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o s Pad r es da I gr eja ed i f i cam os t óp i cos f u n d am en t ai s

da v i d a cr ist ã, par a crer, cel eb r ar e v i ver . Par a r en o var


a co m u n i d ad e cr i st ã, os cr i st ãos h ão d e v o l t ar sem p r e à
su a p r i m ei r a j u v en t u d e e assi m ev i t ar o p er en e p er i go do
"en v el h eci m en t o " da I gr eja. O C o n cíl i o V at i can o II
i n au gu r ou u m a ép oca d e f i d el i d ad e m ai s d eci d i d a e
m ai s escl ar eci d a à t r ad i ção, em su a exp r essão p at r íst i ca.
A p o n t o u à I gr eja at u al os cam i n h o s d a co l egi al i d ad e, d o
d i ál o go , da p ar t i l h a e d a co m u n h ão da gr aça d o Espír i t o,
b em com o da v al o r i z ação d os car i sm as e d os m i n i st ér i os,
n a d i v er si d ad e d os ser vi ço s e d as vo caçõ es. São esses
os " cam i n h o s da t r ad i ção cr i st ã" d e q u e est e l i vr o, em
boa h or a, q u er ser o m an u al , l ev e e si m p l es, m as ri co
e segu r o em i n f o r m açõ es, est i m u l an d o a ap r o f u n d ar
a r efl exão e a p esq u i sa, e, p or q u e n ão, a p r o m o v er a
co n t em p l ação , n a co n v i v ên ci a com os San t o s Pad r es da
I gr eja.
Frei C a r lo s Jo s a p h a t
EM V A SO S DE BA RR O ,
U M T E S O U R O P R E C IO S O

O s cristãos professam a cada dia sua fé n o D eu s


ú n ico, qu e en v io u seu F ilh o ao m u n d o para
os santificar,- n o F ilh o ete rn o , que realizou sua
m issão e en v io u o Espírito de sabed oria e de
e n te n d im e n to . E procu ram v iv e r n o a m o r a
D eu s e n o a m o r recíp ro co en tre os irm ão s.
N o in ício da p regação do E v a n g e lh o ao s povos,
os ap ó sto lo s foram as te ste m u n h a s qu alificad as
de Je su s Cristo,- por m e io d eles re ce b em o s as
ve rd ad es q u e Je su s C risto an u n cio u , co m o um a
h era n ça tran sm itid a de ge ração em gera ção.
H o je so m o s h erd eiro s de um tesouro precioso,
qu e c o n se rv a m o s ao lo n g o dos sécu los: a
h e ran ça ap o stó lica da fé professad a pela Igreja.
O título d este tra b a lh o já in d ica o seu co n teú d o :
P a t r íst ic a , c a m i n h o s d a t r a d iç ã o cr ist ã . Ele
m ostra a im p o rtân cia do itin erário de fé dos
p rim eiros cristã os em Je su s C risto , o F ilh o do
D eu s v iv o , e x p licitan d o os fu n d am en to s, as
p ersp ectiv as e os o b je tiv o s da vid a e clesial.
S eu s au tores, Pe. A n tô n io Sag rad o B ogaz, Frei
M á r c io A le x a n d r e C o u to e o P ro fessor Jo ã o
H e n riq u e H a n s e n , a ju d a m -n o s a co lig ar nossa
prática cristã atu al à s raízes de n ossa m ais a n tig a
trad ição cristã.
Esta p u blicação so b re a P atrística n asceu da
ex p eriên cia pastoral, do ap ro fu n d am en to das
p esqu isas te o ló g icas, do m a g isté rio in ca n sá v e l
d e seu s au to res e do seu d e se jo de p artilh ar suas
re flexões co m os d e m ais irm ão s de fé. Q u e o
livro seja um a aju d a a to d os aq u ele s qu e se
in teressam por c o n h e c e r m e lh o r a s fo n te s da
p regação e da cate q u ese cristã.

D o m O d ílo Pedro S ch erer


C ard eal A rc e b isp o de S ã o Paulo
A n t ô n io Sa ç r ad o Bo q a z,

fo rm ad o em T eo lo g ia
S istem á tica pela U n iv e rsid a d e
Q re g o ría n a e em Teologia
L ítú rg ica p elo P o n tifício
In stitu to de Liturgia S a n to
A n s e lm o , de R o m a , é professo r de T eo lo g ia
P atrística n o In stitu to T eo ló g ico de S ã o P au lo
(IT E S P ) e na Escola D o m in ica n a de Teologia
(E D T ) em S ão P au lo.

M á r c io A l ex a n d r e Co ut o ,
fo rm ad o pela U n iv e rsid a d e de
Fribu rg o (S u íça), é co -au to r da
co le ção de v íd eo s "P atrística:
c a m in h o s da fé cristã " (P aulus)
e p rofesso r de T e o lo g ia M o r a l
e H istó ria da T eo lo g ia . A tu a lm e n te , em
R o m a , é a ssiste n te do m estre da O rd e m dos
D o m in ic a n o s para os estudos.

Jo ão H en r i q u e H a n sen ,
p rofesso r de Ética Filosó fica
e C ristã e de Literatu ra,
form ad o pela U n iv e rsid a d e
de S ã o P au lo (U S P ) em Letras
e Litera tu ra , d ed icou sua
pesquisa e escritos à literatu ra cristã, prim itiv a
e h o d ie rn a . A tu a lm e n te atu a n o d e p artam e n to
de p ro g ram ação e a v a lia ç ã o da U n iv e rsid a d e
S ã o C a m ilo e n os m eio s de co m u n ica çã o ,
co n trib u in d o co m a fo rm ação ética e literária de
n o ssa so cied ad e.
P A T R ÍS T IC A
C A M I N H O S D A T R A D IÇ Ã O C R IS T Ã

T E X T O S , C O N T E X T O S E E S P IR IT U A L ID A D E
D A T R A D IÇ Ã O D O S P A D R E S D A IG R E J A A N T IG A ,
N O S C A M I N H O S D E JE S U S D E N A Z A R É
P A T R ÍS T IC A
C A M I N H O S D A T R A D IÇ Ã O C R IS T Ã

T E X T O S , C O N T E X T O S E E S P IR IT U A L ID A D E
D A T R A D IÇ Ã O D O S P A D R E S D A IG R E J A A N T IG A ,
N O S C A M I N H O S D E JE S U S D E N A Z A R É
í;3 £ 0 *
A ntônio S. Bogaz
Márcio A. C outo
João H. Hansen

P A T R ÍS T IC A
C A M I N H O S D A T R A D I Ç Ã O C R IS T Ã

T E X T O S , C O N T E X T O S E E S P IR IT U A L ID A D E
D A T R A D I Ç Ã O D O S P A D R E S D A IG R E J A A N T I G A ,
N O S C A M IN H O S D E JE S U S D E N A Z A R É

PAULUS
D a d o s I n te r n a c io n a is d e C a ta lo g a ç ã o n a P u b li c a ç ã o (CIP)
(C â m a r a B r a s ile ir a d o L iv r o , SP, B ra sil)

B o g a z , A n t ô n i o S.
P a tr ís tic a : c a m in h o s d a t r a d iç ã o c r is tã : t e x to s , c o n t e x t o s
e e s p ir it u a lid a d e d a t r a d iç ã o d o s p a d r e s d a Ig re ja a n tig a ,
n o s c a m in h o s d e J e s u s d e N a z a ré / A n t ô n i o S. B o g a z , M á r c io A .
C o u to , J o ã o H . H a n s e n . — S ã o P a u lo : P a u lu s , 2 0 0 8 .

IS B N 9 7 8 -8 5 -3 4 9 -2 9 2 7 -1

1. P a d re s d a Ig re ja p r im itiv a 2. T r a d iç ã o (T e o lo g ia ) I. C o u to ,
M á r c io A . II. H a n s e n , J o ã o H . III. T ít u lo .

0 8 -0 0 8 6 3 C D D -2 7 0

ín d ic e s p a r a c a t á lo g o s is te m á ti c o :

1. P a trís tic a : H is tó r ia d a Ig re ja 2 7 0
2. P a trís tic a : L it e r a tu r a c ris tã p r im itiv a 2 7 0

Capa
M a r c el o C a m p a n h ã

E d ito ra ç ã o , im p r e s s ã o e a c a b a m e n to
PAULUS

S e ja u m le i t o r p r e fe r e n c ia l P A U L U S .
C a d a s tr e - s e e re c e b a in fo r m a ç õ e s s o b r e n o s s o s la n ç a m e n to s
e no ssas p ro m o ç õ e s : paulus.com.br/ cadastro
T e le v e n d a : (1 1 ) 3 7 8 9 - 4 0 0 0 / 0 8 0 0 1 6 4 0 11

M IS T O
P ap el p r o d u zi d o a p ar t i r
d a f o n t es r esp o n sá v e i s
pçr
^ F S C * C 1 08 9 75

1* e d iç ã o , 2 0 0 8
5a r e im p re s s ã o , 20 17

© P AU L US - 20 08

R ua F r a n c is c o C ru z , 2 2 9 • 0 4 1 1 7 -0 9 1 - S ã o P a u lo (B ra sil)
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IS B N 9 7 8 -8 5 -3 4 9 -2 9 2 7 -1
C o m e m o ç ã o e g r a tid ã o , d e d ic a m o s e s ta o b r a
a Dom André W. Suski,
q u e n o s o r i e n t o u n a p e s q u is a e n o s e s tim u lo u

a g a r i m p a r o s t e s o u r o s d a P a t r ís t ic a .
A pr esen t a ç ã o

Em vasos de b a rro , um te s o u ro p r e c io s o

O s cristão s professam a cad a dia sua fé n o D eus ú nico, que e n ­


viou seu Filh o ao m un d o para os santificar; no Filh o etern o, que
realizou sua m issão e enviou o E spírito de sabed oria e de en ten ­
dim ento. E p ro cu ram viver n o am or a D eus e no am o r recíp roco
en tre os irm ãos.
N o in ício da pregação do Evangelho aos povos, os apóstolos
fo ram as testem u nhas qu alificad as de Jesus C risto; p o r m eio de­
les receb em o s as verdades qu e Jesus C risto anun ciou , co m o um a
h eran ça tran sm itid a de geração em geração. H o je som o s h erd ei­
ros de u m tesou ro p recio so, que co n serv am o s ao lon go dos sécu ­
los: a h era n ça ap ostó lica da fé professada pela Igreja.
O títu lo deste trab alh o já in d ica o seu con teúd o: PA­
T R ÍS T IC A , C A M IN H O S D A T R A D IÇ Ã O C R IST Ã . E le m ostra
a im p o rtân cia do itin erário de fé dos p rim eiros cristão s em Jesus
C risto, o F ilh o do D eus vivo, explicitan d o os fu nd am en tos, as
perspectivas e os objetivos da vida eclesial.
Seus autores, Pe. A n tô n io Sagrad o B ogaz, Frei M árcio
A lexan dre C o u to e o P rofessor Jo ão H en riq u e H ansen, aju dam -
nos a coligar n ossa prática cristã atual às raízes de nossa m ais
antiga trad ição cristã. T rata-se sem pre de fazer aquilo qu e São
Paulo tam b ém já fez: “o qu e receb i do Senhor, eu vos tran sm ito:
t
que o S en h o r Jesus deu a vida p o r tod os n ós, p o r n ós pad eceu na
cru z e m orreu e p o r nós ressu scitou” (cf. IC o r 15,3).
Esta m ensagem é a bela e alegre novidade a ser co m u n icad a
e testem u nh ad a a cada fiel, em tod os os tem pos. A fidelidade à
h eran ça ap ostólica n os dá a certeza de estarm os na fé da Igreja e
que n ossas raízes estão plantadas na h istó ria dos ap óstolos e de
seus sucessores.
O co n h ecim en to da teolo gia e da m ística dos Padres da
Ig reja prim itiv a n os p erm ite atualizar seus en sin am entos para as
nossas com un id ad es na catequese e n os novos púlpitos de nossas
pregações.
N o co n ju n to de n ossas tra d içõ es d o u trin ais, litú rg icas,
m o rais e eclesiais, está p resen te a riq u eza dos en sin a m en to s
dos San to s Pad res. D e fato, n ós n ão c ria m o s a cad a p asso as
verd ad es da n o ssa fé, m as as a co lh em o s e ex p licita m o s ju n ta ­
m en te co m a co m u n id ad e eclesial, tam b ém co m aqu ela qu e n os
preced eu.
A T rad ição cristã dos prim eiros séculos e dos dem ais p e ­
río d o s co n tém im ensas riquezas, que passam os de geração em
geração co m o relíqu ias preciosas de fam ília; elas dão unid ad e à
profissão de fé e à vida eclesial, solid ificam e fazem crescer nossa
certeza de que som os herd eiros da m ensagem do D iv in o Verbo,
que co n tin u a a an u n ciar seus orácu lo s n o co ração do m undo.
O co n h ecim en to dos escrito s prim itiv os n os dá a co n s­
ciên cia de n ão crerm o s sozinh os; fazem os p arte de um povo que
crê e professa a m esm a fé, co m a V irgem M aria, M ãe de D eus e
os apóstolos, co m um a m ultid ão de m ártires, de sábios e santos,
m issio n ário s e teólogos, gente sim ples e h om en s ilustres, qu e n os
preced eram na fé e já fazem parte da Igreja celeste. C rem os co m
eles e co m o eles creram ; co m o eles n o passado, som os ch am ad os
h o je a ser discípulos e m issio n ário s de Jesus C risto.
N ossos tem pos são m arcad os pela onda avassaladora da
m un d ialização e da v irtualização das cren ças e valores; é fo r­
te a ten d ên cia a su jeitar tudo à ló gica do m ercad o, até m esm o
as propostas religiosas e cren ças; os arqu étip os sociais e cu ltu ­
rais co n tem p orân eo s sofrem co n stan tes tran sfo rm açõ es para se
adaptarem às exig ências fugazes da m od a e das co n v en iên cias do
pen sam en to dom inan te.
Para n ós, é tem p o de fo rm ar com un id ad es de fé viva, onde
os cristão s sin tam a Ig reja co m o seu lar e sua fam ília. A referên ­
cia às raízes profu nd as da P atrística nos dá id en tid ade, estabili­
dade e serenid ad e para viverm os e an u n ciarm o s a m ensagem de
Jesus C risto, Filh o de D eu s, n osso Salvador.
E sta pu blicação sobre a P atrística n asceu da exp eriên cia
pastoral, do apro fu ndam ento das pesqu isas teoló gicas, do m agis­
tério in cansável de seus autores e do seu d esejo de co m p artilh ar
suas reflexões co m os dem ais irm ão s de fé. Q u e o livro seja um a
ajuda a tod os aqueles qu e se in teressam p o r co n h e ce r m elh or as
fontes da pregação e da catequese cristã.

D o m O d i l o P ed r o Sc h er er
Car d eal-A r cebispo de São Paulo
Pr e f á c io

S empr e q u e r id o s e in d is p e n s á v e is Sa n t o s Pa d r e s .

É de ad m irar o qu anto os Santos Padres fo ram n ão apenas ven e­


rados, m as qu erid os e b em -am ad o s. Estiv eram sem pre n o co ra ­
ção e n o p en sam en to daqueles e daquelas que se em pen haram
em co n stru ir a Igreja e o m un d o n o d eco rrer dos séculos.
A grande e g racio sa santa Teresa de Ávila en contrava seu
M estre in terio r no E spírito de A m o r que habitava o cen tro de sua
alm a. Bu scava a o rien tação de sua cam in h ad a e de suas fu n d a­
çõ es antes de tudo e essen cialm en te nas palavras e n os exem plos
de Jesus. M as co m o gostava de ser ajudada nesse en co n tro ín ti­
m o e direto co m D eus, lendo S. Jerô n im o e Santo A gostin ho!
Pod e até haver certa surpresa, quan do alguém ten ta aco m p a­
n h ar um m issionário, co m o frei B artolo m eu de Las Casas, tod o en ­
tregue à evangelização, à libertação e à p ro m oção dos am eríndios.
N as suas idas e vindas pelos cam in h os ou pelos descam in hos da
A m érica, trazia sua b ib lioteca am bulante, carin h o sam ente tran s-
p o rtad a pelos índios, que sabiam qu e aqueles livros eram in stru ­
m ento s para a defesa deles. Pois b em , em m eio a seus calham aços,
lá estavam os Evangelhos, as C artas do A póstolo Paulo, a Sum a
de Tom ás de A quino. M as, b em em relevo os escritos de S. João
C risóstom o, o predileto de Las Casas ao lad o de Santo A gostinho,
de S. G regório, e de tantos outros Padres da Ig reja de D eus e dos
f
p obres.V inh am ajudar a plantar a Igreja no N ovo M undo, co m o a
haviam im plantad o na Á sia, na Europa e n a Á frica.
A liás, já no m om en to em qu e surge na Igreja a teolo gia em
m old es univ ersitários, co m Santo A lb erto, São B oaven tura, Santo
Tom ás, ela v in h a co m o umíèlã|da in telig ên cia e do co ração, p o r­
qu e esses doutores com eçavam , é claro, p o r ser b o n s co m en ta d o ­
res das E scritu ras divinas. N o en tanto, seus prim eiros m anuais
eram as Sum as senten ciárias, as antologias b em com pletas e o r­
denadas dos Padres da Igreja.
E dada a im en sa dificuld ade e o alto p reço dos livros m a ­
n u scrito s de en tão, era de ver co m o os m estres, doutores e es­
tudantes estim avam o que p o d iam e n co n tra r de A go stin h o , de
A m b rósio , de Jerô n im o , de um dos C lem en tes, de R o m a, de
A lexan d ria ou de Jeru salém . As h istó rias e até as lend as dão
testem u n h o. Q u an d o u m co n frad e, ap on tan d o para Paris, p e r­
guntou a Tom ás de A qu in o se n ão g ostaria de ser d ono desta
já ad m irad a m etróp ole, o santo D o u to r respond eu , revelando
o qu e trazia n o co ra çã o : “Seria m elh o r qu e m e o ferecessem um
p erg am in h o de São Jo ão C risó sto m o co m seus co m en tá rio s às
Epístolas de Paulo”.
O s texto s patrísticos insp iraram e ilu m in aram a teolo gia na
Idade M éd ia, até a alvorada do m u n d o m od ern o . G u iaram as le i­
turas, os estudos e as pesquisas até que, a p a rtir do sécu lo X V I,
os Padres fo ram cedendo lugar aos m anuais qu e vinh am facilitar
o trab alh o de fo rm ação do clero. Essas com p ilações to rn ara m -se
de fato u m ca m in h o de facilid ade co n co rren d o para esvaziar a
Sagrad a D o u trin a de sua densid ad e b íb lica, a qu e co n co rria m
de m an eira decisiva os grandes m estres dos prim eiros séculos
cristãos.
E deveras b en d ito esse am an h ecer da Igreja, no qual os
Santos Padres fo ram os co rajo so s e lu m in o sos p io n eiros da d i­
fusão do Evangelho, da sua apresen tação co m o luz e alim en to
para os fiéis e as com un id ad es e da sua p rim eira e b em -su ced id a
inculturação'. Pois sou beram con d uzir o co n fro n to da m en sagem
cristã co m as form as de pensar, de viver, de organizar e co m u ­
nicar, próprias ao m un d o antigo, ju d aico, grego e ro m an o , não
h esitand o em ir ao en co n tro dos ch am ad os povoslbárbaro s, ger­
m ân ico s, gauleses, ib érico s ou eslavos.
A ssim se realizava a im plantação da Igreja n a fidelidade cria­
tiva ao seu divino Fundador e na docilidade ao Espírito de A m or
e de Santidade. N o seu tem po e nas épocas sucessivas,.para as
gerações dos cristãos, sobretudo dos santos, dos m ísticos, dos ba-
talhad ores pelo R ein o de D eu s, os Santos Padres foram m esm o os
pais que os form aram n a fé. Eles os levavam a p riorizar e a prati­
car o essencial, a acolh er os dons divinos e a se deixar tran sfo rm ar
pela forte e suave energia da graça salvadora e santificadora.
G raças ao trab alh o lú cid o e ca rin h o so de u m a equipe co m ­
petente, este livro vem b rin d ar n ossa cultura co m um a valiosa
co n trib u ição de pedagogia, de teolo gia e de espiritualidade.
É b em m ais do que u m feixe de b o as in fo rm açõ es sobre os
Santo s Padres, qu e prolongaram o lab o r dos A póstolos, im p lan ­
tan do a Ig reja e realizand o a prim eira evangelização do m undo
g reco -ro m an o . A qu i se en co n tra u m a in icia çã o à doutrina, ao
m od o de viver, de orar, de pregar dos m estres e das com unid ades
dos p rim eiros séculos cristão s, que, em u m a in cansável fidelida­
de criativa, levaram a cab o a p rim eira in cu ltu ração m un d ial da
m ensagem de C risto.
É tod a essa riqueza que quer sugerir o títu lo sim ples e auda­
cioso: “C am in h o s da trad ição cristã”.
A um p rim eiro olhar, esses cam in h os já ap on tam para um a
p rim eira globalização, que nada tem de u m a invasão pela espada
ou d o m in ação pelo din heiro . É o rein o da in teligên cia e do am or,
con tan d o co m os guias espirituais que se dão quais m estres p a cí­
ficos do pensar, o rar e b em fazer, surgindo de tod os os recantos
do m u n d o e m arcan d o as etapas im p ortan tes da m aio r virada
qualitativa da h istória. A pregação de Jesus de N azaré se u niv er­
saliza, suscitand o um a rede de com unid ad es, qu e são outras ta n ­
tas escolas de perfeição. O Evangelho se in sere em novas form as
(
de linguagem e de cu ltu ra, que, para além do perfil ju d aico, lhe
dão novos ro stos, fazendo surg ir b em unid a u m a h um anidade
m ulticor, m ultirracial e m ulticultural. É o b elo e d ifícil lab o r de
desfazer d iscrim in açõ es en tre civilizados e b árbaros, h om en s e
m ulheres, escravos e livres, ten d en d o a estabelecer a nova criatu ­
ra n a verdad e de C risto e de seu E spírito (cf. G 1 3 ,2 7 ).
A unid ad e já tão plu ral, in augurada pelo ju d aísm o da diás-
pora, se afirm a co m m ais fo rça e tam b ém m ais h a rm o n ia na
m ultiplicidade das com un id ad es cristãs, pois form am a im en sa
co m un id ad e global da Igreja, que plantou suas tendas p o r to d a a
ex ten são do m undo g reco -ro m an o .
A novidade deste livro não está apenas em se dar co m o um
guia seguro e convidativo, tecen d o u m d esenh o preciso e g ra ­
cio so das alam ed as, dos am plos e g racio sos ja rd in s da cultura e
espiritu alidade patrísticas.
Sem dúvida, ele realiza, sim , esta proeza de n os oferecer em
um m ín im o de páginas o m áxim o de con teú d o h istó rico e d o u ­
trin al. O qu e é sem dúvida de grande utilid ad e para os leitores e
sobretu d o para os estudiosos da patrologia.
M as a o rig in alid ad e e, p o rtan to, o v alor da síntese, aqu i
d iscretam en te sugerid os pelos autores, m erecem , n o en tanto,
esp ecial atenção. Pois, pela d isp osição m esm a das m atérias e
dos textos, pelo realce dado a certas figuras e à m arch a da h is­
tó ria, rev ela-se o p ropósito de m o stra r co m o a Ig reja de C risto,
em to d os os seus elem en tos, co m o p resen ça m ística de C risto ,
co m o sacram en to univ ersal da salvação e co m o socied ad e b em
organ izad a, to m o u co rp o n o m u n d o e n a cu ltu ra dos p rim eiro s
séculos. Po d e-se assim acom pan har, sob to d os os seus asp ecto s
e em to d a a sua riq u eza d ivina e h um ana, aqu ele p ro cesso p a-
cífico, m as p o r vezes acid entad o, qu e ch am am o s a in cu ltu ração
do Evangelh o.
D essa form a, o em p en h o dos autores de n os in icia r n o c o ­
n h ecim en to da h istó ria, das doutrinas, das figuras m ais em in en tes
da p atrística, n ão apenas obed ece a u m belo trab alh o pedagógico
e a um a segura d isposição cro n ológ ica, m as ainda e sobretudo se
esm era em p ô r em relevo co m o se foi form and o e desenvolven­
do a j m e n s a ^ adm irável arqu itetu ra da Ig reja a p artir daquela
pequ en in a, fecun d a e g racio sa co m un id ad e apostólica, unid a e
an im ad a pelo Sop ro divino de P entecostes.
A ssim , à m ed id a qu e vam os p ercorren d o as páginas deste
livro, co m o que d esabrocha e cresce aos n ossos olh os o e n ca n ­
tad or ja rd im de D eus, d esd obrand o-se n o tem po e n o espaço. A
Ig reja vai surg in do e m o stra n d o -se sem eada, plan tada, cultivada
p o r esses grandes ag ricu ltores da Palavra, da G ra ça e da co m u ­
n hão do A m or.
D e m an eira co n creta, a gente vai con tem p land o e a d m iran ­
do o su rg ir e a evolução, h arm o n io sa, porqu e cu id ad osam en te
estim ulada e vigiada, das doutrinas, dos costu m es, do cu lto e do
co n ju n to das in stituições.
N o cen tro , está a liturg ia, a expressão p rim eira da vida da
Igreja, de suas com un id ad es e de seus fiéis. Q u e preciosidad e de
d ou trin a e de graça n ão resplandece n os ritos dos sacram entos
da in iciaçã o cristã, inaugurada e aprim orad a n as grandes co m u ­
nidad es patrísticas! N o co ração da Ig reja, qual fo rça prim ord ial
de seu crescim en to , a E u caristia é celeb rada de m an eira fiel e
participativa. O D ia do S en h o r refulge co m o o n úcleo tran sfo r­
m ad or de to d o o ciclo litúrg ico, que se vai co n stitu in d o e am ­
plian do pela fecund id ad e da palavra, dos sacram entos, do m a rtí­
rio e de outro s m od elo s de san tid ad e dos fiéis de C risto e de seus
Pastores, guias e m estres de perfeição.
V am os folh eand o e vam os vendo, n a D i d a q u é, na T r a d i ç ã o
A p o st ó l i c a de H ip ólito R om an o, na discreta sabed oria de S.
Ju stino, na catequese dos grandes bispos co m o S. C ipriano,
Santo Irin eu , Santo A m brósio , Santo A gostinho, S. Leão M agno,
S. Basílio, S. Jo ão C risósto m o , S. C irilo de Jeru salém a insp iração
de u m a fo rm ação dos “neófitos”, das jo v en s plantas, enraizadas
em C risto, estim uladas a aco lh er e a cu ltiv ar o D o m inefável da
filiação divina.
(
U m dos asp ectos m ais visíveis, de im p o rtân cia decisiva e
du radoura na in cu ltu ração do Evangelho realizada na ép o ca p a ­
trística vem a ser a elaboração e p ro clam ação dos dogm as fu n d a ­
m entais da fé cristã. É a obra dos p rim eiros e grandes co n cílio s,
reu nind o e em p en h an d o a au toridade do co n ju n to dos bispos
em co m u n h ão de fé co m tod a a Igreja.
A revelação d ivina e a t r adição ap ostólica haviam tra n sm iti­
do a m ensagem desta fé em term o s co n creto s, d en tro do pro cesso
da h istó ria da salvação e da exp eriên cia de vida das com unid ades
e dos fiéis. O qu e estava em jo g o era, portan to, a vida m esm a
da Ig reja, co n scien te de ser a co m un id ad e trin itária. Pois tudo
anunciava, fazia, abençoava, consagrava, em n o m e do Pai, do
Filh o e do E sp írito Santo, estabelecend o, en tre o céu e a terra, a
co m u n h ão dos san tos tod a voltada para a C om u n h ão T rinitária.
Essa fo rm a de pensar, de viver, de conviver co m D eus, re co ­
n h ecid o n a perfeita unid ad e e n a perfeita co m u n h ão de ser, de
con hecer, de am ar, estava a exig ir u m a expressão, um a fo rm u ­
lação precisa e rigorosa d entro da nova perspectiva da cultu ra,
da com p reen são e da linguagem g reco -ro m an as. Sem elhan te e x i­
gência da vida in tern a da pró pria Ig reja foi d espertada e urgida
pelos hereges, que red uziam o m istério divino aos lim ites de seus
co n ceito s racion ais, projetan d o, de m an eira desajustada, sobre a
m ensagem b íb lica suas representações e n o çõ es tom adas à exp e­
riên cia co m u m ou aos sistem as filo sóficos de então.
Por um esfo rço co n certad o e d ifícil, a dogm ática, finalm en te
estabelecid a e definida pelos p rim eiros co n cílio s da ép oca p atrís­
tica, realizava co m o que a m ais d ifícil das trad u ções, pois tra n s­
pu nha em co n ceito s, quase sem pre filosóficos e sem pre b em ela­
bo rad os, aquela m ensagem prim itiva da revelação que nos foi
dada na linguagem com u m , co n creta e h istó rica do povo bíblico.
E ra um trab alh o exem plar de h erm en êu tica da Palavra divina,
que continuava e era sem pre exaltada em sua expressão p rim eira
e fu nd ad ora que são as Sagradas Escritu ras. E a m aravilhosa li­
ção da fidelidade lú cid a e d in âm ica, de sabed oria acolh ed ora da
Palavra d ivina em todas as form as de linguagem h um ana através
dos tem pos.
N o d eco rrer da h istó ria e nos dias de h o je, tod a refo rm a da
Igreja co m eça p o r ser u m reviver da palavra e da g raça de D eus,
reen co n trad a nessa prim av era do E spírito que são as co m u n id a­
des e as figuras dos Santos Padres, os Pais por excelên cia, ed u ca­
dores de n ossa fé. A p artir do Evangelho, a evolu ção da liturgia é
acom p an had a e envolvida pelo desen volvim en to das doutrinas,
dos m in istérios, da h ierarquia. A Igreja h á de voltar sem pre a esta
sua p rim eira juventu d e. Já u m escrito co m o o P a st o r d e H er m a s
advertia sob re o perigo do “en v elh ecim en to” da Igreja.
É verdade qu e alguns pon to s im p ortan tes e m esm o essen ­
ciais são desafios qu e se estend em pelos sécu los. F oram en fren ­
tados co m lucidez, coragem e bastante d iscern im en to. M as não
puderam ser levados a b o m term o n a ép o ca patrística.
Q u e se pen se n o in trin cad o p roblem a do poder.
C o m o encontrar, co m o inventar ou criar form as adequadas
de p od er político para os “reis cristãos”, qu e antes estavam afeitos
ao m od elo do poder absoluto, e m esm o divinizado dos im p era­
dores pagãos? E - qu estão m ais delicada - co m o con stitu ir m o ­
delos eficazes para a autorid ade apostólica que C risto co n fiou à
sua Igreja, cu ja h ierarquia, m ais do que um pod er sagrado, fosse
deveras um serviço evangélico, um a consagração efetiva e total ao
b em espiritual da com unidad e? N ão era Ejüim éricõlo risco de res-
valar em u m estilo de p o d er absoluto, excessivam ente cen traliza­
do, à m an eira dos poderes profanos herdados do m undo pagão.
Esses e outro s p ro blem as sim ilares fo ram tran sm itid o s da
era patrística às etapas u lteriores da vida da Igreja. M as a in sp i­
ração, o ru m o certo, in d icad o ou pelo m en o s buscado, lá estão
n a vida, n os escritos, nas lutas dos Padres da Igreja, fiéis m uitas
vezes até o m artírio . E p reciso retom ar, ter o sentid o da h istó ­
ria, em p en h ar-se em prolo n gá-lo e p o r vezes red irecio n ar-lh e as
o p çõ es e o rien taçõ es assu m id as em con textos de con flitos ou de
con cessõ es m enos ajustadas.
O C o n cílio V aticano II inau gurou u m a ép oca de fid elid a
de m ais decidid a e m ais esclarecid a à trad ição em sua expressão
patrística. A ponto u à Igreja atual os ca m in h o s da colegialidade,
do diálogo, da p artilh a e da co m u n h ão da graça do Espírito, b em
co m o da valorização dos carism as e dos m in istérios, n a d iversi­
dade dos serviços e das vocações. L em bro u, sobretudo, o grande
tem a da pregação p atrística, que jam a is se co n ten to u em im p or
u m a sim ples m oral, m as p ropôs e enalteceu: “a vocação universal
d os fiéis de C risto à santidade”, para a plena realização da Igreja
e felicidad e de tod a a hum anidade.
São estes os “cam in h o s da trad ição cristã” de qu e este livro
em b o a h ora qu er ser o m anual, leve e sim ples, m as rico e seguro
em in fo rm açõ es, estim ulan d o a apro fu ndar a reflexão e a p es­
quisa, e, p o r qu e não, p ro m over a con tem p lação, n a con viv ência
co m os Santos Padres da Igreja.

F r ei C a r l o s Jo sa p h a t , O P
In t r o duç ã o

Po r t a l d a g r a n d e t r a d iç ã o c r is t ã

C o m o advento de Jesus C risto, D eu s en carn ad o e R ed en tor da


H um anidade, os povos in auguram nov os tem pos. C o m sua volta
ao Pai, envia o Espírito Santo, luz para ilu m in ar as n ações. É um
novo p ro jeto de vid a para a hum anidade, o nd e D eus bu sca o ser
h um ano e se in sere em sua h istó ria, para tran sfo rm ar seus ca m i­
n hos e, igualm ente, seu destino.
A revelação de Jesus C risto, sua vida, seus en sin am en tos e
suas ações cotid ianas n os é tran sm itid a n um p rim eiro m om en to.
Segu em -se textos escrito s p o r seus p rim eiros seguidores, qu e por
sua vez in serem suas próprias exp eriências e o crescim en to das
com un id ad es onde atuam .
D epois de décadas de elaboração, do co n teúd o revelado, e
m esm o antes de ch egar ao term o desse tem po, grandes santos,
teólogos e pastores edificam a com un id ad e, escrevem h in o s, re­
fletem os en sin am en tos da m ensagem cristã para novos povos.
Vam os co n h ecer estes grandes protagonistas da Igreja
A ntiga, para en ten d erm os o texto e o co n texto da trad ição cristã.
O s séculos foram fecundos. A fecundid ad e da m ensagem cristã
se in seriu em novas cu ltu ras e novos povos, p erm itin d o a co n ti­
nuid ade do an ú n cio da m ensagem evangélica, co m grande fid eli­
dade e, ao m esm o tem po, in serin d o -se nas com unid ades.
T o carem o s os vários séculos de ed ificação dos ritos e da vida
sacram ental da Ig reja, b em co m o os seus sujeitos, qu e viveram e
apon taram cam in h os da fé e da trad ição que servirão de m od elo
para as gerações futuras. N aturalm en te, os escrito s são m ais cu r­
tos e sim ples nas prim eiras décadas e to rn am -se m ais com plexos
e abu nd antes n o s séculos seguintes. Por esta razão, os p rim eiros
autores são an alisad os de fo rm a m ais p ro fu n d a, p o is dão as bases
fu nd am entais dos grand es tratad os qu e se seguem .
E m circu n stân cias b em divergentes, co m o o p eríod o de
perseguição e cristand ad e, os Padres da Igreja elaboraram um
vastíssim o e precio so co rp o d outrinal de n ossa fé cristã que vai
perd urar pelos séculos. E n tre co n cílio s, disputas, experiências,
aprend erem os o que sig n ifica ser cristão na m ente, no co ração e
n a vida. O s Padres da Ig reja e seus escrito s insp irad os e p ro fu n ­
dos tecem o alicerce de n ossa trad ição que, desde sem pre até os
n ossos dias, fu nd am en tam a vida cristã em sua m ística, sua o r­
ganização eclesial, seus ritos litúrgicos e sacram entais e o m od o
de se in serir n a realidade h istórica.
C o m o a P atrística é o alicerce de to d a a vida da Igreja e luz
para as sínteses futuras da fé, acred itam os que o co n h ecim en to
p rofu nd o deste p eríod o da Igreja é fu nd am en ta l para co m p reen ­
der m elh or tod os os dem ais p eríod o s da vida da Igreja.

O s aut ores
A n t ô n i o S. B o g a z - M a r ei o A . C o u t o - Jo ã o H . H a n sen
I - In t r o d u ç ã o

a o P e r ío d o P a t r ís t i c o
I - Pa t r í s t ic a C r is t ã : T ext o e c o n t ext o

E stam os para en trar n u m ocean o p rofu nd o da vida cristã. D epois


do testem u n h o dos ap óstolo s e seguidores m ais p ró xim o s de
Jesus C risto , a co m u n id ad e cristã in icia sua cam in h ad a de fé.
O s discípulos seguem as pegadas do M estre de Nazaré.
Form am com unidad es entre os ju deu s convertidos da Palestina.
Seguem depois para os espaços ju daizantes da diáspora, que são
as com unid ades ju d aicas na b acia do m ar M ed iterrâneo. V ão a in ­
da m ais lon ge, traçan d o itinerários que atingiam o co n tin en te eu­
ropeu e asiático. Esta exortação de Paulo, o m issio n ário dos gen­
tios, foi assum ida com seriedade pelos m ission ários e seguidores
do N azareno. Este período de expansão en co n tra seus registros
n os textos b íb licos do N ovo Testam ento. E n tre as narrativas dos
fatos, as crôn icas dos apóstolos e das com unid ades, as explicações
teológicas, as tran scriçõ es das experiências e as exo rtações para a
vida cotid iana, desvelam os a vida, o pensam ento, as obras e a fé
dos p rim eiros fiéis, d enom in ados, m uito cedo, cristãos.
Nas pegadas dos apóstolos, vieram seus seguidores. Ao iniciar,
esboçam os os cam in h os da tradição cristão que, p or séculos, vão
delineando os fu ndam entos teóricos e práticos do cristianism o
nascente. Falam os de u m a com unidad e de fé que segue a revelação
de Jesus Cristo, a partir de sua pregação e suas proposições para
nos unificar ao Pai e unir os povos co m o com unid ade universal.
í
N este períod o, a co m un id ad e dá seus p rim eiros passos, ed i­
fica seus ritu ais, organ iza sua vida eclesial, define suas verdades
d outrinais e descobre seu ca m in h o ético de santificação.
Q u em p eregrin ar neste itin erário da Ig reja, certam en te c o ­
lh erá testem u nh os fu nd am en tais e d escobrirá a genuína grand e­
za de seguir o M estre Jesus, qu e revela o Pai.
A bord arem os os prim eiros m o m en to s deste períod o, seus
p rincipais co n ceito s e títu lo s, seus períod os h istó ricos e a sua fo r­
m ação. Este é o p eríod o do desbravam en to, das trilhas do cristia ­
n ism o, tend o co m o in stru m en to a revelação de Jesus C risto e o
testem u n h o de seus p rim eiros seguidores.

1 - M is s ã o d o s Pa d r e s a n t ig o s d a Ig r e j a

As trad ições an terio res e os co n textos dos novos seguidores do


N azareno são básicos na Patrística, m as os cam in h os da fé cris­
tã estão para ser traçad os. A fidelidade aos prin cíp io s cristãos
está no co ração dos fiéis, m as tu do está para ser elaborado. A
co m un id ad e deve en co n tra r m eio s rituais para celeb rar seus sa­
cram en tos e suas festas. D eve e n co n tra r co n ceito s e expressões
para cod ificar seus dogm as. O s líderes espirituais e os fiéis devem
traçar os seus valores e d eterm in ar as n o rm as de seu agir. M esm o
o governo, os líderes e os m in istérios devem ser definid os e o r­
denados para o sustento, o crescim en to e a expansão dos c o n ­
vertid os. Todos estes bens devem ser coeren tes co m a p rop osta
orig in al da pregação apostólica, b em co m o adequ ada aos novos
tem pos, lugares e cu lturas p o r o nd e a m ão da Provid ên cia vai
sem eando a fé cristã.

2 - Os s é c u lo s p a t r ís t i c o s

N ossa prim eira preocu p ação é d elim itarm o s o p eríod o p atrísti-


co, que se insere n u m a d efinição m ais global da vida e da h istória
da trad ição eclesial. Se co n sid erarm o s os vários períod os da ca ­
m in h ad a do povo de Deus, po d em os co lo ca r a teolo gia p atrística
co m o o prim eiro destes períodos.
O in ício da P atrística n ão é definid o co m o u m m arco c ro
n ológ ico, m as co m o u m p eríod o de passagem . Se con sid erarm os
que os textos b íb lico s estão in scrito s no p eríod o da segunda m e­
tade do Sécu lo I, co n sid eram os qu e nesta passagem in icia-se o
p eríod o dos “Padres e M ães da Igreja p rim itiv a”. Esta passagem
está n o final do prim eiro século da era cristã. P od em os apresen ­
tar a In stru ção “D id aq u é” co m o o m arco in icial deste período,
datada, aproxim ad am ente, do an o 90. C on sid eram os ainda que
tem os textos b íb lico s can ô n ico s p osteriores a esta data. Isso nos
faz pen sar que, além do tem p o h istó rico , o utros elem en tos ca ­
racterizam estes escritos qu e estudam os.
Para d elim itar a finalização deste período, con sid eram os
duas áreas - geográficas, culturais e eclesiásticas - da Igreja n a ­
queles séculos: O rien te e O cid en te cristãos.
O s estudiosos definem o fech am en to deste períod o, n o O c i­
dente, co m G regório M agn o (o u Isid oro de Sevilha), no século
V II, e, n o O rien te, co m Jo ão D am asceno, n o século V III.

Per ío d o s d a h is t ó r ia d a Ig r ej a

P o r r a z õ e s a c a d ê m i c a s e d id á t ic a s , o s h is to r i a d o r e s e te ó lo g o s s e p a ­
r a m a H is t ó r i a d a Ig r e ja n e s te s p e r í o d o s :

1- A N T I G U I D A D E - d o t e m p o d o s A p ó s to lo s a té a I n v a s ã o d o s
B á r b a r o s (s é c . V I ) , c o m u m a s u b d iv is ã o (p e r s e g u i ç ã o e m a r t í ­
r i o a t é 3 1 3 , c o m o E d it o d e M ilã o , e in íc io d a c r is ta n d a d e ).

2- M E D I E V A L - d a in v a s ã o d o s b á r b a r o s (s é c . V I ) a té o C o n c íl io
d e T r e n to (s é c . X V I ) , c o m u m a s u b d iv is ã o e n tr e a lta e b a ix a
e s c o l á s tic a , le v a n d o e m c o n t a a e v o lu ç ã o te o l ó g ic a o u c i s m a d o
O r i e n t e /O c i d e n t e , c o n s i d e r a n d o o s f a to r e s h is tó r i c o s .

3- M O D ERN O - d e s d e o C o n c íli o d e T r e n to a t é a R e v o lu ç ã o
F r a n c e s a (s é c . X V I I I ) , q u e é o p e r í o d o q u e a b r a n g e o R e n a s ­
c i m e n t o C u ltu r a l e a F ilo s o f ia M o d e r n a .
4 - C O N T E M P O R Â N E O - d e s d e a R e v o l u ç ã o F r a n c e s a a té o C o n ­
c ílio V a tic a n o II ( 1 9 6 2 - 1 9 6 5 ) , c o m a lg u m a s s u b d iv is õ e s c o m o
o I lu m in i s m o , a R e s ta u r a ç ã o , o M o d e r n i s m o e o M o v i m e n to
L itú r g ic o .

5 - P Ó S -C O N T E M P O R Â N E O - c o n s i d e r a n d o a s ú lti m a s d é c a ­
d a s d a v id a e c le s ia l, s o b r e t u d o a s C o n f e r ê n c ia s E p is c o p a is , o
E c u m e n i s m o e o D iá lo g o R e lig io s o e a n o v a I n c u l t u r a ç ã o d o
C r i s t ia n is m o .

3 - C o n c e it o s f u n d a m e n t a is

P atrística é o co n ju n to de escritos prim itivos da era cristã, regis­


tran d o suas experiências, seus en sin am en to s, seus rituais e a vida
eclesial. Esta d en om in ação é cu nh ad a p o r Jo ão G erh ard , teólogo
lu terano, em 1653. Esta d en om in ação quer distin guir os escritos
do períod o da A ntigu idade cristã . Seus escritores são in titu lad os
Padres da Ig reja.
A ssim , tem os a P atrística para distin guir ou tros m od elo s de
teolo gia co m o : b íb lica, can ô n ica, m oral ou pastoral, em b o ra a
teolo gia p atrística in co rra em todas estas áreas dos estudos ecle­
siásticos.
“Patrolo gia” designa o estudo deste p eríod o, sua evolução
h istó rica, seus pro tagon istas e, sobretudo, seu co n teú d o litú rg i­
co, m ístico e teo ló gico vivenciad os na sequ ência dos textos da
Sagrad a E scritu ra.

4 - Id e n t id a d e d o s Pa d r e s d a Ig r e j a

O s Padres da Ig reja são teólo gos e m ístico s da Ig reja nos seus


prim eiros séculos. M uitos eram ep íscopos, presbítero s, diácon os,
ou tros eram leigos. E n tre eles tem os m uitos m on ges e m ártires.
São consid erad os cristãos de grande santidade.
O s Padres sen tiram necessidade de aprofundar, refletir, re­
gistrar e in terco m u n ica r os en sin am en to s e os rituais das co m u ­
nidades cristãs. O u tra fu n ção im p o rtan te era o testem u n h o cris­
tão diante de autoridades e m esm o o co n fro n to e o co m b ate dos
h erético s e dos ad versários das com un id ad es cristãs.
C on sid eram os São Jerô n im o co m o au tor do p rim eiro estu ­
do h istó rico deste grupo de teólogos, em b o ra a d istin ção en tre
h erético s e o rtod oxos seja p o sterio r a ele, u m a vez que esta dis­
tin ção é atrib u íd a ao au to r dos escritos, após a con sagração ou
con d en ação de suas afirm ações.
A variedade e a criatividade eram louváveis na co m p o sição
dos textos, o raçõ es e fórm ulas ritu ais, m as era inaceitável a c o n ­
trad ição en tre elas, devido ao esp írito lógico do p en sam en to gre­
go qu e perm eava o espírito dos Padres da Igreja.

5 - C a r a c t e r iz a ç ã o d o s Pa d r e s

O s Padres da Igreja se in teg ram em qu atro co n d içõ es fu n d a­


m entais:

1 - D O U T R IN A O R T O D O X A
O s texto s devem ser con sid erad os verdadeira d o u trin a, isen ­
tos de heresia e de desvios da d o u trin a cristã. A ceitam -se in ex a ti­
dões na d o u trin a, u m a vez qu e ainda n ão tin h a m sido definidos
seus term os e seu co n teú d o definitivos.

2 - SA N T ID A D E D E V ID A
O s Padres da Igreja são exem plos de vida, seja m leigos p ro ­
fissionais, p resbítero s o u pastores, m on ges ou m o n ja s, co n te m ­
plativos ou ativos. N ã o e s tã o isentos de p ecad o, m as devem ser
con sid erad os verdad eiros santo s de con d u ta exem plar, seja na
virtud e, na p en itên cia e n a o b ed iên cia à Ig reja.

3 - A N T IG U ID A D E NA H IS T Ó R IA DA IG R E JA
A Ig reja tem teólo gos, m ísticos e escritores de textos d o u ­
trin ais e litúrgicos ao lon go dos séculos, m as os Padres da Igreja
estão inseridos n o p eríod o da Patrística. Padres e M ães da Igreja
são os escritores da d o u trin a, de o raçõ es, de h in o s e de en sin a ­
m en to s cristãos que se in screvem neste p eríod o h istó rico do cris­
tian ism o.

4 - A PRO VA ÇÃ O DA IG R E JA
O títu lo é ap licado aos escritores co m o se fosse u m títu lo
h o n o rífico da Igreja. C o m o os títulos de “ca n onização ” n os p ri-
m eiros sécu los, a Ig reja elabora, p o r assim dizer, o “cân o n ” dos
Padres e M ães da Igreja. C on sid eran d o sua santidade, sua o r­
to d oxia e seu períod o h istó rico , seus n om es são in scrito s co m o
“Padres da Ig reja” p rim itiva.

5 - C O L E G IA L ID A D E E D IÁ L O G O
O s Padres estão em co m u n h ão e a serviço das com un id ad es
e dos fiéis. A lguns têm abran gên cia lim itad a à sua cid ad e, seu
m osteiro ou d iocese, m as alguns atravessam fron teiras, co m in ­
fluência, diríam os, universais n o seu tem po. H á en tre eles co m u ­
nhão, in teg ração e co m p lem en tarid ad e do p a trim ô n io d o u trin al
da Igreja.

6 - D iv is ã o d o p e r ío d o p a t r ís t i c o

Para a divisão do p eríod o patrístico, d evem -se co n sid erar alguns


elem en tos h istó ricos e os p ró p rios con teúd os. São divisões did á­
ticas, elaboradas p o sterio rm en te em vista de estudos e co m p a ra­
ções. O s p eríod os são d en om in ad os épocas.

I a É p o ca: DA S O R IG E N S
C on sid eram -se os escritos qu e vão da passagem da Revelação
à Trad ição, term in an d o co m o C o n cílio de N iceia (3 2 5 ). São te x ­
tos co m grande origin alidade qu e trazem assistem aticam en te os
en sin am en to s da trad ição.

2 a É p o ca: D E O U R O
É o p eríod o m ais fecun d o e den so da trad ição patrística.
C om p reen d e o períod o desde o C o n cílio de N iceia até o C o n cílio
de C alced ôn ia (4 5 1 ). N este p eríod o, as discussões to ca m os tra ta ­
dos e tem as nucleares da trad ição. Seu con teú d o, co m o o sím b o ­
lo apostólico, organização eclesiástica, rituais e dogm as ca n ô n i­
cos são elaborad os e aprovados pelos pastores da Ig reja, e, m uito
especialm en te, pelos C o n cílio s E cu m ên ico s.

3a É p o ca - D O D E C L ÍN IO
E n globa o períod o en tre o C o n cílio de C alced ôn ia e o final
da P atrística, co m Isid oro de Sevilha (6 3 6 ) ou G reg ório M agn o
(6 0 4 ), n o O cid en te, e Jo ão D am ascen o (7 3 0 ), n o O rien te. Este
p erío d o trata de questões secu ndárias da trad ição, corno a dis­
pu ta ico n oclasta e qu estõ es políticas, en tre a socied ade civil e a
com u n id ad e eclesiástica.

A l In g u a d o s e s c r it o s

V i v e m o s n u m p e r ío d o d e g r a n d e e s f a c e la m e n to é tn ic o , o n d e o s
g r u p o s h u m a n o s s e c o m p o r t a m c o m o t r i b o s , c o m h is t ó r ia s , c o s t u ­
m e s , c u l t u r a s e l ín g u a s p r ó p r ia s . C o m a c o n v e r s ã o a o c r is tia n is m o ,
p e la p r e g a ç ã o d o s a p ó s to lo s o u m is s io n á r io s , t o r n a m - s e c r is t ã o s .
N ã o h a v e n d o im p o s iç ã o d e u m a lín g u a o u c u l t u r a , p o is o s r i to s ,
d o u t r i n a s e e n s i n a m e n to s c r is tã o s t r a n s c e n d e m to d a s a s c u lt u r a s .
S ã o e s c r i to s n a s lín g u a s a u tó c t o n e s . D e s ta c a m - s e , s o b r e tu d o , o g r e ­
g o e o l a ti m , m a s e n c o n t r a m o s o b r a s e m s ir ía c o , c o p t a e a r a m a i c o ,
a r m ê n i o e tc .

Fo n t es d o s e s c r it o s p a t r Is t i c o s

T r a t a r e m o s c o m o f o n te s d o s e s c r ito s p a tr ís tic o s a lg u m a s c o le ç õ e s
i m p o r t a n te s , o n d e e x is te u m a c o m p i la ç ã o c o n s id e r á v e l d e o b r a s
p a r a p e s q u is a .

1 - M ig n e : T r a ta -s e d e u m a c o l e ç ã o v a lio s a , q u e t r a z d o is g r a n d e s
g r u p o s : a P a tr o l o g ia L a tin a ( P L o u M L : M ig n e L a t i m ) c o m 2 1 1
v o l u m e s , e a P a tr o l o g ia G r e g a (P G o u M G : M ig n e G r e c o ) , c o m
t e x to s e m d u a s c o l u n a s . É a m a i o r e m a i s p r e c i o s a f o n te d o s
t e x to s o r ig in a is .

2 - C S E L : u m a o b r a d e c o l e tâ n e a d e e s c r i to s : C o r p u s S c r i p t o r u m
E c c l e s i a s t ic o r u m L a t in o r u m .
(
3 - S o u r c e s C h r é t ié n n e s : E s t a é u m a p r e c i o s a e d iç ã o d o s t e x to s ,
c o m t r a d u ç ã o e m f r a n c ê s . A p r e s e n ta ç õ e s d o s t e x to s e e s tu d o s
c r ít ic o s . E s ta c o l e ç ã o e s tá e m fa s e d e e l a b o r a ç ã o e a i n d a te m
m u ita s o b r a s a s e r e m p u b lic a d a s .

4 - F o n t e s d a C a te q u e s e : C o l e ç ã o d e t e x to s , p e la e d ito r a V o z e s, c o m
a l g u m a s o b r a s , a p r e s e n ta n d o s e m p r e u m a a p r e s e n ta ç ã o c r í t i ­
c a d o s t e x to s . S ã o a p e n a s o s t e x to s m a is a n tig o s e s im p le s d a
P a tr ís t ic a .

5 - P a tr ís tic a : É u m a c o l e ç ã o e m fa se d e e d iç ã o , m u i to i m p o r t a n t e
p a r a a p e s q u is a d o s t e x to s n a s u a í n te g r a p e la e d it o r a P a u lu s .
C a d a v o lu m e a p r e s e n ta b re v e s i n t r o d u ç õ e s e h is t ó r i c o d o s t e x ­
t o s e d o s s e u s a u to r e s .

7 - C a r a c t e r ís t i c a s d a p a t r ís t i c a

A fé cristã parte de u m a n arrativ a h istó rica , m as n ão se resum e


a u m fato h istó rico o u id eologia, co m o co n ju n to de ideias e de
p rop osições existenciais. E m b o ra en cerre u m a verdade esp iri­
tual, é u m d om de D eus qu e nos é entregue e espera u m a opção
pessoal. E m b o ra se expresse tam b ém p o r co n ceito s, o cristian is­
m o significa u m a aliança en tre D eu s e o ser h u m an o , m ediada
p o r Jesus C risto.
A literatu ra cristã tem valor oficial, m as n ão tem o m esm o
nível das Sagradas E scritu ras. A literatura cristã é de responsabi­
lidade eclesiástica e usa categorias da cu ltu ra g reco -ro m an a. H á a
in serção nas línguas e nas m entalidades dos povos cristianizad os.
O s escritos assim ilam as línguas e as cultu ras onde a fé se encarn a.
Eles são em in en tem en te cristãos e dão testem u nh o da conversão
dos fiéis e expõem as verdades fu nd am en tais dos en sin am entos
cristãos. A literatura pat rística é oficial p o r sua o rto d oxia e p ro xi­
m idade das fontes. Tem p o r fu nção clarificar os dogm as cristão s,
p articu larm en te relacionad os co m a Trindade e a C ristologia,
m as tam b ém co m as outras áreas da d o u trin a cristã.
O s Padres p artiram do d iscu rso g reco -ro m an o e da filosofia
social, da an trop olog ia, da linguística e das teorias hum anistas
de seu tem po. A pesar de tod a a riqueza de con teú d o, os Padres
não fizeram u m a teolo gia sistem ática n em m esm o u m a exp osi­
ção m etód ica e racion alista da d ou trina. F oram ap resen tan d o ^s
verdades da fé e os en sin am en to s da trad ição, n a m ed id a em que
urgiam explanação e d efinição diante das com unid ad es.
A base da reflexão da fé dos Padres é a palavra de Deus;
co m o ela se insere na vida e na h istória. Todos os seus esfo rços
eram dirigid os para a fo rm ação dos catecúm en os.

