Mt 27:39, ao passo
que em Lc 23:35, lemos: “O povo permanecia lá, a olhar. Os chefes, porém,
zombavam” . Esta conexão, aparentemente clara, entre SI 22:8 e Lc 23:35 não é,
de fato, evidente: No Salmo, os observadores são os que zombam, enquanto que
em Lucas, 0 povo que fica a olhar nada tem a ver com o escárnio; as pessoas que
O CRUCIFICADO E OS JUDEUS 185

não poderia haver uma turba grosseira entre os judeus? Os transeuntes


poderíam realmente injuriá-10, os sumos sacerdotes dele escarnecer, os
dois crucificados com Jesus insultá-10 e os espectadores pensar, zombe-
teiramente, que o homem moribundo tivesse chamado a Elias. “Deixa!
Vejamos se Elias vem salvá-10”. Os escribas (Me 15:31; Mt 27:41) e
os anciãos (Mt 27: 41), que se juntaram aos sumos sacerdotes em seu
escárnio, poderíam então ser considerados uma adição secundária, ou
interpretados de forma diferente3. 0 que lemos em Marcos, portanto, não
tem de ser necessariamente uma descrição tendenciosa; é possível ima­
ginar que tal coisa realmente tivesse acontecido - sem que isto, à revelia
da história, incriminasse os judeus. Uma vez mais, porém, mostrou-se
que, do ponto de vista histórico, um evento pode ser facilmente avaliado
de forma errada se as fontes não são primeiro comparadas e examinadas
numa análise crítico-literária. Em nosso caso, isso tem um efeito peri­
goso, pois todos nós nos esquecemos de como ler Lucas sem sermos,
involuntariamente, influenciados por Marcos e por Mateus.
Vejamos agora 0 que Lucas (23:26-49) foi capaz de relatar sobre
a crucificação de Jesus. Ou, colocando as coisas em termos diferentes,
quem eram os amigos de Jesus na crucificação e quem eram seus inimi­
gos. No caminho, os romanos forçaram um judeu que por ali passava,
Simão de Cirene, no norte da África, a carregar a cruz de Jesus. Não era
raro que as forças de ocupação romana exigissem serviços compulsórios
dos peregrinos durante as festas judaicas - uma humilhação terrível neste
caso, como as vivenciadas na época dos nazistas. “Grande multidão do
povo 0 seguia, como também mulheres, que batiam no peito e se lamen­
tavam por causa dele” (Lc 23:27). Este relato e as palavras seguintes de
Jesus, dirigidas às filhas de Jerusalém (23:28 e s.) são peculiares a este
Evangelho. No primeiro exemplo, poder-se-ia pensar que Marcos - e
seguindo-o, Mateus deixou-as de fora por também omitir, quase que
completamente, as outras lamentações de Jesus por Jerusalém. Talvez 0
comportamento de Marcos se tome significativo quando sua descrição da
crucificação de Jesus for comparada à de Lucas. Em todo caso, não só as
lamentações, as palavras de Jesus dirigidas às filhas de Jerusalém, estão
ausentes em Marcos, como também quaisquer referências à grande multi­
dão de pessoas e de mulheres que choravam e lamentavam por Jesus. Até
mesmo as palavras do crucificado, “Pai, perdoa-lhes: não sabem 0 que
fazem” (Lc 23:34) são apenas encontradas em Lucas e, mesmo assim,
não em todos os manuscritos. Desde 0 século II, estas palavras têm sido
omitidas por copistas que sabiam muito bem o que estavam fazendo4.

observam em Lc 23:47 (Mc 15:39; Mt 27:54) e 23:48-49 (Mc 15:40; Mt 27:55)


sao solidários para com Jesus. Ver também supra, nota 7.
3 Idem, pp. 118 e ss.
4 Ver D. Flusser, “Sie wissen nicht, was sie tun”, K o n lim ii tâ l u n d E in h e it,
Festschrift fü r Franz Mussner, Herder, 1981, pp. 393-410; agora também em
186 JESUS

Eles eram obviamente de opinião que Jesus tinha orado para seu Pai
celestial, solicitando perdão para seus oponentes judeus e, por este
motivo, não acreditaram na autenticidade da expressão. Portanto, não
se deveria permitir que ela aparecesse nos seus manuscritos. Ainda
que estas palavras tivessem sido encontradas na fonte de Marcos, é
possível que, pela mesma razão, ele não deixasse que elas perma­
necessem. Entretanto, não é certo que Jesus pediu por seus adver­
sários judeus. Talvez estivesse orando pelos soldados romanos que
0 crucificaram.
Cheguemos, porém, ao ponto principal. No caminho para a cru­
cificação, Jesus foi seguido por uma multidão de judeus e, como de
costume na época, as mulheres demonstravam seu pesar entoando
lamentos. Quando Jesus foi crucificado, “0 povo permanecia lá, a
olhar” (Lc 23:35). E quando Jesus morreu, a multidão é mencionada
pela terceira vez: “E toda a multidão que havia acorrido para o espetá­
culo, vendo 0 que havia acontecido, voltou, batendo no peito” (23:48).
A menção tripla à multidão é artisticamente associada a palavras de
orientação. Na primeira (23:27) e na segunda (23:35a) vezes, Lucas
fala do “povo”, na segunda (23:35a) e na terceira (23:48), fala sobre
“olhar”, e por duas vezes, no primeiro (23:27) e no terceiro (23:48)
casos, relata as lamentações da multidão presente no caminho de Jesus
para a crucificação e após sua morte. É evidente que 0 mesmo povo
judeu é mencionado três vezes como solidário a Jesus. Partimos do
pressuposto que assim estivesse escrito na fonte de Lucas, bem como
a informação adicional, “todos os seus amigos, bem como as mulheres
que o haviam acompanhado desde a Galileia, permaneciam à distân­
cia, observando essas coisas” (23:49). A palavra “ver” é também aqui
utilizada no que concerne ao centurião: “O centurião, vendo o que
acontecera5, glorificava a Deus6, dizendo: ‘Realmente, este homem era
um justo!’ ” (23:47). É compreensível que um dos auxiliares dos exe­
cutores ficasse profundamente abalado com a execução de um homem
justo, fato relatado com frequência na história. No entanto, não é
muito plausível que, na narrativa de Marcos, 0 centurião chame Jesus
de “ Filho de Deus” e não, como em Lucas, de “justo”, 0 que serve de
argumento adicional para dar-se preferência ao relato deste último.
Resumamos o que vimos até agora. A solidariedade da multidão
judaica com aquele a ser crucificado é expressa três vezes na narrativa
de Lucas, que nunca menciona qualquer chacota feita por judeus presentes.
A multidão 0 acompanha e as mulheres lamentam, 0 povo presencia

Entdeckungen im Neuen Testament, Neukirchen-Vluyn, 19922, vol. 1, pp. 179­


196. Ver também p. 138, supra, nota 75.
5 Aqui, como também ¡mediatamente depois (Lc 23:48), a morte é eufemística-
mente descrita como “o que tinha acontecido”.
6 Estas palavras poderíam ser um comentário de Lucas.
O CRUCIFICADO E OS JUDEUS 187

a crucificação e quando vê que Jesus está morto, bate no peito como


sinal de pesar e, lamentando, volta para casa. A solidariedade do povo
é compreensível. A multidão estava com Jesus todo o tempo em que ele
permaneceu em Jerusalém, e os sumos sacerdotes não ousaram detê-lo
em público porque “temiam o povo” (Lc 20:19; Mc 12:12). Quando
os romanos o crucificaram, exibindo a inscrição tão ofensiva para os
judeus, que mais poderia qualquer membro do povo judeu sentir além
de pesar pelo mártir, vítima da crueldade romana? O que Lucas nos
conta é também historicamente provável e, se não fosse escrito desta
maneira, é assim que deveriamos reconstrui-lo. Não percebemos isto
antes porque interpretamos Marcos com demasiada benevolência.
Quais eram, segundo Lucas, os inimigos de Jesus por ocasião da
crucificação? Depois de citar o Salmo 22:19, ele relata (23:34b) que
os soldados romanos sorteavam as vestes de Jesus, a fim de reparti­
-las entre si, e diz:

Os chefes7, porém, zombavam e diziam, “A outros salvou, que salve a si mesmo,


se é 0 Cristo de Deus, o Eleito!”8 Os soldados também caçoavam dele; aproximando-se,
Iraziam-lhe vinagre, c diziam: “Sc és 0 rei dos judeus, salva-te a ti mesmo”. E havia uma
inscrição acima dele: “ Este é 0 Rei dos judeus”. Um dos malfeitores suspensos à cruz
0 insultava, dizendo, “Não és tu 0 Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós” (Lc 23:35-39).

Segue-se então 0 diálogo com 0 segundo malfeitor, 0 bom ladrão.


Como na descrição da solidariedade do povo com 0 crucificado,
a reação dos oponentes de Jesus, conforme registrada em Lucas, é
artística; também aqui ele faz uso da repetição tripla, ainda que as
pessoas mencionadas três vezes não sejam as mesmas, porém três
tipos diferentes de adversários. A descrição é fluente, só interrompida
pela informação sobre a inscrição na cruz. Isto é compreensível, uma
vez que os soldados escarnecem do “Rei dos Judeus”, exatamente 0
que está escrito na cruz. Há um paralelismo completo na descrição.
As palavras que denotam escamecimento variam (“caçoar”, “zom­
bar”, insultar”)9, todavia 0 significado é 0 mesmo nos três casos - a

7 No texto grego, de kai, portanto literalmente, “ Mas os chefes também zombavam


c diziam...” Isso não significa que 0 povo que observava não tivesse caçoado
de Jesus (ver supra, nota 2). Lucas simplesmente queria dizer “mas os chefes
que também estavam ali parados, zombavam” . A expressão inexata utilizada
por Lucas, preconceitos antijudaicos e a tendência de Marcos (e de Mateus)
explicam porque alguns manuscritos e antigas traduções trazem, “Mas os chefes
zombavam com ele”, i.e., com 0 povo!
8 Supomos que no relato antigo figurasse apenas “0 Eleito de Deus”. O Messias
é igualmente denominado de “O Eleito” no Livro de Enoque e, de acordo com
Lucas (9:35), a voz celestial declara ser ele “Meu Filho, Meu Eleito” .
9 Também em Marcos (15:29 e s.; cf. Mt 27:39 e s.), há uma tríade de escarnece­
dores e sua zombaria é expressa por intermédio de três verbos distintos. Vere­
mos que a tríade de Marcos é diferente da de Lucas e que a chacota não é mais
188 JESUS

impotência daquele que pensava ser 0 Salvador. “Salva-te a ti mesmo,


tu que quisestes salvar a outros!” Um dos malfeitores que sofrerá 0
mesmo destino na cruz acrescenta, “Não és tu o Cristo? Salva-te a ti
mesmo e a nós”. Jesus recebe 0 tratamento de Messias em todas as três
expressões. Os soldados romanos chamam-no de “Rei dos Judeus”,
uma designação romana, e não judaica, que podia ser lida sobre a cruz.
Se estamos certos10, os títulos messiânicos variam aqui igualmente.
Os chefes judeus dizem, “o Eleito de Deus”; os soldados romanos, “ 0
Rei dos Judeus”; um dos malfeitores, “0 Cristo”.
Como no caso da multidão solidária do povo judeu, também os
inimigos que zombam de Jesus correspondem, em Lucas, a uma pro­
babilidade histórica. “Os chefes” (archontes) é a designação por ele
empregada ao se referir aos dignatários que entregaram Jesus aos
romanos", e 0 escárnio dos soldados é natural. De acordo com Lucas,
Jesus só é insultado por um dos malfeitores com ele crucificado, mas
segundo Marcos e Mateus, ambos zombam de Jesus. Neste caso, eles
são criminosos ou, o que é mais plausível, zelotas do grupo ao redor
de Barrabás. Um zelota provavelmente não seria muito solidário com
0 crucificado e não político Messias sofredor12.
Lucas, portanto, forneceu-nos uma descrição historicamente pro­
vável dos que zombaram, bem como dos que demonstraram pesar
pelo crucificado e, ao que parece, era isso o que estava escrito em sua
fonte. O esboço de Lucas ganha imensa importância - também no que
concerne à questão da alegada culpa dos judeus na crucificação - se
comparado à versão de Marcos (e à de Mateus, que dela deriva). Em
Marcos, não há menção nenhuma à multidão judaica lamentando e
pranteando Jesus, e sim descrições de grupos de judeus que caçoam
e escarnecem, pessoas simples que por ali transitavam ou que para­
ram para observar. Como veremos, esta mudança provavelmente se
deu por intermédio de manipulação e de invenção. Os velhos inimi­
gos dentre os judeus em Lucas - os chefes e os dois (neste caso) que
foram crucificados com Jesus - podem ser também encontrados em
Marcos, é claro. Os amigos que permanecem são 0 centurião romano,
que agora presta testemunho a Jesus como Filho de Deus - isto é, 0
romano convertido, por assim dizer - e as muitas mulheres "... que 0
seguiam e serviam enquanto esteve na Galileia. E ainda muitas outras

uniforme - 0 conteúdo dos escárnios dos malfeitores nem sequer é mencionado


(Mc 15:32b; Mt 27:44).
10 Cf. supra, nota 8.
11 Cf. Lc 23:13-35; 24-20; At 3:17; 4:5, 8; 13:27. Archontes é o nome dado por
Josefo (Wars, 6:303) àqueles que entregaram 0 profeta da destruição, Jesus, filho
dc Ananias, ao governador romano.
12 Isto também é verdade, se a conversa entre Jesus c 0 “bom” malfeitor for his­
tórica. Este último reconhece em Jesus o inocente executado e arrepende-se de
seu pecado. Ver também supra, nota 1.
O CRUCIFICADO E OS JUDEUS 189

que subiram com ele para Jerusalém” (Me 15:40 e s.; cf. Le 23:49;
Mt 27:55 e s.), i.e., as mulheres da comunidade cristã na Galileia, por
assim dizer. De acordo com Marcos e Mateus, nenhum outro judeu
está ao lado de Jesus - em forte contraste a Lucas.
Antes de Jesus pronunciar suas últimas palavras na cruz, ele é inju­
riado por três vezes, de acordo com Marcos (15:29-32; Mt 27:3943‫)־‬:

Os transeuntes injuriavam-no, meneando a cabeça e dizendo: “Ah! tu, que des-


tróis 0 Templo e em três dias o edificas, salva-te a ti mesmo, desce da cruz!” Do mesmo
modo, também os chefes dos sacerdotes, caçoando dele entre si e com os escribas,
diziam: “A outros salvou, a si mesmo não pode salvar! O Messias, 0 Rei de Israel...
que desça agora da cruz, para que vejamos e creiamos!” E até os que haviam sido cru­
cificados com ele 0 ultrajavam.

Podemos ver que em Lucas, os três insultos são construídos para­


lelamente. Em Marcos (e em Mateus) o terceiro insulto (0 do malfei­
tor) está ausente. Em Lucas (23:39) relata-se que um dos malfeitores
diz, “ ... Salva-te a ti mesmo e a nós”, 0 que corresponde muito bem à
situação. Em Marcos (e em Mateus) os insultos não são construídos
num paralelismo completo, como 0 escárnio triplo em Lucas. Em Mar­
cos (e Mateus) a intimação para que Jesus desça da cruz é acrescen­
tada ambas as vezes aos convites zombeteiros que lhe são feitos para
que salve a si próprio, mas enquanto em Lucas 0 título de Salvador é
empregado num tom de motejo por três vezes, em Marcos isto ocorre
apenas uma vez, nas palavras dos sumos sacerdotes e dos escribas,
“0 Messias, 0 Rei de Israel” (Mc 15:32; Mt 27:42). Os sumos sacer­
dotes e os escribas em Marcos, aos quais Mateus (27:41) acrescenta
os anciãos, correspondem aos chefes em Lucas (23:35b). Este utiliza
uma expressão que lhe é típica, mas poderia ter empregado facilmente
0 mesmo termo de Mateus e Marcos. No entanto, talvez a menção a
várias “partes culpadas” em Marcos e Mateus seja intencional. Vimos
que em toda a descrição de Marcos, 0 intuito é lançar a culpa sobre 0
povo judeu, em oposição a Lucas, segundo o qual os judeus simples
demonstram sua solidariedade com 0 crucificado.
A intenção de Marcos já é demonstrada por meio do primeiro
grupo escarnecedor (15:29; Mt 27: 39). “Os transeuntes injuriaram-no
...” Mais tarde, após 0 grito vindo da cruz, Marcos fala dos “presentes”
que escarnecem (15:35; cf. Mt 27:47), e de um deles que caçoa de
Jesus com a esponja13 cheia de vinagre (Mc 15:36; Mt 27:48). Todos
os judeus, portanto! Retomemos, contudo, ao grupo de transeuntes.
Eles não chamam Jesus zombeteiramente de Salvador, mas “meneando

13 Marcos (15:36) nos diz: “E um deles, correndo, encheu uma esponja de vinagre
c, fixando-a numa vara, dava-lhe de beber” Em Lucas (23:36): “Os soldados
também caçoavam dele; aproximando-se, traziam-lhe vinagre”. Talvez a vara
com a esponja seja uma adição pitoresca inventada por Marcos.
190 JESUS

suas cabeças, dizem ‘Ah! tu, que destróis 0 Templo e em três dias
o edificas...’” (Mc 15:29). Marcos, por intermédio dos transeuntes,
repete a acusação que, segundo ele, foi pronunciada pelo Sinédrio
(14:58) e que em Lucas está ausente em ambos os casos.
Marcos interpreta zombeteiramente as palavras do Salmo pronun­
ciadas na cruz (15:35 e s.; Mt 27:47 e s.). “Alguns dos presentes, ao
ouvirem isso, disseram: ‘Eis que ele chama por Elias!’ e um deles, cor­
rendo, encheu uma esponja de vinagre e, fixando-a numa vara, dava-lhe
de beber, dizendo: ‘Deixai! Vejamos se Elias vem descê-lo!’ ”
Esta chacota feita pelos judeus está ausente em Lucas! É muito
provável que 0 duplo escárnio associado a Elias seja invenção de
Marcos, originando-se da ação de um único judeu escarnecedor que,
alegadamente, deu ao homem na cruz vinagre para beber. Lucas, toda­
via, relata este fato com referência aos soldados romanos (23:36 e s.).
Tal manipulação parece trair a intenção de Marcos. Deve-se observar
que 0 ponto importante é a incriminação dos judeus, e não 0 fato de
que em Marcos (e Mateus) 0 escárnio do Jesus já crucificado, feito
pelos soldados, esteja ausente, uma vez que, de acordo com Marcos
(15:16-20; Mt 27:27-31), eles caçoam de Jesus antes da crucificação
(cf. Lc 23:11).
Na parte da narrativa que tratamos seria, pois, difícil encontrar
em Marcos algo que ampliasse o nosso conhecimento sobre a cruci­
ficação de Jesus, conforme obtido de Lucas - talvez com uma exce-
ção14. Segundo Marcos (15:23), ofereceram a Jesus, no caminho para
a crucificação, vinho misturado com mirra, mas ele não aceitou. Era
habitual na época anestesiar a pessoa condenada com tal bebida15antes
da morte. Marcos ouviu falar desse costume16, mas não sabemos se
isso realmente aconteceu no caso de Jesus17.
Sumarizemos os resultados de nossa investigação. Como vimos, a
menção tripla à multidão judaica (Lc 23:27, 32, 35, 48), que deplora e
lamenta por Jesus de Nazaré em seu caminho para a morte, está ausente
em Marcos (e em Mateus). Após a terceira menção à multidão, a infor­
mação (Lc 23:49a) de que todos os seus conhecidos postaram-se à dis­
tância tampouco consta. Se presumirmos que Marcos possuía um texto
similar, poderiamos conjeturar que ele, por descuido, tenha omitido a

14 Outro fragmento concreto de informação seria 0 Salmo aramaico sobre a cruz


(Mc 15:34; Mt 27:46) - se é que é histórico.
15 Billerbeck, I, pp. 1037 e ss.
16 Marcos, em geral, relata detalhes que são baseados em informação. Às vezes,
são corretos e relevantes, noutras ele parece estar equivocado. De todo modo,
eu suporia que seus fragmentos especiais de notícias fundamentam-se na infor­
mação e não na tradição oral.
17 Mt (27:34) não conhecia 0 costume misericordioso dos judeus, e por este motivo,
não podia compreender Marcos. Ele escreve “deram-lhe de beber vinho mistu­
rado com fcl. Ele provou, mas não quis beber”.
O CRUCIFICADO E OS JUDEUS 191

informação sobre os conhecidos de Jesus, junto com a menção da muí-


tidão que lamentava sua morte (Le 23:48). Como já declaramos, os
únicos amigos de Jesus que permanecem são aqueles que, por assim
dizer, representam a comunidade cristã, os pagãos convertidos, 0 centu-
rião (Mc 15:39), e as mulheres cristãs da Galileia (15:40). Os inimigos
encontrados em Lucas estão igualmente presentes em Marcos, se bem
que os soldados zombeteiros não figurem (Lc 23:36 e s.), provavelmente
porque Marcos transferiu a temática dos soldados romanos oferecendo
vinagre para um judeu anônimo (Mc 15:36). Os outros velhos inimigos,
os judeus de Lucas, ainda estão presentes em Marcos: os chefes judeus
(Lc 23:35b; Mc 15:31 es.), eos dois malfeitores (Lc 23:39; Mc 15:32b).
O fato de esses dois últimos ridicularizarem Jesus em Marcos, e só um
deles em Lucas, não parece indicar uma culpa maior dos judeus em
Marcos. Neste contexto, porém, a diferença no comportamento da mui-
tidão em Lucas e em Marcos é de importância particular. Em Lucas, a
multidão demonstra empatia para com Jesus em seu sofrimento e morte.
Em Marcos, ouvimos apenas sobre os judeus que, maliciosamente, ridi­
cularizam e motejam, uma vez antes do grito vindo da cruz (Mc: 15:29
e s.) e duas vezes depois (15:35 e s.). E finalmente, em Lucas não há
um único judeu que não seja afetado pela morte de Jesus, ao passo que
em Marcos, todos os judeus “não-cristãos” são inimigos de Jesus e seus
seguidores são apenas as mulheres cristãs da Galileia (e 0 centurião).
A mais importante diferença entre os relatos da crucificação de Lucas
e de Marcos poderia ser explicada se partíssemos do pressuposto de que
Marcos foi a fonte de informação de Lucas, e que Lucas reviu sua fonte a
fim de dar-lhe uma tendência pró-judaica, transformando a turba judaica
hostil numa multidão que demonstra solidariedade com 0 crucificado.
Isto, porém, não é provável, conforme atesta a descrição precedente da
condenação de Jesus em Lucas. “Depois de convocar os chefes dos sacer­
dotes, os chefes e o povo, Pilatos” quis libertar a Jesus (Lc 23:13 e s.).

Eles, porém, vociferaram, todos juntos: “Morra este homem! Solta-nos Bar­
rabás’’... Pilatos, querendo soltar Jesus, dirigiu-lhes de novo a palavra. Mas eles grita­
ram, “Crucifica-o! Crucifica-o!” Pela terceira vez, disse-lhes: “Que mal fez este homem?
Nenhum motivo de morte encontrei nele!”... Eles, porém, insistiam com grandes gritos,
pedindo que fosse crucificado; e seus clamores aumentavam. Então Pilatos sentenciou
que se atendesse ao pedido deles... (Lc 23:18 e s.; ver também 23:4 e s.).

Vimos que por ocasião da crucificação, Lucas (23:27,35) fala do


“povo” solidário, ao passo que antes (23:13), ao ser passada a sen­
tença, cita “0 povo” juntamente com os sumos sacerdotes e os chefes,
isto é, junto com os inimigos de Jesus. Todos eles vociferam, exigindo
a morte de Jesus. Por três vezes18, Pilatos se dirige a eles e, por três

18 Isto está expressamente escrito em Lucas (23:22). Em Marcos (e em Mateus),


Pilatos se volta para eles por quatro vezes.
192 JESUS

vezes, a resposta é hostil. Na segunda e na terceira vezes, a resposta


é “Crucifica-o!” O grito toma-se mais forte em Lucas - e somente
aqui - até ficar insuportável. “Eles, porém, insistiam com grandes
gritos, pedindo que fosse crucificado; e seus clamores aumentavam.”
Não há, por conseguinte, motivo para acreditar que, por solidariedade
aos judeus, Lucas tivesse modificado a história da crucificação que
aparecia em sua fonte.
Neste contexto, algo mais deve ser observado. A partir dos Atos
dos Apóstolos, podemos ver 0 que Lucas pensava sobre a participa­
ção dos judeus de Jerusalém na crucificação de Jesus. Ali (2:22 e s.),
Pedro diz aos habitantes da cidade, “Este homem... vós 0 matastes,
crucificando-o pelas mãos dos ímpios”. Posteriormente, (3:13 e s.),
fala sobre a morte de Jesus aos homens de Israel,

Deus... glorificou 0 seu servo Jesus, a quem vós entregastes e negastes diante de
Pilatos, quando este já estava decidido a soltá-lo. Vós acusastes 0 Santo e o Justo, e
exigistes que fosse agraciado para vós um assassino, enquanto fazíeis morrer 0 Prín­
cipe da vida... Entretanto, irmãos, sei que agistes por ignorância, da mesma forma
como vossos chefes.

