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INDEX BOOKS GROUPS: Perpetuando impressões!

Pesquisa Teórica
em Psicologia
Aspectos Filosóficos e Metodológicos

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O rganizadores
Caro Lina Laurent i
P s ic ó lo g a , d o u to r a e m F iio s o fia peLa U n iv e r s id a d e F e d e ra i d e S ã o C a rio s e p r o fe s s o r a d o D e p a r ta ­
m e n to d e P s ic o lo g ia d a U n iv e rs id a d e E s ta d u a l d e M a rin g á .
la u re n tic a ro l@ g m a Í!.c o n n

Carlos Eduardo Lopes


P s ic ó lo g o , d o u to r e m F ilo s o fia p e la U n iv e r s id a d e F e d e ra ! d e S ã o C a rlo s e p r o fe s s o r d o D e p a r ta m e n to
d e P s ic o lo g ia d a U n iv e r s :d a d e E s ta d u a l d e M a rin g á ,
c a e d Lo p e s@ g m a i L c o m

Saulo de Freit as Araúj o


P s ic ó lo g o , d o u t o r em. F ilo s o fia p e la U n iv e r s id a d e d e C a m p in a s /U m v e r s ità t L e ip z ig e p r o fe s s o r d o D e ­
p a r ta m e n to d e P s ic o lo g ia d a U n iv e rs id a d e F e d e ra l d e J u iz d e F o ra .
s a u lo .a r a u jo @ u fjf.e d u .b r

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C a ro lin a L a u re n ti
C arlos E d u a rd o Lopes
S a u lo de F re ita s A ra u jo
(Orgs.)

Pesquisa Teórica
em Psicologia
Aspectos Filosóficos e Metodológicos

N UHFIP hogrefe
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C opyright © 2016 Hogrefe CETEPP

Editora: C ristiana Negrão


Capa: O scar Vila
D iagram ação: C laudio B raghini Junior
Preparação: Patricia A lm eida
Revisão: Leticia Teóíilo

D ad o s In tern a c io n a is de C atalogação n a P ublicação (C IP)

Pesquisa teórica em psicologia: aspectos filosóficos e m etodológicos /


Carolina Laurenti, Carlos Eduardo Lopes, Saulo de Freitas Araújo, (orgs.).
— São P a u lo : Hogrefe CETEPP, 2016.
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-85439-25-5
1. Psicologia - Filosofia 2. Psicologia - H istória 3. Psicologia - Teoria,
m étodos etc. I. Laurenti, C arolina. II. Lopes, C arlos Eduardo. III.
Araujo, Saulo de Freitas.

16-03198 CDD -150.1

(C âm ara B rasileira do Livro, SP, Brasil)


índices p a ra catálogo sistem ático:

1. Psicologia : Aspectos filosóficos e m etodológicos 150.1

Este livro segue as regras da Nova O rtografia da Lingua Portuguesa.


Todos os diretos desta edição reservados à

Editora H ogrefe CETEPP


R. C om endador N orberto Jorge, 30
Brooklin, São Paulo - SP, Brasil
CEP: 04602-020
Tel.: +55 11 5543-4592
www.h ogrefe. com .br

N en h u m a parte desta obra pode ser reproduzida o u transm itida p o r qu al­


q u er form a o u quaisquer m eios (eletrônico ou m ecânico, incluindo fotocó­
pias e gravação) ou arquivada em qualquer sistem a o u banco de dados sem
perm issão escrita.
ISBN: 978-85-85439-25-5

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Sumário

In tro d u ç ã o .................................................................................................... 7

R e lações e n tre p e s q u is a te ó ric a e p e s q u is a e m p íric a em p s ic o lo g ia .....15

M e to d o lo g ia da p e s q u is a c o n c e itu a i em p s ic o lo g ia ................................. 41

F o n te s de c o n fu s ã o c o n c e itu a i na p s ic o lo g ia ........................................... 71

A in te g ra ç ã o e n tre a h is tó ria d a p s ic o lo g ia e a filo s o fia da


p s ic o log ia co m o p ro g ra m a de p e s q u is a t e ó r ic a ........................................95

A in ve s tig a ç ã o h is tó ric a d e te o ria s e c o n c e ito s p s ic o ló g ic o s : breves


c o n s id e ra ç õ e s m e to d o ló g ic a s ..................................................................125

B io g ra fia c ie n tífic a e p e s q u isa te ó ric a d a h is to rio g ra fia d a p s ic o lo g ia .... 147

S o bre os a u to re s ....................................................................................... 167

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Introdução »

A necessidade da pesquisa
teórica em psicologia

O c a m p o psicológico foi, e ain d a é, alvo de in ú m e ras críticas. U m a delas foi


resu m id a n a fam o sa c o n sta ta ç ã o de W ittg en stein , seg u n d o a q u a l n a p sico ­
logia existem m é to d o s e x p e rim en tais e co n fu são co n ceitu ai. P assad o m ais
de m eio século, o “d iag n ó stic o ” de W ittg en stein p o d e ser a tu alizad o : n a
psicologia h á m é to d o s e x p e rim en tais e n ão ex p e rim e n tais, e ain d a m u ita
co n fu sã o conceituai. Em o u tra s p alav ras, o q u e p a re c e te r m u d a d o de lá
p a ra cá foi ta n to a p ro liferação de e stra té g ia s ou p ro ce d im e n to s m eto d o ­
lógicos q u a n to o ag rav am en to , o u p elo m en o s a m a n u te n ç ã o , d a c o n fu são
co n ceitu ai. P o r q u ê?

A p e rg u n ta n ão d eix a de ser in trig an te. A final, u m a co n cep ção p ro g re ssista


de h istó ria c ria a ex p ectativ a de q u e q u a n to m ais u m a ciên cia avança, m en o ­
res seriam seu s p ro b le m as, inclusive os de n a tu re z a co n ceitu ai. D e a c o rd o
com essa p e rsp e c tiv a , o arg u m e n to de q u e os p ro b le m as da psicologia d e ­
c o rre m do fato de ela ain d a ser u m a ciência jovem p a re c e cad a vez m enos
a d e q u a d o - p elo m en o s q u a n d o se e n te n d e q u e a m a tu rid a d e de u m a ciência
é aferid a p elo g ra u de a p rim o ra m e n to de p ro ce d im e n to s m eto d o ló g ico s em
pesq u isas em p íricas. N o caso d a psicologia, é inegável q u e n as últim as d é ­
cad as houve u m a am p liação d as fo rm as de p ro d u ç ã o de c o n h ecim en to no
cam p o d a p e sq u isa em p írica, co m o o d esenvolvim ento d e sofisticadas fer­
ra m e n ta s estatísticas e o ap e rfe iç o a m e n to das ch a m a d a s m eto d o lo g ias q u a ­
litativas. N o e n ta n to , ao invés de resolver os p ro b lem as d a p sicologia, esse
desenvolvim ento m eto d o ló g ico c rio u novas co n fu sõ es co n ceitu ais, com o o
fo rtalecim en to d a dico to m ia e n tre p e sq u isas q u alitativ as e q uantitativas.

M as se av an ço s m e to d o ló g ic o s em p e sq u isa s e m p íric a s n ã o g a ra n te m a
so lu ç ã o de p ro b le m a s c o n c eitu a is, o q u e fa z e r? A re s p o s ta p a re c e sim ples:

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é p re c iso tra n s fo rm a r, e n tã o , a p r ó p ria c o n fu sã o c o n c e itu a i em o b je to de


e stu d o , o q u e n o s leva a u m tip o e sp ecífico de p e sq u isa , a sab er, a p e s­
q u isa te ó ric a , e n te n d id a a q u i co m o a in v estig ação de te o ria s e c o n ceito s
p sico ló g ico s. D e sta fo rm a , a p sico lo g ia se ria u m te r r e n o p ro p íc io p a ra o
d e sen v o lv im e n to de p e sq u isa s te ó ric a s , cu jo in cen tiv o p o d e ria c o n s titu ir
u m c a m in h o p a r a a c o m p re e n s ã o e o e n fre n ta m e n to d a s fo n tes de co n fu ­
são c o n c eitu a i.

T odavia, o q u a d ro a tu al sugere u m a a titu d e inversa. N a v erd a d e , se co m p a­


ra d a a o u tra s m o d alid a d e s de investigação, a p e sq u isa te ó ric a n ã o tem u m
fo rte ap elo acad êm ico . A an álise co n ceitu ai e a investigação histórico-filo­
sófica de teo rias p sicológicas são g e ralm en te p re te rid a s em favor de o u tro s
asp ecto s no en sin o de p e sq u isa em psicologia (com o o b se rv a ç ã o , ex p e rim e n ­
taç ã o e m atem atização ). M ais do q u e isso, em alguns casos, essas fo rm as de
p e sq u isa teó rica n ã o são se q u e r re c o n h e c id a s com o p e sq u isa s legítim as e
in d ep e n d e n te s, sen d o m u itas vezes c o n sid e rad a s atividades in ú teis e, p o rta n ­
to, d isp en sáv eis p a ra a psicologia co m o u m todo.

H á alguns m otivos p a ra essa in d isp o sição . O s p ré-req u isito s p a ra a fo rm ação


do p e sq u isa d o r te ó ric o c am in h am n a c o n tra m ã o d o m o d elo d o m in a n te de
fo rm ação em psicologia, q ue v alo riza acim a de tu d o a d im e n sã o técnica e
as ap licaçõ es “p rá tic a s ” , com o se p o d e o b se rv a r em cu rso s de g ra d u a ç ã o e
p ó s-g rad u ação n o país. C o n se q u e n te m e n te , p a re c e n ã o h av er esp aç o p a ra o
e stu d o da g ram á tic a dos co n ceito s de u m a te o ria , o exam e diligente de seus
co m p ro m isso s filosóficos e a an álise de seu co n te x to h istó rico . A lém disso,
com o os re su lta d o s de p esq u isa s teó rica s n ã o se tra d u z e m facilm ente em in­
c re m en to s técn ico s, eles m o b ilizam p o u c o in te resse d a s ag ên cias de fo m en to
q u e, n ã o raro , privilegiam as p esq u isa s com viés tecnológico.

A p u b lic a çã o d o s re su lta d o s de p e sq u isa s te ó ric a s ta m b é m tem e n c o n tra d o


o b stá c u lo s n a p o lítica ed ito ria l de alguns p e rió d ic o s n ac io n a is e in te rn a c io ­
nais d e psicologia, q u e , m u ita s vezes, re strin g e m a m o d alid a d e “a rtig o s te ó ­
ric o s ” a tra b a lh o s d e rev isão de lite ra tu ra . A d em ais, o c a rá te r “ a rte s a n a i”
d a p e sq u isa te ó ric a e n tra em d e sco m p a sso com o ritm o a c elerad o d a p ro ­
d u ç ã o acad ê m ic a exigida a tu a lm e n te p elas a g ên cias de fo m en to à p esq u isa.
O que p a re c e e s ta r sen d o p riv ileg iad o são tex to s m ais c u rto s e superficiais,
q u e d escrev em re su lta d o s de p e sq u isa s p o n tu a is, o q u e vai de e n c o n tro à

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n a tu re z a e a o tem p o re q u e rid o p a ra o d esenvolvim ento de u m a p esq u isa


te ó ric a de q u alid ad e.

Em su m a, a d e sp eito d a p e rsistê n c ia de p ro b le m as teó rico -co n ceitu ais em


psicologia, o c e n á rio a tu al n ã o é favorável p a ra aq u eles q u e se d ed icam à
p e sq u isa teó rica . E v id en tem en te, to d a s essas d ificu ld ad es co n d u z em à se­
g u in te q u estão : vale a p e n a ? A final, p o r q u e os psicólogos d ev eriam se p re o ­
c u p a r com p esq u isa s te ó ric a s?