8 - T e o l o g ia b íb l i c a n o s Pa d r e s

O s Padres elaboram u m a teolo gia b íb lica e, p o r m eio dos exem ­


plos dos m ísticos, dos santos e dos m ártires, os Padres en tendem
a revelação b íb lica. H á u m grande esfo rço para que a teolo gia b í­
b lica seja a expressão da Revelação, e a Trad ição se to rn e a atu a­
lização e a co n cretização da m en sagem evangélica na vida das
co m u n id ad es.
U m dos tem as agradáveis aos Padres é a C riação, suas o ri­
gens e a ação do C riad o r na h istó ria da Ig reja e do m un d o. C o m
base n a filosofia grega, n o direito ro m an o e na filologia clássi­
ca, os Padres elaboram os p rincip ais tratad os qu e sustentam a
fé cristã.
O s escritores da P atrística en tend em qu e a fé é a síntese da
conversão ao D eus vivo, revelado em Jesus C risto. A fé exige c o n ­
fiança e fidelidade, m as ta m b ém caridade. A caridade é a in ter­
secção en tre fé e vida, pois se u n ificam na h istó ria pessoal dos
fiéis.

9 - So c ie d a d e n a Ig r e j a a n t ig a

A pesar de n ão terem tratad os sistem áticos de d o u trin a social e


p o lítica, os Padres têm u m discu rso social que eleva a carid ad e e
a ju stiça . A fo rça destes valores está na m isericó rd ia e na partilha.
A fé é a sustentação de tod a a vida m oral. C ritican d o d u ram en te
os poderes d om in ad ores, todas as suas ob ras realizadas são c o n ­
cretas, em favor dos irm ão s pobres e infelizes.
D os en sin am en to s d o u trin ários, em erge a m o ral cristã, que
se certifica da presença de Deus na co m u n id ad e dos fiéis e na
fo rm a de viver pro fu n d am en te a m ensagem bíb lica.
V ejam os algum as características do p eríod o p atrístico para
en qu ad rar seus en sin am entos.
1 - U m a sociedade com plexa: N a P alestina, en co n tram o s
m u itos gru pos sociais e religiosos en tre os ju d eu s. O s povos são
d om in ad os pelo Im p ério R o m an o , o nd e houve grande p ersegui­
ção aos cristãos e a ou tras confissões religiosas. M ais tarde, há a
to lerân cia e a oficialização do cristian ism o.
2 - A scensão e queda: O Im p ério R o m an o , d u rante o cristia ­
n ism o , co n h ece seu apogeu e seu d eclínio. E m m eio às estru turas
im periais, n o tem p o da cristand ad e, o cristian ism o se expande;
co m a queda do Im p ério , os povos b árb aro s se cristian izam e a
Ig reja cristã co n tin u a sua expansão.
3 - M o ral e costum es: D o p o n to de vista m oral, a sociedade
tem graves problem as, co m o o escravagism o, a lib ertin agem dos
co stu m es e u m a diversificação de classes sociais e de gru pos de
poder. H avia grande luxo en tre as castas p olíticas e d om in ad oras.
Havia necessidade de invadir novos povos, para co n qu istar es­
cravos e servos, para sustentar a riqueza e o pod er ro m an o , com
seus exércitos.
4 - Religiosidade e religiões: A religião era livre, m as havia
persegu ição às religiões in stituídas. N o ta-se grande po liteísm o e
religiões m istéricas. N a prim eira fase, os im perad ores n otaram
qu e o cristian ism o era nociv o ao seu d o m ín io e depois v iram em
suas estru tu ras m eio s de h om ogen eização do poder.
5 - U nidade e co n flito en tre O rien te e O cid en te: A pesar de
u nificad o e cen tralizad o em R o m a, cada vez m ais os Im p ério s do
O rien te e do O cid en te vão se distancian d o. Tanto é assim que,
na queda do Im p ério R o m an o do O cid en te, a sede o rien tal, em
C on stan tin o p la, segue p o r m ais quase m il anos.
6 - C iên cias e p en sam en to na Igreja A ntiga: D a in flu ên cia
grega, co n h ecem o s a fo rm u lação do pen sam en to ocid en tal. Da
in flu ên cia rom an a, co lh em os a fo rm u lação do direito e da orga­
n ização dos Estados m od ern o s. Sem dúvida a organização ecle­
siástica advém destas estru tu ras tem porais.

1 0 - Im p o r t â n c ia d a Pa t r ís t i c a

D estacam os alguns pon to s sobre as razões da Patrística:


1 - C o m p o n d o u m a parte da H istó ria da Ig reja, a prim eira
fase n os insere n o p en sam en to cristão, co m o se partilh ássem os a
experiência dos p rim eiros seguidores do N azareno.
2 - O s escrito s patrísticos são im p o rtan tes na literatu ra gre-
co -ro m a n a e o cu p am espaço privilegiad o na literatu ra cristã e
universal.
3 - O s Padres da Ig reja resp ond em às qu estões referen tes à fé
cristã, m as to cam e respond em a questões referen tes à con d ição
h u m an a, ta n to tem p oral q u an to tran scen d en tal.
4 - Eleva-se a capacidade e a liberd ade dos Padres da Igreja
de atualizar, en carn ar e in cu ltu rar a fé cristã.
5 - A pro xim id ad e das fontes e a liberd ad e nas discussões
p erm item o ap ro fu n d am en to dos tem as doutrinais.
6 - C om o todos os Padres e as escolas teológicas têm liberdade
de reflexão, os tem as atingem grande profundidade nas discussões.
7 - Nos tem pos do m artírio, os testem unhos são fundam entais
para definir a santidade cristã. É u m tem po k a i r o l ó g i co m uito forte.
8 - A pesar das discussões filológicas e filosóficas, os Padres
têm grande sentid o p rag m ático e p ro cu ram definir n o rm as m o ­
rais, rito s litúrgicos e sacram entais.
9 - O s escritos p atrísticos têm valor existencial, p erm itin d o
ap rofu n d am en to do evento salvífico n aquele tem p o e em nossos
dias.
10 - A teolo gia b íb lica e a sistem ática se ap roxim am da vida,
ao m esm o tem p o qu e garan tem a u nan im id ad e da fé, sem des-
t
respeitar a plu ralidade cu ltu ral dos povos. A o rtod oxia se realiza
co m o ortop ráxis.
A teolo gia p atrística é u m m od elo para a m etod olog ia te o ló ­
gica e b íb lica de todos os séculos.

11 - Po s s ib il id a d e s e l im it e s d a Pa t r ís t i c a

O p eríod o patrístico tem grande densidade teoló gica e eclesial.


Este lon go pro cesso é perpassado p o r algum as lim itações.
D estacam os:
1 - O s Padres são in serid os n u m a ép oca específica, co m cu l­
tu ras e m eio s lim itad os. E m b o ra a cu ltu ra g reco -ro m an a ten ha
perpassado a h istó ria, seus m étod os n ão são im perecíveis, ex i­
gindo refo rm u laçõ es nos co n ceito s e nas m etod ologias.
2 - A lg un s tem as são m u ito b e m a p ro fu n d a d o s, o u tro s
fo ra m e n ce rra d o s sem m a io res in cu rsõ e s filo só fic a s e te o ló ­
gicas.
3 - C o m o os co n ceito s básicos da fé estão em fase de d efin i­
ção ou são trazid os da trad ição filosófica grega, há im p recisão na
linguagem e in d efinição de alguns term os.
4 - O s Padres vivem lim itad os p o r seus con textos, p ro d u zin ­
do u m a teolo gia co n d icion ad a a estas realidades o nd e vivem e
atu am p astoralm ente.
5 - A filosofia dos Padres é eclética, to can d o m uitas v erten ­
tes das cu ltu ras do O rien te M éd io. N o en tan to , p o r in flu ên cia
acad êm ica, valorizam o plato n ism o e o n eop lato n ism o. P or esta
in cu rsão filosófica, favorecem o m an iqu eísm o e o dualism o.
6 - Pela in flu ên cia do pen sam en to grego, a cosm ovisão dos
Padres é p rim o rd ialm en te an trop ológ ica. Esta visão “in sere” a
vida cristã - conversão e vivên cia - na pessoa, seus sen tim en tos,
seu espírito e sua vida pessoal.
7 - As verdades da fé to ca m o espírito h u m an o , cen tralizan ­
do sua extensão à pessoa, o qu e lim ito u a percepção das im p lica­
ções sociais, co sm oló gicas e id eo lógicas da revelação.
8 - A epistem ologia teo ló gica é indefinid a. O s Padres não
elab o ram tratad os, apenas desenvolvem tem as co n fo rm e as cir­
cu n stân cias e exigências das com un id ad es e das pró prias escolas
teo lógicas.

12 - C o n h e c e r o u n iv e r s o d a Pa t r ís t i c a

Para fazer u m estudo valioso da P atro lo gia, é preciso apro fu ndar


a cu ltu ra b íb lica e os co n ceito s filosóficos, b em co m o co n h ecer
a evolução h istó rica do cristian ism o. P ercebem os a passagem ,
co m van tagens e desvantagens de um a Ig reja ca rism ática a um a
Igreja in stitu cio n al, b em co m o a passagem dos tem pos de m a rtí­
rio para a cristandade. A Ig reja vai evoluindo da m inisterialidade
laical para a h ierarqu ização dos m in istérios.
C o m a P atro logia, d en otam o s o significado dos m istérios
cristãos, relacio nad os co m a vida, n o m od elo m ais genu ín o de
ser cristão. A teolo gia é in stru m en to de com p reen são e an ú n cio
da m ensagem de Jesus C risto, sendo expressão teó rica da revela­
ção co m o au to co m u n icação do am o r divino em Jesus C risto.
A grande m issão da Patrística é a elab o ração do p a trim ô n io
cristão, a p artir das fo n tes b íb licas. Para co n stitu ir u m a co m u ­
nidad e eclesial de fé, devem ed ificar a d o u trin a, a eclesiologia, a
ética e a vida litú rgica dos seguidores de Jesus de Nazaré.
R epresentam u m tem p o forte da fé cristã, co m en sin am en ­
tos práticos para viver e celeb rar a fé, aproxim an d o os dogm as da
práxis cristã, sendo u m m od elo para com un id ad es atuais.
II - P a ssa g em d o u n iv e r s o b íb l ic o

À TRADIÇÃO CRISTÃ

O s p rim eiros seguidores do N azareno an u n ciaram o querig-


m a e in icia ram novas co m un id ad es, para viver o p ro jeto de seu
Senhor.
Jesus deixou um a com u n id ad e de eleitos para perp etuar
suas palavras e seus exem plos.
Seus escritores, co m o jo rn alistas, assu m iram a m issão de re­
gistrar os fatos e propag ar os a co n tecim en tos. T in h a m ainda o
o bjetivo de proteger os aco n tecim en to s e seus en sin am entos.
Pedro, en tre os apósto lo s, escolhid o para a prim azia, tem
u m a visão m ais “ad in tra” . E sfo rça-se m u ito para qu e a co m u n i­
dade ju d a ica assum a o novo M essias e renove a vida. Paulo, por
sua vez, lan ça suas redes en tre os gen tios e os pagãos. É co n sid e­
rado o pai da Patrística.

1 - f W j l o , in s p ir a d o r d o s s a n t o s Pa d r e s

Para e n te n d e r ^ò r ig e n s das Ig rejas dos gen tios, é im p rescin d í­


vel co n h ecer a figura e o itin erário de Paulo, qu e tran spassou as
fron teiras do ju d aísm o.
C o m a m esm a personalidade e voracidad e co m que perse­
guia os cristã os, to rn a r-se-á preg ador e b atalh ad o r dos cristãos.
(
N ão teve m ed o de assu m ir o C risto co m o M essias e a u to r da
salvação. E esta p roposta se dirige a tod os os povos (A t 9 ,1 -3 0 ).
Por esta razão prega até os co n fin s da terra, registrand o várias
viagens e tan tas com unid ades.
Paulo sente-se ch am ad o p o r Jesus C risto, pessoalm ente.
Tanto é co n victo desta p ostu ra que se a u to -in titu la “ap óstolo ”,
co m o os 12 ap óstolo s ch am ad os d iretam en te p o r C risto (IC o r
1,1 ). C on sid era-se u m “o b reiro do Evangelho” e p o r sua c o n ­
vicção de pregador se con sid era “ap óstolo de todas as gentes”.
Fortalecen d o-se na adesão ao querig m a, faz das verdades sobre
C risto o alicerce de suas pregações (A t 2 ,2 2 ).
Paulo é u m aprendiz dos ap óstolos, dos quais recebeu a h e­
ran ça da m ensagem dos Evangelhos. N o en tanto, p artin d o dos
even tos da vida de C risto, in terp reta sua m ensagem para os n o ­
vos convertid os.
D epois de p artir das com un id ad es qu e fu ndara, escreve-lhes
epístolas, qu e se to rn a ram o p a trim ô n io m ais precio so da te o ­
logia cristã. Suas pregações e seus escritos nos fazem perceber
que Paulo arg u m en ta c o m a lógica dos m estres de Israel e, co m o
exegeta, ultrapassa a h eran ça trad icio n al ju d aica e se insere no
universo religioso dos pagãos. M esm o send o u m pregador com
grande especu lação filo sófica e teoló gica, d em o n stra a verdadei­
ra m ística dos cristãos: viver o ideal de Jesus C risto.
Seus escritos são circu n stan ciais, co n fo rm e as necessidades
das com un id ad es e as situações con cretas. N ota-se, p o r suas p ro ­
posições e co n ceito s, qu e seus escritos têm fo rm ação na filosofia
grega e nas religiões dos m istério s, que são dois elem en tos c o ­
m un s na cu ltu ra de seu tem po.
As exp lanações de sua m ensagem tran scen d em os eventos
co n h ecid o s através dos apóstolos. E le p ro cu ra en co n trar e de­
fin ir o significado destes fatos, apresentand o sua com preen são
da pessoa de Jesus C risto, b em co m o de todos os seus gestos,
palavras e atitudes. Paulo tran sp õe, geográfica, cu ltu ral e religio ­
sam ente, as fron teiras do ju d aísm o.
A som a destas duas habilidades de Pau lo: a in terpretação
teoló gica do evento Jesus C risto e a extrap olação das fronteiras
da trad ição h eb raica m erecem -lh e o títu lo de “pai da P atrística”.

2 - A m b ie n t e c u l t u r a l e r e l ig io s o

O cristian ism o in icia sua epopeia circu n scrito ao Im p ério


R o m an o , às bord as do m ar M ed iterrân eo. A fo rça im p erial é tão
p repoten te qu e se im p õ e co m o religião de Estado. M esm o assim ,
os povos co n qu istad os na p o lítica de expansão do p o d er in tro ­
duzem os m ais diversificados cu ltos e divindades, desde a Á frica
até os países n órd ico s, atravessando os povos europ eus.
Por o u tro lado, o cristian ism o se insere na cu ltu ra grega,
exercen do grande in flu ên cia n o pen sam en to dos cristãos.
As com un id ad es eram dirigidas pelos presbítero s ou co n se­
lh o de an ciãos, sem elhantes à trad ição ju d aica; co m o passar dos
tem p o s, elas organizam seus m in istérios.
C on sid eram os, nesta perspectiva, qu e o cristian ism o é um a
revelação divina, qu e se insere n o co n texto religioso e social do
ju d aísm o, in tegran d o o p en sam en to filo sófico grego e q u e im a is
tard iam en te, assu m e as estru tu ras ju ríd ica s do governo im p e­
rial, assu m ind o seus títu lo s, seus rito s e sua organ ização in stitu ­
cional.

O Im p é r io Ro m a n o n o c r is t ia n is m o

C a r a c t e r i z a m o s c o m o I m p é r i o R o m a n o o E s t a d o c o n s t i tu í d o n o s
s é c u lo s p o s te r io r e s a o p r i m e ir o i m p e r a d o r C é s a r A u g u s to . A n te s
d e ss e p e r í o d o , as c o lô n ia s e p r o v ín c i a s c o n s t i tu í a m a R e p ú b lic a
R o m a n a . Q u a n d o e r a u m E s t a d o r e p u b lic a n o , h a v ia m a i o r p a r t i c i ­
p a ç ã o d o s c id a d ã o s . C o m a f o r m a ç ã o im p e r i a l , o g o v e r n o in s p ir a -
se n u m a “d e s c e n d ê n c ia d iv in a ” e n o r m a lm e n t e g o v e r n a e m c a r á t e r
v ita líc io o u p e r d e o p o d e r e m g o lp e s m i lita r e s o u a s s a s s in a to . É
c o n s i d e r a d o u m d o s im p é r io s m a is lo n g o s e p o d e r o s o s d e t o d a a
h is t ó r i a d a h u m a n id a d e e q u e d e ix o u i m p o r t a n te s le g a d o s a r q u i-
l
te tô n ic o s . A lín g u a o f ic ia l é o la tim e R o m a é c a p ita l p e r m a n e n te .
S u a p o p u l a ç ã o c h e g o u a 1 .2 0 0 .0 0 0 h a b ita n te s , n o s é c u lo I I. T e n d o
se in ic ia d o c o m o m o n a r q u i a , m a i s t a r d e se t o r n a r e p ú b li c a e f in a l­
m e n te a s s u m e a s c a r a c t e r í s t ic a s g o v e r n a m e n t a i s d e i m p é r io . S eu
c h e f e d e E s t a d o é u m I m p e r a d o r , c o m p le n o s p o d e r e s ; u m c ô n s u l é
c h e f e d e g o v e r n o e te m u m c o r p o le g is la tiv o , q u e é o s e n a d o r o m a ­
n o . S u a á r e a a tin g iu 5 . 9 0 0 . 0 0 0 k m 2 e s u a p o p u l a ç ã o v a r io u e n tr e 5 5
e 1 2 0 m ilh õ e s d e h a b ita n te s .

3 - G ên es e d a s p o l ê m ic a s d o u t r in a is

Q u an d o atravessam os o p eríod o patrístico, deparam os co m vá­


rios gru pos religiosos ou adeptos de algum as d outrinas, as quais
fo ram caracterizadas co m o heresias, ap ós longas discussões e
co n cílio s.

N o sécu lo I, grandes tensões levaram à fo rm ação de núcleos


de cristã os, adeptos de “seitas”. D esde os tem pos dos A póstolos e
da fo rm ação das com un id ad es prim itivas, esses gru pos d esp on ­
tam e se propagam . A o escrever aos cristãos da G alácia, Paulo
acu sa certos pregadores que an u n ciam u m falso evangelho (G1
1,6). Ele se refere a pregadores que se desviam das pregações h er­
dadas e propagadas pelos apóstolo s e de seus p rim eiros sucesso­
res. Paulo n ão os classifica co m o “hereges”, m as pede que os fiéis
se afastem deles (2 C o r 1 1 ,1 -4 ).
Paulo elogia as co m un id ad es, m as alerta os fiéis co n tra os
falsos m estres. N a Igreja de Éfeso (Ap 2 ,2 .6 ) d esp ontam os “n i-
colaítas”, qu e são lib ertin o s e perm issivos. N a Igreja de P érgam o
(Ap 2 ,1 5 ) alguns segu em a d o u trin a dos “n ico laítas” e o u tro s se­
guem a “d o u trin a de B alaão ”. N o ta-se qu e os dois gru pos têm
grande afinidade, se en tregam a práticas pagãs e p articip am de
cu ltos sacrificais pagãos. N a Igreja de T iatira, p o r sua vez, n o ta-se
a in flu ên cia de um a falsa d o u trin a, liderad a p o r Jezabel, a “m e n ­
sageira de D eu s”. A credita-se qu e estas d o u trin as fo rm a ra m a
base filo sófica e teólo gica do gnosticism o.
4 - Fa l s a s e x p e r iê n c ia s g n ó s t ic a s

N o testem u n h o de ou tros livros das cartas pau linas e apostólicas,


en co n tra m o s estas falsas d outrinas qu e d esem b o cam no g n osti-
cism o. N o tam -se estas ten d ências nas cartas apostólicas.
Nas cartas de Jo ão , seu au tor m ostra qu e Jesus é o único
Filh o de D eus e, co m o seus herd eiros, co n qu istam o s a vida eter­
n a ( l j o 5 ,1 3 ).
João, nas suas cartas, acusa aqueles qu e se acreditavam no
gozo pleno da luz, co m o se fossem diferentes dos cristãos das c o ­
m unid ades apostólicas ( l j o 1 ,5 -1 0 ). Ig ualm ente, P aulo den uncia
estes fiéis qu e se ju lg avam superiores, pois afirm avam fazer expe­
riências m ísticas, co m o se fossem ressu scitad o^ (1 C o r4 ^7-8 J?)

5 - G ên es e d o d o c e t is m o e o u t r a s d o u t r in a s

A h um anid ad e de Jesus C risto é u m m istério da fé cristã, co m o


a sua divindade. Nas cartas de Jo ão ( l j o 2 ,2 2 -2 3 ; 4 ,1 -3 ), e n co n ­
tram os traço s do d ocetism o, qu e se im p o rá co m o u m a heresia
nos séculos posteriores. O s “falsos p rofetas” n egam a m essia-
nidade de Jesus, b em co m o sua filiação divina. Eles professam
que Jesus n ão é verdad eiro ser h u m an o. Esta teo ria possibilitava
aos fiéis viver experiências m ísticas m ais excitantes. O s docetis-
tas afirm am qu e Jesus tem ap arên cia de M essias ou de Filh o de
Deus. O grande d efensor desta d o u trin a é C erin to, qu e afirm a
que “a d ivina essência”, o u seja o “C risto ”, to m o u posse do corpo
h u m an o de Jesus. Esta possessão se concreitizou no b atism o de
Jesus e n o m o m en to da cru cifixão o “ser d iv in o” o aban d on a. O s
estu diosos acred itam qu e a P rim eira Ep ístola de Jo ão seja um a
resposta a C erin to. Judas n ão fala d iretam en te de g n ósticos, m as
“de fiéis p síq u icos”, que são d om in ad os p o r seus d esejos natu rais
(Jd 19).
As cartas ap ostólicas são respostas veladas às d outrinas des­
tes falsos profetas. A o m esm o tem p o que d en un cia suas crenças,
(
apresentam u m a m ensagem para os fiéis, para qu e se p ro teja m
co n tra estes pregadores. O s cristãos devem estar unid os às c o m u ­
nidades dos A póstolos e seus sucessores. O s cristãos devem viver
co m o Jesus, o que se m an ifesta n o am o r ao p ró xim o . Sem aceitar
a pró p ria co n d ição h u m an a de pecadores, n in g u ém é d iscípulo
de Jesus.

6 - R o s t o d o s s e g u id o r e s d o N a z a r e n o

O século I, sobretu d o a segu nda m etade, m erece p articu lar a ten ­


ção. As com un id ad es estão se fo rm an d o , d efinind o suas ca racte­
rísticas, e os m in istérios são exercid os de fo rm a espontânea.
A região qu e circu n d a o m ar M ed iterrân eo é o p rim eiro
cam p o vital do cristian ism o. N este am b ien te, pu lu lam in úm eras
com un id ad es raciais e étn icas, unificadas pelo p od er im perial
rom an o. Todas estas com un id ad es têm suas próprias práticas re­
ligiosas, h ábitos m orais e organização eclesiástica.
O p rim eiro grupo é de o rig em ju d a ico -cristã . Esta p ro x im i­
dade os aproxim a de sua literatu ra, de seus costum es e de suas
práticas cultuais. Estes elem en tos herdad os do ju d aísm o in flu en ­
ciam a id en tid ade do cristian ism o prim itivo.
O segundo gru po é o riu n d o do co n tex to p agão-cristão.
Estes cristãos têm ou tras co m p o siçõ es religiosas, sobretu d o na
linguagem e na m entalid ade. D estaca-se sobretu d o a in flu ên cia
da filosofia grega.
N a o rig em , a figura dos an ciãos e presbítero s é m ais evidente.
C o m a ap roxim ação das com un id ad es paulin as, evid en ciam -se as
figuras do bisp o e dos d iácon o s para o governo e para a expan são
da Igreja. A expansão do cristian ism o se deve aos p ró p rios fiéis
con vertid os, que, n o seu cotid ian o, p rom ov em o co n h ecim en to
da pró p ria fé, p o r testem u n h o s e exem plos, in co rp o ran d o sem ­
pre m ais fiéis, vindos de todas as raças e povos.
III - V id a e c l e s ia l n a Pa t r í s t ic a

Col abor ação: Prof. Ivan ir Sign ori n i

T ratarem os sin teticam en te de alguns dos p rincip ais a co n teci­


m en to s da h istó ria da Igreja em seus p rim ó rd io s. O o bjetivo
deste cap ítulo é situar a Patrística, seus teólogos, o bras, con cílio s
e definições d o u trin árias a serem desenvolvidas nos p ró xim o s
cap ítu los.
O cristianism o surge no e do interior do Judaísmo. Nas origens
é com preendido com o u m m ovim ento de renovação do Judaísmo.
Assim, os cristãos frequentavam as sinagogas quando houve a des­
truição do t em p l o j u d a i c o algumas décadas mais tarde.

O T E M P L O J U D A IC O

O T e m p lo f o i c o n s t r u í d o p e lo re i S a lo m ã o e n tr e 9 6 5 e 9 2 2 a .C .
e d e s tr u íd o n o a n o d e 5 8 7 a .C . q u a n d o N a b u c o d o n o s o r , re i d a
B a b ilô n ia , in v a d e J e r u s a lé m e x i la n d o o s líd e r e s p o l íti c o s e r e l ig io ­
s o s d o j u d a í s m o . C o m o f im d o E x í lio n a B a b ilô n ia p r o m o v id o
p o r C ir o , r e i p e r s a , e m 5 3 9 a .C ., t e m in íc io s u a r e c o n s t r u ç ã o . E m
7 0 d .C ., o i m p e r a d o r r o m a n o T i t o in v a d e J e r u s a lé m , r e p r i m e u m a
r e v o lt a j u d a i c a e o d e s t r ó i n o v a m e n te , o q u a l n ã o s e r á m a is r e ­
c o n s t r u í d o . A p a r t i r d e s te a c o n t e c i m e n t o , o s ju d e u s se r e ú n e m n a s
m u r a l h a s d o T e m p lo ( m u r o d a s la m e n ta ç õ e s ) p a r a r e z a r.
1 - O Im p é r io Ro m a n o

Jesus era ju d eu , e o ju d a ísm o situ ava-se em terras dom in ad as


pelo Im p ério R om an o.
O Im p ério de R o m a d om inava grande parte da atu al Europa,
todos os povos do M ed iterrân eo, to d o o n o rte da atual Á frica e
p arte da Á sia atual. C aracterizava-se p o r u m a unidade p olítica,
ju ríd ica , eco n ô m ica e cu ltu ral. Esta unidade su bdivid ia-se em
cidades, pro víncias e d ioceses; cada qual governada p o r a d m i­
nistrad ores e ju rista s subm etid os a R om a. O D ireito R o m a n o era
o grande responsável pela solid ificação deste im p ério. Todos os
povos subm etid os a R o m a segu iam a lei ro m an a, m as tin h a lib er­
dade de m a n ter sua pró p ria cu ltu ra, co stu m es, festas e a própria
religião.
O im p erad o r A ugusto (2 7 a .C .-1 4 d .C .), n o tem p o de Jesus,
levou a p a x r o m a n a (paz do d ireito) a tod os os recan tos do im ­
pério, co n stru iu estradas para facilitar o d eslo cam en to dos exér­
citos, a m ov im en tação co m ercial e a circu lação de pessoas. A
facilid ade de lo co m o çã o é p ropícia para o cristian ism o se exp an ­
d ir para além do ju d aísm o e, m ais tarde, atin gir tod o o Im p ério
R om an o.
Jesus prega para os ju d eu s, ch am a ap ósto los para co n tin u a r
a pregação do R ein o; nasce no governo do im p erad o r A ugusto e
m o rre sob o governo do im p erad o r T ib ério (1 4 -3 7 d .C .).

2 - P r im e ir a s c o m u n id a d e s

Lucas, n os A tos dos A póstolos, n arra os p rim eiros m o m en to s da


vida dos seguidores de Jesus após sua m o rte e ressu rreição. O s
A póstolos co n tin u a ra m an u n cian d o que Jesus era o M essias e n ­
viado p o r D eus, a ressu rreição dos m o rto s e o R ein o de Deus.
Este a n ú n cio co m eça co m o aco n tecim en to de Pen t ec o st es (At
2 ,1 1 -1 3 ), a p artir do qual passaram a fo rm a r com un id ad es de
seguidores de Jesus.
As p rim eiras com un id ad es ficaram restritas a Jerusalém .
D epois co m eça ra m a se espalhar para ou tras regiões do Im p ério
R o m an o . Significa que com eçava a haver u m grande n ú m ero de
n ovos seguidores desta religião. E n tre o n ú m ero dos seguidores
contava-se: a) os ju d eu s-cristão s (ju deus provenientes das co m u ­
nidades ju d aicas em to rn o de Jeru salém ); b ) cristãos-h elen istas,
ta m b ém ju d eu s, m as perten cen tes à diáspora, para os n ã o -ju -
deus, ou seja, cristãos provenientes do paganism o.

D iá s p o r a

C o n s id e r a d a a d is p e r s ã o e a f o r m a ç ã o d e c o m u n id a d e s j u d a i ­
c a s f o r a d a P a le s tin a . E s t a d is p e r s ã o fo i f o r ç a d a e te v e in íc io c o m
N abu cod on osor q u an d o in v a d e J e r u s a lé m , d e p o r t a n d o os ju ­
d e u s . A s e g u n d a d iá s p o r a o c o r r e e m 7 0 d .C . c o m a d e s t r u i ç ã o d e
J e r u s a lé m e d o T e m p lo p e lo s r o m a n o s , o b r ig a n d o m u i to s ju d e u s a
f u g ir e m p a r a r e g iõ e s lo n g ín q u a s d o I m p é r i o R o m a n o .

Este afluxo de novos seguidores ao cristian ism o gerou te n ­


sões n a ig reja prim itiva. E n tre elas po d em os citar:
a) A qu eixa dos helenistas de qu e suas viúvas n ão eram sufi­
cien tem en te atendidas pelos A póstolos (A t 6 ,1 -7 ,6 0 ).
b ) O s cristã os ju d eu s exigiam qu e os cristãos provenientes
do paganism o fossem circu ncid ad os, su b m eten d o-se, assim , às
d outrinas m osaicas.
Estas tensões levaram o cristian ism o a repen sar-se co m o
Igreja.
A pós o C o n cílio de Jeru salém (A t 1 5 ,1 -3 3 ; G 12 ,1 -1 0 ), Paulo
prega o cristian ism o a tod os os povos, fu nd an d o com un id ad es
em várias regiões do Im p ério R o m an o . E n tre perseguições e v ia­
gens, Paulo é m artirizad o (6 4 d .C .), d u rante as perseguições aos
cristãos pro m ovid as pelo im p erad or N ero.
N o in ício , Pedro resistiu à universalização do cristian ism o,
co lo ca n d o -se em ch o q u e co m Paulo (G1 2 ,1 -1 1 ). P orém , m ais
tarde, ad eriu à universalização.
t
A pós as tensões in iciais in tern as, a Ig reja define-se co m o
p o rtad o ra universal da m ensagem evangélica e professa que
Jesus C risto é o ú n ico D eu s-Sen h o r. A d efinição de id entid ad e
do cristian ism o vai gerar co n stan tes a trito s co m vários im p era­
dores ro m an o s, d esen cad eando u m a série de perseguições aos
cristão s.

3 - T e m p o d o s m á r t ir e s

O cu lto a Jesus C risto d esen cadeou perseguições aos cristão s, as


quais provêm tan to de im perad ores ro m an o s qu an to de a u to ri­
dades ju d aicas.

T empl o e S in a g o g a

C o m o e x ílio n a B a b ilô n ia , o s ju d e u s e s ta v a m lo n g e d o T e m p lo
p a r a f a z e r s u a s o r a ç õ e s e e s tu d a r a T o r á . A s s im , e d if ic a m c o n s t r u ­
ç õ e s c o m a fin a lid a d e d e r e u n ir ju d e u s p a r a o e n s i n o d a T o rá , d a
d o u t r i n a ju d a i c a e p a r a f a z e r s u a s o r a ç õ e s . A s s in a g o g a s s e r ã o f u n ­
d a m e n ta is p a r a o s ju d e u s d is ta n te s d e I s ra e l e d o T e m p lo , p e r m i ­
ti n d o a d if u s ã o d o J u d a ís m o p o r t o d o o m u n d o . C o m a d e s t r u i ç ã o
d o s e g u n d o T e m p lo e m 7 0 d .C . a té o s d ia s d e h o je o ju d a í s m o m a n ­
té m s u a id e n tid a d e e m t o r n o d a s s in a g o g a s .

O co n flito m a io r co m os ju d eu s o co rre em to rn o do M essias.


Jesus, para os cristãos, é o M essias esperado pela B íb lia H ebraica
(A ntigo T estam en to ), m as n ão é reco n h ecid o en tre os ju deu s.
A ssim , co m eça um d istan ciam en to dos cristãos em relação ao
ju d aísm o, d istan ciam en to de suas n orm as, práticas, fé e cren ça
m essiânica.
N esta perspectiva, os ju d eu s “...in clu íram os cristãos co m o
m i n i m (hereges) no Sh em o n e E sr e , sua o ração cotid ian a, e in sti­
garam co n tra eles a o p in ião p ú blica”.
Estas acusações geram perseguições m útuas. O s cristãos
desenvolveram u m a p o lêm ica an tiju d aica “co m o se pode ver na
‘C arta de B arn ab é’ ou n o ‘D iálogo co m Trifão’, de Ju stino. In ácio
de A n tioq u ia ain da o p õ e o cristian ism o ao ju d a ísm o co m o um a
nova fo rm a de vida (M agn. 10,13; R m 3 ,3 ); em M ilitão de Sarde
(m o rre antes de 190 d .C .) já aparece a palavra m aligna ‘assassínio
de D eus’ (H o m ilia sobre a Páscoa 9 4 -9 7 )...” Esta p o lêm ica an ti-
ju d a ica gerou em bates e foi retom ad a ao lon go da h istó ria co m o
um dos m otivos para perseguir os ju deus.
Por o u tro lado, os ju d eu s perseguem os hereges cristãos.
Estêvão será lapid ado pelos ju d eu s e após a lapidação desenca-
d eia-se u m a p erseguição ju d aica a u m grupo de cristãos qu e se­
rão obrigad os a d eixar Jeru salém em direção às regiões da Judeia
e da Sam aria (At 6 ,1 -8 ,4 ). O correu a revolta ju d aica co n tra R om a
liderad a p o r B ar-K o k h b a (1 3 2 a 1 3 5); este, após a lu ta co n tra os
rom anos, passa a persegu ir e a castigar os seguidores de Jesus em
Jeru salém p o r terem se afastado da trad ição m osaica.
Q u an d o os cristãos já co n stitu íram u m grupo n um ero so,
suas p ráticas passaram a apresentar perigos para os rom anos,
gerando perseguições. N um p rim eiro m o m en to , caracteriza-se
p or persegu ições localizadas. N um segundo m o m en to , o co rre a
perseguição universal em todas as regiões do Im p ério R om an o.

3.1 - M á r t i r e s P io n e ir o s

As prim eiras perseguições fo ram protagonizad as pela es­


pon tan eid ad e de popu lações ou p o r órgãos estatais específicos
de d eterm in ad a ad m in istração rom ana. Estas perseguições o co r­
reram en tre os an os de 50 d.C . (g overn o do Im p erad o r C láudio
- 4 1 -5 4 d .C .) até 192 d .C . (govern o de C ô m o d o , 1 8 0 -1 9 2 d .C .).
Este p eríod o é m arcad o pela altern ân cia de intensas perseguições
e m ortes sangrentas e p o r certa to lerân cia à fé cristã.
A p rim eira persegu ição cristã (5 0 d .C .) é pro tagonizad a
pelo Im p erad o r C láu d io (4 1 -5 4 d .C .). C láu d io expulsa os ju ­
deus de R o m a a cu san d o -o s de d istú rb io s sociais. N este períod o,
os cristão s e os ju d eu s, em algum as regiões, ain da m an tin h am
estreitos relacio n am en tos, e os p ró p rio s cristão s, em algum as
(
com u n id ad es, eram co n stitu íd o s p o r ju d eu s qu e se to rn aram
seguidores de Jesus. R estrin g iu -se a expu lsá-los para lo n ge da
cid ade de R om a.
A segu nda perseguição aos cristãos o co rre n o verão de 64
d.C ., sob o co m an d o do Im p erad o r N ero (5 4 -6 8 d .C .). Esta é
a p rim eira perseguição ro m an a que tem co m o o b je to som en te
cristãos e decorre de grande in cên d io na cidade de R o m a. N ero
teria planos para refo rm ar R o m a e realizar novas co n stru çõ es.
D ian te disso, incen d eia a cidade e acusa os cristãos de serem os
responsáveis.
A contece u m a perseguição aos cristãos sob os d om ín ios
do im p erad o r D o m icia n o (8 1 -9 6 d .C .). D o m icia n o in titu la-
se D o m i n u s et D eu s (S e n h o r e D eu s), in stitu in d o u m cu lto e o
ju ra m e n to pelo im perador, o que, in evitavelm ente, ch o co u -se
co m a fé cristã. O im p erad o r execu tou cristãos acu san d o -o s de
ateísm o. N esta persegu ição, o Evangelista Jo ã o teve de exilar-se
para Patm os. “É b em provável qu e a execu ção do C ôn su l Flávio
C lem en te, p o r causa de seu ‘ateísm o’, b em co m o o exílio de sua
m ulher, Flávia D o m itila (C ássio D io , H i st . R o m . L X V II, 14,s), te ­
nha o co rrid o p o r causa de sua profissão da fé cristã”.
Sob o governo de T rajan o (9 8 -1 1 7 d .C .), t em os duas perse-
guições. A p rim eira, aco n tece em to rn o do an o 110 d .C .; os cris­
tãos de A n tioq u ia são p erseguidos, e o b isp o desta cid ade, In ácio ,
foi levado para R o m a e jogad o às feras da arena para divertir o
povo. A segunda acon tece em to rn o de 112 d.C ., qu and o Trajan o
d ecreta que, se alguém se confessar cristão, deve ser punido.
E m Jeru salém , sob A driano, os ju d eu s-cristão s são perse­
guidos após a revolta ju d a ica (1 3 2 -1 3 5 d .C .) liderada p o r B ar-
K okhba. O im p erad o r A driano esm aga a revolta, en ch e Jerusalém
de tem plo s gregos, tro ca o n o m e da cidad e para A el i a C a p i t o l i n a ,
e p ro íb e os ju d eu s de en trarem na cidade sob pena de m orte.
As perseguições n ão se estend iam aos gen tios-cristão s. Sob o
govern o do im p erad or A n to n in o (1 3 8 -1 6 1 d .C .), P olicarp o de
E sm irn a é sacrificado na arena de R o m a ( 1 5 6 ).
N o governo de M arco A urélio (1 6 1 -1 8 0 d.C.)> o co rre, em
Lião, u m levante popu lar co n tra os cristãos. A proxim adam ente
cin q u en ta cristãos são to rtu rad o s e devorados pelos an im ais.

3 .2 - M a r t ír i o u n iv e r s a l

S o b o governo de Sétim o Severo (1 9 3 d .C . até 311 d .C .), o


im p erad o r p roclam a o ficialm en te perseguições aos cristãos em
to d o o Im p ério . M esm o neste p eríod o, as persegu ições sofrem
altern ân cias en tre persegu ições, p u n ições e m orte s sangrentas.
S étim o Severo (2 0 2 d .C .), edita u m a lei p ro ib in d o a conver­
são ao ju d aísm o e ao cristian ism o. C o m esta lei tem os a p rim eira
perseguição universal aos cristãos.
D e Sétim o Severo até D écio (2 4 9 ) os cristãos são tolerados.
D écio, para refo rçar sua autoridade e g arantir a unid ade do im ­
pério, refo rça e exige a ven eração aos deuses do im p ério e o cu lto
ao im perador, ord ena a prisão dos bispos cristãos das principais
com unid ades.
V aleriano (2 5 3 -2 6 0 d .C .) in flam o u -se u m a nova persegu i­
ção (2 5 8 d .C .), que obrigava o clero a sacrificar aos deuses e lhe
pro ibia to d o e qu alq uer cu lto cristão, m esm o n os cem itérios. Seu
sucessor, G alieno (2 6 0 -2 6 8 d .C .), in au gu rou u m p eríod o de paz
que d u ro u qu aren ta anos, devolvendo os ben s e os lugares de
cu lto aos cristão s.
O im p erad o r A ureliano (2 7 0 -2 7 5 d .C .), após lutas co n tra os
germ an os, bu sca um a u n ificação do im p ério. Ele in trod uz um
cu lto co m u m no im p ério: ao “Sol in victus”. A trib u i-se o títu lo de
“D o m in u s et deus” . A recu sa dos cristãos gera n o im p ério um a
perseguição aos cristão s.
C o m D io clecian o (2 8 4 -3 0 5 d .C .), p rod u z-se u m a série de
perseguições e assassinatos de cristãos. O s cristãos eram n u m e­
ro sos e se recusavam a servir n o exército, a fazer sacrifício s p ú ­
blicos e a cu ltu ar o im perad or. O im p erad o r p roíb e as reu niões e
os cu ltos dos cristãos, recolh e seus livros litú rg icos e d em ole suas
igrejas. C o m isso, D io clecian o to rtu ro u , m atou e d erram o u san-
(
gue de cristãos co m o n u n ca se viu na h istó ria. C o m a abdicação
de D io clecia n o , tem os o fim da perseguição. In icia -se u m a fase
de ap roxim ação ao Estado rom ano.

4 - T e m p o s d e c r is t a n d a d e

D io clecian o abdica e assum e G alério (3 0 5 -3 1 1 d .C .), qu e p ro ­


m ulga o E d ito de Tolerância reco n h ecen d o o fracasso da p o lítica
de D io clecian o , reco n h ecendo o cristian ism o co m o religião, p e r­
m itin d o a liberd ade de cu lto .
C o n stan tin o (3 1 2 -3 3 7 d .C .) assu m e o im p ério após u m a
batalh a ven cedora e sob a égide de sím b olos cristãos em suas
insígnias, co n tra seu o p o sito r M axên cio . P ercebendo qu e o
apoio de cristãos seria fu nd am en tal para o governo do im pério,
C o n stan tin o , em 3 1 3 , p roclam a o Edito de M ilão, reco n h ecen d o
o cristian ism o e m esm o con ced en d o privilégios à religião cristã,
co m a co n stru ção de igrejas, d ispensa dos im p o sto s e a prestação
de serviços pú blicos, para os clérigos, equ ip aração dos bispos
co m os altos fu n cio n á rio s e a d o ação de propriedades de terras.
C o n sta n tin o passa a in tervir d iretam en te n a organização cristã
e na solução de controvérsias teoló gicas, co m o n o C o n cílio em
A ries (3 2 5 d .C .) e con voca o C o n cílio de N iceia (3 2 5 ).
A pós C o n stan tin o , seus sucessores co n tin u a ram a po lítica
de aproxim ação. Teodósio (3 7 9 -3 9 5 d .C .), em 3 8 0 d .C ., pelo
E d ito D e F i d e C a t h o l i ca , to rn a a fé cristã lei o ficial do Im p ério .

C ar t a d e C o n s t a n t in o a o g o v er n ad o r d a B i t ín i a

(E d it o d e M il ã o - 313)

E u , C o n s ta n t in o A u g u s to e , c o m o e u , L i c ín io A u g u s to , r e u n id o s f e ­
liz m e n te e m M ilã o p a r a d is c u t ir to d o s o s p r o b l e m a s r e la tiv o s à s e ­
g u r a n ç a e a o b e m p ú b lic o , j u l g a m o s d e n o s s o d e v e r r e g u l a m e n ta r ,
e m p r i m e ir o lu g a r, e n tr e o u t r a s d is p o s iç õ e s d a n a tu r e z a a a s s e g u ­
r a r , s e g u n d o n ó s , o b e m d a m a i o r i a , a q u e la s s o b r e as q u a is r e p o u s a
o r e s p e ito d a d iv in d a d e , i s to é , d a r a o s c r is tã o s , b e m c o m o a t o d o s ,
a lib e r d a d e e a p o s s ib ilid a d e d e s e g u ir a r e lig iã o d e s u a e s c o lh a , a
f im d e q u e t u d o o q u e h á d e d iv in o n a c e le s te m o r a d a p o s s a s e r
b e n e v o le n te e p r o p í c i o a n ó s e a t o d o s a q u e le s q u e se a c h a m so b
a n o s s a a u to r i d a d e . P o r iss o , n u m d e s íg n io s a lu ta r e m u i t o r e to ,
ju lg a m o s d e v e r t o m a r a d e c is ã o d e n ã o r e c u s a r e s s a p o s s ib ilid a d e
a q u e m q u e r q u e s e ja , t e n h a ele lig a d o s u a a lm a à r e lig iã o d o s c r i s ­
t ã o s o u à q u e ju lg a r m a i s c o n v e n ie n te p a r a si, a fim d e q u e a d i ­
v in d a d e s u p r e m a , à q u a l p r e s t a m o s u m a h o m e n a g e m e s p o n tâ n e a ,
n o s t e s t e m u n h e e m t o d a s as c o is a s a se u f a v o r e s u a b e n e v o lê n c ia
h a b itu a is . ( . . . ) C o n v é m , p o is , q u e a tu a e x c e lê n c i a s a ib a q u e , s u ­
p r i n d o c o m p l e ta m e n t e a s r e s tr iç õ e s c o n ti d a n o s e s c r ito s e n v ia d o s
a n t e r i o r m e n t e à t u a a d m i n i s tr a ç ã o a r e s p e ito d o n o m e d o s c r is tã o s ,
n ó s d e c i d im o s a b o l ir a s e s tip u l a ç õ e s q u e n o s p a r e c i a m to t a l m e n t e
in a d e q u a d a s e e s tr a n h a s à n o s s a m a n s i d ã o , e p e r m iti r , d a q u i p a r a a
f r e n te , a t o d o s a q u e le s q u e t ê m a d e te r m in a ç ã o d e s e g u ir a r e lig iã o
d o s c r is tã o s q u e o f a ç a m liv re e c o m p l e ta m e n t e , s e m s e r in q u ie ta ­
d o s n e m m o le s ta d o s .
(Sources Chrétiennes, 3 9 , pp. 1 3 2 -1 3 3 )

4 .1 - N o v a r e a lid a d e d o s c r is tã o s

C o m o E d ito de M ilão, as regras de con d u ta dos cidadãos


sofrem grandes tran sfo rm açõ es. E m con sequ ên cia, a realidade
dos cristãos ta m b ém é m u ito diversa dos tem pos do m artírio . As
leis do Im p ério n ão atacam e não perseguem os cristã os, antes os
p rotegem e lhes dão ben efício s. A lgum as d eterm in açõ es m ere­
cem ser destacadas:
- E m relação aos con d enad os, p ro íb e-se a m arca da ig n o m í­
n ia n o rosto dos con d enad os, b em co m o a cru cifixão e a ru ptu ra
dos ossos;
- Q u an to à m oral, fica p roib id a a exposição de crian ças, es­
p etáculo s im o rais e lu ta de gladiadores;
- N o to can te à religião, são pro ibid as as penas corp o rais no
p eríod o quaresm al e pascal, b em co m o a elab o ração de n orm as
para o m a trim ô n io e a organização da fam ília;
- As leis eclesiásticas são acolhidas pelo pod er civil e as leis
do Estado se to rn am leis da Ig reja;
E xig ên cia de 3 0 dias, no m ín im o , en tre as sentenças e as
execu ções, seja m pen a de m o rte ou con fisco de bens.
C o m o E d ito de M ilão, in icia-se o p eríod o da cristan d ad e na
vida da Ig reja. C o m a tran qu ilid ad e nas com unid ad es, a Igreja
organ iza suas estruturas de fo rm a sistem ática, em dioceses, p a ró ­
quias, e os m in istérios são ord enad os para cu sto d iar estas estru ­
turas. C ertam en te, o catecu m en ato perd e sua fo rça e as co m u n i­
dades lu tam para viver a fidelidade evangélica.U m a das respostas
a esta situação é o crescim en to da vida m on ástica, co m o fo rm a
de garan tir a fidelidade dos p rim eiros cristãos. C o m isso, o A n o
L itú rgico é b em organ izado, b em co m o o cu lto dos m ártires e os
livros litú rg ico s.

4 .2 - C r is t a n d a d e e p o d e r

A p artir do im p erad or Teodósio, a ú n ica religião no Im p ério


é a cristã, qu e se fo rtifica cada vez m ais e dedica-se a questões
teoló gicas e d outrinais.
C o m a m o rte de Teodósio (3 9 5 ), o im p ério ro m an o divi-
de-se em Im p ério R o m a n o do O cid en te e Im p ério R o m an o do
O rien te.
O Im p ério R o m an o do O cid en te tem co m o ú ltim o im p era
d or R ô m u lo A ugústulo, d eposto pelo germ an o O d o acro (4 7 6 ).
A té a qu ed a do im p ério do O cid en te a Ig reja viveu h a rm ô n i­
ca co m o Estado. A pós a qued a do im p ério, n ão havia m ais um
pod er p o lítico cen tral, m as vários d o m ín ios de con qu istad ores
germ ân icos co m os quais teve de n egociar e depender de favores
e até m esm o cristian izá-lo s.
O Im p ério R o m an o do O rien te desapareceu qu and o
C o n stan tin o p la é to m ad a pelos tu rco s (1 .4 5 3 ). O cristian ism o
segue seu cu rso na h istó ria da hum anid ad e, co m o u m rio que
atravessa a floresta.
II - E s c r i t o s P i o n e i r o s
I - P r im e i r a s Tr a d iç õ e s

V oltem os n o tem po. H á algum as décadas, os ap ó sto lo s testem u ­


n h aram os ú ltim o s aco n tecim en to s da passagem h istó rica de
Jesus de N azaré. Eles co n ta ra m a h istó ria m uitas vezes e criara m
u m a trad ição oral. Esta trad ição oral circu lo u en tre os segu i­
dores do N azareno, qu e m u ito cedo, em A n tioq u ia, passaram
a ser ch am ad os de “cristã o s” ( I C o r 1 2 ,2 ). As trad içõ es fo ram
o rd en an d o -se e to rn a n d o -se u m a h istó ria n arrativ a. O s ap ó s­
to lo s e seus d iscípulos escreveram estas h istó rias, co m p o n d o
os n osso s evangelhos. Sim u ltan eam en te, m as de fo rm a m u ito
esp on tân ea, cartas eram escritas para as co m u n id ad es, para
o rien tar, co rrig ir, en sin ar e evangelizar. Aos p o u co s fo i sendo
co m p o sto o livro cristão m ais im p o rtan te de tod os os tem p o s, o
N ovo T estam ento. Ao lon go da h istó ria, receb em o s esta h eran ça,
que p erpassou os séculos e foi a referên cia e a estrela-g u ia da c o ­
m u n id ad e cristã p o r to d os estes sécu los do cristia n ism o . M uitas
trad ições eram , p o rém , o rais - n arrativ as n ão escritas, m as c o n ­
tadas de fiéis para fiéis. A lgum as fo ra m d epois reg istradas co m o
livros da trad ição, o u tras, p erd eram -se n a h istó ria. A inda m ais,
algum as destas trad içõ es fo ram in scritas em livros décadas ou
séculos m ais tarde.
Este precio so períod o da trad ição cristã registra a passagem
da trad ição b íb lica para a trad ição patrística.
O o b je to de nosso estudo é a gênese da trad ição p a trísti­
ca, qu e co n h ecerem o s em dois m od os d istin tos: u m a trad ição
oral, qu e é o C R E D O A P O S T Ó L IC O , e u m a trad ição escrita, a
D ID A Q U É .

1 - C r e d o a p o s t ó l ic o

Q u an d o u m n eófito pedia o b a tism o para a co m u n id ad e, ele


deveria ser in stru íd o na fé e en ten d er a m ensagem de Jesus de
Nazaré.
A co m un id ad e tin h a alguns elem en tos qu e deveriam ser c o ­
nhecid os, professados e vividos pelos in iciantes.

H is t ó r ic o d o c r ed o a p o s t ó l ic o

E s te c o m p ê n d io o r a l d a s p r i m e ir a s c o m u n id a d e s é u m t e s t e m u n h o
d a i n i c ia ç ã o d o s p r i m e ir o s c r is tã o s . P o r s e r u m a t r a d iç ã o o r a l , e r a
c o n ta d a n a s f o r m a ç õ e s c a te q u é ti c a s . O t e x to e s c r i to , q u e r e c u p e r a ,
c o m o u m a e s p é c ie d e anamnesis d o s a n te p a s s a d o s , o s e u c o n te ú d o ,
é d a ta d o d o s é c u lo V I . E s te t e x to r e c u p e r a o s p r i n c ip a i s e n s i n a m e n ­
to s d a fé c r is tã , c o m o e r a e n s i n a d a p e lo s m e s tr e s a o s n o v o s a d e p ­
to s d o c r is tia n is m o . S u a f ó r m u la a p r e s e n ta 1 2 a r t ig o s , e m f o r m a
s u c in ta . A c r e d it a - s e q u e e r a u s a d o n a i n s t r u ç ã o d o s c a t e c ú m e n o s ,
c o m o n o m e d e “ S y m b o lu m A p o s t o l ic u m ”. D iz u m a le n d a q u e o s
a p ó s to lo s , d e p o is d e P e n te c o s te s , a n te s d e se s e p a r a r e m p a r a p r e g a r
o e v a n g e lh o , d e f i n ir a m u m b re v e s u m á r io d a d o u t r i n a . E s te f o r ­
m u l á r io é a b a s e c o m u m p a r a a s p r e g a ç õ e s a p o s tó l ic a s .

Este sím b o lo ap ostólico é u m a síntese das p rincip ais verda­


des do cristian ism o, a p artir da revelação de Jesus C risto. M ais
qu e n o rm as éticas ou co m u n itárias, en co n tra m o s verdades d o u ­
trin ais. Estas verdades to rn a m -se a gênese fu nd am en tal para a
catequese. C o m o era típ ico das trad ições orais, seu co n teú d o era
m em orizad o e repetido nas celebrações litúrgicas. H avia, c o n fo r­
m e esta trad ição o ral, u m ritu al litú rgico de en trega deste “sym ­
b o lu m ”, co n h ecid o co m o “tra d itio et red itio sy m b o li”.
B r e v e s ín t e s e d o c r ed o a p o s t ó l ic o

C re io e m D eu s P ai.
C ria d o r a b so lu to : Deus como origem de todas as coisas.
C reio n o Jesus C risto (K h r i st ós: graça divina; ser humano ungido).
C o n ce b id o p e lo E s p ír ito (sabedoria divina no mundo).
N a scid o d e m u lh e r (encarnado no gênero humano).
P a d e ce u so b P ô n c io P ila to s (processo de condenação).
M o r re u (condição final dos seres criados).
D e sce u a o s in fe rn o s (lugar dos falecidos).
R e ssu s cito u (Jesus venceu a morte).
C re io n a Ig re ja C a tó lic a (comunidade de fé universal).
C o m u n h ã o d o s san tos (unidade espiritual entre vivos e mortos).
V id a e te r n a (destino futuro do ser humano).

Mesmo que não houvesse uma compreensão plena destes elemen­


tos doutrinais, são verdades fundamentais da fé cristã, na profissão
de fé da comunidade primitiva.

1.1 - C o n t e ú d o d o c r e d o a p o s t ó l i c o

O co n teú d o desta trad ição oral possui u m a clareza im p res­


sio n an te, preparando as raízes para a elaboração sistem ática da
fé cristã ao lon go dos p ró x im o s séculos.
Esta profissão destaca a f é n u m ú n i c o D eu s, co m o ser a b so ­
luto, c r i a d o r de todas as coisas e do ser h u m an o . Este D eus cria ­
d or é sen h o r d o u n i v er so . D epois de professar a unicid ad e divina
e a pessoa de D eus Pai, este cred o revela qu e Jesu s é o C r i st o , que
Ele foi u ngid o p o r D eus e qu e se en c a r n o u n o co ração da h u m a­
nidade, n o v en t r e d e M a r i a . D epois de apresentar a identid ade
de Jesus C risto, e n co n tra m o s os seus passos h istó ricos, co m o o
seu p ad ecim en to so b P ô n c i o P i l a t o s. Esta verdade m o stra co m o
Jesus C risto assum e a realidade h u m an a até a sua m o r t e n a c r u z
en t r e os p ec a d o r es e a d esc i d a à m a n sã o d o s m o r t o s. Sua m orte

ex p rim e a sua solidariedade co m os seres h u m an o s. Fin alm ente,


esta profissão de fé en sin a que D eu s r essu sc i t o u Jesu s C r i st o d o s
(
m o r t o s e qu e garante a v i d a et er n a para todos os que pro fessam
seu N om e.
Por esta profissão de fé tão singela e antiga, reconhecem os que
Jesus C risto está presente na vida da com unidade. N ’Ele nos to r­
nam os santos, eleitos de Deus, form and o assim seu povo escolhi­
do, para viver e propagar seu Evangelho en tre as nações.
Este C redo A postólico é u m a fó rm u la litúrgica e ca n ô n ica
pela qual os novos fiéis são in co rp o rad o s m isticam en te ao povo
de Deus.