Isso diz respeito principalmente19à promulgação da sentença (Lc


23:13 e s.), sobre 0 que já discorremos. De todo modo, se Lucas pensa
desta forma a respeito da culpa dos judeus, é difícil supor que a descri­
ção de solidariedade da multidão judaica por ocasião da crucificação
(Lc 23:26 e s.) tivesse se originado com ele. Lucas a encontrou em
sua fonte, uma vez que partes de sua história, nos Atos dos Apóstolos
acima citados, mostram que 0 próprio Lucas nada teria contra a mui-
tidão hostil e escarnecedora retratada em Marcos. Por conseguinte, a
fonte de Lucas na narrativa da crucificação não é Marcos.
A descrição da solidariedade da multidão judaica com Jesus na
crucificação é certamente estilizada, conforme se vê pela menção tri-
pia à multidão; a segunda referência (Lc 23:35a) não diz muito e é de
fato desnecessária. Todavia, esta solidariedade é seguramente um fato
histórico que não foi construido pela fonte. Sabemos que nos últimos
dias de vida de Jesus em Jerusalém, a multidão judaica estava a seu
lado20. Segundo Lucas (21:38), “Todo 0 povo madrugava junto com ele
no Templo, para ouvi-lo”. E quando se aproximava a festa dos Ázimos,
que é denominada de Páscoa, os chefes dos sacerdotes e os escribas
“procuravam de que modo eliminá-lo, pois temiam 0 povo” (Lc 22:1
e s.; Mc 14: 1 e s.; Mt 26:1 e s.). Antes da captura de Jesus, lemos nos
Evangelhos somente a respeito da solidariedade da multidão judaica,

19 A expressão “os chefes” é originária de Lc 23:13,35b. Cf. também os versículos


supra, nota 11.
20 A turba, no entanto, instigada pelos sumos sacerdotes, exigiu a libertação de
Barrabás.
O CRUCIFICADO E OS JUDEUS 193

nada sobre a existência de uma tensão hostil entre ele e o povo. “Ele
ensinava diariamente no Templo. Os chefes dos sacerdotes e os escri­
bas procuravam fazê-lo perecer, bem como os chefes do povo. Mas
não encontravam o que fazer, pois o povo todo o ouvia, enlevado” (Le
19:47 e s.; Me 11:18 e s.; cf. também Le 20:19; Me 12.12; Mt 21:45 e
s.). Era natural que o povo lamentasse o mártir da crueldade romana.
Por conseguinte, Lucas é fidedigno e Marcos distorce os fatos.
Qual a relação entre os dois relatos da crucificação, 0 de Marcos e 0
de Lucas? Deveriamos pressupor que havia duas fontes, uma mais histó­
rica e amistosa com relação aos judeus, um “proto-Lucas”, a outra mais
hostil e menos histórica, nosso Marcos? Ou ambos, Lucas e Marcos,
baseiam-se na mesma fonte? As duas possibilidades indicam um movi­
mento progressivo que se afasta da realidade, no sentido de um distan­
ciamento hostil do judaísmo. Isto é verdade no que concerne à narrativa
de Marcos, ainda que algo mais pudesse desempenhar aqui este papel.
É possível que, por meio de suas invenções, Marcos também qui­
sesse expressar que Jesus tinha sido abandonado por todos, exceto as
mulheres cristãs e 0 centurião convertido; à exceção deles, Jesus mor­
reu num mundo hostil. Contudo, mesmo alguém que esteja disposto
a aceitar tal hipótese como a principal intenção de Marcos não pode
deixar de perceber em seus relatos os judeus hostis e escarnecedores
no local da crucificação, em contraposição a Lucas, onde a multidão
lamenta por Jesus. Enumeramos razões suficientes para considerar não
histórica a chacota atribuída ao povo judeu durante a crucificação. Uma
coisa é certa. Se é verdade que Marcos inventou os judeus motejadores
afim de enfatizar a solidão “existencial” de Jesus na cruz, é imprová­
vel que tivesse boas intenções com relação à multidão judaica. Marcos
estava mais próximo da ideia de que 0 povo judeu tinha “rejeitado”
Jesus. O reconhecimento deste fato me parece significativo.
Será que Lucas aqui se apoia numa fonte especial ou Marcos
depende da mesma fonte, que foi então alterada para adequar-se à sua
inclinação? Esta pergunta não é tão difícil de responder quanto parece
à primeira vista. No decorrer de meu trabalho, percebí por vezes que
0 Evangelho Segundo Marcos representa uma revisão completa do
material antigo, não sendo idêntico a ele, enquanto Lucas nos apresenta
aquele relato antigo original, independente de Marcos; e talvez Mar­
eos até mesmo dependa de Lucas. Em resumo, Marcos e Lucas tinham
uma fonte mútua, mas a versão de Lucas é preferível à de Marcos. A
investigação presente confirma os outros resultados de minha pesquisa;
também ali, Lucas é muito mais fiel ao original, mais histórico, em
contraste a Marcos, que fez uma revisão completa de sua fonte.
Creio que na passagem aqui abordada há também uma indicação
de que Marcos fundamentou sua narrativa num texto similar àquele a
partir do qual Lucas trabalhou, mas que pessoalmente 0 reescreveu.
194 JESUS

Atenção particular deve ser dada à excelente construção da lenda em


Lucas, que foi estragada em Marcos. A menção tripla à multidão soli­
dária com Jesus não consta, como vimos, em Marcos. Como resul­
tado, as profundas palavras de Jesus, dirigidas às filhas de Jerusalém,
sobre a futura destruição (Lc 23:27 e s.), desapareceram juntamente
com a primeira menção à multidão solidária. Os outros lamentos de
Jesus sobre a futura destruição são também quase que completamente
obliterados em Marcos. Com a terceira menção à multidão pesarosa
(Lc 23:48), as seguintes palavras (23:49a), “Todos os seus amigos...
permaneciam à distância...” são removidas. O que resta em Mar­
cos (15:40) é, “E também estavam ali algumas mulheres, olhando
de longe”. Ele não percebeu que sua fonte continha um Salmo (SI
38:12): “Amigos e companheiros se afastam da minha praga, e meus
vizinhos se mantêm à distância”. Omitiu, portanto, a primeira parte
da referência bíblica, sem percebê-lo.
Em oposição à multidão que fica ao lado de Jesus, mencionada três
vezes por Lucas, há três espécies de motejadores, os chefes (23:35b),
os soldados (23:36 e s.), e um dos malfeitores (23:39). Já vimos que
todos os insultos são, em Lucas, variações sobre o mesmo tema: “A
outros salvou, que salve a si mesmo, se é o Cristo de Deus, o Eleito!”
(23:35). Também em Marcos três tipos de caçoadores estão presentes,
porém o paralelismo dos insultos é destruído e a identidade dos que
escarnecem não é a mesma. Os insultos do malfeitor (Lc 23:39) estão
ausentes em Marcos (15:32b); só as palavras dos chefes (Lc23:35b) são
similares (15:31 e s.). Em Marcos, os soldados que caçoam de Jesus
(Lc 23:36 e s.) estão completamente ausentes; Marcos, contudo, intro­
duz os transeuntes como 0 primeiro grupo (Mc 15:29 e s.) e sua chacota
é nova e diferente. Só 0 final, “Salva-te a ti mesmo” é paralelo. Se, de
uma versão para outra, um paralelismo é destruído, isto quase sempre
significa uma abordagem secundária, menos bem sucedida, dos relatos.
Em Marcos (15:35 e s.), novos motejadores judeus aparecem após
as palavras na cruz. A descrição ilustra o talento fabulístico de Marcos,
que também descobrimos alhures, mas uma coisa, inter alia, fala contra
a originalidade e a historicidade do que é descrito, específicamente, a
temática do vinagre, por ele introduzida de modo tão pitoresco (15:36).
Vem, como já vimos, dos soldados romanos (Lc 23:36 e s.), sobre os
quais Marcos nada sabe. Ao que parece, ele não foi muito feliz em
sua manipulação. Os soldados romanos ao redor da cruz poderíam
oferecer, zombeteiramente, vinagre ao crucificado, mas é difícil ima­
ginar que permitissem a um dos observadores judeus aproximar-se de
Jesus e oferecer-lhe, num caniço, uma esponja embebida em vinagre.
É claro que isso não pode ser completamente excluído numa execução
tumultuada, porém a pressuposição é supérflua, já que temos Lucas.
Esta consideração se aplica não só ao incidente com 0 vinagre, como a
O CRUCIFICADO E OS JUDEUS 195

toda a descrição da crucificação. O que lemos em Marcos é um retrato


vivo, não totalmente impossível, mas que é o fruto da imaginação -
com certeza em nosso caso - de sua inclinação. Não poderiamos ter
reconhecido este fato sem 0 relato de Lucas, mas quando comparamos
Marcos com Lucas vemos que, com base em Lucas, podemos apreciar
as falhas na construção de Marcos e o motivo para seu tratamento do
material. Podemos portanto pressupor que, também em nosso caso,
Marcos e Lucas tinham textos similares a partir dos quais trabalharam,
e que Marcos 0 fez de acordo com seu gosto e inclinação.
Em Lucas, a multidão judaica lamenta 0 crucificado Jesus de
Nazaré; em Marcos, está contra ele. A demonstração da veracidade
histórica de Lucas seria muito importante para a alegada culpa judaica
na morte de Jesus. É de igual forma relevante que, em Marcos, já
exista uma mudança desvantajosa para os judeus. Deste modo, nele
encontramos 0 início do movimento em direção à difamação dos
judeus, que teria consequências tão cruéis e inumanas por toda a his­
tória. A partir daí, vemos que, com 0 grito “Crucifica-ο!”, nem mesmo
Lucas está livre desta tendência infeliz21. É quase certo que as primei­
ras fontes não apresentavam esta distorção e partimos do pressuposto
que ela tampouco estivesse presente nas traduções gregas que servi­
ram de base para os Evangelhos.
A descrição da crucificação em Lucas não pode ser secundária, pela
razão de que na história dos primórdios do Cristianismo, nunca houve
um movimento orientado à amizade com judeus, porém sempre um
desenvolvimento em direção à hostilidade22. A fim de definir 0 lugar de
Marcos neste processo, será necessário investigar todo 0 seu Evange­
lho. No que tange à sua narrativa da crucificação, vemos que os judeus
são incriminados, mas ainda não condenados enquanto nação e religião.
Mateus não é mais hostil do que Marcos em seu relato da crucificação.
Neste capítulo, ele não intensifica a tendência de Marcos, sua fonte.
Em outros versículos, entretanto, 0 editor final de Mateus deu um passo
adiante em sua inclinação antijudaica, como tentei demonstrar alhures23.
O quadro todo não é muito agradável. Talvez a tensão entre os
cristãos e os judeus e 0 Judaísmo tivesse sido, em certa ocasião, his­
toricamente necessário para produzir o movimento do Cristianismo
enquanto religião independente. Agora, 0 andaime pode ser removido
com segurança mas, infelizmente, tarde demais. O Cristianismo não

21 Também João tendenciosamente aumenta 0 volume e a repetição do grito “Cru­


cifica-o” (Jo 19:6, 15), mas as primeiras pessoas a gritar (19:6) ainda são “os
sumos sacerdotes e os guardas” .
22 As seitas judaico-cristãs são uma exceção. Após terem sido rejeitadas pela Igreja,
começaram a enfatizar sua judaicidade, aproximando-se mais dos judeus.
23 Ver, de minha autoria, “Two Anti-Jewish Montages in Matthew” e “Matthew’s
' Verus Israel’ ”, Judaism, pp. 552-574.
196 JESUS

mais tenderá a ser antijudaico apenas quando a raiz da doença for


tratada. Justificativas fanáticas de nada ajudam. Deve-se reconhecer
que 0 antijudaísmo cristão não foi um lapso que ocorreu por acaso.
O antijudaísmo é padrinho da formação do Cristianismo. Tentamos
demonstrar isto com base em um exemplo, e com ele prestar um bom
serviço para nossos irmãos cristãos.
18. Considerações Adicionais:
Jesus Lamenta
por Jerusalém'

No ensaio precedente, tentamos demonstrar porque a descrição


de Lucas da crucificação é mais fiel do que a dos dois outros Evange­
lhos Sinóticos. De acordo com Lucas, Jesus foi acompanhado em sua
última jornada pela solidariedade de seu próprio povo. Ao contrário,
segundo Marcos - que é aceito por Mateus - ele foi abandonado por
todos, à exceção daqueles que formavam 0 núcleo da futura Igreja.
Queremos demonstrar que a tendenciosidade de Marcos é também
palpável em sua eliminação virtual da expressão dos fortes laços de
Jesus com Jerusalém e seu futuro trágico. A narrativa da Paixão de
Lucas fala frequentemente (Le 13:34-3512; 19:41-44; 21:28; 23:27-31)
da ligação de Jesus com a “Cidade do Grande Rei” (Mt 5:35), mas
apenas sua profecia sobre a destruição do Templo (Lc 21:5-7) tem
paralelo em Marcos 13:2-4 (e M t24:l-3).
Muito já se escreveu sobre o assim chamado “apocalipse sinó­
tico” (Marcos capítulo 13). R. L. Lindsey3 presumiu corretamente que
0 texto todo é uma obra de composição. O último fruto de nossa cola­
boração filológica sobre 0 tema presente foi incluído em um dos meus

1 Este artigo é dedicado a Maia, nossa neta mais nova.


2 Mais tarde abordaremos o texto paralelo em Mt 23:37-39.
3 R. L. Lindsey, “Λ Modified Two-Document Theory‫ ׳׳‬of the Synoptic Dependence
and Interdependence”, Novum Testamentum 6, 1963, pp. 239-263; ver especial­
mente pp. 243-244.
198 JESUS

estudos em hebraico4. A investigação concluiu que muito embora


todas as fontes deste “apocalipse” falassem sobre 0 futuro, só uma
pequena parte da narrativa em Lucas descreve os últimos dias5. Lucas
sabia muito bem que estava falando sobre vários períodos do futuro
após a crucificação. Ele próprio indica explícitamente os vários pon■
tos no tempo ao escrever: “Pois é preciso que primeiro aconteça isso,
mas não será logo 0 fim (21:9)... Antes de tudo isso, porém (21:12)...
Quando virdes (21:20)... então (21:21)... até que se cumpram os tem­
pos das nações (21:24)... Quando começarem a acontecer essas coisas
(21:28)”. Lucas apresenta os seguintes períodos distintos de tempo:
a destiuição do Templo (21:5-6); 0 surgimento futuro dos falsos pro­
fetas quiliásticos (21:7-8); as catástrofes dos últimos dias (21:9-11);
as perseguições aos discípulos após a crucificação (21:12-19); a con­
quista romana de Jerusalém, as tribulações de Israel e 0 período de
sua dispersão (21:20-24); 0 advento escatológico do Filho do Homem
(21:20-23); “vossa libertação” (21:28).
A descrição das futuras perseguições aos discípulos de Jesus (Lc
21:12-19 e Mc 13: 9-13a) está ausente em Mateus, porque ele já a
havia apresentado (Mt 10:15-23). O destino futuro dos discípulos
está incluído em Mateus no final do conselho de Jesus aos Doze,
quando os envia (Mt 10:5-15). Acredito que Mateus preservou 0 Sitz
im Leben original deste dito, porque sua forma de falar é preferível
aos seus paralelos em Lucas (21:12-19) e Marcos (13:9-13a)6. Outra
questão ainda deve ser formulada. Teria a profecia sobre a destruição
de Jerusalém em Lucas 21:20-23 sido escrita após a catástrofe real ou
é possível que estas fossem as próprias palavras de Jesus? Um eru­
dito clássico eminente7 demonstrou que as palavras de Lucas sobre
0 futuro trágico de Jerusalém poderiam ter sido pronunciadas antes
da catástrofe final. Assim, Lucas 21:20-23 pode ter sido uma profe­
cia de destruição feita pelo Jesus “histórico”, em especial porque se
sabe muito bem que ele não estava só entre aqueles de sua época que
previram 0 que aconteceria.

4 D. Flusser, “Uma Profecia sobre Jerusalém no Novo Testamento”, Jewish Sour■


ces in Early Christianity, Tel Aviv, 1979, p. 253-274 (em hebraico).
5 Os elementos indiscutivelmente “escatológicos” estão, estritamente falando, em
Lc 21:1011 ‫ ־‬e 25-27. Sobre a segunda passagem, ver infra, nota 9.
6 Um exemplo instrutivo para compreender a questão sinótiea é a evolução das
palavras de Jesus em Mt 10:17-18 sobre as futuras perseguições aos discípulos,
que serão proferidas para as autoridades judaicas e as gentias, “para dar teste­
munho perante eles (os judeus) e perante as nações”(cf. At 9:15). Isso é repetido
no “Apocalipse Sinótico” - numa versão pior - em Mc 13:9 e 0 versículo 10 (“É
necessário que primeiro 0 Evangelho seja proclamado a todas as nações”) é uma
adição. Mc 13:10 foi tomado e ampliado por Mt 24:14.
7 C. H. Dodd, “The Fall of Jerusalem and the ‘Abomination o f Desolation’ ”,
Journal o f Roman Studies 37, 1947, p. 47-54. Ver também I. H. Marshall, Com■
menta/γ on Luke, Grand Rapids, 1979, p. 771.
CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS: JESUS LAMENTA POR JERUSALÉM 199

O Arco de Tito.

Agora, o caminho está aberto para uma apreciação correta do


esboço referente à história futura do povo judeu (Lc 21:20-24,28)s.

Quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei que está próxima a sua
devastação. Então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes, os que estiverem
dentro da cidade saiam e os que estiverem nos campos não entrem nela, porque serão
dias de punição, nos quais deverá cumprir-se tudo 0 que foi escrito. Ai daquelas que
estiverem grávidas e estiverem amamentando naqueles dias! Com efeito, haverá uma
grande angústia na terra e cólera contra este povo. E cairão ao fio da espada, levados
cativos para todas as nações, e Jerusalém será pisada por nações até que se cumpram
os tempos das nações..89. Quando começarem a acontecer essas coisas, erguei-vos e
levantai a cabeça, pois está próxima a vossa libertação.

8 D. Flusser, “ Uma Profecia sobre Jerusalém no Novo Testamento” (supra, nota


4), pp. 253-274.
9 Segundo os apócrifos Salmos de Salomão (17:21-22), o Filho de Davi “puri­
ficará Jerusalém dos gentios que nela pisam". Isso foi escrito pouco depois da
conquista de Jerusalém por Pompeu (ver Charlesworth, Pseudepigrapha, 11, p.
667). Omiti aqui a descrição apocalíptica do advento futuro do Filho do Flomem,
muito embora esteja presente nos três Evangelhos Sinóticos (Mt 24:29-31; Mc
13:24-27; Lc 21:25-26), e não se possa excluir a hipótese de que a passagem
tivesse pertencido ao discurso original o que, no entanto, não é comprovado (ver
Taylor, Mark, pp. 517, 519 e Marshall, Luke, p. 774). O certo é que Lc 21:25-26
200 JESUS

Após ter dito que a libertação de seu povo estava próxima, Jesus
concluiu (em Mt 24:32-33; Mc 13:28-29; Lc 21:29-31) sua visão do
futuro, dizendo, “Vede a figueira e as árvores todas. Quando brotam,
olhando-as, sabeis que 0 verão já está próximo. Da mesma forma
também vós, quando virdes essas coisas acontecerem, sabei que 0
Reino de Deus está p r ó x i m o Jesus alude aqui à figueira do Cântico
dos Cânticos 2:13, em consonância com a opinião judaica comu-
mente aceita de que toda a passagem (2:11-13) fala sobre a redenção
de Israel10. A relação intrincada da temática da redenção com a alusão
de Jesus ao Cântico dos Cânticos 2:13 é interrompida pela omissão
de Marcos do paralelo a Lucas 21:28, “Levantai a cabeça, pois está
próxima a vossa libertação” . Uma vez mais, vemos que a estrutura
original dos ditos de Jesus é melhor preservada em Lucas,
A passagem em Lucas é produto de um esquema profético básico
das Escrituras11. Em geral, tem início com uma destruição. Seguem­
-se, como consequência, tribulações e sofrimento na dispersão, culmi­
nando na alegria do retorno à terra natal, quando 0 tempo está maduro.
O exemplo mais antigo deste paradigma é encontrado nas palavras
de Deus a Abraão (Gn 15:13-16). Ali, a destruição está ausente, mas
os descendentes de Abraão serão estrangeiros numa terra que não a
deles, escravizados e oprimidos; depois, entretanto, retornarão. Isto
acontecerá somente na quarta geração, “Porque até lá a iniquidade
dos amorreus não terá atingido o seu cúmulo”. O antigo esquema res­
surge posteriormente no livro de Tobias (14:4-5). Ali, 0 Tobias mais
velho descreve 0 futuro para sua família. Jerusalém ficará desolada e
0 (Primeiro) Templo queimado, porém ao final, os judeus retomarão
à sua casa e reconstruirão o Templo. Este (Segundo) Templo não será

constitui uma interrupção entre os versículos 21:24 e 21:28; de mais a mais, a


passagem sobre 0 Filho do Homem é puramente grega e não revela quaisquer
traços de hebraísmos (ou mesmo pseudo-hebraísmos). É mais natural conside·
rar que as palavras “Quando começarem a acontecer estas coisas”(v. 28) sejam
uma continuação do versículo 24, “até que se cumpram os tempos das nações”.
Deve-se atentar também para a dissemelhança entre a descrição detalhada do
advento do Filho do Homem no “Apocalipse Sinótico” e a concepção de Jesus
de que 0 dia do Filho do Homem virá como um ladrão noturno (ver 1 Ts 5:2). O
próprio Jesus expressou claramente sua posição em Lc 17:22-37 (os versículos
25 e 33 são evidentemente interpolados e, possivelmente o mesmo ocorre com
0 versículo 31). Mateus viu a identidade do tema entre as duas passagens, mas
não reconheceu que elas são contraditórias (ver Mt 24:26-28)1
10 Ver, e.g., a tradução aramaica muito antiga de toda a passagem e Cânticos Rabá
sobre Ct 2:13. Estas fontes refletem 0 tempo após a destruição do Templo, ao
passo que a interpretação de Jesus de Ct 2:13, “Despontam figos na figueira”
porque “0 inverno já passou” (Ct 2:11) é anterior. Jesus explica que “quando
suas folhas começam a brotar, sabeis que está próximo, às portas”. A propósito,
a parábola da figueira de Jesus (Lc 13:6-9) também depende de Lc 21:28.
11 D. Flusser, “Uma Profecia sobre Jerusalém no Novo Testamento”, pp. 258-259.
CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS: JESUS LAMENTA POR JERUSALÉM 201

“como o primeiro” Templo de Salomão, “até estarem completos os


tempos”, isto é, na época da redenção plena. Aquí, o esquema profé­
tico é mais complexo, contudo sua estrutura principal é preservada:
destruição, dispersão e um retorno glorioso à terra natal. A similari­
dade entre esses dois exemplos e Lucas 21:24 é extraordinária. A partir
da comparação com os outros dois textos, não pode haver dúvida de
que o versículo em Lucas, “E Jerusalém será pisada por nações, até
que se cumpram os tempos das nações” só pode significar que Jeru­
salém não mais será pisada pelos gentios quando finalmente seus (isto
é, dos gentios) tempos chegarem ao fim12. Estou pessoalmente fas­
cinado pela forma em que este esquema literário é recorrente não só
em textos, como também na longa história concreta do povo judeu13.

Moeda com a inscrição Judaea Capta - após a conquista romana de Jerusalém, 70


d.C. '

12 Para a conveniência do leitor, citarei as frases similares nas três fontes. Gn 15:16,
“porque até lá a iniquidade dos amorreus não terá atingido 0 seu cúmulo”; Tb
14:5, “até estarem completos os tempos”; Lc 21:24, “até que se cumpram os
tempos das nações” .
13 Pode haver uma dependência recíproca entre estas duas esferas.
202 JESUS

Não vejo nenhum obstáculo em aceitar a passagem sobre a liberta­


ção futura de Israel como um pronunciamento autêntico do Jesus “his­
tórico”. Por que deveriamos duvidar de sua solidariedade para com seu
povo? Não deveria ele sentir 0 mesmo pesar e as mesmas esperanças
que seus compatriotas? Quem teria culpado um pastor holandês - ou
um padre - quando este ansiava pela libertação dos Países Baixos do
jugo da ocupação estrangeira? Segundo Lucas, este sentimento era
também compartilhado pelos discípulos de Jesus. “Nós esperávamos
que fosse ele quem iria redimir Israel” (Lc 24:21). Uma vez mais, de
acordo com Atos 1:6-7, os apóstolos perguntaram ao Jesus ressurrecto,
“Senhor, é agora o tempo em que irás restaurar a realeza em Israel?”
E ele respondeu-lhes: “Não compete a vós conhecer os tempos e os
momentos que 0 Pai fixou com sua própria autoridade”.
O mesmo desejo pela libertação de Israel é atestado nos eventos da
infância de Jesus, no Templo de Jerusalém (Lc, capítulo 2)14. Quando
para lá foi levado, ambos, 0 idoso Simeão, que “esperava a consolação de
Israel” (Lc 2:25) e a profetisa Ana (Lc 2:36-38), conheceram 0 menino.
A profetisa “falava do menino a todos os que esperavam a redenção15de
Jerusalém”. “A libertação de Sião” e “a redenção de Sião” são as pala­
vras de ordem cunhadas nas moedas da primeira revolta contra Roma,
e o lema “liberdade de Jerusalém” estava cunhado nas moedas de Bar
Kokhba16. As concepções dos círculos aos quais Simeão e Ana perten­
ciam refletem-se num dos salmos extracanónicos de um rolo de Qumran
(versículos 3-4 e 9): “Geração após geração em ti (Jerusalém) habitare­
mos e gerações de justos serão teu esplendor: aqueles que anseiam pelo
dia de tua salvação, regozijar-se-ão na grandeza de tua glória... Como
esperaram por tua salvação, teus puros por ti lamentaram”17.
Jesus lamentou por Jerusalém pela primeira vez no início de sua
última jomada (Lc 13:34-35): “Jerusalém, Jerusalém, que matas os pro­
fetas e apedrejas os que te foram enviados, quantas vezes quis eu reunir
teus filhos como a galinha recolhe seus pintainhos debaixo das asas, mas
não quiseste! Eis que vossa casa ficará abandonada”18. Ele pronunciou
seu lamento depois de ter sido advertido por alguns fariseus de que
Herodes Antipas tentava matá-lo. Naquela ocasião, disse que já estava

14 Ver Judaism, p. 127.


15 O substantivo grego em Lc 2:38, λυςιτροισις, [redenção] tem a mesma raiz e
significado que α*πολυςττρωσις (libertação) em Lc 21:28. Este tíltimo aparece
nos Evangelhos apenas em Lc 21:28; λυςιτρω σις figura também em Lc 1:68.
Ambos os substantivos são equivalentes ao hebraico “gueulá”, que aparece nas
moedas hebraicas da Primeira Revolta e da Revolta de Bar Kokhba. Ver Schürer,
vol. 1, pp. 605-606.
16 Ver Schürcr, idem.
17 J. A. Sanders (ed.), The Psalm Scroll from Qumran Cave 11, DJD IV, Oxford,
1965, pp. 86-87.
18 Omiti aqui 0 versículo seguinte (Lc 13:35b; Mt 23:39).
CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS: JESUS LAMENTA POR JERUSALÉM 203

a caminho da cidade, “pois não convém que um profeta pereça fora de


Jerusalém” (Lc 13:33b). Em Lucas, o lamento de Jesus por Jerusalém
é uma sequência da sentença precedente. Mateus (23:37-39) preserva
0 lamento de forma mais ou menos idêntica ao paralelo em Lucas. Este
lamento por Jerusalém é a única passagem comum a Mateus e Lucas
que não aparece em Marcos. Caso contrário, Mateus segue Marcos em
seu silêncio quase que completo sobre Jerusalém. Todavia, em Mateus
0 lamento por Jerusalém é colocado - não intencionalmente - em lugar
errado. Lucas (13:34-35) insere 0 lamento logo depois da advertência
dos fariseus; em Mateus (23:37-39), ele é apresentado - antes do anún­
cio da destruição do Templo de Jerusalém (Mt 24:1-2) - como uma
conclusão final das invectivas de Jesus contra os fariseus! Atransposi-
ção que Mateus faz do cenário indica que são os próprios fariseus “que
matam os profetas”. Nos dias de Jesus, é certo que eles não matavam
nem tampouco perseguiam os visionários (Mt 23:29-31).
O pâthos no lamento de Jesus por Jerusalém é 0 mesmo que em
sua profecia sobre a destruição da cidade em Lucas 19:41-4419. Quando
Jesus se aproximou de Jerusalém e viu a cidade, chorou, dizendo:

Ah! Sc neste dia também tu conhecesses a mensagem de paz! Agora, porém, isso
está escondido a teus olhos. Pois dias virão sobre ti, e os teus inimigos que cercaram
com trincheiras, te rodearão e tc apertarão por todos os lados. Deitarão por terra a ti e
a teus filhos no meio de ti, e não deixarão de ti pedra sobre pedra, porque não reconhe­
ceste 0 tempo em que foste visitada!

A “visita” pretende ser a ocasião da salvação, conforme procla­


mada por Jesus. Não reconhecida como tal, esta mesma visita torna­
-se a base para um julgamento que ainda virá20. A cidade poderia ter
aprendido 0 caminho da paz a partir de seus ensinamentos; antes (Lc
13:1-9), Jesus deixara totalmente explícito 0 que queria dizer: “Se não
vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo” (ver Lc 13:3 e
5)21. Ele apresenta ao povo um prazo final em sua parábola da figueira
estéril - “se a figueira não dá frutos, será cortada”. Jesus chorou por
Jerusalém, porque temia que ela rejeitasse sua mensagem. No entanto,
Jerusalém teve sua oportunidade (Lc 19:41-44)22. Jesus manteve as
intenções que declarara ao iniciar sua jornada para a cidade (Lc 13:34­
35). Frequentemente ansiava por salvar Jerusalém, mas 0 povo não
quis. “Eis que vossa casa ficará abandonada”.

19 Sobre a autenticidade da passagem, ver em especial 0 estudo de Dodd, op. cit.,


e Marshall, op. cit., pp. 7177 1 9 ‫־‬.
20 Marshall, op. cit., p. 719.
21 Sobre a parábola e seus paralelos rabínicos, ver D. Flusser, Die Gleichnisse,
Berna, 1981, pp. 8 0 8 5 ‫ ;־‬C. Thoma & S. Lauer, Die Gleichnisse der Rabbinen,
Berna, 1986, vol. 1, pp. 237-239, 321-323.
22 Marshall, op. cit., p. 717.
204 JESUS

Mesmo durante os passos agonizantes de Jesus em direção à sua


morte violenta, ele estava consternado pela tragédia futura de Jerusa­
lém. Um grande número de pessoas 0 seguiu, muitas mulheres entre
os que se lamentavam por causa dele. Jesus voltou-se e disse:

Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai, antes, por vós mesmas e por
vossos filhos! Pois, eis que virão dias em que se dirá: “Felizes as estéreis, as entranhas
que não conceberam e os seios que não amamentaram! Então, começarão a dizer às
montanhas: Caí sobre nós! E às colinas: Cobri-nos! Porque se fazem assim com o lenho
verde, o que acontecerá com o seco?” (Lc 23:27-31 )2J.