E m p rim e iro lugar, u m a investigação de teo rias e co n ceito s g e ralm en te p õ e


em ev idência am b ig u id ad es, co n tra d iç õ e s, lacu n as, im p recisõ es, excessos,
insuficiências, falácias, co n tra sse n so s dos p ro je to s de psicologia. M esm o q u e
isso p ro v o q u e algum d e sco n fo rto , esses re su lta d o s p o d e m d e sc o rtin a r possi­
b ilid ad es até e n tã o n ã o v islu m b rad as de c o rre ç ão , a p rim o ra m e n to e avan ço
d as te o ria s investigadas. N esse p o n to , a p esq u isa te ó ric a co n trib u i p a ra o
desen v o lv im en to d a s te o ria s psicológicas.

O u tra consequência d a explicitação e do esclarecim ento de problem as teórico-


conceituais é a sua co n trib u ição p a ra u m a c o n d u ta m en o s dogm ática. A defe­
sa cega e o bstinada de um a d ad a teo ria com o v erd ad e incontestável (dogm atis­
m o) p are c e ser um a d as m an eiras de o neófito em psicologia im p rim ir algum
sentido à colcha de retalh o s teó rica característica do cam p o psicológico. M ui­
tas vezes, esse dogm atism o é insuflado pelos p ró p rio s p rofessores, que, ao in­
vés de p esq u isad o res e profissionais, buscam fo rm ar discípulos: p o r um lado,
exaltam a teo ria de interesse; p o r ou tro , reb aix am as dem ais com o desvios da
“v erd ad eira psicologia” . N esse pro cesso de d o u trin ação , há um a proliferação
de equívocos conceituais e de in te rp re ta ç õ e s ap ressad as das teo rias, forjando
u m a c a rica tu ra da teo ria defendida e, m ais ainda, d aq u elas q ue são alvo de crí­
tica. N o p rim e iro caso, as v irtu d es são acen tu ad as e as lacu n as eclipsadas; n o
segundo, as falhas são p in ta d a s com cores m ais fortes, e os atrib u to s positivos,
apagados. N a co n tra m ã o d o dogm atism o, a investigação teó rica, além de evi­
ta r a re p ro d u ç ã o de erro s, oferece m aterial p a ra apreciação crítica d a s teo rias
e conceitos, algo fu n d am en tal ao avanço de q u a lq u e r área de conhecim ento.

A p e s q u is a te ó ric a ta m b é m desafia o u tra a titu d e c o m u m em p sico lo g ia,


o ecletism o . T e n ta r s u p rir as d eficiên cias o u la c u n a s d e u m a te o ria com
os p o n to s fo rte s d e o u tra , a lin h a v a n d o n o ç õ e s, p rin c íp io s e c o n c e ito s q ue

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re tira m seu s significados de m a triz e s filosóficas d istin ta s e até m esm o in­


co m p atív eis (ecletism o ), co n siste em o u tro esfo rço d e c o n fe rir alg u m a co e­
rên c ia ao c ao s teó rico -co n ceitu al d a psicologia. N esse sen tid o , o ecletism o
ta m b é m é resp o n sáv el p ela p ro p a g a ç ã o de co n fu sõ e s c o n c eitu a is n a p sico ­
logia, n a m e d id a em q u e fo rja se m e lh an ç a s teó rico -c o n ce itu a is in ex isten tes,
ao m esm o te m p o em q u e e sco n d e o u m in im iza as d ife ren ç a s significativas.
Tal c o m o o d o g m atism o , o ecletism o c o n trib u i p a ra a c irc u la ç ã o d e visões
eq u iv o c a d a s d a s te o ria s psicológicas. D o m esm o m o d o , o b s tru i o d esen v o l­
v im en to d e u m a d a d a á re a d e c o n h e c im e n to , p o is, ao invés d e e n c o ra ja r o
p re e n c h im e n to de lac u n a s e a d isso lu ç ão d e a m b ig u id a d e s, a p rim o ra n d o o
c o r p u s teó rico -cien tífico d a p r ó p ria teo ria, b u sc a so lu c io n a r esses p ro b le ­
m as re c o rre n d o a co n c eito s de o u tra s p e rsp e c tiv a s p sico ló g icas, d e ix a n d o a
te o ria d e in te re sse in a lte ra d a .

O d esafio ao p sicó lo g o já fo rm a d o o u em fo rm a çã o é, p o rta n to , esta b e le c e r


p o n to s d e c o n ta to e n tre teo rias p sicológicas d istin tas, p a ssa n d o ao largo do
ecletism o. E ssas in te rse c ç õ es p o d e m advir d o e stab elecim en to de relaçõ es de
a fin id a d e e n tre teo rias psicológicas, algo q u e é ela b o rad o com a elu cid ação
dos p re ssu p o sto s filosóficos su b jacen tes às diferen tes p e rsp e c tiv a s te ó ric a s
em psicologia. P ontos de co n ta to en tre te o ria s d istin tas ta m b é m p o d e m ser
ev id en ciad o s p o r m eio de rela çõ e s de in flu ê n c ia , algo q u e é alcan çad o p e la
análise h istó ric a de te o ria s e co n ceito s psicológicos. O u tro d esafio consiste
em in d icar d ista n c ia m e n to s en tre as diferen tes p ro p o sta s - sem su b screv er
o d o g m atism o o q ue ta m b é m é o b tid o com a análise filosófica e h istó ric a
de te o ria s e co n ceito s. E m ú ltim a in stân cia, a in v estigação te ó ric a p o d e ria
a ju d a r a in te rro m p e r a oscilação en tre d o g m atism o e ecletism o tão p rese n te
na fo rm a çã o em psicologia.

A o c o n trib u ir p a ra u m a fo rm a çã o m en o s d o g m átic a e eclética, a p esq u isa


te ó ric a tam b é m resso a: (i) na a tu a ç ã o acad êm ica, u m a vez q u e este tip o de
investigação aju d a o psicólogo a c ad êm ico a d e s p e rta r de seu “ so n o d o g m áti­
c o ” : (ii) n a p e sq u isa e m p írica, p o is co n trib u i p a ra afastá-la d e u m em p irism o
in g ên u o , c a ra c te riz a d o p ela m era d e scriçã o d e d a d o s em p írico s com p o u ­
ca o u n e n h u m a reflexão teó rica; (iü) na p rá tic a p ro fissio n al, p o rq u e p o d e
o rie n ta r e ju stificar a esco lh a d a s a b o rd a g e n s e d as técn icas d e in te rv en ç ã o ,
d a n d o m a io r sen tid o e co e rê n c ia ao s re su lta d o s o b tid o s.

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D esse m o d o , p o r m ais q u e a p e sq u isa te ó ric a tra g a o sa b o r a m arg o p ro v o ca­


d o p e la ex p licitação d a fragilidade de te o ria s e co n ceito s, ela p o d e in a u g u ra r
o u tra s p o ssib ilid ad es investigativas, p ro m o v e n d o a cu rio sid a d e e a criativi­
d ad e. P or m ais que d e s tru a a ilusão d a V erd ad e A b so lu ta, ela d e m a n d a do
p e sq u isa d o r a d elim itação e ex p licitação de c rité rio s p a ra avaliação e cor­
re ç ã o dos re su lta d o s de suas p ró p ria s investigações. P o r m ais q u e seja um
tra b a lh o “le n to ” , p ro p ic ia ta m b é m a ex p e riên c ia g ratifican te de p a rtic ip a r
d a in te g ralid a d e do p ro ce sso p ro d u tiv o . P or m ais q u e seja u m a tarefa q u e re ­
q u e r esforço e, p o rta n to , algum g rau de d e sco n fo rto , o d esgaste físico e cog­
nitivo envolvido p o d e re p re s e n ta r algo novo, criativo e n ão a p e n a s tedioso.
Por m ais q u e seja u m a ativ id ad e relativam ente so litária, sen d o difícil en c o n ­
tra r in te rlo c u to re s in te ressa d o s e disponíveis, é ca p az de in sp ira r conversas
co n sisten tes com aq u eles q u e exibem d iferen tes p e rsp ectiv as teó ricas, sem
ap e la r ao ecletism o e ao d o g m atism o . Por m ais q u e seus req u isito s p o ssa m
d e s p e rta r a ideia d e que seja algo p e d a n te ou p resu n ç o so , ela p o d e c o n tri­
b u ir p a ra u m a a titu d e d e m aio r m o d éstia do psicólogo, n a m ed id a em que o
to rn a m ais cau telo so p a ra tecer relaçõ es e p ro fe rir in te rp re ta ç õ e s.

Por fim, a p e sq u isa te ó ric a p o d e ta m b é m a ju d a r a d a r u m m ín im o de co e­


rên cia à p lu ra lid a d e d a psicologia, ex p re ssa ta n to n a d iv ersid ad e d e p e rsp e c ­
tivas teó rica s q u a n to em su as m últiplas á re a s de atu ação . L id ar com e ssa
p lu ralid ad e p o r m eio d o e sclarecim en to co n ceitu ai, filosófico e h istó ric o d as
teo rias psicológicas - e n ã o m ais p e las vias d o d o g m atism o e do ecletism o
- p o d e ria g e ra r m en o s exclusão, p rec o n c e ito , a rro g â n c ia e resse n tim en to s
en tre o s p a re s. C o m isso, p o d e ria fo m e n tar m ais d e b a te s, p o n to s d e co n ta to ,
h u m ild ad e e resp eito .

A d esp eito d a im p o rtân cia dos resu ltad o s d a p esq u isa teó rica p a ra a fo rm ação
e atu ação d o psicólogo, a á re a ain d a carece de pub licaçõ es q ue discutam a au­
tonom ia epistêm ica desse tip o de p esq u isa, especialm ente n o que diz resp eito
ao Brasil. P artin d o d essa con statação , o objetivo d este livro é discutir filosófica
e m eto d ologicam ente a p esq u isa teó rica em psicologia, en ten d id a aq u i com o
a investigação de teo rias e conceitos psicológicos. Para tan to , reú n e seis capí­
tulos que com pilam reflexões e experiências dos au to res n a execução e o rien ­
tação d e tra b alh o s de n a tu re z a teó rica, em nível tan to de g rad u a ç ã o q u a n to
de pós-graduação. N o p rim eiro capítulo, in titulado R e la ç õ e s e n tr e p e s q u is a

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te ó ric a e p e s q u is a e m p ír ic a e m p s ic o lo g ia , C arlo s E d u a rd o L opes in d ica algu­


m as raízes h istó ric a s da “d iv isão d e tra b a lh o ” e n tre p e sq u isa d o re s in te ressa ­
do s em q u e stõ e s teó rica s e aq u eles in te ressa d o s em investigações em p íricas,
o q u e a c ab o u p o r d ista n c ia r cad a vez m ais o “ te ó ric o ” do “ e m p íric o ” . D e
m o d o p o u c o convencional, o cap ítu lo m o stra que u m a relação co n flitu o sa
e n tre p e sq u isas teó rica s e em p íricas p a re c e ser u m a alte rn a tiv a p ro m isso ra
p a ra se e n fre n ta r os p ro b le m as o riu n d o s d essa cisão.

N a seq u ên cia, o cap ítu lo M e to d o lo g ia d a p e s q u is a c o n c e itu a i e m p s ic o lo g ia ,


de a u to ria de C a ro lin a L a u ren tí e C arlos E d u a rd o L opes, d iscu te u m tip o
específico de p esq u isa te ó ric a em psicologia: a p e sq u isa conceituai. T rata-se
de u m a p e sq u isa q u e p a rte d o e sclarecim en to d a e s tru tu ra c o n c eitu ai d e tex­
to s p a ra c o n s tru ir in te rp re ta ç õ e s de te o ria s psicológicas. A lém de d iscu tir o
objetivo, o o b jeto , os níveis de an álise, o esco p o e os p re ssu p o sto s filosóficos
d a p e sq u isa co n ceitu ai, o c a p ítu lo a p re s e n ta u m a p ro p o sta de m éto d o p a ra
esse tip o de investigação, com d e sta q u e p a ra o P r o c e d im e n to d e in te r p r e ta ­
ç ã o C o n c e itu a i d e T e x to (PICT).