1 .2 - U m p e ix e c o m o s ím b o lo

O s p rim eiros cristãos vivem sob o estigm a da perseguição,


pois tin h a m sido in scrito s na ju risd içã o im p erial ro m an a co m o
subversivos. U m dos sím b olos m ais im p o rtan tes da co m un id ad e
prim itiva é a cruz, co m o selo dos cristãos, qu e se en con trav a em
tú m u lo s nas catacu m bas, e nas casas que serviam co m o lugares
de cu lto. Testem un ham os alguns sím b olos co m o o B o m Pastor
ou cesto co m pães e ja rro s de barro.
U m símbolo muito peculiar é o peixe, que era apresentado co m o
um a espécie de sinal secreto para os cristãos. A figura do peixe era
desenhada, com o um m onogram a, com as iniciais da profissão de fé:
Jesus, Filho de Deus Salvador ( I eso u s C h r i st ó s T h eo u H y i o s So t er ) .
C erta m en te a fu n d am en tação deste sím b olo se e n co n tra nas
ações de C risto que envolvem o peixe, as pescarias, as redes, os
barcos e o m ar. R eferin d o -se às m anifestações pós-ressurreição,
nas quais o pão é p artilh ad o pelo Senhor, o ícon e do peixe to rn a -
se o sím b o lo característico dos prim eiros convertidos.
P od em os co n sid erar qu e a im p o rtân cia deste íco n e ain d a é
significativa nas com un id ad es rib eirin h as, sobretu d o n o O rien te
cristão.
A im agem do peixe aparecia n os ritu ais litúrgicos e so b retu ­
do nos sepulcros. Estes sím b olos p en etravam em sua vida, tra n s­
form avam seu co ração , m udavam seu agir e os en corajava até
m esm o a viver o m artírio e o testem u n h o cotid iano.
2 - D id a q u é

Segundo os estudos, este opú scu lo é o d o cu m en to m ais an tigo


da trad ição cristã, após os livros bíb lico s. N em m esm o é tão fá ­
cil en tend er p o r qu e esta in stru ção n ão foi in serida n o cân o n
b íb lico n eotestam en tário . Seu co n teú d o é m u ito sim ilar a um a
ca rta ap o stó lica do N ovo Testam ento e é co n tem p o rân eo à co m ­
p osição de algum as cartas dos ap óstolos. C o n fo rm e os ú ltim os
estudos, esta p equen a o b ra foi escrita na ú ltim a década do século
I, tran screvend o en sin am en to s dos livros sapienciais bíb lico s e
trech os dos evangelhos.

2.1 - E le m e n t o s h is t ó r ic o s

O p ró p rio títu lo já apresen ta o teo r deste opú scu lo . Trata-se


de in stru çõ es, exortações e n o rm as para a vida cristã das co m u ­
nidades. Esta “in stru ção dos 12 apóstolo s aos gentios deve ter
sido escrita por líderes das com un id ad es qu e tiveram grande
pro xim id ad e co m os apóstolos. Seu títu lo é sem elhan te às in s­
tru çõ es dos A tos dos A póstolos (A t 2 ,4 2 ), e sugerem vias m orais
para ser cristão, n o rm as para os rituais e organização eclesial.
Reflete a vida eclesial orig in ária da P alestina ou Síria, retratan d o
o co tid ian o de várias com unid ad es. A credita-se que é u m co m ­
pên d io de várias fontes orais e escritas, qu e circulavam en tre os
líderes das com unid ad es.

H is t ó r ic o d a D id a q u é

O t e x t o e s te v e p e r d id o p o r m u i to s s é c u lo s . U m a c ó p ia d o s é c u lo
X I , e m g r e g o , fo i e n c o n t r a d a e m N ic o m é d i a , n o a n o d e 1 8 8 3 , p e lo
m e t r o p o l i t a F il ó te o B r y e n n io s , q u e a t o r n o u c o n h e c i d a p a r a to d o
o m u n d o c r is tã o . S e u s f r a g m e n to s a tu a is s ã o e s c r ito s e m v á r ia s lín ­
g u a s , c o m o o s ir ía c o , o c o p ta , o g r e g o e o la tim .
E x i s t e m d iv e r g ê n c ia s d o s e s tu d io s o s q u a n to à s u a d a ta ç ã o .
2 .2 - E n s in a m e n to s d a D id a q u é

Pretend em os detalh ar o co n teú d o desta In stru ção , em seus


en sin am en to s m ais im p o rtan tes na vida litú rg ico -sacram en tária,
nas n o rm as é tico -m o ra is, nas o rien taçõ es eclesioló gicas e n a sua
d ou trina.

2.2.1 - Normas litúrgicas (cap.VII-X)

E n co n tra m o s o rien taçõ es para os sacram en tos do B atism o


e da C eia E u carística, b em co m o para as práticas do je ju m e das
práticas de piedade.
Q u an to ao b a tism o (V II), n o ta-se u m ritual trin itário , n o r:
m alm en te ad m in istrad o aos adu ltos, u m a vez qu e se exigia jeju m
e conversão . O je ju m é exigid o para o n eó fito e para os m in istros.
C on sid erava-se u m a etapa de p reparação para a recep ção do sa­
cram en to. O ritual tem várias m od alid ad es (cap. II - I I I ) , co n fo r­
m e as possibilid ad es, in d o desde a im ersão em águas corren tes,
passando p o r p iscinas ou lagos e m esm o p o r aspersão. E m todos
os casos, co n sid era-se a in vocação das pessoas da Trindade.
E m se tratan d o da ceia eu carística (I X - X ) , n o ta -se u m a gê­
n ese sim ples do ritu al. N aquele co n texto, n ão en co n tram o s um a
fó rm u la fixa e n em m esm o a m em ó ria da ú ltim a ceia. As bên ção s
sobre o cálice e depois sobre o pão é m u ito p ró xim a da b ên ção
das refeições nas trad ições ju d aicas. Trata-se, de qu alq uer form a,
de um ritu al de unid ade dos cristãos, u m a vez qu e exige co m u ­
n h ão de fé e unid ad e, pois, para cear-se na com un id ad e, deveria
ser batizad o (v. 5 ). A o ração de ação de graças depois da ceia c h a ­
m a m u ito a aten ção (c. X ). N ela en co n tram o s o sentid o m ístico
e teoló gico da ceia eu carística.
E m relação à o ração e ao je ju m (c a p .V III), n o ta-se u m a dis­
crim in a çã o em relação aos ju d eu s, de fo rm a acusativa, d en o m i­
nados h ip ócritas. R efere-se a eles, porqu e je ju a m n o segu ndo e
no q u in to dia da sem ana. A o ração p o r excelência é o Pai-N osso,
id en tifican d o o grupo en tre si, pela o ração qu e o pró p rio S en h o r
en sin ara aos apóstolos (v. 2 ). C o n fo rm e a trad ição, a o ração deve
ser proferid a três vezes ao dia (v. 3 ). O je ju m é p rep arató rio à ceia
eu carística (v. 1).

2.2.2 - Normas ético-morais (cap. I-VI)


N os p rim eiros cap ítulos, en co n tram o s a clássica d o u trin a
m oral das duas vias. O s dois cam in h os estão dian te de tod os os
fiéis. O cam in h o da vida (cap. I-IV ) é o cam in h o da virtud e, que
tem co m o fu n d am en to o a m o r a D eu s. É u m ca m in h o exigente,
que sugere am ar os in im ig os e rezar pelos perseguidores. Vencer
os im pulsos violentos e perdoar, co n fo rm e en co n tram o s nos
en sin am en to s do Senhor, nos texto s evangélicos (cap. I, v. 4 ). O
cristão deve ser exem plo de p artilh a co m os m ais necessitados
(w . 5 -6 ). O s fiéis devem dar testem u n h o da fé, p o rta n to devem
evitar pecados co m o o h om icíd io , o adultério, o ro u b o , a fo rn i­
cação, o a b o rto , a m agia e a feitiçaria (cap. II, v. 2 ). O s en sin a­
m en to s m orais são aconselh ad os para u m a vida v irtu o sa em to ­
dos os seus sentidos, seja convivial, co m o o respeito, a gentileza, a
p aciência e o perdão (cap. II), co m o na d im en são da sexualidade,
do eq u ilíb rio e do respeito ao co rp o (cap. III). E n co n tra m o s a in ­
da o rien taçõ es referentes às práticas religiosas a serem evitadas,
co m o ad iv in hação, id olatria e aos rituais pagãos o u m oral social,
co m o a usura, o ro u b o e a corru pção.
O cam in h o da m o rte, co m o é designada a via do m al (cap.
V ), traz um a relação de vícios qu e levam à d estru ição da vida e a
perd ição da alm a.

2.2.3 - Vida eclesial


A D id aqué m o stra alguns m in istérios na com un id ad e. A l­
guns títu lo s destes m in istérios co in cid em co m os m od ern o s m i­
n istérios, m as não sig n ificam a m esm a fu nção. E n co n tra m o s m i­
n istérios itin eran tes, co m o os ap óstolos, qu e são pregadores que
vão pelas co m un id ad es, expandin do o cristian ism o em novos
lugares, em cidades, vilarejos ou peq uen os núcleos fam iliares.
(
O s apóstolos são pregadores itin eran tes e devem ser aco lh i­
dos co m hospitalid ade e reverên cia (cap. X I). Devem ser austeros,
sobretu d o em relação a din h eiro. Ig ualm en te os profetas, que são
evangelizadores, devem ser recon hecid os co m o in sp irados pelo
Senhor. A m elh o r m an eira de reco n h ecer sua integrid ad e é sua
au sterid ade e coerên cia. A final, o verdad eiro p rofeta é o evange­
lizad or qu e aceita a acolh id a dos fiéis e pratica os p ró p rios en si­
n am en to s. N ão precisam p raticar u m a profissão, a n ão ser que
p erm an eçam na co m u n id ad e, pois n in gu ém deve ser ocio so. Os
profetas m erecem as p rim ícias das co lh eitas e das criaçõ es, pois
são co m o “grandes sacerd otes”.
D ois m in istérios p recio sos na com u n id ad e são os bispos e os
d iácon os (cap. X I), que devem ser escolhidos co m aten ção, pois
devem ser fiéis dóceis e altruístas. Estes m in istro s são p erm a n en ­
tes na com un id ad e. O s d outores, qu e são catequistas, devem falar
de fo rm a firm e e irrepreensível.
A vida eclesial é organ izada p o r m eio de n orm as d iscip lin a­
res (cap. X II-X V ), exo rtan d o a integrid ad e do co m p o rta m en to
dos fiéis, m as sobretu d o daqueles qu e exercem fu n ções de guia
da com u n id ad e e, m ais p articu larm en te, aqueles que presidem
rituais litúrg icos.

2 . 2 . 4 - P a ru s ia e doutrina cristãs
O s acen os d o u trin ais são m u ito elem entares e sem m a io ­
res elab orações teóricas. O cam in h o da p erfeição se dá n o c o ­
n h ecim en to de Jesus e de sua d ou trina. Q u an d o fala de Jesus,
ap resen ta-o co m o Filh o de D eus e, m esm o sem exp licitar um a
teolo gia trin itá ria , apresen ta as pessoas da Trindad e: Pai, Filh o e
E sp írito Santo (cap. V II, v. 1). D eus é adorado co m o Provid ência,
que protege os pobres (cap. V, v. 2 ). O ú ltim o cap ítu lo (X V I) é
dedicad o à d o u trin a dos ú ltim os tem pos. N aqueles dias, have­
rá desgraças, co rru p ção e ód io e tod os serão ju lg ad os pelos seus
p róp rios atos. O s fiéis qu e perm an ecerem firm es na fé serão sal­
vos. Estes textos reto m am os en sin am en to s de Jesus, n arrad o em
M ateus (M t 2 4 ) sobre o dia da V ind a do Senhor. N ão é u m texto
am eaçad or, m as de esperança, e prom ete a glo rificação dos fiéis
ao S en h o r Jesus, pratican d o sua m ensagem .

É o d o cu m en to m ais im p o rtan te da era p ó s-ap o stó lica e


a fo n te m ais antiga da legislação eclesiástica. É u m m anual de
preceitos m orais, fu nções litú rg icas, con selh os para a vida c o ­
m u n itária em sua organização. É o m ais antig o códig o de leis
e é p recu rsor de tod os os ou tros direitos can ô n ico s o rien tais e
ocid en tais.
N aturalm ente, a im agem da co m un id ad e cristã é /idílica
revela co m o os cristãos viviam nos p rim eiros tem pos do cris­
tian ism o. O s cristãos vivem os en sin am en to s tran sm itid o s p e­
los apóstolos e co n stitu em com un id ad es sólidas e confiantes.
Servem sem pre de m od elo e estilo para as com un id ad es de n o s­
sos tem pos.

tWc»; BOCcl^te .
II - P a dr es A po s t ó l ic o s :

D is c ípu l o s d o s d is c ípu l o s

O s Padres apostólicos tiv eram relação im ed iata co m os d iscípu ­


los de Jesus e fo ram fo rm an d o novas com unid ad es, d an d o-lh es
u m a con fig u ração eclesial. “Padres ap o stó lico s” é o títu lo alcu ­
nhad o para co m p reen d er estes p rim eiros teólo gos da Ig reja que
escreveram cartas, nas qu ais en co n tra m o s os fu n d am en tos da fé
cristã para as com un id ad es nas suas m ais ten ras origens.
O s Padres ap o stó lico s são escritores cristão s, situ ados em
várias regiões do O rien te M éd io , o n d e o cristian ism o prim itiv o
in icio u sua expansão. Este títu lo fo i dado para id en tificar este
co n ju n to de escritos (séc. X V II). São escritores que co n h eceram
os p ró p rios ap óstolo s ou tiveram co n tato im ed iato co m suas p ri­
m eiras com unid ad es. O p eríod o destes escritos se restrin ge ao
final do século I e in ício do século II.

1 - C a r a c t e r ís t i c a s t e o l ó g ic a s e p a s t o r a is

Estes escritos trazem experiências das novas com un id ad es e re­


flexões sobre os en sin am en to s de Jesus C risto , to can d o as v irtu ­
des, as d o u trin as e n o rm as de co m p o rtam en to ético dos segu i­
dores do N azareno. E n co n tra m o s ainda/antologia) sobre os ritos
litúrgicos p raticad os pelas com unid ades.
A in teração en tre os textos destes Padres e as epístolas dos
livros can ô n ico s do N ovo Testam ento expressam significativa­
m ente a evolu ção das com un id ad es cristãs, n aqu ilo qu e co n cer­
ne à sua espiritu alidad e, seus rito s e sua organ ização.
A pesar das diferenças dos tem as e das circu n stân cias que
os geraram , h á grande co erên cia e co m p lem en tarid ad e nos seus
conteúdos.
O s tem as se referem à d o u trin a sobre C risto, às virtud es de
seus seguidores, à organização das com un id ad es e aos m in isté­
rios. C ertam en te em virtud e da situação socio p o lítica do p erío ­
do, qu e convergia a m ística cristã na perspectiva m artirial, n o ­
tam os fortes elem en tos da escato logia cristã. A figura do C risto,
seus en sin am en to s, suas m em ó rias e os eventos de sua vida são
retom ad os co m o crô n icas de u m tem p o m uito recente em suas
record ações.
O s Padres apostólicos escrevem para ed ificar as c o m u nid a-
des nascentes, organ izar e g arantir sua estru tu ra e sua unid ade
e para esclarecer sobre os rito s litúrg icos e a fo rm a de viver dos
neófitos.

2 - E n s in a m e n t o s d o s Pa d r e s a p o s t ó l ic o s

O s Padres apostólicos apresentam , em b o ra de m an eira assistem á-


tica, tem as im p o rtan tes da co n stitu ição da co m un id ad e cristã.
O an ú n cio qu erig m ático se co n stitu i n o n úcleo in icial da fé
e n ão aparecem descrições das in stitu içõ es e dos artigos da fé.
O s p rim e iro s e scrito s p a trístic o s fo ra m g a n h an d o n ovas
fo rm a s lite rá ria s: os e scrito s dos P adres a p o stó lico s. E sses te ó ­
lo g o s, ca te q u ista s e b isp o s p re o cu p a m -se co m a o rg a n iz a çã o
de suas co m u n id a d e s e co m o co n te ú d o da ev an g elização . O s
Pad res a p o stó lico s e la b o ra m a fé c ristã , resg atan d o o te s te ­
m u n h o d os a p ó sto lo s de Jesu s C risto . V ejam o s o co n te ú d o de
seus e scrito s:
. 3 - V id a e c l e s ia l e m C l e m e n t e Ro m a n o

C lem ente R o m an o escreve aos cristão s de C o rin to um a epístola,


exo rtan d o -o s a viver em unidade e superar as divisões da co m u ­
nidade, que são u m escândalo para os n ão-cristãos. Servin do-se
de u m a técn ica p sicológica, record a-lhes co m o a com unid ade era
exem plar e b o n ita antes das divisões e qu e as intrigas trouxeram
tran sto rn o e afastaram os novos m em b ros. Suplica ao povo para
reassu m ir os antigos presbíteros, legitim am en te constituíd os,
exo rtan d o -o s à p en itên cia, à hum ild ade e ao perdão. En fren tand o
esta con tend a com un itária, C lem ente de R o m a descreve a p erm a ­
n ên cia de Paulo e Pedro em R o m a e lam en ta a perseguição e o
m artírio , in cluin d o de crianças e m ulheres (cf. Padres A postólicos,
col. Patrística, C arta aos C orín tios, Paulus, São Paulo, n n. 5 -6)._Ao
falar do governo da Igreja, m ostra qu e o direito de governar de­
riva dos apóstolos, o uto rgado p o r C risto, e que a Igreja de Rom a
tem o p rim ad o sob re as dem ais igrejas cristãs. Esta é a prim eira
vez que aparece claram ente a distin ção entre a hierarquia e ollai-
c ã to fapon tan d o os graus de episcopado, d iácon o e presbítero.
A ressu rreição dos cristão s é explicad a p o r analogia. C le­
m ente R o m a n o ensina que os cristãos ressurgem da m o rte, para
a vida im o rta l, assim co m o a av e f ê n i x ressurge das cinzas e vol­
ta ao paraíso para sem pre (cf. P a d r es A p o st ó l i c o s, col. Patrística,
C arta aos C o rín tio s, Paulus, São Paulo, n n . 2 4 -2 5 ). A salvação se
realiza p o r m eio de Jesus C risto, qu e se en carn ou e que voltará
para ju lg ar a hum anid ade.

4 - In á c io d e A n t io q u ia : c r is t o l o g ia e e c l e s io l o g ia

C om In ácio apren d em os qu e D eus tem u m p lan o de salvação:


resgatar o ser h u m an o das m ãos do m al. Para essa lib ertação , os
profetas e os patriarcas prepararam a h um anid ad e para receb er
o Filh o de Deus. A cristo lo g ia de In ácio destaca a h u m an id ad e e
a divindade de Jesus C risto.
(
A eclesio lo g ia p rim itiva de In á cio a p o n ta para o b isp o
co m o resp o n sável pela do u trin a e pela co m u nid ad e, qu e é a
Ig reia u niv ersal. É na co m u n id ad e dos fiéis que se celeb ra a eu ­
ca ristia (cf. P a d r es A p o st ó l i c o s, col. P atrística, C a rta aos E fésios,
Paulus, São Paulo, n n . 1 2). A u n iã o co m D eus se realiza pela
m ed iação de Jesus C risto , pois os h o m en s são a h a b ita çã o do
V erbo de D eus.
A eclesiologia dos Padres apostólicos ap o n ta para u m a o rga­
nização in stitu cio n a l. C o m o u m a to rre sagrada, a Igreja, para re­
alizar sua m issão, co m sua hierarqu ia, distrib u i as tarefas e c o n ­
firm a a m issão. A unid ade se faz co m o bisp o, em com un id ad e.
In á cio de A n tioq u ia nos en sin a qu e devem os ser im itadores
de C risto , devendo ad otar seus p rin cíp io s e virtudes. A m aio r
im itação o co rre pelo m artírio , fazendo co m qu e C risto habite
em nós. A fé u ne os fiéis em C risto p o r u m a u nião divina.
A inda h o je , a leitu ra das cartas dos Padres ap o stó lico s serve
para aprofu nd ar a fé e os prin cíp io s cristãos.

5 - V id a e o b r a d o s Pa d r e s a p o s t ó l ic o s

C L E M E N T E R O M A N O é o terceiro sucessor de São Pedro.


Viveu em R o m a e fo i con sagrad o pelo pró p rio A póstolo Pedro.
R en u n cia, no en tan to , ao p o n tificad o de R o m a, em favor de Lino,
ta m b ém sucessor de Pedro. Viveu co m o bispo de R om a p o r volta
do an o X II do reinad o de D o m ician o . Eusébio de C esareia, na
sua H i st ó r i a Ec l esi á st i c a (H .E ., V I, 2 5 ,1 2 - 1 4 ) pensa que C lem en te
escreveu a carta aos H ebreu s, do N ovo T estam ento. Sua obra
fu nd am en ta l é a Epístola aos C o rín tio s, qu e é a p rim eira o b ra de
literatu ra cristã fo ra do N .T.
A Ep ístola aos C o rín tio s fo i escrita, provavelm ente, n o final
do Sécu lo I e o au tor tem co n sciên cia do caráter pú blico de sua
carta, para o rien ta r a com un id ad e, de fo rm a im pessoal. N ota-se
profu nd o co n h ecim en to do A ntigo Testam en to, que fu n d am en ­
ta suas reflexões. In ferim o s qu e o a u to r ten h a orig em ju d aica.
Si m b o l i z a d a pel a f ên i x

V e ja m o s o e s t r a n h o s in a l q u e s e v e r if ic a n a s r e g iõ e s d o O r i e n te , isto
é , n a s r e g iõ e s d a A r á b ia . A í e x is te u m p á s s a r o a o q u a l d ã o o n o m e
d e f ê n ix . É ú n ic o n a s u a e s p é c ie , e v iv e q u in h e n to s a n o s . Q u a n d o
e s tá p a r a m o r r e r , fa z p a r a si o n in h o c o m in c e n s o , m i r r a e o u t r a s
p la n t a s a r o m á t i c a s , n o q u a l, c h e g a d a a h o r a , e n t r a e a í m o r r e . D a
c a r n e e m p u tr e f a ç ã o n a s c e u m v e r m e q u e , n u t r i n d o - s e c o m o s h u ­
m o r e s d o a n im a l m o r t o , c r ia a s a s . D e p o is , a o a d q u ir ir f o r ç a , p e g a o
n in h o o n d e j a z e m o s o s s o s d e s e u a n te p a s s a d o e , c a r r e g a n d o - o , v a i
d a r e g iã o d a A r á b ia p a r a o E g it o , a té o lu g a r c h a m a d o H e lió p o lis .
D e d ia , a o s o lh o s d e t o d o s , v o a n d o a t é o a l ta r d o s o l, d e p õ e a í o
n in h o e a s e g u ir r e t o r n a p a r a o lu g a r d e o n d e v e io . O s s a c e r d o te s
c o n s u l ta m o s a n a is e c o n s t a t a m q u e e le c h e g o u a o se c o m p l e ta r e m
q u in h e n to s a n o s .
Car t a aos Cor ín t ios,
( C l em en t e R o m a n o ,
col. Pat r íst ica, Paulus, 1995, p. 42, n. 25)

IN Á C IO D E A N T IO Q U IA fo i o segundo bispo desta cidade.


N o reinado de T rajan o, fo i m artirizad o, co m m u itos m em b ros da
sua com un id ad e. A coleção de 7 cartas é u m a o b ra -p rim a da lite ­
ratu ra cristã. Ele escreve para as co m un id ad e de Éfeso, M agnésia,
Trália, Filadélfia, E sm irn a e Filipos. Escreve a P olicarp o fo rta le­
cen d o -o na fé e aos cristãos de R om a. As cartas são escritas em
sua viagem a R om a e nelas agradece p elo apoio das com un id ad es
em suas perseguições e an im a-as na fidelidade, na unid ad e e na
resistên cia às heresias. Suas cartas n os apresentam significativos
elem en tos dogm áticos.

Ex o r t aç ão à u n id a d e

C o n v é m c a m in h a r d e a co rd o c o m o p e n s a m e n t o d e v o s s o b is ­
p o , c o m o já o fa z e is. V o s s o p r e s b it é r i o , d e b o a r e p u ta ç ã o e d ig n o
d e D e u s , e s ta u n id o a o b is p o , a s s im c o m o a s c o r d a s à c í t a r a . P o r
iss o , d e a c o r d o c o m v o s s o s s e n ti m e n to s e n a h a r m o n i a d e v o s s o
a m o r , v ó s p o d e is c a n t a r a Je s u s C r i s to . A p a r t i r d e c a d a u m , q u e
v o s to r n e is u m s ó c o r o , a f im d e q u e , n a h a r m o n i a d e v o s s o a c o r d o ,
t o m a n d o n a u n id a d e o t o m d e D e u s , c a n te is a u m a s ó v o z , p o r
m e i o d e Je s u s C r i s t o , u m h in o a o P a i, p a r a q u e e le v o s e s c u te e v o s
r e c o n h e ç a p o r v o s s a s b o a s o b r a s , c o m o m e m b r o s d o s e u F ilh o . É
p r o v e ito s o , p o r t a n t o , q u e e s te ja is e m u n id a d e in s e p a rá v e l, a f im d e
s e m p r e p a r t ic ip a r d e D e u s .
Car t a aos Efésios,
( I n á c i o d eA n t i o q u i a ,
col. Pat r íst ica, Paul us, 19 95, p. 83, n. 4)

P O L IC A R P O D E E SM IR N A foi, segu ndo T ertuliano, c o n ­


sagrado bispo p o r Jo ão , A póstolo. Foi estabelecido bisp o de
E sm irn a na Ásia. V isitou R o m a, n o an o de 155, para d iscu tir e
u n ificar a data da Páscoa cristã, qu e tin h a variação cro n o ló g ica
en tre o O cid en te e o O rien te. Na sua velhice, co m 86 anos, foi
traíd o p o r u m escravo, d u rante a persegu ição em E sm irna. N um
D o m in g o , o u “grande sábad o”, foi m artirizad o. Todos gritavam :
“Eis o d o u to r da Á sia, o pai dos cristã o s!” (M art, 1 2 ,2 ) .

A m o r Fr a t er n a l

P e r m a n e c e i , p o r t a n t o , f ir m e s n e s s a s c o is a s e s e g u i o e x e m p lo d o
S e n h o r , f ir m e s e im u tá v e is n a fé , a m a n te s d a f r a te r n id a d e , a m a n ­
d o - v o s m u t u a m e n t e , u n id o s n a v e r d a d e , c o m p e t i n d o n a m a n s i d ã o
d o S e n h o r , n ã o d e s p r e z a n d o n in g u é m .
Q u a n d o p u d e r d e s f a z e r o b e m , n ã o o d e ix e is p a r a d e p o is , p o r q u e
a e s m o l a lib e r ta d a m o r t e . S e d e to d o s s u b m is s o s u n s a o s o u t r o s ,
q u e a v o s s a c o n d u t a s e ja ir re p r e e n s ív e l e n tr e o s p a g ã o s , p a r a q u e
r e c e b a is lo u v o r , p e la s v o s s a s b o a s o b r a s , e o S e n h o r n ã o s e ja b la s ­
f e m a d o e m v ó s . A i, p o r é m , d a q u e le m e d ia n t e o q u a l o n o m e d o
S e n h o r f o r b la s f e m a d o . P o r t a n t o , e n s in a i a to d o s a s o b r i e d a d e , n a
q u a l t a m b é m v ó s v iv e is.
( P o l i c a r p o d e E sm i r n a , Car t a aos Filipen ses,
col. Pat r íst ica, Paul us, 1995, p. 14 4 - 14 5, n. 10)
M a r t ír i o de S ã o P o l ic a r p o

Q u a n d o p o r fim t e r m i n o u d e r e z a r , le m b r o u - s e d e t o d o s a q u e le s
q u e t in h a c o n h e c i d o , p e q u e n o s e g r a n d e s , ilu s tr e s o u o b s c u r o s , e
d e t o d a a I g r e ja c a t ó li c a e s p a lh a d a p o r t o d a a t e r r a . C h e g a n d o a
h o r a d e p a r t ir , f i z e r a m - n o m o n t a r s o b r e u m j u m e n t o e o le v a r a m
p a r a a c id a d e . E r a o d ia d o g r a n d e S á b a d o . H e r o d e s , o c h e f e d a p o ­
líc ia , e s e u p a i, N ic e ta s , f o r a m a té ele. F i z e r a m - n o s u b ir a o s e u c a r r o
e , s e n t a n d o - s e a o s e u la d o , p r o c u r a v a m p e r s u a d i-l o , d iz e n d o : “ Q u e
m a l h á e m d iz e r q u e C é s a r é S e n h o r , o f e r e c e r s a c r i f íc io s e fa z e r
t u d o o m a is p a r a s a lv a r -s e ? ” D e in íc io , e le n a d a r e s p o n d e u . C o m o
in s is tis s e m , e le d is se : “ N ã o fa re i o q u e v ó s e s ta is m e a c o n s e lh a n d o ”.
N ã o c o n s e g u in d o p e r s u a d i-l o , l a n ç a r a m - l h e t o d o tip o d e in jú ria s ,
e o f iz e r a m d e s c e r d o c a r r o tã o a p r e s s a d a m e n te q u e e le se f e riu n a
p a r t e d a f r e n te d a p e r n a . S e m s e v o lta r , c o m o se n a d a h o u v e s s e
a c o n te c i d o , ele c a m i n h o u a l e g r e m e n te e m d ir e ç ã o a o e s tá d io . A í o
tu m u l t o e r a tã o g r a n d e q u e n in g u é m c o n s e g u ia e s c u ta r n in g u é m .
(M ar t ír i o de São Policar po, bispo de Esm i rn a,
col. Pat r íst ica, Paulus, 1995, p. 150, n. 8)

H E R M A S pode ter sido, co n fo rm e Eusébio e O rígenes, o n e­


ófito citad o p o r Paulo qu an d o escreve aos R o m an o s (R m 1 6 ,1 4 ).
D iz-se que H erm as escreveu a o b ra “O P asto r” n o p eríod o em
que seu irm ão P io era bispo em R o m a, en tre 142 e 155. D e sua
ob ra, en ten d em o s que H erm as n ascera escravo e qu e se to rn o u
rico em R o m a, co m o co m ercian te. N um a visão, “u m a m ulher
vinda do céu” o convid a à conversão e ao perdão. Sua o b ra n arra
a im p o rtâ n cia da p en itên cia e do perdão, p o r m eio de u m a n a r­
rativa ap o calíp tica em fo rm a de “várias visões”.
B A R N A B É foi catequista em A lexandria, co n fo rm e O rígenes
e C lem en te de A lexandria. Escreveu sua epístola na prim eira
m etad e do Sécu lo II. Sua o b ra reflete a apologia co n tra os ju ­
deus e m o stra os ca m in h o s da fé cristã, co m o repulsa ao A ntigo
Testam en to. É fu nd am en tal para a trad ição cristã sua d ou trin a
dos “dois cam in h o s” e sua cristolo gia, qu e expressa a divindade
do Filh o de D eus e sua o b ra red en tora (C arta, 5 ,1 5 ) .
F in alm en te, PÁ PIA S, qu e foi, co n fo rm e o testem u n h o de
Irin eu de Lião, u m discípulo de Jo ão e co m p an h eiro de P olicarp o
de E sm irn a. M as esta in fo rm ação n ão é co n firm ad a n em m esm o
pelo p ró p rio autor, em seus discu rsos.
O s Padres ap ostólicos estão unid os à trad ição p o r serem su­
cessores dos discípulos de Jesus C risto o u p o r estarem v in cu la ­
dos d iretam en te às suas com unid ad es.

O T em pl o

No que se refere ao templo, eu vos direi ainda como esses infelizes


extraviados puseram sua esperança num edifício, como se fosse a
casa de Deus, e não no Deus deles, que os criou.... É por isso que
Deus habita verdadeiramente em nós, tornando-nos sua morada.
Como? Pela sua palavra de fé, pelo chamado da sua promessa, pela
sabedoria das suas leis, pelos mandamentos da doutrina, e ele pró­
prio profetizando em nós, habitando em nós, abrindo para nós a
porta do templo, que é a nossa boca, e dando-nos o arrependimen­
to, ele nos introduz no templo incorruptível. De fato, quem deseja
ser salvo não olha para o homem, mas para aquele que habita nele
e fala por meio dele, maravilhado de não ter ouvido as palavras
daquele que fala através de uma boca humana, nem de ter desejado
ouvi-las. Esse é o templo espiritual construído pelo Senhor.
(Car t a de Bar n abé,
col. Pat r íst ica, Paul us, 1995, p. 310 - 312, n. 16)
Ill - P a d r e s A p o l o g is t a s :

Os C R IS T Ã O S A C A D Ê M IC O S

A A pologia cristã representa u m co n ju n to de escritos dos Padres


da Ig reja co m características m uito particu lares, co m p reen d en ­
do escrito r e escritos do século II, qu and o h o m en s de grande
cu ltu ra, tocad os pelo testem u n h o dos cristãos e pelo qu erigm a
ap ostólico se con vertem ao cristian ism o.
D ian te da cu ltu ra e da religião ju d aica, b em co m o diante
do p o liteísm o e críticas dos pagãos, os apologistas fu n d am en ­
tam a p ró p ria fé. O s escritos apologistas superam a d im en são “ad
in tra” das pregações dos padres apostó licos e se preocu p am em
fu n d am en tar a fé diante dos pagãos, n u m a p ro jeção “ad extra”.
C o m o estes Padres tin h am co n h ecim en to das ciên cias, das letras
e da filosofia, eles são capazes de respond er aos qu estio n am en to s
dos o p ositores da fé cristã. D ian te das calúnias civis e da p ro p a­
ganda c o n tra a com un id ad e, os cristãos devem pro var que vivem
de fo rm a santificad a e que não são im pied osos, som en te porque
não erigem grandes tem plos.
O s objetivos dos apologistas é refu tar as calúnias e querem
exp o r o absurdo e a in co erên cia dos rito s e dos m ito s pagãos.
S erv in d o -se dos elem en tos cu lturais e in telectu ais das esco ­
las filosóficas gregas, apresentam argum en to s racion ais e siste­
m áticos para fú n d am en tar a fé da com un id ad e.
(
1 - Ex p a n s ã o d o c r is t ia n is m o

E xiste u m a grande afinidade en tre os escritos dos Padres A po­


logistas, que viveram n um p eríod o de grande expan são m issio ­
n ária do cristian ism o. O s novos cristãos vão para a Síria, a Ásia
M enor, o Egito e ou tras partes da Á frica do N orte. E n co n tra m o s
com un id ad es cristãs até nas proxim id ades do m ar N egro.
O cristia n ism o su p era as fro n teiras da P alestin a e o u n i­
verso dos a rtesão s e h u m ild es, to rn a n d o -se a fé de cid ad ãos
cu lto s, sáb io s da re tó rica , filó so fo s, sold ad os e fa m ílias m ais
p od erosas.
A expansão do cristian ism o exigiu a p rim o ram en to do dis­
curso d o u trin al, in cu ltu ração dos ritos e da linguagem e a p ro ­
p riação das categ orias helénicas para respond er às qu estões fu n ­
dam entais da fé do ser h um ano.

2 - M o t iv a ç õ e s d a a p o l o g ia

A teolo gia apologista n ão se preocu p a em atacar os oposito res,


m as ju stifica r a próp ria fé. N ão é u m a teolo gia qu e se d irecio n a
p o r cam in h o s in co rreto s da d o u trin a cristã, para atacar os acu ­
sadores. A o co n trá rio , fu n d am en ta a p ró p ria fé e aprofu nd a a
razão da sua d ou trina.
Eis suas p rincipais m otivações:

- O rientar, ilu m in ar e ed ificar os cristãos, n o co n teú d o da fé


e na sua vivência;
- P reparar os fiéis para se defenderem de acu sações dos o p o ­
sitores;
- Perante acu sações de can ib alism o ou sectarism o, m ostrar
que vivem n a au sterid ad e e na co n tem p lação ;
- Elevar a au to -estim a dos cristãos diante da agressividade
dos pagãos, dos ju d eu s e do p od er im perial;
- Pro var qu e os cristã os n ão são anticivis, m esm o qu e n ão se
su b m etam ao p o d er ro m ano.
3 - V is ã o g l o b a l d o c o n t e ú d o

C ada Padre apologista elab o ra seus p ró p rios escritos, a p artir de


sua p ró p ria realidade, m as existem alguns elem en tos com un s
que os u n ificam pelo estilo ^tjlfelo conteúdo.
E m tod os eles, en co n tra m o s grande preocu p ação em m o s­
tra r que as acusações são infu ndadas, p o rtan to são calúnias dos
o p ositores, qu e os veem crescen d o em n ú m ero e em qualidade
social. C o m o eram acusados de n ão p raticarem n en h u m a reli­
gião, qu er dizer, de serem “im -p ied o so s”, eles m o stra m qu e os
cristãos p ro fessam a unicid ad e divina e prestam cu lto ritu al, e m ­
b o ra os aparato s litúrgicos e estrutu rais seja m desprovidos de
grandes estru turas. M ais im p o rta n te ainda é a cren ça n o Deus
Ú n ico e criador, revelado em Jesus C risto.
A presen tam a fé cristã de fo rm a sim ples e com preensível aos
fiéis con vertid os, m as capaz de co rresp o n d er aos desafios dos p a­
gãos m ais cultos.
O s apologistas sintetizam suas pregações em qu atro ele m en ­
tos fu nd am entais: o m o n o teísm o , a unicid ad e divina, a divinda­
de de C risto e a ressu rreição da carne.

4 - "A p o l o g is t a s m e n o r e s "

V am os apresentar os principais rep resen tantes da A pologia


C ristã. C riam o s u m a divisão in usitada em “apologistas m en o res”
e “apologistas m aio res”, fazendo u m breve acen o às suas obras.
D os “ap ologistas m en o res” destacam os a “C arta a D io g n eto ”,
A ristid es de A tenas, T aciano, o Sírio , A tenágoras de A tenas,
Teófilo de A n tioq u ia e H érm ias, o filósofo.

4 .1 - C a r t a a D i o g n e t o

Breve ap ologia dedicada a u m pagão, co m 12 capítu los.


E scrito na m etad e do Sécu lo I I , tem linguagem viva e denuncia
as práticas id olátricas e os íd olos dos pagãos. C on d en a ainda o
cu lto ju d a ico p o r seu fo rm alism o e rig o rism o exterior, que o fer­
tam sacrifício s a “deuses insensíveis e surd os”. O s cristãos se in se­
rem na sociedade, co m sua linguagem , seus co stum es e cu lturas,
e pro fessam a fé em Jesus C risto, “qu e D eu s fez descer do céu ”. A
carta term in a convid ando D io g n eto a ab raçar a fé.

So b r e a a l m a d o m u n d o

E m p o u c a s p a la v r a s , a s s im c o m o a a l m a e s tá n o c o r p o , a s s im o s
c r is tã o s e s tã o n o m u n d o . A a lm a e s tá e s p a lh a d a p o r t o d a s a s p a r t e s
d o c o r p o , e o s c r is tã o s e s tã o e m to d a s a s c id a d e s d o m u n d o . A a lm a
h a b ita n o c o r p o , m a s n ã o p r o c e d e d o c o r p o ; o s c r is tã o s h a b it a m n o
m u n d o , m a s n ã o s ã o d o m u n d o . A a l m a in v isív e l e s tá c o n ti d a n u m
c o r p o v isív e l; o s c r is tã o s s ã o v is to s n o m u n d o , m a s s u a re lig iã o é
in v isív e l.
(Cf. Car t a a D iogn et o, A pologia, V I , in Pat ríst ica,
2 - P a d r es A p o l o g i st a s, Paul us, 1995, p. 23, n. 6)

4 .2 - A r i s t i d e s d e A t e n a s

Segundo Eusébio de C esareia, grande h isto riad or da Ig reja


prim itiva ( H i st ó r i a Ec l esi á st i c a , IV, 3, 2 ) e de São Jerô n im o ,
A ristid es escreve suas ideias de fo rm a rude e ingên ua, m as co m
grande co n vicção. Seu o b je tiv o é fo rtalecer os cristãos durante
um a perseguição ro m an a na cidade. Foi endereçad a ao Im p erad or
A driano, co n fo rm e a versão siríaca, ou a César, T ito , A driano,
A n to n in o, A ugusto e Pio, co n fo rm e a versão arm ênia. E m seus
17 cap ítulos, m u ito breves, fu n d am en ta suas ideias n os co n ceito s
p latôn icos (ord em có sm ica ), aristotélicos (D eu s, p rim eiro m o ­
to r) ou estoicos (p rovid ên cia n o m u n d o ). A p artir da co m p reen ­
são da ord em universal - criação e m ov im en to - , estabelece o
co n h ecim en to de D eus verdad eiro, p erfeito e oniscien te.
M o stra o absurdo das três raças (b árb aros, gregos e ju d eu s)
e a santidad e da vida cristã (q u arta raça). A presenta a revelação
de Jesus C risto co m o a d efinitiva revelação da fé na h istó ria da
hum anid ad e.
So b r e a i d o l a t r i a

E n g a n a m - s e o s q u e c r e e m q u e o so l é D e u s , p o is v e m o s q u e e le se
m o v e p o r n e c e s s id a d e , m u d a , p a s s a d e s ig n o e m s ig n o , p o n d o - s e e
le v a n t a n d o -s e a f im d e a q u e c e r as p la n ta s e a s e r v a s , p a r a u s o d o s
h o m e n s . V e m o s t a m b é m q u e te m d iv is õ e s c o m o s o u t r o s a s t r o s ,
q u e é m e n o r q u e o c é u , q u e s o f re e c lip s e s d e lu z e q u e n ã o g o z a d e
n e n h u m a a u to n o m ia . P o r iss o , n ã o é p o s sív e l p e n s a r q u e o s o l se ja
D e u s , e s im o b r a d e D e u s .
(Cf. Ari st id es de At enas, A pol ogia - segun do os fr agm en t os dos gr egos,
V I , in Pat r íst ica, 2 - P a d r es A p o l o g i st a s, Paulus, 1995, p. 42, n. 6)

4 .3 - T a c ia n o , o S ír io

A pologista do in ício do século II, con verte-se ao cristian is­


m o em R o m a ( +1 5 2 ) , ten d o sido discípulo de Ju stin o , m ártir. De
ten d ên cia rig orista, após a m o rte de seu m estre, assu m iu a h ere­
sia “en cratista”, a qual vê o ser h u m an o co m grande pessim ism o,
desprezando a m atéria, o m a trim ô n io e os prazeres. Este grupo
recebe o co g n o m e de “aqu áticos” p o r su bstitu írem o vin h o pela
água na ceia eu carística.
N o seu discu rso co n tra os gregos, revela u m a alm a in qu ieta
e m u ito passional, m as apresen ta co m clareza o co n ceito cristão
de D eus, co m o Logos da criação e a d o u trin a da ressu rreição da
* carn e. D escreve u n 0 d o u trin a dos an jo s e dos d em ônio s.

So b r e a g e r a ç ã o d o V e r b o

D e u s e x istia n o p rin c íp io , m a s n ó s r e c e b e m o s d a tr a d iç ã o q u e o P r in ­
c íp io é a p o tê n c ia d o V e rb o . C o m e fe ito , o S e n h o r d o u n iv e rso , q u e é
p o r si m e s m o o s u s te n tá c u lo d e tu d o , e n q u a n to a c r ia ç ã o n ã o tin h a
a in d a sid o feita, e stav a só . M a s, e n q u a n to e sta v a c o m ele, to d a a p o ­
tê n c ia d o visív el e invisível ele p r ó p r io s u s te n to u tu d o c o n s ig o m e s m o ,
p o r m e io d a p o tê n c ia d o V erb o . P o r v o n ta d e d e s u a sim p lic id a d e sai o
V e rb o , e o V e rb o , q u e n ã o c a i n o v a z io , g e ra o b r a p r im o g ê n ita d o P ai.
(Cf. Taciano, o Sír i o, D iscur so con t ra os gr egos, V,
in Pat r íst ica, 2 - P a d r es A p o l o g i st a s, Paulus, 1995, p. 69, n. 5)
(
4 .4 - A te n á g o r a s d e A te n a s

F iló sofo de A tenas, p o u co co n h ecid o , reco n h ecem o s p o r sua


o b ra qu e tin h a grande cu ltu ra filosófica e retó rica, n u m estilo
sim ples e sóbrio. Escreveu u m a P etição em favor dos cristão s e
u m tratad o Sob re a ressu rreição dos m orto s.
N a P etição rejeita o ateísm o e testem u n h a qu e os cristãos
n ão são ateus, m as pro fessam a fé n o D eu s único e criador, que
é ta m b ém Trino. O Filh o de D eus é espírito, con ju gad o co m o
Logos. O E sp írito Santo em an a de D eu s. N ão é p o r falta de fé que
os cristãos n ão o fertam sacrifício s cru en tos, m as porqu e Deus
aprecia som en te sacrifício s espiritu ais. N o Tratado, defende a
“ressu rreição dos co rp o s”, afirm an d o que o ser h u m an o é co m ­
posto de co rp o e alm a n ão divisível e tem d estino etern o. Se o
fim do ser h u m an o é a felicidade e esta n ão é plena neste m undo,
a ressu rreição garante a finalização deste o bjetivo da existência
h um ana.

So b r e a r e s s u r e i ç ã o d o s m o r t o s

Ao contrário, é o homem, composto de alma e corpo, que recebe


o julgamento de cada uma das obras por ele feitas; a razão, porém,
não vê que isso se realize na vida presente onde não se dá a cada
um o que merece, pois vemos que muitos ateus e pessoas entregues
a toda iniquidade e maldade, chegam ao fim de sua vida sem ex­
perimentar nenhum mal e, por outro lado, outros que levam uma
vida exercitada em toda virtude vivem entre dores, injúrias, calú­
nias, tormentos e todo o tipo de calamidades; depois da morte isso
acontece, uma vez que não existe mais o composto humano, pois
a alma está separada do corpo e este disperso novamente naque­
les elementos de que foi composto, sem conservar mais nada do
seu primeiro tamanho e forma, e muito menos memória de suas
obras.
( Cf. A t en ágoras de At enas, Trat ado Sobr e a ressur reição dos m or t os,
X V I I I , in Pat r íst ica, 2 - P a d r es A p o l o g i st a s, Paulus, 19 95, p. 19 3, n. 18)
4 .5 - T e ó filo d e A n t i o q u i a

Considerado o últim o apologista do século II. E m A ntioquia


é o sexto bispo na sucessão apostólica (H E, IV, 20). Sua obra revela
sua procedência pagã e sua form ação grega. Pela leitura dos profetas
se converte ao cristianism o. Escreveu obras im portantes: A A u t ó l i co ,
C o n t r a a h er esi a d e H er m ó g en es e C o n t r a M a r c i ã o . Existem outras

obras atribuídas, sem certeza, a este m esm o autor.


Sua p rin cip al o b ra, A A u t ó l i c o , é co m p o sta de três livros, e
foi escrita a u m pagão p ro cu ran d o respond er às suas acu sações e
m o strar a superiorid ad e da d o u trin a cristã.

So b r e a c o s m o l o g i a

T e n d o D e u s o se u V e rb o i m a n e n t e e m s u a s p r ó p r ia s e n tr a n h a s ,
g e r o u - o c o m a s u a p r ó p r ia s a b e d o r ia , e m i t i n d o - o a n te s d e to d a s
as c o is a s . T e v e e s te V e r b o c o m o m i n is tr o d a s u a c r i a ç ã o e p o r m e i o
d e le fe z to d a s a s c o is a s . E s te s e c h a m a P r i n c íp io , p o is é P r í n c ip e d o
S e n h o r d e to d a s a s c o is a s p o r e le fe ita s . E s te , p o r t a n t o , q u e é e s p í­
r i to d e D e u s e P r i n c íp i o e S a b e d o r i a e F o r ç a d o A l tís s im o , d e s c e u
s o b r e o s p r o f e t a s , e p o r m e i o d e le s f a lo u s o b re a c r i a ç ã o d o m u n d o
e t u d o o m a i s . D e f a to , n ã o e x i s t ia m p r o f e ta s q u a n d o o m u n d o
e r a f e ito ; e x is tia , p o r é m , a s a b e d o r ia q u e n e le e s ta v a , e o s e u V e rb o
s a n to , q u e s e m p r e e s ta v a p r e s e n t e a e le . D a í e le d iz e r p o r m e i o d o
p r o f e ta S a lo m ã o : “ Q u a n d o e le p r e p a r a v a o c é u , e u e s ta v a c o m e le ,
e q u a n d o e le a f ir m a v a o s a lic e r c e s d a t e r r a , e u e s ta v a j u n t o d e le ,
h a r m o n iz a n d o t u d o ”.
(Cf. Teófilo de A n t ioquia, A Aut ófi lo, l ivr o I I , X , in Pat ríst ica,
2 - P a d r es A p o l o g i st a s, Paulus, 19 95, p. 238- 239, n .10)

4 .6 - H é r m ia s , o f i l ó s o f o

P ou co con hecid o, escreveu a Sá t i r a d o s f i l ó so f o s g r ego s.


Provavelm ente viveu e escreveu n o final do sécu lo II. M ostra a
nulidade da filosofia pagã, incapaz de en sin ar sobre a essência de
Deus. R id iculariza Platão e A ristóteles. D e fo rm a m ítica, escreve
qu e a filosofia nasce da apostasia dos an jo s.
So b r e o e s c á r n i o d o s f i l ó s o f o s p a g ã o s

A s s im c o m o o s filó s o fo s n ã o f o r a m c a p a z e s d e e n c o n t r a r d e m o d o
u n â n im e a n a t u r e z a d a a l m a d o h o m e m , m e n o s a i n d a i r i a m a f ir­
m a r a v e r d a d e s o b r e o s d e u s e s o u o m u n d o . Is so é n o m í n i m o u m
a t r e v i m e n to , p a r a n ã o d iz e r u m a id io tic e . C o m e fe ito , a q u e le s q u e
n ã o f o r a m c a p a z e s d e e n c o n t r a r a p r ó p r i a a lm a , v ã o p e s q u is a r a
n a tu r e z a d o s d e u s e s ; e o s q u e c o n h e c e m o s e u p r ó p r i o c o r p o , i n ­
v e s tig a m c u i d a d o s a m e n te a n a tu r e z a d o m u n d o .

(C f . H é r m i a s , o filó s o f o , E s c á r n i o d o s f iló s o fo s p a g ã o s , I I I , in
P a tr ís tic a , 2 - Padres Apologistas, P a u lu s , 199 5 , p. 3 0 6 , n. 3)

5 - "A p o l o g is t a s m a io r e s "

Todos os ap ologistas têm u m a grande im p o rtân cia na fo rm ação


do pen sam en to cristão. Eles são fu nd am en tais para d elinear as
d istin ções da fé cristã em referên cia ao ju d aísm o e ao paganis­
m o. M as servem g rand em en te à causa da id entid ad e da d o u trin a
cristã.
D estacam os dois ap ologistas m aio res, qu e ap resentam ele­
m en to s con stitu tiv os da d o u trin a e qu e esb oçam profu nd os c o ­
n h ecim en to s para os cristãos: Ju stino de R o m a e a d o u trin a do
“Logos sp erm atikó s” e Irin eu de Lião, na sua “lu ta an tig n ó stica”.
O s dem ais, tão im p o rtan tes co m o H ip ólito de R o m a, estud are­
m os em ou tras unid ades.

5 .1 - J u s t in o d e R o m a e a d o u t r in a d o L o g o s

Escreveu várias o bras, m as apenas duas (o u três) obras


p erm an eceram até n ossos dias. Escreveu o D i á l o g o c o m T r i f ã o ,
d irigin d o -se ao ju d aísm o, e as A p o l o g i a s I e II, co n fro n tan d o a
filo sofia e os m itos pagãos.
ir Dirigidas£ãõ§)lm perador A n to n in o P io e ao senado ro m an o ,
as A p o l o g i a s d efendem os cristãos, destacand o a seriedade deles e
ped ind o p ro teção ao Im perad or. A cusa as au toridad es im periais
de castigar os cristãos pelo sim ples fato de professarem esta fé.
A legam ainda qu e os cristã os n ão são ateus e qu e n ão são an -
r tiim periais^
N o estilo dialogai, m an tid o co m Trifão, o ju d eu , apresenta
as d istin ções en tre o cristian ism o e a cu ltu ra religiosa ju daica.
In terp retan d o as trad ições vetero-testam en tárias, apresenta o
C risto co m o o M essias das prom essas. E m suas o bras, defen­
de qu e o Logos D iv in o (essên cia de D eu s) se en carn a em Jesus
C risto, Filh o de D eu s, qu e trou xe ao m u n d o as “sem entes do
verbo de D eu s” ( L o g o s Sp er m a t i k o s) . Tem pen sam en to rigoroso
e estabelece as verdades cristãs, e sua diferença do pen sam en to
grego e da cu ltu ra hebraica.

B r ev e b i o g r a f i a d e J u st i n o d e Ro m a

Nascido na Samaria, na cidade de Flávia Neápolis (Síria Palestina),


atual Naplusa, local importante para o Antigo Testamento (Gn
12,6-7) e para a história de Jesus (Jo 4,5-6). Não tem origem judai­
ca, como sabemos, pelo fato de não ser circuncidado (Diál. 28) e
não ter influência da cultura dos samaritanos.
Sua conversão se deveu à sua decepção com as filosofias que não
lhe satisfaziam as inquietações do espírito. Um ancião cristão pro­
vocou uma ruptura em sua formação intelectual, gerando sua con­
versão ao cristianismo (Diál. 3). Encetou todo o seu conhecimento
intelectual e cultural (estoicismo, pitagorismo, escola peripatética
e platonismo) na composição de seu pensamento cristão, a única
filosofia certa e digna de crédito (Diál. 3-8).
Foi decapitado em Roma, onde vivera como professor e catequista.
Seu martírio foi provocado pelas acusações de Crescente, filósofo
cínico, diante de Júnio Rústico (165), aos 65 anos. Um documento
precioso, M a r t i r i u m S. I u st i n i et So ci o r u m , relata sua condenação e
sua morte prodigiosa, com mais seis companheiros.

5.1.1 - Obras de Justino

A s A p o l o g i a s defendem o cristian ism o dian te das acu sações


dos pagãos, ju n to ao Im perad or. Q u er provar que os cristãos não
(
são ateus, tam p o u co crim in o so s ou in im ig os do Estado. M ostra
ainda qu e D eus foi revelado ao m u n d o pelos profetas e p atriar­
cas, m as que C risto é a sua revelação perfeita ao m un d o.
Seu D iálogo co m Trifão relata as controvérsias en tre cris­
tãos e ju d eu s, co m in ten ção de ap o n tar o cam in h o de C risto.
N arra, p o r p rim eiro, a fo rm ação filosófica e sua conversão (n n .
1 -8 ). Q u er co n ven cer Trifão de que a an tiga lei expirou sua v a­
lidade e, p o r um a nova exegese, in d ica qu e as figuras do A ntigo
Testam ento se realizam co m a vinda de C risto, aliança definitiva
e universal.