O lenho verde é difícil de acender, ao passo que 0 seco queima


com facilidade. Se a vida do pio Jesus termina com a tragédia, 0 que
acontecerá com uma Jerusalém pecaminosa? O desastre é inevitável,
porém há esperança para Jerusalém num futuro distante, quando se
cumprirem os tempos das nações (Lc 21:24).
Vimos que 0 retrato feito por Lucas dos fortes laços de Jesus
com Jerusalém é historicamente fidedigno e consistente, mas está
mais ou menos ausente em Marcos - a única exceção é Marcos 13:2,
na introdução ao “Apocalipse Sinótico”2324! Significa isso que 0 Jesus
“de Lucas” é judeu demais, ou que Marcos, de propósito, mudou 0
quadro? Afortunadamente, pode-se demonstrar com facilidade que a
reelaboração da tradição é oriunda de Marcos. Quando, no “Apoca­
lipse Sinótico”, Jesus fala sobre a tragédia futura de Jerusalém, Mar­
cos omite ou substitui Jerusalém e 0 povo judeu pelos “eleitos”25, i.e.,
os crentes cristãos, 0 núcleo da futura Igreja. Marcos 13:19b-20 (e Mt
24:21-22) provavelmente constitui 0 melhor exemplo desta técnica.
Enquanto em Lucas 21:23-24 Jesus fala sobre a destruição iminente
como “a cólera contra este povo” e a tragédia da nação judaica “até
que se cumpram os tempos das nações”, Marcos (13:19b-20) emprega
a expressão apocalíptica mais comum “a abreviação dos dias”26,

23 Para paralelos judaicos do proverbial versículo 31, ver Billerbeck, II, pp. 262­
263; Brown, The D e a th o f th e M e s s ia h , vol. 2, pp. 924-927.
24 Conforme já dito, Mateus segue Marcos, à exceção de Mt 23:37-39, que é idén­
tico a Lc 13:34-35. De acordo com a solução sinótica clássica das “duas fontes”,
a passagem é extraída de Q.
25 Além do “Apocalipse Sinótico” em Marcos (13:20, 22 e 27) e seus paralelos em
Mateus (24:22,24 c 30), 0 termo “os eleitos” aparece duas vezes no final de uma
parábola: uma vez em Mateus (22:14), a outra em Lucas (18:7). Nos dois casos,
0 termo não possui a conotação específica que tem em Marcos, e aparentemente
não se origina de Jesus. Parece-me que a designação “os eleitos” é dualista e não
se ajusta à teologia de Jesus. Acerca da raiz essênica deste conceito, ver D. Flus-
ser, J u d a is m , pp. 30-31. Uma observação importante - antes da descoberta dos
Rolos de Qumran - foi feita por E. Meyer no capítulo sobre os essênios em sua
obra V rs p ru n g u n d A n fü n g e d e s C h r is te n tu m s , vol. 2 (Stuttgart, 1921), p. 402.
26 Ver, e .g ., 0 R o lo d e G u e r r a d e Q u m r a n (1QM )1:11-12: “Este é um tempo de
forte inquietação para o povo que deve ser redimido por Deus. Em todas as suas
CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS: JESUS LAMENTA POR JERUSALÉM 205

dizendo que Deus abreviará os dias “por causa dos eleitos que esco­
lheu”. Dois versículos depois, Marcos 13:22 (e Mt 24:24), nutnapas-
sagem sem paralelo em Lucas, diz, “Hão de surgir falsos messias e
falsos profetas, os quais apresentarão sinais e prodígios para enganar,
se possível, os eleitos”.
O terceiro - e mais interessante - surgimento dos eleitos está em
Marcos 13:24 (e Mt 24: 31), no final da passagem sobre 0 advento
do Filho do Homem, que “enviará os anjos e reunirá seus eleitos,
dos quatro ventos, da extremidade da terra à extremidade do céu”.
A congregação da Igreja gentia é um conceito básico dos primordios
do Cristianismo27 que, com rapidez, perdeu sua importância. Origi­
nalmente, os dois conceitos de congregação estavam associados28,
entretanto a situação modificou-se quase que de imediato. As fon­
tes subsistentes revelam vários graus de conexão ou tensão entre a
esperança pela congregação do antigo Israel e a reunião dos crentes
gentios. Por vezes tem-se a impressão de uma espécie de rivalidade
entre antigos e novos conceitos da congregação dos dispersos. Todo
0 antigo complexo cristão é fluido.
Não há contraste visível em João 11:52 e 12:32 entre 0 Israel
histórico e a congregação da Cristandade gentia. Jesus não morreu
só pela nação judaica, mas também “para congregar na unidade todos
os filhos de Deus dispersos” (Jo 11:52). De acordo com este Evange­
lho, supôe-se que Jesus tenha dito, “Quando eu for elevado da terra,
atrairei todos a mim” (Jo 12:32). Isso nos faz recordar da estranha
descrição em 1 Ts 4:15-17, quando Paulo descreve “a vinda de nosso
Senhor Jesus Cristo e a nossa reunião com ele” (ver 2 Ts 2:1). Do
mesmo modo, “Quando 0 Senhor... descer do céu, então os mortos em
Cristo ressuscitarão primeiro; em seguida nós, os vivos que estiver­
mos lá, seremos arrebatados com eles nas nuvens para 0 encontro com
0 Senhor, nos ares. E assim, estaremos para sempre com 0 Senhor”.
No antigo documento cristão, 0 Didaquê (c. 100 d.C.), a congregação
dos cristãos é mencionada duas vezes, sem a ascensão apocalíptica às

inquietações, nunca houve outro [tempo] igual a este, apressando-se sua conclu­
são para a redenção eterna”. Ver a observação de Y. Yadin em T h e S c r o ti o f th e
W ar o f th e S o n s o f L ig h t, Oxford, 1962. Todo este sistema complexo baseia-se em
Daniel 12:1 e numa exegese de Is 60:12, “Em seu tempo, eu 0 apressarei”. Ben
Sirac (36:10) diz: “Apressa 0 fim, lembra-te do término!” Ver também Billerbcck,
op. c it., 1, pp. 599-600 e 953. Ver especialmente TB, T ra ta d o S a n h e d rin 98a: “Se
Israel 0 merecer, ‘Eu o apressarei’, mas se ele não 0 merecer: ‘Em seu tempo’ ”.
Ver também o Apocalipse Grego de Baruc 4:3 e Os Salmos de Salomão 17:45.
27 Acerca desta noção, ver L. Clerici, E in s a m m lu n g d e r Z e r s tr e u te n , Münster,
1966; K. Niedcrvvimmcr, D ie D id a c h e , Gottingen, 1989, pp. 187-191; D. Flus-
ser, “Matthew’s 'Verus Israel’ ”, J u d a is m , pp. 561-574. Ver a citação bíblica
composta em 1 A p o lo g ia 52:10, de Justino, 0 Mártir. Cf. Skarsaune, pp. 76-78.
28 Ver em especial At 1:6-8 e minha contribuição sobre Paulo na T h e o lo g is c h e
R e a le n z y k lo p ã d ie , a ser publicada.
206 JESUS

nuvens - específicamente, nas orações de Eucaristia nos capítulos 9


e 10: “Como este pão partido, antes disperso sobre as montanhas, foi
reunido para tornar-se um único. Que assim Tua Igreja seja congre­
gada, no Teu Reino, das extremidades da terra” (Did 9:4). “Recorda-te,
Senhor, de Tua Igreja e, congrega-a dos quatro ventos, esta Igreja que
santificastes no Reino que para ela preparastes” (Did 10:5).
Em João 11:52, a congregação dos crentes gentios é mencionada
juntamente com a nação judaica; nas duas Epístolas aos Tessaloni-
censes e no Didaquê lemos sobre a congregação da Igreja, sem qual­
quer conexão à reunião de Israel. A situação é ainda pior no assim
denominado V Esdras29, e no conceito representado no Diálogo com
0 Judeu Trifão, da autoria de Justino, 0 Mártir (c. 100-105 d.C.), onde
aparece em 26:1; 80:1; 113:3-4; 139:4-530. Em V Esdras e em Justino,
0 Mártir, a congregação cristã vem em lugar da congregação do Israel
“histórico”. Não são os judeus, mas os cristãos gentios que herdarão
a Terra Santa e Jerusalém. Justino, 0 Mártir, insiste que então os cris­
tãos gentios serão reunidos, todavia os judeus que se opõem ao Cris­
tianismo “nada herdarão na Montanha Sagrada, mas os gentios que
nele acreditarão... receberão a herança...” (26:1). De forma similar em
V Esdras, (2:10-13), Deus diz: “Fazei saber a meu povo que Eu lhes
darei 0 reino de Jerusalém que dei a Israel... o reino já está preparado
para vós” (ver também 1:24-27, 30-40).
Alhures31, tentei demonstrar que 0 redator final do Evangelho de
Mateus abraçou os mesmos pontos de vista que V Esdras e a escatolo-
gia contida no Diálogo de Justino, 0 Mártir, e que até mesmo existem
temáticas literárias comuns às três fontes. É aqui suficiente mencionar
duas passagens de Mateus. “Por isso vos afirmo que 0 Reino de Deus
vos será tirado e confiado a um povo que produza seus frutos” (Mt
21:43). “Mas eu vos digo que virão muitos do oriente e do ocidente
e se assentarão à mesa no Reino dos Céus, com Abraão, Isaac e Jacó,
enquanto os filhos do Reino serão postos para fora, nas trevas, onde
haverá choro e ranger de dentes” (Mt 8:11-12)32.

29 Estes são os dois primeiros capítulos de IV (ou 0 Segundo Livro de) Esdras. Estão
preservados somente em latim e não pertencem ao livro em si. O pequeno iivreto
foi escrito originalmente em grego; é de procedência cristã e foi evidentemente
escrito no século II d.C. A tradução inglesa aqui utilizada é a de J. M. Myers, 1
a n d I I E s d r a s , Th e Anchor B ib le , New York, 1974, pp. 140-158. Outra tradução
existente está em Charlesworth, op. cit., vol. 1, pp. 525-532. Ver também, de
minha autoria, “Verus Israel”, op. cit., pp. 568-571. Acerca da transferência da
eleição de Israel para a Igreja Gentia, ver Skarsaune, pp. 326-374.
30 D. Flusscr, idem.
31 D. Flusscr, Judaism, pp. 558-574.
32 Justino, o Mártir certamente compreendeu de forma correta 0 redator final de
Mateus, ao citar três vezes (Diálogos, 76:4; 120:5-6; 140:4) a passagem em Mt
8:11-12 como prova das Escrituras para a concepção de que a eleição do Israel
culpado fora abolida e transferida para a Igreja Cristã.
CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS: JESUS LAMENTA POR JERUSALÉM 207

Até que ponto Marcos estava ligado a uma posição tão perigosa?
É claro que ele via os crentes cristãos como um corpo separado dos
judeus não cristãos. Marcos menciona apenas a congregação escatoló-
gica dos crentes cristãos. Ainda assim, não há sinal nenhum de que
ele também acreditasse que a eleição de Deus tinha sido transferida
para a Cristandade gentia, e que “os filhos do reino” seriam conde­
nados ao inferno. Muito embora Marcos não estivesse predisposto a
aceitar a posição radical (ver Mc 12:29) do redator final de Mateus,
este último não sentiu ser necessário opor-se a Marcos.
O desenvolvimento infeliz de Lucas a Marcos e dali ao redator
final de Mateus pode ser mostrado pela história sinótica de Lucas
4:3233. De acordo com este dito em sua forma mais antiga, quando
Jesus começou seu ministério na sinagoga em Cafamaum, os ouvintes
ficaram pasmos “porque falava com autoridade” (Lc 4: 32). Marcos
1:22 deixa 0 significado mais explícito, “ Estavam espantados com 0
seu ensinamento, pois ele os ensinava como quem tem autoridade e
não como os escribas”. Mateus (7:28-29) repete as palavras de Mar­
eos. Ele “esclarece” ainda mais a situação, falando sobre “seus escri­
bas”, mas também transfere, propositadamente, 0 espanto dos ouvintes
de Jesus para outra situação. “Aconteceu que ao terminar Jesus essas
palavras, as multidões ficaram extasiadas com 0 seu ensinamento, por­
que as ensinava com autoridade e não como os seus escribas.” E, qual
é “0 discurso” que Jesus, de acordo com o redator final de Mateus,
concluiu naquele momento? O “Sermão da Montanha” que, na ver­
dade, assemelha-se muito ao “ensinamento dos escribas”. Sentimo­
-nos intrigados com as tendências sutis na metamorfose da sentença.
É provável que Marcos não tenha previsto aonde suas modificações
literárias iriam levar. Por outro lado, é difícil negar que, mesmo no
Evangelho de Marcos, estas forças centrífugas posteriores já estives­
sem operando.
A peregrinação de Jesus a Jerusalém é 0 primeiro ato de sua tra­
gédia. Ele não se dirigiu para lá a fim de curar, mas como 0 profeta
da destruição. Quis evitar o inevitável. Tinha até mesmo vaticinado
que lá morrería, como outros profetas antes dele (Lc 13:33). Tentei
mostrar que este sentimento é uma realidade histórica e não uma
invenção de Lucas. Nossas conclusões são resultado de uma análise
literária do “Apocalipse Sinótico” em sua forma marciana (e matiana).
Marcos omite deliberadamente - com uma exceção (Mc 13:2)34 - de
seu “apocalipse” qualquer menção à tragédia futura de Jerusalém. Ao
invés, coloca por três vezes nos lábios de Jesus (Mc 13:20, 22, 27)
declarações sobre 0 futuro dos eleitos, i.e., o núcleo cristão da futura

33 D. Flusser, Die rabbinischen Gleichnisse, pp. 209-213.


34 Marcos necessita desta menção à futura destruição do Templo a fim de trazer 0
“Apocalipse Sinótico” seguinte.
208 JESUS

Igreja. No final, Jesus não é apenas um santo e solitário homem kaf­


kiano, abandonado em sua morte e desprezado por seu próprio povo,
mas seu ensinamento sequer é considerado parecido ao dos sábios
judeus. De acordo com Marcos, os laços de Jesus com seu povo e
com Jerusalém são praticamente inexistentes. Marcos não preserva
quase nada sobre o futuro das crianças de Israel e sua cidade santa. A
menção a elas é substituída pelos “eleitos”, os crentes cristãos. Deste
modo, Marcos já mostra sintomas de uma eclesiologia exclusivista35.
Admiro pessoalmente sua engenhosidade ao criar, compelido por seu
impulso sectário, a figura imponente de um gigante santo e solitário!
Seria irresponsável culpar Marcos pelos desenvolvimentos subsequen­
tes - devemos ser cautelosos em nosso julgamento. Mesmo assim,
podemos ser gratos a Lucas por ter preservado 0 verdadeiro quadro
histórico da solidariedade de Jesus para com seu povo.

35 Nada disso pode ser encontrado cm Paulo! Por exemplo, ver a famosa passagem
em Romanos, capitulo 11.
19. A Topografia e a
Arqueologia da Paixão:
Uma Reconstrução da Via
Dolorosa
M a g u e n B r o sh i

As tradições referentes aos lugares santos em Jerusalém são, em


geral, confusas e contraditórias. A seguir, tentaremos apresentar uma
reconstrução baseada nos dados dos Evangelhos (por vezes equivo­
cados), outras fontes contemporâneas (judaicas e pagãs), bem como
em evidências arqueológicas. Uma atividade arqueológica intensiva
em anos recentes tem contribuído com algumas descobertas relevan­
tes para as questões discutidas.
Getsèmani - Após a Última Ceia, Jesus e seus discípulos foram
ao Monte das Oliveiras, a um lugar (Mt 26:30; Mc 14:6), um jardim
(Jo 18:1) chamado Getsèmani1. O nome significa “lagar de azeite”12e,
como tal, dificilmente poder-se-ia esperar que tenha deixado vestígios
identificáveis. O sítio tradicional fica no vale de Cedrón, aos pés do
Monte das Oliveiras, e é bastante plausível que seja a localização apro­
ximada do lugar original. A tradição reporta ao menos ao século IV d.C.
A Casa de Caifas - De Getsèmani, Jesus foi levado perante Anás
(Jo 18:13) e Caifás (Jo 18:24). O primeiro era um sumo sacerdote apo­
sentado (que servira de 6 a 15 d.C.) e 0 último, seu genro, 0 sumo sacer­
dote contemporâneo (18-36 d.C.). Teria sido a inquirição realizada em

1 A designação Getsèmani aparece somente nos Evangelhos. Mesmo Lucas (22:39)


omite o nome, utilizando, ao invés, a descrição mais genérica “o Monte das Oli­
veiras”. Ver também supra, cap. 10, nota 26.
2 W. Bauer, A Greek-F.nglish Lexicon o f the New Testament, Chicago, 1979, p. 153. No
entanto, deve-se observar que o termo hebraico "gat" geralmente designa um “lagar
de vinho” e não um lagar de azeite. Ver, contudo, Mischná, Tratado Tohorot 10:4.
210 JESUS

Mapa da Jerusalém herodiana.


A TOPOGRAFIA E A ARQUEOLOGIA DA PAIXÀO 211

duas casas diferentes? Ou ambos compartilhavam da mesma casa? Tra­


dições antigas situam a Casa de Caifás no Monte Sião. Uma fonte relata
que estava apenas a 50 passos da Igreja do Santo Sião, em direção à
Igreja de São Pedro, que foi construída no lugar da Casa de Caifás. Urna
capela armênia, localizada entre a Abadia da Dormição e a Porta de Sião
e que data do século XV, pode indicar o local tradicional. Ruinas de um
piso de mosaico bizantino poderiam ser os vestígios remanescentes da
Igreja de São Pedro. Escavações realizadas ali em 1971, infelizmente
numa escala limitada, nada descobriram que pudesse ser atribuido ao
palácio dos sumos sacerdotes. Entretanto, vestígios de afrescos elegan­
tes indicam que o lugar era habitado por pessoas de posses.
A Câmara da Pedra Talhada - Alguns estudiosos são de opinião
que, quando Jesus foi enviado “a Caifás” (Jo 18:24), isso não significa
necessariamente que ele foi levado para a casa de Caifás, mas ao lugar
em que 0 Sinédrio se reunia, a Câmara da Pedra Talhada (em hebraico,
lischat ha-gazit). Essa é uma possibilidade que os dados à nossa dispo­
sição não podem confirmar ou negar. Esta câmara é provavelmente a
Casa do Conselho (boule), adjacente ao Monte do Templo, a ocidente34.
O Pretorio4 - Após a inquirição presidida por Caifás, Jesus foi
levado para ser julgado por Pôncio Pilatos. A sede regular dos gover­
nadores romanos era Cesareia, capital naquele período, mas em festas
de peregrinação - épocas geralmente caracterizadas pela inquietação
- os governadores costumavam mudar-se para Jerusalém. A residen­
cia oficial em ambos os lugares é denominada de praetorium. Em
Cesareia, 0 praetorium era 0 antigo palácio à beira-mar construído
por Herodes (At 23:35). Em Jerusalém, sua contraparte (Mt 27:27;
Mc 15:16; Jo 18:28) era também 0 palácio real de Herodes5. É a isto
que Marcos se refere (15:16) ao dizer que os soldados levaram Jesus
“ao interior do palácio, isto é, do praetorium".
O palácio de Herodes era tão grande e luxuoso que Josefo alega
que ele “frustra qualquer descrição”. Ainda assim, 0 descreve em deta-
lhes6. Devemos recordar que Herodes detinha alguns recordes inter­
nacionais de construção - seu palácio em Herodion, poucas milhas
a sudeste de Jerusalém, era 0 maior do mundo. O complexo do seu
palácio em Jerusalém estava situado no setor noroeste da cidade. No
lado sul havia três torres gigantescas. Remanescentes de uma delas

3 Poderia ter sido, porém, no próprio Monte do Templo. É possível depreender do


relato de Lucas, sobre o aprisionamento de Jesus, que ele foi levado primeiro
para a casa do sumo sacerdote (22:54) e então à Câmara do Conselho (Lc 22:66).
4 Deve-se observar que todas as ruínas arqueológicas da atual Via Dolorosa datam,
ao menos, de um século depois da época de Jesus. O assim chamado arco Ecce-
-Homo é da época do Imperador Adriano (c. 135).
5 Filo, Legatio ad Gaium, 38:299; Josefo, War 2:31.
6 Josefo, War 6:176-182.
212 JESUS

- a assim denominada “Torre de David” - ainda se ergue majestosa


atualmente. Do palácio nada restou, exceto algumas paredes de apoio
de seu pódio. Ao construir 0 palácio, Herodes fez uso dos mesmos
métodos empregados na construção do recinto do Templo. Elevou 0
terreno e 0 nivelou por meio de uma imensa plataforma.
O julgamento em si teve lugar do lado de fora, dentro do com­
plexo do palácio, num pátio chamada Lithostroton (em grego, pavi­
mento de pedra) ou Gábata (Jo 19:13, o significado em aramaico não
é claro). Este pátio externo era espaçoso 0 suficiente para acomodar as
multidões (Lc 23: 4). Sobre 0 pavimento foi erguida uma plataforma
(bema) que servia como 0 tribunal de Pilatos (Mt 27:19). Seu local
exato é desconhecido, porém hoje em dia está provavelmente sob a
jurisdição do Patriarcado Armênio.
Desde as Cruzadas, a tradição alocou 0 praetorium no antigo local
da Antonia, a poderosa fortaleza construída por Herodes ao norte do
Monte do Templo. Essa tradição, ainda tida como verdadeira atual­
mente, não tem que ser fundamentada necessariamente em dados his­
tóricos genuínos. Afinal, nos últimos mil anos, dois outros locais foram
considerados como 0 verdadeiro praetorium - no período bizantino,
nos declives do atual bairro judeu e, mais tarde, no Monte Sião. Na
realidade, é bastante plausível que essa atribuição tenha sido feita por
este local ser utilizado como uma das duas cidadelas de Jerusalém
ocupadas pelas guarnições locais, romanas e otomanas. A outra cida­
dela é a Torre de David, construída na parte norte do palácio de Hero-
des. É quase certo que o praetorium é 0 que fora na época 0 palácio de
Herodes. Deste modo, é isso que devemos compreender quando lemos
que os soldados levaram Jesus “ao interior do palácio, isto é, do pra-
etorium” (Mc 15:16). Dizia-se que a fortaleza Antonia era “como um
palácio” (Wars 5: 141), mas não se tratava de um palácio verdadeiro.
Em resumo, 0 praetorium (i.e., 0 palácio de Herodes) estendia-se do
moderno Portão de Jafa quase até a muralha setentrional moderna.
Gólgota-Calvário - Tanto a colina da crucificação como a tumba
próxima estavam localizadas num lugar chamado Gólgota (aramaico
para “caveira”, talvez devido ao formato da colina) ou Calvário (em
latim, tem um significado similar). Pelos dois séculos anteriores ao
seu descobrimento pelo imperador Constantino em cerca de 330 d.C.,
0 local ficara ocultado sob um templo pagão erigido pelo imperador
Adriano. Entretanto, parece muito provável que a memória deste local
venerável tenha sido acuradamente preservada pelas comunidades
cristãs palestinas. É de tal importância que sua memória deve ter sido
legada de geração a geração7.

7 Dc acordo com 0 Novo Testamento, Jesus ressuscitou no terceiro dia. Este é tam­
bém 0 significado da expressão de Marcos, se bem que ele tivesse escrito “depois
dc três dias” (Mc 8:31; 9:31; 10:34). Marcos segue aqui 0 sistema romano de
A TOPOGRAFIA E A ARQUEOLOGIA DA PAIXÀO 213

Maquete do Palácio de Herodes e, mais tarde, de Pilatos, em Jerusalém (Pretório).

De mais a mais, antigas tumbas judaicas encontradas na vizi­


nhança apontam para a existência de um local de sepultamento ante­
rior ao ano 70 d.C. Está dentro dos limites dos muros da cidade, e
parece estar situado de forma estranha, uma vez que as Escrituras nos
dizem que 0 local estava “próximo da cidade” (Jo 19:20) ou “do lado
de fora da porta” (Hb 13:12). A execução ou o sepultamento dentro
de uma área colonizada eram estritamente proibidos segundo a Lei
judaica, ainda mais na Cidade Santa, onde antigas tumbas ficavam
do lado de fora dos muros da cidade. Por ocasião da crucificação,
entretanto, esta área estava realmente do lado de fora das muralhas.
Ela seria cercada pela assim chamada “Terceira Muralha” somente
uma década mais tarde.

contagem do tempo, segundo o qual conta-se 0 dia presente, o dia de amanhã e


0 seguinte. Seguindo este método, “depois de três dias” significa, na realidade,
“no terceiro dia” . Esta expressão ocorre também em Mateus 12:40, um versí­
culo que já foi considerado, por T. Zahn, como uma adição. Figura numa outra
ocasião em Mateus 27:63, na história sobre a guarda do túmulo (Mt 27:62-66;
28:11-15) que, indubitavelmente, foi acrescentada pelo último redator de Mateus.
214 JESUS

Alguns creem que 0 “Jardim do Túmulo”, localizado mais ou


menos ao norte das muralhas da cidade otomana, seja a autêntica
tumba de Jesus. Essa atribuição, fundamentada numa conjectura des­
necessária do século XIX, fruto da imaginação do general Charles
Gordon, de Cartum, nada tem de recomendável.
As intensivas operações de construção do imperador Constantino
(sua basílica suntuosa e espaçosa, 0 Martírio, foi inaugurada no dia
festivo de comemoração da Descoberta da Cruz*, em 14 de setembro
do ano 336 d.C.) mudaram drasticamente a configuração do terreno.
O imperador Adriano, que ergueu 0 santuário pagão, deve ter tido em
mente um ato deliberado de profanação, e isso tinha de ser reparado.
As ruínas do templo pagão, consideradas as mais impuras, foram
removidas inteiramente e a rocha nivelada - de modo que grande parte
da rocha que cobria a tumba deve ter sido extraída.
Mesmo havendo rico material literário no mundo romano no
que diz respeito à crucificação, foi só em 1968 que os restos de um
homem que morreu na cruz foram encontrados. A descoberta se deu,
apropriadamente, num subúrbio ao norte de Jerusalém. O esqueleto
descoberto, que contém inclusive um prego enferrujado que perfurou
0 calcanhar, permite uma reconstrução da crucificação, esclarecendo
talvez de que forma a mais célebre das execuções foi levada a cabo.

As águas do Jordão irrigavam 0 Vale de Betsaida.

* A festa é comemorada ainda hoje, como 0 Dia da Exaltação da Santa Cruz


(N. da T.).
20. Os Estágios da Historia da
Redenção segundo João
Batista e Jesus

A Shaul Baumann, com amizade

Antes das descobertas de Qumran não se tinha sequer certeza de


que tivesse havido alguma tensão entre 0 Batista e Jesus. Agora, a
natureza desta tensão tornou-se inequívoca. Com base nos escritos da
seita do Mar Morto - os essênios - e na literatura apocalíptica judaica
pertinente, ficou claro que João Batista pertenceu àquele fascinante
universo espiritual de pensamento. As idéias de Jesus, por outro lado,
foram primordialmente configuradas pelo rabinismo. No que concerne
à agenda messiânica de Jesus não há, é óbvio, lugar para sua geral­
mente pressuposta “escatologia aguda”; para ele, 0 dia do Filho do
Homem ainda está no futuro (Lc 17:22-24). A polaridade ideológica
levou finalmente à separação destes dois gigantes espirituais12. Uma

1 Flusscr, Das Christenlum - eine jüdische Religion, pp. 37-52; Young, Jesus the
Jewish Theologian, pp. 49-74; J. Jeremias, Die VerkiindingungJesu, Gütersloh,
1971, pp. 99-110. Ver pp. 46-53.
2 Indicamos supra, pp. 22-25 que Jesus foi batizado nas vizinhanças de Betsaida,
onde moravam os irmãos André c Pedro, os quais conhecera depois de seu
batismo (Jo 1:40-44). Esta probabilidade é agora reforçada por pesquisas adicio­
nais. Segundo Lucas 9:10,12, o local cm Betsaida onde se pescava era rodeado
pelo “deserto” (ver Mc 6:31; Mt 14:13,15) e João batizou no “deserto”. Ver agora
M. Nun, Jerusalem Perspective 53, out.-dez. 1997, pp. 16-17 e 37. Na página
precedente, vê-se um aqueduto antigo que canalizava água do rio Jordão para
irrigar a planície de Betsaida. Acerca de Betsaida, ver Tabula Imperii Romani/
Judaea-Palestina, eds. Y. Tsafrir, L. DiSegni, J. Green, Jerusalém, Academia
Israelense de Ciências e Humanidades, 1994, p. 85.
216 JESUS

vez que os fatos básicos que provocaram o cisma não slo comumente
conhecidos, gostaria de apresentá-los ao leitor.
Quando o Batista ouviu sobre a atividade de Jesus, enviou dois
de seus discípulos para que perguntassem: “És tu aquele que há de
vir, ou devemos esperar um outro?” (Mt 11:2-4; Lc 7:18-21). João
esperava “aquele que haveria de vir”. Anteriormente, já tinha aludido
por este termo, em sua “pregação messiânica” (Mt 3: 4-6; Mc 1:7 e
Lc 3:16), a Daniel 7:13, que fala sobre “um como Filho de Homem,
vindo sobre as nuvens do céu”. Ao que parece, João Batista esperava
o advento do conhecido Filho do Homem escatológico34.
Muito embora a figura do Filho do Homem seja conhecida de
Daniel 7, ela não pertence à escatologia rabínica. Por outro lado, 0
Filho do Homem escatológico é uma figura importante em tendências
associadas ao apocalipsismo judaico e a Jesus. Na verdade, para Jesus
esta ideia era central. De forma similar aos escritos apocalípticos, ele
descreve o Filho do Homem como 0 juiz sobre-humano poderoso do
Último Julgamento.

Quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os anjos com ele, então
se assentará no trono da sua glória. E serão reunidas em sua presença todas as nações
e ele separará os homens uns dos outros como 0 pastor separa as ovelhas do cabritos,
e porá as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. Então dirá 0 rei aos que
estiverem à sua direita: “Vinde, benditos de meu Pai, recebei por herança 0 Reino pre­
parado para vós desde a fundação do mundo”... Em seguida, dirá aos que estiverem
à sua esquerda: “Apartai-vos de mim, malditos, para 0 fogo eterno preparado para 0
diabo e para os seus anjos”... E irão estes para 0 castigo eterno, enquanto os justos irão
para a vida eterna (Mt 25:31-46)J.

A designação “Filho do Homem” não aparece nos escritos da


seita do Mar Morto. Num fragmento de Qumran5, a função de juiz
dos Últimos Dias é exercida por Melquisedec. Durante 0 Último Jul­
gamento, ele separará os justos dos perversos. Não só fará 0 julga­
mento como também 0 executará. De acordo com os escritos da seita
essênica do Mar Morto e escritos apocalípticos correlatos (e também
com a escatologia bíblica anterior), o Último Julgamento encerrará a
história corrente da humanidade. Em alguns escritos, significará até
mesmo 0 fim da existência em nossa terra. Sempre que a figura do
Filho do Homem aparece em textos apocalípticos, ela é 0 juiz sublime
no Último Julgamento. João Batista estava certo de que 0 juízo final
era iminente (Mt 3: 10 e Lc 3:9). Na escatologia de João não há lugar

3 Ver cap. 9.
4 Ver também Mt 7:23 e Lc 13:27 (i.e., SI 6:9).
5 Ver Flusser, “Melchizedek and the Son o f M&n", Judaism, pp. 186-191. Ver tarn-
bém a edição de 1lQMel com comentários de E. Puech, “Notes sur le manuscrit
de 11 Q Meichisedeq”, Revue de Qumran 48/12, 1987, pp. 483-513.
OS ESTÁGIOS DA HISTÓRIA DA REDENÇÃO SEGUNDO JOÃO BATISTA E JESUS 217

para nenhum período intermediário entre esta era iníqua e o fim deste
mundo - quando o Filho do Homem será revelado. Por conseguinte,
dentro desta agenda escatológica, que foi também adotada pela seita
do Mar Morto, não há lugar para o conceito rabínico de reino do céu6.
Jesus enviou ao Batista uma resposta parcialmente afirmativa.
Uma nova era fora inaugurada por João. Jesus disse aos mensageiros
do Batista,

Ide contar a João 0 que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os
coxos andam, os leprosos são purificados e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam
e os pobres são evangelizados. E bem-aventurado aquele que não ficar escandalizado
por causa de mim! (Mt 11:2-6; Lc 7:18-23).

Existe um paralelo muito próximo em Qumran, que ratifica a


autenticidade da mensagem de Jesus ao Batista7. No fragmento é 0
próprio Deus quem realizará todos esses feitos maravilhosos; como
nas palavras de Jesus, Ele ressuscitará os mortos e trará boas novas
aos pobres. Jesus concluiu sua mensagem a João com uma advertên­
cia: “Bem-aventurado aquele que não ficar escandalizado por causa
de mim!” As dúvidas de Jesus com relação ao Batista eram justifica­
das. João nunca aceitou a reivindicação de Jesus, em virtude de suas
agendas escatológicas distintas.
O importante é que Jesus confirmou, em princípio, a pergunta do
Batista sobre o significado escatológico de sua atividade, sem declarar
explícitamente que era 0 Messias. Estabeleceu seu direito ao minis­
tério escatológico ao apontar para suas obras sobrenaturais de cura.
Jesus via nisto um sinal inequívoco de que a nova era já havia come­
çado. “Contudo, se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios,
então 0 Reino de Deus já chegou a vós” (Lc 11:20). Na primeira reden­
ção, a do jugo egípcio, os magos reconheceram nos feitos portento­
sos de Moisés “o dedo de Deus”, isto é, a redenção direta de Deus
(Ex 8:15 [19]). De acordo com Jesus, este também era 0 significado
de suas curas.
A fim de compreender plenamente 0 contraste entre a visão mes­
siânica de João e a posição de Jesus, faz-se necessário ouvir a segunda
parte de suas palavras aos mensageiros do Batista.

6 É somente em Mateus que João Batista fala sobre 0 reino do céu. “Mas não se
pode confiar em que Mateus faça uma distinção entre as palavras de João e as
de Jesus” . Dodd, Parables, p. 39.
7 Este texto é 4Q521, fragmento 2ii e 4, linhas 6-13, especialmente linha 12. Ver E.
Puech, “Une apocalypse messianique” (4Q521), pp. 477-522. Ver Isaías 26:19;
29; 18; 35:5; 61:1. Apenas a purificação dos leprosos está ausente do paralelo.
Ver supra, pp. 29-30, nota 22. Os últimos na lista de Jesus (Mt 11:5 e Lc 7:22),
específicamente, “os pobres são evangelizados”, é 0 grego equivalente a ls 61:1
e aparece também no fragmento de Qumran (linha 12).
218 JESUS

Em verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior®
do que João, o Batista, e, no entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele.
Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus sofre violências e violentos
se apoderam dele. Porque todos os profetas bem como a Lei profetizaram até João.
E, se quiserdes dar crédito, ele é o Elias que deve vir. Quem tem ouvidos, ouça! (Mt
11:11-15).

Com o advento de João, o reino do céu irrompeu. Entretanto,


ainda que João fosse o maior dentre “os nascidos de mulher” (cf. Dt
34: 10), “o menor no Reino dos Céus seria maior do que ele”. João
Batista criou a brecha através da qual o Reino de Deus poderia irrom­
per, mas ele próprio nunca foi membro deste reino. Ele era, por assim
dizer, da geração anterior. Os profetas e a Lei profetizaram até João
- ele marca o fim da era do Antigo Testamento89.
De acordo com Jesus, o período bíblico terminou porque “todos
os profetas profetizaram até João” (Mt 11:23), e o tempo presente é a
era do reino do céu. Apesar de João ter aberto o caminho para o reino
do céu, ele próprio não pertencia ao novo período. Ao invés, cumpriu
o papel de Elias como 0 precursor da era messiânica.
Deste modo, Jesus fez uma divisão tripartite da história da salva­
ção. O primeiro período foi 0 “bíblico”, que culminou com a carreira
de João Batista. O segundo teve início com seu próprio ministério, no
qual o reino do céu irrompia. O terceiro período será inaugurado com
0 advento do Filho do Homem e do Último Julgamento, num tempo
futuro que é desconhecido por todos. De acordo com este esquema,
ainda vivemos na Idade Média.
A origem do contraste entre 0 “precursor”, João, e Jesus era 0 fato
de que, muito embora João tivesse razão ao afirmar que uma nova era
estava começando, ele acreditava que nela ocorrería 0 Último Julga­
mento e 0 fim da história humana. No sistema escatológico do Batista
- e em toda a tendência apocalíptica à qual ambos, João e a seita do
Mar Morto, pertenciam - um período adicional antes do julgamento

8 A palavra “maior” em Mt 11:11 parece ser uma adição interpretativa do evan­


gelista, causada pela segunda ocorrência da palavra no mesmo versículo.
Jesus evidentemente disse que “entre os nascidos dc mulher” ainda não surgiu
nenhum como João Batista. Jesus aludia aqui a Moisés, sobre 0 qual é dito, em
Dt 34:10 que “em Israel nunca mais surgiu um profeta como Moisés”. Também
no Judaismo, a expressão “os nascidos de mulher” estava relacionada a Moisés.
Quando este ascendeu ao céu para receber a Lei de Deus, “tão logo os anjos se
deram conta que Moisés estava no céu, disseram a Deus: T o r que ele, que é nas­
cido de mulher, está aqui?’ ” Ginszberg, Legends, vol. 3, p. 113. Aparentemente,
Jesus considerava João como uma espécie de segundo Moisés.
9 Sobre 0 conceito de Jesus de reino do céu, ver supra, pp. 29-33,79-86 e meu livro
cm alemão sobre parábolas, Gleichnisse, pp. 270-273,280-281. De acordo com
fontes rabínicas, a era messiânica foi realmente revelada aos profetas bíblicos,
enquanto que “a era vindoura” estava oculta. Esta é a opinião de Rabi Yokhanan
(TB, Tratado Sanhedrin 98a).
OS ESTÁGIOS DA HISTORIA DA REDENÇÃO SEGUNDO JOÀO BATISTA E JESUS 219

era impensável. Jesus, porém, estava certo de que, por seu intermé­
dio, a era do reino dos céu seria inaugurada antes do fim dos dias. Ele
reconheceu a existência de um período após o reino do céu - 0 dia
desconhecido do advento do Filho do Homem e do Último Julgamento
(ver, e.g., Lc 17:22-24; Mc 13:32; Mt 24:36 e At 1:7)'°.
João acreditava que 0 juízo final fosse iminente; 0 machado já
está posto à raíz das árvores, e 0 Todo Poderoso virá com “a pá em
sua mão: vai limpar a sua eira e recolher seu trigo no celeiro; mas,
quanto à palha, vai queimá-la num fogo inextinguível” (Mt 3:12; Lc
3:17). Jesus rejeitou tal perspectiva, expressando sua concepção na
Parábola do Joio (Mt 13:24-30)n. “Para não acontecer que, ao arrancar
0 joio, com ele arranqueis também 0 trigo, Deixai-os crescer juntos
até a colheita” (Mt 13:29). O julgamento deve esperar até a colheita.
“No tempo da colheita, direi aos ceifeiros: ‘Arrancai primeiro o joio
e atai-0 em feixes para ser queimado; quanto ao trigo, recolhei-o no
meu celeiro’ ” (Mt 13:30). Parece até que a parábola de Jesus era uma
resposta adequada à metáfora da colheita de João. Atualmente, no
período intermediário, é inevitável que os pecadores vivam no mesmo
mundo que os justos. Só no final, no Último Julgamento, 0 Filho do
Homem “separará os homens uns dos outros, como 0 pastor separa
as ovelhas dos cabritos”1012. Os pecadores “irão para 0 castigo eterno,
enquanto os justos irão para a vida eterna” (Mt 25:31-46).
Jesus adotou a ideia do período intermediário entre 0 passado his­
tórico e 0 fim da história. Mesmo assim, ele é 0 único pensador conhe­
cido a tirar deste esquema a conclusão lógica de que, até a destruição
final dos iníquos, justos e pecadores necessariamente coexistirão. Este
discernimento lhe era necessário, uma vez que identificava 0 período
intermediário com 0 conceito rabínico de reino do céu - segundo 0
qual a coexistência dos perversos e do justos é indiscutível.
Jesus foi a única pessoa a inserir 0 reino do céu como 0 segundo
estágio da escatologia tripartite. Veremos em seguida que, nos para­
lelos judaicos contemporâneos, 0 segundo estágio é a era messiânica.

10 É verdade que a divisão bipartite entre este mundo e 0 mundo vindouro esca-
tológico é mais antiga que o sistema tripartite de Jesus. Contudo, entre seus
contemporâneos, ele certamente não foi o único pensador judeu a acreditar que,
subsequente à história presente e antes da era puramente escatológica, havería
uma espécie de era de transição.
11 Ver também a Parábola da Rede (Mt 13:47-50) e a Parábola da Figueira (Lc
13:6-9).
12 Ver Ez 37:16-17. Há um antigo poema hebraico que faz parte da liturgia do Ano
Novo judaico e que diz: “Como um pastor apascenta seu rebanho, fazendo com
que as ovelhas passem sob seu cajado, do mesmo modo Tu farás com que sejam
julgadas, contadas, calculadas e consideradas as almas de todos os seres vivos;
repartirás as necessidades de toda a Tua criação e proferirás o veredito”. The
Complete Artscroll Machzor. Rosh Hashamh, trad, de Rabi Nossan Scherman,
New York, 1984, p. 483.
220 JESUS

Havia duas causas primordiais para esta variação de terminologia. A


primeira era 0 fato de 0 judaísmo rabínico servir de fundamento para
as concepções e os ensinamentos de Jesus. Realmente, para ele o con­
ceito de importância central era 0 reino do céu, conceito este exclusi­
vamente rabínico. A segunda razão para sua identificação do estágio
intermediário com 0 reino do céu era sua crença de que tinha sido
enviado para liderar um movimento, cuja tarefa seria anunciar que 0
reino do céu já estava à mão. Eu até mesmo me aventuraria a dizer que
a mensagem do reino do céu e 0 papel a ser desempenhado nele por
Jesus lhe eram de tal relevância, que quaisquer outros componentes
em seu sistema escatológico eram comparativamente insignificantes.
Jesus não foi apenas 0 único judeu a introduzir 0 conceito de reino
do céu no esquema messiânico tripartite, ele é também singular em sua
identificação do reino do céu com 0 conceito rabínico dos “Dias do
Messias”. Ele tinha certeza de que a era messiânica já estava presente. É
sabido13que o advento do Redentor e o conceito de reino do céu são duas
estruturas escatológicas independentes. Tanto no pensamento rabínico
como na visão de Jesus, 0 conceito de reino do céu não é puramente fútu-
rista. Um estudioso chamou esta ideia de “escatologia concretizada”14.
Os perigos inerentes a uma noção puramente futurista da realeza
de Deus foram compreendidos pelos tradutores gregos do Livro do
Êxodo. As palavras finais do Canto de Moisés (Ex 15:18), “0 Senhor
reinará para sempre e eternamente” são traduzidas, no grego, “0
Senhor reina para sempre e eternamente”15. Mais tarde, Rabi Yossê
da Galileia (início do século II d.C.) reconheceu os mesmos perigos16:
“Se Israel, no Mar Morto, tivesse dito ‘Ele é rei para toda a etemi-
dade’, nenhuma nação ou língua 0 teria dominado, mas disse (Ex
15:18), ‘0 senhor reinará para sempre e eternamente’”.
Segundo 0 judaísmo rabínico, 0 reino do céu significa que 0 um e
único Deus governa presentemente dejure, mas no futuro escatológico,
“0 Reino de Deus será revelado para todos os habitantes do universo”l76fe
facto. Não deve haver dúvidas que para ambos, 0 judaísmo rabínico e
Jesus, o reino do céu é uma realidade presente, “O Reino de Deus já
chegou a vós” (Lc 11: 20-21; cf. Ex 25: 8). Os sábios de Israel ensina­
vam que podem mesmo existir indivíduos que já estejam vivendo, por
assim dizer, no reino do céu, se assumirem para si mesmos “0 jugo do
reino do céu”18. De forma similar, ouvimos que Jesus acreditava que já

13 Ver Vielhauer, Aufsütze zum Neuen Testament, pp. 80-94; Young, Parables, pp.
51-83.
14 Ver Dodd, op. cit., p. 8.
15 Traduções similares são preservadas nos Targumim aramaicos.
16 Horovitz e Rabin (eds.), Mekhilta de Rabbi Ishmael, pp. 150-151.
17 Targum de Zacarias 14:9.
18 Ver, e.g., Mischná, Tratado Avot 3:6.
OS ESTÁGIOS DA HISTÓRIA DA REDENÇÀO SEGUNDO JOÀO BATISTA E JESUS 221

houvesse homens que tinham se apoderado do reino do céu (Mt 11:12).


Evidentemente, via neles os pioneiros da expansão do Reino de Deus
entre os homens. Neste ponto, Jesus concorda com os sábios em sua
visão do reino do céu.
Na Assunção de Moisés pré-cristã (10:1), lemos sobre os Últimos
Dias. “E então Seu (de Deus) Reino aparecerá por toda a Sua criação;
0 diabo encontrará seu fim e a tristeza com ele partirá”. Neste escrito
apocalíptico, o reino do céu é puramente escatológico e não, como na
tradição rabínica, ambos, futuro e presente. Ainda assim, existe um
ponto de contato entre a visão apocalíptica e a ideia de Jesus de reino
do céu, que não figura no rabinismo; específicamente, 0 conceito de
Jesus da vitória sobre Satanás. Quando os enviados de Jesus retor­
naram, dizendo: “Senhor, até os demônios se nos submetem em teu
nome”, ele lhes disse: “Eu via Satanás caindo do céu como um relâm­
pago!” (Lc 10:17-20). Vimos na resposta de Jesus ao Batista (Mt 11:
4 6 ‫ ;־‬Lc 7:22-23) que ele compreendia que suas curas fossem a prova
de que uma nova era já começara.
Numa outra ocasião (Lc 11:20-22; Mt 12:28-30), Jesus expres­
sou sua opinião sobre a natureza do reino do céu e sua tarefa em
promovê-lo. “Contudo, se é pelo dedo de Deus que eu expulso os
demônios, então o Reino de Deus já chegou a vós” (Lc 11:20). No
presente, 0 diabo não está completamente derrotado, conforme lemos
na Assunção de Moisés. Ao invés, está enfraquecido. Jesus 0 sobrepu­
jou, tomando a armadura na qual Satanás confiava, e distribuiu seus
despojos (Lc 11:21 -22). Jesus explicou na Parábola do Semeador (Mt
13:26-30; cp. com a Parábola da Rede, Mt 13:47-50) que no período
do reino do céu, os justos e os perversos coexistirão até 0 advento
do Filho do Homem. Se bem que os sábios judaicos não dissessem
explícitamente que, no presente, as pessoas que assumem 0 jugo do
reino do céu vivem entre pecadores, certamente não teriam se oposto
ao conteúdo das parábolas de Jesus sobre 0 tema.
No final da parábola, Jesus acrescenta: “Quem não está a meu
favor, está contra mim, e quem não ajunta comigo, dispersa” (Mt 12:30;
Lc 11:23)19. Um movimento tivera início em Israel, a concretização do
reino do céu sobre a terra (Mt 6:10). Tal movimento necessariamente
centralizava-se ao redor da pessoa de Jesus; iniciativas distintas, inde­
pendentes dele, não reuniríam mas dispersariam. Podemos reconhe­
cer novamente quão importante era 0 conceito do reino do céu para
Jesus. Sua tarefa principal consistia em ser 0 âmago do movimento que
concretizasse 0 reino de Deus entre a humanidade - com a ajuda de

19 Sobre este dito, ver também meus estudos “Hiliel’s Self-Awareness and Jesus”,
Judaism, ρρ. 510-511; “Hillel and Jesus, Two Ways of Self-Awareness”, Hillel
and Jesus, eds. J. H. Charlesworth e L. L. Johns, Philadelphia, 1997, pp. 71-107,
em especial pp. 84-85, 92-107,
222 JESUS

colaboradores. “Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos


Céus sofre violência, e violentos se apoderam dele” (Mt 11:12). Jesus
exortava os seus discípulos, “A colheita é grande, mas poucos os ope­
rários! Pedi, pois, ao Senhor da colheita que envie operários para a sua
colheita” (Mt 9:37-38; Le 16:2.). Com João Batista, o período bíblico
chegou ao fim e urna nova era - a do Reino de Deus - teve inicio. Ou,
como Jesus declarou na conclusão de seu testemunho acerca do Batista,
“Todos os profetas e a Lei profetizaram até João” (Mt 11:13)20.
Era (e ainda é) uma opinião judaica comum que a realeza de
Deus é ambos, presente e futuro, e que ela existe desde a criação do
mundo, ou ao menos desde a época de Abraão. Esta não era a posi­
ção de Jesus. Segundo ele, o conceito de reino do céu não era está­
tico mas dinâmico. Tratava-se de um movimento que tivera início
com João Batista. Vários motivos explicam porque Jesus difere neste
ponto. Um deles é que ele compreendia 0 reino do céu não só como
a realeza de Deus mas, como já observamos, como uma espécie de
época intermediária entre o período histórico e 0 fim da história. Em
sua agenda messiânica ocupava 0 mesmo lugar que é representado,
em outros sistemas tripartites judaicos, pelos “Dias do Messias”. O
fato de Jesus ter falado sobre 0 período do reino do céu, ao invés dos
Dias do Messias, alude à sua autoconsciência messiânica.
Indicamos21 que no Judaísmo, o advento de um Redentor esca-
tológico e do reino do céu são duas estruturas diferentes. Assim tam­
bém era na mente de Jesus. Isto explica porque ele não tentou levar
esses dois sistemas independentes a uma harmonia completa. Jesus
reconheceu que 0 reino do céu é um poder dinâmico com uma ten­
dência iminente a espalhar-se sobre a terra, contudo não disse (nem
tampouco provavelmente acreditava) que a concretização final do
reino do céu culminaria com 0 advento do Filho do Homem22 e com
0 Último Julgamento. É evidente que Jesus não poderia alegar - como
eu acreditava anteriormente - que o Filho do Homem chegaria no
momento em que, por assim dizer, a igreja invisível simplesmente se
tornaria idêntica à Igreja visível. Isto significaria que o fim do período
do reino viría na plenitude do tempo (Ef 1:10), quando todos os elei­
tos potenciais de Deus se apoderassem do reino do céu. No entanto,
tal noção “eclesiástica” de uma unidade separada dos eleitos não se
adequava à mentalidade aberta do Jesus “histórico”23. Segundo ele,

20 Flusser, Gleichnisse, pp. 270-273.


21 Ver notai 3.
22 Num de meus estudos (“Jesus and the Sign o f the Son of Man ",Judaism, pp. 526­
534), tentei demonstrar que Jesus evidentemente idcntificava-se com o futuro
Filho do Homem. Se estou certo, este seria seu segundo advento.
23 Sobre 0 eleito nos Evangelhos Sinóticos, ver 0 capitulo precedente, “Jesus
Lamenta por Jerusalém” , pp. 197-208.
OS ESTÁGIOS DA HISTÓRIA DA REDENÇÃO SEGUNDO JOÃO BATISTA E JESUS 223

a hora do advento do Filho do Homem é conhecida apenas por seu


Pai celestial (ver Mc 13:32; Mt 24:36; At 1:7). “O Filho do Homem24
será como o relámpago, que relampeja de um ponto do céu e fulgura
até o outro” (Le 17:24)25. Devemos nos lembrar que os sábios judeus
também advertiram aqueles que tinham tentado descobrir a data oculta
da redenção.
Embora a divisão tripartite do tempo não fosse uma invenção
de Jesus, ele a aceitou26, adotando-a para sua inspiração pessoal. A
forma judaica mais antiga era bipartite. No fim da história havería
julgamento e 0 futuro pós-histórico seria a “era vindoura” (‫)*עולם הבא‬
escatológica. Esta é também a escatologia da literatura apocalíptica
anterior, a da seita do Mar Morto27 e a de João Batista.
Todavia, quando a centralidade do Messias aumentou, a concep­
ção da era messiânica emergiu, criando uma tendência para a inser­
ção desta era no esquema escatológico corrente. As soluções não
eram simplesmente uma conciliação, como se pensa com frequência
hoje em dia. A única possibilidade era deixar que a era messiânica
se seguisse ao nosso período histórico, alocando os Dias do Messias
antes da era pós-histórica, “a era vindoura”. Fazendo-se assim, foi
finalmente alcançada uma clara divisão entre a história e a “pós-his-
tória”. “Os Dias do Messias” pertencem, por assim dizer, à história
da humanidade, ao passo que a “era vindoura” é considerada além da

24 As palavras “em seu Dia” não são confirmadas nos melhores manuscritos.
25 A passagem toda está em Lc 17:22-24,26-32,34-37. A passagem precedente (Lc
17:20-21) parece ser unia criação interpretativa, uma espécie de duplicata de Lc
17:23. Ver p. 84. De todo modo, 0 futurista “reino de Deus” certamente faz parte
da terminologia de Lucas. Ver também a Última Ceia em Lc 22:16 e 18!
26 Ver Lc 18:29-30 (e Mc 10:29-30; Mt 19:20): “... não há quem tenha deixado
casa..., por causa do Reino de Deus, sem que receba muito mais neste tempo e,
no mundo futuro, a vida eterna”. Ver também a “vida eterna" em Mt 25:46.
* Em hebraico, literalmente “mundo vindouro” (N. da T.).
27 Há, entretanto, uma analogia entre a divisão judaica comum em três períodos
e a agenda da seita do Mar Morto; ali, os três períodos são 0 passado bíblico
(evidentemente, mais ou menos o periodo até a destruição do primeiro Templo),
0 periodo perverso atual (os “dias do domínio de Belial”, 1QS 2:19) e 0 tempo
puramente escatológico. No tempo de uma (nova) criação, Deus diz: “Criarei
Meu Templo c o estabelecerei para Mim [Deus] para a eternidade” (Rolo do
Templo 29:7-10). Ver também supra, cap. 10 nota 12. De todo modo, esta divisão
tripartite não é absolutamente idêntica à de Jesus e a das fontes judaicas para-
leias. Steve Notley chamou minha atenção para o Livro de Tobias 14:4-5. Ali,
Tobias fala sobre a primeira “Casa de Deus, que ficará queimada”. Depois do
retorno do exílio babilónico, os judeus “reconstruirão sua Casa, menos bela do
que a primeira”. E, no futuro, “a casa de Deus será reerguida em seu esplendor
para todas as gerações”. O Terceiro Templo é 0 magnífico templo escatológico.
Podemos provar que esta esperança escatológica não se concretizou após a des­
truição do Segundo Templo. Foi somente reforçada depois da destruição dos
romanos.
224 JESUS

história corrente28. Ela inclui 0 juízo final, um novo céu e terra, uma
ressurreição e a vida eterna29.
Atualmente, é impossível saber com exatidão quando esta esca-
tologia tripartite foi formulada. No judaísmo rabínico, uma distinção
precisa entre a era messiânica e a “era vindoura” foi esquecida com
muita rapidez, e os antigos ditos rabínicos pertinentes são sucintos
demais para indicar seu pensamento de forma plena. De todo modo,
esta espécie de escatologia já estava indubitavelmente estabelecida
na segunda metade do primeiro século d.C. Tal fato também pode
ser reconhecido a partir da literatura rabínica. Quase todos os sábios
judeus que tentaram calcular a duração do período messiânico vive­
ram na segunda metade do século I ou no século 11 d.C.30É lógico que
pensavam que depois deste período teria início “a era vindoura”. Os
ensinamentos de Jesus podem até ser a primeira evidência inequívoca
desta agenda messiânica.
Estou certo de que as origens da agenda messiânica de Jesus estão
no pensamento rabínico contemporâneo, mas se quisermos ver isto
de forma mais explícita, devemos buscar ajuda em três textos apo­
calípticos, todos eles escritos no final do século 1 d.C. Um deles é 0
Apocalipse, o último livro do Novo Testamento. Os Últimos Dias são
ali descritos nos capítulos 20-21. Segundo este livro, 0 reino messiâ­
nico durará mil anos31. No final deste período, terão lugar 0 Último Jul­
gamento e a ressurreição dos mortos (Ap 20:11-15). Depois (Ap 21:1),
diz 0 autor: “Vi então um céu novo e uma nova terra - pois 0 primeiro

28 Ver P. Volz, Die Eschatologie der jüdischen Gemeinde, Tübingen, 1934, pp.
6 4 6 7 ‫־‬, em especial 7 1 7 7 ‫־‬,e M. Zobel, Gottes Gesalbter, Berlim, Schoken, 1938,
pp. 69-74, 125-129. Ver também Schürer, op. cit., vol. 2, pp. 537-547, e Bil-
lerbeck, op. cit.. pp. 4b: 799976‫־‬. Ver igualmente TB, Tratado Sanhedrin, 91b,
especialmente as palavras de Rabi Samuel e Sifre para Deuteronômio, sobre Dt
6:6, ed. L. Finkelstein, reimpressão, New York, 1969, p. 62 e a observação lá
assinalada; Nakhntânides, Toral hú-Adam, ed. H. D. Chavel, Jerusalem, 1963,
pp. 300-303: “Designamos a era após a ressurreição dos mortos de ‘a era vin­
doura” ’. Ver ali as fontes. Ver também, de minha autoria, Gleichnisse (supra,
nota 9), pp. 270-272, 280-281. Segundo fontes rabínicas, Moisés e os profetas
referiam-se ao futuro até a era messiânica, mas a “era vindoura” estava fora de
seu escopo. Jesus, contudo, colocou o limite antes dos dias do Messias (ver Mt
11:13). A propósito, o termo “a era vindoura” é confirmado em 1 Enoque 71:15.
29 Paulo já conhecia este esquema escatológico e o modificou de acordo com sua
perspectiva. Ver 1 Cor 15:23-28; H. Conzelmann, Der erste Brief an die Korin-
ther, Gottingen, 1989, pp. 315-320.
30 TB, 'Tratado Sanhedrin 99a, Midrasch sobre os Salmos SI 90:15 e paralelos. Ver
Volz, op. cit., pp. 226-228 e Zobel, op. cit., pp. 72-73.
31 Esta opinião foi aceita por alguns sábios judeus (ver Volz, op. cit., pp. 226-228)
e é também confirmada, numa das versões, em IV Esdras 7:28. Ver também Taná
de-vei Eliyahu (ou: Seder Eliyahu), Viena, 1902, 1902, pp. 6-7, e 0 comentário
de M. Friedmann. O texto é citado em TB, Tratado Sanhedrin 97a/b; TB, Tra­
tado Avodá '¿ará 9a. Acerca da cifra 2000 anos, ver Volz, op. cit., p. 227.
OS ESTÁGIOS DA HISTÓRIA DA REDENÇÁO SEGUNDO JOÃO BATISTA E JESUS 225

céu e a primeira terra se foram, e o mar já não existe”. Então, a Cidade


Santa, uma Jerusalém nova descerá do céu, de junto de Deus (Ap 21:2).
Os outros dois textos apocalípticos do mesmo período asseme­
lham-se um ao outro: o Apocalipse Siríaco de Baruc32 e IV Esdras33.
O material escatológico no Apocalipse de Baruc está contido nos
capítulos 29-30, 39-42 e 72-74. O autor descreve principalmente a
era messiânica, fazendo apenas alusões á “era vindoura”. O final da
era messiânica é descrito em 30:1, “E acontecerá após estas coisas,
quando o tempo do surgimento do Ungido concretizar-se e ele retor­
nar com gloria, então todos aqueles que dormem na esperança por
ele, resuscitarão”34. Depois da ressurreição, virá o julgamento. De
interesse especial é o conteúdo de 32:1-6, onde o autor fala sobre a
destruição do Primeiro Templo, a reconstrução de Sião (32:1-2), e a
segunda destruição (32:3). Finalmente o Templo será renovado “em
glória e perfeição para a eternidade” (32:4). Isto acontecerá “quando o
Todo Poderoso renovar sua criação”. Esta descrição do Templo escato-
lógico assemelha-se muito ao Rolo do Templo de Qumran (29:7-10)35.
Na ocasião, diz Deus: “Criarei Meu Templo e o estabelecerei para
Mim [Deus] para todos os tempos”. A propósito, também segundo o
Apocalipse 21:1 -2, a Cidade Santa, a nova Jerusalém, descerá do céu
após a criação de um novo céu e de uma nova terra. Isto acontecerá
na “era vindoura”36.
Mais instrutivo para nosso estudo é IV Esdras (capítulos 7 e
12:32-36)37. Ali, 0 conteúdo distinto da era messiânica e da era vin­
doura é claramente indicado. O Messias “redimirá com misericórdia
0 restante de Meu povo... e os alegrará até que chegue 0 fim, 0 dia do
Julgamento” (12:34). O autor é mais explícito em 7:29-31.