N o te rc e iro cap ítu lo , in titu lad o F o n te s d e c o n fu s ã o c o n c e itu a i n a p s ic o lo g ia ,


José A n tô n io D am ásio Abib d iscute m in u cio sam en te q u a tro fontes co m u n s
de c o n fu são co n ceitu ai n a psicologia. C o m o essas co n fu sõ es co n ceitu ais têm
am pla re p e rc u ssã o no cam p o do co n h e cim e n to psicológico, o cap ítu lo m o s­
tra as co n trib u iç õ e s d a análise co n ceitu ai p a ra co rrig ir esses equívocos, em ­
b o ra tal co n trib u iç ã o n ã o p a re ç a su ste n ta r a p ro p o sta de u m p ro je to u n itá rio
de psicologia científica.

O s cap ítu lo s q u a tro e cinco, de a u to ria d e Saulo de F reitas A raú jo , ilu stram
com o a investigação h istó ric a p o d e e n riq u e c e r a p e sq u isa teó rica em psico­
logia. O cap ítu lo A in te g ra ç ã o e n tr e a h is tó r ia d a p s ic o lo g ia e a filo s o fia d a p s i­
c o lo g ia c o m o p r o g r a m a d e p e s q u is a te ó r ic a defen d e u m a p ersp ectiv a p ro m is­
sora p a ra o fu tu ro d a p e sq u isa h istó rica em psicologia, a saber, a p ro p o sta
de u m a h istó ria filosófica d a psicologia. E ssa d efesa pauta-se n a a p reciação
d as d ificu ld ad es de in te g raç ã o e n tre h istó ria e filosofia d a ciência, d iscu tin d o
seus im p a c to s so b re a p e sq u isa h istó ric a em psicologia. N o cap ítu lo cinco,
in titu lad o A in v e s tig a ç ã o h is tó r ic a d e te o r ia s e c o n c e ito s p s ic o ló g ic o s: b re v e s
c o n s id e r a ç õ e s m e to d o ló g ic a s , são a p re s e n ta d a s algum as d ire triz e s m eto d o ­
lógicas p a ra a e la b o raç ã o e rea liz a ç ão de p ro je to s v o ltad o s à investigação

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h istó ric a de te o ria s e co n ceito s psicológicos. A lém disso, o ca p ítu lo oferece


exem plos de co m o o p e sq u isa d o r p o d e se o rie n ta r m eto d o lo g icam en te ao
p lan e jar u m a investigação h istó ric a em psicologia.

Em B io g r a fia c ie n tífic a e a p e s q u is a te ó ric a d a h isto r io g r a fia d a p s ic o lo g ia ,


R o b so n N a scim en to da C ru z d elin eia u m p a n o ra m a d a s p rin cip ais q u e stõ e s
q u e p e rp a ssa m a h istó ria do g ê n e ro biográfico, d iscu tin d o su as rep e rc u ssõ e s
n a h isto rio g rafia d a h istó ria e d a h istó ria d a ciência, com d e sta q u e p a ra a
h isto rio g rafia d a psicologia. O a u to r a rg u m e n ta q u e a in c o rp o ra ç ã o d a bio­
g rafia a o c am p o h isto rio g ráfico d a p sicologia p o d e auxiliar n o esclarecim en ­
to de teo rias e co n ceito s psicológicos. P or m eio d e u m exem plo c o n creto , ele
m o stra co m o a c o m p re e n sã o d o desen v o lv im en to teó rico e m eto d o ló g ico
d o s p rim ó rd io s de u m d a d o sistem a explicativo psicológico é am p liad a com
o re c u rso a fontes biográficas e au tobiográficas.

C e rta m en te , o livro n ã o p re te n d e e x a u rir as p o ssib ilid ad es de investigação


teó rica em psicologia. Pelo c o n trá rio , as d iscu ssõ es a p re se n ta d a s aq u i p o ­
dem e devem ser co m p le m e n tad a s com tra b a lh o s fu tu ro s q u e co n tem p lem
o u tra s fo rm as de p esq u isa teó rica , com suas resp ectiv as m eto d o lo g ias. Em
q u e p e se, p o ré m , seu c a rá te r de in co m p letu d e, esp era m o s q u e este livro p o s­
sa tra z e r p elo m en o s trê s c o n trib u iç õ e s p a ra a psicologia n o país: d a r m aio r
visibilidade às p esq u isa s te ó ric a s, d e sta c a n d o su a s p o ten c ialid ad e s e esp eci­
ficid ad es m eto d o ló g icas; fo rn e c e r m ate ria l p a ra o en sin o de h ab ilid ad es de
p e sq u isa em psicologia, em nível ta n to de g ra d u a ç ã o q u a n to de p ó s-g rad u a­
ção; e au x iliar n o rec o n h e c im e n to d a p esq u isa te ó ric a c o m o fo rm a legítim a
d e p ro d u ç ã o de c o n h ecim en to psicológico.

C a ro lin a L au ren ti

C arlos E d u a rd o L o p es

S aulo d e F re ita s A rau jo

(O rgs.)

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Relações entre pesquisa


teórica e pesquisa empírica em
psicologia

C arlos E d u a rd o L opes

T he reciprocal relationship of epistem ology and science is of


notew orthy kind. They are dependent upo n each other. Episte­
mology w ithout contact w ith science becom es an em pty sche­
me. Science w ithout epistem ology is - insofar as it is thinkable
at all - prim itive and m uddled. (Einstein, 1970, pp. 683-684)

A tu alm en te, as d iferenças e n tre p e sq u isa em p írica e p esq u isa te ó ric a são
ev id en tes. P esquisas em p íric a s lid am com d a d o s o b tid o s a p a rtir de investi­
g açõ es do m u n d o (físico o u social) m ed ia d as p o r u m b a c k g r o u n d teó rico , do
qu al p a rtic ip a m c o m p ro m isso s filosóficos m ais ou m en o s explícitos e reg ra s
m an tid as p o r u m a co m u n id a d e científica. P esq u isas teó rica s investigam esse
b a c k g r o u n d te ó ric o q u e o rie n ta as p e sq u isas e m p íric a s1, q u e vai d esd e a rela­
ção e n tre co n ceito s até sua d im en são h istó ric a . N esse sen tid o , p a re c e haver,
em p rin cíp io , u m a e stre ita relação e n tre investigações e m p íricas e teó ricas:
sem te o ria n ã o h á fato s, o u ain d a, d iferen tes teo rias fo rn ecem d iferen tes
fatos e, p o rta n to , o e sclarecim en to p ro m o v id o p o r p esq u isa s te ó ric a s p a re c e
ser c o n d itio s in e q u a n o n p a ra as p e sq u isa s em p íricas. D e o u tro lado, os
p ró p rio s d a d o s o b tid o s p o r p e sq u isa s em p íricas, s o b re tu d o q u a n d o p a re c e m
n ã o se a ju s ta r a o q u e é te o ric a m e n te p re v isto , lan ç a m d e sa fio s à p e s q u is a
te ó ric a . A p re s e n ta d a d e ssa fo rm a , a re la ç ã o e n tre p e s q u is a e m p íric a e

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p e sq u isa teó rica p a re c e h a rm o n io sa e c o m p letam en te com patível, m as será


que isso é n e c essa ria m e n te assim ?

E ste cap ítu lo tem o objetivo d e d iscu tir as relaçõ es en tre p e sq u isa teó rica e
em p írica n a psicologia c o n te m p o râ n e a . P ara ta n to , essa q u e stã o será con-
tex tu a liz ad a n a rela çã o e n tre filosofia e ciência, e sta b elecid a d esd e a m o­
d e rn id a d e . D esse m o d o , d escrev em o s, ain d a que b rev em en te, o p ro ce sso
de s e p a ra ç ã o e n tre filosofia e ciência n a m o d e rn id a d e , d e sta c a n d o que u m a
rela çã o h a rm o n io sa en tre as ativ id ad es te ó ric a e em p íric a foi p re se rv a d a
nas p ro p o sta s iniciais d a ciência m o d e rn a . P ro sseg u irem o s m o stra n d o que,
g raças a algum as m u d an ç a s o c o rrid a s na ciência e n a filosofia no século X X ,
essas d u a s ativ id ad es d istan ciaram -se, d a n d o origem a d u as fo rm as de p e s­
q u isa d iferen tes e relativam ente a u tô n o m a s. Isso c rio u co n d içõ es p a ra q u e a
relação e n tre p esq u isa s e m p íricas e te ó ric a s d eix asse d e se r n e c essa ria m e n te
h a rm o n io sa . A rg u m en ta re m o s q u e u m dos reflexos d esse p ro ce sso n a psico ­
logia c o n te m p o râ n e a foi a fra g m en ta çã o d o c am p o psicológico, q u e p asso u a
se p o la riz a r e n tre os e x trem o s científico-objetivo v e rs u s filosófico-subjetivo.
E ssa p lu ra lid a d e d a psicologia co n d u z, p o r su a vez, a d iferen tes relaçõ es
e n tre psicologia, ciência e filosofia, e, co n seq u e n tem e n te , a m o d o s d istin to s
de c o n sid e ra r as relaçõ es e n tre p e sq u isas em p íricas e teó ricas. P a rtin d o d es­
sas co m b in açõ es, discutirem os q u a n d o as relaçõ es en tre esses dois tip o s de
p e sq u isa são h a rm o n io sa s e q u a n d o são conflituosas.

Por fim , m o strare m o s q u e, de fo rm a q u ase p a ra d o x a l, as p e sq u isas teó rica s


c o n trib u e m de m o d o m ais efetivo com p e sq u isas em p íricas q u a n d o a relação
e n tre essas d u as fo rm as d e p ro d u z ir c o n h ecim en to é conflituosa. C om isso,
d e fen d erem o s a n ecessid ad e de m a n te r um diálogo co n flitu o so e n tre p e sq u i­
sas em p íricas e teó ricas.

1. Filosofia e ciência no início da


modernidade

A rela çã o e n tre p e sq u isa s te ó ric a s e em p íric a s p o d e ser c o m p re e n d id a , de


m o d o m ais am p lo , a p a rtir d a rela çã o e n tre filosofia e ciência. E ssa te m á ti­
ca g a n h o u d e s ta q u e co m a d e n o m in a d a rev o lu ç ão cien tífica m o d e rn a , que

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te ria in stitu íd o a ciência co m o um c a m p o de c o n h e cim e n to d istin to d a filo­


sofia. N o e n ta n to , u m v islu m b re n a h istó ria da ciência m o stra q u e a rela çã o
e n tre filosofia e ciência, d u ra n te a m o d e rn id a d e , está longe de ser sim ples,
e q u e a co n c lu sã o de q u e a ciência m o d e rn a é co m p le ta m en te in d e p e n d e n te
d a filosofia é , n o m ín im o , q u estio n áv el (B u rtt, 1925; K oyré, 1 9 5 7 /1 9 7 9 ;
Paty, 1993).