5.1.2 - Com pêndio doutrinal

Ju stino de R om a explica que Deus é u m “ser absolu to”, in efá­


vel e tran scen dente; Deus é inom inável. São definições lapofáticas. I
D eu s to rn a-se “revelável” a p artir da sua ação criad ora. Ele
se revela co m o “p ai” de tod a criação. Pela criação e p o r sua ação
na h istó ria, os profetas an tigos con figuram seus traço s divinos.
N a “plenitu d e dos tem p o s”, D eus se co m u n ica co m o u niv er­
so através do seu Logos. Esta é a m elh o r expressão para designar
a ação divina da en carn ação. U m a vez usada a im agem de Pai,
para com p reen d er a ação criad ora de D eus, seu Logos presente
n a h istó ria se id en tifica co m o Filh o de Deus.
D e fo rm a analógica, en tend em os que a sem ente da essên ­
cia divina ( L o g o s sp er m a t i k ó s) é fecundado n o m undo. Deus vem
resgatar suas criatu ras do p od er do m align o p o r m eio da m issão
do Logos, feito ser h u m an o , capaz de resgatar o ser h u m an o das
forças do m al.
Sob re a regeneração da h u m anid ad e, Ju stino en sin a que
D eu s qu er reco n q u istar suas criatu ras. O Logos divino, en car­
nado em Jesus C risto, estava presente no p rin cíp io da criação.
A ssim , E le reco n stitu i o R ein o de D eus n o m un d o, pela conver­
são dos h om en s. Esta é a teolo gia da recap itulação, qu e é a razão
de ser fu nd am en tal da en carn ação do Logos divino.
5.1.3 - Missão de Jesus Cristo

A teolo gia da recap itulação precede a teolo gia do paralelism o


en tre Eva, p o rta da en trad a do pecado n o m und o, e M aria, que
se to rn a o p o rtal da red enção da hum anidade. Sim b o licam en te,
“Eva” receb eu o con vite do M al e deixou -se vencer p o r esta te n ­
tação. M aria, co n trariam en te, recebeu o con vite divino, p o r in ­
term éd io do an jo . Sua aceitação do p ro jeto divino a b riu -n o s as
p ortas da salvação.
Estas duas m ulheres tornam -se com o que “m odelos” da hum a­
nidade: a tentação vitoriosa do pecado e a acolhida do Logos divino
na história hum ana. Eis a antropologia de Justino, pois a tradição
serve-se desta relação: p o r um a antiga mulher, houve o m al; por
um a nova mulher, houve a remissão. Da m esm a form a Jesus refaz
a história da hum anidade, desordenada pelo pecado de Adão. Estes
espíritos m aus são com o anjos, portadores da m ensagem do bem , e
dem ônios, representação da tentação do espírito do mal.
Nasce, desta teologia, a m ística da deificação. Significa que so­
m os hum anos, passíveis da m orte e portan to transitórios. Esta é a
condição do ser hum ano. Pela im ersão em Jesus Cristo, quer dizer, o
ritual batism al, som os incorporados em Jesus C risto e nos tornam os
“filhos no Filho de Deus”. Q uando o l ogos d i v i n o se infunde em nós,
som os deificados e im ortalizados, m erecedores da vida eterna. A se­
m ente desta deificação é Jesus. Estando em com unhão com Jesus,
Logos divino, vivemos divinizados, som os seres ressuscitados.

5.1.4 - Teologia sacramentária

O B atism o deve ser celebrad o depois de um ritu al de p u rifi­


cação, co m je ju m , o ração e con fissão dos pecados. R itu alm ente,
os cristãos realizam u m b a n h o de regeneração em n o m e de Deus,
Pai so b eran o do U niverso, do Salvador Jesus C risto e do Espírito
Santo (A pol. 1 ,6 1 ). O b a n h o tem o poder de pu rificar, pela rege­
n eração , e de ilum inar. A ren ú n cia aos d em ô n io s é ren ú n cia de
falsas d outrinas e da vida de pecados.
A o falar da E u caristia, apresenta a im p o rtâ n cia da fra te rn i­
dade para p articip a r da “reu nião ritu a l”. Ju stin o insiste que este
ritu al é m em o rial da Ú ltim a Ceia.
N o dia do sol, realiza-se a liturgia do Senhor. C eleb ra-se a
liturg ia da Palavra, lendo a m em ó ria dos A póstolos e os escritos
dos Profetas. As ofertas do pão, do v in h o e da água são feitas pelo
Presid ente (p resb ítero), seguidas de o raçõ es e preces. Vem , logo
após, a “d istrib u ição dos alim en tos con sagrad os”. O s d iácon os
levam estes alim en to s aos ausentes. H á ainda u m a co leta de ali­
m en to s e ben s, que são levados aos órfão s e às viúvas.

5 .2 - I r in e u d e L iã o e o g n o s t ic is m o

Padre da Ig reja, Irin eu d ed icou -se ao co n h ecim en to e, po s­


terio rm en te, à refu tação das teses gnósticas qu e assolaram o
cristian ism o n o sécu lo II. É con sid erad o o p rim eiro teó lo go da
Ig reja, um a vez qu e sistem atizou a d o u trin a da fé cristã.
Suas obras principais: A d v er su s H a er eses e D em o n st r a ç ã o d a
Pr eg a çã o A p o st ó l i ca lhe m ereceram o título de “doutor da Igreja”.

T r a ç o s bio g r á f ic o s

O r ig in á rio d a Á sia M e n o r , q u a n d o c r ia n ç a , o u v iu , e m E s m ir n a , o s
s e r m õ e s d e P o lica rp o . J o v e m , p ô d e e n tr a r e m c o n ta t o c o m c o r re n te s
d o u tr in a is e relig io sas. C o n h e c ia b e m a tr a d iç ã o d o s a p ó s to lo s Jo ã o
e P a u lo . E le m a n ife sta se n s ib ilid ad e p a r a c o m a gnose e o u tr o s m o -
vi m e n to s re lig io so s c o m o o m a r c io n is m o e o m o n ta n is m o , d o u t r in a
d e M o n ta n o , q u e p re g a v a g r a n d e a u s te rid a d e m o r a l. E m b o r a v iesse
d o O rie n te ( E s m ir n a ), fo i p a r a L iã o , o n d e foi e le ito b is p o ( 1 7 7 d .C .),
s u c e d e n d o F o tin o , m á r tir . V iv e a p e rs e g u iç ã o e a h o s tilid a d e p o p u la r
q u e le v a r a m 5 0 p e ss o a s a o m a r tír io , n a r r a d a n a o b r a Carta das Igrejas
de Viena e Lião. C o n v id a d o a ir a R o m a , in te r v é m ju n to a o p a p a V í to r
p a r a re s o lv e r a d iv e rg ê n cia e n tre o O r ie n te e o O c id e n te , s o b re a d a ta
d a P á s c o a . S eu n o m e c o n s ta e n tr e o s m á r tir e s d a Ig re ja p rim itiv a , p r o ­
v a v e lm e n te n o p e río d o d e S é tim o S ev ero .
5.2.1 - Principais obras
Irin eu foi u m grande pastor. Suas p reocu pações pastorais
o levaram a escrever suas obras. A m ais im p o rtan te, em todos
os sentid os, é ch am ad a co rren tem en te C o n t r a a s h er esi a s, m as
seu títu lo orig in al é E x p o si ç ã o e r ef u t a ç ã o d a p r et en d i d a g n o se.
Era u m a o b ra destinad a a co m b a ter a propaganda das seitas
gnósticas, qu e se espalhavam pelo vale do rio R h on e. Essa es­
p écie de “sum a” an tig n ó stica, red igida em grego, chegou até nós
n u m a trad u ção latin a m u ito antiga e bastan te literal. Ela exerceu
u m a in flu ên cia evidente sobre teólo gos posteriores tais co m o
T ertu liano, H ip ólito o u A tanásio.
Ju n to co m esse am plo tratad o, Irin eu n os deixou u m p e­
q u en o livro in titu lad o D em o n st r a ç ã o d a p r eg a ç ã o a p o st ó l i c a , que
foi conserv ada em língua arm en a e tem duas partes distintas.
N a p rim eira, apresen ta o co n teú d o da fé cristã. E xo rtan d o que
os cristãos fiqu em longe das heresias, sobretu d o dos gnósticos.
A segunda parte, m o stra a veracid ade da revelação cristã, que é
preparad a pelos pro fetas (A .T .) e atinge seu ápice na revelação
de Jesus C risto.
Esses dois escritos são os pilares da teolo gia patrística.
R ecolo cad os em seu co n texto, po d em os dizer qu e representam a
in teligên cia da fé, em face da m ística m órb id a da gnose, de atu a­
lidade sem pre real graças às perspectivas teoló gicas de Irineu.
Para e n tra r u m p o u co nessas o bras, é indispensável apresentar o
qu e fo i a gnose do séc. II.

En t en d er a d o u t r in a g n o s t ic is t a

A gnose ( e m g re g o : “ c o n h e c im e n to ” ) é a m ir a g e m de u m conhe­
c i m e n t o p e r f e i t o , r e v e l a d o , p o s s u íd o e t r a n s m i t i d o p o r i n i c i a d o s ,
c o m a p r e te n s ã o d e d a r u m a e x p lic a ç ã o t o t a l d o m u n d o e d o m is ­
t é r i o d a e x is tê n c ia c o m b a s e d u a lis ta . O c a r á te r s e c re to fa z d a g n o s e
u m a r e lig iã o d e in ic ia d o s c o m c o n te ú d o fr e q u e n te m e n te m i t o l ó ­

g ic o .
O fenômeno, simultaneamente inquietante e fascinante, conheceu
uma explosão no séc. II. Durante muito tempo só fomos informa­
dos do gnosticismo por intermédio dos escritos patrísticos, sobre­
tudo de Irineu.
As primeiras tendências gnósticas surgem no séc. I num quadro
geográfico que vai da Palestina à Ásia Menor. Elas estão provavel­
mente presentes já no contexto de certos escritos do NT. No séc. II
ganham Alexandria, que se torna um foco do gnosticismo, parti­
cularmente de um gnosticismo “cristão”, cujo mestre mais influen­
te é Valentino. É essencialmente a gnose valentiniana que Irineu
combate.
Destacamos alguns elementos da gnose:

a. angústia do mal neste mundo. A gnose aparece como a expres­


são da consciência infeliz;
b. sentimento de alienação, de decadência com relação ao paraíso
perdido;
c. nostalgia da unidade primordial;
d. a salvação consiste em se libertar da matéria;
e. pelo conhecimento, o ser humano toma consciência de sua ver­
dadeira natureza de ser espiritual.

As pessoas “materiais”, constituídas de elementos carnais, estão vo­


tadas à destruição. Os gnósticos cristãos se apresentam assim como
a Igreja dos perfeitos, o núcleo dos eleitos.
Irineu combateu o gnosticismo e sua forma hábil de organizar sei­
tas, que congregava multidões. Na sua concepção, a gnose sustenta
algumas rupturas no cristianismo “como ruptura entre o Deus su­
premo e o Criador, entre a obra da criação e a obra da salvação, en­
tre o ser humano e seu universo, entre o corpo e a alma. Com isso,
a encarnação e o mistério pascal perdem sua importância soterio-
lógica. Devemos voltar aos escritos evangélicos que revelam Jesus
Cristo como único mediador e conhecedor do mistério divino. Ele
revela este mistério aos apóstolos e a Igreja proclama o verdadeiro
conhecimento de Deus.
C o n t r o v é r s i a p a sc a l

C o m o s a b e m o s , a p á s c o a ju d a i c a é c e le b r a d a n o 1 4 .° d ia d o m ê s
d e N is a n . T r a ta -s e d e u m a d a ta ç ã o d e n tr o d o c a l e n d á r i o lu n a r .
E q u iv a le n o h e m i s f é r i o N o r t e a o p r i m e ir o p le n ilú n io (lu a c h e i a )
d e p r i m a v e r a . D e e n tã o , a p á s c o a c r is tã é c e le b r a d a n e s ta d a ta , p o is
e q u iv a le a o d ia d a R e s s u r r e i ç ã o d o S e n h o r. A I g r e ja c r is tã o c id e n ta l
a s s u m e o c a l e n d á r i o ju lia n o e p a s s a a c e l e b r a r a fe s ta d a p á s c o a
n o d o m in g o d e p o is d o p r i m e ir o p le n ilú n io d e p r i m a v e r a . E s te f a to
c a u s a c e r t o c o n s t r a n g i m e n t o , p o is o O r i e n te e o O c id e n te e s tã o
c e l e b r a n d o a m e s m a fe s ta e m d a ta s d if e r e n te s .
I r i n e u v a i a R o m a d is c u tir e s ta q u e s tã o , p a r a u n if ic a r a d a ta d e s ta
s o le n id a d e . F in a lm e n te , d e f in e -s e a f e s ta d a P á s c o a p a r a o d o m in g o
d o p r i m e ir o p le n ilú n io d e p r i m a v e r a . C o n s id e r a m - s e d o is e l e m e n ­
t o s f a v o r á v e is : d is tin g u ir a f e s ta c r is tã d a f e s ta ju d a i c a e in s e r i r a
f e s tiv id a d e n o d o m in g o (dies Domini).

5.2.2 - Recapitulação do universo

Irin eu p ro p õ e u m a d o u trin a qu e leva os cristãos a supera­


rem o dualism o. A tacand o as ru pturas do gn o sticism o, ele en ­
sina que a verdade foi revelada p o r Jesus C risto aos ap óstolos.
D evem os record ar qu e os gnósticos pregavam qu e Jesus C risto,
antes de v oltar ao Pai, passara 18 m eses co m u m gru po de ilu m i­
nados, revelando-lhes a d o u trin a gnóstica.
Irin eu defende qu e a verdade tran sm itid a pelos apóstolos
se en cerra na trad ição eclesial. Para superar o dualism o gnóstico,
Irin eu prega a teolo gia da unidade em m ú ltip lo s planos. Todos
estes planos, qu e sfe resum em em co rp o e espírito, o u alm a e m a ­
téria, se e n co n tra m na unicid ad e divina criad ora. Jesus C risto,
em sua ação h istó rica, in scrita no N ovo Testam ento , restaura a
u n ião do ser h u m an o, co m o salvação to tal dos seres criados. A
revelação plena de Jesus C risto, vai desvelando-se de fo rm a p ro ­
gressiva.
O ser h u m a n o deve co n h ecer o p lan o divino para sua vida
e para a h istó ria. Esta é a eco n o m ia divina qu e ab range o plano
de salvação de D eus, qu e se estende até os con fin s do universo.
O plano divino é a recap itulação do universo, pela ação de Jesus
C risto.

5.2.3 - Ser humano, imagem e semelhança divina


O ser h u m an o é criad o n o seio da m atéria. M u ito m ais que
um esp írito en cerrad o n u m co rp o , ele é u m co rp o “p n eu m ati-
zad o”, h abitad o pelo E sp írito divino. É a m etáfo ra do “sop ro de
Javé sobre a figura da terra”, in scrita na narrativa da criação.
D esta feita, o ser h u m an o é “im ago D e i”, na sua co m p o sição
m aterial, e “sim ilitu d o D e i”, na sua d im en são espiritual.
Irin eu explica qu e o ser h u m an o existe em relação a Deus,
quer dizer, é u m fru to da criação divina. Som o s partículas de
D eus na h istória.
Para superar o dualism o, Irin eu serve-se da co n cep ção a n ­
tro p o ló gica pau lin a, qu e co m p reen d e o ser h u m a n o em três
d im en sões integrativas: corporeid ad e, co m o sua existência h is­
tó rica, alm a, co m o sua vitalização, e p n eu m a , equ ivalen te à sua
p articip ação divina.
A an trop olog ia de Irin eu está em o p osição ao du alism o pes­
sim ista. E le afirm a qu e “a gló ria de D eu s é o ser h u m an o vivo”.
Sig nifica qu e D eu s é g lo rificad o qu an d o a vida é respeitada e
prestigiada. A gló ria de D eus é o ser h u m an o , e a gló ria do ser
h u m an o é Deus. C ada pessoa é um ser c r i a d o p o r D eu s, e não
espírito decaíd o o u parcela divina. E sp íritos sem co rp o s n ão se­
rão jam a is seres h u m an o s espirituais. Irin eu nega to d o angelis-
m o e to d o pan teísm o. O ser h u m an o , em suas três d im en sões,
é restaurado p o r D eus, pela recap itulação de Jesus C risto: pela
criação ( i m a g o D ei ) e pelo d om do E sp írito ( si m i l i t u d o D ei ) é
u m ser em co n stan te “ v i r a ser ”. D eus é plenitu d e e o ser h u m an o
está em pro cesso de edificação. A p erfeição não está na origem
m as no fim de sua h istó ria: corporeid ad e e cosm o s estão associa-
dos ao d estino do ser h u m an o . A h istó ria é lugar de m aturação.
Esta evolu ção espiritu al é possível a todas as criatu ras hum anas,
m as realiza-se d en tro de sua liberd ad e e responsabilidad e. N a p e ­
dagogia d ivina sua in iciativ a respeita a liberdade h u m an a e seu
p rocesso de perfeição. O s dois agentes desta pedagogia divina são
o Logos d iv in o e o P n eu m a , o E sp írito Santo.

5.2.4 - Primeira m ariologia


A h um anid ad e foi “au to -renegad a” em A dão, m as fo i rege­
n erad a em Jesus C risto. A m ed iação de M aria realiza a c o n tra ­
p o sição da “n egação” dos prim eiros pais. A Igreja co n cretiza, na
h istó ria, pelo E spírito Santo, a recap itulação, con sid erad a por
Irin eu co m o segunda recap itulação. N a ação h istó rica de Jesus
C risto, ele abre para a criação o cam in h o de reco m p o sição da
sua unid ad e fu nd am en tal. Para o ser h u m an o , a restauração de
sua sem elhan ça co m D eus se realiza n o ato da criação e qu e foi
perdida pelo pecado.

5.2.5 - Eucaristia e salvação


A E u caristia é u m ritu al qu e congrega a com u n id ad e para
reviver a ú ltim a ceia de Jesus. Pela súplica do E spírito Santo ( e p í -
c l ese) realiza-se o m ilagre da presença real de Jesus C risto. A ceia

eu carística, unid a o n to lo g icam en te à oferenda de Jesus C risto na


cru z represen ta o sacrifício pascal. A ssim , o caráter sacrifical é
afirm ad o, u m a vez qu e Jesus é o co rd eiro da oferenda qu e p u ­
rifica a h u m anid ad e e a co lo ca em co m u n h ão co m o Pai. É, por
excelência, a celebração de ação de graças da Igreja.
C risto veio recap itular todas as coisas: “in stau rare o m n ia in
C h risto ”. O ser h u m an o necessita e é capaz de salvação, m as deve
aceitar livrem ente este d om gratuito. Pelo b atism o, o ser h u m a­
n o receb e o “pn eum a div in o” e é “id en tificad o co m C risto ”. A
E u caristia é o en co n tro co m D eu s qu e congrega os redim id os
pela fé.
5.2.6 - Entre filosofia e teologia
Se Ju stino de R o m a foi selado co m o títu lo de “filó so fo ”, afir­
m an d o qu e as verdades da fé cristã eram com preen síveis pela
razão h u m an a, Irin eu d em o n stra que, sem perder o caráter ra ­
cion al, o cristian ism o fu n d am en ta-se na revelação e na santa
trad ição. A ação do E sp írito Santo con d uz a co m u n id ad e num a
direção de ap ostolicid ad e e unidade. M esm o qu e os crítico s lite ­
rário s co n sid erem seu estilo e linguagem p ou co apreciáveis, sua
d o u trin a do cristian ism o e da com u n id ad e de fé p erm an eceu
co m o referên cia em to d a Igreja prim itiva. D evem os a Irin eu o
m érito de ter bu scad o ilu m in ações filosóficas para co m p reen d er
a revelação cristã e o rien taçõ es para viver sua m ensagem n aq u e­
les tem pos e em nossos dias.
IV - O M A R T ÍR IO N A IG R E J A P R IM IT IV A I

M ís t i c a e te o lo g ia

O p eríod o da P atrística tem duas características fu ndam en tais:


o tem p o do m artírio e o p eríod o da cristandade. Trata-se de
um a divisão m u ito objetiva, pois o E d ito de M ilão, selado pelo
Im p erad o r C on stan tin o (3 1 3 ) m ud a a sorte dos cristão s.
Antes deste edital, os cristãos am argaram experiências de per­
seguição, to rtu ra , m orte , con fisco de bens e desprezo público.
As persegu ições, to rtu ras e m ortes p rop iciam u m a im p res­
sio n an te espiritualidad e, u m a elevada m ística e u m a fecund a re­
flexão teo ló gica n a vida dos cristãos.

M a r t ír i o n a B íb l i a

O m a r t í r i o e s tá p r e s e n t e e m t o d a s a s c o m u n id a d e s r e lig io sa s . N a
B íb lia , q u e é a in s p ir a ç ã o p a r a o s p r i m e ir o s c r is tã o s , e n c o n t r a m o s
v á r i o s r e la to s d e m a r t í r i o s . P o d e m o s r e c o r d a r a lg u n s d e le s , c o m o
o s tr ê s jo v e n s n a f o r n a l h a a r d e n te ( D n 3 ) , D a n ie l n a c o v a d o s le õ e s
( D n 6 ) , o s s e te ir m ã o s M a c a b e u s ( 2 M a c 7 ) . N o N o v o T e s ta m e n t o ,
r e c o r d a m o s o m a r t í r i o d e E s tê v ã o (A t 6 , 8 - 1 5 ; 7 , 5 5 - 6 0 e 8 , 2 ) , d e
J o ã o B a t is t a ( M c 6 , 1 7 - 2 9 ) e d e T ia g o ( I C o r 1 2 , 2 ) . D e s ta c a m o s ,
n a tu r a l m e n t e , o p r ó p r i o m a r t í r i o d e Je s u s C r i s to . E m b o r a o t e r ­
m o “ m a r t i r i a ” r e p r e s e n t e c o n f e s s o r d a fé , s e m a n t i c a m e n t e p a s s a
a s ig n if ic a r to d o a s s a s s in a to d e fiéis e m n o m e d e s u a s c o n v i c ç õ e s
re lig io s a s . N a S a g r a d a E s c r i t u r a , a p r e s e n ta -s e c o m o u m g ê n e r o li­
t e r á r i o , c o m o s s e g u in te s p a s s o s :
I n ic ia -s e u m a c o n s p i r a ç ã o d o s in im ig o s , p r o v o c a n d o a s e n te n ç a .
D e s c r e v e -s e o p r o c e s s o d e c o n d e n a ç ã o , n a q u a l o r é u c o n f e s s a a fé
e d e sa fia o s o p o s i to r e s . E s ta d is c u s s ã o o c o r r e d ia n te d e tr ib u n a i s ,
q u a n d o n ã o h á m a r t í r i o s u m á r io . E x i s te s e m p r e u m a d if a m a ç ã o
d o s m á r t i r e s d ia n te d a s o c i e d a d e , c o m o m a l f e i to r e s e p e r t u r b a d o ­
re s d a o r d e m c iv il. A n te s d a e x e c u ç ã o , d e s c r e v e m -s e o s t o r m e n t o s e
h u m ilh a ç õ e s . O s fiéis r e c o l h e m , q u a n d o lh e s é p e r m i ti d o , o c o r p o
d o m á r t i r p a r a s e p u lta m e n to .

1 - M a r t ír i o n a Ig r e j a p r im it iv a

O prim eiro estigm a da Ig reja é o m artírio . É do sangue de Jesus


C risto na cruz que nasce a co m u n id ad e dos cristãos. T rata-se de
u m a op ção espiritual: antes sofrer o m artírio qu e aban d on ar as
próprias con vicções. A liberdade dian te dos poderes po lítico s e
religiosos b em co m o a fidelidade aos en sin am en to s evangélicos
trazem co m o co n seq u ên cia a perseguição, as calúnias e o m a rtí­
rio. A Ig reja dos prim eiros séculos assum iu viver n a insegurança,
na pobreza e na clandestinid ade. N o rm alm en te os cristãos eram
oriu n d os de classes m ais p obres, m as n u n ca se cu rvaram às te n ­
tações do pod er e dos privilégios.
M uitas vezes sangrento, o m a rtírio caracteriza a Igreja no
seu p rim eiro alvorecer e caracteriza a vida dos seguidores de
Jesus de N azaré.

2 - T r a ç o s h is t ó r ic o s

O s p rim eiros convertid os vin h am do ju d aísm o. P ortan to , os cris­


tãos fo ram persegu idos p rim eiram en te pelos ju d eu s (lT s 2 ,1 5 ),
qu e eram perseguições m orais e d iscrim in ató rio s, um a vez que
estes não d ispu nh am de poder estatal e m ilitar, sendo ele m esm o
um povo sitiado pelas tro pas rom anas na Palestina.
E n tre os an os 6 4 e 3 1 3 , houve m uitas perseguições, que não
eram con tin u ad as, an tes intercaladas co m p eríod os de to lerân ­
cia. Se houvesse ou tras p reocu pações n a p o lítica do Im p ério ,
co m o crises in tern as o u novas con qu istas, os cristão s gozavam
alguns an os de tran qu ilid ad e. E m quase 130 an os de persegui­
ção, os cristão s co n h eceram perseguições violentas, calu niosas
e sangrentas. O n ú m ero de m ártires é m u ito h ip o tético , pois a
m aio ria era realizada em m ultid ões e não deixavam registros em
trib u n ais o u listas. E stim a-se u m n ú m ero aproxim ad o de 100
m il m ártires. Esse n ú m ero é altíssim o de qu alq uer fo rm a, m as
to rn a -se m ais significativo se co n sid erarm o s o co n tin g en te p o ­
p u lacion al do Im p ério , de 65 m ilh ões de habitan tes.

3 - M a r t ír i o : Ra z õ e s e s p ir it u a is e p o l ít i c a s

N ão po d em os con sid erar o m a rtírio apenas na d im en são esp iri­


tual, em b o ra para os cristãos talvez fosse esse a m a io r m otivação.
D o p o n to de vista do pod er p o lítico , o cristian ism o representava
u m a am eaça à estabilidade do governo im perial.
N o im p ério, a religião era u m d ep artam en to do Estado.
Tratava-se de um serviço co n trolad o pelo qual se cobravam im ­
postos e se prestavam favores à população. Havia u m a in teração
en tre o Estado e a religião. C ultuar o Im p erad o r co m o Sen h o r
( D o m i n u s ), era cu ltu ar o Estado. Para co n firm ar este poder, o im ­
perad or tin h a as prerrogativas da divindade: A ugustus D ivinus,
preservad or da vida. C ham ava-se P o n t i f ex M a x i m u s, D o m i n u s et
D eu s. Esses títu lo s são ironizados pelos cristãos. A ceitam o poder

civil dos im perad ores e seus com parsas, m as n ão o pod er reli­


gioso.
O cristian ism o distingue a verdadeira e a falsa religião, ap o n ­
tando o cu lto im perial co m o falso, pois gerava a m o rte e a des­
tru ição dos opositores.
U m a vez que a com unid ade dos cristãos foi declarada co m o
associação ilícita ( c o l l eg i u m i l l i c i t u m ) , seus en co n tro s, reu niões e
cultos to rn am -se passíveis de conden ação. Ser cristão era ser re­
belde, e suas atividades subversivas e crim inosas co n tra a m ajes­
tade im perial. O s cristãos que, nas prim eiras décadas, se p ro p u ­
n h am serem fiéis aos poderes p atrióticos, passam a id en tificar o
im pério com o a “besta” que os persegue e os quer destruir (Ap 13).
Por u m lado, os cristãos têm a con vicção de sua m issão
universal de libertação, igualdade e fratern id ade dos povos. Por
o u tro, tem os u m Estado opressor, dividido em castas e poderes
co n stitu íd o s. A co n trap o sição en tre a co n cep ção de igualdade e
ju stiça dos cristãos e os poderes dos rom an os gera grande in ­
co m patib ilid ad e. O s cristãos n ão aceita m p articip ar do ex érci­
to rom an o. Estas baixas to rn am -se graves, qu an d o o n ú m ero de
cristãos cresce significativam ente nos povos conquistados.
A propagand a dita qu e “guerrear co n tra os ro m an o s é guer­
rear co n tra D eu s” (cf. Flávio Josefo, in Bell. Lud V - 3 7 8 ).
Para os seguidores de Jesus de N azaré, im p o rta a “pax ch ris-
tian a”, qu e eleva a fo rça da fratern id ade. O s cristãos se rebelavam
co n tra os poderes ro m an o s qu an d o se recusavam a p articip ar
dos jo g o s violentos, criticav am a im oralid ad e dos pod erosos da
sociedade.
H ouve, assim , décadas e m esm o séculos de to rtu ras, calú ­
nias e m o rte dos cristãos.

4 - M a r t ír i o e t e o l o g ia

Este tem a apresenta elem en tos h istó ricos, fu nd am en tos da fé e


os sen tim en tos h u m an o s, religiosos, sociais dos cristãos. P or suas
narrativas, ap ren d em os elem en tos d o u trin ais valio sos e, m u ito
especialm ente, a fecundid ade da conversão destes cristãos que
to rn a ram Jesus C risto a razão m ais excelente de suas vidas.
Estas fontes tiveram im p o rtân cia m u ito grande nas co m u ­
nidades. O s testem u n h os - pessoais, ocu lares e d o cu m en tais
- eram lidos nas com un id ad es e proclam ad os nas celebrações
litúrgicas.
D aqu ele períod o, herd am os três m od elo s de escritos, com
estilos b em d istintos.

P r im e ir o m o d e l o : Acta o u Gesta M artyrium


Estes relatos apresentam os pro cessos dos trib u n ais co m o
os diálogos, observ ações, respostas e acu sações qu e o co rriam
nas sessões públicas. N ão são m u itos, u m a vez qu e po u co s casos
m ereceram trib u n ais oficiais. O s textos escritos eram arquivados
nos d ep artam en tos pú blicos dos cartó rio s rom anos. O s p róp rios
cristãos, qu and o tin h a m algum acesso aos arquivos, organ iza­
vam este m aterial co m o fo rm a de preservar a figura destes “san ­
to s” da com un id ad e.
E n tre eles, en co n tram o s as Atas de São Ju stino, dos M ártires
da Sicília e as Atas consu lares de C ip rian o de Cartago.

M o d e l o d e A c t a M a r t y r iu m

Das atas do m artírio dos Santos Justino e seus companheiros.


Abracei a verdadeira doutrina dos cristãos

A q u e le s h o m e n s s a n t o s f o r a m p r e s o s e c o n d u z id o s a o p r e f e ito d e
R o m a , c h a m a d o R ú s tic o . E s t a n d o e le s d ia n te d o t r i b u n a l, o p r e ­
fe ito R ú s ti c o d is s e a J u s tin o : “ E m p r i m e ir o lu g a r, m a n i f e s ta t u a fé
n o s d e u s e s e o b e d e c e a o s i m p e r a d o r e s ”. J u s tin o r e s p o n d e u : “ N ã o
p o d e m o s s e r a c u s a d o s n e m p r e s o s , s ó p e lo f a to d e o b e d e c e r m o s
a o s m a n d a m e n t o s d e Je s u s C r i s to , n o s s o S a lv a d o r ”.
R ú s ti c o in d a g o u : “ Q u e d o u t r i n a s p r o f e s s a s ? ” E J u s tin o : “ N a v e r d a ­
d e, p ro c u re i c o n h e c e r to d a s as d o u trin a s , m a s acab ei p o r a b ra ç a r
a v e r d a d e i r a d o u t r i n a d o s c r is tã o s , e m b o r a e la n ã o s e ja a c e i ta p o r
a q u e le s q u e v iv e m n o e r r o .
O p r e f e ito R ú s tic o p r o s s e g u iu : “ E tu a c e it a s e s ta d o u t r i n a , g r a n ­
d e m is e r á v e l? ”. R e s p o n d e u J u s tin o : “ S im , p o is a sig o c o m o v e r d a d e
a b s o lu t a ”.
R ú s tic o p e r g u n t o u : “ E n t ã o tu és c r is tã o ? ”. J u s ti n o a f i r m o u : “ S im ,
s o u c r i s t ã o ”.
O p r e f e ito R ú s ti c o c o n t i n u o u : “ E n t ã o , t u s u p õ e s q u e h á s d e s u b ir
a o c é u p a r a r e c e b e r a lg u m p r ê m i o e m r e t r i b u i ç ã o ? ”. J u s ti n o r e s -
<
pondeu-lhe: “Não suponho, tenho a maior certeza”. O mesmo tam­
bém disseram os outros mártires: “Faze o que quiseres; nós somos
cristãos e não sacrificaremos aos ídolos”.
Glorificando a Deus, os santos mártires saíram para o local deter­
minado, onde foram decapitados e consumaram o martírio pro­
clamando a fé no Salvador.

S e g u n d o m o d e lo : Passiones M artyria

Estes escritos descrevem os m a rtírio s dos cristãos, p o r tes­


tem un has da próp ria com un id ad e. A lém da d escrição, qu e se
supõe co rreta e co eren te, os textos ap resentam a in terp retação e
as im pressões dos seus autores. A lém de descrever os passos do
m artírio , seus autores d eixam suas im pressões, sua ad m iração
e sua m ensagem . Trata-se de h istórias verdadeiras, co m grande
teo r h istó rico , qu e trazem expressões de respeito, ad m iração e
en can tam en to dos escritores. São tan tas as n arrativas, co m o o
M a rtírio de Policarp o, as C artas de V iena e Lyon para a Á sia e
a Frigia, a P aixão de Perpétua e Felicidad e, M a rtírio de Papilo e
A gatônia e A polônio.

M o d e l o de Pa s s io n e M a r t y r ia

Da narração do m artírio dos Santos Mártires de Cartago


Chamados e escolhidos para a glória do Senhor

Despontou o dia da vitória dos mártires. Saíram do cárcere e en­


traram no anfiteatro, como se fossem para o céu, de rosto radiante
e sereno; e se algum tinha a fisionomia alterada, era de alegria, e
não de medo.
Perpétua foi a primeira a ser lançada aos ares por uma vaca brava
e caiu de costas. Levantou-se imediatamente e, vendo Felicidade
caída por terra, aproximou-se, deu-lhe a mão e ergueu-a. Ficaram
ambas de pé. Saciada a crueldade do povo, foram reconduzidas à
porta chamada Sanavivária.
O povo, no entanto, exigia em alta voz que fossem levados para o meio
do anfiteatro aqueles que iam receber o golpe final; pois queriam ver
com os próprios olhos, cúmplices do homicídio, a espada penetrar
no corpo das vítimas. Os mártires levantaram-se espontaneamente e
foram para onde o povo queria; depois deram uns aos outros o óscu­
lo santo, para coroarem o martírio com este rito de paz.

T e r c e ir o m o d e l o ; L e n d a d o s M á r t ir e s

Estas narrativas m erecem p articu lar aten ção e m aio res c u i­


dados an alíticos. São textos de o rig em indefinid a, pois surg iram
co m o trad ições orais. C ertam en te, a base dos fatos é h istó rica,
pois co n ta m o m a rtírio de personagens h istó rico s e co n h ecid o s
pela h istó ria da Igreja. N o en tan to , os fatos qu e em old u ram os
aco n tecim en to s são carregad os de im agin ação e fantasia, ficand o
difícil com p rovar sua veracidade.
Q u an d o lem os as h istórias de Santa In ês, Santa C ecília, Santo
H ip ólito, San ta B árb ara, São L ou ren ço, São Sisto, São Sebastião,
Santo In ácio , en tre m u itos outros, ficam os fascinad os co m o es­
tilo pied oso e rom an cead o dos textos.
As com un id ad es descrevem co m m u ito ard or e fascinação,
co m o fo rm a de catequese e de sedução dos nov os cristão s.

M o d e l o : Len d a d o s M á r t i r es
Sa n t a I n ê s - V i r g e m m a r t i r i z a d a e n t r e o s s é c u l o s III e IV

Para não trair sua condição de cristã, Inês deixou-se conduzir ao lupa­
nar, próximo ao circo de Domiciano. Hoje, nesse local mal-afamado se
ergue a igreja de Santa Inês de Agone, situada na praça Navona.
No bordel, deu-se o milagre: nenhum homem ousou aproximar-se
da mocinha. Um que se atreveu a fazê-lo, caiu a seus pés, sem vida.
O prefeito acorreu ao local e, para pôr à prova o poder tauma-
túrgico da jovem, disse: “Se ressuscitares esse infeliz, sairás daqui
livre”. Inês ergueu os braços ao céu, invocando o nome de Jesus, e
o homem ressuscitou.
“É uma feiticeira”, exclamaram os presentes; o prefeito, pondo o
termo à discussão, entregou-a aos carrascos.
S ã o L o u r e n ç o - d iá c o n o e m á r t i r ( + 2 5 8 )

Seu m a rtírio , diz o poeta Prud ên cio, assinalou o declín io


dos deuses de R om a. Sinal, p o rtan to , de qu e a m o rte do jo vem
d iácon o L o u ren ço pro vocara na cidade u m a grande im pressão a
p o n to de os pagãos - vendo tão serena coragem co n tra a to rtu ­
ra - co m eçarem a se in terro gar sobre a religião professada pelo
h eroico m ártir.
Sua im agem , cingid a de lenda (a Paixão de São L ourenço,
de u m século po sterio r a sua m o rte, é p ou co confiável) já nos
escritores p ró x im o s de sua época, co m o P ru d ên cio, D âm aso e
A m b rósio , está ligada à sua to rtu ra. O m ártir, p osto em u m a gre­
lha colo cad a sobre carv ões ard en tes, en co n tra u m m o d o de g ra­
cejar: “Vede, deste lado já estou b em cozid o; v irai-m e do o u tro ”.

5 - E s t il o l it e r á r io d o m a r t ír i o

O s escritos acerca do tem a do m a rtírio na Patrística crio u um


gênero literário. A p artir de u m d o cu m en to oficial, in icia-se um a
c o n sp i r a ç ã o d o s a d v er sá r i o s, qu e vão au m en tand o as acu sações e

calúnias co n tra os fiéis cristãos. O s inim ig os dos cristãos (poderes


públicos e adversários religiosos) in iciam u m processo de propa­
ganda co n tra os cristãos co lo can d o a sociedade co n tra eles. O s es­
critos co n tam , ainda, co m grande d etalh am ento do processo. As
passagens da con d enação, os atos dos trib u n ais e a organização
d ocu m en tal são descritas, pro m ovendo a veracidade dos fatos.
O s cristãos sem pre revelam grande con vicção e segu rança
n a p ró p ria fé. A ssim , a profissão de fé, serena e segura, é sem pre
u m o b je to m u ito valioso nos relatos. C o m grande esm ero literá­
rio, os textos descrevem os m o m en to s, falas, expressões e gestos
dos to rm en to s.
O quad ro narrativo dos to rm en to s pro voca grande a d m i
ração pelos cristãos e repú dio pelos algozes. N o final tem os os
relatos do sepultam en to dos m ártires. São levados a lugares sa­
grados, a capelas ou esco n d erijo s da com un id ad e. Esta p rática é
carregada de devoção pelos fiéis, e os restos m ortais dos m ártires,
b em co m o seus pertences, to rn am -se o b je to s de cu lto. Estes o b ­
jeto s de cu lto en cerram a m ística das relíquias nos novos séculos
do cristian ism o, sobretu d o nos tem pos da cristandade.

6 - C a m i n h o d o m a r t ír i o

N aturalm ente, os m ártires in com od av am os poderes religiosos


e político s. V ejam os alguns aspectos da literatu ra patrística dos
m ártires:

• O s m ártires sem pre revelavam grande coragem e co n v ic­


ção de sua fé.
• A d eterm in ação dos m ártires vin h a da certeza de que
D eus os so co rria em seus suplícios.
• O s m ártires eram fiéis respeitados; m as, d ian te dos p o d e­
res p o lítico s, m anifestavam profu n d a in dignação.
• N as to rtu ras e in terro g ató rio s, suportavam os escárn io s
co m serenidade.
• A ntes de serem m artirizad os, d eixam m ensagens e ad­
m oestaçõ es aos fiéis.
• N u n ca aceita m am enização de seus suplícios e n ão acei­
tam co n d içõ es para evitarem o m artírio .
• E xpressam serenid ad e e elevam o raçõ es na h o ra da
m o rte.
• O gesto de cam in h arem até o local da execu ção revela sua
liberdade. O m á rtir não vai atrás da m orte, m as assu m e e
confessa sua fé e sua con vicção. O bserva-se, m uitas vezes,
a in d icação da co n d en ação e os in stru m en to s usados nas
torturas.
• C onhecem os m uitas descrições de fenôm enos extraordiná­
rios na natureza e nas pessoas quando os m ártires são supli­
ciados.
(
• O s relatos não são hom ogêneos, m as sempre elevam a gran­
deza dos m ártires, a adm iração do povo e certo orgulho de
exaltarem os m ártires, expressão de fidelidade, co ragem e
santidade.

7 - Re zar o m a r t ír i o e o s m á r t ir e s

E m vários p eríod os da h istó ria do cristian ism o, os fiéis co n h e ­


ceram o m artírio . Q u an d o o m á rtir sofre, tod a a co m un id ad e
aco m p an h a seu calvário. Para evitar seus to rm en to s, m uitas ve­
zes lh e é p rop osta a ren ú n cia de suas con vicções. N ão devem os
nos escand alizar se os m ártires ten taram escapar da m o rte e dos
tortu rad ores. M as n u n ca n egaram a fé que professavam n a c o ­
m unidade.
São C ip rian o an o ta qu e o n o m e dos m ártires são luzes no
firm am en to do céu. Seus testem u n h o s alim en tam a esp iritu ali­
dade e a fé da co m u n id ad e, pois são “trig o m o íd o para sustentar
a fé dos cristão s”. Pelo exem plo dos m ártires, surgem novos cris­
tãos d ispostos a en tregar a vida. É a m ística da resistência.
Se o m a rtírio é m a io r sinal da fidelidade cristã p o r excelên ­
cia, ele é a lib ertação do fiel p ara D eu s, revela sua superioridade
em relação aos poderes opressores, expressa a vocação b atism al e
to rn a o fiel sem elhan te a C risto.
! ! 1 - T E M A S E c LESIAIS
I - C o m u n id a d e c r is t ã : B u sc a d e id e n t i d a d e

C o m o passar das décadas, as com un id ad es devem d efinir ele­


m en to s im p o rtan tes de u m a estru tu ra eclesial, dos seguidores de
Jesus de N azaré. A Ig reja deve d elim itar as características m ísti­
cas, m as ta m b ém in stitu cio n ais, da com u n id ad e eclesiástica. São
criad os critério s para a in iciação cristã, pela qual o n eoconver-
tid o passa a p erten cer p le n am en te à “fam ília cristã ”, que cresce
e se espalha p o r to d o o O rien te M éd io , Á frica, Á sia e, de fo rm a
surpreen d en te, na Eu ropa. O cristian ism o segue os passos do
Im p ério R o m an o , crescen d o à sua so m b ra em b o ra to talm en te
a u tô n o m o , p articu larm en te nas perseguições.

P or in term éd io de 4 autores, aprofu nd am os o tem a da id en ­


tid ade eclesial da Patrística: Tertu liano, declarado h erético por
sua d o u trin a rigorista, o m o n tan ism o , H ip ólito de R o m a, pro vá­
vel cod ificad or do catecu m en ato prim itiv o, C ip rian o de C artago,
apresentad or das diretrizes da “unidade da Igreja”. N esta u n id a­
de, in serim o s C irilo de Jeru salém , que n os legou as catequeses
referentes à In iciação C ristã.
E m b o ra vivendo em m o m en to s tão diferentes, ap ro xim a­
m os estes au tores que ed ificam os alicerces fu nd am en tais da vida
eclesial. Suas posturas estão presentes em nossas com unid ades
co n tem p orân eas, qu e devem aco lh er a tod os, m as qu e tem em o
laxism o e a perda de id entid ad e dos seus fiéis.
1 - T e r t u u a n o : e n t r e a u s t e r id a d e e r ig o r is m o

É filho de u m cen tu rião ro m an o m u ito con sid erad o na Á frica


rom an a. Seus pais são pagãos e fiéis à d isciplin a do Im p ério
R o m an o . Esta fo rm ação m ilitar m arca sua personalidad e e sua
espiritualidade. N atural de C artago, p rovíncia da Á frica do
N orte, con verte-se ao cristian ism o n o final do século II. Sua p ri­
m eira fase n o cristian ism o é valiosa e d eixa precio sos escritos.
T o rn an d o -se m o n tan ista (2 0 7 d .C .) passa a ser con sid erad o es­
crivão eclesiástico.

1.1 - O b r a s d e T e r t u lia n o

Escreve em latim e grego, o qu e nos p erm ite reco n h ecer a


linguagem dos cristãos de seu tem po. D estacam os:

1 - A p o l o g et i c u m : sua o b ra-p rim a, (1 9 7 d .C .), endereçad


aos m agistrados das províncias rom anas. N esta o b ra d en u n cia os
processos sum ário s co n tra os cristãos e responde às suas acu sa­
ções. T ertu liano exalta as virtudes dos cristão s, sobretu d o o g ran ­
de h eroísm o para su p o rtar as perseguições. N esta o b ra , eleva o
m a rtírio co m o m agn ífica fo n te de conversão ao cristian ism o.
2 - D e P r a esc r i p t i o n e H a er et i c o r u m : o b ra m u ito p o lêm ica, na
qual co n d en a os gnósticos co m o h eréticos, que ab an d on aram a
Ig reja e n ão têm direito de ler as Escritu ras. A firm a qu e so m en ­
te as com un id ad es fundadas pelos apóstolos são os verdadeiros
pregadores do Evangelho.
3 - D e C o r o n a M i l i t i s : nesta o b ra, analisa a relação en tre os
m ilitares e os cristãos. N a sua co n cep ção, os sold ad os n ão podem
ser cristãos, a n ão ser qu e ab an d on em a profissão. A presenta três
arg um entos:

• im possibilid ad e teoló gica: n ão se pode fazer ju ra m e n to


de fidelidade ao C risto e ao Im p erad o r ao m esm o tem po,
u m a vez que este se apresenta co m o se fosse u m a d iv in ­
dade;
• im possibilid ad e prática: o cristão é soldado de C risto e
não deve prestar o b ed iên cia ao im p erad or;
• im possibilid ad e eclesiástica: os soldados perseguem os
cristão s e, particip an d o dos cu ltos secretos, os soldados
co n h eceriam e d en u n ciariam os cristãos.

Suas obras são fo rtem ente apologéticas e rigorosas e sem pre


em con trap osição: C on tra M arcião, C o n tra H erm ógenes, C on tra
os V alentinianos e C o n tra Práxeas (sobre a Trindade). Tam bém es­
creveu “A C arne de C risto” (sobre a en carn ação) e a “Ressurreição
dos m o rto s”, b em co m o tratados sobre a oração e a pen itência.
N a sua fase M ontanista, escreveu sobre a “Fuga”, “E xortação à
C astidade”, o “V éu das Virgen s”, a “O n ogam ia” e “O Pud or”, onde
expõe seu rigorism o e a crença na próxim a encarn ação do Espírito
Santo. A cabou p o r fundar u m grupo, os “tertulianistas”, que mais
tarde fo ram reconduzidos à Igreja por A gostinho de H ip ona.
Seus escritos destacam a rigidez de sua m oral, o fan atism o
p o r suas ideias m on tan istas.

1 .2 - V is ã o t e o l ó g i c a e e c le s iá s tic a

C o n trib u i na gênese da d o u trin a sobre a Santíssim a Trindade


e sobre o M a trim ô n io . Para este “sacram en to ”, apresenta seu as­
pecto in stitu cio n al, sua fu n ção e seus lim ites.
N o “T ratado à m in h a esposa”, afirm a qu e as viúvas n ão de­
vem co n tra ir novas núpcias, p ois o m a trim ô n io é perene m esm o
depois da m o rte de u m dos côn ju ges. P or sua visão du alista, de­
fende que o m a trim ô n io é valor secu n d ário dian te da castid ad e e
da “abstenção dos prazeres do m u n d o ”. Na o b ra “A M on o g am ia”,
co n d en a as segundas núpcias.
N o qu e se refere aos desertores das co m un id ad es, d en o m i­
nad os “lapsos”, p ro íb e seu reto rn o às com unid ades.
Seu p en sam en to m on tan ista invade p au latin am en te suas
obras. Exerce in flu ên cia sobre o u tro s Padres da Ig reja da Á frica,
m o rm en te C ip rian o de C artago e A gostin ho de H ip ona.
O s L ap so s

P e la h is tó r i a d a I g r e ja , a p r e n d e m o s q u e o s a n o s d e m a r t í r i o f o r a m
lo n g o s e in te n s o s . O s c r is tã o s v iv ia m s o b a a m e a ç a c o n s t a n te d a s
p e r s e g u iç õ e s . E s ta s p e r s e g u iç õ e s s e d a v a m e m p e r ío d o s a l te r n a ­
d o s . H a v ia g o v e r n a n te s e i m p e r a d o r e s m e n o s in tr a n s ig e n te s c o m
o s c r is tã o s e t a m b é m h a v i a p e r ío d o s e m q u e a s m i líc ia s r o m a n a s
e s ta v a m e m p e n h a d a s e m lu ta s i n t e r n a s o u n o v a s c o n q u is ta s . N o
p e r í o d o d e c a l m a r i a , c r e s c ia m o s a d e p to s d o c r is tia n is m o q u e , n o
t e m p o d a s p e r s e g u iç õ e s , n e g a v a m a fé. C o m a v o lta d a b o n a n ç a ,
s o lic ita m a r e i n te g r a ç ã o n a c o m u n id a d e . Is so g e r o u a c o n tr o v é r s i a
d o s “ la p s o s ”, p o is o s r i g o r i s ta s n ã o o s a c o l h i a m n e m c o n s id e r a v a m
v á lid o s o s s e u s s a c r a m e n t o s . A c o n te n d a se e s te n d e u p o r v á r ia s d é ­
c a d a s e a I g r e ja v o lto u a a c o l h e r e s te s fiéis a r r e p e n d id o s .

2 - H ip ó l it o e o c a t e c u m e n a t o c r is t ã o

A trad ição p atrística co n h ece u m a o b ra valiosa, d en om in ad a


Trad ição A postólica, que é atrib u íd a a H ip ólito. Seus escritos
apresentam as exigências e os rituais da Ig reja prim itiv a, tal qual
eram vividos pela co m un id ad e de R om a. E m b o ra h a ja d iscu s­
sões a respeito, con sid erarem os a Trad ição A postólica co m o o b ra
de H ip ólito.

H ip ólito de R o m a vem do O rien te grego (ca. 1 7 0). C o n si­


derado u m presbítero am b icio so e rig orista, ata cou co m veem ên ­
cia os m od alistas. E m sua atu ação em R om a, to rn o u -se adversá­
rio de C alisto, crian d o u m a co m un id ad e cism ática. T o rn a-se o
p rim eiro an tip apa da h istó ria da Igreja. Esta separação p erd u rou
d u rante os p o n tificad os de U rb an o e P on ciano. Escreveu algu­
m as ob ras co m estilo eru d ito e m u ito pessoal. D estaca-se so ­
b retu d o sua “R efu tação de todas as h eresias”. Form ad o n a escola
de A lexandria, foi in flu en ciad o pelos filósofos gregos. Escreve
na língua grega, co m b aten d o as heresias. Seus escritos to cam
questões pastorais e práticas. A trib u i-se a ele a valiosa T r a d i ç ã o
A p o st ó l i c a , bem co m o o F r a g m en t o M u r a t o r i a n o .
Viveu co m o cism ático em Ó stia, p o r 2 0 anos, pois n ão acei­
tara a escolha do Papa C alisto. Foi exilado, ju n ta m e n te co m o
Papa P on cian o , e m o rreu n os trabalh os fo rçad os nas m in as da
Sardenha. M orreu m á rtir em 2 3 5. Está sepultado em R o m a co m
o Papa P on cian o , qu e fora seu op o n en te na Ig reja de R om a.

M o d a l i sm o

As discussões sobre a Trindade são muito fortes a partir do século


II e III, buscando definir a identidade das pessoas trinitárias e a re­
lação entre elas na economia da salvação. A preocupação da Igreja é
evitar contradições na doutrina trinitária. O m o n a r qu i an i sm o m o-
dal i st a ensinava que o Filho de Deus era o próprio Pai, revelado
num modo diferente; professava que o Pai padeceu e morreu na
cruz. Esta é a doutrina do “patripassionismo”. Elaborada por Noeto,
em Esmirna, foi difundida em Roma e Cartago, na África. Para re­
jeitar esta heresia, o Papa Zeferino (198-217 d.C.), afirma a divin­
dade de Cristo e sua unidade em Deus, com diversidade de pessoas.
Foi estendido ao Espírito Santo, como uma nova modalidade da
ação divina na história. Sabélio, seu defensor, professa três revela­
ções de Deus: a primeira como Pai na criação e na inspiração do
Antigo Testamento, a segunda como Filho na redenção e a terceira
como Espírito Santo, na santificação do ser humano. Por sua vez, o
adocionismo professa que Deus é um ser superior, indivisível, e que
o Filho não é co-eterno com o Pai, mas foi adotado como tal por
Deus para salvar a humanidade, seja no batismo, seja na ascensão.
Seu principal defensor é Teodósio de Bizâncio. Esta doutrina, de
tipo subordinacionista, nega a Trindade e difunde que o Filho e o
Espírito são apenas manifestações do próprio Pai na história.

2 .1 - A s p e c t o s t e o l ó g i c o s

Sua apresentação da Ig reja in flu en cia a o rgan ização das


igrejas locais. O m od elo é a Igreja de R o m a. A credita qu e a Ig reja
é u m a sociedade de pessoas ju stas e santas. Devem ser excluídos
os pecadores co n tra a fé e os costum es, tan to pessoais qu an to
sociais.
H ip ólito escreve co m erudição, p artin d o do testem u n h o
e da utop ia das com un id ad es cristãs. A presenta a d o u trin a da
E u caristia fu n d am en tan d o -se n o s textos da Sagrad a E scritu ra e
segu indo a trad ição. A Trad ição A postólica é u m a fo n te precio sa
de o rien taçõ es sobre a liturgia. D efen d e o je ju m pascal de dois
dias e en sin a que a ceia eu carística m erece reverência, pois nela se
p artilh a o co rp o de C risto. H ip ólito n os d eixa u m legado im p o r­
tan te de eclesiologia. Na T rad ição A postólica, assinalam os alguns
elem en tos eclesiais co m o a existência de m in istério s ord enados
(bispos, presbítero s e d iácon o s) e n ão ord enados (viúvas, v ir­
gens, leitores etc.). Ele faz u m a lista exaustiva elen can d o as p ro ­
fissões e co m p o rta m en to s in com patíveis co m a vida do cristão.
Para to rn a r-se cristão, os con vertid os devem ser preparados e
acom p an h ad os p o r três anos, form ad os pelos doutores e m estres
da com un id ad e, seguidos p o r seu “pai esp iritu al” e apresentados
aos escru tín ios dian te do bisp o da com un id ad e. V aloriza-se m u i­
to o b atism o de crian ças. Im p o rta n te é a sua o ração eu carística,
as o raçõ es diárias e oraçõ es de b ên çãos. E n sin a e professa que
pão e v in h o se to rn am o C o rp o e o Sangue do Senhor.

So b r e a i n i c i a ç ã o c r i s t ã

A q u e le s q u e se a p r e s e n t a m p e la p r i m e i r a v e z p a r a o u v ir a p a la v r a
s e r ã o le v a d o s d ia n te d o s d o u t o r e s . P e r g u n t a r -s e - á a r a z ã o d e s u a
v in d a à c o m u n id a d e d e fé ( n . 1 5 ) .
O c a t e c ú m e n o s e r á i n t e r r o g a d o s o b r e s u a s a tiv id a d e s e s u a p r o f is ­
s ã o . S e m a n t é m u m a c a s a d e p r o s t it u iç ã o , s e ja r e je ita d o . S e é e s c u l­
t o r o u p in to r , d e v e c e s s a r o u s e r á r e j e ita d o . S e a lg u é m é a t o r o u e n ­
c e n a d o r e m t e a tr o s , d e v e c e s s a r o u s e r á r e j e ita d o . S e a lg u é m e n s in a
a s c r ia n ç a s , é m e l h o r c e s s a r ; se n ã o t e m o u t r a p r o f is s ã o , e n tã o p o d e
c o n ti n u a r . D o m e s m o m o d o o c o c h e i r o q u e c o n c o r r e o u a q u e le
q u e t o m a p a r t e e m jo g o s d e v e c e s s a r o u s e r á r e j e it a d o . O g la d i a d o r
o u s e u s in s t r u to r e s , o b e s t iá r io q u e t o m a p a r t e n a c a ç a ( n a a r e n a )
o u o f u n c i o n á r i o d o g l a d ia d o r d e v e c e s s a r o u s e r á r e j e it a d o ... ( 1 6 )
O s c a t e c ú m e n o s o u v ir ã o a P a la v r a p o r t r ê s a n o s . S e a l g u é m é z e lo ­
s o e se a p lic a c o m d ilig ê n c ia , n ã o se j u l g a r á o t e m p o , m a s s o m e n t e
a s u a c o n d u t a ... Q u a n d o s e e s c o l h e m a q u e le s q u e v ã o r e c e b e r o
b a ti s m o , q u e s e ja e x a m i n a d a s u a v id a : e le s v i v e r a m h o n e s ta m e n t e
d u r a n te e ste p e r í o d o , h o n r a r a m a s v iú v a s ? V is it a r a m o s e n f e r m o s ?
R e a l iz a r a m b o a s o b r a s ? ( n . 2 0 ) .. .
A q u e le q u e b a tiz a d ir á : T u c r ê s e m D e u s , P a i t o d o - p o d e r o s o ?
A q u e le q u e é b a tiz a d o d irá : E u c r e io (a s s im se fa rá trê s v e z e s) (n . 2 1 ) .
N o D ia d o S e n h o r , o b is p o , s e p o s s ív e l, d is t r ib u ir á a c o m u n h ã o p e s ­
s o a l m e n te a t o d o o p o v o , e n q u a n t o o s d iá c o n o s fa z e m a p a r til h a e
o s p r e s b í te r o s p a r t e m ig u a l m e n te o p ã o ( n . 2 2 ) . (B . B o tt e , Tradição
apostólica de Hipólito de Roma, A s c h e n d o r f f , M u n s te r , 1 9 8 9 )

3 - C ip r ia n o d e C a r t a g o : Re c o n c il ia ç ã o e u n id a d e

C ip rian o ded ica seus escritos e sua ação pastoral para u n ificar a
co m un id ad e dos fiéis, fam ília universal, que “ed ifica os corações
dos qu e são fiéis a C risto e estão unid os pelo in qu ebran tável v ín ­
cu lo do a m o r”. A h ierarqu ia é a servidora dos fiéis, p o is a Igreja
h arm o n iza os dons e os carism as dos fiéis, co n greg an d o-os co m o
povo de D eu s. O s epíscop os, presbíteros e d iácon os guiam as c o ­
m unid ad es, celeb ram os sacram en to s, proteg em os fiéis, aco lh em
os pecadores e fo rm am n eófitos.