Pois Meu Messias será revelado com aqueles que estão com ele, e causará o júbilo
daqueles que permanecem por quatrocentos anos38. Após estas coisas Meu servo, 0
Messias, morrerá e com ele todos os que exalam 0 hálito humano. E o mundo retomará

32 Ver Apocalypse Syriaque de Baruch, ed. P. Bogaert, Paris, 1969, especialmente


pp. 415-420.
33 The Fourth Ezra, ed. Stone, Minneapolis, 1990, em particular pp. 92-93,112-118.
34 São feitas também alusões às limitações temporais do período messiânico em
40:7.
35 Ver supra, nota 27.
36 Ver, porém, IV Esdras 7:26.
37 Ver Slone, op. cit., pp. 92-93, 112-113,367-370. Numa visão em IV Esdras capí­
tulo 13, 0 Filho do Homem davídico é descrito (ver 13:3, “algo semelhante à
figura de um homem voou com as nuvens do céu”, uma alusão a Daniel 7:13!),
mas se transforma num salvador messiânico sobrenatural, e seu surgimento ali
não é parte de nenhum sistema escatológico. Ele não é 0 juiz escatológico.
38 Outras variantes: “trinta” e “mil”.
226 JESUS

ao silêncio primevo por sete dias, como aconteceu nos inícios; e ninguém restará. E
após sete dias, 0 mundo que não está desperto se levantará e o que for corruptível pere­
cerá... E os tesouros abdicarão das almas que a eles foram confiadas. E o Excelso será
revelado no trono do julgamento...59

Vemos que de acordo com esta passagem, no fim da era messiâ­


nica, 0 Messias e toda a humanidade morrerão e então terão lugar a
nova criação e 0 Último Julgamento. Um esboço dos pontos princi­
pais nos dois sistemas escatológicos, bem como a posição específica
mantida por Jesus, poderá agora ser de grande utilidade para 0 leitor.

Sistema Bipartite Jesus Sistema Tripartite


a. A era perversa atual. a. A era “bíblica” ate a. A era atual.
João Batista.
b. O Último Julgamento b. A concretização atual b. A era messiânica.
(em geral com o Filho do reino do céu.
do Homem como juiz).
c. O fim deste mundo c. O Último Julgamento c. O Último Julgamento.
e uma nova criação. com 0 Filho do Homem
como juiz, ressurreição,
início da “era vindoura”
e vida eterna.
d. Fim deste mundo. A “era
vindoura” pós-histórica,
ressurreição, vida eterna,
uma nova criação.

Na perspectiva escatológica pessoal de Jesus, 0 segundo está­


gio da redenção, a era messiânica, deve ser identificado com a con­
cretização do reino do céu. “Não há quem tenha deixado casa... por
causa do Reino de Deus sem que receba muito mais neste tempo e, no
mundo futuro, a vida eterna” (Lc 18:29-30; Mc 10:29-30; Mt 19:20).
Isto acontecerá depois do Último Julgamento, realizado pelo Filho do
Homem. Então, os perversos “irão para o castigo eterno enquanto os
justos irão para a vida eterna” (Mt 25:46). Lucas 20:33-35 fornece
uma confirmação adicional deste conceito de Jesus: “Os filhos deste
século casam-se e dão-se em casamento; mas, os que forem julgados
dignos de ter parte no outro século e na ressurreição dos mortos, nem
eles se casam, nem elas se dão em casamento”. Finalmente, ouvimos,
“Se alguém disser uma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á
perdoado, mas se disser contra 0 Espírito Santo, não lhe será perdoado,
nem neste mundo, nem no vindouro” (Mt 12:32)3940. Assim, de acordo

39 O próximo paralelo à citação de IV Esdras está no Taná de-vei Eliyahu (ver


supra, nota 31), pp. 6-7 onde lemos que após nosso período haverá 1000 anos
(Dias do Messias) e depois deste mil anos, o advento da era futura, acerca da
qual está escrito, “À tarde haverá luz”(Zc 14:7). Ver também ali, pp. 21,29,31.
40 Ver supra, p. 43, nota 20.
OS ESTÁGIOS DA HISTÓRIA DA REDENÇÃO SEGUNDO JOÃO BATISTA E JESUS 227

com Jesus, o período do reino do céu precederá o advento do Filho


do Homem e seu juízo final. Esta será a época da ressurreição dos
mortos. Naquela era pós-histórica vindoura, os ressurrectos serão uma
espécie de nova criação - como anjos (ver também 1 Cor 15:42-54).
Apenas alguns poucos estudiosos deram atenção adequada à natu­
reza e história das duas eras escatológicas, tanto no Judaísmo como
na escatologia de Jesus. Não devemos culpá-los, porque as diferenças
entre a era messiânica e a vindoura não são bem documentadas, nem no
rabinismo nem tampouco nos primórdios do Cristianismo. Em ambos,
esta agenda messiânica foi quase que esquecida. Nos Evangelhos estão
melhor preservadas que nos escritos rabínicos, mas já nos Evangelhos
0 momento crítico da história tomou-se a crucificação, e a cronologia
messiânica do Jesus “histórico” foi apenas de importância secundária.
Muito embora os termos “Os Dias do Messias” e “a era vindoura” coe­
xistam nos escritos rabínicos até hoje, a diferença entre essas duas eras
tornou-se quase que instantaneamente sem sentido. Assim, os melho­
res testemunhos desta cronologia tripartite judaica são os três textos
apocalípticos do final do primeiro século d.C. Por intermédio do Livro
do Apocalipse, de tempos em tempos foram parcialmente renovados
pelos movimentos quiliastas, mesmo até nossos dias.
Não sabemos quando, no pensamento judaico, a era messiânica
harmonizou-se com o conceito bipartite anterior de mundo não redi­
mido e tempo da salvação. Como já afirmei, Jesus parece ter sido a
primeira testemunha deste novo sistema. Seu espírito criativo e sua
elevada autoconsciência messiânica modificaram sua estrutura. Além
disso, observei que, embora a figura do Filho do Homem seja estra­
nha às fontes rabínicas41, Jesus restaurou este caráter sublime a partir
de expectativas apocalípticas correntes (que evidentemente também
eram a esperança do Batista). Portanto, no sistema escatológico de
Jesus, o advento do Filho do Homem foi postergado, juntamente com
0 Último Julgamento, para um futuro distante. Esta modificação era
0 ponto crucial do conflito entre 0 Batista e Jesus. Contudo, acredito
que Jesus tenha chegado à conclusão de que ele mesmo eventualmente
seria revelado como 0 divino Filho do Homem42.
A inovação mais importante de Jesus foi sua identificação da era
messiânica com 0 reino do céu rabínico. Ele tomou emprestado o con­
ceito de “reino” de um sistema independente, incorporando-o a outra
estrutura redentora rabínica, específicamente, a agenda tripartite. A iden­
tificação feita por Jesus entre a era messiânica e 0 reino do céu, no qual

41 Ver, porém, Billcrbeck, 1 op. cit., pp. 486, 956-959. O Filho do Homem em
Daniel 7:13c por vezes, em fontes rabínicas no século III d.C., identificado com
o Messias, mas a figura divina do Filho do Homem como 0 juiz escatológico no
Último Julgamento não aparece nas fontes rabínicas.
42 Ver Flusser, “Jesus and the Sign o f the Son of Man”, Judaism, pp. 515-534.
228 JESUS

ele teria a tarefa central é, a propósito, prova adicional de que Jesus


estava certo de ser 0 Messias. Em sua resposta a João Batista alegou (Mt
11:4-6; Lc 7:2223‫ )־‬que suas próprias atividades abençoadas demons­
tram que o tempo da salvação está à mão. Havia naquela época muitos
que acreditavam que João fosse Elias. Jesus descreveu João como 0
homem que abriu caminho para a concretização do reino (Mt 11:12­
15). Concluiu suas palavras dizendo que “se quiserdes dar crédito, ele
[João] é 0 Elias que deve vir”. De acordo com a crença popular, Elias
anunciará o advento do Messias■*3. “Quem tem ouvidos, ouça!”4344. Jesus
não estava equivocado quando afirmou que antes do “Dia do Filho do
Homem” ainda virá a era do Reino dos Céus. Os partidários modernos
da “escatologia aguda” de João é que estavam equivocados.
Os resultados do estudo presente têm consequências importantes
para a avaliação da autoconsciência messiânica de Jesus. Ele ado­
tou interpretações judaicas contemporâneas que dividiam a história e
identificou os Dias do Messias com 0 período do reino do céu. Nosso
estudo indica que para Jesus 0 período messiânico não era mais defi­
nido como uma esperança no futuro. Iniciara-se com João Batista, e
Jesus era agora 0 Messias. E também possível compreender como
Jesus modificou a estrutura do conceito de reino do céu. Na sua com­
preensão, este tomou-se mais dinâmico que no pensamento rabínico.
Como para Jesus 0 reino era idêntico ao período messiânico, deixou
de ser uma entidade supra-histórica eterna. Transformou-se numa
força dinâmica que irrompeu no universo, num ponto identificável
da história. O reino do céu começou a irromper com João, e Jesus - 0
Messias - estava no centro deste movimento45. “Quem não está a meu
favor, está contra mim, e que não ajunta comigo, dispersa” (Mt 12:30).

43 Sobre o advento futuro de Elias, ver Zobel, op. cit., pp. 58-68; Billerbeck, op.
cit., vol. 4b:779-798; Volz, op. cit., 195-197.
44 É surpreendente descobrir que a agenda messiânica de Jesus não é muito diferente
do esquema escatológico tripartite do excêntrico filósofo medieval Joaquim de
Fiore(c. 1132-1202). Este dividiu a história em: história do Antigo Testamento,
0 período atual da graça do Novo Testamento e o período futuro do Espírito. As
diferenças em conteúdo, entretanto, não são pequenas.
45 “Contudo, se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios então 0 Reino
de Deus já chegou a vós”(Lc 11:20). Como já dito [supra, p. 217, a expressão
“ dedo de Deus” é extraída de Êxodo 8:15[19], Por meio desta citação, Jesus
alude à percepção de que, por seu intermédio, a redenção divina já começou.
Ver a oração escatológica de Eclo 36:1-22, particularmente os versículos 6-7:
“Renova os prodígios, faze outras maravilhas,
glorifica a tua mão e 0 teu braço direito.”
Por meio das curas de Jesus, Deus repete os “prodígios” e “maravilhas” da
libertação do jugo egípcio.
Quadro Cronológico

A.C.

330 Alexandre Magno conquista o Império Persa, que incluía a


Palestina.
Séc. Ill A Palestina é governada pela dinastia ptolomaica do Egito.
200 O selêucida Antíoco III (Magno), da Síria, conquista a Palestina.
Após 200 O sumo sacerdote judeu Simão, 0 Justo.
187-176 O rei sírio Seleuco IV, Filopátor. Jesus ben Sirac escreve o
Eclesiástico.
176 Antíoco IV, Epífanes.
c. 175 O escriba Antígono de Sohó.
175 Início da helenização de Jerusalém, na época dos sumos sacer­
dotes Jasào e Menelau.
168 Roma conquista a Macedonia. Início da hegemonia mundial
romana.
166 Revolta do sacerdote Matatías.
165 Após sua morte, seu filho Judas Macabeu continua a revolta.
O Livro de Daniel é escrito.
164 (inicio) Fim da perseguição contra a fé judaica.
164 (fim) Judas reconquista o Templo em Jerusalém. Purificação do
Templo.
161 Judas faz aliança com Roma.
160 Judas Macabeu é assassinado e sucedido por seu irmão Jônatas.
152 Jônatas é sumo sacerdote.
146*____ Jônatas morre e é sucedido por seu irmão Simão Macabeu.
134 Morte de Simão.
230 JESUS

134-104 Simâo é sucedido por seu filho João Hircano I. Este, no final
de seu sacerdócio, abandona os fariseus e alia-se aos saduceus.
104-103 Aristóbulo I sucede a João Hircano e é nomeado rei. A Judá
essênica.
103-76 Alexandre Janeu, irmão de Aristóbulo, torna-se sumo sacerdote
e rei. Persegue sanguinariamente os fariseus.
76-67 Sua viúva, Salomé Alexandra, torna-se rainha e transforma
os fariseus no partido dominante. Os saduceus sào oprimidos.
Hircano II, filho de Alexandra, é sumo sacerdote.
67 Aristóbulo II revolta-se contra seu irmão Hircano, autono-
meando-se sumo sacerdote e rei depois da morte de sua mãe.
Início da guerra civil. Hircano é apoiado pelos fariseus, Aris-
tóbulo pelos saduceus.
65 (início) Aristóbulo sitiado no Monte do Templo por Hircano e seus
aliados. Honi (Onias), 0 do círculo, é morto.
64 O general romano Pompeu põe fim ao Império sírio dos
selêucidas.
63 Pompeu em Damasco no início do ano. Serve de árbitro entre
os dois irmãos, decidindo a favor de Hircano; aprisiona Aris-
tóbulo e conquista Jerusalém no outono. A Judeia tranforma-se
num principado vassalo de Roma, com Hircano II como sumo
sacerdote. A conspiração de Catilínia em Roma é sufocada.
47 O idumeu Antípaler, pai de Herodes, é nomeado por César
governador da Judeia.
44 César é assassinado.
43 Antípater é assassinado.
40 Hircano II é deposto pelos partos, liderados por seu sobrinho
Antígono; exilado para a Babilônia, é executado por Herodes
em 30 a.C.
37 Antígono é derrotado pelos romanos e Herodes é nomeado rei
da Judeia (37-34 a.C.) por Antônio.
31 Otaviano ( mais tarde Augusto) derrota Antônio na batalha de
Áccio.
31 a .C .- O imperador Augusto
14 d.C.
c. 20 a.C. - O filósofo judeu Filo de Alexandria.
após 40 d.C.
c. 20 a.C. - Os dois grandes escribas fariseus, Hilel e Schamai.
4 a.C. Morte de Herodes Magno. Divisão do império entre seus filhos:
Arquelau, Etnarca da Judeia, Samaria e Idumeia (4 a.C.- 6
d.C.); Herodes Antipas, Tetrarca da Galileia e da Pereia (4
a.C.-39 d .C .); Filipe, marido de Salomé, Tetrarca da região
nordeste (4 a.C.-34 d.C.).
c. 2 Provável nascimento de Jesus.
QUADRO CRONOLÓGICO 231

D.C.

6 Banimento de Arquelau. A Judeia sob governadores romanos.


O movimento dos zelotas (fanáticos) é fundado por Judas, 0
Galileu.
6-15 Anás (Ananos), 0 saduceu, sogro de Caifás, é sumo sacerdote.
14-37 Tiberio imperador.
c. 18-37 Caifás, genro de Anás, é nomeado sumo sacerdote. O mesmo
que entregaria Jesus a Pilatos.
26-36 Pôncio Pilatos, governador da Judeia.
28/9 Surgimento de João Batista. Batismo de Jesus e início de seu
ministério.
30 (Páscoa) Crucificação de Jesus.
c. 30 O escriba Gamaliel, mestre de Paulo.
c. 35 Martírio de Estevão em Jerusalém.
37-41 Caligula imperador.
c. 37-100 0 historiador judeu Flávio Josefo.
39 Heredes Antipas é deposto.
41-44 Agripa 1, rei dos judeus.
41-54 Cláudio imperador.
44 A Judeia novamente sob governadores romanos.
50-100 Agripa II, Etnarca; a partir de 53, rei de parte da Palestina
setentrional.
54-68 Nero imperador.
62 Anã (Anás 11), filho de Anás I e cunhado de Caifás, é sumo
sacerdote. Ordena a execução de Tiago, irmão do Senhor.
64 Incêndio de Roma. Perseguição contra os cristãos. Paulo e
Pedro são executados em Roma.
66 Rebelião na Palestina.
68 Imperadores: Galba, Oto, Vitélio e, finalmente, Vespasiano
(69-79).
70 Conquista de Jerusalém e destruição do Templo por Tito, filho
de Vespasiano.
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Indice de Fontes

BIBLIA HEBRAICA 1 Samuel


2 8 :1 9 - 138 n. 78
Génesis
15:13-16-200 I Reís
19:16-201 n. 12 1 7 :1 8 -1 5 n. 32
2 2:2-106
25:23 - 52 Isalas
29:31 - 16 n. 37 5 :1 - 7 -9 4 n. 27
2 6 :1 9 - 2 9 n. 22, 217 n. 7
Exodo 2 9 :1 8 - 2 9 n. 2 2 ,2 1 7 n .7
8:15 [ 1 9 ] -2 1 7 , 228 n. 45 3 5 : 5 - 2 9 n. 22, 217 n. 7
1 5 :1 8 -8 1 ,2 2 0 4 0 :3 -1 9
21:24-75 42:1 - 2 2 n. 12, 23
5 6 :3 - 1 4 9
Levítico 5 6 :7 -1 1 1 n. 9
19:18-62, 63 ,6 4 , 75 6 0 :1 2 -2 0 5 n. 26
6 1 : 1 - 2 9 n. 22, 217n . 7
Húmeros 6 1 :1 -2 -3 0
1 9:2-39 n. 7
25:6-15 - 46 n. 29 Jeremias
7 :1 1 -1 1 1 n. 10
Deuteronómio 19:14-20:6- 165 n. 20
6:5 - 63, 64
18:15-93, 105 Ezequiel
18:18-97, 97 n. 3 1 3 :1 0 -4 6 n. 30
3 4 :1 0 -2 1 8 ,218n . 8 37:16-17 - 219 n. 12
238 JESUS

Miqueias NOVO TESTAMENTO


2 :1 3 - 3 2 , 32 n. 29, 84
Mateus
Zacarias 1 :1 -1 7 - 152 n. 13
6 :1 2 -1 1 3
1 :2 -1 6 -8
1 4 :7 -2 2 6 n. 39 2 :1 6 -1 8 -1 4 9
2 :2 3 -9
Malaquias
3 : 2 - 2 7 , 29 n. 21
1 :2 -3 - 16 n. 37
3 :4 - 6 -2 1 6
3 : 1 - 3 1 n. 25
3 :1 0 - 2 1 6
4 : 5 - 9 7 n. 3
3 :1 1 -1 2 -2 9
3 :1 2 - 2 1 9
Salmos
3 :1 3 -2 4
2 - 1 0 3 n. 24
3 :1 7 -2 2
6 :9 -2 1 6 1 1 .4
4 :1 2 -1 3 -2 7
22:2 - 4 n. 4, 139 n. 79, 184
4 : 1 7 - 2 7 , 28, 82
22:8 - 184 n. 2
4 :1 7 -2 5 -2 8
2 2 :1 9 - 184 n. 2, 187
4 : 1 9 - 8 5 n. 22
3 1 : 6 ( 5 ) - 139 n. 79
5 :1 7 -6 5
38:11 - 194
5 :1 7 -2 0 -6 5
82:1 - 102
5 :1 7 -4 8 -6 5
1 1 0 -1 0 3
5 : 1 8 - 5 0 n. 42
110:1 - 14
5 :1 8 -2 0 -5 1
110:3 - 103 n. 24
5 :2 1 -2 2 -6 5
1 1 3 -118- 115 n. 25
1 1 8 :2 2 -9 5 , 95 n. 29, 125 n. 26, 141 5 :2 2 -6 6
5 :2 5 -2 6 -5 , 79
1 1 8 :2 6 -1 0 7
5 :2 8 -6 6
Cântico dos Cânticos 5 :2 9 -3 0 -6 6
2 :1 1 -2 0 0 n. 10 5 :3 5 -1 9 7
2 :1 1 -1 3 -2 0 0 5 :3 8 -4 8 -7 5
2:13 - 2 0 0 n. 10 5 :3 9 - 7 3
5:43.48-66
Daniel 5 :4 4 -5 1 n. 43, 59, 63
2 :3 4 -1 4 1 n. 2 5 :4 7 - 5 2
7 - 1 0 1 , 216 5 :4 8 - 5 9 , 59 n. 5
7 :9 -1 4 -1 0 1 6 :7 -5 2
7:13 - 2 9 ,2 1 6 , 225 n. 37, 227 6 :9 -9 1
12:1 - 2 0 5 n. 26 6 : 10-221
6 :1 4 -1 5 -5 9
6: 24 - 70
TARGUM1M 6 :3 2 -3 4 -5 2
7 :1 2 -6 2
T argum 7:23 - 216 n. 4
Ezequiel 2:10 - 81 n. 7 7 :2 8 -2 9 -2 0 7
Zacarias 1 4 :9 -8 1 n. 6, 220 n. 17 8 :5 -1 3 -5 3
Salmos 118:22 - 95 n. 29 8 :1 1 -1 2 -2 0 6 , 206 n. 32
8 : 1 4 - 2 6 n. 14
PSEUDO-JÔNATAS
8 :1 9 -2 0 -6 9 , 101
Levítico 19:18 - 62 n. 17
9 :1 -8 -4 2
ÍNDICE DE FONTES 239

9 :3 7 -3 8 -2 0 1 5 :2 4 -5 4
1 0 :5 -7 -5 4 1 6 :1 4 -1 2 3 η. 24
1 0 :5 -1 5 -1 9 8 1 6 :1 7 -1 9 -9 7
1 0 :5 -1 6 -8 5 1 7 :5 -1 0 5
1 0 :6 - 5 3 η. 50, 54 1 7 :1 0 -1 3 -3 4
1 0 :1 5 -2 3 -1 9 8 1 9 :2 0 -2 2 3 η. 26, 226
1 0 :1 6 -8 3 1 9 :2 8 -1 0 2
1 0 :1 7 -1 8 - 198 η. 6 2 0 :1 -1 6 -7 6
1 1 :2 - 2 7 20:24-28 - 53 η. 48, 96 η. 34
1 1 :2 -4 -2 1 6 2 0 :2 8 - 5 3 η. 48, 95 η. 34
1 1 :2 -6 -2 8 η. 18, 2 9 ,2 1 7 2 1 : 8 - 108η. 3
1 1 :4 -6 -2 2 1 ,2 2 8 21:11 - 108
1 1 :5 -2 1 7 η. 7 2 1 :1 2 -1 1 1 η. 8
11:7-15-31 2 1 :1 2 -1 3 -1 1 1 η. 11
11:11 - 2 1 8 η . 8 2 1 :1 5 -1 6 -1 0 8 η. 5
1 1 :1 1-15-218 2 1 :2 3 -2 7 - 14 η. 24
1 1 :1 2 -1 5 -2 2 8 2 1 :3 1 -3 2 -8 6
1 1 :1 2 -3 2 η. 29, 84, 222 2 1 :4 3 -2 0 6
11:13-111 η. 12 21:45 e s . - 193
1 1 :1 6 -1 9 -3 4 2 2 :1 4 -2 0 4 η. 25
11:20-24 - 27, 54 2 2 :3 5 -4 0 -6 3
1 1 :2 3 -2 1 8 2 2 :3 9 - 6 2
1 1 :2 5 -2 7 -9 2 2 3 :1 -3 6 -4 6
1 1 :2 8 -3 0 -9 2 η. 21 2 3 :2 -3 -4 8
1 2 :8 - 4 0 η. 11 2 3 :3 -4 6
1 2 :9 -1 4 -4 1 2 3 :4 -4 7
1 2 : 1 4 - 4 1 ,4 2 η. 1 7 ,8 8 η. 10 2 3 :6 -1 2 -1 4
12:28-30-221 2 3 :1 3 - 4 7
1 2 :3 0 -2 2 1 , 228 2 3 :1 5 -5 1
1 2 :3 2 -4 3 , 226 2 3 :2 4 - 113 η. 14
1 2 :3 8 -4 2 -5 5 2 3 :2 5 -2 6 -3 9
12:4 0 -2 1 2 -2 1 3 η. 7 2 3 :2 7 -2 8 -4 6
1 3 :1 1 -1 5 -8 5 23:29-31 - 4 9 , 167, 203
1 3 :1 4 -3 0 -2 9 23:30 e s s . - 183
1 3 :2 4 -3 0 -2 1 9 , 221 2 3 :3 7 - 113 η. 14
1 3 :2 9 -2 1 9 23:37-39 - 197 η. 2, 2 0 3 ,2 0 4 η. 24
1 3 :3 0 -2 1 9 2 3 :3 9 -2 0 2 η. 18
1 3 :3 3 -8 5 2 4 :1 -2 -2 0 3
1 3 :4 7 -5 0 -2 9 , 219 η. 11,221 2 4 :1 -3 -1 9 7
1 3 :5 2 -6 3 2 4 :1 4 - 198η. 6
1 3 :5 5 -1 5 η. 30 2 4 :2 1 -2 2 -2 0 4
1 3 :5 7 -1 6 2 4 :2 2 - 2 0 4 η. 25
1 4 :1 -3 3 2 4 :2 4 - 2 0 4 η. 25, 205
1 4 :1 -2 -9 7 η. 2 2 4 :2 6 -2 8 - 199-200 η. 9
1 4 :3 -1 2 -2 0 η. 4 24:29-31 - 199 η. 9
14:13, 1 5 - 2 1 5 η. 2 2 4 :3 0 - 2 0 4 η. 25
1 5 :1 -4 1 24:31 - 2 0 5
1 5 :1 1 -3 8 24:32-33 - 200
1 5 :2 1 -2 8 -5 3 24:34b - 5 0 η. 42
240 JESUS