Em p rim e iro lugar, m u ito s p ro ta g o n ista s d a ciência m o d e rn a n ã o d efen d e­


ram u m a cisão rad ical e n tre ciência e filosofia. Isso p o rq u e no c o n tex to ins­
titu cio n al em q u e a ciência m o d e rn a se desenvolveu, na E u ro p a en tre os sé­
culos X V II e X V III, sim p lesm en te n ã o existia u m c a m p o científico s e p a ra d o
d a filosofia (Janiak, 2 0 0 8 ). O q u e hoje se e n ten d e p o r física, p o r exem plo,
e stav a, n e ssa é p o c a , im iscu íd o em q u e s tõ e s m etafísicas, ep istem o ló g icas
e teo ló g ic a s n a d isc ip lin a d e n o m in a d a filosofia n a tu ra l2. M esm o a o b ra
de N ew to n , q u e m u itas vezes é in v o cad a com o o m arco de co n so lid ação da
ciência m o d e rn a e, c o n seq u e n tem e n te , de sua cisão com a filosofia, estava
in se rid a nesse con tex to . D e a co rd o com Jan iak (2 0 0 8 ), e m b o ra N ew to n te ­
n h a c ria d o co n d içõ es favoráveis p a ra a r u p tu ra e n tre física e filosofia, s o b re ­
tu d o com o em p re g o do tra ta m e n to m atem ático d a fo rça e d o m ovim ento,
su a o b ra é u m to d o que envolve q u estõ es c o n sid e rad a s a tu a lm e n te m etafísi­
cas e até m esm o teológicas, tais com o a relação de D eu s co m o m u n d o físico,
a n o ção de su b stân cia e u m a o ntologia do esp aç o e d o tem p o . A d iferen ça
é q u e, c o n tra ria n d o seus p re d e c e sso re s, N ew to n n ã o fo rm u lo u u m sistem a
m etafísico de m o d o explícito e claro (Janiak, 2 0 0 8 ). N esse sen tid o , B u rtt
(1925) a rg u m e n ta q u e a ten ta tiv a n e w to n ia n a de ev itar a fo rm a liza ç ã o de
u m a m etafísica p o d e ser a raiz d a ideia m o d e rn a de q u e é possível fazer
ciência sem q u a lq u e r m etafísica, o u m esm o sem q u a lq u e r filosofia:

[New ton] dava ou presum ia respostas definidas a questões fundam en­


tais, com o a n atureza do espaço, do tem po e da m atéria; as relações
do hom em com os objetos de seu conhecim ento; e são justam ente
essas respostas que constituem a m etafísica. . . [Tal fato] pode ter
contribuído significativam ente para insinuar um conjunto de ideias

2 A o b ra d e D escartes é em blem ática p a ra p erceb erm o s essa m istura. P ara esse autor, as discus­
sões m etafísicas, que incluem , p or exem plo, as provas de existência de D eus no en fren tam ento do
ceticism o, são condição de possibilidade p ara a p ró p ria ciência (cf. D escartes, 1641/1973).

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aceitas acriticam ente a respeito do m undo no b a c k g ro u n d intelectual


com um do hom em m oderno, (pp. 20*21)

D esse m o d o , B u rtt (1 9 2 5 ) conclui q u e a ciência m o d e rn a n ã o d ev eria ser


c o m p re e n d id a com o a v itó ria d a ciência so b re a m etafísica, m as com o a
vitó ria d e u m a n ova m etafísica so b re a m etafísica m ed iev al3. A lém disso,
h av eria u m a rela çã o d ire ta en tre a re c u sa em d iscu tir e ssa nova m etafísica
e su a força: ju sta m e n te p o rq u e a m etafísica que em b asa a ciência m o d e rn a
n ão é ex p licitam en te assu m id a com o tal, ela em erge co m o in q u estio n áv el,
com o u m fato, co m o algo q u e n ão p o d e ria ser de o u tra m an eira:

Por essa razão, há u m perigo extrem am ente sutil e insidioso no po­


sitivismo. Se você não pode evitar a m etafísica, que tipo de m eta­
física você provavelm ente cultiva quando acredita fortem ente estar
livre dessa abom inação? É claro, não é necessário dizer, que nesse
caso sua metafísica será m antida acriticam ente porque é inconsciente;
além disso, ela será passada adiante a outros bem mais prontam ente
do que outras noções, um a vez que será prop ag ad a p o r insinuação ao
invés de argum ento direto. Um testem unho extrem am ente interessan­
te da pen etran te influência da filosofia p rim eira new toniana, ao longo
do curso do pensam ento m oderno, é a incapacidade de um estudante
sério de N ew ton em ver que seu m estre possuía um a m etafísica das
mais im portantes. (Burtt, 1925, pp. 225-226)

N esse sen tid o , se ria in c o rre to p e n s a r q u e a m o d e rn id a d e c rio u u m a ciência


sem filosofia (o u m esm o sem m etafísica), com o às v ezes alg u n s cien tistas
sugerem . D iferen te disso, a ciência m o d e rn a só p o d e se r c o m p re e n d id a a
p a rtir de u m a n ova filosofia.

E m seg u n d o lugar, a au sên cia de u m a s e p a ra ç ã o in stitu cio n al e n tre filosofia


e ciência n a E u ro p a dos séculos XV II e X V III p e rm itia u m a fo rm a çã o m ais

3 B urtt (1925) assinala que as principais características da metafísica d a ciência m oderna seriam : 1)
um a concepção de realidade com o partículas atôm icas (e eventualm ente subatôm icas) movendo-se de
acordo com leis gerais passíveis de serem descritas m atem aticam ente; 2) um a concepção de explica­
ção em term o s de elem entos m ais sim ples relacionados tem poralm ente p o r meio de causas eficientes;
3) um a concepção sobre a m ente hum ana assentada no dualism o, na doutrina da distinção entre
qualidades prim árias e secundárias e no reconhecim ento do papel do cérebro. N o entanto, esse autor
adm ite que as m udanças na física e n a biologia contem porâneas estariam m udando essa metafísica.

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eru d ita e m enos técnica do que a atual form ação científica. O p ró p rio N ew to n ti­
n h a u m só lid o co n h e cim e n to de filosofia, e u m a d e c la ra d a a d m iraç ã o p o r fi­
lósofos q u e o p re c e d e ra m 4. D esse m o d o , o co n te x to in stitu cio n al, e a fo rm a ­
ção d e c o rre n te d e sse co n tex to , inviabilizava u m a s e p a ra ç ã o c o m p leta en tre
as d im en sõ es filosófica e científica. C o n se q u e n te m en te , n esse p e río d o n ã o
fazia sen tid o p e n s a r em dois tip o s de p e sq u isa d iferen tes e a u tô n o m a s, u m a
teórico-filosófica e o u tra em pírico-científica. E m b o ra N e w to n te n h a se esfor­
çad o p a ra s e p a ra r a antiga m etafísica d a nova física - ou h ip ó te se s de d ad o s
ex p erim en tais isso era feito p o r um a m esm a p e sso a e o rie n ta d o p o r com ­
p ro m isso s filosóficos m ais ou m en o s explícitos5; o re su lta d o foi u m a nova
fo rm a de relação en tre filosofia e ciência (Janiak, 2 0 0 8 ). N ã o h á , p o rta n to ,
dois “ N e w to n s” s e p a ra d o s e incom unicáveis, u m cientista e u m filósofo; há
u m N e w to n ap e n as, faz e n d o aquilo q u e d ep o is se co n v en cio n o u d e n o m in a r
com o física, o que, n a q u ele co n tex to , n ão estava de m o d o algum se p a ra d o
de q u e stõ e s filosóficas.

2. A separação entre filosofia e ciência

Se, p o r u m lado, a c o la b o ra ç ã o e n tre tra b a lh o teó rico -filo só fico e in v estig a­


ção e m p íric a p o d e ser o b se rv a d a em m u ito s d o s p io n e iro s da ciên cia m o­
d e rn a , p o r o u tro lado, o d esen v o lv im en to científico p a re c e te r d ista n c ia d o
e ssas d u a s atividades. E n tre os séculos X IX e X X , a c iên cia m o d e rn a conso-
Udou-se co m o o exem plo p rim o rd ia l de c o n h e cim e n to v e rd a d e iro , p a s sa n d o
a ser a m p lam en te rec o n h e c id o co m o tal. U m a p o ssív el ex p licação d esse
re c o n h e c im e n to d a ciên cia deve-se ao avanço tecn o ló g ico p ro m o v id o p o r

4 Uma das provas disso é q u e na carta em que N ew ton escreveu a fam osa frase: “ Se p u d e ver mais
longe é p o rq u e estava so b re o om bro d e gigantes” , ele considerou D escartes um desses gigantes
íían iak , 2008).

5 Leibniz foi possivelm ente o adversário mais em blem ático d a metafísica new toniana. Suas críticas
foram resp o n d id as, n a época, p o r S. C larke, o q u e pode ter contribu ído p a ra a ideia p o sterio r de
um a com pleta sep aração en tre ciência e filosofia: enq u an to N ew ton dedicava-se ao trabalho estrita­
m ente científico, C larke voltava-se à filosofia. N o en tan to , com o apo nta Koyré (1957/1979}, Clarke
não era um m ero defensor d as posições filosóficas de N ew ton, ele provavelm ente foi incum bido
pelo p ró p rio N ew ton d e resp o n d er às críticas. Para tanto, N ew ton deve te r aco m p anh ad o to d a a
co rresp o n d ên cia en tre L eibniz e C larke, sugerindo pessoalm ente as respostas. Logo, a sep aração
deve-se m uito m ais ao fato de N ew ton não estar d isposto a enfren tar publicam ente o debate com
Leibniz do q u e à existência de u m a cisão entre atividade científica e filosófica.

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ela d u ra n te esse p e río d o . A faceta tec n o ló g ica d a ciên cia m o d e rn a esteve


p re se n te d esd e seu s p rim ó rd io s (M a ric o n d a , 2 0 0 6 ), m as a p a r tir d o século
X IX a ativ id ad e científica co n v erteu -se m ais c la ra m e n te em tec n o ciên cia.
Isso q u e r d ize r q u e a p ro d u ç ã o d esse c o n h e c im e n to p a sso u a se r exclusi­
vam en te d irig id a p a ra (e o rie n ta d a pela) re so lu ç ã o de p ro b le m a s c o n c re to s
e im ed iato s. E sse tecn icism o co n so lid o u co m o c rité rio d e av aliação do co­
n h e c im en to científico, ju n ta m e n te co m a c o e rê n c ia lógica e a co m p ro v a çã o
em p íric a , su a fu n cio n a lid a d e.

O rec o n h e c im e n to da efetividade d a ciência m o d e rn a torn o u -se u m a p ro v a


de que o co n h e cim e n to científico é um esp elh o d a n a tu re z a ; d e q u e a ciência
m o d e rn a n ã o é u m a te o ria , m as um fato. R o rty (1 9 8 2 ) lem b ra q ue isso já
estava an u n c ia d o no s p rim ó rd io s d a ciên cia m o d ern a :

Q u an d o G alileu disse que o Livro da N atureza estava escrito em lin­


guagem m atem ática, queria d izer que seu novo vocabulário m atem á­
tico e reducionista nâo funcionava p o r a caso, m as que funcionava por-
q u e era o m odo com o as coisas re a lm e n te e ra m . Ele queria d izer que
o vocabulário funcionava porque se ajustava ao universo com o um a
chave se ajusta a um a fechadura. (Rorty, 1982, pp, 191-192)

Essa co n cep ção de que a ciência tem a v irtu d e d e d e sc o b rir co m o as coisas


realm en te são n ão a p en as refo rça rá a se p a ra ç ã o en tre filosofia e ciência, m as
su ste n ta rá a cre n ç a de q u e m u itas q u estõ es q u e a n te rio rm e n te eram p a rte
do e sco p o d a filosofia (ou pelo m en o s d a filosofia n a tu ral) p o d e ria m agora
ser tra ta d a s de m o d o p u ra m e n te científico. E videntem ente, isso re p re se n ta
u m a am eaça à filosofia: afinal, se a ciência d esco b re a rea lid a d e tal com o ela
é, q u a l a fu n ção d a filosofia?