3.1 - D a d o s b io g r á f ic o s

D ia n te de tan tas dissensões na Ig reja, sobretu d o na Á frica


e p eran te ta n to rad icalism o, qu eren d o preservar a co m un id ad e
cristã do laxism o, C ip rian o tem u m a p ostu ra m ais acolh ed ora
dos pecadores.
N ascido em C artago (2 5 8 d .C .), está m u ito d istante do p e­
río d o de T ertu liano, m as en fren ta as m esm as qu estões eclesiais
daquelas com unid ad es. Sua conversão (ca. 2 4 7 ) o levou a p a rti­
lh ar seus ben s co m os pobres. Esta exp eriên cia é relatad a em sua
o b ra A D o n a t o . Foi estim ulado pela leitu ra da B íb lia e p elo Padre
C ecílio , seu m od elo de cristão.
T o rn a-se sacerdote e é eleito bispo de C artago (2 4 9 d .C .). É
con sid erad o grande escritor, o rad o r e retó rico . N o seu governo
episcopal, revelava m ansid ão, firm eza e equ ilíb rio . N a sua m is­
são em C artago sofreu a perseguição dos im perad ores D écio e
V aleriano. N um a p rim eira perseguição fugiu da cidade; do es­
co n d erijo , anim ava e exortava os fiéis. C o m o bispo, acolh eu os
apóstatas arrependid os e realizou co n cílio s bienais. Send o o p ri­
m az da Á frica, co n fro n to u R o m a e declarou inválido o b atism o
de hereges. Foi preso e exilado (2 5 7 ), sendo decap itado n o ano
seguinte. C on sid erad o o m ais ilustre dos m ártires da Á frica.

3 .2 - P r in c ip a is o b r a s

C on sid erad o o p rim eiro bispo escrito r do O cid en te, seus es­
critos refletem sua ação pastoral, sua catequese e suas pregações.
Seus tem as pred iletos são: a unid ad e da Igreja, a p en itên cia, o
m a rtírio e a Sagrada E scritu ra. É ch am ad o o “C ícero cristão ”.
A pro fu nd ou os textos b íb lico s em duas obras: L i v r o s a
Q u i r i n o e T est em u n h o s, qu e são u m a d o cu m en tação m etód ica

de textos b íb lico s usados na catequese e na con trov érsia co m os


ju d eu s. In terp reta o A ntigo Testam ento à luz da fé cristã; ou seja,
faz u m a “leitu ra crística do A ntigo T estam ento”. Para C ip rian o, a
Ig reja de C risto é o verdadeiro Israel, onde se realiza a verdadeira
A liança.
N um terceiro livro, ded icado aos pregadores, m ergulha nos
exem plos b íb lico s para an im a r os cristãos a viver a fé, sobretu d o
nas perseguições.
E xistem conservadas 65 cartas, o nd e trata de questões p o ­
lêm icas co m o cism a, b atism o de hereges e de crianças, eu caristia
dos lapsos e vida co tid ian a das com unid ad es.
D estacam os ainda p equen os tratad os sobre as obras de m i­
sericórd ia (As o b r a s e a esm o l a ) , a n ã o -v io lên cia e a paz (O b em
d a p a c i ên c i a ) , o co n fo rto em tem p o de epidem ia (A m o r t a l i d a ­

d e) , a v ocação das virgens consagradas (O est a d o d a s v i r g en s) , a


in iciação à o ração (A o r a ç ã o d o Sen h o r ) , o exem plo h ero ico do
m a rtírio ( E x o r t a ç ã o a o m a r t í r i o ) .
Seu m artírio en obreceu sua ação episcopal. C onsid erado
“um a das m ais belas figuras de bispo da h istó ria da Igreja, u m a
das ob ras m ais lidas e m ais copiadas” (H ans von C am p enhausen.
L es P èr es l a t i n s, Paris: Ed. de 1’O ran te, 1967, p. 4 8 -7 6 ).

3 .3 - U n id a d e d a Ig r e ja

E n tre grandes co n flito s in tra-eclesiais, C ip riano, b em co m o


A gostinho m ais tarde, lu ta pela unidade da Igreja.
Vive para a Igreja, para a unid ad e da Ig reja, qu e deve ser
co m o a tú n ica de C risto , que não pode ser rasgada. N o p rim eiro
tratad o de eclesiologia qu e co n h ecem o s, afirm a que “não pode
ter D eu s p o r pai quem n ão tem a Ig reja p o r m ãe” (in: D a u n i d a ­
d e d a I g r ej a , prim eiro tratad o de eclesio lo gia). Ele insiste qu e a

verd ad eira Ig reja se con cretiza na unidade do colégio episcopal


em u nião co m a Sé apostólica. O episcopado lo cal é o sinal c o n ­
creto da unid ade eclesial. D en tro desta visão universal de Igreja,
C ip rian o defende os direitos particu lares da Igreja african a c o n ­
tra o au to ritarism o cen tralizad or de R om a. Escreveu um tratad o
So b r e os q u e f r a q u ej a r a m , p ropond o a acolh id a dos lapsos, co m o

m eio de acolhid a dos apóstatas penitentes.

Q u an d o trata dos m in istérios eclesiais, C ip rian o apresenta o


sacerd ócio co m o m in istério na Ig reja. Ele en sin a qu e o sacerd ó­
cio é u m serviço que supera o caráter sacrifical e a fu nção ecle­
sial. Sua m issão é o fertar o verdad eiro sacrifício de C risto, que é
u m a oferenda d iária para g lo rificar a D eu s e san tificar o povo.
Sua m issão é ser co o p erad o r de D eu s na o b ra de divinização do
m un d o. O ep íscopo ren u n cia à vida con tem p lativ a qu e bu sca
D eus n o silên cio e na solidão, para b u scar D eu s nas fainas c o ti­
dianas. O s m in istro s da co m un id ad e bu scam a Deus n o serviço à
co m u n id ad e, co m o o so co rro às vítim as da peste.
D e U n i t a t e Ec c l e s i a e

A s s im m u i to s s ã o o s r a i o s d e s o l, m a s u m a s ó é a lu z , m u i to s o s
r a m o s d e u m a á r v o r e , m a s u m s ó é o t r o n c o p r e s o à f i r m e r a iz . E
q u a n d o d e u m a ú n ic a n a s c e n te e m a n a m d iv e rs o s r i a c h o s , e m b o r a
c o r r a m s e p a r a d o s e s e ja m , m u i to s , g r a ç a s a o c o p io s o c a u d a l q u e
r e c e b e m , to d a v ia p e r m a n e c e m u n id o s n a f o n te c o m u m . S e p u d é s ­
s e m o s s e p a r a r o r a i o d o c o r p o d o s o l, n a lu z a s s im d iv id id a já n ã o
h a v e r ia u n id a d e . Q u a n d o se q u e b r a u m r a m o d a á r v o r e , o r a m o
q u e b r a d o j á n ã o p o d e v ic e ja r . S e s e p a r a m o s u m r e g a to d a f o n te , e le
s e c a r á . I g u a lm e n te a I g r e ja d o S e n h o r , r e s p l a n d e c e n te d e lu z , la n ç a
s e u s r a io s n o m u n d o in t e i r o , m a s a s u a lu z , d if u n d in d o -s e e m to d a
a p a r te , c o n ti n u a s e n d o a m e s m a e , d e m o d o n e n h u m , é a b a la d a a
u n id a d e d o c o r p o . N a s u a e x u b e r a n te f e r tilid a d e , e s te n d e o s s e u s
r a m o s e m t o d a a t e r r a , d e r r a m a a s s u a s á g u a s e m v iv a s to r r e n t e s ,
m a s u m a s ó é a c a b e ç a , u m a a f o n te , u m a a m ã e , t ã o r i c a n o s f r u t o s
d e s u a f e c u n d id a d e . D o p a r t o d e la n a s c e m o s , é d e la o le ite q u e n o s
a lim e n ta , d e la o E s p ír ito q u e n o s v iv ific a . ( C i p r i a n o d e C a r t a g o , De
Unitate Eclesiae, V , 3 -6 )

4 - G r il o de Je ru s a lé m : a s c a te q u e s e s

O catecu m en ato é o cam in h o da in iciação cristã. O n eocon ver-


tid o precisava aprender todos os en sin am en to s da fé cristã e in ­
gressar na co m u n id ad e, co m p articip ação progressiva n os cultos
litúrgicos. Ao m esm o tem po, sua vida era tran sfo rm ad a e seu
co m p o rta m en to renovad o, co n fo rm e as exigên cias da m oral dos
cristãos.
C irilo de Jerusalém n os deixou co m o h eran ça dois exem p la­
res fu nd am en tais destas catequeses, qu e ain da em n ossos tem pos
ilu m in am a fo rm ação catequ ética dos cristãos.

4 .1 - D a d o s b io g r á f ic o s

N ascido em Jeru salém (3 1 5 d .C .) C irilo recebeu educação


cristã. F o i ord enad o sacerdote p o r São M áxim o (3 4 5 ), ao qual
sucedeu co m o P atriarca de Jeru salém (3 5 0 ). C o m a fo rça p o lítica
e eclesiástica dos arian os, passou vários an os n o exílio. Foi ex ­
pulso pelos arian os (3 5 7 ) e viveu em Tarsus (atu al Tu rqu ia) até
3 59 . A pós breve p erm an ên cia em sua sede, sofreu novo exílio im ­
po sto pelo Im p erad o r Ju lian o, o apóstata (36 1 a 3 6 3 ). A inda um
terceiro exílio (3 6 7 a 3 7 8 ) com and ad o pelo Im p erad o r A rian o
Valens. G regório de N issa sem pre o in o cen to u . E n fim , dos 38
an os de episcopado, passou 16 anos no exílio. C irilo e G regório
p articip am do grande C o n cílio de C o n stan tin o p la (381 d .C .).
A té sua m o rte (3 8 6 ), dedica seus ú ltim o s an os à p acificação e
u n ificação da Igreja no O rien te.

4 .2 - O b r a s p r in c ip a is

O s estudiosos da P atrística são u nân im es em recon h ecer


a im p o rtân cia de suas catequeses, co m o m ais im p o rtan tes da
A ntigu idade cristã. Estas catequeses n os apresentam o con teúd o
da educação religiosa cristã m in istrad a aos n eocon vertid os. Nas
“catequeses p ré-b atism ais”, en co n tra m o s a explicação do C redo,
sem elhan te ao credo n icen o -co n stan tin o p o lita n o , co m valiosas
interpretações.
Sua segunda o b ra, C a t eq u eses M i st a g ó g i c a s, apresenta e ex­
plica o cu lto cristão, p articu larm en te os sacram en to s da in icia ­
ção cristã. Estas catequeses n os levam ao co n h ecim en to da fé da
Igreja p rim itiv a e as expressões culturais desta fé na co m un id ad e
cristã. Ele fo i declarado D o u to r da Ig reja pelo Papa Leão X III
(1 8 7 8 -1 9 0 3 ).

4 .3 - V id a e c le s ia l e m J e r u s a lé m

Jeru salém é u m a com u n id ad e fortalecid a e m u ito co n v ic­


ta, qu e conserva os costum es e trad ições, m esm o depois da sua
oficialização. A exposição do C red o e a fo rm ação cristã se reali­
zava d u rante tod a a qu aresm a. As catequeses eram pro nunciad as
na Igreja da R essurreição e na Capela do Santo Sep ulcro. Havia
m esm o o ritu al de im p o sição das m ãos e súplicas em favor dos
candid atos. C irilo nos n arra ainda co m o devem ser realizados
os três exo rcism os: co m o rosto co b erto co m u m véu, para que
o pen sam en to não se disperse. O s in iciad os na fé tin h a m u m a
preparação m ais sólida e eram in scrito s n os registros da Igreja.
A lém da fo rm ação d o u trin al, havia a p reparação ascética, co m o
je ju m , a p en itên cia e a confissão.
As catequeses m istagógicas (1 9 a 2 3 ) explicam aos n e ó fi­
tos os sacram en tos. São explicadas as d o u trin as qu e ficaram
ainda o cu ltas aos qu e seriam batizad os. Nas prim eiras cateq u e­
ses, C irilo explica as cerim ô n ias batism ais, da C o n firm ação da
E ucaristia. A C atequese explica a C elebração Eu carística, na vida
dos cristãos elevados.

4 .4 - E n s in a m e n to s p r é - b a t is m a is e m is t a g ó g ic o s

As in stru çõ es com eçavam n o p rim eiro d om in go da q u a ­


resm a. E ram realizadas todos os dias feriais até a Vigília Pascal.
E n co n tra m -se tem as sobre a Sagrad a E scritu ra, a H istó ria da
Salvação e o S ím b o lo dos A póstolos, quer dizer, o Credo.
O ritu al da in iciação era celebrad o solenem ente na Vigília
Pascal, ao qual se seguia a catequese m istagógica.
A ntes de tudo, os catecú m en os devem co m p reen d er as
tran sfo rm açõ es espirituais e práticas em sua vida, na vida p es­
soal e co m u n itária, n o co m p o rta m en to e na p articip ação na vida
da Igreja.
Nas catequeses (1 4 ) sobre o sím b o lo da fé, n u m a d im ensão
trin itá ria , C irilo nos ensina qu e o Pai n os in trod u z n o m istério
de D eus e nos adota co m o filhos. C risto é nosso salvador, e o
E sp írito nos in trod u z n o m istério da Ig reja, tran sfo rm an d o n o s­
sa vida.
N um estilo sim ples e cord ial, C irilo revela u m a o ra tó ria
m u ito agradável e perspicaz.
C a t eq u eses M i st a g ó g i c a s

3 . P o r t a n t o , c o m t o d a c e r te z a r e c e b e m o - lo s c o m o c o r p o e s a n g u e
d e C r i s to . E m f o r m a d e p ã o te é d a d o o c o r p o , e e m f o r m a d e v i ­
n h o o s a n g u e , p a r a q u e te t o r n e s , t o m a n d o o c o r p o e o s a n g u e d e
C r i s t o , c o n c o r p ó r e o e c o n s a n g u í n e o c o m C r i s t o . A s s im n o s t o r ­
n a m o s p o r ta d o r e s d e C r i s t o ( c r i s t ó f o r o s ) , s e n d o n o s s o s m e m b r o s
p e n e tr a d o s p o r s e u c o r p o e s a n g u e . D e s s e m o d o , c o m o d iz o b e m -
a v e n tu r a d o P e d r o , “ t o r n a m o - n o s p a r tíc ip e s d a n a t u r e z a d iv in a ”.
5 . T a m b é m n o A n tig o T e s ta m e n to h a v ia p ã e s d e p r o p o s i ç ã o . M a s
e s s e s p ã e s , p o r p e r t e n c e r e m à a n tig a a l ia n ç a , tiv e r a m fim . N a n o v a
a lia n ç a o p ã o c e le s te e o c á li c e d e s a lv a ç ã o s a n t if ic a m a a l m a e o
c o r p o . P o is , c o m o o p ã o se a d a p ta a o c o r p o , a s s im o V e rb o se h a r ­
m o n iz a c o m a a lm a . 1 5 “ N o s s o p ã o s u b s ta n c ia l d á - n o s h o je ”. O p ã o
c o m u m n ã o é s u b s ta n c ia l. M a s e s te p ã o é s u b s ta n c ia l, p o is se o r d e ­
n a à s u b s tâ n c ia d a a l m a . E s te p ã o n ã o v a i a o v e n t r e n e m é la n ç a d o
e m lu g a r e s c u s o , m a s se d is tr ib u i s o b r e t o d o o o r g a n i s m o , e m p r o ­
v e ito d a a l m a e d o c o r p o . O “ h o je ” e q u iv a le a d iz e r d e “c a d a d ia ” ,
c o m o t a m b é m d iz ia P a u lo : “ E n q u a n t o p e r d u r a o h o je ”.

(S ã o C ir ilo d e J e r u s a lé m , Catequeses mistagógicas,


c o l e ç ã o F o n te s d a C a te q u e s e 1 2 , E d it o r a V o z e s , P e tr ó p o l is , 1 9 7 7 )
II - A P E N T A R Q U IA E A S E S C O L A S T E O L Ó G IC A S

As escolas teoló gicas n o p eríod o P atrístico são n ú cleos in telec­


tu ais e pastorais v incu lad os às ig rejas locais, sejam dioceses ou
patriarcad os. Elas se o rig in am a p a rtir de teólo gos ou b isp os e
patriarcas que desenvolvem reflexões referentes aos tem as cate-
qu éticos da d o u trin a cristã.
Estas p rim eiras escolas eram catequéticas, co m base na
B íb lia, variand o a m etod o log ia e a epistem ologia teo ló gica em
sua ab ord ag em .
A lgum as atin gem alto grau de reflexão e de ap ro fu n d am en ­
to da fé, qu e m arcam pro fu n d am en te a vida da Ig reja no seu
p eríod o. O co rre, p o rém , que, qu and o se desviam da verdadeira
o rto d o xia, provocam longas e d oloro sas discussões e cism as.

1 - E s c o l a s t e o l ó g ic a s e a p e n t a r q u ia

Para m elh o r en tend er as escolas teoló gicas, to carem o s a o rg a n i­


zação eclesiástica dos p rim eiro s sécu los, a pen tarqu ia. As escolas
teoló gicas representam o p en sam en to cristão que se desenvolve
nestes patriarcad os.
N o A ntigo Testam ento, o patriarca representa um líder espi­
ritual e institucional da com unidade ju daica. A nalogicam ente, os
“epíscopos” recebem este títu lo durante o período patrístico. O s pa­
triarcas eram autoridades superiores aos m etropolitas. N o prim eiro
m om en to da vida da Igreja, destacam -se três grandes patriarcados:
R om a, A ntioquia e A lexandria. O C on cílio de C alcedônia (4 5 1 )
erige m ais dois patriarcados: Jerusalém e C onstantin opla. A figura
do Patriarca designa a autoridade eclesiástica que tem ascend ência
ju ríd ica ou h on orífica sobre u m territó rio eclesial, u m rito ou u m a
Igreja. É o responsável p o r u m patriarcado. O C on cílio V aticano II
(1 9 6 2 -1 9 6 5 ) atribui aos patriarcas das Igrejas O rientais honras e
privilégios, co n fo rm e as tradições antigas da Igreja. Ao presidirem
os sínodos, os patriarcas organizam e governam seus território s
eclesiásticos, criam novas eparquias e n om eiam novos bispos. O
co n ju n to dos 5 patriarcas dos prim itivos fo rm am a “pentarquia”
que é, na concepção ortod oxa, u m organism o colegiado da Igreja
cristã universal. D iferen tem en te do O ciden te, onde há u m único
patriarca, que é o Papa, bispo de R om a, no O riente há um a m u lti­
plicidade de patriarcas católicos, os quais respondem pelos ritos e
“fam ílias litúrgicas”.

P e n t a r q u i a pr i m i t i v a

1 - J e r u s a lé m : c o m u n id a d e a s s is tid a p o r T i a g o A p ó s to lo , o “p a -
t r i a r c a d o - m ã e ”.
2 - A n tio q u ia : in ic ia d a p o r S im ã o P e d r o , c o m u n id a d e m u i to d e ­
s e n v o lv id a n a s p r i m e ir a s d é c a d a s d o c r is t ia n is m o .
3 - R o m a : c o m u n id a d e in ic ia d a n a s p r i m e ir a s d é c a d a s d o c r i s t i a ­
n is m o , s e d e o c i d e n ta l d o I m p é r i o R o m a n o , lu g a r d o m a r t í r i o
d e P e d r o e P a u lo .
4 - C o n s ta n t in o p la : in i c ia d a p e lo a p ó s to lo A n d r é , e m u n id a d e c o m
a p r e g a ç ã o d e P a u lo .
5 - A le x a n d r ia : c o n f o r m e a t r a d i ç ã o , in ic ia d a p o r M a r c o s , n o n o r t e
d o E g it o , g r a n d e e s c o la t e o l ó g ic a p r im iti v a .
2 - D o is m o d e lo s d e e s c o la s t e o l ó g ic a s

P or certo , são m uitas as escolas teológicas do p eríod o patrístico.


N ão eram n o rm alm en te in stitu içõ es fixas duráveis, m as tin h am ,
em alguns períod os, fo rtes representantes da fé cristã, co m o te ó ­
logos, patriarcas e líderes religiosos. N ão tin h a m , n a tu ralm en ­
te, ju risd ição civil, pois eram fru to de in iciativas de m estres e
pastores. Estas escolas sustentavam os sín od os e os co n cílio s e
se torn avam im p o rtan tes qu and o surgiam qu estões com plexas a
serem elu cidadas n o to can te à fé e à doutrina.
Duas escolas m erecem destaqu e: A lexandria e A ntioquia.
C o n h eçam o s estas escolas, seu am b ien te socio cu ltu ral, suas ca ­
racterísticas e seus principais representantes.

2.1 - E s c o la d e A le x a n d r ia

N o cristian ism o, A lexandria é o m ais an tig o cen tro das ciê n ­


cias sagradas, co m u m a fo rm ação filosófica e literária de alto
nível. N esta escola, apro fu n d o u -se o co n teú d o m etafísico da fé
cristã. Para sua in terp retação alegórica das E scritu ras, servia-se
do p en sam en to p latô n ico . Seus p rin cip ais rep resen tan tes fo ram
C lem en te, O rígenes, D io n ísio, A tanásio e D id on e, en tre tan tos.
O s exegetas usam o m étodo alegórico; interpretavam seguindo
o m od elo de interpretação dos m itos e dos poetas gregos, particu­
larm ente H om ero, assim co m o os judeus eruditos, com o, por exem ­
plo, A ristóbulo de A lexandria e Fílon, que foi filósofo religioso.
Para exem plificar, lem b ram o s qu e Fílon co m en ta alegorica-
m ente os livros bíb lico s, co m o o G ên esis, b u scan d o a con verg ên ­
cia en tre a filosofia e a revelação b íb lica. Esse m étod o in flu en cio u
os escritores cristã os de A lexandria.
O interesse destes teólogos é a descoberta do sentido m istérico
das narrativas bíblicas, sejam fatos, exortações, eventos, por acre­
ditarem que a interpretação literal in correria na secularização dos
textos sagrados. Por esta razão, não raram ente, d esem bocam em
interpretações enigm áticas e esotéricas dos m istérios revelados.
2.1.1 - Alexandria: cidade intelectual
E ra u m a cidade im ensa, co n tan d o co m grande prestígio
eco n ô m ico e com ercial. A lexandria é u m a grande referên cia in ­
telectual na A ntiguidade, p articu larm en te n a Á frica e n a Ásia.
A li se in terco m u n icav am as m ais variadas escolas de filo sofia e
práticas religiosas.
Jú lio C ésar in cen d io u sua gigantesca b ib lio teca, qu e co n ta ­
va, segu ndo estu diosos, co m 7 0 0 m il volu m es. Esta b ib lio teca era
p o n to de reu nião de estu diosos, sábios e filósofos. P ró xim a ao
rio N ilo, a p rod u ção de papiro facilitava a in d ú stria de livros.
F lo rescia neste am b ien te cu ltu ral a filosofia n eop latô n ica, qu e
in flu en cia a m ística e a teolo gia cristã dos Padres da Ig reja. N este
a m b ien te cu ltu ral e religioso os rabin os trad u ziram o A ntigo
Testam ento para a língua grega, realizada, co n fo rm e a trad ição,
p o r 70 sábios (2 5 0 -1 5 0 a .C .).

M e t o d o l o g i a s b í b l i c o - t e o l Og i c a s

Os estudos bíblicos e teológicos buscam sempre a verdade, a par­


tir do aprofundamento da revelação, servindo-se de critérios m e­
todológicos específicos. Nisto consistirá a diferença e, por vezes,
divergência entre as escolas teológicas. Dois métodos marcaram as
escolas teológicas primitivas:
a) Método alegórico: aproxima-se dos textos bíblicos por analogia
figurativa, mostrando que a própria palavra é insuficiente para
revelar o significado da verdade dos mistérios cristãos. Assim,
por meio de alegorias, que são metáforas, símbolos e mitos,
acreditam expressar mais profundamente a doutrina. Este mé­
todo está presente entre os filósofos da Grécia Antiga, para des­
crever os mitos e as fábulas dos deuses.
b) Método literal: este estilo de interpretação é mais objetivo,
servindo-se da filologia para interpretar os textos bíblicos e
entender sua mensagem. Neste método, o conteúdo do texto é
mais objetivo e filosófico, realista, evitando servir-se de figuras
e metáforas próprios do estilo alegorista.
2 .7 .2 Mestres de Alexandria

2.1.2.1 - Panteno
D e o rig em Sicilian a, chega a A lexandria (c. 180 d .C .) e to r-
n a-se o p rim eiro m em b ro desta escola. To rn a-se o responsável
da escola de catecú m en os. Tem co m o discípulo m ais im p o rta n te
seu p ró p rio sucessor, C lem ente de A lexandria. A lguns estudiosos
lhe atrib u em a au toria da C arta a D io gneto.

2.1.2.2 - Clemente de Alexandria

O riu n d o de fam ília pagã, nasceu em 150 d.C . É u m grande


h um anista cristão. Seu grande m érito é a fidelidade à trad ição
cristã, in co rp o ran d o o gênio cu ltu ral de seu tem po.
C on h ece profu nd am en te a cu ltu ra h elén ica e nos legou p re­
ciosas in fo rm açõ es sobre os filósofos p ré-so crático s e os seus cu l­
tos m istéricos. U n ifica em sua reflexão teoló gica duas con d ições
de sua p ró p ria existência: ser grego e cristão. Estas duas co n cep ­
ções de seu p en sam en to se h arm o n izam , e se co m p letam em sua
teologia. P or sua p ró p ria personalid ade, qu e expressa ab ertu ra
de espírito, en tu siasm o e grande religiosidade, co n q u ista grande
sim patia en tre os fiéis e os literato s de A lexandria. Seus escri­
tos são m u ito orig in ais e elegantes, em b o ra n em sem pre siga um
m étod o lógico nas suas exposições.
C o m u m a vasta cu ltu ra, é p io n eiro da ciên cia eclesiás­
tica. Seus texto s m o stra m grande co n h ecim en to do A ntigo
T estam ento, citad o 1.500 vezes, do N ovo Testam ento , citad o
2 .0 0 0 vezes, e dos autores clássicos, citad os 360 vezes.
Sua eclesiolo gia en sin a qu e a Igreja é ú n ica e universal, co m o
u m a m ãe que alim en ta seus filhos. Para ingressar na Ig reja, os
cristãos receb em o b atism o, qu e é u m m istério de regeneração e
ren ascim ento. O s batizad os recebem o C risto co m o alim en to, na
Eu caristia. Q u an d o m acu lad os pelo pecado, os cristãos podem
receb er a purificação.
OBRAS:

1 - P r o t r ep t i c o : tra ta -se de u m a “exo rtação ”, co m o u m apelo


em o cio n al para a conversão. Escreven do a p artir do estilo literá­
rio de seu tem po, faz u m a ap ologia da adesão a C risto . A p artir
da filosofia, apresenta o cam in h o pro fético para o Logos. Esta
ciên cia é o ca m in h o para a sabedoria de Deus. Superando o sim ­
ples g n o sticism o, m ostra qu e o Logos sem eia n o ser h u m an o o
desejo de etern id ade, exige sua conversão e tran sfo rm a a própria
existência. A fé possib ilita qu e o sagrado se revele na razão h u ­
m ana.

2 - P ed a g o g o : exalta a figura de C risto co m o m od elo para


a vida m oral dos fiéis con vertid os à fé. Revela-se grande ed u ­
cador, ao ap o n tar cam in h o s para viver a m en sag em evangélica
cristã. A presenta, co m precisão, o “m od us viven di” do cristão, até
m esm o de sua alim en tação, vestim entas e co m p o rta m en to so ­
cial. Faz u m delicado apelo para qu e os cristãos evitem os vícios,
sobretu d o n o excesso de bebidas alcoólicas, p articu larm en te o
vinho. O ideal cristão é o a m o r e a doação to tal da própria vida
a D eu s, nos irm ãos.

3 - St r o m a t a s: significa “tapeçarias” e apresen ta um co n ju n to


de n otas sobre a fo rm a de viver dos cristãos. D estaca a fo rm a
de viver dos gnósticos cristãos. Para ele, D eus tran scen d e toda
figuração icon ográfica. Tudo o qu e afirm am o s de D eus é sem pre
in adequado a seu m istério . O co n h ecim en to verdadeiro é a c o n ­
tem plação co n stan te, baseada n a sim plicid ade da fé. Ser g n óstico
é ser am igo de D eus, co n tem p lá -lo e deixar-se co n tem p lar p o r
E le, p en etrarrr o m istério insondável de D eus. Este itin erário
para D eu s é m otivad o pelo ideal do am or, qu e é fru to da c o n ­
tem plação e da serenidade e se co n cretiza n o m artírio .

2 . 7 . 2 .3 - Orígenes

O rígenes nasceu n u m a fam ília cristã, em 185 d.C . e teste­


m un ha desde a ju ven tu d e a p erseguição dos pod erosos rom anos,
p articu larm en te de Sétim o Severo, en tre 2 0 2 e 2 0 3. Seu pai foi
m artirizad o neste p eríod o e to d o o clero da cidade fo i expulso
e exilado. Foi escolhido co m o m estre dos catecú m en os aos 18
anos, pelo bispo D em étrio de A lexandria. Sua conversão foi ra ­
d ical, lev an d o -o a desfazer-se de seus livros p rofan os, vivendo a
m o rtifica çã o e m esm o im p o n d o -se a castração, para seguir rad i­
calm en te as passagens do Evangelho.
Para co n fro n tar seus grandes in terlo cu to res, co m o in telec­
tuais, líderes do paganism o e tan tas seitas, ord ena seu p en sam en ­
to, sua pesqu isa e seu en sin am en to , co m m aio r ló gica científica.
Por esta aproxim ação, a filosofia de P latão e, p ou co m ais tarde,
aqu ela de P lo tin o to rn a m -se referên cia na reflexão teoló gica. Isso
vai perd u rar p o r tod a a trad ição cristã, atravessando os séculos.
Tem u m a equ ipe de pesqu isa e p rod u ção de textos, qu e m u l­
tip lica seus trabalh os. C o n h ece a Igreja de R o m a e especialm ente
de Jeru salém , ond e co n h ece o bisp o A lexandre. Trava co n h e c i­
m en to ta m b ém co m T eoctisto de Cesareia.
Foi ord enad o sacerdote na P alestina e isso desagradou seu
opositor, D em étrio de A lexandria. Estas con tend as o levarão a
acu sações de heresias. Precisou defender sua ortod oxia, qu e era
co lo cad a em dúvida, devido à acolh id a aos sistem as filosóficos
na elab o ração de sua teologia.
É fo rçad o a d eixar A lexan dria. E m C esareia, n a Palestina,
escreve h om ilias sobre os textos escritu rísticos. Sua presença
tran sfo rm a C esareia n u m grande cen tro in telectu al e teoló gico
do cristian ism o. M esm o n o Egito se e n co n tra ra m m an u scrito s
de O rígenes.
Foi perseguido e preso co m m u itos cristãos, sob o gover­
n o de D écio. M esm o sobrevivendo, pou cos an os m ais tarde
faleceu (2 5 3 ou 2 5 4 ). E o grande in sp irad or dos padres cap a­
d ócio s (B asílio, G regório de N issa e G regório de N azianzo), de
A m b rósio de M ilão e de Jerô n im o.
O b ra s e p e n s a m e n to :

1 - D o s p r i n c í p i o s: em 4 livros, p ro cu ra exp o r os prin cíp io s


da fé cristã. N este ensaio teo ló g ico -b íb lico , apresenta m eto d ica­
m en te u m a visão de D eus, do m u n d o e do ser h u m an o. Sendo
u m grande exegeta, serve-se das E scritu ras e da T rad ição eclesial.
É peculiar, n o sentid o de qu e n ão apresen ta verdades fechadas,
m as apresenta suas hip óteses e argum en tos. A ssim , p o r exem plo,
qu and o fala do d estino h u m an o , sem to m a r u m a decisão, afir­
m a qu e a E scritu ra revela a “ressu rectio ca rn is”, en qu an to Platão
afirm a qu e a m atéria não atinge a con tem p lação.

2 - A n o t a ç õ es: são breves explicações das passagens bíb licas.


O rígen es tom ava os textos m ais difíceis e atrativ os e os explicava.
Tem os apenas testem u n h o da existên cia destes textos.

3 - H o m i l i a s : explicações de passagens do A ntigo Testam ento


e dos evangelhos, escritos em seu tem p o de p erm an ên cia em
C esareia. R estam em grego 20 h om ilias sob re Jerem ias e do li­
vro de Sam u el ( I S m 2 8 ,3 s). Tem os ain da partes das h om ilias de
Lucas e M ateus. Jerô n im o e R ufin o trad u ziram estas h om ilias,
sobretu d o do A ntigo Testam ento.

4 - C o m en t á r i o s: u m o u tro m od elo de escritos são os c o ­


m en tário s de M ateu s, de Jo ão (em língua grega) e do C ân tico
dos C ân tico s (em la tim ). T am bém co m en tá rio s da Epístola aos
R o m an o s.

5 - H ex a p l a : esta o b ra de O rígen es revela seu grande co n h e ­


cim en to filo ló gico dos textos bíb lico s. É o p io n eiro da crítica
b íb lica e expressa sua h abilidade na in terp retação alegórica da
Palavra de D eu s. O rígenes m an ifesta seu in teresse pelos texto s tal
qual fo ram escritos e tran sm itid o s. Surge assim o estudo cien tífi­
co da Sagrad a E scritu ra, a exegese.

6 - C o n t r a C el su m : C on sid erad a a m elh o r o b ra apolo gética


do p eríod o p atrístico, é a defesa da fé cristã m ais b em ela b o ra ­
da. M ais qu e refu tar as críticas de C elso, u m filósofo p latô n ico,
O rígen es n os faz co m p reen d er a im p o rtâ n cia da razão n o cristia ­
nism o. O cristian ism o n ão é u m a fé sem razão, m as u m a p ro fu n ­
da filo sofia qu e n os leva à tran scen d ên cia. Esta é u m a o b ra m ar­
cante da teolo gia de O rígen es. C elso é u m filó sofo p latô n ico que
escreveu u m a o b ra ch am ad a “D iscu rso verdad eiro”, n a qual ataca
os cristãos e seus dogm as. Sem co n h ecer esta o b ra, sabem os qu e
seu a u to r co n d en a o povo hebreu e suas escritu ras. C on d en an d o
o povo hebreu, afirm a qu e os livros do A ntigo Testam ento são
lendas e n ão são dignas de Deus.
C elso c o n ta u m a h istó ria e stra n h a so b re Jesus: Jesus é filho
de u m sold ad o ro m a n o de n o m e P anter, qu e seduziu u m a j o ­
vem h e b ra ica . F oi exp u lso e se refu gia n o E gito, o n d e apren d e
as artes m ágicas. N o seu re to rn o à P alestin a, co m seus tru qu es
e m agias, in ic ia u m m o v im e n to e faz-se p ro cla m a r F ilh o de
D eus. C elso acu sa Jesus de ser u m a n d arilh o , vag ab u n d ean d o
co m p escad o res e p ecad ores co m o m en d igo s e p ed in d o e sm o ­
las. Se era D eu s, p o r que se d eix o u p reg ar n a cruz? A firm a a in ­
da que a ressu rreição é u m a fábu la, sem elh an te às o u tra s n a rra ­
tivas de ressu rreição da lite ra tu ra grega. A cu sa seus seguid ores
de ch arla tã es e en gan ad o res do povo. C e rta m e n te este filó so fo
estava in d ig n ad o c o n tra os cristã o s, qu e se propagavam ra p i­
d am en te.
O rígen es defende os cristãos, afirm an d o qu e eles têm u m a
fé sim ples, m as co m co n h ecim en to elevado e pro fu nd o. M ostra
ainda qu e m u itos cristão s m ud aram de vida e ab an d on aram a
vida de m aldades an terio res à conversão. A cusa C elso de m a n i­
pular os textos das E scritu ras para ju stifica r suas críticas. O povo
tem u m a fé sim ples, m as verdad eira, co n fo rm e sua fo rm ação in ­
telectu al e suas possibilidad es.

2.1.2.3.1 - Primeiro exegeta cristão


O rígenes é o grande estu dioso, co m critério s cien tífico s, das
Sagradas Escritu ras. A ntes de tudo, ap on ta duas dificuldades
para o estudo do A ntigo Testam en to:
D ificu ld ad e de en ten d er a B íb lia n o seu sen tid o lite ­
ral: se n o s escrito s pagão s existem m u ito s m ito s, ig u alm en ­
te, n o A n tigo T estam en to existem m ito s e expressões divinas
a n tro p o m ó rfica s.
M esm o qu e os cristãos devam m a n ter a A ntiga Lei, p reci­
sam ta m b ém in terp retar e atualizar seus en sin am en to s. A so lu ­
ção é a alegoria co m o m étod o b íb lico .

A - I n t e r p r e t a ç ã o a le g ó r ic a

O rígen es desenvolveu u m m od elo exegético de in terp reta­


ção alegórica, que p erm ite u m a aproxim ação m ais co eren te dos
textos bíb lico s. Estes m od elo s estão presentes n os estudos b íb li­
cos até n ossos tem pos.

M od elo tip o ló g ico : Este m od elo é percebid o qu and o p erso ­


nagens do A ntigo Testam ento são apresentados co m o figuras do
N ovo T estam ento. O A ntigo Testam ento é u m a fo rm a sim b ólica
do N ovo Testam ento, co m o u m livro p rep arató rio para a revela­
ção definitiva da A liança de D eus co m a hum anidade. Se havia já
a m entalid ad e que os profetas eram proped êu ticos da revelação
cristã, esta co n cep ção se alarga, referin d o -se aos grandes n om es
b íb lico s da A ntiga A liança.

M od elo escato ló gico: a p artir da co n cep ção de revelação fi­


nal, a in terp retação do N ovo T estam ento n o s in d ica as verdades
do fim dos tem pos. C am in h a-se da in terp retação literal para o
sentid o espiritual dos escritos n eotestam en tário s.

B - A l e g o r i a c o m o r e je iç ã o a o g n o s t ic is m o

Partin d o do sentid o literal das E scritu ras, O rígen es ap ro ­


fu nda a in terp retação alegórica, servin d o -se da filologia, que
co n sid era qu e os p róp rios escritos expressam o sentid o dos te x ­
tos. E n ten d am os estes m od elos:
- In terp retação literal: N a sua o b ra b íb lica m ais im p o rtan te,
H ex a p l a , O rígenes apresen ta em seis co lu n as os texto s bíblicos.
Este estudo com parativ o das tran scriçõ es b íb licas in sp iraram
Eu sébio de C esareia e Jerô n im o e é u m im p o rtan te m od elo de
exegese. O sentid o literal con serva o essencial do texto b íb lico,
sendo a referên cia de tod a in terp retação b íb lica. As palavras per­
m item atin g ir o espírito da revelação, co m o o C o rp o de C risto
nos leva ao sentid o espiritual do Logos. A palavra escrita - texto
sagrado - é co m o o co rp o de C risto en carn ad o, ond e h ab ita o
Logos divino.
O rígen es faz u m a an alogia co m o co rp o h u m an o , para nos
fazer en ten d er a in terp retação literal da Bíblia:

a - O co rp o do h o m em expressa o sentid o literal, para os


cristãos co m u n s e sim ples. N este m od elo , a alegria é m ais sim ­
ples e útil, visando à ed ificação dos cristãos m ais sim ples. É im ­
p o rtan te na preparação dos fiéis, co m o in iciantes da fé.
b - A alm a h u m an a se u ne ao sentid o m oral, para os cris­
tãos em evolução. Tem os aqu i a in terp retação m oral. Este tip o de
ap roxim ação da Palavra de D eus é m ais elem en tar e é im p o rta n ­
te para os cristãos em bu sca de crescim en to. A Sagrad a E scritu ra
é atualizada, visando ao crescim en to m oral dos cristãos.
c - O espírito do ser h u m an o se relacio n a co m o sentid o
espiritual, qu e é o cam in h o de perfeição. É u m a in terpretação
m ais p rofu nd a que assum e, tan tas vezes, o m od elo tip oló gico,
m as tam b ém o m od elo escatoló gico e eclesial. B u sca na palavra
de Deus exem plos de organização da Igreja.

2.1.2.3.2 - Mística na teologia de Orígenes


N osso en co n tro co m D eus se realiza p o r m eio de nosso en ­
co n tro espiritual co m o Logos divino, qu e se revela progressiva­
m ente n a h istó ria da hum anidade. Sua d o u trin a lhe faz m erecer
o títu lo de “fu nd ad or da m ística cristã”. Todos os seres h u m an os
ten d em ao Su m o B em , qu e é Deus. Aos p o u co s cad a ser h u m an o
vai se id en tifican d o co m D eu s. Pelo pecad o, o ser h u m an o perde
sua im agem divina. D e fato, a im agem n ão fo i perdida, segundo
O rígenes, m as som en te silenciada pelo pecado. Vencendo o pe-
(
cado, o ser h u m an o vai se ap roxim an d o de D eus. P or in te rm é ­
dio do am or, bu scam o s a u n ião de Deus. Esta co n tem p lação , que
nasce da verdade, nasce do am or. Esta co n tem p lação p erm ite a
cad a pessoa p articip ar do E sp írito divino, co m o co n seq u ên cia do
d estino pessoal. A natureza h u m an a p articip a do E sp írito divino
p o r sua p ró p ria natureza. N isto con siste a superiorid ad e do ser
h u m an o sobre tod a a criação.
A busca de D eus passa pelo co n h ecim en to progressivo e
pela santidade. Passando do co n h ecim en to progressivo para a fé
carism ática, o ser h u m an o cu m pre seu d estino: to rn a -se h o m em
espiritual.

2 .2 - E s c o la d e A n t i o q u i a

A escola de A n tioq u ia tin h a u m a presença m u ito sig n ifica­


tiva de ju d eu s-cristão s que deram características p róp rias à exe­
gese e à teolo gia da Igreja. O s fundadores desta escola fo ram os
m ártires D o ro teu e L u cian o de Sam ósata. O m étod o desta escola
n ão é a alegoria e a especu lação filosófica, próprias da escola ale­
x an d rin a. Esta escola de A n tioq u ia desenvolve a exegese b íb lica,
co m u m senso de sób ria o bjetivid ad e e caráter científico. A exp li­
cação das Escritu ras segue o sentid o literal e h istó rico, reco rrem
à filolo gia e à sem ân tica. A o lado do sentid o literal, serve-se al­
gum as vezes da in terp retação tip o ló g ica, expressando as relações
en tre o A ntigo e o N ovo Testam en to.
A E scola de A n tioq u ia in flu en cio u a Escola de Edessa, onde
figu rou o m on ge E frém , o sírio. D evem os ressaltar que esta cid a­
de protagon izou vários cism as, co m o o cism a arian o (3 6 0 d .C .).
L u ciano de Sam ósata fu nd ou a E scola de A n tioqu ia. Este
presbítero estabelecera-se em A n tioq u ia p o r volta de 2 6 0 d.C.
D estacam os D io d o ro de Tarso, grande exegeta, qu e co m en to u os
livros da B íb lia. Só restam fragm entos de suas obras.
Teve dois grandes d iscípulos: Jo ão C risó sto m o e Teodoro de
M opsu éstia. Esse grande presbítero fo ra ta m b ém u m im p o rtan te
guia espiritual, adm irado por sua eloquência e por sua austeridade.
N o século IV, a d o u trin a do arian ism o exigiu o C o n cílio de
N iceia (3 2 5 d .C .).

2.2.1 - Histórico e contexto


Fundada no século IV a.C . p o r Seleuco I N icator, u m dos
generais de A lexandre, o G rande. N esta cidade, os seguidores do
N azareno receb em o co g n o m e de cristão s (A t 1 1 ,2 6 ). Segu ndo
Flávio Josefo, esta é a terceira cid ade do Im p ério . Talvez chegasse
a 5 0 0 m il h abitan tes. Foi o cen tro co m ercial e in d u strial m ais im ­
p o rtan te na Síria R om an a. T in h a vários m o n u m en to s e ed ifica­
ções rom anas, co m o avenidas, tem plo s, teatros, term as e m esm o
u m estád io de jo g o s. R ecebeu o títu lo de “A n tioq u ia, a bela” e a
“R ain h a do O rien te”. P or o u tro lado, é co n h ecid a p o r sua d e­
pravação, não diferen te das m etróp oles daqu ele períod o. M esm o
co m p red o m in ân cia da p op u lação síria, era m u ito grande a c o ­
lô n ia ju d aica. F o i destru íd a em 53 8 d.C ., p o r C osroes, rei dos
persas. Foi restaurad a pelo Im p erad o r Ju stin ian o em 6 3 5 . E m
1084 passou para o d o m ín io tu rco. G randes n o m es m arcaram
esta cid ade, co m o In ácio , Teófilo e Serapião. Jo ão C risó sto m o faz
u m a grande lista de m ártires desta cidade.

2 .2 .2 - Teologia de D iodoro de Tarso


N atural de A n tioq u ia (c. 3 3 0 d .C .), de fam ília n obre. E studou
em A tenas e en tro u n u m m osteiro p erto da sua cidade natal.
Envolveu-se n o cism a da Ig reja de A n tioq u ia, to m a n d o o partido
de M elécio, qu e o havia ord enad o sacerdote. Foi o a n im ad o r de
u m cen tro de espiritualidade ascética, o nd e teve co m o d iscípulo
Teodoro de M op suéstia.
N o p eríod o de Ju lian o, o A póstata (3 6 1 - 3 6 3 ), D io d o ro se
em p en h o u n u m a inusitada p o lêm ica co m o p ró p rio im perador.
Foi persegu ido igualm ente pelo Im p erad o r Valente (3 6 4 -3 7 8 ).
A pós a m o rte deste, to rn a-se bispo de Tarso. N o C o n cílio de
C o n stan tin o p la (3 8 1 ) teve grande desem p enh o, pois era fo rte ­
m ente reco n h ecid o pelo Im p erad o r Teodósio. Jo ã o C risósto m o
o co m p ara a Jo ão Batista. M orreu em 391 d.C. co m grande reco ­
n h ecim en to pela Ig reja p o r sua sabed oria, santidad e e fidelidade
à orto d oxia.

2.2.3 Pensamento e obras


Sua o b ra é m u ito valiosa e vasta. H erd am os ap roxim ad a­
m en te 80 tratad os, co m estudos exegéticos, filosóficos e teo ló g i­
cos. Sua p rod u ção m a io r é na exegese b íb lica, da qual nos restou
o C o m en tário dos Salm os e alguns fragm ento s.
N un ca se m en cio n o u D io d o ro co m o h erético. M as, 30 anos
após sua m o rte, d u rante a con trov érsia sobre a m aternid ad e divi­
na de M aria, C irilo de A lexan d ria o acu sou de pai do n esto rian is-
m o. M ais tarde ainda, em 5 5 3 , qu an d o Teodoro de M opsu éstia
fo i con d enad o co m o h erético , D io d o ro foi im plicad o co m o in s­
p irad or de suas heresias, u m a vez qu e ele fora seu discípulo na
Escola de A lexandria. Esta é a razão p rin cip al qu e ju stifica o de­
sap arecim en to de suas obras.
Para defender a o rtod oxia de A p olin ário de L aodiceia, D io ­
d oro exagera n a d elim itação das duas naturezas de Jesus C risto,
sem co n tu d o explicar co m o estas duas naturezas subsistem
n u m a ú n ica pessoa. Ele é acu sado de heresia cristo ló g ica, m as
estas acusações provêm de seus opositores, sobretu d o C irilo de
A lexandria. Este afirm a qu e D io d o ro separava Jesus C risto em
duas pessoas, sendo a pessoa h u m an a co m o “filho da sem ente
de D avi” e a pessoa divina co m o “o verb o de D eus P ai”. P or esta
razão, a teolo gia de D io d o ro é con d enad a pela Igreja. Segundo
C irilo, D io d o ro afirm a qu e a u n ião das pessoas o co rre som en te
na dignidade, n o poder, na igualdade e na h on ra.
Sua exegese reflete o espírito an tio qu en o . O s livros sagrados
da B íb lia devem ser estudados a p artir de seu caráter h istó rico.
É necessário estudar os texto s para co m p reen d er os fatos reais
e in ferir sua m en sagem . A ssim , os textos revelados p o d em ser
aplicados aos aco n tecim en to s co n creto s, b em co m o a aco n teci­
m en to s de ord em superior. Trata-se de u m m od elo de especu la-
ção, d en om in ad a “th eo ria”, qu e rejeita a alegoria dos textos. O s
exegetas qu e se segu em p artem da especu lação para extrap o lar as
realidades tem p o rais e atin g ir as realidades espirituais.

2 .2 .4 - Teodoro de Mopsuéstia
N ascido c. 3 5 0 , na A n tioq u ia, Teodoro foi discípulo de
D io d o ro . O rd en ad o sacerd ote em 3 83 , fo i consagrado bispo de
M opsu éstia, n a C ilicia, província ro m an a da Á sia M en or. N aquela
cidade foi bisp o de 392 até sua m o rte em 4 2 8 . Teve repu tação de
grande pesquisador, exegeta e ortod oxo , tid o co m o o m a io r m es­
tre de A ntioquia.
Foi con d en ad o b em depois de sua m orte. Esta co n d en ação
se deu no C o n cílio de C on stan tin o p la, em 5 5 3 , fu ndad a n um
florilégio de extratos hostis e falsificados p o r seus opositores.
P or este fato, co m exceção de suas C a t eq u eses B a t i s m a i s e alguns
fragm entos de exegese, suas obras desap areceram . Sab e-se que
apoio u B asílio de C esareia n a disputa co n tra os eu n o m ean o s,
p rolo n gan d o seu co m b ate n u m tratad o in titu lad o “ P or B asílio
co n tra E u n ô m io ”. Na con trov érsia apolinarista, d en u n cio u os
erro s de seu pro tagon ista, A polin ário . N o en tan to, fo i “pelagia-
nista” n a d efinição do liv re-arb ítrio e do pecad o origin al. N a sua
Ig reja, em M opsu éstia, acolh eu Ju lian o de Eclane, qu e havia sido
con d en ad o n o O cid en te.
U m a vez qu e fo i con sid erad o p recursor de N estó rio , ju n ta ­
m en te co m D io d o ro de Tarso, receb eu a co n d en ação n o m in al no
C o n cílio de C on stan tin o p la.

2 .2 .4 .7 - Pensamento e obras
Seu grande reco n h ecim en to o co rre na Ig reja n estoriana.
N ela se con serv aram seus escritos em língua síriaca. P ou cos tex ­
tos fo ram conserv ados. R estaram fragm entos de sua o b ra d o u ­
trin al e exegética.
Sua p articularid ad e na ciên cia exegética é a co n fro n taçã o do
texto b íb lico à crítica textual. A nalisa os textos a p artir do h eb rai-
<
co e p articu larm en te a p artir das versões gregas. Sua p reo cu p a­
ção se co n cen tra nas particularid ad es dos tem pos e das figuras
de estilo, assim co m o na co erên cia das diversas p roposições dos
textos. A ssim , corrig e os textos, para apro xim á-los, e depois estu ­
da as circu n stân cias da com p osição.
Sua d o u trin a trin itá ria é m u ito precio sa. A firm a que existe
u m a natureza d ivina revelada em três hipóstases: do Pai, do F ilh o
e do E sp írito Santo.
N a sua grande m aio ria,o s estudiosos n ão aceitam qu e ele
seja o in sp irad or de N estório. Este p o sicio n a m en to é delicado,
po is quase todas as suas obras se perd eram . A lém disso, os frag­
m en to s que restam são ap resentados p o r p artid ário s o u o p o sito ­
res. C o m o se n ão bastasse, n os fo ra m legados apenas fragm entos
tradu zid os.
E m b o ra a Escola de A n tio q u ia fosse m u ito b em desenvolvi­
da, os term o s da d o u trin a co m o “natureza”, “h ip óstase” e “pes­
soa” n ão têm u m a d efinição unív oca e rigorosa. Suas C atequ eses
B atism ais pad ecem destas lim itaçõ es; co n h ecem o s apenas a tr a ­
dução, e os term o s n ão são b em definidos.
P od em os ler qu e “dizem os que o D eu s-V erbo se fez carn e,
para qu e com p reen d as que Ele é ca rn e”. Vale dizer, qu e ele afirm a
que o C risto é o filh o ú n ico de D eu s, co -n atu ra l co m o Pai, co m
integ ridade da hum anid ad e. D estaca fo rtem en te a h um anid ad e
do V erbo que se en carn o u , assu m indo u m h o m em p erfeito. Jesus
n ão é ap en as h u m an o , n em apenas d ivino, m as está n os dois,
ig u alm ente h u m an o e divino.
D estaca as duas naturezas, con sid erand o a “unid ad e de pes­
soa indivisível”. Na sua co n cep ção, a unid ad e das naturezas não
efetiva u m a m istu ra delas, m as a “in a b itaçã o ” do Verbo d ivino no
ser h u m an o , “co m o n u m F ilh o ”.
R ecord am os ainda qu e Teo doro de M opsu éstia, na obra
C a t eq u eses B a t i s m a i s , atrib u i às figuras sacram entais os gestos

extrem am en te visuais, co m o tipos. Estas figuras sacram entais


são sinais e sím b olos das coisas invisíveis e inefáveis.
2 .2 .5 - João Crisóstomo: "Boca de o u ro "
É dem asiad o d elicad a a tarefa de inscrever a figu ra fu lg uran ­
te de Jo ã o C risó sto m o n u m cap ítulo da P atrística, u m a vez qu e
seu n o m e pode ser in scrito em vários tem as, co m o a liturgia, a
sacram en tária, a evangelização e a d o u trin a social.
U m a das figuras m ais im p o rtan tes da Escola de A lexandria,
fo i teó lo go e grande escritor. Foi u m dos m ais m arcan tes e co m ­
bativos P atriarcas de C on stan tin o p la. Ju n tam en te co m B asílio de
C esareia, G regório de N azianzo e G regório de N issa, é co n sid era­
do u m dos qu atro grandes Padres da Ig reja orien tal.
Sua cidade n atural é A n tioq u ia e vem de fam ília cristã, te n ­
do estudado filosofia e retó rica. D epois de três an os co m o co -
op erad or do bisp o M elécio de A n tioq u ia, receb e o b atism o e
vai viver co m o erem ita n o deserto. Foi nesse p eríod o qu e estu ­
dou as E scritu ras. N a sua volta, M elécio o con sagrou d iácon o , e
Flaviano, bispo, o co n sag ro u sacerdote, em 3 8 6 . P or 12 an os fo i o
pregad or em A n tioq u ia e escreveu as m ais fam osas h om ilias, que
lhe m ereceram o títu lo de “crisó sto m o ”, “b o c a de o u ro ”.
Seus ú ltim os an os de existên cia fo ram co n tu rb ad o s. Eleito
bispo de C on stan tin o p la, foi con sagrad o, a co n trag o sto p o r
Teófilo de A lexandria. N a ten tativa de resturar a vida eclesiásti­
ca de C on stan tin o p la, terá grandes opositores. Este co n flito que
se in icio u co m o seu p ró p rio clero fo i instigado pela Im p eratriz
Eudóxia. Seu arqu iinim igo, Teófilo, reú ne o S ín od o de E n cin a
(p erto de C alced ôn ia) e consegue, co m falsas acu sações, a faça­
n h a de o d epor e con ven cer o Im p erad o r a expu lsá-lo da sede pa­
triarcal. N o en tan to , o povo m ais sim ples e p obre exige sua volta
à sua sé episcopal, o qu e se realiza n o dia seguinte à expulsão.
As in trig as co n tin u ram e m eses m ais tarde fo i exilado na
A rm ên ia (4 0 4 d .C .) e m ais tarde, para a extrem id ade o rien ta l do
m ar N egro. M o rreu em 4 0 7 , a cam in h o do seu ú ltim o dester­
ro. Teo dósio II restaura sua dignidade episcopal em 4 3 8 e traz
seus restos m ortais para C on stan tin o p la. Teodósio II, filho de
Eu dóxia, pede perdão ao povo, em n o m e de seus pais.
(

A H U M A N I D A D E E A D IV IN D A D E D E J E S U S

O A p ó s t o l o d iz : “ S e n d o d e f o r m a ( c o n d i ç ã o ) d iv in a ” ( F 1 2 , 6 ) . S e d iz
“d e f o r m a ( c o n d i ç ã o ) ”, c o m o p o d e is s u g e r ir, v ó s , ó a r i a n o s , q u e E le
e r a u m a e n e r g ia ? M a s n ã o d iz - n o s a s e g u ir q u e : “e s v a z i o u - s e a si
m e s m o , t o m a n d o a f o r m a d e s e r v o , f a z e n d o - s e s e m e lh a n te a o s h o ­
m e n s ” (F1 2 , 7 ) . “A f o r m a d e s e r v o ” é , p o r v e n tu r a , a e n e r g ia d e u m
s e r v o o u a n a tu r e z a d e u m s e rv o ? É e v id e n te q u e é a n a tu r e z a d e u m
s e r v o . A s s im , a “ f o r m a d e D e u s ” in d ic a q u e e r a d e ig u a l n a tu r e z a
d o q u e D e u s , q u e e r a D e u s e n ã o u m a e n e r g ia . ( J o ã o C r i s ó s t o m o :
C a r t a a o s F ilip e n s e s , V I , in F I, 2 , 2 - 8 )

2 .2 .5 .7 - Pensamento e obras

P ara sua exegese, Jo ão C risósto m o defende qu e as in ter­


pretações pod em ser alegóricas e m ísticas. Sua cristo lo g ia é n i­
tid am en te o rto d o xa, afirm an d o claram en te qu e Jesus C risto é,
ao m esm o tem po, verdad eiro D eus e verdad eiro ser h um ano,
n u m a m esm a pessoa. D efen d e veem en tem en te a presença real
de C risto na E ucaristia.
R eferente à M ario lo gia, diz qu e a figura de M aria é valiosa
para os cristãos, u m a vez qu e ela é o “d eu terom od elo ” da vida
cristã. N atu ralm ente o m od elo p rim o g ên ito é o pró p rio Jesus
C risto.
Sua d o u trin a social é m u ito p rofética. Ele afirm a que “o p o ­
b re é um ‘A lter C h ristu s’”. A ssim , servir e am ar Jesus C risto se
co n fu n d e co m servir e am ar os pobres. C o m o ele m esm o afirm a:
“N ão h á diferença algum a em dar ao S en h o r e dar ao pobre, pois
Ele m esm o disse ‘qu em dá a estes p eq uen os é a m im que dá’”
( So b r e o E v a n g el h o d e M a t eu s, L X X X V III, 2 -3 ).