24:34-35 - 50 η. 42 2 7 :4 7 -1 8 9
2 4 :3 6 -2 1 9 , 223 27:47 e s . - 190
2 5 :3 1 -3 6 - 101 2 7 :4 8 - 138, 189
2 5 :3 1 -4 6 -2 9 ,2 1 6 ,2 1 9 2 7 :5 4 - 185 η. 2
2 5 :4 6 -2 2 3 η. 26 2 7 :5 5 - 185 η. 2
26:1 e s . - 1 9 2 27:55 e s . - 1 8 9
2 6 :1 7 -2 0 - 114 η. 17 2 7 :6 0 - 119
2 6 :2 3 - 114 η. 24 2 7 :6 2 -1 6 7
2 6 :2 8 - 9 6 η. 34 2 7 :6 2 -6 6 -2 1 3 η. 7
2 6 :3 0 -2 0 9 27:63 - 2 1 3 η. 7
2 6 :4 1 b - 115 η. 28 2 8 :1 1 -1 5 -2 1 3 η. 7
26:51 - 156 2 8 :2 0 - 5
2 6 :5 7 - 118
26:57-61 - 122 M arcos
2 6 :5 7 -6 8 - 118 1 :2 -4 -1 9
2 6 :5 9 - 118 1 :7 -2 1 6
2 6 :6 0 -1 1 1 η. 12 1 :9 -2 4
26:61 - 111 1 :1 4 -2 7
2 6 :6 2 -1 6 5 1 :2 9 - 2 6 η. 14
2 6 :6 2 -6 4 -1 6 5 2:27-28 - 40
2 6 :6 3 - 113 η. 13 3 : 6 - 4 2 η. 17
2 6 :6 4 -1 0 3 η. 27 3 : 1 8 - 8 0 η. 3
26: 6 7 -6 8 -1 5 3 η. 3, 155 η. 5, 158 3:21 - 16 η. 36
2 6 :6 8 - 156 η. 7 3:34-35 - 16
26:73 - 7 η. 2 5 :4 3 -9 1
2 7 :1 -2 -1 1 8 6 : 3 - 7 , 15 η. 30
27:11-23 - 130 6 :4 -1 6
2 7 :1 2 -1 6 5 6 :7 -2 8
27:15 - 133 η. 61 6 :1 4 -1 6 -9 7 η. 2
2 7 :1 8 -1 6 5 η. 19 6: 1 7 -2 9 - 2 0 η. 4
2 7 :1 9 -2 1 2 6:31 - 2 1 5 η. 2
2 7 :2 0 - 165 7 :5 -3 8
27:21-23 - 171 7 :8 -3 8
2 7 :2 4 -2 5 - 166 η. 21 8 :2 2 -2 6 -4 0
2 7 :2 5 -1 6 6 η. 21 8:28 - 123
2 7 :2 6 - 134, 181 η. 27 8:31 - 2 1 2 η . 7
2 7 :2 7 - 175,211 9 :7 -1 0 5
27:27-31-1 3 2 η. 5 8 ,136η. 68,172,181,190 9:31 - 2 1 2 η. 7
2 7 :2 8 - 137 η. 70 9 :4 3 -4 8 -6 6 η. 33
2 7 :3 4 - 190 η. 17 1 0 :1 3 -1 6 -8 9
2 7 :3 5 - 184 η. 2 10:24:25-71
27:39- 184 η. 2, 189 1 0 :2 9 -3 0 -2 2 3 η. 26, 226
2 7 :3 9 -4 3 - 189 1 0 :3 4 -2 1 2 η. 7
27: 39 e s . - 1 8 7 η. 9 1 0 :4 1 -4 5 -5 3 η. 48
27:41 - 185, 189 1 0 :4 5 -5 3 η. 48, 95 ηη. 3 2 e 3 4
2 7 :4 2 - 189 1 1 :8 -1 0 8 η. 3
2 7 :4 4 - 188 η. 9 1 1 :1 5 -1 1 1 η. 8
27:46 - 4 η. 4, 139 η. 79, 184, 184 η. 2, 11:15-17-111 η. 11
190 η. 14 1 1 :1 8 -1 9 -1 0 8 η. 5
ÍNDICE DE FONTES 241

11:18 e s . - 1 9 3 1 5 :1 5 -1 7 5
12:12-187, 193 1 5 :1 6 -2 1 1 ,2 1 2
12:28-34-64 15:16-20- 132 η. 5 8 ,1 3 6 ,1 3 6 η. 68, 171,
12:29 - 207 181, 190
1 3 -1 9 7 15:21 - 137
1 3 :2 -2 0 4 , 207 1 5 :2 3 - 138, 190
13:2-4-197 1 5 :2 4 -1 8 4 η, 2
1 3:9-198 η. 6 1 5 :2 6 - 103 η. 25
13:9-133-198 1 5 :2 9 - 184 η. 2, 189, 190
1 3:10-198 η. 6 15:29 e s . - 187 η. 9, 191, 194
13:190-20-204 15 :2 9 -3 2- 189
13:20-204 η. 25, 207 15:31 - 185
13:22-204, 204 η. 25, 207 15:31 e s . - 191, 194
13:24-205 1 5 :3 2 -1 8 9
13:24-27- 199 η. 9 1 5 : 3 2 b - 188 η. 9, 191, 194
13:27-204 η. 25, 207 15:34 - 4 η. 4, 139η. 79, 184, 184-185 η.
13:28-29-200 2, 190 η. 14
13:32-219, 223 1 5 :3 5 - 189, 190
14:1 e s . - 192 15:35 e s . - 190, 191, 194
14:6-209 1 5 :3 6 - 138, 189, 189 η. 13, 191, 194
14:20- 114 η. 24 1 5 :3 9 - 185 η. 2, 191
14:24-95-96 η. 34 1 5 :4 0 - 185 η. 2, 191, 194
14:38b- 115 η. 28 15:40 e s . - 189
14:43-52- 154 1 6 :1 5 -1 8 1 η. 27
14:47-156
14:53-118, 154 Lucas
14:53-65 - 118 1 :1 -4 -1 4 3 η. 6
14:54-154 1 :3 6 -2 4
14:55-118 1 : 5 9 - 8 η. 5
14:55-64- 154 1 :6 8 -2 0 2 η. 15
14:57-59- 111 2-202
14:58-111, 190 2 :4 -9
14:60-62- 165 2 :2 2 -2 4 - 11
14:61 - 113 η. 13 2 :2 5 - 2 0 2
14:62- 103 η. 27 2 :3 4 -3 3
14:65 - 153-154 η. 3, 154, 155 η. 5, 158 2 : 3 5 - 17 η. 42
14:65b- 155 2 :3 6 -3 8 -2 0 2
14:66- 156 η. 7 2 :3 8 - 2 0 2 η. 15
14:66-72- 154 2:41-51 - 11
14:70-7 η. 2 3 :9 -2 1 6
15:1 - 118, 154 3 :1 0 -1 4 -2 8
15:3-165 3 : 1 6 - 3 3 ,2 1 6
15:6-133 η. 61 3 :1 6 -1 7 -2 9
15:6-10-133 3 :1 7 -2 1 9
15:6-12-130 3 :1 9 -2 0 -2 0 η. 4
15:9-178 3:21 - 2 2 η. 12
15:10-165 η. 19 3 :2 1 -2 2 -2 2 η. 10
15:11 - 133, 165 3 :2 3 -3 8 -8 , 152 η. 13
15:12-14-171 4:1 - 2 7
242 JESUS

4 :1 7 -1 8 -3 0 1 1 :27-28- 16
4 :1 8 -2 1 -3 0 1 1 :2 9 -3 2 -5 5
4 : 2 2 - 1 5 η. 30 1 1 :4 7 -4 8 -4 9 η. 38
4 :2 4 -1 6 1 1 :5 2 -4 7
4 :3 2 - 2 0 7 1 3 :1 -5 -7 6 , 125
4 : 3 8 - 2 6 η. 14 1 3 :1 -9 -2 0 3
5 : 3 0 - 7 6 η. 22 1 3 :2 - 7 7 η. 23
5 :3 0 -3 2 -7 6 1 3 :3 -2 0 3
5 : 3 2 - 7 6 η. 22 1 3 :5 -2 0 3
6 :1 - 5 -3 7 1 3 :6 -9 -7 7 , 200 η. 10,219 η. 11
6 :6 -1 1 -4 1 1 3 :1 8 -1 9 -8 5
6:11 - 4 2 , 88 η. 10 1 3 :3 1 -3 3
6 : 1 5 - 8 0 η. 3 13 :3 1 -3 3 - 107
6:16-17011. 31 1 3 :3 2 -3 2
6: 2 4 -2 6 -7 1 13:33 - 9 8 , 207
6 : 2 7 - 7 5 η. 19 13:33b- 2 0 3
6 : 3 0 - 7 5 η. 17 1 3 :3 4 -9 8 , 107
6 :3 6 -5 9 13:34-35 - 197, 202, 203, 204 η. 24
6 :3 7 -3 8 -6 1 1 3 :3 5 -1 1 3
7 :1 -1 0 -5 3 13:35b- 2 0 2 η. 18
7:18-21 - 2 1 6 1 4 :2 6 -1 6
7:18-23 - 2 8 η. 18, 2 9 ,2 1 7 1 6 :2 -2 2 2
7:22-23 - 2 2 1 ,2 2 8 1 6 :8 -1 2 -7 0
8 :2 -2 7 1 6 :1 6 -8 4 , 111 η. 12
8 :5 -6 -9 1 1 7 :6 -4 3
8:21 - 15 17:20-21 - 8 4 , 223 η. 25
9 :1 -3 3 1 7 :2 2 -2 4 -2 1 5 ,2 1 9 , 223 η. 25
9:7-9 - 97 η. 2 1 7 :2 2 -3 7 -2 0 0 η. 9
9 :1 8 -2 0 -9 9 17:23 - 2 2 3 η. 25
9 :1 9 -9 9 1 7 :2 4 -2 2 3
9 :2 2 - 101, 118 1 7 :2 5 -2 0 0 η. 9
9 :2 8 -3 6 -9 3 , 95 1 7 :2 6 -3 2 -2 2 3 η. 25
9 :3 1 - 9 3 17:31 - 2 0 0 η. 9
9 :3 5 - 106, 187 η. 8 17:33 - 2 0 0 η. 9
9 :43b -45- 101 1 7 :3 4 -3 7 -2 2 3 η. 25
9 :4 4 -1 0 1 , 118 1 8 :7 -2 0 4 η. 25
9 :5 9 -6 2 -1 6 1 8 :1 5 -8 9
1 0 :1 2 -1 5 -2 7 1 8 :2 7 -5 3 η. 48
1 0 :1 3 -1 5 -5 5 1 8 :2 8 -3 0 - 16
10:17-20-221 1 8 :2 9 -3 0 -2 2 3 η. 26, 226
1 0 :1 8 -3 0 1 8 :3 1 -3 4 -9 9 , 118
1 0 :2 2 -9 2 η. 20 1 9 :4 0 -4 4 -7 7
1 0 :2 5 -2 8 -6 3 η. 20, 64 1 9 :4 1 -4 4 -1 9 7 , 203
1 1 :2 0 -3 0 , 84,21 7 , 2 2 1 ,2 2 8 η. 45 1 9 :4 5 -4 6 - 111, 111 η. 8
11: 20-21 -2 2 0 1 9 :4 5 -4 8 -1 6 6
11: 20- 22-221 1 9 :4 7 -1 9 3
11: 21- 22-221 19 :4 7 -4 8- 108 η. 5
11:23 - 2 2 1 20:1 - 122
1 1 :2 1 -2 3 -3 0 2 0 :1 - 8 -1 4 η. 24, 108
ÍNDICE DE FONTES 243

20:9-16-141 2 2 :3 4 - 114 η. 23
20:9-18- 108, 166 2 2 :3 5 -3 8 -8 0 η. 1
20:9-19 - 93 , 98, 105 2 2 :3 9 -1 1 5 η. 26, 209 η. 1
2 0 :1 7 -9 5 , 125 η. 26 2 2 :3 9 -4 6 - 115
20:18 - 33 . 95 η. 28 2 2 :4 8 - 116
20:19- 108, 187, 193 2 2 :5 2 - 176
20:19-20- 166 2 2 :5 4 - 165,211 η. 3
20 :20-26-79, 122 2 2 :5 6 -6 2 - 154
20:27-39 - 72 2 2 :5 8 - 156 η. 7
20:33-35 - 226 2 2 : 5 9 - 7 η. 2
20:41-43 - 103 2 2 :6 3 - 165
20:41-44- 14 2 2 :6 3 -6 4 - 121, 153, 155, 155 η. 5
21:5-6- 108, 165, 198 2 2 :6 3 -6 5 - 154
2 1 :5 -7 -1 9 7 2 2 :6 4 - 158
21:7 -8 -1 9 8 2 2 :6 6 -1 1 8 , 121,211 η. 3
2 1 :9 -1 9 8 22:66-71 - 122, 154
21:9-11 - 198 2 2 :6 7 - 113 η. 13
21:10-11-198 η. 5 2 2 :6 7 -7 0 - 103, 103 η. 27
21:1 2 -1 9 8 2 2 :6 9 - 103, 123
21:12-19-198 22:71 - 125
21:2 0 -1 9 8 2 3 :1 -2 -1 2 2
21:20-23 - 198 2 3 :1 -5 -1 5 4
21:20-24- 198, 199 2 3 :2 - 1 6 9
21:21 - 198 2 3 :4 - 2 1 2
21 :23-24-204 23:4 e s . - 191
21:24- 198, 200 η. 9, 201,201 η. 12, 204 2 3 :6 -1 2 - 122 η. 20, 132, 132 η. 58
21:25-26- 199 η. 9 2 3 :6 -1 6 - 136 η. 68
21:25-27- 198 η. 5 23:8-11 - 175 η. 11
21:28-197.198. 199.200 η. 10,200,200 23:11 - 172 η. 3, 190
η. 10, 202 η. 15 2 3 :1 2 -1 3 2
21:29-31 - 2 0 0 23:13 - 191, 192 η. 19
2 1:38-192 23:13 e s . - 191, 192
22 :1-6-164 2 3 :1 3 -3 5 - 188 η. 11
22:1 e s . - 192 2 3 :1 7 - 133 η. 61
22:2 - 1 2 2 23:18-21 - 130
22:3-6-115 23:18 e s . - 191
22:15 - 107 η. 1, 114 η. 18 2 3 :1 9 - 133 η. 61
22:16, 18 - 223 η. 25 2 3 :2 1 -2 3 - 171
2 2 :1 5 -1 9 -114η. 21 2 3 :2 2 - 191 η. 18
22 :19-20-96 η. 34 2 3 :2 6 -4 9 -1 8 5
22:20 - 96 η. 34 23:26 e s . - 192
22:21 - 9 9 , 114 η. 24 2 3 :2 7 -1 8 5 , 190, 191
22:21-22-99, 114 η. 22 23:27 es. - 185
22:22- 170 23:27-31 - 197, 204
22:24-27 - 52, 96 η. 34 23:27 es. - 194
22:26- 118 2 3 :3 2 -1 9 0
22:27 - 95 η. 32 2 3 :3 4 - 138 η. 75, 184 η. 2, 185
22:28-30- 102 2 3 :3 4 b -1 8 7
22:30- 156 2 3 :3 5 - 184 η. 2, 186, 191, 194
244 JESUS

2 3 :3 5 a - 186, 192 1 8 :1 -2 0 9
2 3 :3 5 b - 189, 191, 192 η. 19, 194 1 8 :3 -4 9 , 116, 176, 181
2 3 :3 5 -3 9 - 187 1 8 :1 0 -1 5 6
2 3 :3 6 - 138, 189 η. 13 18:10-11 - 176
23:36 e s . - 190, 191, 194 1 8 :1 2 -1 7 6 , 181
2 3 :3 6 -3 7 - 136 η. 68 1 8 :1 2 -1 4 -1 2 0
2 3 :3 7 - 133 η. 61 18:13 - 163,209
2 3 :3 9 - 189, 194 1 8 :1 3 -2 4 -1 6 3
23:39-43- 138-139 η. 78 1 8 :1 7 -1 5 6 η. 7
2 3 :4 6 - 139 η. 79 1 8 :1 8 -1 5 6
2 3 :4 7 - 185 11. 2, 186 18:22-23 - 159 η. 18
2 3 :4 8 - 139, 186, 186 η. 5, 190, 194 1 8 :2 4 - 120, 209,211
2 3 :4 8 -4 9 - 185 η. 2 1 8 :2 6 -1 5 6
2 3 :4 9 - 186, 189 1 8 :2 8 -5 3 η. 51, 211
2 3 :4 9 a - 190, 194 18 :2 9 -3 8 - 132
2 3 :5 0 -5 6 - 119 1 8 :3 9 -1 7 8
2 4 :1 3 -3 5 - 141 19:1 - 181 η. 27
2 4 :2 0 - 188 η. 11 1 9 :1 -3 -1 7 1
24:21 - 2 0 2 1 9 :1 -1 6 -1 7 6
1 9 :2 -3 -1 7 5
João 1 9 :4 -5 - 172, 176, 177
1 :1 7 -9 2 1 9 :4 -6 -1 7 6
1 :4 0 -4 4 -2 5 , 215 η. 2 1 9 :6 -1 3 3 , 176
2 :4 -1 5 1 9 :7 -1 7 6
2 :1 3 -1 7 -1 1 1 η. 11 1 9 :1 2 -1 3 1 , 131 η. 52, 176, 177
2 :1 5 -1 1 1 η. 11 1 9 :1 2 -1 4 -1 7 6
2 :1 9 -1 1 1 ηη. 11 e 12 1 9 :1 3 -2 1 2
3:1 - 120 η. 7 1 9 :1 3 -1 4 -1 7 6 , 177
3 :1 -1 5 -1 1 9 1 9 :1 4 -1 7 6
3 :2 3 -9 1 9 :1 5 -1 3 1 η. 52, 176, 177, 195 η. 21
3 :2 4 -2 8 1 9 :1 6 -1 8 1 η. 27
4 :4 4 -1 6 1 9 :1 9 -2 2 -1 7 3
5 :1 8 -9 2 1 9 :2 0 -2 1 3
7 : 5 - 16 19:23 e s . - 1 8 4 η. 2
7 :1 5 - 1 2 1 9 :3 9 -1 1 9
7 :4 1 -4 2 -9 1 9 :3 9 -4 0 - 120 η. 7
7 :5 0 -5 2 - 120 η. 7 2 0 :1 7 - 9 2
7 :5 2 -1 1 9 , 120 η. 7
9 :6 -4 0 A to s d o s A p ó s to lo s
9 :1 4 -1 6 -4 0 1 :1 -9 -1 4 1
11:47-51 - 168 1 :6 -8 1
11:47-52- 170 1 :6 -7 -2 0 2
11:47-53 - 167 1 :6 -8 -2 0 5 η. 28
1 1 :4 8 - 122 η. 18 1 :7 -2 1 9 , 223
1 1 :4 9 -5 0 -5 0 η. 40 1 :1 3 - 8 0 η. 3
1 1 :5 2 -2 0 5 1 :1 4 - 1 6
1 2 :1 3 -1 0 8 η. 3 2:22 e s . - 192
1 2 :3 2 -2 0 5 3:13 e s . - 192
1 3 :4 0 -1 3 3 η. 61 3 :1 7 - 1 8 8 η. 11
ÍNDICE DE FONTES

3 :1 7 -2 2 -9 8 9 :5 -1 7
4 :1 -2 - 164 η. 13 1 0 :2 5 -2 6 -3 5
4 :1 -3 -1 6 6 11:23b - 170 η. 31
4 :5 -1 8 8 η. 11 1 1 :2 3 -2 4 -9 6 η. 34
4 :6 -1 6 4 , 164ηη. 13 e 17,166 1 1 :2 3 -2 5 -9 6 η. 34
4 :8 -1 8 8 η. 11 1 5 :3 -8 -1 2 4
4 :1 3 -1 2 1 5 :4 - 139 η. 78
4 :1 6 -8 8 η. 10 1 5 :7 - 16η. 39
4 :2 5 -2 8 - 123 η. 20 1 5 :2 3 -2 8 -2 2 4 η. 29
5 :1 7 -1 8 -1 6 6 1 5 :4 2 -5 4 -2 2 7
5 :1 7 -4 2 -4 9 , 164 1 6 :2 2 - 137 η. 69
5:21 - 166
5:27-28- 166, 166 η. 21 G á la ta s
5:28 - 50 η. 40 2 : 9 - 16 η. 39
5 :3 4 -4 6 4 :4 -5 4
5 :3 6 -1 6 8
7:52 - 170 η. 31 E fé s io s
7 :6 0 - 138 η. 75 1 :1 0 -2 2 2
9 :1 5 -1 9 8 η. 6
1 0 -5 1 η. 44 F ilip e n s e s
1 0 :2 -5 1 η. 44 3 : 5 - 4 6 η. 27
1 0 :2 8 -5 3 η. 51
13:25 - 2 7 η. 15 1 a o s T e s s a lo n ic e n s e s
13:27- 188 η. 11 4 :1 5 -1 7 -2 0 5
16:6-10-35 5 : 2 - 2 0 0 η. 9
1 9 :1 -7 -2 2 η. 9
2 0 :2 4 -2 7 η. 15 2 a o s T e s s a lo n ic e n s e s
2 1 :3 8 - 124 η. 25, 169 2 :1 -2 0 5
2 2 :30-23-10-49
2 3 :2 -4 - 159 η. 18 H eb rea s
2 3 :6 -4 6 η. 27. 155 9 :1 0 -3 5
23:23 - 128 1 3 :1 2 -2 1 3
23:33 - 128
23:35-211 E p ís to la d e T ia g o
26:5 - 46 η. 27 2 :1 0 - 5 1 η. 45

Rom anos 1 E p ís to la d e P e d r o
1:7b- 5 5 η. 55 2 :7 - 8 -3 3
2 :9 -1 0 -5 5 η. 55 3 :1 8 -1 0 5
3 :1 0 -5 1 η. 45 3 :1 9 -2 0 - 139 n. 78
3 :3 1 -6 5 η. 30
8:15-91 A p o c a lip s e
9 :1 3 -1 6 η. 37 1 1 :3 -1 2 -1 2 3
1 1 -2 0 8 η. 35 1 8 -8 1
12:9-13:7-73 η. 14 20-21 - 2 2 4
1 5 :8 -5 4 2 0 :1 1 -1 5 -2 2 4
2 1 :1 - 2 2 4
I a o s C o r in tio s 2 1 :1 -2 -2 2 5
6 :1 2 -5 1 η. 43 2 1 :2 -2 2 5
246 JESUS

APÓCRIFOS DO NOVO T eru m ot


TESTAMENTO 7 : 2 0 - 169 η. 30, 170 η. 32
M oed
A t o s d e P H a to s 151 η. 12
11 - 139 n. 79 Erubin
3(4): 17 120‫ ־‬η. 7
E v a n g e lh o d e P e d r o P e s s a k h im
1 :1 -2 -1 2 3 n. 20 7 :1 4 - 1 5 6 η. 8
5 :1 9 - 139 n. 79 T a a n it
3 :5 - 1 5 1 η. 12
Y evam ot
LITERATURA RABÍNICA 1 :1 0 -1 6 2 η. 7
K e tu b o t
M isc h n á 5 :9 -1 0 -1 2 0 η. 8
B erakh ot S o tá
2 : 5 - 3 9 n. 10 1 4 :4 - 8 2 η. 12
5 : 5 - 8 7 n. 5 B aba Q am a
E duyot (Zuckermandel, p. 365)
8 : 7 - 3 4 n. 30 9:29-30 - 75 n. 20
Z e v a k h im M en akh ot
5 :7 -8 - 114 n. 16 13:21 - 156 n. 8, 164 n. 16
P e s s a k h im A h ilu t
7 : 9 - 114 n. 16 1 8 :1 1 -5 3 n. 51
8 :6 - 1 7 3 n. 6
Yom a T a l m u d B a b il ó n ic o (T B )
8 : 9 - 5 9 n. 9 A vodá Z ará
T a a n it 9 a - 2 2 4 n. 31
3 : 8 - 8 8 n. 9 B erakh ot
4 :5 -1 5 1 34b - 88 n. 7
Y evam ot Schabat
1 :1 0 -1 6 2 n. 5 3 1 a - 61 n. 14
S a n h e d r in E r a v in
4:1 - 117 n. 2 6 0 b - 157 n. 13
4 : 5 - 4 1 n. 15 Yom a
6 : 5 - 118 n. 6, 139 n. 78 3 9 b - 168 n. 26
A vot T a a n it
1 : 3 - 5 7 n. 1,64 n. 23 7 a - 59 n. 6
1 :1 0 -1 4 n. 28 19b - 1 2 0 n. 7
2 : 3 - 6 1 n. 11 2 3 a - 8 7 n. 2
3 : 6 - 8 1 n. 9, 220 n. 18 24b - 87 n. 6
P ará P e s s a k h im
3 :5 - 1 6 3 n. 9 5 7 a - 164 n. 16
2 0 :1 6 - 163 n. 9 9 1 a - 173 n. 6
T o h o ro t K e tu b o t
10:4-20911. 2 6 6 b - 12011. 8
S o tá
T0SEFTA 22b - 46 n. 29, 46 n. 32
B erakh ot K id u s c h in
5:13 - 37 n. 4 32b - 53 n. 49
ÍNDICE DE FONTES 247

7 0 b - 156 η. 9 S e d e r O la m R a b á
Β α ν α M e s ta fim do cap. 3 - 167 η. 24
5 8 b - 6 5 η. 3 1 ,6 6 η. 32 cap. 3 - 50 η. 40
Β α να B a tr a
1 2 a - 157 η. 13 S ifr e
S a n h e d r in Dt. 6:5 - 64 n. 25
97a/b - 224 η. 31 Dt 6:6 - 224 n. 28
9 8 a - 2 0 5 η. 26 Dt. 3 2 : 9 - 9 5 n. 30
99a - 224 η. 30 Dt. 3 2 :2 9 -8 1 n. 8
G u itin
5 6 a - 120 η. 7 M i d r a s c h T a n a im

B ek h o ro t Dt. 6:5 - 64 n. 25
4 5 a - 157 η. 13
M id r a s c h H a g a d o l

Ta l m u d de J e r u s a l é m (TJ) Ex. 2 0 : 1 4 - 6 6 n. 34
B erakh ot
P ir k e d e R a b i E lie z e r
13b- 4 6 n. 32
33 sobre 1 Samuel 28:19 - 139 n. 78
14b- 4 7 n. 33
T eru m ot
(H. S. Horo-
M e k h ilta d e R a b i I s c h m a e l
VIII 4 6 b - 170 n. 32
vitz & I. A. Rabin, eds.)
P e s s a k h im
Êxodo 12:1 (pp. 3-4) - 54 n. 53
36a (8 : 6 )- 173 n. 6
Êxodo 15:2 (p. 1 2 7 ) - 5 9 n. 4
Êxodo 15:18 (pp. 150-151)-82n . 10
Tra ta do s M e n o r e s
Êxodo 19:1 (pp. 2 0 3 -2 0 4 )-8 2 n. 13, 120
A vot d eR . N a t a n (ed. S. Schechter,
n. 8
Vienna, 1887, Versão A)
Êxodo 31:14 (p. 34!) - 40 n. 12
V (pp. 25-26) - 57 η. 2
XX (p. 72) - 82 η. 11
Ταηά d e - v e i E liy a h u
(Versão B)
(ediç30 de Viena)
XXI (p. 53) - 62 n. 18
pp. 6 - 7 - 2 2 4 η. 3 1 ,2 2 6 η. 39

G u e rim
A p ó c r if o s ε P s e u d o e p ig r á f ic o s
3 :2 -5 3 n. 51 B en S ir a c
2 7 :3 0 -2 8 :7 -5 9
Mid r a s c h im
2 8 :3 -5 -6 2
le v itic o R a b á
3 6 :1 -2 2 -2 2 8 n. 45
26:7 (Margulies ed., pp. 605-606) - 139 3 6 :6 -7 -2 2 8 n. 45
n. 78
3 6 :1 0 -2 0 5 n. 26
C â n tic o s R a b á
2:13 - 2 0 0 n. 10 T o b ia s
1 4 :4 -5 -2 2 3 n. 27
M id r a s c h S a m u e l
2 3 :4 - 139 n. 78 A A s c e n s ã o d e M o is é s
7 -4 8
M id r a s c h s o b r e o s S a l m o s 7 : 3 - 9 -3 8 η. 6
82:1 - 102 n. 23 (Buber ed.) 10:1 - 3 0 η. 23, 221
90:15 - 224 n. 30 1 0 :1 -1 0 -8 2 η. 14
118 (p. 488) - 108 n. 2
JESUS