Essa am eaça à leg itim idade da filosofia, so m ad a ao rec o n h e c im e n to dos


avanços da ciência m o d e rn a , fo m e n tará , ain d a n o sécu lo X IX , um a cisão e n ­
tre os filósofos, d e sc rita p o r R o rty (1982) co m o u m a o p o sição e n tre p latô n i­
cos e p o sitiv istas6. O s p rim e iro s re p re se n ta v a m u m a filosofia tra n sc en d e n te,
que, resistin d o à am eaça d a ciência, recu sav a a ideia de q u e a ciência n a tu ra l

6 R orty (1982) reco n h ece que “tais term os eram , m esm o nessa altura, desesperad am ente vagos",
m as m antém seu uso justificando q u e “ cada intelectual sabia aprox im ad am en te onde se situava em
relação aos dois m ovim entos” (p. xv).

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e ra a ú ltim a p a la v ra so b re os a ssu n to s filosóficos e defen d ia “que havia m ais


V erd ad e p a ra d e s c o b rir” (p. xv). Já os p o sitiv istas re p re se n ta v a m u m a filo­
sofia em p írica, q u e, p a rtin d o d o rec o n h e c im e n to dos avanços científicos,
aceitav a e d efen d ia a tese d e q u e "a ciência n a tu ra l... e ra to d a a V e rd ad e que
h a v ia ” (p. xv).

E n tre o s séculos X IX e X X , m u d a n ç a s cu ltu rais e críticas su rg id as n o in­


te rio r d a p ró p ria filosofia lev aram as filosofias tra n sc e n d e n te e em p írica à
m u d an ç a s fu n d am e n ta is (R orty, 1982). G e ra lm en te essas m u d an ç a s são in­
v o cad as com o m arco da co n stitu iç ão d a filosofia c o n te m p o râ n e a . E m b o ra
essa classificação seja c a rre g a d a de co n tro v érsias, u m a vez q ue h á d iferen tes
fo rm as de o rg a n iz a r tu d o aq u ilo q u e se co n sid e ra filosofia c o n te m p o râ n e a ,
u m a m a n e ira de in te rp re ta r a d iv ersid ad e filosófica d o século X X consis­
te em co m p reen d ê-la com o m ovendo-se e n tre d o is p o lo s (F e rra te r M ora,
1 9 9 4 /2 0 0 5 ). D e um lad o , encontrar-se-iam as filosofias h u m an ista s, a d o ta n ­
do a vida h u m a n a (em seu s d iferen tes asp ecto s) com o o b jeto d e reflexão
p rim o rd ial. D e o u tro lado, e sta ria m as filosofias cientificistas, in te ressa d as
a p en as p o r q u e stõ e s co lo cad as p ela ciência, em especial p e la ciên cia n atu ral.
E n tre esses ex trem o s, encontrar-se-ia u m a série de filosofias in te rm e d iá ria s
q u e, ev en tu alm en te, te n ta m co n ciliar o ser h u m a n o com a n a tu re z a 7. R orty
(1982) a p re se n ta u m a classificação sem elh an te, a rg u m e n ta n d o q u e o século
X X foi p alco do e m b a te e n tre filosofia c o n tin e n ta l8 e filosofia analítica. A
d esp eito das d iferenças term in o ló g icas, filósofos o rie n ta d o s p ela filosofia h u ­
m an ista (o u co n tin en tal) c o n tin u a rã o distanciando-se de u m a visão de m u n ­
do e s trita m e n te científica e d efen d en d o q u e o tra b a lh o filosófico co n siste em
b u sc a r algo q u e a ciência é in cap az de alcançar. Já a filosofia cientificista (ou
analítica) c o n tin u a rá a serviço d a ciência, d e fen d en d o q u e n ã o h á atividade
filosófica relev an te q u e p o ssa ir além d o c o n h ecim en to científico.

7 D e m odo similar, W illiam James apresenta em suas conferências sobre pragm atism o (James,
1907/19 8 8) a filosofia d a ép oca em term o s d a p o larid ade en tre rad o n a lísta s e em piristas. Nesse
contexto, James considera o pragm atism o com o um a concepção in term ediária, que, ao m esm o
tem po em que reconhece a im p o rtância da ciência, continua defendendo o limite desse tipo de
conhecim ento e um a assim etria insuperável em relação à filosofia (haveria algo mais a fazer com a
filosofia do q ue m era epistem ologia científica).

8 O term o filo s o fia c o n tin e n ta l foi cu n h ad o p o r fiiósofos analíticos anglófonos p ara desig nar um
conjunto de filosofias originadas n a E uropa continental, principaim ente na A lem anha c na França.
As filosofias con tem p orân eas (do século XX) que se d estacam sob essa rub rica são a fenom enolo-
gia, o existencialism o, a teoria crítica e o pós-estruturalísm o (M ullarkey, 2009).

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N esse p o n to fica claro q u e a p a rtir d o século X X a rela çã o e n tre ciência e


filosofia so frerá m u d an ças. D o lad o d a filosofia h u m an ista , a c re n ç a de q u e
o c o n h ecim en to científico n ão é cap az de a lc a n ç ar a V erd ad e fa rá com q u e
esses filósofos se d istan ciem cad a vez m ais da ciência. A p rim e ira a titu d e
d essa c o rre n te filosófica será g a ra n tir que a filosofia m anten h a-se “p u r a ” ,
sem ser c o n ta m in a d a p o r assu n to s científicos, re c o n h e c e n d o , p o rta n to , a a u ­
to n o m ia d a filosofia em relação à ciên cia9. M ais ta rd e , a filosofia h u m a n ista
fo m e n tará u m a série de críticas à ciência m o d ern a : de u m lado, re a firm a n d o
a in cap acid ad e d a ciência em lidar com o q u e rea lm e n te im p o rta , d efen­
d e rá a in tu ição , o sen tim en to , a estética com o fo rm as m ais a d e q u a d a s de
filosofar; de o u tro lado, a rg u m e n ta rá que a ciência n a tu ra l, p rin c ip alm e n te ,
nos cam p o s q u e tan g en ciam o c o m p o rta m e n to h u m a n o , seria u m a fo rm a
de d o m in a ç ão e o p re ssã o com u m a ro u p ag e m objetiva, u m a “c o n stru ç ã o de
v e rd a d e s” o rie n ta d a s b asicam en te p o r relaçõ es de p o d e r. E ssas co n cep çõ es
de filosofia g a n h a ra m força a p a rtir d a S eg u n d a G u e rra , p rin c ip alm e n te de­
pois d a c o n sta taç ã o do p ap el d a ciência n o d esen v o lv im en to d a tecn o lo g ia
bélica nuclear.

D o lad o d as filosofias cientificistas, a atividade filosófica b u sc a rá em u la r a


ciência n o q u e c o n c ern e a o seu rigor. A lém disso , essa c o rre n te filosófica
a c e n tu a rá a se p ara ç ão e n tre m etafísica e epistem o lo g ia. E m p rim e iro lugar, a
tese antim etafísica, tra d icio n a lm e n te asso ciad a a o positivism o, se rá m an tid a
e desenvolvida: inicialm ente d efendendo-se q u e en u n c ia d o s m etafísicos são
falsos, d ep o is q u e são d esp ro v id o s de sen tid o e, p o r fim , q u e se q u e r p o d e m
ser c o n sid e rad o s en u n c ia d o s. Em seg u n d o lugar, a filosofia p a ssa a re s trin ­
gir-se a a ssu n to s e strita m e n te ep istem o íó g ico s, co m o a v e rd a d e d o c o n h e ­
cim ento p ro d u z id o cientificam ente, o e sta tu to ep istem o ló g ico d a s te o ria s
científicas e o p a p e l d a lógica n a ciência. P or fim , o u tro s c a m p o s filosóficos,
com o a estética, a ética e a p o lítica, se rã o rec o n h e c id o s com o “p u ra m e n te
filosóficos” , o q u e q u e r dizer, n esse co n tex to , q u e n ã o têm q u a lq u e r relação
com a atividade científica e, c o n se q u e n te m e n te , n u n c a a lc a n ç arã o u m g rau
de v erd ad e co m p aráv el a o d a ciência.

9 O m anifesto de 19í3 dos filósofos contra a o cupação de cadeiras dc filosofia p o r psicólogos é um


exem plo dessa defesa da auto nom ia d a filosofia na A lem anha (reconhecidam ente um dos berços
da filosofia continental). Trata-se de um a tentativa d e resistir à invasão da filosofia pela ciência,
naquele contexto rep resen ta d a pela psicologia experim ental (A raujo, 2013a).

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3. A harmonia inicial entre filosofia e


psicologia

O s p rim e iro s p ro je to s de psicologia m o d e rn a su rg em en tre os sécu lo s X IX e


X X , ju sta m e n te q u a n d o o c o rre m ais c la ram e n te a cisão e n tre filosofia e ciên­
cia. Isso p o d e no s levar a a c re d ita r q u e esses p ro je to s iniciais de psicologia
científica e ra m cla ram e n te antifilosóficos o u q u e, p elo m en o s, in sistiam n a
s e p a ra ç ã o e n tre filosofia e p sicologia científica. N o e n ta n to , alg u n s tra b a lh o s
têm m o strad o q u e esse n ã o é o ca so d e W ilh elm W u n d t (e.g., A bib, 1998;
A raú jo , 2 0 1 0 , 20 1 3 a; D an zig er, 1979). P ara W u n d t, filosofia e ciência (in­
cluindo a psicologia) seriam p a rte de u m m esm o to d o c o e re n te e co n tín u o
de p ro d u ç ã o de c o n h e cim e n to (A raújo, 2 0 1 0 )10. Isso tem reflexos d ireto s n a
c o m p re e n sã o do p ro je to de psicologia de W u n d t, u m a vez q u e é p reciso ,
agora, re c o n h e c e r q u e e ssa p ro p o s ta de psicologia científica está in tim am en ­
te rela cio n a d a às fo rm u la ç õ e s filosóficas d esse a u to r (A raújo, 2010). S om a­
do ao intenso trabalho teórico-filosófico de W undt, que p assa pelos cam pos d a
lógica, te o ria d o co n h e cim e n to , ética e a té m esm o m etafísica, isso coloca
em su sp eita a visão d ifu n d id a p e la h isto rio g ra fia trad icio n al, q u e restrin g e a
psicologia w u n d tía n a à fu n d a ç ã o d o la b o ra tó rio de L eipzig e ao em p reg o d o
m é to d o e x p e rim e n ta l n o e stu d o d o s p ro ce sso s psicológicos (e.g., H o th e rsa ll,
2 0 0 4 /2 0 0 6 ; S chultz & S ch u ltz, 1 9 9 2 /1 9 9 6 ). P o r o u tro lad o , esse resgate
d o tra b a lh o filosófico de W u n d t deve ser feito p re se rv a n d o u m a co n cep ção
h a rm ô n ic a com su a p ro d u ç ã o em pírico-científica.

O c o n te x to in s titu c io n a l d a s u n iv e rs id a d e s a le m ã s e n tr e o fin a l d o s é ­
c u lo X IX e o in íc io d o s é c u lo X X ta m b é m p o d e a ju d a r a c o m p r e e n ­
d e r o c a so d e W u n d t (A ra ú jo , 2 0 1 3 b ; G u n d la c h , 2 0 1 2 ). O c re s c e n te
r e c o n h e c im e n to d a p s ic o lo g ia n a A le m a n h a , s o b r e tu d o d a p s ic o lo g ia

10 Seguindo as recom endações n ew to n ian as, filosoficam ente reform uladas p o r K ant (178 1/1 99 7),
W u n d t defende que a ciência, no caso a psicologia científica, deveria se exim ir de qu estões m eta­
físicas a p r io r i (W undt, 18 9 5 /1 8 9 7 ). N o en tan to , o p ro jeto filosófico de W u ndt, no qual se insere
a psicologia, envolveria a constituição de u m a nova m etafísica (A raújo, 2010). N esse sentido, é
possível d izer q ue a psicologia de W u n d t ten ta m anter-se isenta e d istan te d a m etafísica (tal com o
a física de N ew ton tenta n ão se co m p rom eter com h ip ó teses não verificadas experim entalm ente),
m as sua filosofia não. A m etafísica w u nd tíana seria o últim o passo no pro jeto de reform a do co­
nhecim ento h u m an o, que in teg raria, em u m to d o coerente, as diferentes desco b ertas em píricas das
ciências (A raújo, 2010).