Suas p osições em face do ju d aísm o são m u ito severas e agres­


sivas, acu san d o -o s de terem cru cificad o o S en h o r e cu lp an d o -o s
p o r n ão aceitarem Jesus C risto. Basta lem b ra r que, após sua m o r­
te, os 8 serm ões sobre os ju d eu s fo ram traduzid os em latim , sírio
e russo e se propag aram pela Eu ropa. A inda m ais, passaram a
fazer parte da Liturg ia B izan tin a para a Sem an a Santa, até nossos
tem pos.
Para a D iv in a L itu rgia, Jo ão C risó sto m o escreveu u m a ver­
são resum id a da Liturg ia de São Basílio. Este ritu al, ju n ta m en te
co m a Liturg ia dos D o n s pré-san tificad os co m p õ e a celebração
eu carística do R ito B izan tin o. O m od elo da L i t u r g i a d e S. Jo ã o
C r i só st o m o é a base fu nd am en tal do an o litú rgico de qu ase todas

as Ig rejas O rientais.

2.2.5.2 Características destas escolas


O m od elo teoló gico de A n tioq u ia não é sim plesm ente
o p osição ao alegorism o alexan d rin o. O s an tio q u en o s veem no
A ntigo Testam ento - personagens e aco n tecim en to s - a im agem
e a tip olo g ia das realidades do N ovo Testam ento.
E n qu an to os alexan d rin os, servin d o-se do m étod o alegó­
rico, lan çam m ão da etim o lo gia h eb raica, da n u m erolo gia, dos
n om es de an im ais e plantas para in terp retar os escritos sagra­
dos, os exegetas de A n tioq u ia p ro cu ram o sentid o do texto, a in ­
ten cio n alid ad e dos escritos, o co n texto cu ltu ral e religioso para
co m p reen d er a m ensagem e a verdade dos escritos. E n q u an to os
alexan d rin os bu scam a d im en são m etafísica, qu e vai além dos
escritos, os an tio qu en o s recu sam o sim b olism o alegórico e an a­
lisam suas narrativas para co lh er seus en sin am en tos m orais e
d outrinais.
N o qu e tan ge às afirm ações sobre C risto e sua teolo gia, os
a n tio qu en o s partem da vivên cia h istó rica de C risto. O p o n to de
partid a são os evangelhos e a h u m an ização do Logos divino. De
o u tro lado, para os alexan d rin os, o p o n to de partid a é o C risto
co m o V erbo E terno.
N a teolo gia b íb lica an tio qu en a, con sid era-se o ser h u m an o
onde C risto se en carn o u , ao passo que, na teolo gia alexan d rin a, a
referên cia fu nd am en tal é o Logos que se en carn a co m o h u m an o -
d ivino para deificar o ser h um ano.
' •
Ill - V i d a l i t ú r g i c a e s a c r a m e n t a l n a p a t r í s t i c a

A vida litú rg ica e sacram en tal dos prim eiros cristãos é elaborada
aos pou cos. Desde os p rim eiros m om en to s, eles se reú nem para
celeb rar sua fé, a p artir de seus sím b olos religiosos e culturais.
N ão se deve pro cu rar, nas p rim eiras décadas, rituais b em ela­
b o rad o s, pois os cristãos apenas têm à d isposição os prin cíp io s
fu nd am en tais da sua fé e os en sin am en tos deixad os p o r Jesus
C risto, em suas pregações e em sua prática cotid iana.
A ntes de Sa n to A go stin h o , n ão e n co n tra m o s u m a te o lo ­
gia sa cram en tá ria c o n fo rm e n osso s crité rio s. N o e n tan to , e n ­
c o n tra m o s d escriçõ es e o rie n ta çõ e s para a vid a litú rg ica , d e n ­
tro do A n o L itú rg ico e, p a rticu la rm e n te , os sacram en to s de
in iciação .

1 - C u l t o n a s c o m u n id a d e s p r im it iv a s

P rogressivam ente, os grandes cen tro s do cristian ism o desenvol­


vem seus ritu ais litúrgicos, qu e d en o m in am o s de “fam ílias litú r-
gicas”. Nas co m un id ad es, reinava grande liberd ade, diversidade e
in teração en tre ritos.
N ota-se a elabo ração de rito s litú rg icos em grande c o n ti­
nuidade co m a trad ição ju d aica. H á um a passagem do grande
tem p lo para o novo tem plo, p erson ificad o em Jesus C risto.
(
O dia do cu lto passa a ser o dom in go, dia da R essurreição do
Senhor, dia do Sol divino. M ais ainda, a páscoa ju d aica é su b s­
titu íd a pela páscoa da R essurreição. O “sh em á”, co m o confissão
de fé no ju d aísm o, foi ren ovad o pela profissão de fé cristã: Jesus
C risto é o Senhor.
Nas p rim eiras décadas, os seguidores do N azareno ainda
frequ en tam a sinagoga e m esm o o Tem plo, até sua d estruição
(7 0 d .C .). P ou co a pou co, celebram seus ritos, p articu larm en te o
m em o rial da C eia do Senhor, nas casas das suas próprias fam ílias
(F m 2; Cl 4 ,1 5 ). F ico u co n h ecid a e precio sa a co m p reen são da
“d om us ecclesiae”.
O s cristãos celebram seus ritos, con sagram seus fiéis, p a rti­
lh am a ceia do Senhor.

2 - T ip o l o g ia l it ú r g ic a d o s s a c r a m e n t o s

E n co n tram o s, desde o p rin cíp io , breves descrições para celebrar


a vida litú rg ica e dos sacram en tos. N otam os, en tão, qu e os ritu ais
vão assu m indo novos sím b olos e novos textos.
N os p rim eiros séculos, não há p reo cu p ação em organ izar
a vida sacram en tal de fo rm a lógica. O s sacram en tos co lo cam a
com un id ad e n u m a relação m ística co m a h istó ria da salvação,
co m o u m m eio para o en co n tro co m D eu s em Jesus C risto.
A os p ou cos, tam b ém , vai sendo elaborad o o an o litú rg ico e
as festas dos santos. O p o n to de partid a é o “dia da ressu rreição”,
que se to rn a o “dies d o m in i”. A p artir deste m o m en to sem anal,
desenvolvem -se a solen id ad e da Páscoa do Senhor. N este c o n ­
texto, são desenvolvidos os rituais da in iciação dos novos c o n ­
vertidos.
Sem dúvida, os Padres p ro cu ram aprofu nd ar o co n teúd o
das celebrações, evitando a “m agia” presen te nas práticas religio ­
sas das religiões pagãs.
O s Padres m o stram qu e os sacram en to s são respostas de fé,
in stitu íd os p o r Jesus C risto. As form as basilares se en co n tram
n os ritos trad icio n ais, p articu larm en te na trad ição ju d aica: óleo,
água, pão, v inh o, terra. Estes sím b olos são in tegrados em ritos,
os quais são en riq u ecid os p o r o rações, leituras, salm os e acla­
m ações.
As raízes fu nd am en tais dos sacram en to s, a p artir da Bíb lia,
são ordenadas d en tro de ritos m ais com plexos e significativos.
Estes ritos to rn a m -se fo n te de fé e vida para os fiéis.
Existe u m a relação im p o rtan te en tre os tip os do A ntigo
Testam ento e do N ovo Testam en to. A ssim , o b atism o cristão
( I C o r 1 0 ,1 -5 e lP d 3 ,1 9 -2 1 ) bu sca seu significado n a tip olo gia
do dilúvio e do m o n te H oreb. O pró p rio Paulo de Tarso havia
an u n ciad o que o cu lto ju d a ico era so m b ra do cu lto realizado em
Jesus C risto (C l 2 ,1 7 ).
O s P ad res da Ig re ja serv em -se de p assagen s d os E van g e­
lh o s p a ra ilu stra re m a te o lo g ia dos sa cra m e n to s, co m o a p is­
c in a de B etesd a (J o 5 ), qu e é m e tá fo ra p ara a te o lo g ia b a tis ­
m al. Isso se e n c o n tra em m u ito s tex to s p a trístic o s , c o m o em
A m b ró sio de M ilã o ( D e Sa c r a m en t i s II, 3, 7; S ch 2 5 , b is, 1 15 )
o u em C irilo de Jeru sa lém ( C a t eq u eses B a t i s m a i s , P G , 3 3 6 -
3 4 1 ). E m m u ito s caso s, as B o d a s de C a n á serv em de tip o lo g ia
p ara o ritu a l da E u ca ristia , c o m o em T e rtu lia n o (D e B a p t 9:
C C L , 1 ,2 8 4 ) o u C irilo de Jeru sa lém ( C a t eq u eses M i st a g ó g i c a s
IV, 2: S C h 7 6 , 1 3 6 ).
Para a vida litú rg ico -sacram en tária, os Padres b u scam as ti­
pologias: a água da criação, co m o fo n te b atism al e de vida; o d ilú ­
vio, co m o lugar da p u rificação ; a p o m b a e a arca, co m o sím b olos
da Igreja; o m ar V erm elho, co m o tip olo g ia das águas do batism o.
São tan tas as citaçõ es tip o ló g icas do A ntigo Testam en to, co m o
o sentid o de refeição para co m p reen d er a teolo gia eu carística, a
figura de M elqu ised ec, a ro ch a do m o n te H oreb, para en tend er a
fon te de graças do b atism o e o sangue do C ord eiro, para en ten ­
der a o feren d a sacrifical de Cristo.
3 - M ís t i c a d a v id a l it ú r g ic a

As m etáfo ras da A ntiga A lian ça são carregad as de sentid o para


co m p reen d er os sacram en to s. Estas m etáfo ras estão n a base e
n a evolu ção dos sím b o lo s ritu ais. Elas servem ainda para a e d i­
ficação dos textos eu co ló gico s, dos p refácio s, das o raçõ es e di-
dascálias.
P or o u tro lado, alguns Padres da Ig reja aprofu nd am c o n ce i­
tos linguísticos e filosóficos. O m ais im p o rtan te Padre desta ter­
m in o lo g ia é Teo doro de M opsu éstia. N o seu entender, os sinais
visíveis são expressões da presença invisível de D eu s. U m a vez
qu e a vida litú rg ica p ossib ilita o en co n tro en tre D eus e a co m u ­
nidad e co n creta dos fiéis, os sím b olos servem co m o linguagem
que viabiliza este diálogo. C risto apro xim a, pela sua en carn ação ,
as duas realidades. A vida litúrgica e sacram en tal soleniza este
en co n tro . O s Padres da Ig reja co m p reen d em que os ritu ais reali­
zam este en co n tro form id ável en tre D eus e seu povo.
A E pístola aos H ebreu s (8 ,5 e 1 0 ,1 ), segu ndo Teodoro de
M opsu éstia (H o m ilia X X , 2, Tonneau, S T 145, 3 2 5 ), n os ensina
que os sacram en tos atu alizam a ação co n creta de C risto na h is­
tória.
O s Padres se servem do m étod o tip o ló g ico , b em co m o dos
co n ceito s linguísticos para co m u n icar o sentid o verdad eiro dos
sacram en tos cristãos.

4 - Ev o l u ç ã o d o s r it u a is

O s Padres co m b atem os m istério s pagãos e os apresen ta co m o


negação dos m istério s cristã os. C lem en te de A lexan dria, p o r
exem plo, co n clam a os adeptos dos rituais pagãos que os ab a n d o ­
n em e celebrem os ritu ais verdadeiros dos cristãos ( P r o t r ep t i c o
X II, P G 9 ,7 7 8 ) . C o m a passagem do term o “m ysterion” para “sa-
cra m en tu m ”, os padres superam a m entalid ad e pagã, apresen ­
tan d o a celebração dos sacram en to s co m o o ritu al que celebra a
eco n o m ia da salvação. Para tan to, as festas litúrg icas to rn a m -se o
sinal sagrad o para in tro d u zir os fiéis n a vid a do C risto.
M esm o p ro cu ran d o evid enciar a superação dos ritu ais pa­
gãos e ju d aico s, os escritos p atrísticos se servem da cu ltu ra re­
m an escen te destes povos e religiões para in tro d u zir em seus p ró ­
prios rito s.
O s San to s Padres refletem ain da na m an eira co m o os sacra­
m en to s o p eram na vida dos fiéis, qu er dizer os efeitos dos sacra­
m entos. T ertu liano aprofu nd a a “teolo gia da eficácia sacram en ­
ta l” (D e Resur, 8: C C L , 2 ,9 3 1 , en tre o u tro s). Esta teo ria está de tal
m od o im pregnada na co n sciên cia dos escritores p atrísticos, que
T ertu liano de C artago insiste na “n ão validade dos sacram en tos
celebrad os fo ra da co m u n id ad e de fé” (D e B apt, 15: C C L 1 ,2 2 9 ).
A nalisando os textos de A m brósio de M ilão, n o tam o s qu e esta
eficácia sacram en tal é aplicad a ao sacram en to da E ucaristia. A
E u caristia to rn a -se sinal, figura ou m esm o sím b olo que co n tém
a realidade (D e Sa c r a m en t i s, III, 23: S C r 25b is, 8 8 ). As palavras
e o rito sim b ólico são dois elem en tos co n stitu tiv os da realidade
sacram ental.
Se os Padres latinos apresentam esta d o u trin a da eficácia sa­
cram en tal, m ais firm e é a con vicção dos Padres orien tais. E n tre
tan tos deles, observ am os co m o C lem ente de A lexandria insere
o co n ceito de eficácia n a sua teolo gia sacram en tária. A ssim , o
co n ceito de sím b olo eficaz é u m a tese co m u m a todos os Padres
o rien tais e se ap lica p articu larm en te para o B atism o e a E ucaristia.
Estes sím b olos con ferem dons, to rn an d o -o s sím b olos fecundos
(O ríg enes, In Jo h , V I, 17: PG 14, 2 5 7 ).
A teolo gia sacram en tária em A gostin ho é, certam en te, a
m ais evoluída, ao lado da de A m b rósio de M ilão. Sem m en o s­
prezar a tip olo gia, eles estudam o sinal sacram ental em si m esm o
e o aplicam a tod os os sacram en tos. Eles apresentam a d istin ção
en tre o sinal visível ( sa c r a m en t u m ) do invisível ( v i r t u s sa c r a m en -
t i ) . A gostin ho en sin a em suas H o m i l i a s (In Jo. Tract. 2 2, 11: C C L

3 6 ,2 6 3 ) que sacram en to é to d o ritu al o u sím b olo qu e se refere às


(
coisas sagradas. Vale dizer, segundo o B isp o de H ip on a, que no
sacram en to há u m a fo rça qu e produz o efeito significado. Para
clarificar esta teolo gia, citam o s o sacram en to do B atism o: co m o
elem en to visível, a água lava o co rp o , e, co m o sinal invisível, p u ­
rifica e co n sagra o espírito. D e m an eira análoga, o óleo u n ta o
co rp o , e, co m o sinal invisível e significante, unge o espírito.

5 - T e s s it u r a d o a n o l it ú r g ic o

U m exem plo a ser destacado co m o testem u n h o da vida litúrg ica


n o p eríod o patrístico é a o b ra: Itinerário de Egéria.

Eg é r i a : v i d a e o b r a

Embora não tenhamos informações muito seguras sobre sua vida,


acredita-se que Egéria venha de uma família nobre, provavelmente
da Galícia, na Espanha. Por vezes, vemos inscrito seu nome como
Etéria, a quem se atribuiu a obra: I t i n er a r i u m ou Per egr i n at i o a d
loca san ct a. Acredita-se que sua peregrinação se realizou entre 381
e 384. Ela escreve, no estilo epistolar, às suas co-irmãs, detalhando
as etapas de sua viagem aos lugares sagrados do Antigo Testamento.
Mais importante, porém, são as descrições referentes à comunida­
de de Jerusalém, pelas quais podemos conhecer a sua liturgia inse­
rida no contexto histórico e dentro do ano litúrgico. Encontramos
ainda a organização eclesiástica e monástica desta comunidade.
Impressiona-nos os detalhes de sua narrativa, que nos proporcio­
na uma visão dos ritos, na Igreja de Jerusalém. Reconhecemos as
figuras das virgens, dos monges, dos presbíteros e dos eremitas.

Esta peregrin a piedosa p articip a da vid a litú rg ica em Je ­


rusalém . Ela aco m p an h a todas as celebrações do ciclo pascal.
D escreve co m m in ú cias os grandes rituais da quaresm a e co n ta
co m precisão as celebrações da Sem an a Santa, co m grande in te­
resse n o Tríduo Pascal. A bord a ainda as celebrações de A scensão
e Pentecostes. Seus escritos são preciosos, pois, p o r in term éd io
deles, p od em os co n h ecer a fo rm ação da assem bleia litúrg ica,
os lugares do povo nos tem plo s e sobretu d o as vestim entas e os
m ov im en to s rituais dos d iácon os, presbítero s e do bispo. Seus
escritos m o stra m a relação das leituras, h in o s e cân ticos qu e são
pro clam ad os nas liturgias.
O s rituais se realizavam n os locais dos p ró p rios a co n te ci­
m en to s da vida de C risto e n orm alm en te nas m esm as h oras que
se suced eram . A ssim , p o r exem plo, tod os vão ao Calvário para
celeb rar o ritual da cruz, b em co m o todos saem e reingressam
em Jeru salém , para atu alizar a P ro cissão de R am os, n o in ício da
Sem an a San ta.
A vida litú rgica e sacram en tária da Igreja dos prim eiros sé­
cu los fo i m uito fecunda. N o p rim eiro período, fo i rica em cria ti­
vidade e autenticid ade, co n stitu in d o rito s fu nd am en tais para os
m o m en to s m ais solenes dos en co n tro s dos fiéis. N o segu ndo p e­
ríod o, co m a cristian ização do Im p ério , as co m un id ad es, lid era­
das p o r seus m estres, m onges, bispos e patriarcas, organizam os
ritos de m an eira estru tural. N este períod o, são separadas as lei­
turas dos textos bíb lico s, são sistem atizad os os h in o s e os salm os
para as celebrações, sendo escritas, em grande parte, as doxo-
logias, o rações, an áfo ras, orações eu carísticas dos sacram entos.
M ais ainda, neste p eríod o são in stituíd os os ritu ais, em p arte à
im agem e sem elhan ça dos co rtejo s im periais. É im p o rtan te n o ­
tar que, a p artir de N iceia, as estrutu ras eclesiásticas são solid i­
ficadas e, con seq u en tem en te, os rituais litúrgicos e sacram entais
são institu cio nalizad os.
É im pression an te a riqueza, criativid ade, beleza e in cu ltu -
ração da vida litúrg ica da Ig reja nos p rim eiros sécu los da sua
existên cia.
______________________ ______________________________

F e s t a s l i t ú r g i c a s : S e m a n a S a n t a e D o m i n g o d e Ra m o s

3 0 . N o d ia s e g u in te , is to é , n o d o m in g o e m q u e se e n t r a n a s e m a n a
p a s c a l a q u i c h a m a d a s e p ti m a n a m a i o r , c e l e b r a m - s e , d e s d e o p r i ­
m e i r o c a n t a r d o s g a lo s a té d e m a n h ã , a s c e r im ô n ia s c o s t u m e i r a s n a
A n á s ta s is e j u n t o à c r u z ; o q u e q u e r d iz e r q u e v ã o , c o m o s e m p r e , à
I g r e ja M a i o r , c h a m a d a Martyrium. C h a m a - s e Martyrium p o r e s ta r
s itu a d a n o G ó lg o ta , is to é , a t r á s d a C r u z o n d e o S e n h o r p a d e c e u ;
daí o n o m e de Martyrium.

3 1 . À s é t im a h o r a , p o r t a n t o , t o d o o p o v o - e t a m b é m o b is p o - s o b e
à ig r e ja d o m o n t e d a s O liv e ir a s , is to é , E le o n a ; r e c it a m h in o s e a n ­
tíf o n a s a d e q u a d o s a e ss e d ia e lu g a r e ig u a l m e n te l e itu r a s . P o r v o l ta
d a n o n a h o r a ( tr ê s h o r a s ) , e n to a n d o h in o s , s o b e m a o Imbomon,
is to é , a o s ítio d e o n d e s u b iu o S e n h o r a o s c é u s , e a í se s e n ta m ;
p o is t o d o o p o v o - e s t a n d o s e m p r e p r e s e n t e o b is p o - é c o n v i d a d o
a s e n ta r - s e e s ó o s d iá c o n o s p e r m a n e c e m o t e m p o in te ir o d e p é .
T a m b é m a í r e c it a m h in o s e a n tíf o n a s a p r o p r ia d o s a o lu g a r e a o d ia
e , ig u a l m e n te , l e itu r a s in te r c a la d a s e o r a ç õ e s .
A p r o x im a n d o -s e a u n d é c i m a h o r a ( c i n c o h o r a s ) , le e m o p a s s o d o
E v a n g e lh o s e g u n d o o q u a l as c r ia n ç a s c o r r e r a m a o e n c o n t r o d o
S e n h o r c o m r a m o s e p a lm a s d iz e n d o : “ B e n d ito s e ja o q u e v e m e m
n o m e d o S e n h o r ” ( M t 2 1 , 8 - 9 ) . L e v a n t a m - s e , i m e d ia t a m e n te , o b is ­
p o e t o d o o p o v o e , d o a lto d o m o n t e d a s O liv e ira s , d e s c e m to d o s
a p é . E c a m i n h a t o d o o p o v o à f r e n t e d o b is p o , e n to a n d o h in o s e
a n tíf o n a s e r e p e t in d o s e m p r e : “ B e n d ito s e ja o q u e v e m e m n o m e
d o S e n h o r ”. ( C f . Peregrinação de Etéria - L i tu r g ia e c a te q u e s e e m
J e r u s a lé m n o s é c u lo V I , V o z e s , R J , p p . 9 6 - 9 7 )
IV - D o u t r in a s o c ia l da Ig r e ja

C on sid eram os a d o u trin a social da Ig reja a p artir dos Padres a n ­


tigos, u m a vez qu e há forte v ín cu lo en tre a m ensagem cristã e a
ju stiça social. P od em os afirm ar que o co m p ro m isso co m o social
é u m elem en to co n stitu tiv o da fé cristã, pela sim ples razão que
pro fessam os a en carn ação divina co m o dogm a cristão, sendo
este o m a io r exem plo de in serção h istó rica. A utopia dos A tos
dos A póstolos está na base das reflexões dos Padres da Ig reja, na
sua im en sa p reocu p ação social.

1- E s c r it o s s o c ia is o r ig in á r io s

Desde os escritos p io n eiro s da trad ição cristã, n o ta m o s qu e m es­


m o a o ração é unid a à vida. O opú scu lo D i d a q u é ap on ta a o ração
(cap. X ) co m o e n co n tro co m D eus e co m os irm ão s e a Eucaristia
se celeb ra co m o expressão desta con v icção das prim eiras co m u ­
nidades cristãs. O apelo à solidariedade é um a exigência da in i­
ciação cristã.
Q u an d o Ju stin o escreve sua A pologia I (I, 6 1 ), m o stra que
para u m cristão ser batizad o deve cu m p rir três exigências:

- crer nas verdades do Evangelho;


- viver suas prom essas;
- conversão para o m od elo de viver dos cristãos.
!
O au tor da Tradição A postólica, H ip ólito de R o m a, apre­
senta u m a lista de co n d içõ es para a in tegração de novos m e m ­
bros na co m un id ad e cristã (cap. 1 5 -1 6 ). Para receber o batism o
e p articip ar da ceia eu carística, o n eófito deve prom ov er um a
m ud an ça rad ical na pró p ria vida e co n verter-se à ju stiça . O cu lto
co m u n itá rio é a expressão da op ção de vida, m arcada pela ju stiça
e pela carid ade.
Q u an d o C ip rian o de C arta go apresenta sua p reocu pação
co m a unidade da Ig reja, n o tam o s que a in tegração na co m u n i­
dade vai m u ito além das exigên cias eclesiásticas e in stitucio nais.
Para viver na com un id ad e, os fiéis devem ter os m esm os sen ­
tim en tos, sen tirem -se co-responsáveis pela co m un id ad e e viver
em co m u n h ão fratern a. É m u ito aprazível a p artilh a de bens.
U m a das vozes m ais p roféticas na d o u trin a social dos Padres
é Jo ão C risósto m o , qu e apresenta um cristian ism o co m p ro m e ­
tid o co m a realidade dos pobres e sem con iv ên cia co m os p o d e­
rosos. Ser verdad eiro cristão é co m p ro m eter-se co m a ju stiça e
partilh ar os b en s. O pró p rio sacram en to do b atism o p recon iza o
co m p ro m isso co m os m ais em pobrecid os.

V i sã o s o c i o l ó g i c a d e p o b r e

O p o b r e é a q u e le q u e , d e m o d o p e r m a n e n te o u t e m p o r á r i o , e n ­
c o n t r a - s e e m s it u a ç ã o d e d e b ilid a d e , d e p e n d ê n c ia e h u m ilh a ç ã o ,
c a r a c t e r iz a d a p e la p r i v a ç ã o d o s m e i o s , q u e g a r a n t e m f o r ç a e c o n ­
s i d e r a ç ã o s o c ia l: d in h e i r o , r e la ç õ e s , in f lu ê n c ia , p o d e r , c iê n c ia , q u a ­
lif ic a ç ã o t é c n i c a , h o n o r a b ili d a d e d e n a s c im e n t o , v i g o r fís ic o , c a p a ­
c i d a d e in te l e c t u a l, lib e r d a d e e d ig n id a d e p e s s o a is . V iv e n d o n o s e u
d ia a d ia , n ã o t e m p o s s ib ilid a d e a l g u m a d e r e v e la r -s e s e m a a ju d a
d e o u tre m .
(M ic h e l M o lla t. Os pobres na Idade Média. R io :
C a m p u s, 1 9 8 9 , p. 5 )
2 - T r a ç o s d a d o u t r in a s o c ia l n o s Pa d r e s

N os dois p rim eiros séculos do cristian ism o, a p artilh a fratern a é


o ideal de vid a de tod os os cristãos. Existe u m a genuína aprecia­
ção da co m un id ad e cristã apresentad a nos A tos dos A póstolos
(A t 2 ,4 4 ; 4 ,3 2 - 3 ,7 ) . N o en tan to , o crescim en to das com unid ades
d ificulta esta partilh a. O s prim eiros escritos realçam sem pre a
necessidade da partilh a. Vem os estas exigên cias na D i d a q u é e na
C a r t a a D i o g n et o (n . 10). Estes textos usam as passagens bíb licas

para m an ifestar suas con vicções.


Tanto In á cio de A n tioq u ia ( C a r t a a o s Ef ési o s, 1 4 ), qu an to
P olicarp o de E sm irn a ( C a r t a a o s Fi l i p en ses, 10) falam da n ecessi­
dade de aju dar as viúvas e os pobres e de d o ar as esm olas. Este é
u m dever daqueles que possu em , co n fo rm e n os afirm a o Pastor
de H erm as ( Seg u n d o M a n d a m en t o , 2 7 ). As exigências m ais ex ­
pressivas se referem aos ó rfão s, às crian ças, às viúvas e aos es­
tran geiros, qu e são os m od elo s dos pobres m ais gritan tes nas
com un id ad es antigas do cristian ism o.
H á ain d a u m a retom ad a m u ito significativa da C arta de
Tiago, p ara a firm ar que a p obreza m aterial não é defendida pelas
Escritu ras. O cristão tem direito aos “ben s de sua dignidad e”. A
op o sição en tre ricos e pobres se en co n tra no M a g n i f i c a t . A re­
n ú n cia aos b en s deve ser u m a atitu d e volu ntária, e n ão um a im ­
p osição dos ch efes da Igreja.
C le m en te de A lexan dria afirm a que as riquezas são ben s
úteis, e m b o ra devam os ser livres diante deles. Deve haver um
d esp o ja m en to exterior, para qu e o rico possa salvar-se. M esm o
ad m itin d o a p ro pried ade pessoal dos ben s, en ten d e-se qu e estes
ben s privativos devem servir ao b em co m u n itário . C on sid eran d o
qu e tod os os ben s p erten cem a D eus, os cristãos têm co n sciên cia
de qu e são guardiões e ad m in istrad ores dos ben s naturais.
Ao rejeita r a im p o sição de gru pos radicais, co m o os en crati-
tas, os donatistas e os pelagianistas, a co m un id ad e cristã apon ta
para fo rm as de possu ir os ben s de fo rm a m ais realista e equ itati-
va. A ren ú n cia aos ben s é u m a im p o stação pessoal, co m o respos­
ta a u m con vite vocacio n al de Deus. O rig o rism o da ren ú n cia é
u m ideal m on ástico.

3 - P r i n c íp i o s d a d o u t r in a d o s o c ia l

D esde os p rim eiros m om en to s, os Padres da Igreja tiveram de li­


dar co m a posse e a qu antid ade de ben s en tre os cristãos da m es­
m a com un id ad e. O ideal da p artilh a absoluta perpassou tod os os
escritos e p erm an eceu sem pre co m o u m a u to pia fascin an te na
espiritualid ade dos cristão s.
N os tem p o s do m artírio , o p ro b lem a da posse é m enor, um a
vez que en tre as p u n ições das persegu ições estava o con fisco dos
b en s, tan to pessoais co m o co m u n itários.
C o m a in serção da co m un id ad e dos cristãos n o quadro so ­
cial do Im p ério , esp ecificam en te a p artir do Edito de M ilão , são
elaborad os p rin cíp io s e n o rm as qu e regem o co m p o rta m en to
social dos convertid os. A figura do cristão n o co n texto im perial
passa p o r grandes tran sfo rm açõ es.
Para os p rincipais Pastores da Igreja prim itiv a, nada é m ais
alarm an te qu e a m iséria dos pobres, qu e co m u n g am (o u n ão ) a
m esm a fé dos cristão s.
Vem os alguns p rin cíp io s fu nd am entais:

3.1 - A g e r ê n c ia d a s r iq u e z a s

B asílio M agn o ad m ite a posse dos ben s adquirid os pelo tr a ­


b alh o ou p o r herança. C on tu d o, o destin o é o b em co m u m . Por
este p rin cíp io , ele afirm a qu e o possu id or de bens é u m in te n ­
dente dos ben s. Se os ben s p erten cem a D eu s, seus d eten tores
devem ad m in istrá-lo s, co m o se fossem tu tores.
R eto m an d o as teses de C lem ente de A lexandria, distingu e
os bens adquiridos, que são ben s produtivos, dos ben s de uso,
co m o a circu lação da m oed a. D evem os p artilh ar os ben s de uso
e servir-se das m oed as para d istrib u ir aos pobres. O s direitos dos
po bres n ão é con ciliável co m a posse abu nd an te de ben s dos ri­
cos. Se o rico fo r u m m au gerente, será u m im p o sto r e u su rp ad or
dos ben s divinos.

3 .2 - A u s u r p a ç ã o d a lu x ú r ia

N a crítica que faz aos pod erosos da sua região, a C ap ad ócia,


Basílio co n d en a o luxo exagerad o dos ricos. O s ricos em pregam
seus ben s nas coisas de seu pró p rio interesse, sem se preocu p ar
co m os in teresses co m u n s. O s ricos em pregam fo rtu n as no c o n ­
fo rto de sua casa e m igalhas na p artilh a co m os pobres.
G reg ório de N azianzo denuncia a extravagância das casas e
das vestes dos ricos e ganância de possu ir e con qu istar m ais p ro ­
priedades. Sua crítica aos m ercadores do trigo é u m m od elo de
condenação ao com ércio dos bens de necessidade prim ária, que
serve aos interesses dos ricos e deixa os pobres na indigência. Ele
critica veem en tem ente os com erciantes qu e deixam os ben s de
consu m o apodrecerem nos seus celeiros, para não entregar aos em ­
pobrecidos, os quais não têm condições de pagar seu alto custo.
Se todos os seres h u m an o s são, na orig em , iguais em d ig n i­
dade e d ireitos, qu er dizer qu e n o p rin cíp io n ão havia a posse, o
“m eu” e o “teu” são palavras funestas d en tro da d o u trin a social
dos cristãos.

3 .3 - A s u s p e iç ã o d a s g r a n d e s f o r t u n a s

Jo ão C risó sto m o é u m grande pregador. N a sua atu ação em


A n tioq u ia e depois co m o bisp o de C o n stan tin o p la, defendeu os
pobres. M esm o ad m itin d o a legitim id ad e das riquezas, ad qu iri­
das pelo trabalh o, afirm a qu e a acu m u lação de ben s pro vém de
relações in ju stas en tre os gru pos. É inadm issível qu e alguns p o s­
suam propriedades im ensas, en qu an to grandes m u ltid ões não
têm terras para sem ear. A s propriedades ad qu irid as pelo ro u b o
e pela exp loração do trab alh o n ão têm a b ên ção de D eus, que
crio u a terra para todos.
Nas suas h om ilias, A m b rósio de M ilão acusa os pod ero sos
de d esp o jar os pobres dos ben s m ín im o s de sobrevivên cia. N um a
d en ún cia, co m o se fosse u m a p arábola evangélica, descreve a an ­
gústia de u m pai de fam ília qu e n ão sabe qual dos filhos vender
para se livrar das grandes dívidas co m os p ro p rietário s de seus
ben s.
É preciso recordar, afirm a A m b rósio , qu e os in tend entes das
propriedades n ão são m ais qu e seus gerentes.

3 .4 - O d i r e i t o d o s p o b r e s

M ais escand aloso qu e as necessidades dos pobres, apon tam


os Padres, é a diferença en tre a m iséria dos pobres e o luxo dos
ricos. A ssim , ver os pobres na pen ú ria e os ricos em fartos b a n ­
quetes é revoltante.
M esm o n ão havendo con sen so en tre os Padres, q u an to à
fo rm a da organ ização dos bens sociais, eles ap o n tam ações c o n ­
cretas e reestrutu ração da co n ju n tu ra social para co rrig ir os m ais
gritantes ab usos dos ricos e am enizar a m iséria dos pobres.
O s Padres n ão afirm am sim plesm en te que os cristãos d e­
vem o fertá-lo s aos pobres. A realidade da m iséria social levanta
u m q u estio n am en to : co m o p o d em os cristãos acu m u lar ben s em
seus celeiros e riquezas em seus cofres, qu an d o os pobres pade­
cem graves necessidades? O p obre tem direito aos bens que so ­
b ra m nestes depósitos dos ricos.
A m ed ida do d esp o ja m en to do rico deve ser p ro p o rcion al
ao in fo rtú n io dos pobres. A p artilh a das esm olas tem u m aspecto
passivo, qu e é u m a ação distributiva, m as tam b ém um aspecto
positivo, qu e significa u m a co rreta gerência dos ben s para in cre ­
m en tar a d istrib u ição dos ben s produ zid os.
F in alm en te, citam o s Leão M agn o, qu e tra ça o ideal de vida
do p astor e o co n teú d o de seus en sin am en tos. O rien ta para o
d estin o dos ben s exo rtan d o qu e os d eten tores de ben s são res­
ponsáveis p elos qu e nada possuem . Send o esse um ideal de ju s ti­
ça, a om issão desta ação pro voca a m o rte dos irm ãos. Esta o m is-
são se caracteriza co m o u m h o m icíd io , qu e equivale a u m crim e,
co n tra a lei e co n tra Deus.

So br e o s a l á r io j u s t o

Dê ao trabalhador o salário ao qual tem direito. Não lhe tire a re­


compensa da fadiga dele. Pois também você mesmo é um lavrador
de Cristo. Este levou-o a seu vinhateiro. E a sua recompensa fica
depositada no céu. Por isso, não prejudique o empregado, que está
empenhando-se, nem o trabalhador que está fatigando-se. Não
despreze o pobre, que tem de cansar-se a vida toda para ganhar o
salário com que se sustenta. Quando você lhe nega ajuda devida,
então está assassinando esse homem! (Ambrósio de Milão, Sobr e
T obi as 24, P.L. 14, 862).

So br e a po sse c o m u m d o s bens

Você poderia dizer-me como é que você é rico? De quem recebeu


essa riqueza? E este, de quem a recebeu? De um antepassado, você
dirá. E assim podemos continuar até o princípio. Mas você não
consegue demonstrar que a sua riqueza seja justa. Não se pode ne­
gar que tudo começou com uma injustiça. Por quê? Por que Deus
no início não criou a um rico e a outro pobre. E não deixou que
um descobrisse tesouros, ao passo que escondeu estes para ou­
tros. Deus deu a todos a mesma terra para ser cultivada... Deus
distribuiu tudo a todos como se todos fossem irmãos dele. (João
Crisóstomo, Ser m ão 12: C a r t a a T i m ót eo 4, P.G. 62. 562-564)

So br e a avar eza

1. Se cada um guardasse apenas o indispensável para suas neces­


sidades ordinárias, deixando o SUPÉRFLUO para os indigentes, a
riqueza e a pobreza seriam abolidas. - 2. O que é um AVARENTO?
E alguém que não se contenta com o necessário. O que é um
LADRÃO? E alguém que arrebata o bem alheio. E tu não és um
avarento? Não és um ladrão? Os bens te foram confiados para se-
rem ADMINISTRADOS. Mas te apoderas deles. Quem despoja a
um homem de suas vestes, deve ser chamado de ladrão. E aquele
que não veste a nudez de um mendigo, quando pode fazê-lo, me­
recerá outro nome? - 3. O pão que guardas pertence ao faminto.
O manto que conservas no guarda-roupa pertence ao homem nu.
O calçado que apodrece contigo pertence ao descalço. O dinheiro
que reténs escondido pertence aos miseráveis. O número de opri­
midos é igual ao número daqueles que poderias ajudar. (Basílio de
Cesareia, P.G. 31, p. 262 -78)

So br e o a c ú mu l o d e bens

Um homem que quisesse guardar tudo para si e impedisse seus


irmãos de tocar sequer na terça ou quinta parte da herança, este
homem seria um tirano brutal, um bárbaro intratável, uma besta
esfaimada, sempre de bocarra aberta para devorar. Que digo eu?
Seria incomparavelmente muito mais feroz que todas as bestas do
reino animal. Pois um lobo tolera a outro lobo a seu lado para es­
traçalhar a presa. Os cães se reúnem para devorar a mesma caça.
Mas ele sempre insaciável recusa repartir o mínimo com seu seme­
lhante. A casa está em festa, enquanto milhares de Lázaros ficam
pelas portas. (Gregório de Nissa, P.G. 46, p. 454-69)

So b r e a v a id a d e d as r iq u e z a s

Quando metes em teu cavalo um freio de ouro... quando te enfei­


tas com pedras preciosas, quando te cobres com vestes finíssimas,
estás despojando aos orfãozinhos, estás arrebatando as vestes das
viúvas.
Tu que cobres de prata o teu leito... será que num leito assim o teu
sono será mais agradável? Pelo contrário, será menos suave, por­
que a inquietação é maior. Maior é a ansiedade. O transeunte, con­
templando a altura e as vastas proporções do teu palacete, pensa
consigo ou diz para o vizinho: quantas lágrimas foram necessárias
para a construção desta casa! Quantos órfãos foram despojados!
Quantas viúvas sofrem injustiças! Quantos operários foram rou­
bados no seu salário!
Deus vos deu um teto para vos abrigardes da chuva, não para forrá-
lo de ouro, enquanto o pobre morre de fome. Deus vos deu ves­
timentas para vos cobrirdes com elas, não para bordá-las luxuo­
samente, enquanto Cristo morre de frio. Deus vos deu uma casa,
não para morardes nela sozinhos, mas para receberdes o próximo.
Deus vos deu a terra, não para esbanjardes a maior parte de seu
lucro, com os cortesões e as dançarinas, com os comediantes e os
tocadores de flauta e cítara, mas para poderdes consolar os que têm
fome e sede. (João Crisóstomo, P.G. 48, p. 974-992)

So br e o s d ir e it o s d o s po br es

Todo dia o pobre é maltratado... Retira-se de suas terras e, carre­


gando a sua bagagem, o pobre imigra com seus filhos. Sua esposa
em lágrimas segue-o, como se estivesse acompanhando o cadáver
de seu marido.
Ricos, sois os únicos destinados a morar sobre a terra?... A terra foi
posta em comum para todos, ricos e pobres. Por que somente, a vós
ricos, vos arrogais o direito de propriedade? A natureza não conhe­
ce ricos, mas gera a todos como pobres. De fato, não é com vestido
que nós nascemos. E também não é cobertos de ouro ou de prata
que nós somos gerados. Fomos postos no mundo nus, desprovidos
de alimentos, de veste, de bebida.
A terra recebe nus os mesmos que gerou. A tumba não conhece
limites de propriedade... A terra que não foi suficiente para sua ga­
nância em vida, agora guarda o corpo inteiro do rico. Ela nos criou
a todos iguais e iguais ela nos encerra a todos dentro do sepulcro.
Quem pode distinguir as aparências dos defuntos? Descobre a ter­
ra, e se podes, mostra qual é o rico. As riquezas apodrecem enter­
radas com ele.
Não é dos teus bens que distribuis aos pobres. Estás dando ape­
nas o que já lhe pertence, pois és o único usurpador quando tiras
aquilo que foi dado para o uso de todos. A terra pertence a todos,
e não aos ricos. Mas são mais numerosos os que não usam de sua
propriedade (os pobres) do que os que usam (os ricos). (Ambrósio
de Milão, P.L. 14, p. 731-56)
So br e a mo r a d a d o s po br es

Apesar da multidão de pobres, nós temos razão de continuar a


procurar um pobre. Procuramos um dentre a multidão, e custa­
mos a descobri-lo. Encontro pobres e apesar disso sigo procuran­
do ainda um pobre... Se te elevas orgulhosamente contra aqueles
que possuem, se recusas a admitir que eles pertencem ao reino do
céu, mesmo que eles tenham a humildade que não se encontra em
ti, não receias que Abraão (que foi rico mas santo) te diga após
a morte: “Afasta-te de mim porque me ultrajaste”? (Agostinho de
Hipona, P.L. 38, p. 11-116)

U t o p ia d e u m m u n d o j u s t o

O s en sin am en to s dos Santos Padres referen tes à d o u trin a do


social têm expressões m u ito fortes e proféticas. Eles falam co m
to d o rig or da pregação evangélica, apelando para o b o m senso e
para o sentid o de ser cristão.
O s Padres da Ig reja estão do lado dos pobres e p rom ov em a
fratern id ad e, apelando a todos os cristãos a viver este ideal.
Todos estes en sin am en to s são fo n te de in sp iração dos o p ri­
m id os, os qu ais devem se co n scien tizar de seus direitos e lu tar
p o r eles. O trab alh o é a fo rm a m ais aprazível para que os pobres
ad qu iram seus direitos.
Pela refo rm a estru tu ral da sociedade e da vida cristã, todos
os ben s da sociedade h u m an a, co m o o d in h eiro, a e co n o m ia e
a organização de assistência social devem co n stru ir a ju stiça na
socied ade.
O s prin cíp io s da d o u trin a social g arantem a resistência dos
in ju stiçad os e in cita os cristãos a lutarem pela tran sfo rm a çã o p e­
rene dos seres h u m anos.
D is c u s s õ e s d o u t r i n a is :

P a d r e s e c o n c íl i o s
1
I - M a n i q u e ís m o e a l u t a d o bem e d o mal

M an iqu eísm o , con sid erad a co m o filosofia religiosa sin crética


e d ualística ensinad a pelo profeta persa M an iqu eu (M an i ou
M an es), co m b in a n d o elem en tos do Z oroastrism o , B u d ism o e
C ristian ism o. Sua base é a filosofia du alística, que divide o m u n ­
do en tre o B em (D eu s) e o M al (D ia b o ). N esta co n cep ção, a m a ­
téria é in trin secam en te m á; e o espírito, in trin secam en te b o m .
C o m a popu larização do term o, m aniqu eísta passou a ser um
adjetivo para tod a d o u trin a fundad a n os dois p rin cíp io s opostos
do B em e do M al.

1 - D a d o s b io g r á f ic o s d e M a n iq u e u

M an iq u eu nasceu n a B ab ilô n ia em 2 1 5 . V in h a de u m a fam ília


n o b re e, aos 12 an os, sen tiu -se ch am ad o p o r u m a n jo para um a
m issão: pregar u m a nov a religião. M an iqu eu en trou em co n tato
co m várias religiões co n h ecid as e resolveu c r i a r u m a nov a reli­
gião. M u d o u -se para as pro víncias o rien tais do Im p ério greco-
ro m an o , o nd e p ro cu ro u d ifu n d ir suas teorias religiosas. Estudou
co m os m agos persas, co n h eceu o B u d ism o e v ia jo u para a
ín d ia. C on h eceu o cristian ism o nas ig rejas m arcio n itas gn ósti-
cas. M an iq u eu acred itava ser u m p rofeta, de u m a sucessão que
co m eçara co m A dão, passando p o r Buda, Z oroastro e chegand o
(
até Jesus. Sen tia-se destinad o a tran sm itir um a m ensagem u n i­
versal.
Sua religião seria, de certa form a, ecu m ên ica, p o rtan to ,
universal, in tegrand o as d o u trin as das revelações. N o Im p ério
R o m an o , acab o u co n qu istan d o A gostinho de H ip ona, qu e p ro ­
fessou esta fé n o m an iq u eísm o d u rante nove an os. A lguns an os
m ais tarde, A gostin ho co m b ate a d o u trin a do m aniqu eísm o.
M an iq u eu fo i persegu ido pelos sacerdotes do zoroastrism o,
tend o sido preso na cidade de G und eshap ur; m orreu en tre 2 7 4 -
2 7 7 ). E n co n tra -se ainda an otações de que M an iqu eu ten ha sido
preso e cru cificad o sob as ord ens do Rei B ah ram I, e qu e seu
co rp o fo i exposto n u m a das p ortas da cidade, a “p o rta de M a n i”.

2 - A g o s t in h o , o s á b io d e h ip o n a

A gostinho de H ip on a fo i bispo cató lico , teólo go e filósofo.


N asceu em 3 5 4 em Tagaste (n a atual A rgélia) e m o rreu em 4 30 ,
em H ip on a (h o je A nnaba, na A rgélia).
A gostin ho viveu n o n o rte da Á frica, d o m in ad o p o r R om a,
ten d o sido edu cado em C artago. Foi, tam b ém , professor de re­
tó rica em M ilão (3 8 3 ). Seguiu o m an iqu eísm o e se converteu ao
cristian ism o pela pregação de A m b rósio de M ilão. Foi b a tiz a­
do na Páscoa (3 8 7 ) e reto rn o u a Tagaste, estabelecend o co m al­
guns am igos um a fu nd ação m on ástica. Foi ord enado sacerd ote
em H ip on a (3 9 1 ). T o rn o u -se um pregad or fam oso, escrevendo
m ais de 3 5 0 serm ões, qu e p erm an ecem preservados; depois da
conversão, co m b ateu o m aniqu eísm o. D efendeu tam b ém o uso
de fo rça co n tra os d onatistas, alegando que isso seria válido para
reco n qu istar os filhos do cristian ism o. Foi n om ead o bisp o de
H ip on a (3 9 6 ), onde exerceu o episcopado até sua m o rte. D eixou
a vida m o n ástica, m as m anteve vida m o n ástica em sua resid ên cia
episcopal. D eix ou a R eg u l a para o m o n astério qu e havia cria ­
do. Foi designado o “P atro n o do C lero R egular”, qu e é u m a p a­
ró qu ia de clérigos, que vivem sob u m a rígida regra m on ástica.
A gostinho m orreu d u rante o cerco de H ip on a pelos V ân d alo s
(4 3 0 ). D iz-se que ele en co ra jo u os cidad ãos de H ip on a a resisti­
rem aos ataques, pois os vândalos haviam ad erid o ao arian ism o.
A gostin ho havia sido u m ferren h o co m b aten te das heresias do
m an iqu eísm o , do d o n atism o e do arian ism o.

3 - P r o p o s iç ã o d e M a n iq u e u

A p rop osição de M aniqu eu era de in sp iração gn ó stica, p ro cu ­


ran do exp licar o universo co m p o sto p o r um a visão dualística
rad ical en tre o b em e o m al. O m u n d o estaria dividido em duas
forças: o B em (luz) e o M al (trevas). M an iqu eu prega u m a m oral
rígida e in transig en te, em que o sentid o da carn e o u da m atéria
seria regido pelo p rin cíp io do m al. Para con seguir paralisar este
m al, é preciso dar m aio r ênfase ao m u n d o espiritu al.
O s h o m en s eleitos co n q u ista m o B em co m o je ju m , a abs­
tin ên cia e a alim en tação vegetariana. N a prática, in clu ía-se asce-
ticism o m u ito rígido, co m ten d ências a im ped ir o envolvim ento
co m os prazeres físicos.
P erm itia qu e seus seguidores seguissem C risto, de qu em se
diziam discípulos. R ejeitavam o A ntigo Testam ento, escrito pelo
espírito m aligno.
R ejeitava qu e o m esm o D eu s fosse o ú n ico au tor dos dois
testam en to s. M an iqu eu ainda utilizava os livros ap ó crifo s para
ju stifica r sua teoria.
Para u m a m aio r com preen são, a cristo lo g ia m aniqu éista
apresentava Jesus em dois m o m en to s im p o rtan tes: n o prim eiro
m o m en to , se m anifesta a A dão e revela a d o u trin a gn ó stica para
a sua lib ertação ; n o segundo m o m en to , apresenta C risto co m o
Filh o enviado pelo Pai, vind o n u m co rp o espiritual.
A ig reja cristã de M an i era estru tu rad a p o r diversos segu i­
m en to s o u graus de desenvolvim ento in terior. Ele se considerava
apóstolo de Je su s C risto. M an tin h a doze in stru tores o u filhos
da m isericórd ia. Destes doze, seis filhos eram ilum in ad os pelo
sol do co n h ecim en to . Esses “epíscopos” eram au xiliados p o r seis
presbíteros ou filhos da inteligência. O q u arto círcu lo co m p re­
endia in ú m ero s eleitos ch am ad os de filhos da verdade o u dos
m istério s. Suas fu nções eram pregar, cantar, escrever e traduzir.
O qu in to círcu lo era fo rm ad o pelos auditores o u filhos e filhas
da com preensão.
Estes discípulos devem seguir dez m an d am en tos m an i-
queístas.

1. N ão ad orar n en h u m íd olo;
2. P u rificar o p ró p rio in terio r: n ão praguejar, n em m entir,
ou levantar calúnias;
3. P u rificar o qu e en tra pela b o ca: n ão co m er carn e, n em
in gerir álco o l;
4. V en erar as m ensagens divinas;
5. Ser fiel ao seu cô n ju ge e m an ter a co n tin ê n cia sexual
d u rante os je ju n s;
6. A uxiliar e co n so lar aqueles qu e sofrem ;
7. Evitar os falso s profetas;
8. N ão assustar, ferir, a to rm en ta r ou m atar an im ais;
9. N ão ro u b ar n em fraudar;
10. N ão p raticar n en h u m a m agia ou feitiçaria.

4 - R e s p o s t a d e A g o s t in h o

C o m o o sistem a m aniqu eísta com eça afirm ando o du alism o do


b em e do m al, A gostinho de H ip on a diz que estas afirm ações são
p u ram ente teóricas, de m od o qu e som ente no cam po da ficção
podem m an ter a lógica e a coerência. A gostinho argum en ta qu e o
m aniqu eísm o fu nd am en ta seu dualism o na experiência con creta
do m al. C o m o o b em e o m al são com p letam en te incom patíveis,
nem o m al pode proceder do b em , n em o b em pode proceder do
m al. A gostinho de H ip on a com eçava perguntando pela origem
do m al, pelo “unde m alu m ” (de onde vem ). O pró prio A gostinho
de H ip on a, n o en tanto, co n testa este m étodo. Para ele, antes de
perg untar pelo “unde” é necessário ter perguntad o pelo “quid ” (o
que é) o m al. A final, antes de saber de ond e procede, deve-se saber
o que ele é para não p rocu rar a orig em de algo desconhecid o.
O m al é o qu e se o p õ e à sua p ró p ria natureza. P ortan to , se
o m al vai co n tra qu alq uer substância, evidente que ele n ão pode
ser a substância. Tudo o que vai de en co n tro à natureza acaba se
op o n d o a ela, de m od o que vai d estruí-la. A ssim o m al suprem o
corresp on d e à d estru ição da natureza e, p o rta n to , este m al qu e é
a natureza, d eixaria de existir.
B em sabem os qu e o m al co n siste na co rru p ção , a qual não
existe em si m esm a, a n ão ser em o u tra substância qu e a c o rro m ­
pa. P ortan to , a co rru p ção n ão se pode en tend er sem a existência
de “algum a coisa”, quer dizer, d eterm in ad o b em . Vale dizer que
a co rru p ção em si n ão pod e ser con sid erad a substância algum a.
O m al, se é id ên tico à co rru p ção , n ão pode ser natureza, apenas
acidente.
Para A gostin ho de H ip on a, o m al é a privação de algum b em
pró p rio de u m sujeito, seja u m a pessoa, u m ser vivo o u m esm o
u m a “coisa”. O m al n ão existe, en tão, co m o substância, porqu e
n o rein o das trevas não existe b em algum .
O m al co m o substância n ão pode existir, a co rru p ção do
m eio, da espécie o u da o rd em n atural é u m a categ o ria m en o r
ou inferior. O m al, p o rta n to , é co rru p ção , qu e n ão é natureza.
A ssim , apenas existe o “b em ” e n ão o “m a l”, qu e é a in ad equ a-
dação da ord em das coisas. A gostin ho de H ip on a co n clu i que
n ão existe o m al o rig in ário , m as som en te o b em . E D eus criou
som en te o b em . Só existe u m Deus, sen h o r do bem .