Testamentos dos Doze Patriarcas - 71-72, 13 - 102 n. 18, 225 n. 37


7 3 ,7 5 13:3 - 225 n. 37

Testamento de dudó V Esdras


2 5 :3 -5 -7 2 n. 10 1:24-27 - 206
1 :3 0 -4 0 -2 0 6
Testamento de Dan 2 :1 0 -1 3 -2 0 6
5 : 3 - 6 4 n. 26
6:1-5-8211. 14 Apocalipse Grego de Baruc
4:3 - 205 n. 26
Testamento de Issacar
5 :2 -6 4 1 1 .2 6 Apocalipse Siríaco de Baruc
7 : 6 - 6 4 11.26 caps. 29-30. 39-42, 72-74 - 225
30:1 - 2 2 5
Testamento de Zabulón 3 2 :1 -6 -2 2 5
5:1 - 64 n. 26 3 2 :1 -2 -2 2 5
7 - 7 5 n. 21 3 2 :3 -2 2 5
3 2 :4 -2 2 5
Testamento de Benjamim - 75 4 0 :7 - 2 2 5 nn. 32 e 34
4:2-3 - 74 n. 15 '
5 : 1 - 7 4 11. 15 M a n u s c r i tos do M a r M o r to
6 : 5 - 7 -7 4 n. 15 Regras da Comunidade (1QS)
1 :4 -5 -7 0 n. 7
Salmos de Salomão 2 : 1 9 - 111 n. 12. 223 n. 27
1 7 :2 1 -2 2 -1 9 9 n. 9 3 : 7 - 8 - 2 2 n. 8
1 7 :4 5 -2 0 5 n. 26 3 : 8 - 9 - 2 2 n. 7
5 :1 3 -1 4 -2 2 n. 6
Livro de Tobias 5 :1 4 -2 0 -7 0 n. 3
1 4 :4 -5 -2 0 0 8 :1 3 -1 6 -2 0 n. 2
1 4 :5 -2 0 1 n. 12 9 :1 9 -2 0 -2 0 n. 2
9 :2 1 -2 6 -7 3 n. 12
Livro dos Jubileus 1 0 :1 7 -2 0 -7 3 n. 13
cap. 36 - 64 n. 26
Documento de Damasco (CD)
I Enoque 6 :1 4 -1 5 -7 0 n. 4
4 8 :1 0 -1 0 2 n. 18 8 : 1 2 - 4 6 n. 30
5 2 :4 - 102 n. 18 1 9 :2 5 -4 6 n. 30
71 - 102 n. 19
7 1 :1 5 -2 2 4 n. 28 Rolo de Guerra ( 1QM)
1 :1 1 -1 2 -2 0 4 n. 26
II Enoque
6 1 :2 - 6 2 n. 15 Hinos de Ação de Graças (1QH)
2 :9 - 1 0 -9 2 n. 23
IV Esdras 4 : 6 - 8 - 4 6 n. 31
7 -2 2 5 4 : 1 1 - 4 7 n. 35, 138 n. 77
7 :2 6 -2 2 5 n. 36 4 :2 7 -2 9 -9 3 n. 24
7 :2 8 -2 2 5 6 :1 5 -1 6 -8 5 n. 20
7:29-31 - 2 2 5 8:4-14 - 85 n. 20
1 2 :32-36-225 1 8 :1 4 -1 5 -7 1
1 2 :3 4 -2 2 5
ÍNDICE DE FONTES 249

R o lo d o s S a lm o s 1 8 :118-119-20 η. 3
(1 Qpsa) - 202 η. 17 1 9 :3 4 2 -1 6 3 η. 9
2 2 :3 -4 -2 0 2 2 0 :9 7 -9 9 -1 6 8 η. 27
2 2 :9 - 2 0 2 2 0 :1 6 9 -1 7 2 -1 2 4 η. 25
2 0 :1 9 8 - 163 η. 11
R o lo d o T e m p lo 2 0 :1 9 9 -1 6 4 ηη. 14 e 15
2 9 :7 -1 0 -2 2 3 11. 27, 225 20:200-201 - 17 η. 40, 49 η. 39
29:9-10-111-113 η. 12 20:200-203- 117 η. 1, 168 η. 25

P esch er N akhum (4Q169) J e w is h W ar (G u e r r a s J u d a ic a s )


2 :7 -1 0 -4 7 η. 34 1 :1 1 0 -1 1 4 -4 9 η. 37
1:6 4 8 ,6 5 0- 1211. 20
O u t r o s M a n u s c r it o s e Fra gm en to s 2 :3 1 -2 1 1 η. 5
4Q521 - 2 9 - 3 0 n. 22 2 :1 6 9 -1 7 7 - 125 η. 29
frag. 211 + 4 2 :1 7 5 -1 7 7 - 130η. 47
linha 6 - 7 1 n. 8 2 :2 5 9 -2 6 0 - 169 η. 28
linhas 6 - 1 3 - 2 9 n. 22, 217 n. 7 2:261-263 - 124 η. 25, 169 η. 29
2:350-351 - 8 6 η. 24
D o c u m e n to d e M e lq u is e d e c 2:451 - 120 η. 9
( U Q M e l c h ) - 102 n. 21 2 :5 6 3 - 120 η. 10
4 :1 5 9 - 120 η. 12
Fl a v io J o se fo 4 :3 5 8 - 120 η. 11
U fe 5 :1 4 1 -2 1 2
9 - II n. 16 6 :1 7 6 -1 8 2 -2 1 1 η. 6
12 - 46 n. 26 6 :2 8 8 -3 1 5 - 168 η. 26
191 - 4 6 n. 28, 151 n. 11 6 :3 0 0 -3 0 5 - 110 η. 6
6 :3 0 3 - 188 η. 11
J e w ish A n tiq u itie s (A n tig u id a d e s 7 :2 9 - 174-175 η. 11
J u d a ic a s )
4 :3 2 6 - 123 η. 23 |Michel & Bauerfeind]
D e B e llo J u d a ic o
12:142- 122 η. 17 11,2 [pp. 2 2 6 -2 2 7 ]-1 7 4 η. 11
1 3 :2 9 4 -1 6 4 η. 15
13:409-411 - 4 9 η. 37 F ilo
1 4 :2 2 -8 8 η. 9 (Loeb,
O n th e D e c a l o g u e ( D o D e c á l o g o )
!5 :259-266- 149 η. 7 VII; F. H. Colson, trad.)
P h ilo
17:41-45- 149 η. 5 37 (p. 2 5 ) - 4 1 n. 15
1 7 :4 9 -1 5 0
1 7 :1 5 2 -1 2 η. 20 In F la c c u m
18:35- 162 ηη. 6 e 7 3 6 -3 9 - 137 n. 70, 174 n. 9
18:53-59- 177
18:55-59- 129 η. 46 (K. M. Smallwood, ed.;
L e g a d o a d G a iu m
18:55-62- 125 η. 29 Leiden, 1961)
18:60-62- 130 η. 47 3 8 - 130 n. 48
18:63-64 [Testimonium Flavianum] - 12, 3 8 :2 9 9 -2 1 1 n. 5
127 3 8 :2 9 9 -3 0 5 - 125 n. 29
18:85-89- 131 η. 53 3 8 :3 0 0 - 132 n. 59
18:89-90- 125 η. 29 38:301 - 125 n. 28. 131 n. 54
18:95 - 162 ηη. 6 0 7 38:302 [Loeb ed172 - [10:153 ‫ ״‬n. 5
1 8:117-20 η. 5 3 8 :3 0 3 - 130 n. 49
250 JESUS

3 8 :3 0 5 - 130 η. 51 l A p o lo g ia
3 8 :3 0 6 - 130 η. 50 5 2 :1 0 -2 0 5 η. 27

JosiPPON (D. Flusser, ed.)


35:99 e ss . (p. 1 4 8 )- 8 8 n. 12 AUTORES GREGOS E
LATINOS
E x e g e s e B íb l ic a J u d a ic a M ed iev a l
D a v id K im c h i
ESOPO
Miqueias 2:13 - 32, 32 n. 29 (ed. Halm, Leipzig,
F a b u la e A e s o p ic a e
1875)
P a ís da Ig r eja nos. 27a,b - 34 n. 31
P o lic a r p o
nos. 179a b, c - 31 n. 26
2 : 3 - 6 1 n. 13
(M. Treu, ed.)
A r q u ílo c o
C le m e n te I
p. 1 0 - 7 5 n. 18
13:1b - 61 n. 13
1 3 :2 -6 1

E fr é m da S íria
D id a q u ê
C o m e n tá r io a o D ia te s s e r o n (L. Leloir,
1 : 2 - 6 4 n. 26
ed., Dublin, 1963)
3 :1 - 3 -6 6 , 66 n. 36
p. 104 - 37 n. 2
9 - 205
9 :4 -2 0 6
1 0 - 206
1 0 :5 -2 0 6 J u st in o
(ed. W. Seel)
H is to r ia e P h ilip p ic a e

EusÉBro p. 2 7 6 -4 4 - 4 5 , 45 n. 25
H is tó r ia E c le s iá s tic a
III, 11, 19-20, 32 - 17 n. 41 L u c ia n o de S a m o sa ta
III, 1 2 - 150 D e M o r te P e r e g r in ¡

III, 1 9 -2 0 - 150 cap. 13 - 13 η. 22


111,32:3-4-151 S o m n i u m S i n e V ita L u c í a n ¡ 11 - 179 η. 20
111,39, 1 6 - 142 η. 5
M a r c ia l
O n o m a s tic o n E p ig r a m a s 5, 13, 3
IX, 1 2 9 - 158 179 n. 21

J u st in o , O M á r tir PAULUS
D i á l o g o c o m T rífid o Sent. 5, 22, 1 = dig. 48, 19, 38, par. 2 ­
26:1 - 2 0 6 134 η. 64
4 7 - 5 0 n. 41
7 6 :4 - 2 0 6 n. 32 PÉRSIO
8 0 :1 -2 0 6 1 ,2 8 - 179 η. 21
1 1 3 :3 -4 -2 0 6
1 2 0 :5 -6 -2 0 6 n. 32 SUETÔNIO
1 3 9 :4 -5 -2 0 6 T ib e r iu s
1 4 0 :4 -2 0 6 n. 32 2 6 -1 2 9
ÍNDICE d e f o n t e s

Tácito Taciano (A. S. Marmadji, ed.)


A nais D iatesseron
XV, 44:2-3 --1 2 7 n . 39 p. 6 6 - 3 7 n. 2

XENOFONTE
M em orabilia 1.1, 1 0 -1 1 6 n. 30
Indice Remissivo

A Amor - 58, 63; de Deus - 58, 63; ao pró­


ximo - 52, 60, 61-62, 62 n. 16, 63,
“Aba”, forma de tratamento - 14, 89, 89 66; aos inim igos- 5 8 ,6 3 ,6 6 , 75, 76.
n. 13,91 n. 18 86; mandamento duplo no Judaismo
A ba H il k ia - 87, 89, 89 n. 13 antigo - 64, 64 n. 27; mútuo - 57,58,
A b a h u - 59 63; o fariseu que ama a Deus - 64
Ab e l , identificado como Filho do Homem A n a - 202
- 101, 102 A n a n ia s - 159 n. 18
Ablução das mãos à refeições - 37-38, ANÁS (filho de Anás) - 120-121, 163164 ‫;־‬
39, 39 η. 8 embate com os fariseus - 117, 167
A b r a ã o - 9 3 , 105, 200, 222 A nás (Hanan), filho de Set - 159 n. 18.
A ç ã o d e G r a ç a s , R o l o d e - 138 n. 77 163-165, 166, 209
Aclamação, cerimônia de - 175,178-180, A n c iã o s- 118, 121, 185, 189
181; escárnio e chacota - 172, 174, A n d r é - 2 5 , 26 n. 14
179; participação de Pi latos na zom­ Anjos - 105, 121
baria da - 172, 178-179, 180, 181 A n t ÍGONO d e S o h ó - 57, 58
A d r ia n o - 132, 211 n. 4,212 Antijudaicos, preconceitos - 187 n. 7
Ag á P IO - 127 Antijudaísmo - 196
Agripa I - 137, 163, 175, 179 A n t ío c o E p ífa n e s - 95 n. 31
A lb in o - 110 A n t ÍOCO III - 122 n. 17
Alexandre (da linhagem do sumo sacer­ A n t íp a t e r - 150
dote) - 164 Antissemita, teatralidade - 174, 174 n. 11
Alexandre J aneu - 46 Antizelotas, partidos - 81
Alexandria, escárnio dos judeus em - 137, A n t ó n ia - 2 1 2
174-175, 179 A n t Ón ia , fortaleza em Jerusalém
- 131-132
254 JESUS

Antropodiceia - 155 B elial/Beliar- 74, 75, 102, 223 n. 27; ini­


Apocalíptica, tradição, acerca do segundo mizade com Deus - 70
julgamento - 102 Belzebu - 43
Apocalípticos, escritos judaicos - 29, Bem e mal - 70, 72-74
204-205, 204 n. 26, 215-217, 221, Bem-aventuranças e lamentações de Jesus
223-224, 227 -7 1 -7 2
Apostólico, Credo - 125, 139 n. 78 Ben Adam - 101-102
Apóstolos - 16, 49, 124; detenção pelos Bênção aos perseguidores - 63
sacerdotes e saduceus - 164 n. 13, B en i H a s s a n , ilustrações do jogo na
166; diálogo com 0 Senhor ressur- parede da tumba - 158-159
recto - 141; Ver tam bém discípulos Bens, como ameaça à devoção - 70
Aprisionamento de Jesus - 49, 114-116, Bet Mekoschesch - 162
166, 167, 168, 181; a noite seguinte BETÂNIA- 108, 109, 114
- 153-155, 164-166 Betsaida - 25, 26, 54; vizinhanças do
A p t o w it z e r , A. - 11 batismo de Jesus - 25, 215 n. 2
“Aqueles que pranteiam” - 71 Biografia - 153
Árabe, tradução de Josefo para 0 - 12 n. “Birkat há-Minim” (Dezoito Bênçãos) -
18 167 n. 24
A ram aico-32 n. 2 8 ,100,101, 212; “filho Bondade - 59
do homem” - 1 0 1 ; m a m o n a - 70 n. B u b e r , Martin - 3 1
5: Mari - 137, 137 n. 69, 174; na B uda - 2
inscrição do ossuário - 147; tradu­
ção do Cântico dos Cânticos para o C
- 200 n. 10
A r c h o n t e s - 188, 188 n. 11 C a if á S - 50 n. 40, 113, 120-121, 125,
A r e n d t , Hannah - 126 n. 34 161-162, 164-168, 165 n. 20, 170,
A r is t Ób o l o - 88 209
ARQUtLOCO-75 n. 18 Casa de Caitas - 118, 164-165, 209, 211;
Arrependimento - 54-55, 82; batismo de decisão de eliminar Jesus e os disci-
- 19, 20, 22; chamado ao - 76 pulos - 161, 168-170; deposição de
A u g u s t o - 129 —131; família - 163 n. 9, 166 n. 21;
Autoconsciência; de Jesus - 14, 15, 91, nome e sobrenome - 162, 162 n. 7;
95, 98-99, 98 n. 7, 141, 142; no Juda­ ossuário de - 162
ísmo - 92 Calamidade, como punição para 0 pecado
- 76-77
Β Calvário-2 1 2 -2 1 3
Câmara da Pedra Talhada - 211
Ba go as - 149 Caná, festa de casamento em - 15
Banhos batismais judaicos tradicionais C a n t e r a (família) - 163 n. 9
-22 Cafarnaum - 16, 26, 53, 207
B ar an osch 101 Carabas - 137
Bar Kokhbá - 14, 202 Carpintaria - 14. 15 n. 30
B a r r a b á s - 132-133,134,165,173,188, “Casa de Davi”, ossuário - 9
191, 192 n. 20 Casa do Conselho (boule) - 211, 211 n. 3
Batismo - 5, 19-34, 23, 108; data do Cedrón, vale do - 209
batismo de Jesus - 10; eleição por Centuriâo romano; cura do criado - 53,
meio da voz celestial - 92, 93 53 n. 51; na crucificação - 186, 188,
Belém - 9, 149 191, 193
INDICE REMISSIVE) 255

Ccsareia - 128, 129-130. 177, 211; cons­ D avi - 14; Casa de - 147-152; a origem
trução da capela por Pilatos em - de Jesus e - 152, 152 n. 13; elos
128; Templo de Augusto em - 128 genealógieos com - 8, 17
n. 42, 129 Davídicas, famílias, na época do Segundo
Cidadelas de Jerusalém - 212 Templo - 148, 150-152
C ircne- 137. 137 n. 72, 175 Decálogo, exegese de Jesus das Escritu­
C l e m e n t e d e R o m a - 61 ras - 66
Codex Bezae - 133 n. 61, 136 n. 68 Dedo de D eu s- 2 1 7 . 22811. 45
Cólera, igualada a assassinato - 66 Destino do homem - 58
Comércio na área do Templo - 111, 111 Deus - 5 1 ; advento do Seu Reino - 80-81,
n. 8, 165-166 82-83; justiça divina - 76, 77; 0
Compaixão de Deus - 57-58 temor a Deus, comparado ao amor
Constantino - 2 1 4 a Deus - 64; “Pai” - 89-90, 91. 92
Controvérsias - 40-44 n. 19, 93
Conversos ao Judaísmo - 51 -52 Deus como “juiz” - 102
Corazim - 26, 27, 47, 54 D iabo- 3 0 , 221
Cósmico, significado, da tarefa de Jesus Dias do Messias - 220, 222, 224 n. 28,
- 142 226 n. 39, 227-228
Crença em Jesus - 142 Discípulos de Jesus; aprisionamiento da
Crianças - 89, 89 η. 16, 91 comunidade em Jerusalém - 166; da
Cristãos; comunidades na Palestina - 212; culpa dos sumos sacerdotes saduceus
congregação dos - 205-206, 207 pela entrega de Jesus - 167; dcscri-
Cristianismo - 13, 51 ,7 3 ,1 4 2 ; difusão na ções de perseguições futuras dos -
Europa - 35, 37; primordios do - 35, 198, 198 n. 6; Evangelhos Sinóticos
50, 184 n. 2, 188-189, 190-191. 195 e - 4; esperança na libertação futura
Cristologia - 3, 53 n. 48, 91, 93, 94-95, de Israel e - 202; esperança no
141, 142, 187-189 governo de Deus e - 81; observan­
Crucificação - 132-133,214 cia ritual do Judaísmo e - 37, 39-40
Crucificação de Jesus- 4 n. 4,41-42, 124­ Discípulos, missões dos - 28
125, 133-134, 137-138. 138 n. 78, Divino caráter do Cristo - 142
140, 166, 173, 176-177, 178-179, “Dois Caminhos”, elaboração judaica - 66
184-185, 189-192, 194, 195; crí­ D o m ic ia n o (imperador) - 17, 150
tica literária e descrição da - 184,
185; escárnio na - 189, 189 n. 13, E
190; fontes para descrição da - 192­
193; inimigos n a - 187; oração pelos Ebionitas - 100
adversários na - 194; últimas pala­ “Ecce Homo” - 211 n. 4; significado
vras de Jesus na cruz - 189-190; V er -1 7 1 -1 8 1
ta m b é m R e i d o s J u d e u s Educação judaica de Jesus - 11-14
Curas, milagres de - 30,40, 41-42,42, 88 E gito- 9 , 158
η. 10, 89, 90, 91; não judeus - 52-53 E l e a z a r - 151 n. 9
CYPROS - 150 Eleição - 206, 207, 222 n. 23
Eleição divina - 91
D Eleito de Deus - 24, 187, 187 n. 8
“Eleitos” - 204, 204 n. 25, 205, 207
Da n ie l , uso da expressão “filho do E u a s - 9 3 , 97 n. 3, 123, 185; Jesus iden­
homem” em - 101 tificado com - 99; João Batista visto
Dar a outra face - 74-75, 83 como - 28. 31, 32, 33, 34, 218, 228
256 JESUS

E l io n a io (filho de Cantera) - 163. 163 Ética; ju d a ic a -59-61; (pagã) vulgar-7 5


n. 9 η. 18
Emaús - 124, 141 Eucaristia, orações de - 205-206
E n o q u e - 123,187 n. 8; identificado com E u s e b io - 150
0 Filho do Homem - 104 Evangelhos, núcleo de material nos
FJnsinamentos de Jesus - 40, 59, 61-62, - 142-143
65, 79, 80, 86, 142, 203; hebrai­ Evangelistas, redação dos - 143
cos - 103; morais - 63; no Templo Exegese da Lei mosaica - 65, 66, 69
-1 0 8 -1 1 0 Experiência extática no batismo - 23
Envergonhar o próximo em público - 65 EYCK, Jan van - 103
Epístola aos Hebreus - 102 n. 21
Era vindoura - 223-227 F
E s a Ú, como símbolo de Roma - 52
E sca to lo g ia -29-30, 100, 111 n. 12, 198, Fado - 168
198 n. 5, 207, 215, 218, 220, 223, Família de Jesus - 3 n. 3, 8, 151; após
228; em Justino, 0 Mártir - 206; sua morte - 16; nomes - 7-8; rela-
Jesus e a - 82-83 çâo de Jesus com sua família - 5,
Escravos - 156-157 15-16, 16 n. 36
Escribas- 14, 34 n. 30, 3 9 ,4 0 ,4 1 ,4 4 ,4 6 , Fariseus - 14, 33, 37, 38, 39, 41, 42,
48, 82, 87, 89, 111, 118, 121, 166, 43-50, 49 n. 38, 64, 120, 149, 150,
185, 189 167-168; advertência a Jesus sobre
Escudos dourados colocados no palácio Herodes Antipas - 202-203; as sete
de Herodes por Pilatos - 130, 131, espécies de - 46, 64; crítica a Jesus
132 n. 59 - 75-76; criticados por Jesus - 38,
E s d r a s - 206 46, 47, 48-50, 49 n. 38; da escola de
E s o p o , fábula com o fonte de im aginário Hilel - 67; 0 julgamento de Jesus e
- 3 1 ; caniço e carv alh o - 31 n. 26; os - 49, 50; embate com 0 jovem
crianças - 34 n. 31; raposa - 32 Anás - 117, 168; santos homens
Espinhos, coroa d e - 136, 137 n. 68, 178, carismáticos - 89
180 F a s s u r (família) - 163 n. 9, 165 n. 20
Espirito - 110 Fé - 15, 42-43, 53, 53 n. 52, 153; poder
Espírito da filiação de Jesus - 91 d a -4 2 -4 3
Espírito Santo - 22, 30, 43, 71; dádiva FÉLIX - 123, 169
do-2 3 F e r o r a s - 149; a esposa de - 149, 150
Essênios - 19, 29, 69-70, 71, 72, 80, 98, Figueira, a redenção de Israel e a - 200,
215, 217; João Batista e os - 19-20; 228
fariseus e - 46-48, 49; esquema do F i l h o - 187 n. 8
tempo dos - 111 n. 12; fim dos dias e Filho de Davi - 8, 14, 199 n. 9; como
os - 69, 104; função do batismo para título - 150
os - 22; influência sobre Jesus - 48, Filho de Deus - 22, 23-24, 98, 186, 188
70, 72, 91; livro de hinos dos - 71, Filho do Homem - 29, 34, 82, 103-104,
85, 92; pureza ritual dos - 38; R o l o 116, 170, 198, 215-217, 218-219,
d o T e m p l o - 111 n. 12, 169; símbolo 222, 226-227; advento do - 111 n,
da comunidade dos - 85 12, 199 n. 9, 205; davídico - 225 n.
Estandartes militares com efígie do impe­ 37; descrição do - 102; Jesus vendo­
rador em Jerusalém, protesto contra -se como - 103-105, 122, 222 n. 22;
- 129 significado original da expressão -
Estêvão — 138 n. 75 101-102; usos do título - 99, 101
ÍNDICE REMISSIVO 257

Filhos da lu z - 6 9 , 70 G uerra, R olo de - 204 n. 26


Filhos das trevas - 69 G upta -1 1
Filiação - 2, 5, 91, 92, 93, 94, 95, 103;
temática da - 89 H
F ilo d e A l e x a n d r ia - 130; descrição de
Pilatos - 125, 126, 134, 172, 172 n. H a le l- 115 n. 25
5; retrato dos essênios - 72; sobre 0 Hanan , o “Oculto” - 88, 89
Rei dos Judeus - 180 Hanin, casa de. Ver tam bém A n á s - 164
Fim dos tempos - 32, 69, 80, 82, 102 Hanina - 62, 63
Fineias - 46 Hanina ben Dosa - 87, 91
F l a u b e r t , Gustave - 28 Haya, o Ancião - 151 n. 9
Fontes da vida de Jesus - 4-5 Hebraico - 1, 10, 16, 16 n. 37, 32 n. 28,
Fr a n c is c o d e A ssis - 2 52, 62, 70 n. 5, 103, 139 n. 79, 173;
Antigo Testamento - 20 n. 2; ditos
G originais de Jesus em - 5; ñas moe­
das - 202 n. 15; “filho do homem”
G a lile ia -10, 24, 27, 54, 113, 119, 120 n. - 101, 102; interpretação da palavra
7, 186; fazedores de milagres na - “adultério” em - 66; na inscrição do
87; tradições judaicas na - 37 ossuário - 147; no grego do Evan­
Galileia, mar da - 25, 26, 27 gelho - 33; uso do termo “fariseu”
Gamala - 54 em - 46
GAMALIEL, Raban - 39 n. 10, 46, 49, 167 Hegésipo - 151
G a n d h i - 73 Herodes A ntipas - 2 0 , 33,41, 129,131,
- D e r G e h ü l f e ( O A s s i s t e n t e ) - 156 132, 132 n. 59, 136 n. 68, 175 n. 11,
Genesaré, lago de. V er G a l i l e i a , m a r d a . 202; atitude de Jesus com relação a
Gentios - 51,52-53, 54,55 n. 55,62 n. 16, - 31-32; crença de que Jesus era 0
156 n. 8,170, 191, 199,199 n. 8, 204, Batista - 107; devolução de Jesus
206; escárnio das esperanças messi­ a Pilatos - 132; escárnio de Jesus
ânicas judaicas - 135-138; escravos - 132 n. 58; participação no julga­
dos sacerdotes - 156, 156 n. 7, 157 mento de Jesus - 122 n. 20
Getsêmani - 115, 120, 170, 209, 209 nn. H erodes , o Grande - 112, 121, 128-129
1e 2 Herodes, palácio d e-131-132,211,213;
Gólgota - 134,212 lithostroton/G ábata - 212
G o r d o n , Charles - 214 Hilel - 6 1 6 2 ‫ ;־‬alegação de descendência
Gorion - 120 davídica- 151 n. 11
G o r io n (filho de José) - 120 Hilel, escola de - 51; fariseus da - 66-67
Grego - 12 η. 19,40 η. 1 1 ,4 4 ,4 6 ,5 0 n. 40, Hipocrisia - 46, 47, 49
1 3 2 n .5 8 ,155.171,172 n. 2,177,184, H ircano ( os Macabeus), família de - 88,
199 n. 9, 202 n. 15, 212; e u a n g e l i o n 149
- 3 1 ; A n t i g u i d a d e s J u d a i c a s , manus­ História da salvação; bipartite - 219 n. 10,
critos em - 12; para “conselho” - 118 223; tripartite - 218-219, 219 n. 10,
n. 4; Septuaginta - 20 n. 2; texto de 222-224, 227-228
Josefo em - 127; tradição sinótica no H itler , A. - 156 n. 11, 157
- 3; traduções do - 42 n. 17; tradu­ Homem, categorias de - 58-59
ções para 0 - 3 , 3 7 ; transliteração de H0NI, 0 do círculo - 88, 89, 91
um versículo hebraico dos Salmos Humanidade, divisão em justos e peca­
para 0 - 138 n. 78; vulgar - 4 n. 4 dores - 58
Gr o t iu s , H ugo- 4 0 n. 11, 137 n. 70, 174 Humildade - 71
258 JESUS