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e x p e rim e n ta l - d a q u a l W u n d t e ra u m d o s p rin c ip a is e x p o e n te s c rio u


u m a d e m a n d a p o r c a d e ira s de p sic o lo g ia e x p e rim e n ta l n a s u n iv e rs id a d e s
(A raú jo , 2 0 1 3 a ). N o e n ta n to , n o v as c a d e ira s n ã o fo ra m c ria d a s ; a o in v és
d isso , a n tig a s c a d e ira s d e filo so fia fo ra m g ra d u a lm e n te se n d o o c u p a d a s
p o r p s ic ó lo g o s 11. E sse p ro c e s s o c u lm in o u n a p u b lic a ç ã o d o M a n ife sto de
1913, a s sin a d o p o r d o c e n te s e p ro fe s s o re s q u e se p o sic io n a v a m c o n tra
a o c u p a ç ã o de c a d e ira s de filosofia p o r p sic ó lo g o s, o q u e d e s e n c a d e o u
u m c o n ju n to d e c o m e n tá rio s e rép lica s (A raú jo , 2 0 1 3 a ; G u n d la c h , 2 0 1 2 ).
N e ssa q u e re la , W u n d t foi u m d o s p ro fe s s o re s c o n trá rio s às reiv in d ic a ­
çõ es d o s filó so fo s, n a e x a ta m e d id a em q u e ele n ã o via co m b o n s o lh o s a
c o m p le ta s e p a ra ç ã o e n tre filosofia e p sico lo g ia, ta l c o m o se d e fe n d ia n o
m a n ife sto (A raú jo , 2 0 1 0 , 2 0 1 3 a ).

A lém disso, W u n d t era u m p o lím ata e, em b o ra sua fo rm ação p rin c ip a l fosse


em m ed icin a, seu co n h ecim en to em filosofia e ra inegável, ta n to q u e foi n essa
á re a q u e o c u p o u o carg o de p ro fe sso r (A raújo, 2 010). Esse tip o de fo rm a­
ção p e rm itiu q u e W u n d t tivesse u m a c o m p re e n sã o am pla d o s p ro b le m as
filosóficos im a n e n te s a o e m p re e n d im e n to científico em geral, e psicológico
em p a rticu la r, b e m com o o ca p ac ito u a d e s e m p e n h a r ativ id ad es filosóficas e
científicas de m o d o h a rm o n io so .

M esm o d u ra n te o século X X , h á a in d a te n ta tiv a s de m a n u te n ç ã o d e u m a


rela çã o h a rm o n io sa e n tre filosofia e psicologia. A o b ra de B. F. S k in n er, p o r
exem plo, re tra ta u m a p re te n s ã o de c o m p le m e n ta rie d a d e e n tre q u e stõ e s teó ­
rico-filosóficas e d a d o s em p írico s. E sse a u to r d efen d ia e x p licitam en te q u e a
p e sq u isa e m p íric a , a ciên cia d o c o m p o rta m e n to p ro p ria m e n te d ita , p ro g re ­
d iria p a r i p a s s u a o av an ço d e d iscu ssõ es te ó ric a s d o c o m p o rta m e n ta lism o
rad ical. Esse seria o c o n te x to p a ra se in te r p re ta r a a firm a ç ã o s k in n e ria n a
de q u e o c o m p o rta m e n ta lism o rad ic al n ã o é a ciên cia d o c o m p o rta m e n to ,
m as a filosofia d e ssa ciên cia (S kinner, 1974). T u d o se p a ssa co m o se a ciên ­
cia do c o m p o rta m e n to , lid a n d o co m d a d o s e m p íric o s, fosse d esafiad a e,
ev e n tu a lm e n te , c o rrig id a p e la filosofia q u e, p o r su a vez, d e v e ria o rg a n iz a r

11 O term o p sic ó lo g o em pregado nesse contexto é diferente de seu uso con tem p orân eo . Vale lem­
b rar que até m eados do século XX n ão existia, n a A lem anha, psicologia com o disciplina indepen­
dente, e, nesse sentido, tam b ém não existia, de m odo institucionalizado, o psicólogo profissional
(Ash, 1987; G un d lach, 2012). D essa form a, psicólogo, aqui, refere-se a professores com form ação
em filosofia, teologia, m edicina ou direito, que se dedicavam ao estud o de assuntos psicológicos.

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os re s u lta d o s em p íric o s d e m o d o c o e re n te em u m a te o ria d o c o m p o rta ­


m en to (T o u rin h o , 1999). O c e n á rio p in ta d o é de u m a c o la b o ra ç ã o m ú tu a ,
de u m o bjetivo c o m u m e, p o rta n to , de u m a rela çã o h a rm o n io sa . E m b o ra
q u estio n áv el, essa h a rm o n ia c o n tin u a sen d o re a firm a d a p o r p ro fe sso re s,
p e sq u isa d o re s e p ro fissio n a is in te re ssa d o s n a análise d o c o m p o rta m e n to ,
in clu in d o , p o r vezes, o a sp e c to ap licad o co m o m ais u m p ila r n e ssa rela çã o
(cf. T o u rin h o , 1999).

Assim, e m b o ra a m o d e rn id a d e te n h a c riad o co n d içõ es p a ra a s e p a ra ç ã o das


d im en sõ es filosófica e científica, na ciên cia em geral e n a psicologia em p a r­
ticular, p a re c e que p o r algum tem p o m anteve-se n o h o riz o n te a n o ç ã o de
que esses dois m o d o s de p ro d u ç ã o de co n h e cim e n to p o d e ria m e deveriam
c a m in h a r ju n to s, de fo rm a h a rm o n io sa e co m p lem en tar. Isso e ra b a sta n te
evidente e factível n o s caso s em q u e o psicólogo se dedicava ta n to à ela b o ra ­
ção teó rica q u a n to à p e sq u isa em p írica.

4 .0 conflito entre psicologia e filosofia

U m a n a rra tiv a h istó rica b a sta n te d ifu n d id a em m an u ais d e h istó ria d a p si­
cologia é q u e a in stitu cio n alização d a psicologia o c o rre u p rim e ira m e n te n a
A lem an h a, com a im p lem e n ta ç ã o do la b o ra tó rio de L eipzig (e.g., H other-
sall, 2 0 0 4 /2 0 0 6 ; S chultz & S chultz, 1 9 9 2 /1 9 9 6 ). S ubjaz a essa n a rra tiv a a
ideia de que a psicologia se co n stitu iu com o disciplina in d e p e n d e n te , com
alu n o s, p ro fesso res e u m c o rp o de c o n h ecim en to p ró p rio s q u a n d o se se­
p a ro u d a filosofia e a d o to u m éto d o s científicos (p rin cip alm en te o m éto d o
e x p erim en tal) p a ra investigar os fen ô m en o s psicológicos. S chultz e Schultz
(1 9 9 2 /1 9 9 6 ), p o r exem plo, declaram :

Som ente quando os pesquisadores passaram a se apoiar na observa­


ção e na experim entação cuidadosam ente controladas p ara estudar a
m ente hum ana é que a psicologia com eçou a alcançar um a identidade
que a distinguia de suas raízes filosóficas. Som ente há cerca de cem
anos os psicólogos definiram o objeto de estudo da psicologia e esta­
beleceram seus fundam entos, confirm ando assim sua independência
em relação à filosofia, (p. 18)

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C om o m en cio n ad o a lh u res, essa n a rra tiv a h istó ric a , que se p a ra psicologia


de filosofia, é b a s ta n te q u estio n áv el q u a n d o W u n d t é to m a d o co m o refe­
rên cia p a ra essa se p a ra ç ã o (A raújo, 2 0 1 0 , 20 1 3 a), P o r o u tro lado, p a re c e
q u e foi ju sta m e n te u m a faceta tecn o cien tífica d a psicologia q u e p ro sp e ro u e
o rie n to u a in stitu c io n a liz a ç ão d a psicologia co m o disciplina in d ep e n d e n te .
N a A lem an h a, p o r exem plo, em b o ra a psicologia e x p erim en tal já existisse
d esd e o século X V III, a in stitu cio n alização d a p sicologia co m o disciplina
in d ep e n d e n te , en te n d id a aqui co m o u m a fo rm a çã o u n iv ersitá ria específi­
ca p a ra psicólogos, só a p a re c e u d u ra n te a S e g u n d a G u e rra (A bib, 1998;
G e u te r, 1987; G u n d la c h , 2 0 1 2 ). }á n o s E stad o s U nidos, a psico lo g ia g an h a
rec o n h e c im e n to in stitu cio n al ain d a no século X IX e isso se a c e n tu a co m a
p a rtic ip a ç ã o de psicólogos n o co n te x to e d u cacio n al n o início d o século X X
(Abib, 1998; D an zin g er, 1987).

Esse p ro ce sso de in stitu cio n alização o rie n ta d o exclu siv am en te p ela aplica­
ção do co n h e cim e n to psicológico teve ao m en o s d u a s c o n seq u ê n c ia s visíveis
n a h istó ria d a psicologia. E m p rim e iro lugar, p ro p o sta s q u e se a fa stara m
dessa p re te n sã o em in e n te m en te ap licad a, m esm o q u a n d o e ra m re c o n h e c id a ­
m en te científicas, co m o as p sicologias de W u n d t, d e T itc h e n e r e de K õhler,
sim plesm ente foram ex tin tas e hoje, n a m elh o r d as h ip ó te se s, a p a re c e m a p e ­
nas co m o c u rio sid ad es em cu rso s de h istó ria d a psicologia. E m seg u n d o
lugar, esse tecn icism o d a p sico lo g ia m o d e rn a d e se n h o u u m a triste h istó ria
da in stitu cio n alização acad êm ica d e ssa disciplina, q u e p a ssa ta n to p e la fu n ­
d a m e n taç ã o ideológica d o n azism o na A lem an h a (G e u te r, 1987), q u a n to
pela ideologia do co n tro le social a p a rtir d o final d o século X IX nos E stad o s
U nidos (Abib, 1998; D an zin g er, 1 9 8 7 )'2.

M as ín d e p e n d e n te m e n te d as d ife ren ç a s c u ltu rais q u e in flu e n cia ra m a in s­


titu cio n a liz aç ã o acad ê m ic a d a p sico lo g ia em c a d a p aís, havia u m p a n o d e
fu n d o raz o a v e lm e n te co m u m n as g ran d e s u n iv ersid ad es: a p o la riz a ç ã o e n ­
tre filosofia e ciên cia, ou m ais e sp ecificam en te e n tre filosofia h u m a n ista

12 Além disso, algum as vezes o tecnicism o na psicologia é levado às suas últim as consequências,
fazendo com que a funcionalidade do conhecim ento p rod u zid o seja con sid erad a mais im p ortan te
do que sua coerência. C o nsequentem ente, ainda que um a teoria seja filosoficam ente questionável
contenha contradições e careça d e clareza na definição de seus conceitos, se ela for capaz dc
resolver os problem as a que se p ro p õ e, ela deverá ser aceita. Esse “ pragm atism o g ro sseiro ” tem
expulsado até m esm o a epistem ologia do cam po psicológico, ao m esm o tem po em que propaga
equívocos e confusões conceituais.