5 - E n tre o bem e o m a l

O b em e o m al existem . Estão presentes em nossa h istó ria c o ti­


diana, invadem n ossos p en sam en tos, nossas ações e n ossas pala­
vras. O b em e o m al coexistem , co m o duas forças espirituais qu e
(
n os im p u lsio n am . São ten d ências de n osso espírito, qu e deve­
m os co n h ecer e reconhecer, para b em decidir. C o n h ecer o b em
e o m al é um d om divino que h abita em n osso espírito. Só Deus
pode n os in sp irar este co n h ecim en to .
A p articularid ad e do cristian ism o é qu e o m al n ão é um a
substância, m as u m a categoria qu e se in stala nas coisas e p er­
tu rba seu fim , qu e é o b em . D eus crio u tudo, e tudo era m u ito
b o m . A ssim , o m al é u m a in ad equ ação deste b em ; co m o , p. ex., a
p oeira n os m óveis, qu e n ão é m á, m as to rn a -se u m m al, pois está
no lugar inad equ ado. Tudo é b o m , m as m al p osicio n ad o, pode
pro duzir m alefício s. P orém , o ú n ico valor qu e existe é o bem .
II - R i g o r is m o d o n a t is t a

E A A C O L H ID A D O S P E C A D O R E S

M ais qu e u m a heresia, o d o n atism o é u m a discussão acerca das


exigências para ser discípulo de Jesus C risto e p erten cer à sua
Ig reja. A p ro cu ra in cessante da verdadeira id entidade dos fiéis
cristãos, para além das d o u trin as, se caracteriza pelas ex i g ên c i a s
éticas. E xistiam duas corren tes m u ito divergentes: os que b u sca ­
vam u m a Ig reja m u ito exig ente e rig oro sa e aqueles qu e p refe­
riam u m a co m un id ad e m ais lib eral e solícita aos pecadores a rre­
pen did os: a questão d onatista está n o cen tro destas discussões.

1 - R e a l id a d e e c l e s ia l

O m a rtírio é u m cap ítu lo do passado da Ig reja. N esta n ova fase,


a cristandade, a Igreja, precisa se in tegrar n u m novo co n texto so ­
cial e p o lítico . A Ig reja serve-se do Estado im p erial para o rg an i­
zar suas estrutu ras, ao m esm o tem p o que C on sta n tin o serve-se
do cristian ism o para u n ificar e fortalecer suas províncias. N este
co n texto, surge u m a p o lêm ica na Ig reja da Á frica, ch am ad a d o ­
natista. U m a po lêm ica sem elhan te àquela de R o m a (2 5 1 ), co m
N ovaciano, o qual exige atitudes m ais severas co n tra os “lapsos”.
D e fato, em R o m a criara -se u m p equen o cism a, co m o gru po de
cristãos qu e alm eja m u m a Ig reja de pu ros e de espirituais.
C o m o m u itos fiéis aband onavam a fé d u rante as persegui­
ções e depois suplicavam o reingresso na com un id ad e, u m a parte
dos cristãos eram indu lgen tes e apoiavam o reto rn o dos afasta­
dos, ch am ad os “lapsos”, o u tra parte era in transig en te e os re je i­
tavam . C on stan tin o qu er m an ter a ord em en tre as pro víncias,
sobretu d o na Á frica, qu e protagonizava u m a con stan te am eaça
a n ti-ro m a n a e separatista. A solução d onatista deve servir ao seu
in tu ito u n ificad o r de to d o o im pério.

2 - C o n t r o v é r s ia n a Ig r e j a d a Á f r ic a

Na Igreja da Á frica, havia m u itos rigoristas e n otav a-se g ran ­


de d esco n ten tam en to co m R om a. Surge a figura de D o n ato , o
grande, qu e defende m a io r rig or e co erên cia dos cristão s, para
não to rn a r a fé cristã m u ito laxista e liberal. H ouve in terven ção
de M en sú rio, bispo de C artago e seu arqu id iácono, C ecilian o.
A pesar do d esco n ten tam en to dos rigoristas, qu and o m o rre M e n ­
súrio, C ecilian o é ordenado bispo, sem a presença dos bisp os da
N um íd ia. O p rim az da N um íd ia con voca u m Sín od o em C itra,
após o assassinato do in terv en to r de C artago, n om ead o p o r ele.
C ecilian o é deposto, e M a jo rin o é n om ead o. C o n stan tin o , a co n ­
selhado p o r seu assessor eclesiástico, Ó sio, apoia C ecilian o e p ro ­
tege seus seguidores. C o n sta n tin o ju stifica sua p osição e escreve
qu e “qu an to m ais h om en agen s se presta a D eus, tan to m ais u ti­
lidade têm para o E stado” (C o n sta n tin o e A nulino, in E u séb i o d e
C esa r ei a , H .E ., V II). A situação se co m p lica ainda m ais qu ando

m o rre M a jo rin o , bispo d onatista, e “D o n a to de Casa N igra” é


eleito em seu lugar. C o m sua capacidade, o m ov im en to d o n a ­
tista cresce.
C on stan tin o prom ove u m Sín od o em R o m a (3 1 3 ), presid i­
do p o r M elcíades, bisp o local. N a carta co n v o cató ria, ele pede
qu e h aja 10 bispos de cada parte dos adversários e qu e n ão se to ­
lerasse cism a n o im p ério. C ecílio foi vitorioso , m as os donatistas
apelaram ao Im p erad or. H ouve u m a nova assem bleia, o Sín od o
de A ries (3 1 4 ). A ord en ação de C ecilian o, qu e era con testad a, por
ter sido realizada p o r Félix, bispo apóstata, fo i con sid erad a vá­
lida, pois cu m p ria os requ isitos para a sua con sagração. A inda
assim os d onatistas não aceitam a decisão. O Estado castiga e
persegue os d onatistas, em n o m e da Ig reja. H ouve m o rte de u m
bispo, m u itos assassinatos, expu lsão das igrejas e con fisco de
ben s dos donatistas.
M ais tard e, houve to lerân cia co m h eréticos; os donatistas se
exp an d iram tan to, que D o n ato reuniu u m Sín od o em C artago
(3 3 6 ) co m 2 7 0 bispos. C o m Ju lian o A póstata, o d o n atism o foi es­
tim u lad o. A pós o exílio de D o n a to (3 4 7 ), P arm en ian o, seu suces­
sor, fo rtalece os d onatistas. H ouve u m a assem bleia em C artago
(4 1 1 ), qu e co n ta 2 8 5 b isp os d onatistas, co n tra 2 8 6 cató lico s. O s
d onatistas cresceram m uito , m as fo ram am enizad os pela ativ id a­
de pastoral e pela perseguição de Santo A gostin ho e pela invasão
dos b árb aro s na Áfirica do N orte.

3 - D o n a t is m o : r a d ic a l id a d e e r a d ic a l is m o ?

O s donatistas co n ceb em a Ig reja co m o co m un id ad e dos pu ros e


ju stos. O s fiéis são m orad a do E spírito Santo . T ertu liano afirm a
qu e “nós, os do natistas, som os u m a sociedade co m sen tim en to
religioso co m u m , u m a disciplin a u n itária e u m laço co m u m de
esperan ça” ( A p o l o g et i c u m 39, 1). O s m in istro s devem ser puros
e santos e a Ig reja é vista co m o “ja rd im fechad o” e u m a “fo n te
selada”; o rein o celestial n o m undo.
Pro fessam qu e a Ig reja deve ser santa e pu ra, a p o n to de qu e
n en h u m sacerd ote em pecad o m o rta l pod eria celeb rar valida­
m ente os sacram entos.
O s donatistas seguem C ip rian o e afirm am que n en h u m
b atism o celebrad o fo ra da Igreja, ou p o r m in istro s cism ático s é
válido. A prenderam ta m b ém de C ip rian o que os en sin am entos
dos bispos eram indiscu tíveis, pois eles são in term ed iário s en tre
Deus e o cristão.
Neste rad icalism o, os donatistas acred itavam qu e são a ú n i­
ca Igreja verdad eira e som en te seus sacram en to s são válidos. Eles
defendiam qu e a validade dos sacram en to s depende da dig n id a­
de dos m in istro s, ao passo qu e a Igreja co n sid era a validade do
rito em si m esm o. Foi a ação pastoral e teo ló gica de A gostin ho de
H ip on a qu e p erm itiu à Ig reja superar esta controvérsia.

4 - A M IS E R IC Ó R D IA N A IG R E J A

A p rop osta d onatista tem fo rte cu n h o de rad icalidade evangéli­


ca, m as to rn a -se ta m b ém u m protesto social, cu ltu ral e e co n ô ­
m ico da Á frica co n tra os poderes im periais. N ão deixara de ser
u m a fo rm a de p rotestar co n tra as reform as de D io clecian o e de
C o n stan tin o , qu e elevavam os im p ostos, sobretu d o nas regiões
rurais. O s circo n celeõ es (trabalhad ores das granjas ou celeiros)
se levantavam co n tra os im perad ores, alçand o a ban d eira d o n a­
tista. Havia grande con fu são en tre as questões eclesiásticas e as
questões sociais e p olíticas.
O d o n atism o era, n o in ício , um a revolta co n tra o “laxism o ”
da Ig reja na Á frica. D epois se to rn o u u m protesto co n tra a cris­
tan dade, tão expansiva e tão liberal, que descaracterizava o cris­
tian ism o prim itivo. E m b o ra a fo rça p ro fética do d o n atism o te ­
nha ficado n os séculos passados e a Igreja ten h a-se to rn ad o m ais
acolh ed ora e m isericord io sa co m os pecad ores, a in sp iração de
D o n a to p erm an ece sem pre co m o u m a voz qu e clam a p o r u m a
Ig reja m ais co eren te, segu indo o m od elo dos p rim eiros cristãos.
I II - G r a ç a e l i b e r d a d e : C o n t r o v é r s i a s

A N T R O P O L Ó G IC A S N O P E U \G IA N IS M O

1 - C o n t e x t o h is t ó r ic o

Esta discussão sobre o ser h u m an o foi pro tag onizada p o r A gos­


tin h o , de um lado, e Pelágio, C elestin o e Ju lian o de E clano de
o u tra parte. Pelágio nasceu na G rã-B reta n h a (3 5 4 ) e viveu na p o ­
breza e na sim plicidade. T o rn a-se m on ge e vai para R o m a (3 8 4 a
4 1 0 ), ond e critica a fo rm a de viver dos cristãos. R efu giou -se na
Sicília, ju n ta m e n te co m C elestin o, p o r ocasião da invasão dos
bárb aro s (4 1 0 ).
D a Sicília passam à Á frica; depois, Pelágio vai a Jerusalém ,
ond e co n q u ista a sim p atia do Bispo João. M esm o co n q u ista n ­
do a co n fian ça de tan tos seguidores, seus o p ositores crescem nas
igrejas da Palestina, R o m a e Á frica. O s sín od os de C artago (4 1 1 )
e de D iáspole (4 1 5 ) co n d en am suas d outrinas. O Papa In o cên cio
I co n d en a e excom un ga Pelágio e C elestino.
Escreveu algum as obras: T r a t a d o so b r e a f é , T est em u n h a s b í ­
b l i ca s, E x p o si ç ã o d a s ep í st o l a s d e Sã o P a u l o e So b r e a N a t u r ez a .

Pelágio envia sua defesa “ L i b el l u s F i d e i ” ao novo Papa, Z ó-


zim o, qu e aceita seus argum en tos. A gostinho, adversário de
Pelágio, e o Sín od o de C artago (4 1 8 ) co n d en am Pelágio. O papa
retira sua aprovação e reitera a con d en ação de In o cên cio .
H ouve ainda várias con d en ações a Pelágio em Jeru salém e
A n tioq u ia, o qual viveu na região da A lexandria até sua m o rte
(c . 4 3 7 ).

2 - P e l á g io e s u a d o u t r in a

Pelágio versa sobre a p erfeição da natu reza h um ana. Na sua c o n ­


cepção d o u trin al, o “pecado o rig in al” não to co u a natureza do
gênero h u m an o , apenas do pró p rio A dão. A ssim , o pecad o n ão é
transm issível e nossa natureza co n tin u a perfeita co m o antes do
“pecad o de n ossos p rim eiros pais”.
Sendo assim , o ser h um ano é capaz de evitar, p o r suas p ró ­
prias forças, o pecad o e sem pre escolher o cam in h o que lhe c o n ­
vém , sem o auxílio sobrenatural. O cam in h o da santidade está
num a rígida ascese e na prática das virtudes. Pelo seu pró p rio ar­
b ítrio , o ser h u m an o pode escolher en tre o b em e o m al. A graça
divina n ão realiza tran sfo rm açõ es na alm a do ser h um ano, ap e­
nas facilita a prática do bem . Esse cam in h o é m ais fácil para os
cristãos, pois C risto fortaleceu suas naturezas para as virtudes.
Pelágio afirm a a au to-su ficiên cia do ser h u m an o, d efen d en ­
do que, sem o au xílio da graça, ele pode alcan çar a salvação.
As ideias de Pelágio, retom ad as p o r C elestin o, expressam
esta visão an trop ológica:

- p o r sua co n d ição de m ortalid ad e, “A dão” m o rreria, m es­


m o sem o pecado;
- o pecad o dos “p rim eiros pais” n ão co rro m p e a estirpe h u ­
m ana;
- tan to a lei co m o o Evangelho n os con d uzem ao R ein o de
Deus;
- antes da vind a de C risto, houve h o m en s sem pecado;
- as crian ças estão pu ras n o n ascim en to , co m o n ossos p ri­
m eiros pais, antes do pecad o;
- co m o n ão é pela queda de A dão que a raça h u m an a perece,
tam p o u co ressurgirá pela R essurreição de C risto;
G r a ç a e l ib e r d a d e : C o n t r o v é r s ia s a n t r o p o l ó g ic a s n o p e l a g ia n is m o

- o b atism o , m esm o para as crian ças, n ão é necessário para


a salvação.

3 - C o n t e s t a ç ã o d e A g o s t in h o d e H ip o n a

A resposta de A gostinho co n tra o pelagian ism o perm an ecerá


co m o a d o u trin a sobre o pecado e a graça. Sua co n cep ção de
liv re-arb ítrio p erm an ecerá co m o luz para a questão da liberdade
e responsabilidade hum anas.
A gostin ho defende algum as ideias fu ndam entais:

- o ser h u m an o n ão tem esperança sem a m isericó rd ia d i­


vina;
- para o cu m p rim en to da ju stiça , a vontade h u m an a co n ta
co m a ju stiça divina;
- D eus in cu te na vontade h u m an a o desejo de realizar o
b em e rejeitar o m al;
- o “prim eiro h o m em ” foi criad o em estado de ju stiça e b o n ­
dade, co m o d om de não pecar e n ão perder o estado de ju stiça ;
- D eus op era na fraqueza h u m an a, e a vontade, pelo poder
de D eu s, pode perseverar n o cam in h o do b em ;
- a liberdad e dos filhos de D eus é n ão ter cap acidad e para
pecar. Este é u m d om divino, e não capacidad e natural;
- o liv re-a rb ítrio aju d a a realizar b o as o bras, co m a assistên ­
cia divina, qu e n os auxilia em nossa hum ild ad e;
- a livre vontade advém de u m a co n sciên cia pura, recebida
co m o graça do Senhor.

4 - D is c u s s õ e s s o b r e a u b e r d a d e e a g r a ç a

A gostin ho discu tiu as questões m ais p olêm icas da an trop ologia


cristã. C o n fro n to u Pelágio, C elestin o e Ju lian o, bispo de Eclano,
que, p o r ser d efensor do P elagianism o, fo i dep osto de sua Ig reja
e se refu giou n a C ilicia. D e fato, Ju lian o acusava A gostin ho de ter
obsessão pelo pecad o, pela co rru p ção da natu reza e pela c o n c u ­
p iscên cia da carn e.
A resposta de A gostin ho pode ser en co n trad a em algum as
obras co m o : So b r e a g r a ç a e o l i v r e- a r b í t r i o , So b r e a c o r r eç ã o e a
g r a ç a , So b r e a p r ed est i n a ç ã o d o s sa n t o s e So b r e o d o m d a p er s ev e­

r an ça.

Para Pelágio, o cristão é capaz de virtudes e de santificar-se


p o r si m esm o. A firm ava ainda qu e a pessoa nasce sem o “pecado
o rig in al” e que n ão havia n ecessidade de red en ção desde seu n as­
cim en to . P ortan to , não tin h a sentid o batizar crianças. A graça de
Deus é, segundo ele, u m a aju d a exterio r à próp ria liberdade por
si m esm o, o cristão está em co n d içõ es de p raticar as virtud es e
se santificar.
A gostin ho n os rep o rta em sua o b ra “D e gratia C h risti” aos
co n ceito s pelagian os. Segu ndo Pelágio afirm a, existem três c o i­
sas: a p rim eira é a p o sse, qu e é o p od er e habilidade do ser h u m a ­
no, seguida do “ v el l e” , qu e é sua vontade e, finalm en te, o “ esse” ,
que exp rim e o ser e sua atualização. Para Pelágio, o poder advém
de D eu s, en qu an to a vontade e a sua atualização p erten cem ao
ser h u m an o. Pelágio n os faz en tend er que D eus dá o poder, co m o
d om natural, e a pessoa, pela vontade e pela ação, realiza o bem .
P ercebem os qu e a tese de Pelágio se id en tifica co m as con vicções
dos gregos sobre a au tarqu ia da vida m oral.
De fo rm a d iferente, A gostin ho acredita qu e o m érito do agir
h u m an o pro vém da escolha de sua liberdade. A graça de D eus é
u m d om para a liberdad e h um ana. Sem D eu s, a liberdad e h u m a ­
na não p ro m ove o agir h u m an o para sua própria salvação.

5 - A n á t e m a s d o C o n c íl i o d e C a r t a g o

H ouve, en tão, u m C o n cílio em C artago (4 1 7 ), donde destacam os


u m a síntese dos cân on es sobre o pecad o e a graça. O C o n cílio
anatem iza aqueles que:
G r a ç a e l ib e r d a d e : C o n t r o v é r s ia s a n t r o p o l ó g ic a s n o p e l a g ia n is m o

- pro fessam qu e A dão, criad o r m orta l, teria m o rrid o por


causas n atu rais, e n ão co m o co n seq u ên cia do pecado;
- afirm am qu e os recém -n ascid o s não precisam ser b atiza­
dos, pois n en h u m pecado o rig in al provém de A dão;
- pregam qu e há no R ein o dos céus u m lugar in term ed iário
ou o u tro d eterm in ad o lugar, o nd e gozarão a bem -aven tu ran ça
as crian ças m ortas sem b atism o, qu e é co n d ição indispensável
para a salvação;
- dizem que a graça ju stifica o h o m em apenas dos pecados
com etid os e n ão os fo rtalece co n tra pecados fu turos;
- pregam que a graça apenas aju d a a n ão pecar, pois revela
os m an d am en tos, m as n ão n os con ced e a vontade e o poder de
fazerm os o que reco n h ecem o s co m o b o m ;
- afirm am qu e a expressão de Jo ão : “se d isserm os que não
tem os pecado, en g an am o -n o s e a verdade n ão está em n ó s” ( l j o
1.8) é sim ples expressão de hum ild ad e.
- d efendem qu e os santos não têm pecado e apenas rezam
em favor dos dem ais cristãos.

6 - G r a ç a e u b e r d a d e

Se, de u m lado, Pelágio, afirm a sua co n fian ça n o ser h um ano,


que, para a próp ria santificação, age pelo liv re-arb ítrio qu e Deus
lh e co n ced eu , de o u tro lado, A gostin ho defende qu e toda ação
h u m an a é graça divina e a liberd ad e consiste em agir m ovid o
p or esta graça.
Se C elestin o afirm a qu e A dão fo i criad o m o rtal e m orreu
p o r culpa do pecad o e qu e n ão é tran sm issível à estirpe h um ana,
A gostinho n os en sin a qu e a m o rte é co n seq u ên cia do pecad o e
que tod os os seres h u m an o s possuem o “pecad o o rig in al”, qu e é o
“m al em p o tên cia” qu e h ab ita n osso ser, desde nossa con cepção.
E n qu an to Ju lian o de E clan o afirm a que n ão é necessário o
b atism o de crian ças, pois seria co n d en ar tan tas delas à perdição,
A gostin ho afirm a qu e a h um anid ad e necessita de salvação, desde
o n ascim en to , e a graça de C risto está presente em to d a h istó ria,
pois Ele é o V erbo etern o de Deus.
A gostinho, o grande d efensor da graça e da liberd ade h u ­
m anas, n os en sin a qu e D eu s age em nossa fraqueza e n os o ferta
a red enção, n ão p o r n ossos m érito s, m as p o r sua m isericórd ia,
m anifestad a na en carn ação e na ressurreição.
IV - Id e n t id a d e d e J esu s C r is t o :
O M U N D O A M A N H E C E U A R IA N O

A grande m issão dos Padres da Ig reja con sistia n a elaboração


co eren te e fiel das verdades fu nd am en tais do cristian ism o. Os
en sin am en to s cristãos n ão são h erm ético s. Para ser universal, a
Ig reja deve b e b er das fontes cu ltu rais e religiosas de tod os os p o ­
vos que evangeliza e ser capaz de receb er elem en to s destes povos
convertid os, sem perder sua essência fu nd am en tal, tal qual h er­
dou do seu Senhor.
D e todas as discussões, o arian ism o foi o m o v im en to cris-
to ló g ico qu e m ais an gariou adeptos em suas fileiras; u m dia, “o
m u n d o am an h eceu a rian o ”.

1 - Á R IO E O S C A M IN H O S D E N lC E IA

Estud io sos afirm am qu e o fu nd ad or do arian ism o nasceu na


Líbia (c. 2 5 6 -2 6 0 ). Seu grande m estre foi Lu ciano de A ntioquia.
Tendo sido ad m itid o n o clero de A lexandria, recebeu a m issão de
presbítero n a Ig reja de B aucalis. Sua fam a de grande santidade
e de h o m em ilum in ad o o to rn a m u ito estim ado pelos fiéis, por
sua vida au stera de je ju n s e m o rtificaçõ es. Escreveu u m a carta a
Eu sébio de N icom éd ia, bisp o d efensor das teses arianas na corte
de C o n stan tin o . R estaram ain da duas profissões de fé. A p rim eira
foi dirigida ao Bispo A lexandre e a o u tra, a C on stan tin o . P or esta
profissão de fé, foi readm itid o, em 3 36 , na Ig reja. D e sua o b ra
m ais im p o rtan te, T h a l i a ( B a n q u et e) , restam apenas fragm ento s.
N o an o de 3 1 8 , n a d iscu ssão en tre o B isp o A lexan d re de
A lexan d ria e Á rio , este acusava o b isp o de sab elian ism o . H ouve,
logo ap ós, u m C o n cílio , que co n d en o u Á rio . A pop u larid ad e
de Á rio levou a d iscu ssão para to d o o O rien te. E u sébio de
C esareia o ap o io u e, p ara su p erar a ru p tu ra en tre os cristão s,
C o n sta n tin o I co n v o ca o C o n cílio de N iceia (3 2 5 ) , o n d e a d o u ­
trin a de Á rio fo i co n d en ad a. M esm o send o b a n id o , fo i re sta b e ­
lecid o p o r E u sébio, b isp o da N ico m éd ia (3 2 8 ) . A tanásio é eleito
b isp o de A lexan d ria n esta data. Sa n to A tanásio (2 9 5 - 3 7 3 ) é
co n sid erad o sa n to pela Ig reja O rto d o x a e ta m b é m pela Ig reja
C a tó lica , que lh e deu o títu lo de d o u to r da Ig reja . Á rio p o d e ­
ria ser reab ilitad o d efin itiv am en te, q u an d o a ceito u p rofessar a
d o u trin a de N iceia, m as faleceu an tes desta reab ilitação . N ão
são claras as cau sas de sua m o rte. O s ad epto s do a rian ism o se­
gu iram até o sécu lo X II.

2 - E n s in a m e n t o s d e Á r io

A questão arian a to ca a d o u trin a de C risto, na busca da sua ver­


d adeira id entid ade. Á rio defende qu e o Logos e o Pai n ão são
da m esm a essência, vale dizer, n ão são con su bstan ciais. D efende
ainda que o F ilh o é criatu ra do Pai e que o Filh o n ão existia desde
o p rin cíp io .
Á rio afirm a que há u m ú n ico Deus, qu e é ab soluto, qu e não
tem co rp o e n ão pode gerar u m Filh o, afirm an d o que quem está
fora de D eu s, é m era criatu ra. Para criar, D eus se serve de um
in term ed iário , que é o Logos, co m o um ser superior. O Logos
d ivino é su p erior a todas as criatu ras, m as n ão é igual a Deus,
pois Ele n ão é co -e te rn o n em m esm o con su bstan ciai. Este Logos
divino é in stru m en to de D eus para red im ir a hum anidade. Ele
se en carn ou e to m o u a alm a de Jesus C risto , o qual fo i ad ota-
do co m o Filh o de Deus. U n in d o -se à natureza h u m an a, o Logos
to rn a-se incorruptível.
Á rio se fu n d am en ta nas Sagradas E scritu ras e serve-se da
doxologia: G ló ria ao Pai, pelo Filh o, n o E sp írito Santo. O Pai é
etern o ( a g en et o s ), n ão gerado, m as o Logos n ão é etern o. C om
esta doxologia, Á rio afirm a a m ed iação e a in feriorid ad e do
Filho. Sua in flu ên cia fo i m u ito grande ju n to dos in telectu ais e
do povo sim ples.

3 - C o n d e n a ç ã o d o a r ia n is m o

H ouve u m a p rim eira ad m oestação p o r parte de A lexan dre, Bispo


de A lexan dria, qu e con vocou u m Sín od o, em A n tioq u ia (3 2 4 ).
N o en ta nto , a discussão to m o u en o rm es p roporções. G regório de
N issa diz que em tod os os can to s se falava sobre o assunto. C o m o
C o n stan tin o quer a unidade do Im p ério , convoca o C o n cílio de
N iceia (3 2 5 ) co m 3 0 0 bispos, o qual co n d en o u a d o u trin a aria ­
na. O en u n ciad o do C o n cílio en sin a que D eu s P a i é j u s t o e b o m ,
c r i a d o r d o c éu e d a t er r a , e q u e ex i st e u m ú n i c o Sen h o r , Jesu s C r i st o ,

f i l h o ú n i co , o q u a l n ã o n a sceu d o n a d a , m a s d o P a i , n ã o c o m o u m a

o b r a , m a s c o m o F i l h o , g er a d o d e m a n ei r a i n ef á v el . A penas três b is­

pos n ão assinaram o d o cu m en to do C on cílio , m as fo ram ex co ­


m ungad os. H ouve grande propagação e aceitação desta profissão
de fé.
As decisões deste C on cílio to m aram parte im portan te na tra ­
dição d outrinal da fé cristã. D esde então, professam os que existe
um a unidade fundam en tal entre o Pai e o Filho, pois o Filh o é
consu bstanciai ( h o m o o ú si o s ), é o Logos etern o qu e se en carn ou.
O C o n cílio professa a fé “n u m só Senhor, Jesus C risto, da
m esm a substância do Pai, Luz da Luz, D eus verdad eiro saído de
D eu s verdad eiro”. E finaliza: “p o r nossa salvação, desceu dos céus,
se en carn ou e se fez h o m em , m o rreu e ressu scitou”.
E m b o ra os term os desta profissão de fé, co m o natureza,
substância e hipóstase, n ão estivessem b em delim itad os, este
“sím b olo a p o stó lico ” p erm an ecerá até n ossos dias e é u m a das
m ais belas profissões de fé da d o u trin a cristã.

4 - A r ia n is m o n a h is t ó r ia

M esm o ten d o sido ban id os os hereges, o qu e era co m u m nos


tem pos do Im p ério R o m an o , C on stan ça, irm ã de C on stan tin o ,
de profissão de fé ariana, suspende o exílio de Eusébio de
Cesareia, seu o rien ta d o r e con selh eiro. C on stan ça reabilita os
bispos arian os e in icia cam p an h a co n tra os bispos o rtod oxos ca ­
tólicos. Eusébio de C esareia to rn a -se o novo líd er do arian ism o e
pro m ove o exílio de A tanásio de A lexandria, en tre ou tros bispos
e sacerdotes. A situação se agrava co m o reto rn o de Á rio (3 3 1 ).
C om u m a nova profissão de fé, u m ta n to am bígua, o fu nd ad or
do arian ism o se lib erta do exílio.
C o m a m o rte de C o n stan tin o , seus filhos assu m em o poder.
C on stan te assu m e o p od er n o im p ério do O cid en te e C on stân cio
n o O rien te. Este deixou de perseguir os o rto d oxos, e A tanásio
volta do exílio. As sentenças de con d en ação fo ram anulad as no
Sín od o R o m a n o (3 4 0 ). H ouve, en tão, u m Sín od o em A ntioquia
(3 4 1 ) que substitu i o sím b olo de N iceia p o r qu atro fó rm ulas
diferentes, sem a palavra “co n su b stan ciai”.
Send o b em acolh id os p o r C o n stân cio , os arian os au m en tam
seu poder e in iciam novas perseguições antiarian as. N ovam ente
são exilados vários cató lico s o rtod oxos, co m o A tanásio, H ilário
de P oitiers e Eusébio de Verceilas.
F in alm en te, há u m grande triu n fo dos arian os, m as depois
cria m novas corren tes e variações na sua profissão de fé, qu e ge­
ram grandes divisões.
A profissão de fé de N iceia to rn a-se a d o u trin a de u nificação
dos cristão s e p erm an ece na h istó ria co m o a verdad eira expres­
são do sím b olo ap o stó lico dos seguidores de Jesus C risto.
V - A E N C A R N A Ç Ã O D O LO G O S

E O M O N O F IS IS M O D E Ê U T IQ U E S

A identidad e de Jesus C risto é u m a das questões m ais delicadas e


im p o rtan tes da teolo gia p atrística. O s Padres da Ig reja co m p re­
end em qu e a im p o stação desta id en tid ad e d eterm in ará a esp iri­
tualidade e as práticas m o rais e litúrgicas dos cristãos. A bu sca
deste eq u ilíb rio en tre o d ivino e o h u m an o co n ced erá aos cris­
tãos u m a m ística que, ao m esm o tem p o que eleva o esp írito para
D eus, o insere na realidade.

1 - Ê U T IQ U E S , O M ONGE M O N O F IS IT A

O s h isto riad ores apresentam Ê u tiq u es co m o u m m on ge de g ran ­


de austerid ad e e fam a de santidade. N asceu em C on stan tin o p la
(3 7 8 ). Seu grande m estre foi u m m ístico ch am ad o M á x im o , que
lu to u m u ito co n tra o n esto rian ism o . Sua crítica arraigad a co n tra
a d o u trin a das duas naturezas de C risto o levou a professar o
m on o fisism o . A pós sua ord en ação sacerd otal, fo i eleito abade de
seu co n ven to e teve p articip ação ativa nas discussões teológicas
de seu tem po. Ê utiques to rn o u -se u m a figura notável na defe­
sa do m o n o fisism o b izan tin o . C o m a ascensão de C rísafo, co m o
eu nu co de Teo dósio II, a u m en to u o seu prestígio. A lém disso,
C rísafo tin h a sido batizad o p o r Êu tiqu es. C o m a in flu ên cia desta
am izade, Ê utiques ataca todos os suspeitos de n esto rian ism o , e n ­
tre eles bispos e doutores co m o Teodoro de C iro e Ibas de Edessa.
N um Sín od o regional em C o n stan tin o p la (4 4 8 ), presidid o pelo
P atriarca Flaviano, Ê utiques foi acu sado de heresia. Foi reab ili­
tado n o C o n cílio de 4 4 9 , con sid erad o C o n cílio de Ladrões p o r
Leão M agno. D o is an os depois, n o C on cílio de C alced ôn ia, foi
conden ado.

2 - D o u t r in a d e Ê u t iq u e s

Segu ndo estudiosos na busca de co n trap o r a heresia n esto ria-


na, Ê utiques exagera na com preen são de C irilo anuland o des­
te m od o a natureza h u m an a de Jesus. Ê u tiq u es defende qu e em
Jesus não havia apenas u m a pessoa, m as tam b ém u m a ú n ica
natureza. Basta rep o rtarm o s u m extrato de sua conversa co m
Flaviano. Ê u tiq u es afirm a: “N un ca presum i especu lar acerca da
n atureza de m eu D eu s, S en h o r do céu e da terra. A dm ito que
n u n ca confessei ser ele co n su b stan ciai co n osco . A V irgem ... c o n ­
fesso qu e é co n su b stan ciai co n o sco ”. Disse tam b ém : “A dm ito que
N osso S en h o r teve duas naturezas antes e apenas u m a depois da
en carn ação ”.
O m isticism o de Êu tiqu es, co m u m aos m onges de seu te m ­
po, leva ao desprezo da natureza h um ana. A ssim , acreditavam
que a santidad e con sistia em viver a exp eriên cia in tensa do es­
pírito. C o m o con sequ ên cia, a grandeza de Jesus C risto é bem
m aior, se houver desprezo pela natureza h u m an a e possu ir ap e­
nas a divindade.
N este ín terim , Flaviano fo i escolhido co m o P atriarca de
C on stan tin o p la, apesar das ten tativas de C rísafo em to rn á -lo pa­
triarca.
U n in d o -se a D ió sco ro de A lexan dria, Ê utiques persegue os
seus opositores. Flaviano reu niu os b ispos para ouvirem as o p i­
niões de Ê u tiq u es, qu e foi acusado de heresia e d ep osto do cargo
de A bade. Este apela ao Papa e ao Im p erad o r Teodósio II, que
convoca u m C o n cílio em Éfeso (4 4 9 ). Este C o n cílio foi presidido
p o r D ió sco ro, no qual se p roib iu a en trad a de diversos bispos
co n trário s ao m on o fisism o .
H ouve u m a reação p o r p arte do Papa. D e fato, Leão M agn o
enviou u m a C arta a Flaviano ( T o m u s a d F l a v i a n u m ) , n o qual
declara qu e em Jesus C risto existem duas naturezas (h u m an a e
d iv in a), afirm a ainda qu e as duas naturezas estão unid as n u m a
ú n ica pessoa, a do V erbo divino, qu e se fez carn e.
H ouve m esm o u m a tentativa de apresen tar a C arta no
C o n cílio , m as D ió sco ro e seus p artid ário s, apoiados pela C orte
Im perial e pelos M onges de Barsaum as (líderes de u m grup o de
falsos m on ges que saqueavam os m osteiros n estorian istas) im p e­
d iram a leitura. H ouve p ro testo dos bispos e u m grande tu m u lto,
qu e p ro vocou ferim en to s graves em Flaviano, o qual m o rreu dias
depois, em co n seq u ên cia das agressões.
A lgum as afirm ações de Leão M agn o são fu nd am en tais: “O
n ascim en to do Filh o n o tem p o nada tiro u ou acrescen tou a seu
n ascim en to etern o div in o... o E spírito Santo deu fertilid ad e à
V irgem , em b o ra a realid ade do seu co rp o foi recebid a n o co r­
po dele. D este m od o, in tactas e reunidas n u m a ú n ica pessoa, as
propriedades de am bas as naturezas, a m ajestad e assu m iu a h u ­
m ildade, a fo rça assu m iu a fraqueza, a natureza inviolável u niu -
se à natureza que pode sofrer. O verdad eiro D eu s nasceu num a
n atureza cabal e p erfeita de h o m em verdadeiro, co m p leto em
suas e em nossas propriedades” (L eão M agno. Ep. X X V III, A d
F l a v i a n u m , 13 de ju n h o de 4 4 9 ).

A grave situ ação do p seu d o co n cílio levou o Papa a d eclarar


qu e fora u m “co n cílio de lad rões”. Teodósio m o rre em 4 5 0 e h o u ­
ve um novo co n cílio . Foi prom ov id o pela Im p eratriz P ulqu éria e
p o r M arcian o , seu esposo. R ealizou-se em C alced ôn ia, u m a vez
qu e havia co n flito s po lítico s e m ilitares em Éfeso.
Estavam presentes aproxim ad am ente 6 0 0 bispos, os quais
d eclararam qu e “Pedro falou pela b o ca de Leão”. A ssim o T o m u s
a d Flavian u m to rn o u -se a declaração oficial do C o n cílio : “em
Jesus C risto existem duas naturezas, e cada natureza con serv a
seu p ró p rio m od o de ser, unid os n u m a ú n ica pessoa. As n a tu re­
zas d istintas se e n co n tram na pessoas de Jesus C risto pela u nião
h ip o stática”.

3 - Re s q u Ic i o s d o m o n o f is is m o

C o m o se pode im aginar, o m o n o fisism o co n tin u o u depois do


C o n cílio , esp ecialm en te em A lexan dria. H ouve grandes co n fli­
tos n a cidade. D ió sco ro fo i d eposto pelo Im p erad o r M arcian o e
substitu íd o pelo B ispo P ro tério . N a revolta, este bispo fo i assas­
sinado e os soldados que o p ro tegiam fo ram qu eim ad os vivos
no tem p lo de Serápis. D e A lexandria, o m o n o fisism o se espa­
lh o u pelo Egito, Etiópia, Síria e A rm ênia. T en taram co n q u istar
C on stan tin o p la. Foi u m a batalh a de m eio sécu lo e a sede ep is­
copal era altern ada en tre bispos cató lico s e b isp os m on ofisistas,
co n fo rm e a ten d ên cia do Im perador.
N esta m esm a discussão, hou ve tentativas de u n ificação da
d o u trin a e v itórias parciais dos dois lados. A Igreja cristã ca tó li­
ca preservou a “d o u trin a das duas n aturezas”, m as o m o n o fisis­
m o co n tin u o u n a h istó ria do cristian ism o, co m alguns m ilh ões
de seguidores em vários países, co m o n o Egito (6 m ilh õ es), na
E tió p ia (1 5 m ilh õ es) e na A rm ên ia (4 m ilh õ es). D ois títu lo s de
Ig reja m arcam a trad ição m on ofisista: os coptas, que são cristãos
egípcios, e os ja co b ita s, fu ndad a p o r Jacó, m on ge sírio. A Igreja
professa, sabiam en te, qu e Jesus C risto é d ivino co m o o Pai e h u ­
m an o co m o tod os nós, seres criad os em bu sca da divinização,
que p o r Ele se con cretiza.
VI - M a r ia , mãe de D eu s : Pa s s o s d a m a r io l o g ia

A p artir da presença de M aria na vida de Jesus, os Padres da


Igreja desenvolvem a espiritu alidad e m arian a, na qual esta de­
voção está vinculad a ao m istério de Jesus C risto. Ele é o ce n ­
tro absoluto da fé, M aria é u m a presença qu e ap o n ta para Deus.
M uitos escritores, teólo gos, m ístico s e santo s escreveram sobre
M aria. São m ed itações, páginas teoló gicas e poem as. O cu lto a
M aria tem algum as dim en sões im p o rtan tes, qu e os Padres da
Igreja apro fu nd am :

- N a teolo gia, M ãe de D eu s, m u lher co -red en to ra e in stru ­


m en to de Deus, para resgatar a hum anidade. A “ru p tu ra” repre­
sentada p o r Eva é retificad a pela “acolh id a” de M aria.
- N a devoção, M aria é m od elo e piedade. M aria está ao lado
daquele qu e reza, que co n tem p la e qu e louva a Deus.
- N a vida litúrgica, M ãe de Deus é m u lh er o ran te, qu e oferta
p o r prim eiro seu “sacrificis” a Deus. N ela, h abita o V erbo D iv in o
e ela o entrega à hum anidade.

1 - A f ig u r a de M a r ia n a tr a d iç ã o

O s Padres da Ig reja vão, aos pou cos, traçan d o as características


da M ario lo gia, na trad ição cristã:
M a r i a : M ã e v er d a d ei r a . C o n firm a-se a veracidade da en ca r­

n ação do F ilh o de D eu s e a red enção do gênero h u m an o. Sua


co n cep ção virginal en co n tra nos Padres a co m p rovação de qu e a
crian ça qu e n ascerá de M aria será ch am ad a Filh o de D eus. Esta
profissão de fé está presente na trad ição oral do C red o A postólico,
n o final do sécu lo I. In ácio de A n tioq u ia ( + 1 1 0 ) afirm a que Jesus
é Filh o de D eus, gerado verd ad eiram ente de M aria.

M a r i a : seg u n d a E v a . N a h istó ria da salvação, M aria p articip a

da regeneração da hum anidade. Ju stin o de R o m a ( + 165) afirm a


que C risto é a realização de to d o pen sam en to h u m an o e sua e n ­
carn ação traz para todos os seres h u m an os a sem ente do Verbo
D iv in o. M aria é a p rim eira criatu ra, o nd e a sem en te d ivina en ­
co n tra habitação.

M a r i a : ser v a d o E m a n u el . Para realizar as prom essas, D eus se

to rn a h u m an o em Jesus C risto e vem h ab itar o universo. Irin eu


de Lião ( + 2 0 0 ), con sid erad o o pai da M ario lo gia, en sin a que
M aria tran sm ite a C risto to d a a hum anid ad e de Adão.

M a r i a : h a b i t a ç ã o d o V er bo . H ip ólito de R o m a ( + 2 3 5 ) afir­

m o u qu e o povo venera e aclam a M aria, pois ela co n cebeu o


V erbo d iv in o pela fo rça in fin ita de seu am or. M aria é con vidada
a p articip ar n o plan o de salvação da hum anid ad e.

2 - Pa d r e s o r ie n t a is e a d e v o ç ã o m a r ia n a

A devoção m arian a n o O rien te é perceptível n a sua im p ression an ­


te icon ografia, nos rituais litú rgicos e nas orações. D estacam os
alguns autores m arian os:

a- E usébio de C esareia ( + 3 4 0 ) explica a presença de M aria


n o N ovo Testam ento , co rrela cio n an d o -a co m as figuras
fem in in as do A ntigo Testam ento . C o m o estas m ulheres
servem ao plano de Deus, para con d uzir o povo, M aria
serve ao plano de D eu s para con d u zir os fiéis.
b - A tanásio de A lexandria ( + 3 7 3 ). defende qu e M aria é
m ãe verd ad eira de Jesus C risto e que C risto se en carn ou
n o seio de u m a m ulher, h erd and o dela, p o r graça divina,
a natureza h um ana. M aria é exaltada co m o a grande ser­
va do M a g n i f i c a t , m erecen d o a exaltação divina. M aria é
m od elo de co n sagração a Deus.
c- B asílio de Cesareia ( + 3 7 9 ) segue a trad ição o rien tal e
afirm a a virgindad e perpétu a de M aria. A firm a que a
natu reza h u m an a de Jesus se en co n tra co m a natureza
divina, n u m a m esm a pessoa. A natureza h u m an a é h e­
ran ça da m aternid ad e de M aria,
d- Jo ã o C risósto m o ( + 4 0 7 ) professa que M aria é a ú n ica
pessoa h u m an a im u n e a n ossos defeitos. Ela foi eleva­
da à graça de discípula, co n fo rm e atesta a passagem das
Bod as de C aná da G alileia. P or m ed iação de M aria, tod a
m u lh er é libertad a e, p o r graça divina, o V erbo h ab ita a
hum anidade.

3 - Pa d r e s d o O c id e n t e e a c o n s a g r a ç ã o d e M a r ia

C o m o e n co n tram o s páginas profu nd as da M ario lo gia n os es­


critos dos Padres o rien tais, en co n tram o s n os Padres o cid en tais
novos co n ceito s que m arcam a reflexão da figura de M aria, co m o
serva de D eus e m od elo para os cristão s:

a- A m b rósio de M ilão destaca a figura b íb lica de M aria, que


é reco n h ecid a co m o a p io n eira no segu im ento de Jesus C risto.
C on sid erad o o “pai da M ario lo gia”, ap on ta três im p o rtan tes re­
flexões. E m p rim eiro lugar, con sid era qu e a m aternid ad e divina é
co n seq u ên cia de nossa profissão de fé. Jesus C risto é u m a pessoa
indivisível e M aria é a sua m ãe. As duas naturezas de C risto se
u n em na m esm a pessoa. M aria é a m ãe do Filh o de D eu s en car­
nado. E m segundo lugar, A m brósio eleva a san tid ad e de M aria,
que acolh e o F ilh o de D eus na h istó ria e, fin alm en te, professa
a m aternid ad e m arginal de M aria (v irgem a n t e e p o st p a r t u m ;
virgem i n p a r t u ) co m o in teração en tre o divino e o h u m a n o na
pessoa de Jesus C risto.

b - Jerô n im o apresenta M aria co m o a esposa do E spírito


Santo. Esta im agem m etafó rica revela qu e o E spírito San to as­
sum iu M aria co m o “esposa” fecun d and o em seu ventre o Filh o
de D eu s. T ratando da V irgindade de M aria, Jerô n im o en sin a que
houve u m “m a trim ô n io m ístico ” en tre M aria e o E sp írito Santo.
Ele en sin a ainda qu e os “irm ão s de Jesus” n ão representam filia­
ção direta, m as irm an d ad e em fo rm a de clã. N o O cid en te, co m
o passar dos séculos, surgem títu lo s qu e valorizam sua presença
n a vida co tid ian a dos fiéis, co m o M ãe dos A flitos; refugio dos
pecadores e tan tos títu los.

4 - G r a n d e d is c u s s ã o d o C o n c íl i o d e É f es o

M esm o havendo im p o rtan tes escritos sobre M aria, páginas


teo ló g icas e d ev o cio n ais, até o sécu lo IV o cu lto m a ria -
n o é m u ito esp o n tâ n eo . E n c o n tra m o s a v en era çã o de M a ria
em G reg ó rio de N azianzo ( 3 2 9 - 3 9 0 ) e, n a o b ra D e N a t u r a et
G r a t i a , A g o stin h o de H ip o n a d eclara qu e M a ria n ão tin h a p e ­

cad o o rig in a l. N o an o de 4 3 0 , o S ín o d o de A lex a n d ria o ficia liz a


a v en eração . Surge a m a io r d iscu ssão so b re a figura de M a ria n a
h istó ria , qu e fo i finalizad a n o C o n c ílio de É feso (4 3 1 ) . A d is­
cu ssão teve d ois p ro tag o n istas: N estó rio de A n tio q u ia e C irilo
de A lexan d ria.

4 .1 - N e s t ó r i o d e A n t i o q u i a

N asceu na Síria, em C esareia (c. 3 8 0 ) e m o rreu em 4 5 1 . Foi


patriarca de C on stan tin o p la. Foi u m m on g e co n h ecid o p o r sua
santidad e. P or sua d o u trin a, foi ad m oestad o pelo Papa C elestin o,
em 4 3 0 . N estó rio co m b atia o cu lto de im agens e ad m itia apenas
a representação da C ru z e de C risto. Escreveu m u itos serm ões,
m as o im p erad o r Teodósio qu eim o u qu ase tod os os seus escritos,
para abafar sua d o u trin a e seus adeptos.
N estó rio co m b ateu os ju d eu s, arian o s e ap olinaristas, que
fo ram expu lsos, p o r sua in sistên cia p o r Teodoro. E le disse: “D á-
m e, ó im perador, a terra lim p a de hereges e eu te darei o céu”.
Q u an d o Teodósio m orreu , seus filhos dividem o Im p ério ,
sendo qu e A rcádio ficou Im p erad o r n o O rien te e H o n ó rio no
O cid en te, co m sede em M ilão. N este períod o, o cristian ism o to r-
n a-se a religião oficial do Im p ério , in ician d o o “cesaropapism o”.

4 .2 - C i r il o d e A le x a n d r ia

H o m em de grande sagacidade, C irilo de A lexandria (c.


3 7 6 -4 4 2 ), exerceu grande in flu ên cia n a vida p o lítica e eclesial de
seu tem po. Sucessor do P atriarca Teófilo, co m o teólo go e d o u ­
to r da Igreja, fez o p osição co n tra o ju d aísm o e o n esto rian ism o.
V alendo-se de sua grande in flu ên cia sob re o governo im p erial de
C on stan tin o p la, p articu larm en te a im p eratriz Pulqu éria, tram o u
a co n d en ação de N estório , em Éfeso. Fez artim an h as e m an ip u ­
lações e ofertas em din h eiro, para n ão ser con d enad o. Escreveu
várias obras, co n tan d o en tre elas u m a defesa da Ig reja, co n tra
os ataques do Im p erad o r Ju lian o, o apóstata. E m 4 3 3 , aceitou a
reco n ciliação e se en cerraram as controv érsias.

4 .3 - T e s e s d e N e s t ó r i o

N estó rio acred ita na im u tabilid ad e de D eu s e n a o b jetiv id a ­


de da natureza e da pessoa. Ele n ão ad m ite a u nião substancial
das duas naturezas em C risto. A ssim sendo, se C risto tem duas
naturezas, tem ta m b ém duas pessoas, u m a para cada natureza.
Deste m od o, Jesus C risto tem duas filiações. D a parte de Deus,
é divino, e, da parte de M aria, é h u m an o. N estório não aceita a
u nião h ip o stática do V erbo divino.
N esta ló gica de sua d o u trin a, n ão ad m ite a divindade de
Jesus de N azaré. Ele é apenas o ser h u m an o , n o qual o Logos
divino en co n tra sua h abitação. Logo, M aria n ão é “T h eo to k o s”,
m as apenas “C h risto tó k o s”.
Se A polin ário negava a existên cia da alm a h u m an a em Jesus,
que fo ra elim inad a pelo Logos, N estório afirm ava qu e Jesus ti­
n ha verd ad eira hum anidade.
Deste m od o, Jesus n ão é red en tor da hum anid ad e, pois não
é Deus. Sua paixão e m o rte n ão tem valor salvífico.
Para N estório , M aria pode ser apenas M ãe do h o m em Jesus:
“an tro p o to k o s”. Suas afirm ações são claras: “n in gu ém venha m e
dizer qu e M aria é M ãe de D eus. Ela foi m u lher e D eu s n ão pode
nascer de u m a m u lh er”.
M aria deu à luz u m ser h u m an o . A u n ião do V erbo divino
ao “filho de M aria” não é o n to ló g ica, apenas aciden tal, de fo rm a
m oral. Este m od elo de u n ião tem qu atro características:

1 - “u n ião de h ab itação ”: o V erbo h ab ito u o co rp o de M aria


co m o seu tem plo;
2 - “u n ião de afeição”: sem elhante à u n ião afetiva en tre dois
am igos;
3 - “u n ião de o p eração ”: o V erbo divino se serve do co rp o
de Jesus para op erar m ilagres;
4 - “u n ião de graça”: p o r m eio da graça santifican te, o V erbo
se u n iu a Jesus.

N estório defende que, em Jesus C risto, se e n co n tra m duas


naturezas e, p o rtan to , duas pessoas: pessoa divina, co m o Filh o
de D eu s, e pessoa h um ana, co m o Filh o de M aria.

4 .4 - T e s e s d e C ir ilo

A co n trap o sição en tre as teses de N estório e as de C irilo é to ­


tal. Este defende a u n ião h ip o stática das duas naturezas. A firm a
que o su jeito da hum anid ad e de C risto é a pessoa divina.
N um a indelicada corresp o n d ên cia en tre am bos, N estório
ironiza C irilo, ch a m a n d o -o de “o eg íp cio”. O s dois la n çam seus
apelos a R o m a, qu e favorece C irilo, u m a vez que N estó rio já era
acusado de favorecer a heresia pelagiana. N um Sín od o R o m an o
(4 3 0 ), o Papa C elestino I co n d en o u N estó rio co m o herético.
D e fo rm a estranha, R o m a en tregou o d o cu m en to de retra ­
tação de N estório a C irilo, para qu e lhe com u n icasse a co n d e­
nação. P ro p ositalm en te, C irilo d em o rou para en tregar as reso ­
lu ções e o d o cu m en to de retratação. A o m esm o tem po, realizou
u m Sín od o co m os bispos do Egito (n ovem bro de 4 3 0 ). Deste
Sín od o em an o u u m a C arta Sin od al, qu e condenav a N estório.
N a C arta são in scrito s 12 an átem as, ond e co n d en a “aquele que
n egar a d o u trin a do ‘T h e o to k o s’, n ão co n fessar que o V erbo de
Deus Pai está unid o pessoalm en te à carn e; aquele que dividir as
pessoas de C risto...”. O Im p erad o r busca u m a solução para a u n i­
ficação: con voca u m C on cílio.

4 .5 - C o n c ílio d e É fe s o

H ouve atitudes e decisões m u ito irregulares. O C o n cílio foi


in augurado sem a presença dos legados p o n tifício s. D o m esm o
m od o, ainda n ão tin h am ch eg ad o os bispos da Síria e Jo ão , p atriar­
ca de C on stan tin o p la. N a p rim eira sessão, houve a con d en ação
de N estório. N atu ralm ente, houve d esco n ten tam en to e pro testos,
sobretu d o en tre os seguidores do P atriarca de C on stan tin o p la.
C irilo foi excom un gad o e preso. D epois de três m eses, foi lib erta ­
do. O Im p erad o r Teo dósio II rejeita as decisões co n ciliares até o
Papa C elestin o I reco n h ecer este C o n cílio E cu m ên ico . Sem o u tra
solução, o im p erad o r ab an d on o u N estó rio , d estitu in d o -o de sua
dignidade de Patriarca. A ssim , ele fo i exilado para Petra e m ais
tarde para O ásis, n o Egito.
C o n tin u a defen dendo sua d o u trin a até 4 3 4 , qu and o foi ex­
p atriad o para a A rábia. M esm o assim co n tin u o u sua pregação.
Foi enviado para P anápolis, u m a reclusão estatal. E m sua o b ra
L i v r o d e H er á c l i d es, defende suas ideias e critica o C o n cílio de
Éfeso. M esm o depois de sua m o rte (4 5 0 ), sua d o u trin a se d ifu n ­
diu até a C h in a e a M on gólia, a ín d ia e a Pérsia, co n ta n d o com
m u itos fiéis e bispos.
Éf eso , c i d a d e m a r ia n a

É f e s o e r a u m a c id a d e m u i to i m p o r t a n t e n o s t e m p o s d o C o n c íl io .
T i n h a m u i to s m o n u m e n t o s , t e m p lo s e u m a i m p o r t a n t e b ib lio te c a ,
q u e re v e la v a s e u f u lg o r c u lt u r a l.
N a c id a d e , h a v ia o c u lt o à d e u s a - m ã e , Á r t e m is ( D i a n a ) . S e g u n d o
o s h is to r i a d o r e s a n tig o s , o p o v o e s p e r a v a a d e c is ã o d o C o n c íli o .
Q u a n d o s o u b e ra m d a p ro c la m a ç ã o d o d o g m a d a M ã e d e D eu s,
h o u v e g r a n d e jú b ilo e p r o c is s õ e s , a s s im co m o h a v ia g r a n d e s
a c l a m a ç õ e s n o s t e m p o s d e P a u lo , n o in íc io d o C r i s t ia n is m o (A t
19,24-35).