171-173, 176-181, 195 η. 21; fonte


I de - 173 η. 8; fonte judaico-cristã
de - 175, 176-177, 179, 180, 181;
Igreja - 142; congregação dos gentios - sobre 0 medo de Caifás com relação
206; a Lei judaica e a - 50-51; fari­ a Jesus - 168; sobre os sumos sacer­
seus c a Igreja cristã antiga - 49-50; dotes exigindo a crucificação - 133
primordios da - 95 n. 63
Igrejas; em Jerusalém - 17; na Galileia J0Â0 (de linhagem sumo sacerdotal)
- 17 - 163-164
Impureza - 53 JOÃO (discípulo de Jesus) - 25, 26 n. 14,
Impureza ritual - 22 93
Inácio de Antióquia - 8 J o ã o B a tista - 2 ,8 ,9 ,1 9 -2 0 , 27-34,84.
Inimigos; amor aos - 73; fazer o bem aos 91, 98, 111 n. 12, 123, 215, 217 n.
- 5 1 ,5 8 , 6 3 ,6 6 , 75, 76, 86 6; aprisionamento de - 27, 28, 33:
4'Inimigos de Israel” - 100 n. 12 e a relação com Maria - 24; e 0
Irmãos de Jesus - 7, 7 n. 3, 11, 16 batismo dc Jesus - 9, 23-25, 27, 28,
Irmãs de Jesus - 7, 7 n. 3 30; escatologia de - 29-30; espécie
Isaac, sacrificio de - 94, 106 de segundo Moisés - 218 n. 8; inqui­
Isaías - 24; o servo sofredor - 95 rição de Jesus - 28-29, 30-31; Jesus
Israel; a congregação do antigo - 205; identificado com - 99; ligação his­
dominação por potência estrangeira tórica com Jesus - 3 2 3 3 ‫ ;־‬local de
-8 1 atuação de - 25
Jogo zombando de Jesus - 153-159
J J o n a s - 54 n. 53, 55 n. 54
J o r d ã o , rio - 25
J acó - 52 J o s é (esposo de Maria) - 7-8, 11, 14;
J acó, patriarca bíblico - 7, 7 n. 4 genealogia - 8
“Jardim do Túmulo” - 214 J o s é (filho de Gorion) - 120
Jasà O, tumba de - 44, 45 J o s é d e A r im a t eia -1 1 8 -1 1 9 , 120 n. 7
Jeremias - 123, 165,165 n. 20 Josefo, F lá v io - 1,7, 11 n. 16, 20, 88, !63
Jeremias , J. - 1 0 2 n. 9, 166, 168, 177, 211; como far¡-
Jerusalém - 11. 16, 33, 77, 93, 98, 110, seu - 46; descrição de Pilatos - 125;
113, 120, 131, 156, 192-194, 197­ descrição dos essênios - 72; defini­
208, 209-214; como herança dos ção de Jesus como um homem sábio
cristãos gentios - 206; estándar- - 12; José, de sobrenome Caifás -
tes militares com a imagem do 162,162 n. 7; sobre A n á s- 163; Tes­
imperador em - 129; Herodes no t i m o n i u m F l a v i a n u m - 127
antigo palácio asmoneu - 131­ Jo s e f o G o r io n id e s (Josippon)-88 n. 12
132; lamento de Jesus por - 185; J o s e t (irmão de Jesus) - 7
nova Jerusalém - 225; palavras às J o s u é (figura bíblica) - 7
filhas de - 185-194; soldados gen­ J o s u é , como nome - 7
tios como guardiões dos portões de J o s u é , filho de Ananias - 110, 113, 188
- 156 n. 8; vínculos de Jesus com n. 11
- 197, 203 J u d á (filho de Jacó) - 72
Jesus como nome - 7 J u d à (irmão de Jesus) - 7, 15, 17
JESUS, filho de S ir a c - 59-60, 62 Judá, filiação à tribo de - 152
J Ó -5 8 Judaico-cristãos, judeus; a família de
JOÃO- 15,40, 49, 92, 111, 111 n. 11, 117, Jesus e os - 17; 0 Cristianismo e os
120, 131 n. 52, 156, 159 n. 18, 163,
INDICE REMISSIVO 259

- 50-51,55; o papel de Jesus para os Libertação futura de Israel - 199,200,202


- 3; seitas dos - 143, 195 n. 22 L ie b e r m a n , Saul - 179
Judaismo - 4, 57-62, 63, 65; abordagem L in d s e y , R. L. - 197
humana do - 41; abordagens farisai­ L i s c h k a t h a - g a z i t . V er C â m a r a d a P e d r a
cas e saduceias do - 46-48; Jesus e T a lh a d a
o - 53-55; separação do Cristianismo L u c a s - 2, 3-4, 8, 9, 11, 12, 14, 15, 24,
- 142; fidelidade de Jesus para com o 28, 42, 42 n, 17,46, 49 n. 38, 52, 53,
- 3 7 , 38-39, 48, 143, 204-205; amor 59, 61, 63 n. 20, 64, 88 n. 10, 93, 95,
incondicional a Dcus e o - 63-64; 97, 103, 105, 111 n. 12, 122, 132 n,
tensão entre Jesus e o Judaismo 58, 136 n. 68, 138, 138 n. 78, 139
institucional - 48 n. 79, 141, 152, 153 n, 3, 154, 155
J u d a s I s c a r io t e s - 49, 114-115, 116, n. 5, 157 n. 12, 159, 165 n. 19, 175
164, 170 n. 31, 170, 176 n, 11, 185, 191 n. 18, 202-203, 207,
Judeu, povo; atitude com relação à cruci­ 209, 211 n. 3; descrição da crucifi­
ficação - 183-184; condenação feita cação em - 184, 184 n. 2, 185, 186,
por Mateus do - 125, 166 n. 21; 189 n. 13, 190, 191-192, 193-194;
culpa pela crucificação - 189, 190, fonte para a descrição da crucifica­
194-196; esboço da história futura ção em - 194-195; fontes por detrás
em Lucas - 198-199 de - 4; Judas, chamado de “traidor”
Judeus; atitude do antigo Cristianismo e em - 170 n. 31; narrativas da Paixão
os - 195; atuação de Jesus somente em - 197; períodos do futuro em -
entre os - 53-55; entregando Jesus 198; relação com os Salmos - 184,
aos romanos - 181; na crucificação 184 n, 2; relato milagroso do nasci­
-1 9 1 -1 9 2 ; oração pelos - 138 n. 75; mento de Jesus - 8; sobre a conde­
solidariedade com Jesus - 189 nação de Jesus à morte - 117, 118;
Julgamento de Jesus - 49, 80, 153-159, sobre a expulsão dos comerciantes do
171-181,212 T em p lo - 111 η. 8, 111 η. 11, 113 η.
Justiça, princípio de - 58 13, 114; sobre os judeus de Jerusalém
Justo- 5 8 na crucificação - 191-192
Justos, os - 219-221; a salvação - 29; a L u c ia n o d e S a m o sa ta - 12
sina - 58, 60-61 Luxúria, igualada ao adultério - 66

K M

KlMBANGU, Simon - 2,3 M a c a b e u s - 44, 45-46


K im c h i , David - 32 MAGDALA - 27
K l o n e r , A m ó s - 147-148 Mal; problemática do - 58; superado pelo
bem - 73
L M a l c o - 156
m a m ó n - 70, 70 n. 5, 71, 79
Latim - 173, 179, 212 Mandamentos, tipos de - 6 4 6 6 - 6 7 ,65‫־‬
Lei - 51; liberdade da - 35; relação de Mansos - 71, 85
Jesus com a Lei mosaica- 3 6 , 50-51, Manuscritos do Mar Morto - 19, 20 n,
63,64-66; observância da Lei judaica 2 ,2 1 ,4 9 , 70 n. 5 ,7 1 ,9 2 , 138 n. 77,
-5 0 -5 1 202, 204 n. 26
Leprosos, purificação dos - 30 n. 22 Maom é- 2
Le s s in g , G. E. - 82 M a r c o s - 2 ,4 ,4 n. 4, 8,15, 16 n, 36,22,
Levitas - 156 n. 8 24, 27, 28, 37, 41, 42 n, 17, 53 n. 48,
64, 89, 95, 105, 111, 111 n. 8, 132 n.
JESUS

58, 139 n. 78, 153 n. 3, 154,155, 155 M e y e r , E. - 93


n. 5, 159 n. 18, 165 n. 19, 172, 184 n. Milagres, fazedores - 87-88; chamado
2, 185, 197, 198, 203, 204, 204 nn. “filho” -8 7 -9 1 ; escondidos - 88-91;
24 e 25, 207, 208, 211, 212 n. 7; des­ Jesus como - 3, 29-30
crição da crucificação em - 184, 185­ Ministério público de Jesus - 28, 30-31,
186, 187, 188, 189 n. 13, 192-193, 207; ambiente geográfico d o -25-27:
194-196; sobre a condenação de Jesus período do - 9, 10, 11-12
à morte - 117, 118; sobre 0 escárnio M iq u e ia s - 32
na crucificação em - 187 n. 9 M ir ia m (como o nome) - 8
Mari (aramaico) - 137, 137 n. 69, 174 Misericórdia - 59, 61
M a r ia (mãe de Jesus) - 8, 11, 15, 16, Moedas - 74, 78, 80, 201, 202; cunhadas
17, 24 por P ila to s- 129, 180 n. 25
M a r ia Madalena - 27 MOISÉS - 2, 36, 48, 50, 93, 99 n. 3, 123,
Martírio- 9 3 , 114-115, 192-193; expiação 224 n. 28; nascido de mulher - 218
- 95-96, 95 n. 31 Monte das Oliveiras - 115, 209, 209 η. 1;
M a teu s - 2 ,4 , 4 n. 4, 5, 8, 9, 11, 22, 24, local de oração de Davi - 115 n. 26
27,28, 37,41, 49 n. 38, 51,53 n. 48, Monte Sião -2 1 1 ,2 1 2
59, 74 n. 16, 75 n. 18, 98, 105, 111 Morais, normas - 5
n. 8, 125 n. 32, 132 n. 58, 139 n. 78, Morais, valores e transposição no Reino
152 n. 13, 153 n. 3, 154, 155, 155 n. de Deus - 85
5, 184 n. 2, 197, 198, 204, 204 nn, Moral, vontade, de Deus - 57
24 e 25, 206, 207, 213 n. 7; descri­ Moralidade-5 7 - 5 9 , 77
ção da crucificação em - 184, 185, Morte de Jesus - 5, 93, 105, 1 3 8 1 3 9 ‫; ־‬
188, 189, 190, 191, 191 n. 17, 195­ aceitação - 138, 138 n. 78; conde­
196; relato milagroso do nascimento nação - 117-118; data - 10; “filho
de Jesus - 8; sobre a condenação de do homem” - 99; premonição da -
Jesus à morte - 117, 118 95-96, 95 n. 34, 105, 107-108, 114­
Melquisedec - 102-103, 123, 216 115, 202-203; último grito de Jesus
Messiânica, era - 218 n. 9,219-220, 22 3- - 138-139, 139 n. 79, 184
225, 224 n. 28, 226-227 Mostarda, imagem do grão - 85
Messiânicas, esperanças judaicas ridicu- Mulheres na crucificação - 1 85-186,188­
lanzadas - 173-174 189, 191, 194, 208
Messiânico, movimento - 48-49 Multidão, atitude da, com relação a Jesus
Messianismo, de Jesus, crença dos judeus na crucificação - 171, 184, 185,186,
no - 174-174 187, 188, 190, 191, 192
M e s s ia s - 2 8 ,3 2 , 89 n. 1 5 ,1 4 9 -1 5 0 ,187­ “Mundo vindouro” - 114 n. 20
188,223,225-226; advento do - 174
n. 11,178-179,181;como descendente N
de Davi - 8 , 150,151; como filho de
Davi - 8, 9, 14; construção do Tem- Nascimento - 8, 11
pio pelo -111-113; identificado com 0 N azarc- 9 , 10, 11, 16, 26
Filho do Homem - 104; Jesus como N ic o d e m o s - 82, 119, 120 n. 7
-3 ,2 9 -3 0 ,9 8 ,1 0 3 -1 0 5 ,1 1 3 ,1 2 2 ,124­ N ic o l a u d e D a m a s c o - 150
125,134.142,169,217,227,228; João N ie t z s c h e , F. W. - 15
Batista como - 33-34; pergunta a Nomes, atribuição de - 7-8
Jesus sobre - 165; pretendentes mes­ Novo Testamento, divisão de versículos
siânicos - 151 n. 9; reivindicações - 9 no - 20 n. 2
Mestre, Jesus como - 3
ÍNDICE REMISSIVO 261

O Perseguições; de davídicos - 150-151; de


discípulos no futuro - 198, 198 n. 6
Ocidente, influência da cultura sobre o Personalidade de Jesus - 4 n. 4
Cristianismo - 35 Personalidades carismáticas - 2
Ofícios e educação judaica - 14-15 P1LATOS - 3, 80, 105, 118, 122 n. 18,
Oponente na argumentação - 44 124-127, 129-131, 131 n. 52, 132
Oprimidos - 71 n. 59, 133, 134, 134 n. 65, 135,
Oral, tradição - 46 136, 139 n. 78, 153, 154, 171, 172­
Ossuário; “Casa de Davi” no - 147-148, 173, 174, 177-178, 191, 191 n. 18,
148; de C a ifá s- 161-162, 162 211,212; apresentação de Jesus aos
ju d e u s - 176-177, 178, 179; atitude
P com relação aos judeus e ao Juda­
ísmo - 129-130, 172, 180, 180 n,
“Pai", como forma de tratamento de Deus 25; condenação de Jesus à crucifi­
-9 1 -9 2 cação - 127-128, 131, 173; cons-
Paixão; Anúncios d a -9 8 -1 0 0 ,1 1 8 ; “filho truçào de templo para 0 impera­
do homem” e a - 99; ridicularização dor vivo - 128-129; embates com
de Jesus na - 159 judeus - 129-131, 176-177; entrega
Parábolas; da figueira - 200, 200 n. 10; da de J e s u s a - 118, 122, 125, 131-132,
figueira estéril - 76-77; da rede -2 9 ; 164, 165, 168-169; entrega de Jesus
do semeador - 29; dos trabalhadores a Herodes Antipas por - 122 n. 20,
da vinha - 76; dos vinhateiros homi- 132; inscrição de - 128; palácio de
c id a s - 93-95.98, 105, 108, 141, 166 - 211-212

Pares, nas missões - 28, 87 Pobres - 85; pregação de salvação aos


Páscoa - 107, 114; prisioneiro judeu liber­ -3 0
tado n a - 132-134, 133 n. 61, 173 “Pobres de espírito” - 71, 72
Paulinismo - 35 Pobreza- 6 9 , 7 0 ,7 1 ,8 9 -9 1
P a u l o - 1, 3, 12, 16 n. 37, 49, 54, 55 P ó lu x - 158
n. 55, 124, 139 n. 78, 142, 169, 208 Pomba - 22
n. 35, 224 n. 29; como fariseu - 46; P o m p e u - 199 n. 9
missão aos pagãos no Ocidente - 35 Predestinação dupla dos essênios - 69,
Pecado - 76-77; dialética do - 65; domi­ 72-74
nação de Israel como castigo pelo Pregação - 34, 48; de Jesus - 58, 64, 66,
- 81-82; entrega de judeus a auto­ 93
ridade estrangeira - 167, 169, 170; P r e tó r io -211-212, 211 n. 4
perdão pelo - 19, 20, 22, 42-43, 50 Profecia - 121, 153, 155, 157; atitudes
n. 40 dos saduceus com relação à - 121,
Pecadores - 5, 29, 58, 60-61, 65-66, 86, 155; como termo depreciativo -
219; amor aos - 66-67, 73, 75-76; 157 n. 13; jogo zombando de Jesus
comendo com - 76 n. 22; devoção - 153-159
de Jesus aos - 63 Profeta (s) - 188 n. 11; “aquele Ungido
Pedra, como metáfora - 95, 95 n. 29 pelo Espírito” - 102 n. 22; crença em
PEDRO - 25, 26, 93, 97, 105, 114, 124, Jesus como profeta escatológico -
154, 156 n. 7, 192 98; crença no escatológico - 98, 99;
Perdão - 22, 42, 43-44, 59, 61, 62 da destruição -108-110; escatológico
Peregrinação - 11,108 n. 2,207; a Jerusa­ - 103; Jesus como - 3, 97, 98, 103,
lém, objetivo de Jesus na - 107, 165 155, 157; dos últimos dias - 97-98
262 JESUS

Profético, esquema, das Escrituras Romanos-5 2 ,8 1 ,1 1 0 ,1 1 3 ,1 2 2 η. 18,185,


- 200-201 187, 223 η. 27; atitude de Jesus com
Proféticos, perseguição aos movimentos relação à revolta contra os - 80, 80
judaicos - 167, 168-169 n. 1; contagem do tempo dos - 212
Pureza - 71; ritual-2 1 ,3 7 -3 9 ,4 0 ; os fari­ n. 7; entrega de Jesus aos - 50, 115;
seus e a - 44 governadores em Jerusalém -2 1 1 ;
lei que prescreve a crucificação
Q como punição - 134; proteção a
lugares sagrados - 123; queda pre­
Querigmâtico, Cristo - 3, 141 vista dos - 81; soldados sorteando as
Q uirino - 163 vestes de Jesus - 184, 187; soldados
zombando de J e su s- 137, 138, 153,
R 159,171-181,175,176η. 15,178,180,
186-191, 194
"Rabi”, como forma de tratamento - 14 Ruma (Baixa Galileia) - 120 n. 7
R a g a z , Leonard - 83
Raposa, como denotaçâo de insignificante S
- 3 2 , 32 n. 28
Rav - 52 Sábios judeus - 12
Rebento - 113 Sacerdotes - 93-94, 118, 155, 189, 191,
Recompensa e punição- 5 8 , 60,61,76-77 192; celestiais e escatológicos - 102­
Redenção - 3; do primogênito - 11 103; Jesus e os - 165
Redentor, conceito do - 106, 220, 222 Saduceus - 44-46, 49, 75 n. 18, 94, 120­
Regra de Ouro - 61; como síntese da Lei 121, 1163-164, 166, 169, 170, 177,
mosaica - 62 184; aprisionamento dos apóstolos
Regulamentos rabínicos - 37-38 - 164 n. 13; inscrição na tumba -
”Rei dosjudeus” - 9 8 , 1 0 3 ,1 3 2 ,1 3 3 ,1 3 4 165; pacto com os romanos - 110;
n. 65, 136, 138, 142, 169, 171, 172, sacerdotes e sacerdócio - 113-114,
173, 174,178, 180, 187; na apresen­ 155-156
tação em Alexandria - 175 S a f r a i , Shmuel - 157
R e im a r u s , Hermann Samuel - 82, 83 Salmos - 184 n. 2; na descrição da cruci­
Reino de Deus/Céu - 29, 29 n. 21, 31, ficação - 194
3 2 ,3 3 ,5 7 ,7 1 , 72, 80-86, 89, 111 n. S a l o m é A l e x a n d r a - 49
12, 216-223, 217 n. 7, 218 n. 9, 226, Salvação - 30, 55 n. 55; cronologia da
227-228; chavão antizelota - 80-91; história da, em Marcos - 27-28; era
erupção do - 85; jugo do - 220-222; da - 30-84; pregação da - 31
pregação do - 48, 83 S a lv ad o r - 3, 103, 187-190; esperança
Relações entre as pessoas - 75-76; no escatológico - 82
segundo a Lei mosaica - 65 Samaritanos, política de Pilatos contra
R e m b r a n d t - 134-135, 135,136 o s - 131
Resistência passiva - 73, 75-76 S a m u e l - 138 n. 78
Ressurreição - 71-73, 224-225, 226-227 Santos homens carismáticos - 89-91
Ressurreição (de Jesus)- 3 , 16, 124, 142, Satã- 8 2 , 86, 221
212 n. 7; “filho do homem” - 99 S a u l - 138 n. 78
Retribuição - 75 n. 18 Schabat - 37, 39-41; milagre de cura no
Revisores cristãos - 12 -4 0 -4 1
Revolta contra Roma - 79-80 Schamai, escola de - 51
S c h w e it z e r , Albert - 82, 83, 84
ÍNDICE REMISS1V0 263

Semi-essênios - 72-75; círculos e amor ao 161, 162-163, 164 n. 13, 1 6 7 1 6 8 ‫ ־‬,


próximo - 63 173, 173-174, 175, 176-177, 184,
Senhor ( h a a d o n ), como termo de trata­ 185, 189; a guarda e seu jogo brutal
mento para Jesus - 14 com Jesus - 135-137, 153-159; casa
Senhor, Oração do - 91 do - 154-155, 156-158, 211 n. 3;
Sensibilidade judaica, períodos grego e clamor pela crucificação - 171, 176­
romano - 5 8 6 2 ‫־‬ 177; entrega de Jesus a P ilatos- 134­
Sepultamento - 118-120 135, 164-165; ferimento do servo -
Sermão da Montanha - 50-51, 65,66, 207 116, 176; pergunta a Jesus sobre ser
Servo de Deus - 24 ele o Messias - 113, 123, 125, 179,
Sidônia - 26, 54 180, 191-192; zombaria contra Jesus
Simào - 202 na crucificação - 138, 185
S1MÃO (filho de R. Gamaliel) - 46, 120,
151 n. 11 T
S1MÁO (irmão de Jesus) - 7 , 1 5
S1MÃO (primo de Jesus) - 17 Tácito - 127
S1MÃO BEN SCHATAKH - 88, 88 n. 10 Talmud, lista das maldições causadas pelos
S im Ao d e C ir e n e - 13 7, 185 sumos sacerdotes - 164
S im e Ao b a r G u io r a - 174 n. 11 Templo - 11, 111 n. 11, 112, 174 n. 11,
Simplicidade de coração - 71 176, 192-193; autoridades saduceias
Sinagogas - 45, 79, 94 do - 108; comité do - 122; descri­
Sinédrio (Sanhedrin) - 155, 167; entrega ção de Jesus do - 111, 165-166; des-
de Jesus ao romanos e ao - 117, 118, truiçâo do - 174 n. 11, 189, 190;
120, 122 escatológico - 110, 111 n. 12, 113,
Sinótica, Questão - 4 223 n. 27, 225; guarda do - 114, 116,
Sinótico, Apocalipse - 197-198, 198 n. 6, 175; Jesus criança no - 202; profe­
200, 204, 207, 207 n. 34 cias de destruição sobre o - 108-110,
Sinóticos, Evangelhos - 2, 3, 37, 40, 111, 122-123, 165-166, 168, 168 η.
41. 49, 72, 88 n. 10, 143 n. 7, 176; 26, 197, 198, 199, 207, 207 η. 34;
hebraico e os - 101; redação dos - purificação do - 111 n. 11, 114;
207; relato do jogo escarnecendo de reconstrução do - 111,122 n. 19
Jesus nos - 154-156; sumo sacerdote Templo, hierarquia do - 131; emba­
como inimigo de Jesus nos - 165; tes com Jesus - 108; temor a Dcus
tensões familiares de Jesus nos - 15 - 165-166
Sm it h , Joseph - 2 Templo, Monte do - 211 n. 3
Sociais, párias - 71 Templo, Rolo do - 111 n. 12, 169
Social, ensinamentos de Jesus e a estru­ Tempo, divisão tripartite de Jesus - 111
tura - 48 n. 12
Social, ordem - 57 Teologia de Jesus - 204 n. 25
Social, protesto - 69 Testamento de Abraão - 101, 102
Só c r a t es - 116 n. 30 Testamento de Benjamim - 73-74, 75
Sodoma - 27 Testamento de J u d á , semelhança com as
Sofista, como termo para sábio judaico - “bem-aventuranças e lamentações de
12, 12 n. 19 Jesus - 72
Solidariedade com 0 povo - 202, 208 Testamento dos Doze Patriarcas - 71-72,
S u e t ô n io - 129 73, 75
Sumo (s) sacerdote (s) - 3,17, 50,94,108, T eúdas - 168
113, 131, 133, 133 n. 63, 155-156, T iago - 25,26 n. 14
264 JESUS

T ia g o (irmão de Jesus) - 7, 15, 16, 17, VESPASIANO - 150


117, 120, 167 Via Dolorosa - 1 3 1 , 2 1 1 n. 4
T ib e r io - 8 0 , 128, 129, 130, 131 Vida após a morte - 44, 45
Tiro - 26, 54 Vida eterna - 72, 224, 226
Tito, Arco de - 199 Vinagre, temática do - 47, 189 n. 13, 190,
Tobias, livro de - 200 191, 194-195
“Torre de Davi” - 212 Virtudes religiosas essenciais - 71
Tosefta; Casa de Caifás na - 162; relação Visitação - 203
das maldições causadas pelos sumos V1TÉLIO- 131
sacerdotes na - 164 Voz celestial - 22-23, 32, 92, 93; na
Traidores - 50 n, 40 Transfiguração - 106
T r a j a n o - 174. 179
Transfiguração - 93 Y
Tribos de Israel, último julgamento - 102
Tumbas- 4 5 , 60, 119. 158; judaicas anti­ Yeh u d a ( R .) - 37
gas em Jerusalém - 165, 212 Y eschu - 7
YOKHANAN BEN Z a k a i - 39, 39 n. 8, 82,
U 88. 120, 168 n. 26

Última Ceia - 52, 96 n. 34, 101, 114 W


Último Julgamento - 216-217, 2 1 8 2 1 9 ‫־‬,
224-226 Walser , Robert - 156
Últimos Dias - 216, 221
Z
V
Z acarias - 100
V a l e r io G ra to - 163 Z abulón - 75
Valores morais- 3 9 Zelotas - 80, 82, 188
Vergonha pública do semelhante - 65 Zimri - 46
V e r m e s , G. - 100 n. 11
H ISTÓ R IA N A C O L E Ç Ã O E S T U D O S

Nordeste 1817
Carlos Guilherme Mota (f.008)
Cristãos Novos na Bahia
Anita Novinsky ( e009)
Vida e Valores do Povo Judeu
Unesco (p.013)
História e Historiografia do Povo Judeu
Salo W. Baron (E023)
O Mito Ariano
Léon Poliakov (E034)
O Regionalismo Gaúcho
Joseph L. Love (F.037)
Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial
Stuart B. Schwartz (E050)
De Cristo aos Judeus da Corte
Léon Poliakov ( e 063)
De Maomé aos Marranos
Léon Poliakov (E064)
De Voltaire a Wagner
Léon Poliakov (E065)
A Europa Suicida
Léon Poliakov ( e 066)
Jesus e Israel
Jules Isaac (F.087)
A Causalidade Diabólica i
Léon Poliakov (E124)
A Causalidade Diabólica 11
Léon Poliakov (e i 25)
A República de Hemingway
Giselle Beiguelman (F.137)
Sabatai Tzvi: O Messias Místico 1, π, w
Gershom Scholem (E141)
Os Espirituais Franciscanos
Nachman I-'albel (E146)
Mito e Tragédia na Grécia Antiga
Jean-Pierre Vernant e Pierre Vidal-Naquet (e 163)
A Cultura Grega e a Origem do Pensamento Europeu
Bruno Snell (e 168)
O Anti-Semitismo na Era Vargas
Maria Luiza Tucci Carneiro (E171)
Jesus
David l-'lussser (E176)
Em Guarda Contra 0 Perigo Vermelho”
Rodrigo Sá Motta ( e 180)
O Preconceito Racial em Portugal e Brasil Colônia
Maria Luiza Thcci Carneiro (E197)
A Síntese Histórica e a Escola dos Anais
Aaron Guriêvitch ( f.201)
Nazi-tatuagens: Inscrições ou Injúrias no Corpo Humano?
Célia Maria Antonacci Ramos (E221)
1789-1799: A Revolução Francesa
Carlos Guilherme Mota (E244)
História e Literatura
Francisco Iglésias (E269)
A Descoberta da Europa pelo Islã
Bernard Lewis (E274)
Tempos de Casa-Grande
Silvia Cortez Silva (F.276)
O Mosteiro de Shaolin
Meir Shahar (E284)
Notas Republicanas
Alberto Venancio Filho (e 288)
A Orquestra do Reich
Misha Aster (E310)
Eros na Grécia Antiga
Claude Caíame (E312)
A Revolução Holandesa: Origens e Projeção Oceânica
Roberto Chacon de Albuquerque (E324)
A Mais Alemã das Artes
Pamela Potter (E327)
Este livro foi im presso na cidade de Cotia,
nas oficinas da Meta Brasil,
para a Editora Perspectiva.
PERSPECTIVA

Próximo lançamento
O Ator-Compositor
Matteo Bonfitto

Por trás tio símbolo, 0 homem. Produto dc exaustiva pesquisa histórico-


documental, Jesus, do historiador c professor da Universidade Hebraica
de Jerusalém, David Flusser, oferece ao público um panorama abrangente
da Judeia do primeiro século, ocupada pelos romanos c agitada pelo
entrechoque de idéias religiosas, lutas políticas e antagonismos sociais. O
livro que a editora Perspectiva tra/. ora a lume desvela a figura dc Jesus
como um judeu entre judeus, engajado nesse processo e identificado com
o seu povo. () leitor poderá, guiado pelo saber deste scholar, compreender
melhor o homem c 0 ambiente que geraram uma das personalidades niais
marcantes da História.

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