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e ciência n a tu ra l. Isso c rio u c o n d iç õ e s p a ra a c o n stitu iç ão de d iferen tes


p ro je to s psico ló g ico s, que, em b o a m ed id a , re p ro d u z ira m essa p o lariza ç ã o .
D e u m lad o , su rg iram co n c ep ç õ e s d e p sico lo g ia que se ap ro x im av a m da
ciência m o d e rn a , in sistin d o n o u so de m é to d o s re c o n h e c id a m e n te cientí­
ficos, n a o b jetiv id ad e e, e v e n tu a lm e n te , na q u a n tific a çã o do s fen ô m en o s
psicológicos. D e o u tro lado, su rg iram p ro je to s psico ló g ico s q u e, de fo rm a
d e lib e ra d a , afastaram -se d a ciên cia, se g u in d o os m esm o s a rg u m e n to s d a
filosofia h u m a n ista : aquilo q u e é leg itim am en te p sicológico n ã o p o d e ria ser
c a p ta d o pela ciên cia e, n esse se n tid o , u m a v e rd a d e ira p sico lo g ia d ev eria
voltar-se p a ra a in tu ição , p a ra o se n tim e n to , p a ra o que é p ré-verbal o u , até
m esm o , irracio n al.

D esse m odo, p a re c e que a se p a ra ç ã o e o conflito e n tre filosofia e ciência


tiv eram com o reflexo u m a cisão fu n d am e n ta l d a psicologia co n te m p o râ n e a :
psicologias q u e se s itu a ra m no polo científico, b u sc a n d o seguir os cân o n es
das ciências n a tu ra is, te n d e ra m a se a fa sta r de q u e stõ e s filosóficas; já p sico ­
logias q u e re c u s a ra m o cientificism o identificaram -se m ais facilm ente com
atividades filosóficas típicas d a filosofia h u m a n ista o u co n tin en tal. E ssa p o ­
la riz a ç ã o d a psicologia m o d e rn a é b em re p re s e n ta d a pelo fam oso d ilem a do
psicólogo, d e scrito p o r G re c ó (1 9 6 7 /1 9 8 1 ): “é a infelicidade d o psicólogo:
n u n c a há c e rte z a de q u e ele ‘faça c iên cia’. Se a faz, n u n c a h á c e rte z a de q u e
seja p sic o lo g ia ” (p. 2 9 2 ). N esse dilem a, fica clara a ideia de q ue a psicologia
d ev eria esco lh er a ciên cia o u a filosofia, e q u e , p o rta n to , as investigações
científicas e as discussões filosóficas já n ã o são vistas de m o d o h a rm o n io so
n a psicologia.

E ssa te n sã o e n tre filosofia e ciên cia te rá reflexos d ire to s n a fo rm a çã o d o


psicólogo, o q u e a in d a se m an té m n o s cu rso s de psicologia atuais. A lguns
cu rso s p rivilegiam a d im e n sã o científica d a psicologia, seg u in d o o m o d elo de
u m a ciência a u tô n o m a e in d e p e n d e n te de q u e stõ e s teó ricas; o u tro s c u rso s
en fatizam o a sp ec to teórico-filosófico d a psicologia, afastando-se de p re o ­
c u p a çõ e s científicas, co m o d iscu ssõ es m eto d o ló g icas e até m esm o a co m ­
p ro v ação em p íric a dos en u n c ia d o s teó rico s. M esm o no s casos em que se
ten ta ev itar essa p o lariza ç ã o , p e rm itin d o q u e o a lu n o d e p sicologia ten h a
acesso tan to à ciência q u a n to à filosofia, isso g eralm en te o c o rre p o r m eio
de disciplinas m in istrad a s p o r d iferen tes p ro fesso res (p o r exem plo, psicó-

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logos-cientistas de u m lad o e filósofos p ro fissio n ais de o u tro ). D esse m o d o ,


o m ero acesso à filosofia e à ciên cia em u m co n te x to em q u e a cisão e n tre
esses cam p o s já e stá co n so lid a d a n ão g a ra n te a in teg ração , p elo c o n trá rio ,
m an té m o “dilem a d o p sicó lo g o ” exigindo q u e o alu n o esco lh a p o r u m do s
lad o s e se esp ecialize.

Em su m a, o co n tex to in stitu cio n al c o n te m p o râ n e o favorece a cisão e n tre


filosofia e psicologia científica, c ria n d o u m círcu lo vicioso n o q u a l p sicólogos
são fo rm ad o s co m o esp ecialistas (em ciência o u em filosofia) p o r p ro fesso res
esp ecialistas. Fica claro, p o rta n to , q u e esse c e n á rio acad êm ico , b e m com o a
fo rm a çã o q ue d e c o rre dele, é b a sta n te d iferen te d a q u e le que su sten tav a u m a
rela çã o h a rm o n io sa e n tre o tra b a lh o teórico-filosófico e em pírico-científico
n o s p rim ó rd io s d a ciência e psicologia m o d ern a s. O re su lta d o é u m a “ es­
p e c ia liz a çã o ” n a psicologia c o n te m p o râ n e a , o u seja, p esq u isa s em p íric a s e
p esq u isa s te ó ric a s são desenvolvidas p o r p e sso a s d iferen tes, com fo rm açõ es
d iferen tes e, m u itas vezes, com objetivos d iferen tes.

5. Pesquisas empíricas v e r s u s pesquisas


teóricas na psicologia

N esse novo co n tex to , as relaçõ es e n tre p e sq u isa s em p íricas e teó rica s na


psicologia tornam -se m ais com plexas. Em p rim e iro lugar, a p lu ra lid a d e de
psicologias, o rg a n iz a d a em to rn o do s polos objetivista-cientificista v e rs u s
sub jetiv ista-h u m an ista, cria d iferen tes fo rm as de relação en tre p e sq u isas em ­
p íricas e teó ricas.

Psicologias com u m viés cientificista rec o n h e c em as p e sq u isas em pírico-cien­


tíficas com o p rio ritá ria s, so b re tu d o aq u elas q u e seg u em os p asso s d a ciência
n atu ral. H á pelo m en o s dois p o sic io n a m e n to s desse tip o de p sicologia em
relação às p e sq u isa s teó rica s. Q u a n d o o cientificism o é rad icalizad o , as p e s­
quisas teó ricas são vistas p elo s p sic ó lo g o s-d en tistas com o “p seu d o p esq u i-
sa s” in ó cu a s e, p o rta n to , d isp en sáv eis p a ra u m a psicologia v e rd a d e ira m e n te
científica. In co rre-se, aq u i, n a visão in g ên u a de q u e é possível u m a ciência
d esp ro v id a de te o ria e isen ta de q u a lq u e r filosofia, ig n o ran d o , p o rta n to , q u e
a p ró p ria ciência m o d e rn a se co n stitu iu a p a rtir de p re ssu p o sto s filosóficos,

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m ais o u m en o s explícitos, p a ra re c u sa r co n c ep ç õ e s c e n trais d a filosofia esco ­


lástica (B urtt, 1925; K oyré, 1 9 5 7 /1 9 7 9 ).

U m a visão cientifícista m ais p o n d e ra d a e m en o s in g ên u a ad m ite a im p o r­


tân cia relativa do tra b a lh o teó rico . N esse con tex to , defende-se q u e u m p ro ­
jeto de psicologia científica e sta ria a sse n ta d o em um co n ju n to u n ív o co e
im utável de p re ssu p o sto s filosóficos, g eralm en te d e n o m in a d o s f u n d a m e n to s .
C ab eria, en tão , ao “p e s q u is a d o r te ó ric o ” d e screv er esses p re ssu p o sto s de
m an e ira cu id a d o sa , re sp e ita n d o suas características. Essa fo rm a de co n ce­
b e r a p e sq u isa teó rica p o d e ser d e n o m in a d a r e a lis m o te ó r ic o , u m a vez q ue
defende a existência de u m c o n ju n to “fe c h a d o ” d e p re ssu p o sto s (um tip o de
rea lid a d e ), q u e seriam d e sco b e rto s ou d esv elad o s pela p esq u isa. A qui fica
ev id en te o q u a n to essa fo rm a de tra b a lh o te ó ric o te n ta se a p ro x im a r d a p e s­
quisa em pírica: do m esm o m o d o que as p e sq u isa s em p íricas d e sco b rem a
realid ad e (física o u social), as p e sq u isas teó rica s d e sco b rem os fu n d am en to s
(teórico-filosóficos).

Esse realism o te ó ric o é aceito p o r p e sq u isa d o re s ligados à p ro d u ç ã o de co­


n h ecim en to em p írico , d esd e q u e os p re ssu p o sto s filosóficos “ d e sc o b e rto s”
n a p e sq u isa teó rica sejam os m esm os co m os q u ais esses p e sq u isa d o re s já
tra b a lh a m im plícita o u ex p lic ita m e n te 13. Assim, o rea lism o te ó ric o p re s s u ­
p õ e u m a p len a h a rm o n ia e n tre p esq u isa em p íric a e p esq u isa te ó ric a , u m a
h a rm o n ia a sse n ta d a n a s u b o rd in a ç ã o d a p esq u isa te ó ric a ao s re su lta d o s d a
p esq u isa em p írica. C o n se q u e n te m e n te , o realism o te ó ric o n ã o g a ra n te a au­
to n o m ia d a s p esq u isa s te ó ric a s - q u e, n esse c o n tex to , se q u er são ch a m a d a s
d e p e sq u isa s (cf. M ach ad o & Silva, 2 0 0 7 ). A lém disso, h á o u tro p ro b lem a.
U m a vez q u e se a c re d ita n a existência d e u m c o n ju n to “fec h a d o ” de p res­
su p o sto s filosóficos, é u m a q u e stã o de te m p o p a ra q u e a p esq u isa teó rica
se to rn e su p érflu a: d ep o is q u e esses fu n d a m e n to s fo rem d escrito s, tu d o o
q ue so b ra é, n a m elh o r d as h ip ó te se s, rep e tiç ã o d o q u e já foi d ito . Assim, o
realism o te ó ric o ta m b é m n ã o g a ra n te a legitim idade d a p e sq u isa te ó ric a , no

13 A lgum as reco m en d açõ es atu ais d e restitu ir análises teó ricas na psicologia científica podem ser
entendidas com o tentativas de o rie n ta r essas análises p o r qu estõ es exclusivam ente epistem ológi-
cas, com o a coerência lógica dos enu n ciad o s, a teo ria d e v erdade e o u tro s assunto s relacio nad os
(cf. M achado & Silva, 200 7). M uitas vezes esse tipo d e reco m end ação está assen tad o em um a
teo ria mais ou m enos explícita, q u e defende q u e apenas essas questões fazem p arte do conheci­
m ento científico.

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sen tid o de q u e essa ativ id ad e de p esq u isa n ã o é c a p az p r o d u z ir co n h e cim e n ­


to de fo rm a co n tín u a .

P o r o u tro lad o , p sicologias com u m viés subjetivista, n a m ed id a em q u e se


afa stam d e lib e ra d a m e n te d o s ideais científicos m o d e rn o s, são m ais favorá­
veis a p esq u isa s te ó ric a s d o q u e a p e sq u isa s em p íricas. A qui, à se m elh an ça
d o q u e aco n tece com p sicologias cientifícistas, o g rau de rad ic aliza ç ã o de
seus p o sic io n a m e n to s refletir-se-á em , a o m en o s, d u a s fo rm as d e c o n d u z ir as
p e sq u isa s teó rica s. Q u a n d o o p o sic io n a m e n to an ticientífico é e x acerb ad o ,
ele cu lm in a em u m irracio n alism o q ue to rn a a p e sq u isa te ó ric a u m fim em
si m esm a, sem q u a lq u e r rela çã o com p e sq u isa s em p íricas. T rata-se de u m a
esp écie d e s o lip s is m o ie ó r ic o , n o q u al a p sico lo g ia se co n v erte em p u ra te o ria
e, p o rta n to , d elib e ra d a m e n te cega ao s d a d o s em p írico s. C o n se q u e n te m en te ,
n esse ex trem o n ã o h á q u a lq u e r c rité rio de refu taç ã o de ela b o raç õ e s teóri-
co-conceituais, o q u e faz com que as p esq u isa s te ó ric a s desenvolvidas n esse
c o n tex to sejam , n a m aio ria d as vezes, vazias d o p o n to de vista e m p íric o o u
in ú teis do p o n to de vista aplicado. T rata-se de definições e red efin içõ es q u e
n ão rec o n h e c em a n ecessid ad e de u m a articu la çã o com d a d o s em p írico s,
ad m itin d o , q u a n d o m u ito , o c rité rio de co erên cia e n tre co n c eito s com o sufi­
ciente p a ra a p sic o lo g ia14.