4 .6 - M a r ia , m ã e d e D e u s , m u lh e r d a I g r e ja

O dogm a de Éfeso é u m d ogm a cristo ló g ico , u m a vez que


to ca d iretam en te a id entidade de Jesus C risto: u m a pessoa in d i­
visível e duas naturezas. A d eclaração da M aternid ad e divina de
M aria, a T h eo t o k o s, é d eco rrên cia desta unid ad e do V erbo divino
que se e n carn o u n o ventre de M aria.
Este en sin am en to n os p erm ite u n ificar a revelação, inserind o
a presen ça d ivina na realidade h istó rica, na vida dos povos. D eus
m esm o se en carn o u , pelo seu Filh o, u n in d o as esferas divinas e
hum anas, para qu e o m u n d o fosse para sem pre o R ein o de Deus
e tod os os seres h u m an os se u n am a D eu s. E m seu ventre p le na­
m ente h u m an o , o F ilh o de D eus e n co n tra h abitação. U nidas as
duas naturezas, n u m a ú n ica pessoa, reco n h ecem o s qu e M aria é
sua m ãe. M aria é m ãe deste filh o de D eus que se en carn ou . M aria
é M ãe de D eus e nossa.
V II - Pa d r es ma g n o s d a p a t r Is t i c a :

M est r es d o c r is t ia n is m o

A lguns padres m arcaram a m ística e a teolo gia da vida cristã.


Estes escritores p atrísticos são m apeados em grandes escolas te o ­
lógicas, em com un id ad es m ais florescentes, m osteiros o u cen tros
de estudos.
N os cap ítulos desta IV parte, apresentam os n o m es de Padres
qu e co m b ateram heresias e desvios d ou trin ais. R estam , ainda,
m u itos Padres da Igreja que n ão viveram estes grandes co n fli­
tos d outrinais. O m érito destes escrito s patrísticos está na busca
co n stan te de atu alizar e in cu ltu rar a m ensagem d ivina p ara suas
com unid ades. T o rn am -se assim m od elo do “fazer teolo gia” em
nossa vid a eclesial co n tem p orân ea. Vam os co n h ecer alguns, suas
vidas, ob ras e pen sam en tos.

1 - E u s é b io d e C e s a r e ia , g r a n d e h is t o r ia d o r

D e o rig em in certa (c. 2 7 5 ), faleceu em C esareia em (3 3 9 ). É c o n ­


siderado o pai da h istó ria da Igreja, porqu e n os legou os p ri­
m eiros relatos da h istó ria do cristian ism o prim itivo. R ecebeu
do presbítero D o ro teu , em A n tioq u ia, as in stru çõ es exegéticas.
E m Cesareia co n h eceu Pânfilo, co m qu em estudou as Sagradas
Escritu ras. A base dos estudos fo i a o b ra H ex a p l a , de O rígenes.
Q u an d o P ânfilo foi preso (3 0 7 ), Eusébio co n tin u o u sua o b ra,
con clu íd a após o m artírio do am igo. C o m o resultado, ele nos
legou u m a A pologia de O rígenes. R etiro u -se para T iro e depois
para o Egito, ond e foi perseguido. C o m b ateu o A rian ism o, co m o
bispo de A n tioqu ia. Foi im p o rtan te sua p articip ação n o C o n cílio
de N iceia (3 2 5 ), tan to qu e subscreveu seus decretos. O sím b olo
b atism al de Cesareia é a base do C red o de N iceia. Lu tou co n tra
E ustáquio de A n tioq u ia, qu e segue as ideias sabelianas, e M arcelo
de A ncira. Eusébio é citad o co m frequên cia co m o grande h isto ­
riad or da Igreja prim itiva.
Teve grande prod u ção literária, m as n em tu do foi preser­
vado. Suas ob ras são referên cias para os posteriores Padres da
Igreja.
A discussão arian a é o grande tem a da Igreja n aquele p e río ­
do. Ele se p reocu pa co m as questões dogm áticas. Escreve “p a n e­
gíricos h ip erb ó lico s” dedicados ao Im p erad o r qu e se co n v erte­
ra ao C ristian ism o , co m em o ran d o a oficialização da Ig reja no
Im pério .
D uas obras são as m ais im p o rtan tes na sua p rod u ção te o ló ­
gica: C r ô n i c a e H i st ó r i a d a I g r ej a . A o b ra C r ô n i c a apresenta u m
co m p ên d io da H istó ria U niversal, e na segunda parte estabelece o
sin cro n ism o destas in fo rm açõ es em colu nas paralelas. A C r ô n i c a
se perdeu , tem o s apenas registro de cópias. Sua segunda o bra,
H i st ó r i a d a I g r ej a ou Ec l esi á st i c a , traça os ru m o s da Ig reja desde

os A póstolos até seu tem po. N ela, relata a sucessão dos b ispos, as
p rincipais sedes apostólicas, a h istó ria dos doutores da Ig reja, das
heresias e dos jud eu s. Escreve ain da as relações en tre os fiéis e os
pagãos. Sua teolo gia parte da sob eran ia absoluta de D eu s, co m o
m o n arca divino. D eus é a causa de to d os os seres, a o rig em da
vida e de toda virtud e. D eu s enviou Jesus C risto ao m un d o, para
que a hum anid ad e particip asse de suas graças. C risto é, para ele,
a ú n ica pessoa à im agem divina. Ele é u m raio da luz etern a qu e
en tra n o m und o. Eusébio destaca a diferença en tre as pessoas da
Santíssim a Trindade. E m sua cristolo gia, n u n ca aplica o term o
“T h eo s” ao C risto. A credita qu e Jesus C risto é u m a criatu ra divi­
na, gerada antes do tem po. O Logos divino assu m iu o co rp o h u ­
m an o. A relação en tre a Trindade e o E sp írito Santo é sem elhante
à relação en tre o Pai e o Filh o.

S u m á r i o d a H i st ó r i a E c l e s i á s t i c a

E u s é b io d e s c r e v e u a h is tó r i a d a I g r e ja , a g r u p a n d o s e u s a c o n t e c i ­
m e n t o s a p a r t i r d o s r e i n a d o s d o s im p e r a d o r e s :

I - I n t r o d u ç ã o e a p r e s e n ta ç ã o s o b r e Je s u s C r i s to
II - A é p o c a a p o s tó lic a , d a Q u e d a d e J e r u s a lé m a t é T ito
I II - I g r e ja n o p e r í o d o d o I m p e r a d o r T r a ja n o
I V -V - H is tó r i a d a Ig r e ja n o s é c u lo II
V I - P e r í o d o d e S e v e r o a D é c io
V I I -V I I I - A s g r a n d e s p e r s e g u iç õ e s d e D io c le c i a n o
I X - V i tó r i a d e C o n s t a n t i n o s o b r e M a x ê n c i o , n o O c i d e n te ;
V i tó r i a d e L i c ín io s o b r e M a x i m in o , n o O r ie n te
X - R e b e liã o e c o n q u is ta d e L ic ín io

P artin d o de sua o b ra M a r t i r o l ó g i o , p o r vários anos, Eusébio


trab alh o u nesta o b ra; é u m trab alh o im pression an te pela p reci­
são e cu id ad o co m o foi redigida.

2 - Pa d r e s c a p a d ó c io s

O s Padres cap ad ócios to cam vários tem as da d o u trin a cristã.


Seus p rincip ais rep resen tantes são B asílio de C esareia, G regório
de N azianzo e G eg rório de Nissa. A C apad ócia fo i anexada ao
Im p ério R o m an o p o r T ib ério , im perador, que, em seguida, co n s­
tru iu a cap ital Cesareia. Esta cap ital se to rn o u u m cen tro im p o r­
tan te, co m term as, teatros e im p o rta n te vida social. A evangeli­
zação nesta cidade se in icio u co m os p rim eiros apóstolos. E n tre
as várias perseguições, os cristão s sofreram os ataqu es de G alero
e de M a x im in o Daia.
2 .1 - B a s ílio M a g n o d e C e s a re ia

N ascido em 3 2 9 , qu and o a Igreja já tem privilégios ju n to ao


Estado ro m an o . O s b ispos passam a gozar de prestígios sociais
e eco n ô m ico s. Sua fam ília é cristã e seu pai é u m grande re tó ri­
co. Sua m ãe é u m a cristã m u ito devota. Suas m aio res influ ên cias
fo ram sua irm ã m ais velha, M acrin a, e sua avó viúva de seu avô
m ártir.
E m C esareia co n h eceu G regório de N azianzo e se to rn a ram
grandes am igos. E stud ou ainda em C o n stan tin o p la e A tenas.
D epois de u m p eríod o de devassidão, se converte. A pós seu b a tis­
m o, en tra na vida m on ástica dos m on ges da Síria e da Palestina.
G regório de N azianzo ju n ta -se a ele na vida m on ástica e co m ­
p õ em a qu atro m ãos a co letân ea de textos de O rígenes, F i l o c á l i a ,
e Basílio redige as duas Regras M on ásticas, base das n o rm as da
vida cen o b ítica do O rien te. P or esta razão, é tid o co m o o “pai do
m o n aq u ism o o rie n ta l”.
M orreu aos 50 anos, em 3 7 9, esgotado pelas trib u lações.
Seus fu nerais fo ram solenes e triu n fan tes.

Basílio é con sid erad o u m grande personagem do cristian is­


m o prim itivo. Revela qualidades co m o coragem , firm eza, re ti­
dão, equ ilíb rio e revela grande sensibilidade social e h u m an a.
N a questão social, B asílio critica severam ente os p ro p rietá­
rios de terra, qu e exp loram os co lo n os, qu e viviam n u m estágio
in term ed iário en tre a escravid ão e a liberdade. N um p eríod o de
grave fom e, B asílio acusa os pod erosos que “o b rig am u m pai a
vender o p ró p rio filho co m o escravo para rem ed iar a m iséria”.
Ele acusa o im p erad or de se m eter em teolo gia ao invés de regu­
lam en tar os p ro blem as sociais.
D an d o grande exem plo, d istrib u i os p ró p rios bens.
N a sua atividade episcopal, n om ead o aos 4 0 anos, en fren to u
o Im p erad o r Valente, para defender a verdad eira fé. O im perad or
delega ao prefeito M od esto o poder de co m b a ter B asílio. C o m a
m o rte de A tanásio, assu m e a lu ta pela o rtod oxia. B asílio escreve a
obra: T r ês l i v r o s c o n t r a E u m ô n i o , qu e era discípulo de Á rio. M ais
im p o rtan te ainda é sua o b ra: T r a t a d o so b r e o E sp ír i t o Sa n t o .
Sua m issão de p astor é exem plar. C otid ian am en te, prepara
os catecú m en os para o b atism o, prega e celebra co m o povo e
escreve h om ilias e discu rsos para as co m un id ad es. In siste m uito
para que os fiéis n ão percam as qualidades m orais e de santidad e
que m arcaram os tem pos do m artírio .
N o co n tex to dos estudos b íb lico s, p ro cu ra in d icar pistas
para qu e os estudantes, p articu larm en te seus sob rin h o s, sirvam -
se dos autores pagãos para situar a m ensagem dos livros sagra­
dos.
Na t eo l o g i a l i t ú r g i c a , org an izou o cu lto cristão, co m um a
fo rm u lação que faz da liturg ia de A n tioq u ia u m a o b ra -p rim a da
língua grega. A O ração E u carística IV do M issal R o m a n o é a tri­
bu íd a a ele.
C o m o escritor, escreveu m uitas cartas (m ais de 3 0 0 ), que
relatam suas atividades e sua im pression an te cu ltu ra. A brange
tem as precio sos co m o a am izade, o rien taçõ es litú rg icas e qu es­
tões teoló gicas, m o stran d o a relação en tre fé e razão.

2 .2 - G r e g ó r i o d e N a z ia n z o

O riu n d o da C apad ócia, p erto de N azianzo, nasceu em


3 2 9 ou 330. Faleceu em 390. Foi estudante nas fam osas esco ­
las de C esareia de C apad ócia e a Escola C ristã de Cesareia da
Palestina, im p o rta n te escola fu ndada p o r O rígenes. Estu d ou
ainda em A lexan dria, n o Egito. C o n h ece, em A tenas, B asílio
M agno, seu grande co m p an h eiro, co m o m on ge e escritor. N a
sua volta a N azianzo, recebe o b atism o e dedica-se à vida m o ­
nástica. O rd en ad o sacerd ote (N atal de 3 6 1 ), n o an o seguinte foi
con sagrad o bisp o p o r Basílio, m etro p o lita da C apadócia. Viveu
co n flito s co m o Im p erad o r Valente, arian o e, co m a m o rte des­
te, organiza a Ig reja de C on stan tin o p la. O P rim eiro C o n cílio de
C on stan tin o p la, qu e co n d en o u a d o u trin a de Á rio, o n o m eo u
co m o A rcebispo da cidade. M ais tarde, em 3 84 , d esconten te co m
o clero de sua sede, volta para N azianzo e, em 3 8 4 , regressa à
sua aldeia e dedica seus ú ltim o s an os a escrever e contem plar. A
Igreja O rto d o x a lhe co n feriu o títu lo de “o teólo go”.

E n co n tra m o s, entre suas o bras, discu rsos, poem as e cartas,


n um estilo sim ples e elevado. N um a o ração con tem p lativa, ele
revela seus d ons literários: “C risto, d á-n o s a conhecer, pelo seu
am or, u m só D eus n u m a Trindade: é de três in fin itos a in fin ita
con atu ralid ad e. D eu s in teg ralm en te, cada um con sid erad o em
Si m esm o (...) D eu s, os Três consid erad os ju n ta m e n te ” ( O r a ç õ es
X L , 4 1 ). Sua reflexão teoló gica parte da d o u trin a da Santíssim a
Trindade. Sustenta u m a d o u trin a clara e b em elaborad a da
C ristologia. A firm a a plena h um anid ad e e a divindade de Jesus
C risto e defende qu e o Filh o de Deus n ão aban d on a sua d iv in ­
dade na en carn ação , deixando claro qu e Jesus é o Logos D iv in o
en carn ad o. R eco n h ece a pedagogia da revelação divina: D eus se
m anifesta ao m u n d o à m ed id a qu e os seres h u m an o s estão so lí­
citos a aco lh er suas verdades. Ele afirm a qu e o E spírito San to está
presente na criação e na h istó ria, m as qu e se dá a co n h ecer p le­
n am en te após a m o rte e a ressu rreição de Jesus. E m Pentecostes,
o co rre a plenitu d e da revelação trin itária.

2 .3 - G r e g ó r i o d e N is s a

Basílio M agn o é seu catequista e seu irm ão , nasceu na


C apad ócia, em C esareia (3 3 0 ); seu pen sam en to, co m o é co m u m
en tre os Padres cap ad ócio s, sofre a in flu ên cia do p lato n ism o e de
O rígenes. F ora professor de retó rica, m as fez u m a op ção radical
pelo sacerd ócio e pela vida erem ita. Sua m ãe e u m a de suas irm ãs
en traram para a vida m on ástica. D epois de u m períod o m o n ás­
tico, foi consagrado Bispo de N issa, na C apad ócia (3 7 1 ). Lutou
co n tra o arian ism o e fo i persegu ido p o r D em ósten es, governa­
d or do P on to e tam b ém foi d eposto de sua sede episcopal. C o m o
n o caso de B asílio e de G regório de N azianzo, co m a m o rte do
Im p erad o r arian o Valente, voltou ao seu carg o episcopal. Sua
p articip ação n o P rim eiro C o n cílio de C o n stan tin o p la foi m uito
significativa.
P or sua fo rm ação filo sófica e capacidade retó rica, revela
grande capacidade literária, p o r vezes n u m estilo m u ito co m ­
plexo e de difícil com preen são. D estacam os algum as obras,
co m o G r a n d e C a t eq u ese ; D i á l o g o c o m M a c r i n a so b r e a A l m a e
a I m o r t a l i d a d e; So b r e a V i r g i n d a d e; So b r e a C r i a ç ã o d o H o m em ;

C o m en t á r i o a o C â n t i c o d o s C â n t i c o s e à s o i t o b em - a v en t u r a n ç a s;

So b r e o a m o r d o s P o b r es; So b r e a D i v i n d a d e d o F i l h o e d o E sp ír i t o

Sa n t o , en tre outras.
A ssim , sin tetizam os alguns p o n to s im p ortan tes:

1 - Sob re a Trindade: se existe apenas u m a essência para ta n ­


tos indivíd uos, co n fo rm e o plato n ism o ; de m o d o sim ilar, existe
apenas u m a essência divina p ara três pessoas da Trindade. A d is­
tin çã o en tre as pessoas se dá n o in terio r da Trindade: o E spírito
Santo pro ced e do Pai, através do Filho.

2 - Sob re a Filosofia: afirm a que é u m a ciên cia estéril em


si m esm a, m as qu e serve co m o base im p o rtan te para a teolo gia
cristã. E m h arm o n ia co m os livros sagrados, esta ciên cia serve
co m o in stru m en to linguístico e con ceitu ai. Tendo sido form ad o
a partir da teolo gia de O rígenes, receb e in flu ên cia do p lato n is­
m o, dos estoicos e do n eop latonism o.

3 - Sob re a C ristologia: professa a d istin ção en tre as duas


naturezas de C risto , d istin tas e sem con fu são. P or isso, a carn e
existe n o tem p o e o Verbo sem pre existiu. Eles coexistem n a pes­
soa de Jesus de N azaré, Filh o de D eus. Para sem pre, as duas n a ­
turezas serão d istintas, co existin d o n u m a m esm a pessoa. C risto
é o Filh o de D eus e to m a a natureza h u m an a no co rp o de M aria,
in titu lad a T h eo t o k o s.

4 - Sob re a an tropologia: N o ser h u m an o con vergem a n atu ­


reza e o espírito, um a vez que foi plasm ado p o r Deus e pela graça
particip a da sua divindade e tem o livre-arbítrio co m o d o m par­
ticular, fu ndad o na pró pria con sciência, co m o poder de escolher
en tre o b em e o m al. A h istó ria do ser h u m an o é tran sform ad a
po r Jesus C risto, que se declina sobre ele. O ser h u m an o é a síntese
de to d o o universo. A grandeza do ser h u m an o , n o en tanto , não
consiste em ser im agem do universo, m as em ser im agem e sem e­
lhança de Deus. O ser h u m an o é ícon e de Deus, pois tem os dons
da razão, do liv re-arb ítrio e da virtude, que são bens divinos.

5 - Sob re a escato logia: m esm o vinculad a ao platon ism o,


nega absolutam en te a tran sm ig ração das alm as. C on sid era, p o ­
rém , que a u n ião da alm a ao co rp o é co n seq u ên cia do pecado.
Todos os espíritos serão p u rificad os p o r D eus e serão redim id os
p o r Jesus C risto. N a p a r u s i a , Deus restaurará to d a criação, levan ­
do à plenitude a salvação da hum anidade.

6 - Espiritualidade cristã: D eu s p erm ite ao ser h u m an o


co n h ecê-lo e en trar em sin to n ia co m Ele. C o m o a im agem de
D eus está em cada ser h u m an o , tod os revelam a presen ça divina.
Pela p rática das virtudes, o ser h u m an o en tra em co m u n h ão com
D eus e tem D eu s em sua vida. Possuindo D eus em sua vida, pela
co n tem p lação e pela p rática das virtudes, o co rre u m a in tegração
en tre o C riad or e sua criatu ra.

3 - A m b r ó s io d e M il ã o

N asceu em Trier, na A lem anh a (3 4 0 ), e m o rreu em M ilão (3 9 7 ).


Tem u m a o b ra m agn ífica e receb eu o títu lo de “d o u to r da Igreja”.
D e o rig em grega, seu pai exercia im p o rtan te fu nção na ad m in is­
tração do Im p ério . Residiu em R o m a e m ais tarde na Gália. Teve
fo rm ação n o b re, estudan do gram ática, literatu ra grega e ro m a­
na, direito e retó rica. P ertenceu ao grupo dos catecú m en os, sob
a o rien ta çã o do sacerdote Sim p lician o, qu e A gostin ho d en om in a
co m o “pai de A m brósio , segu ndo a graça”. D epois de u m p eríod o
de advogado em Sírm io , n o trib u n al da prefeitura, é n om ead o
con selh eiro e m ais tarde to rn o u -se governador da província de
E m ília e Ligúria, co m sede em M ilão.
D ep o is da m o rte do b isp o A uxên cio, qu e era arian o , h o u ­
ve u m a grand e disputa para a eleição episcopal, en tre ca tó lico s
e arian os. A m b rósio co m p areceu co m o prefeito da p o lícia. As
duas facções se u n iram para eleg ê-lo bispo. D ep o is de tan ta in ­
sistên cia, A m b ró sio aceita o cargo de bisp o. C o m o ain d a era ca-
tecú m en o , receb eu o b a tism o , as ord ens (3 7 4 ), e a co n sag ração
episcopal. C o m o b isp o, sem pre evitou as co n trov érsias d o u tri­
nais. E le m esm o preparava os ca tecú m en o s para o B a tism o e
o ferto u seus b en s para os pobres. Viveu u m a vida au stera e na
santidade.
A co lab o ração en tre o im p erad or Teodósio e o bisp o é m u i­
to estreita. A m brósio tem grande zelo pela sua diocese, m an tém
co n tatos co m o u tro s bispos da Itália e fu nda várias dioceses.
Tem grande fo rça m oral e p o lítica sobre o Im p erad o r Teodósio.
Q u an d o este ord ena o M assacre de Tessalônica, A m b rósio o c o n ­
dena veem en tem en te p o r sua cru eldad e. Q u an d o Teo dósio qu er
en tra r n a Ig reja, A m b rósio se recusa a celeb rar a m issa dizendo
qu e a “b o ca que ord enara tão cru el m assacre n ão era digna de re­
ceb er a h óstia sagrada”. C o m o o im p erad o r se ju stificava na ação
b élica de Davi, o bisp o diz que n ão im itasse o Rei Davi som en te
n o pecado, m as tam b ém na pen itên cia. O Im p erad o r faz p en i­
tên cias e se veste de traje s pen iten ciais. A m b rósio escreveu um
tratad o ch am ad o So b r e a f é, para G racian o A ugusto, co m p o sto
de 5 livros, e ainda o tratad o So b r e o E sp ír i t o Sa n t o . M orreu na
m an h ã do Sábado Santo de 397.
A m b rósio escreveu m ais de 9 0 cartas e seus h in o s são co n si­
derados os m ais elevados para a liturg ia da Igreja. Escreveu várias
obras exegéticas, co m o o H ex a m er o n , co m p o sta de 6 livros, onde
co n ta a beleza da criação e as ob ras D e M y st er i s e D e Sa c r a m en t i s,
na área da ciên cia teo ló g ico -sacram en tária e D e Sp i r i t u Sa n c t o .
Escreveu várias ob ras ascéticas e u m rito litúrgico ocid en tal, que
é utilizad o na Igreja de M ilão.
4 - J e r ô n im o , d o u t o r e t r a d u t o r

Jerô n im o n asceu em Stríd o n , na D alm ácia (c. 3 4 0 ou 3 4 2 ).


Servin d o-se da versão grega e hebraica, traduz a B íb lia para o
latim . Faleceu p erto de Belém (4 2 0 ). A “vulgata” foi publicada
aproxim ad am ente em 4 0 0 d.C .
Foi escrito r e Padre da Ig reja. D epois de um a lo n ga d o ­
ença, sen tiu -se ch am ad o à vocação religiosa. F ico u p o r vários
an os peregrin and o p o r várias regiões do Im p ério . Foi para a
Palestina (3 7 4 ), o nd e estudou h ebraico e exegese b íb lica. Em
C on stan tin o p la foi secretário do Papa Dâm aso.
E n tre os anos de 3 8 6 e 39 0 , co m p leto u a trad u ção da Bíb lia e
os co m en tário s do N ovo Testam ento. N a p ró x im a década, escre­
ve m uitas obras e co m en tários. Traduziu ainda escritos eru ditos
para o latim e atualizou a o b ra de Eusébio de C esareia, reg istran ­
do os eventos da Igreja en tre 3 25 e 378.
E n tre suas ob ras m ais im p ortan tes, D e v i r i s i l l u st r i b u s, qu e
é u m a co leção de biografias de escritores cristãos. Seu estilo ele­
gante expressa que tem grande co n h ecim en to dos clássicos gre­
co -latin o s. C o n h ecia m u ito b em o grego e o h eb raico e assim
escreveu m u itos d o cu m en to s em suas viagens pelo O rien te.
Je rô n im o tin h a grande apreço pela vida ascética e to rn a-se
seu grande divulgador. N o final da sua vida, en tre os an os 4 0 5 e
4 2 0 , vive em extrem a ab stin ên cia na vida pessoal e na esp iritu a­
lidade.

5 - Le ã o M a g n o

N atural da Toscânia, região da Itália, foi Papa en tre 4 4 0 e 4 6 1 . U m


dos fatos m ais m arcan tes de seu p o n tificad o fo i ter en fren tad o os
h u n os, com and ad os p o r Á tila, em 4 5 2 . P or sua atuação, fo rço u
os h u n os a firm arem u m acord o de paz. N ovam ente, qu an d o os
vândalos, com and ad os pelo rei G en serico, estavam às p ortas de
R o m a para saqueá-la, em 4 5 5 , Leão M agn o conseguiu que os in i­
m ig os preservassem a vida da popu lação.
Seu p on tificad o foi significativo, u m a vez qu e nele houve
a im posição do Bispo de R o m a co m o p o n tífice universal. Leão
M agno p roclam a qu e o P on tífice R o m an o era a autoridade supre­
m a da Igreja, p o r ser o h erdeiro do tro n o de Pedro (M t 1 6 ,1 6 -1 9 ).
A p artir deste P ontificado, o B ispo de R om a exerce sua au torid a­
de sobre os fiéis, m as tam b ém sobre todos os bispos do m undo.
Teve m uita capacidade para im p o r certa u niform id ad e pastoral,
corrig iu abusos e ad m itiu qu e os bispos das outras dioceses p o ­
deriam ser eleitos pelo seu clero e pelas lideranças locais.
D o p o n to de vista teoló gico, afirm o u qu e Jesus C risto era
um a m esm a pessoa, co m duas naturezas: verd ad eiram ente h u ­
m an o e divino. D eix o u -n o s m uitas cartas, pelas qu ais aco m p a­
n h am o s suas atividades na Itália, na Gália, na Á frica e na Espanha.
Tem os qu ase 100 serm ões de sua au toria, os quais apro fu ndam
os m istério s do A no Litúrgico. E m seus escritos, n o ta -se parale-
lism os e antíteses, co m cláusulas rítm icas e cad ên cia literária.
N o seu períod o, R o m a está am eaçada pelos bárbaro s, ao
m esm o tem p o qu e o O rien te se d istancia do O cid en te. M esm o
assim , Leão M agn o con solid a sua autoridade e to rn a -se o “rei de
R om a”. Para sem pre, a Igreja p ro clam ará a beleza m ística de seus
serm ões.

6 - G r e g ó r io M a g n o

Este m on g e b en ed itin o nasceu em R o m a (c. 5 4 0 ), n u m a tra d i­


cio n al fam ília da aristo cracia. A o lado de sua fo rm ação acad êm i­
ca, cultivava vida de piedade e de santid ade, m as teve audácia e
sabedoria para co m b ater as invasões dos b árbaros. In teressou -se
pela vida p o lítica e se to rn o u p refeito de R om a. M as, aos 35 anos,
ab an d on a sua vida civil e se con sagra co m o religioso m on ástico,
in flu en ciad o p o r São B en to. C om o falecim en to de seu pai, h er­
dou u m a grande herança. C o m esta fo rtu n a ed ificou 6 m osteiros
na Sicília e u m em R om a. N o an o 5 76 , to rn a -se seu A bade. Foi
enviado a C o n stan tin o p la co m o em b aix ad o r da Santa Sé.
H erd am os deste grande m onge e papa m uitos serm ões, c o ­
m en tários sobre a Bíblia, co m o o livro “M oralia”, qu e co m en ta o
livro de Jó . Sua eleição ao P on tificad o R o m an o (5 9 0 ), foi u n ân i­
m e. Escreveu ao Im p erad o r de C on stan tin o p la qu e não o co n fir­
m asse. C o m o p o n tífice ro m an o governa a Ig reja até sua m o rte
(6 0 4 ). E m seu cu rrícu lo traz o m érito de ter enviado 40 m onges
m issio n ário s para as Ilhas B ritân icas, liderados p o r A gostinho de
C antu ária. Tam bém recebe seu n o m e o estilo m usical que se de­
n o m in a can to gregorian o. Sua o b ra R eg r a P a st o r a l , d em on stra os
deveres de u m bispo. Ele afirm a: “O s bispos são os olh os do povo.
Se os que governam o povo n ão têm luz, os que lhes estão su b m e­
tidos só podem cair em co n fu são e erro ”. Ele enviou m issio n ário s
às Ilhas da C órsega e da Sardenha e escrevia cartas para serem
lidas aos cam poneses. Escreve texto s sociais co m o : “Eu soube que
vós co n heceis qu e u m a te rra p erten cen te a um a pessoa lhe foi ti­
rada, e qu e vós, p o r respeito h u m an o , não ousais fazê-la devolver
a seu proprietário . Se vós sois realm en te cristão, vós tem eríeis o
ju lg am en to de Deus m ais do qu e os discursos dos h o m en s”.
Sua im agem de santidade e de grande líd er da Igreja é um
sinal de fo rça e fé até n ossos dias.

★ ★ ★

Sã o ta n to s o s P a d re s m a g n o s

O s Padres são co n h ecid o s pela sua san tid ad e e são co n sid e­


radas suas respostas para co n fro n ta r e superar m o m en to s de crise
nas com unid ad es, nas escolas teológicas e nas sedes eclesiásticas.
A capacid ade de in tegrar a m ensagem b íb lica co m as co r­
rentes filosóficas, n u m a h a rm o n ia o rtod oxa, é u m sinal da g ran ­
deza e da sabed oria dos Padres da Ig reja A ntiga, além da beleza
literária.
São tan tos os Padres e tan tos são seus escritos. C ultivaram
a trad ição, elab o raram rito s para as com un id ad es e revelaram -se
m od elo s de santid ad e e fidelidade à Igreja.
V III - U m a Ig r e j a d ia l o g a n t e :

G R A N D E S C O N C ÍL IO S D A IG R E J A A N T I G A

Seja u m n ú m ero sim b ólico ou u m a co in cid ên cia h istó rica, a


Ig reja do P eríod o P atrístico celebro u 7 C o n cílio s E cu m ên ico s.
Estes grandes en co n tro s, qu e reu n iram os grandes patriarcas,
bispos e teólo gos de seu tem po, d iscu tiram , aprofu nd aram e de­
cid iram , à luz do E spírito Santo, as d o u trin as m ais im p o rtan tes
da fé cristã, sobretu d o sob re a Trindade e o C risto, m as tratan d o
dos tem as m arian os, eclesiais, p o líticos e m orais. N orm alm en te,
estes C o n cílio s eram convocados pelas au torid ad es po líticas ou
eclesiásticas, para co n fro n ta r u m a questão p o lêm ica qu e estava
cau san d o divisões e con flitos.
M esm o que os C o n cílio s ten h am sido citados nas discussões
en tre a h eresia e a o rtod oxia, um novo olh ar sobre estes gran ­
des C on cílio s n os darão u m a visão p an o râm ica da elab o ração da
d o u trin a cristã.

O s C o n c í l i o s ec u m ên i c o s

O p e r í o d o p a tr ís ti c o c e le b r o u s e te c o n c íl io s e c u m ê n i c o s , r e c o n h e ­
c id o s p e la m a i o r i a d a s d e n o m i n a ç õ e s c r is tã s o c i d e n ta is e o r ie n ta is .
A v e r d a d e i r a r e a l iz a ç ã o d o s c o n c í lio s e c u m ê n i c o s e x ig e r e p r e s e n -
ta tiv id a d e u n iv e r s a l e d e c is õ e s liv re s . O s c o n c íl io s n ã o in v e n ta m
v e r d a d e s d o u tr in a is . S u a m is s ã o é e l a b o r a r a d o u t r i n a a p a r t i r d a
r e v e la ç ã o b íb lic a , d a e x p e r i ê n c i a r e lig io s a d o s fiéis e e m c o n f r o n to
c o m a s c u lt u r a s . O s C o n c íli o s f o r a m s e m p r e o e s p a ç o p r iv ile g ia d o
e le g í tim o d o d iá lo g o , o e n c o n t r o e n tr e a s te n d ê n c ia s te o l ó g ic a s ,
a a p r o x i m a ç ã o e n tr e a s e s c o la s b íb lic a s e e x e g é ti c a s e a s ín te s e d o
p e n s a m e n t o f u n d a m e n ta l d a fé c r is tã . P e lo s c o n c íl io s , a c o m u n i d a ­
d e c r is tã f e c u n d o u a e s p ir itu a lid a d e c r is tã , t e s t e m u n h o u a u n id a d e
d ia lo g a i e p e n e tr o u n o m u n d o c o m a g r a n d e z a d o q u e r ig m a d e
Je s u s C r is to .
(C f . A n t ô n i o S. B o g a z - R o d n e i C . T h o m a z e lla ,
Edificar a Igreja, V a lin h o s , 2005)

1 - J e r u s a l é m : c o n c íl i o em t e m p o s b íb l i c o s

Este “p ré-co n cílio ” ocorreu no ano de 49 ou 5 0 em Jerusalém e


trato u a m aneira de ad m itir os gentios entre os cristãos, qu anto
ao cu m p rim en to das trad ições ju daicas, sobretu d o a circu ncisão.
O s apóstolo s se reu n iram para tra ta r da aplicabilid ade da
Lei M osaica. Paulo e B arn ab é representaram as com un id ad es
n ão-ju d aicas, en qu an to Pedro defendeu a liberd ad e dos cristãos
em relação à trad ição. Tiago, bispo de Jeru salém , propôs qu e não
se devia im p o r aos gentios batizados exigên cias próprias dos ju ­
deus (At 1 5 ,6 -2 9 ). N o en tan to , trata-se de u m a reu nião qu e c o n ­
gregou as principais lideranças da Ig reja para d ecid ir os ru m o s e
a id en tid ade da co m un id ad e dos cristãos. Sua im p o rtâ n cia está
no fato de ser a gênese dos grandes con cílio s da Igreja. O m érito
p rim ord ial deste “C o n cílio ” foi a decisão de lib ertar a Ig reja n as­
cente das regras da Sinagoga e in icio u o p rocesso de separação do
ju d aism o e do cristian ism o.

2 - C o n c íl i o d e N ic e ia

P rim eiro co n cílio da Ig reja (3 2 5 ), convocado pelo Im p erad or


C on stan tin o I, foi presidido pelo B isp o A lexandre de A lexandria.
N este C on cílio , fo ram tratad os tem as co m o o arian ism o, a cele-
b ração , organização do cân o n b íb lico , o b atism o de h eréticos e
o estatu to dos p risio n eiros da p erseguição de L icín io . C o m o foi
co n vocad o p o r C o n stan tin o , im perador, co n to u co m as estru tu ­
ras do pod er im perial, co m tran sp o rtes, alo ja m en to e locais para
as con ferên cias. O im p erad o r abriu o ficialm en te o C on cílio.
A con trovérsia arian a era u m ob stácu lo para o ideal de
C on stan tin o de realizar u m im p ério universal. O s bispos fo ram
con vocad os para N iceia, pois era u m lo cal m ais acessível para os
bispos, sobretu d o da Á sia, Síria, Palestina, Egito, G récia e outras
localidades. A tanásio fala que havia 31 8 b ispos, en qu an to Eusébio
de C esareia n arra qu e são 2 5 0 os p articip an tes. O s bispos o rien tais
estavam em m a io r n úm ero. E n tre n om es m ais im p o rtan tes, esta­
vam A lexan dre de A n tioq u ia, E u stáquio de A n tioqu ia, e M acário
de Jeru salém , b em co m o Eusébio de N icom éd ia e E usébio de
C esareia. H avia pou cos p articip an tes do O cid en te. C o n ta -se que
havia m u itos assessores, padres, d iácon os e acólitos.
D estaca-se neste C o n cílio a figura de A tanásio, ain da diá­
co n o e co m p an h eiro de A lexan dre de A lexandria, qu e presidia
o C o n cílio . Este foi um vigoro so batalh ad or co n tra o arian is­
m o. Silvestre I, Papa, n ão p articip o u nas sessões do C on cílio .
A credita-se qu e sua ausência era um protesto co n tra o fato de o
C o n cílio ser convocado pelo Im perador.
N este C on cílio foi decid ido qu e os cristãos celebrariam a
Páscoa no p ró x im o d om ingo ao plenilúnio de prim avera. A ques­
tão m ais im p o rtan te foi a rejeição da d ou trin a de Á rio, qu e p ro ­
fessava qu e Jesus é um a “criatu ra do Pai”, quer dizer, n ão etern o.
H ouve a con vocação do C o n cílio e sua d outrina fo i rejeitad a pelos
cristão s, pois viam nela a negação do do gm a da en carn ação. Após
30 dias de discussão, C o n stan tin o prom ulgou o C redo de N iceia.

3 - P r im e ir o C o n c íl i o d e C o n s t a n t in o p l a

Foi celebrad o em C o n sta n tin o p la (3 8 1 ), convocado pelo Im p e ­


rad or Teo dósio I. Este C o n cílio teve a presid ência de M elécio de
A n tioq u ia, G regório de N azianzo e N ectário. M esm o depois da
co n d en ação do arian ism o , em N iceia (3 2 5 ), a d o u trin a qu e nega
a divindade de Jesus C risto ressurge em C on stan tin o p la, apoiada
pelo pró p rio B ispo, Eusébio de N icom éd ia.
O p ro b lem a tin h a se agravado, pois Eusébio de N icom éd ia
conven ceu os sucessores de C o n stan tin o de que a verdadeira
fé era a d o u trin a ariana. A ssim , os b isp os que professavam a fé
de N iceia fo ram substitu íd os p o r “b ispos arian o s”, em todas as
sedes episcopais, n o O rien te. A crescentava-se ainda a d o u trin a
defendida p o r M aced ô n io de C on stan tin o p la, qu e negava a d i­
vindade do E spírito Santo. Esta heresia fo i co g n o m in ad a de “h e­
resia m aced ô n ia”. D eparan d o co m estas con trovérsias, Teodósio
I (co ro ad o im p erad o r em 3 7 9 ), decide con v ocar u m C on cílio ,
para resolver estas controvérsias. Estavam presentes 150 bispos
das dioceses o rien tais. D âm aso I, papa n o p eríod o do C o n cílio ,
não enviou n en h u m delegado. Deve ser destacada a p a rticip a ­
ção dos “padres cap ad ócio s” B asílio M agno, G regório de Nissa
e G regório de N azianzo. O C o n cílio foi presidido p o r M elécio
de A n tioq u ia e, co m sua m orte, substitu íd o p o r G regório de
N azianzo. Foi substituíd o, após sua dem issão, p o r N ectário.
Este C o n cílio reafirm ou o C redo de N iceia, acrescen tand o a
con su bstan cialid ad e do E sp írito Santo co m o Pai e o Filho. A fó r­
m ula da profissão de fé trin itá ria afirm a: C reio n o E spírito Santo,
que pro ced e do Pai pelo Filh o. D este m od o, o C o n cílio afirm a a
divindade do Filh o, co n tra os a rian os, e do E sp írito Santo , co n tra
os m aced onianos.
D estacam os algum as im p o rtan tes decisões con ciliares:

- co n d en ação do arian ism o , do m aced o n ism o , do ap olina-


rism o e do priscilian ism o (A polinário de Laodiceia afirm ava que
a alm a racion al de Jesus era o pró p rio V erbo D iv in o. A creditava
que Jesus possuía co rp o e alm a pu ram en te h u m an a, en qu an to
sua m en te e sua personalid ade eram divinas);
- d elim itação e au to n o m ia das dioceses;
- aclam ação de C o n stan tin o p la co m o “N ova R o m a”, elevan
do seu bisp o à dignidade de Patriarca.

4 - C o n c íl i o d e É f es o

É o grande co n cílio m arian o, pois decide o dogm a fu n d am en ­


tal da m ario lo gia cristã : T h eo t o k o s, M ãe de Deus. F oi co n v o ca­
do pelo im p erad o r Teodósio II, para resolver a discussão sobre
a figura de M aria na vida de Jesus e na h istó ria da Salvação. Esta
d o u trin a recebeu o n o m e de “n esto rian ism o ”, pois era defendida
p o r N estório.
O s n esto rian os negavam a unid ade da natureza de C risto.
Segundo eles, C risto tin h a duas naturezas separadas e a natureza
h u m an a prevalecia sobre a divina. M aria n ão p od eria ser a M ãe
de D eus, apenas a M ãe de C risto ( K h r i st o t ó k o s ). Professavam que
M aria tin h a gerado u m ser h u m an o , n o qual veio h ab itar a d i­
vindade.
N o in ício do C o n cílio , houve a co n d en ação do n esto ria n is­
m o, devido ao fato de que o p ró p rio N estório se n egou a p a rti­
cipar, pois o p atriarca Jo ã o de A n tioqu ia, seu am igo, ain da não
tin h a chegado. D ecreto u -se que o C risto tem apenas u m a pessoa,
co m duas naturezas inseparáveis. O s cân o n es con ciliares d ecre­
tam a m aternid ad e divina de M aria. C irilo convenceu os padres
co n ciliares a co n d en arem N estório.
U m a sem an a após, Jo ão de A n tioq u ia celebra u m a assem ­
bleia paralela, na qual acusa C irilo de arian o, proced en d o sua
co n d en ação e deposição. D ias depois, cheg am os delegados do
Papa C elestin o I, os qu ais ratificam a p rim eira sessão (2 2 de
ju n h o ) e co n d en am N estório. O im p erad o r Teodósio dep õe e
en carcera seus dois opositores. P orém , os delegados do Papa o
co n ven cem de qu e C irilo tin h a razão na discussão. A ssim , C irilo
é libertad o e volta a A lexandria, en qu an to N estó rio se retira n um
m osteiro em A ntioquia. N este C o n cílio houve ainda a co n d en a ­
ção da d o u trin a do pelagian ism o.
5 - C O N C IL IO D E C A L C E D Ô N IA

C alced ôn ia é u m a cidade da B itín ia, na Á sia M enor. N ela se


realizou o qu arto C o n cílio (4 5 1 ). Foi convocado p o r C irilo de
A lexan dria e definiu verdades d ogm áticas que se to rn ara m p er­
m anen tes na Igreja C atólica e na Ig reja O rto d o xa. Foi rejeitad a
a d o u trin a m o n o fisista de Ê u tiq u es, m on ge de C on stan tin o p la,
e estabeleceu o C redo de C alced ôn ia, qu e é pro fu n d am en te cris-
tológico.
N o C o n cílio de Éfeso (4 3 1 ), os padres con ciliares co n d e­
n aram a heresia n estorian a. O s o positores de C irilo, que tin h a
co m b atid o N estó rio , dizem qu e ele exagerou, ch egando a negar
as duas naturezas de C risto. C irilo afirm a qu e em C risto há ap e­
nas u m a “physis”, a do V erbo en carn ad o. C irilo e seus adversários
assin aram u m ed ito de u n ião (4 3 3 ), afirm an d o qu e em C risto
havia duas naturezas. Resolveu-se esta polêm ica.
A nos m ais tarde, em 4 4 4 , Ê utiques, abade de u m m osteiro
em C on stan tin o p la, co m eço u a pregar qu e Jesus C risto era ap e­
nas divino, um a vez qu e a sua natureza h u m an a fo i absorv id a
pela divina. Foi seguido p o r D ió sco ro, sucessor de C irilo. Esta
heresia é d en om in ad a m on o fisism o . Teodoreto de C iro, E usébio
de D o rilea e Flaviano, patriarca de C on stan tin o p la, to rn ara m -
se defensores do m on o fisism o . A disputa to rn o u -se u m co n flito
en tre os p atriarcad os de A lexandria e de C on stan tin op la.
Para co n fro n ta r a questão m on ofisista, houve u m Sín od o
em C o n stan tin o p la (4 4 8 ). Eusébio de Cesareia d en u n cio u e
co n d en o u as teses de Ê u tiq u es e o excom un gou . P or sua vez,
Êutiques recorreu ao Papa Leão M agn o, qu e respond eu co m a
E p í st o l a D o g m á t i c a , co n firm an d o as duas naturezas de C risto.

Sob o rien tação de D ió sco ro , p atriarca de A lexandria, o im p era ­


d o r Teodósio II, qu e professava o m on o fisism o , con vocou um
S ín od o em Éfeso (4 4 9 ). Este even to fo i d en om in ad o “co n cílio
de lad rões”. N este Sín od o, Ê utiques foi absolvido, Flaviano foi
deposto e m o rreu n o exílio, em co n seq u ên cia das to rtu ras que
sofreu. H ouve grande crise en tre o Papa e D ió sco ro, que ch egou
a exco m u n g ar o Papa. A situação se inverteu co m a m o rte de
T eodósio II. Pulqu éria, sua irm ã, e o esposo M arcian o , ten taram
recon d uzir os restos m ortais de Flaviano a C on stan tin o p la, para
prestar-lh e h om en agem e d ar-lhe u m sep ultam en to de h on ra.
O p ró xim o passo foi a con v ocação de u m novo C o n cílio em
C alced ôn ia.
C o m a presença de aproxim ad am ente 6 0 0 bispos, reu niu-se
o C o n cílio (4 5 1 ). A n ató lio, patriarca de C on stan tin o p la, presidiu
o C o n cílio , ao lado dos delegados p o n tifício s. N a segunda sessão,
a Epístola D o g m ática do Papa Leão M agn o foi assu m id a co m o
verdade incontestável. C o m exceção de 13 bispos egípcios, todos
os dem ais aceitaram a Ep ístola do Papa.
A questão m on ofisista, resolvida o ficialm en te n o C on cílio ,
co n tin u o u a causar divisões, u m a vez qu e m u itos bispos re je i­
taram o C on cílio , argum en tand o qu e a d o u trin a das duas n atu ­
rezas é basicam en te n estorian a. A lgum as Ig rejas o rien tais n un ca
assu m iram a decisão deste C o n cílio . N o en tan to , seu sím b olo
apo stó lico é professado até n ossos dias.

6 - C o n c íl io s de C o n st a n t i n o pl a

A questão fu nd am en tal é a au to n o m ia da natureza h u m an a de


Jesus. O s h eréticos afirm am qu e em Jesus C risto se en co n tra ap e­
nas o p rin cíp io da ação divina. D eclarava-se qu e a h um anidade
de Jesus era d om in ad a pelo Logos. Esta teo ria se cham ava m o -
n oen erg ism o e consid erava apenas a pessoa divina do Filh o de
D eu s. C o m o co n seq u ên cia, n ega-se a sua vontade h um ana. Este
erro d o u trin al é d en om in ad o “m o n o telism o ”. N os dois casos, a
liberdade e a h um anid ad e de C risto é m in im izad a. Esta teo ria faz
dele u m ser n ão ple nam ente h um ano.
Estes C o n cílio s afirm am qu e C risto n ão pecou porqu e foi
ple nam ente fiel ao E spírito Santo e realizou ple nam ente a m is­
são que lh e foi con fiad a p o r Deus. E m Jesus, realizava-se plena
liberdade, qu e é sua capacidad e de se relacio n ar co m D eus a m o ­
rosam en te. A o m esm o tem po, é sua d isposição de in teragir com
a h u m anid ad e, em n o m e de Deus.
O II C o n cílio de C o n stan tin o p la an o ta que, sem anular a
vontade h u m an a, em Jesus se realiza u m a co in cid ên cia total en ­
tre a vontade de D eus e a vontade h um ana.
O III C o n cílio de C on stan tin o p la co n firm a os co n cílio s a n
terio res e reafirm a a plena au to n o m ia da vontade de Jesus: duas
naturezas co m suas plenas propriedades. É a u nião hip ostática.
M esm o sendo duas realidades distin tas, a vontade h u m an a e a
divina n ão são forças con trárias. D eterm in a-se a plena a u to n o ­
m ia de Jesus de N azaré, co m o ser h u m an o em plenitu de. Estes
p rin cíp io s, an im ad os pelo E spírito Santo, qu e é o v ín cu lo de a n i­
m ação en tre estas vontades, atu am em plena h arm on ia.

* * *

Estes co n cílio s n ão fo ram h a rm ô n ico s em sua realização


e n em sem pre revelaram serenid ad e e elevação esp iritu al para
to m a r as grandes decisões eclesiais e d o u trin ais da co m u n id a ­
de cristã. E m alguns m o m en to s, hou ve a co n tecim en to s co n fli-
tivos. N em sem pre hou ve p articip açã o am pla e livre de to d os os
Padres co n ciliares. N a bu sca da ilu m in a çã o d ivina e m arcad os
pela rig o ro sa b u sca de id en tid ad e, sem co n trad içã o , os C o n cílio s
serviram para u n ificar a Ig reja cristã e su p erar divisões e ru p tu ­
ras que escand alizam os povos. O s C o n cílio s são u m a h eran ça
p recio sa da trad ição cristã e p erm an ecem co m o referên cia na
co n stru ção da co erên cia da vida cristã e da Ig reja servid ora do
R ein o de D eu s.
C o n c l u sã o

Pa t r ís t ic a : O br a - pr i m a d a f é c r is t ã

P ensem os n u m a o b ra -p rim a de u m grande artista. F ica para


sem pre... Se pen sarm os n u m a o b ra -p rim a feita em m utirão,
to rn a -se im o rtal.
São os Padres da Ig reja artistas da o b ra m o n u m en tal que de­
n o m in a m o s Patrística. F o ram vários séculos de elabo ração, em
tan tos povos, tan tas cu lturas e ta n tos lugares.
U m a o b ra realizada em m utirão. Padres sim ples que m o r­
reram pela fé qu e professavam , Padres sábios qu e fu n d am en ta­
ram as pró prias cren ças, Padres pastores que viveram p o r seus
fiéis. Padres e M ães da Igreja que arran ca ram do p ró p rio ventre
versos, poem as, epístolas e pro fecias, bu scand o tecer a rede dos
en sin am en to s de nossa fé cristã.
F oram m u itos séculos, desde os prim eiros passos do cristia ­
n ism o na h istó ria dos p rim eiros d iscípulos, passando pela fo r­
m ação dos n eocon vertid os, evangelizando povoados d esco n h e­
cid os e organizand o a vida eclesial e litú rg ica das com unid ad es.
C o m o co ração pleno da m en sag em cristã e o espírito fe­
cu nd ad o pela fé n a revelação do F ilh o de D eu s hu m anad o, os
nossos “pais na fé e na fidelidade” in co rp o ra ra m suas cu lturas,
sua linguagem e seus sím b olos, na co n stru ção de nosso sím b olo
apostólico.
P artiram de u m lugar sagrado, as m on tan h as da Palestina,
p ercorreram pequenas cidades, grandes cidades, m ares e novos
co n tin en tes, soprand o, co m o u m a brisa suave, as verdades que
aprenderam do N azareno e de seus seguidores.
C ada palavra escrita, cada exp eriên cia vivida e cada rito
celebrado to rn a m -se m a téria -p rim a da grande o b ra de arte da
trad ição cristã.
A bençoad os pela u n ção da fé verdadeira em Jesus C risto, na
luz do E spírito d ivino, ofertaram ao Pai a m ais bela o b ra de arte
do cristian ism o: a Patrística. E o fertaram aos cristãos de todos
os tem pos, e de n ossos tem pos, a fo n te de n ossa d o u trin a cristã,
que é inesgotável, pois, sem pre que voltam os a ela, en co n tra m o s
novas razões para viver e an u n ciar a m ais bela de todas as n o tí­
cias: Deus está vivo en tre nós, ressu scitou e p erm an ece em nossa
h istória.
C o n tin u a o m u tirão, pois a teolo gia dos p rim eiros Padres
é a fo n te de nossa fé cristã, m as som o s convidad os a co n tin u ar
an u n cian d o Jesus C risto ao m und o. A fo n te da P atrística c o n ­
tin u a a jo rra r os en sin am en to s da revelação, qu e b ro ta ram das
E scritu ras e que co n tin u am a regar a espiritu alid ade e a teolo gia
da vida dos cristãos.
B ib l io g r a f ia

Coleções - Fontes

1 - M I G N E : P a t r o l o g ia L a tin a ( P L o u M L : M ig n e L a t i m ) P a tr o l o g ia
G r e g a ( P G o u M G : M ig n e G r e g o ).
2 - C S E L : C o r p u s S c r i p t o r u m E c c l e s i a s t ic o r u m L a t i n o r u m
3 - SC: S O U R C ES C H R É T IE N N E S
4 - C C L : C o rp u s C h ris tia n o ru m L a tin o ru m
5 - F O N T E S D A C A T E Q U E S E : V o z e s.
6 - P A T R ÍS T I C A : P a u lu s

Manuais de estudo

A LTAN ER , B. - S T U IB E R , A . Patrologia. Vida, obras e doutrinas dos


Padres da Igreja. S ã o P a u lo : P a u lu s , 1 9 7 2 .
martírio na Igreja da Idade Antiga e em nossos dias,
C I P O L I N I , P. C . O
na Memória de D . Oscar Romero. I T C R - P U C C A M P : 1 9 9 9 .
C O L A , S . Operários da primeira hora: perfis dos padres da Igreja. S ã o
P a u lo : C id a d e N o v a , 1 9 8 4 .
D R A N E , J. A vida na Igreja primitiva. S ã o P a u lo : P a u lu s , 1 9 8 2 .
D U É , A . Atlas histórico do cristianismo. A p a r e c id a /P e tr ó p o lis : S a n tu á r i o /
V o zes: 1 9 9 9 .
F I G U E I R E D O , F. A . Curso de Teologia Patrística I - III. P e tr ó p o li s :
V ozes, 1 9 8 6 .
História das Heresias: Conflitos ideológicos dentro do
F R A N G IO T T I, R .
cristianismo. S ã o P a u lo : P a u lu s , 1 9 9 5 .
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D icio n á rio s

DICIONÁRIO PATRÍSTICO E DE ANTIGUIDADES CRISTÃS. Angelo


Di Berardini (org.) Petrópolis/São Paulo: Vozes/Paulus, 1983.
DICIONÁRIO DE CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE TEOLOGIA.
Peter Eicher (org.). São Paulo: Paulus, 1991.
DICIONÁRIO DE TEOLOGIA FUNDAMENTAL. René Latourelle e
Rino Fisichella (org.). Petrópolis/Aparecida: Vozes/Santuário:
1994.
S u má r io

7 A p r e s e n ta ç ã o

11 P r e f á c io

19 In tro d u ç ã o

I- I N T R O D U Ç Ã O A O P E R lO D O P A T R Í S T IC O

23 I - P a t r ís tic a C r i s tã : t e x to e c o n te x t o
37 II - P a s s a g e m d o u n iv e r s o b íb lic o à t r a d i ç ã o c r is t ã
43 III - V id a e c le s ia l n a P a t r ís tic a

II - E s c r ito s P io n e iro s

55 I - P r i m e ir a s t r a d iç õ e s
65 II - P a d r e s A p o s tó lic o s : D is c íp u lo s d o s d is c íp u lo s
73 III - P a d r e s A p o lo g is ta s : O s c r is tã o s a c a d ê m i c o s
91 I V - O M a r t í r i o n a I g r e ja p r i m i ti v a : m ís t ic a e te o l o g i a

III - T e m a s E c le s ia is

103 I - C o m u n i d a d e c r is tã : B u s c a d e id e n tid a d e
117 II - A p e n ta r q u ia e a s e s c o la s te o l ó g ic a s
137 III - V id a lit ú r g ic a e s a c r a m e n t a l n a P a tr ís t ic a
145 IV - D o u t r i n a s o c ia l d a Ig re ja

IV - D is c u s s õ e s d o u tr in a is : P a d re s e c o n c ílio s

157 I - M a n iq u e ís m o e a lu ta d o b e m e d o m a l
163 I I - R i g o r i s m o d o n a t is t a e a a c o lh id a d o s p e c a d o r e s
167 III - G r a ç a e lib e r d a d e : c o n tr o v é r s ia s a n tr o p o ló g i c a s
n o p e la g i a n is m o
173 I V - I d e n tid a d e d e Je s u s C r i s t o : o m u n d o a m a n h e c e u a r i a n o
177 V - A e n c a r n a ç ã o d o lo g o s e o m o n o f is i s m o d e Ê u tiq u e s
181 V I - M a ria , M ãe d e D eu s: P asso s d a m a rio lo g ia
189 V I I - P a d r e s m a g n o s d a p a t r í s tic a : M e s tr e s d o c r is tia n is m o
201 V I I I - U m a I g re ja d ia lo g a n te : g r a n d e s c o n c í lio s d a Ig r e ja a n tig a

209 C o n c lu s ã o
P a tr ís t ic a : O b r a - p r i m a d a fé c r is t ã

211 B ib lio g r a f ia

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