O solipsism o te ó ric o g a ra n te a a u to n o m ia d a p e sq u isa teó rica em relação


a p e sq u isas em p íricas, m as isso tem u m p reç o . D ificilm ente p e sq u isa d o re s
e m p írico s lev arão em co n sid e raç ã o o c o n h ecim en to te ó ric o p ro d u z id o nesse
viés, pois ele é d e lib e ra d a m e n te anticientífico e, p o r vezes, irracio n alista.
isso q u e r d izer que n ã o h á seq u er u m p o n to de co n ta to a p a rtir do qual
p o ssa h av er um diálogo en tre as d im en sõ es em p íric a e teó rica . O s resu lta d o s
ten d em a ser co n fu so s e as críticas, dirig id as o sten siv am en te à ciência, são
g eralm en te rep ro d u ç õ e s superficiais de arg u m e n to s a p re se n ta d o s p o r re p re ­
se n ta n te s d a filosofia c o n tin en tal, e, p o r vezes, e rra m o alvo ju sta m e n te p o r
falta d e co n h e cim e n to científico m ínim o.

Psicologias sub jetiv istas m ais p o n d e ra d a s fo m e n ta m p e sq u isa s te ó ric a s in­


te re s sa d a s n ã o n a d e sq u alificação d a ciên cia m o d e rn a , m as n a co n stitu iç ão

14 Na m edid a em q u e essa form a de psicologia ten d e ao irracionalism o, cm alguns m om entos até


m esm o a coerência c a b an d o n ad a com o um critério válido. C om isso, essa concepção torna-se
responsável pela p ro pag ação de confusões conceituais e contradições.

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de fo rm a s a lte rn a tiv a s d e p ro d u ç ã o de c o n h e cim e n to . A o faz e r isso, g eral­


m e n te , e ssa s p e sq u isa s re ite ra m u m a série d e d ico to m ias, co m o ciências
n a tu ra is v e r s u s ciên cias h u m a n a s , m é to d o s q u a n tita tiv o s v e rs u s m é to d o s
q u a lita tiv o s, ex p licação v e r s u s c o m p re en sã o . C o m p a rtilh a n d o a m esm a
c o n c e p ç ã o m ec a n ic ista de n a tu re z a , típ ica d a m o d e rn id a d e , e ssas p sico lo ­
gias v eem o se r h u m a n o co m o “ s o b re n a tu ra l” , o u seja, co m o u m ser fora
d a n a tu re z a , d o ta d o d e ca ra c te rístic a s esp eciais, co m o lib e rd a d e e v o n tad e.
E ssa a ssim etria e n tre n a tu re z a e ser h u m a n o é u m a b o a chave d e leitu ra
p a ra c o m p re e n d e r as ca ra c te rístic a s c e n trais d a m o d e rn id a d e co m o o m eca-
nicism o, a m a te m a tiz a ç ã o d as ciên cias d a n a tu re z a , o a n tro p o c e n tris m o e a
ex p lo ra çã o d a n a tu re z a p elo ser h u m a n o (tecn icism o ) (S an to s, 1 9 8 7 /2 0 0 4 ).
A p e sq u isa te ó ric a c o n d u z id a n esses m o ld es c o m p a rtilh a a m esm a v isão de
m u n d o q u e in siste em c ritic a r e, nesse sen tid o , c e rta in g en u id a d e filosófica
c o n tin u a o p e ra n d o aqui.

A influ ên cia d a filosofia co n tin e n ta l c o n te m p o râ n e a sobre esse tip o de psico­


logia reflete-se em p e sq u isa s em p íricas v o ltad as p a ra assu n to s so cialm en te
relevantes, d e slo c a n d o os c o m p ro m isso s filosóficos d a ep istem o lo g ia p a ra a
ética e a po lítica. M as, g eralm en te, o q ue se g a n h a em e n g ajam en to perde-se
em q u e stõ e s m eto d o ló g icas, g e ra n d o d ificuldades n a v alid ad e e rep ro d u tib ili-
d a d e d o s re su lta d o s o b tid o s. Isso m o stra q u e as p e sq u isa s te ó ric a s d esenvol­
v idas nesse co n tex to c arecem de d iscu ssõ es ep istem o ló g icas fu n d am e n ta is,
q u e p o d e ria m in stru ir u m a fo rm a m ais efetiva de p ro d u z ir c o n h ecim en to .
D esse m o d o , tal co m o aco n tece com as psicologias cientificistas, as p e sq u i­
sas te ó ric a s são aceitas p ela p sico lo g ia subjetivista, d esd e q u e o tra b a lh o teó-
rico n ã o c o n d u z a a q u e stio n a m e n to s, no caso epistem ológicos, que p o ssam
co lo car em x eq u e a legitim idade desse m o d o de c o n ceb er a psicologia.

Esse p a n o ra m a m o stra q u e a relação e n tre p e sq u isas em p írica e te ó ric a é


com plexa e nem sem p re h a rm o n io sa . N a v erd ad e, essa h a rm o n ia só existe
q u a n d o as p e sq u isa s teó rica s são “a c rític as” e, p o rta n to , in ó cu a s em relação
à te o ria psicológica q u e to m a co m o alvo de investigação. M ais especifica­
m en te, p e sq u isa d o re s te ó ric o s só são ouvidos p o r p e sq u isa d o re s e m p írico s
q u a n d o os re su lta d o s teó rico s n ã o c o n tra ria m o tra b a lh o n o c a m p o em p í
rico. M as, n esse caso , c u m p re p e rg u n ta r qual seria a fu n çã o d a p esq u isa
te ó ric a ? R e ite ra r a q u ilo que já foi a p re s e n ta d o com evidências e m p íricas?

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T ra d u z ir filosoficam ente a ativ id ad e dos p sicó lo g o s? A final, p o r q u e o p e s­


q u isa d o r em p írico d ev eria p a ra r p a ra ouvir aquilo que ele já sab e, o q u e n ã o
a c re sc en ta n a d a em sua p e sq u isa ?

P or o u tro lad o , q u a n d o p e sq u isa d o re s teó rico s n ã o se restrin g e m a e m u la r a


ciência o u a fo rn e c e r u m a esp écie d e “ certificad o filosófico” p a ra p e sq u isas
em p íricas, a rela çã o en tre as d u a s fo rm as de p ro d u ç ã o de c o n h ecim en to
torna-se d ra m a tic a m e n te conflituosa. Esse conflito deve-se ao fato de q u e,
nesse caso , ca d a u m a d essas p esq u isa s assu m e objetivos d istin to s. A p e sq u i­
sa e m p írica p a rte de p ressu p o sto s te ó ric o s (g eralm en te c o n sid e rad o s co m o
“fu n d a m e n to s ”), com o in tu ito d e p ro d u z ir d a d o s em p írico s, q u e , ev en tu al­
m en te, c o n d u z irã o d ire ta o u in d ire ta m e n te à p ro d u ç ã o de tecnologias. Já a
p e sq u isa te ó ric a atém -se à p ró p ria teo ria, a p o n ta n d o su as lac u n a s, ev entuais
c o n tra d iç õ e s, a b e rtu ra s in te rp re ta tiv a s, a p ro x im aç õ e s e d ista n c ia m e n to s
com o u tra s teo rias. Isso inviabiliza a d efesa de u m “fu n d a m e n to ” , en te n d id o
com o u m c o n ju n to “fe c h a d o ” de co m p ro m isso s filosóficos. D e ssa form a,
e n q u a n to a p esq u isa em p íric a tem u m a te o ria co m o p o n to de p a rtid a , a
p esq u isa teó rica a tem com o o b jeto de an álise.

L a to u r ( 1 9 9 8 /2 0 0 0 ) u sa u m a m e tá fo ra p a ra d e sc re v e r o fu n c io n a m e n to
d a ciên cia, q u e p o d e s e r e m p re g a d a aq u i p a ra e sc la re c e r o co n flito e n tre
p e s q u is a s e m p íric a s e te ó ric a s. D e a c o rd o co m e sse a u to r, a ciên cia av an ça
c ria n d o “c a ix a s -p re ta s ” , e n te n d id a s co m o c o n c eito s, id eias, p ro c e d im e n ­
to s, in stru m e n to s , q u e p a ssa m a ser ta c ita m e n te a c eito s p ela c o m u n id a d e
científica c o m o a -h istó rico s e, p o rta n to , in q u estio n á v e is. E ssas caix as-p re­
ta s são p o n to s de p a rtid a p a ra o u tra s p e sq u isa s e, c o m o ta is, n ã o são (e
n ã o d ev em ser) m ais a s su n to de in v estig ação . A n o ç ã o de “ c a ix a -p re ta ” sin ­
tetiz a ju sta m e n te esta s c a ra c te rístic a s: p ra tic a m e n te n in g u ém sab e o que
h á ali d e n tro e, ao m esm o tem p o , elas são la c ra d a s p a ra e v ita r q u e sejam
a b e rta s p o r alg u ém . T udo se p a s s a c o m o se a p e sq u isa te ó ric a , q u a n d o n ã o
é in ó c u a , in sistisse em a b rir as c a ix as-p retas d a p e sq u isa e m p íric a , ou seja,
d isc u tir co n c eito s, co n te x tu alizá -lo s h isto ric a m e n te , s itu a r a te o ria em u m a
tra d iç ã o filosófica m ais am p la e assim p o r d ian te . Ao fazer isso, a p e sq u isa
te ó ric a m o stra q u e, m u ita s vezes, a c aix a-p reta é na v e rd a d e u m a caix a de
P a n d o ra (q u e g u a rd a algo q u e foi d e ü b e ra d a m e n te e sq u e c id o p e lo s p e s q u i­
sa d o re s e m p íric o s em favor d o av an ço d a ciên cia). D esse m o d o , a p e sq u isa
te ó ric a o p e ra ria o b s tru in d o o c a m in h o d a p e s q u is a e m p íric a .

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O re su lta d o d esse conflito p a re c e te r favorecido as p e sq u isas em p íricas, cuja


p ro d u ç ã o tem a u m e n ta d o sem ser a c o m p a n h a d a de análises teó rica s satis­
fató rias. As ex p ressõ es e co n seq u ê n c ia s dessa assim etria n a p ro d u ç ã o de
c o n h ecim en to n a psicologia c o n te m p o râ n e a fo ram a p re se n ta d o s d e m an eira
elo q u e n te p o r M ach ad o , L o u re n ço e Silva ( 2 0 0 0 ) l5. A p rim e ira ex p ressão
d esse e sta d o de d e seq u ilíb rio e n tre p e sq u isas em p íricas e teó ricas se vê no
n ú m e ro excessivo de p u b licaçõ es de “re s u lta d o s ” em p írico s inócuos: "a
p ro d u tiv id a d e an u al q u e vem d essa avalanche de p erió d ico s, livros, artigos,
en c o n tro s, e co n g resso s p a re c e d e sp ro p o rc io n a l ao n ú m ero de d e sc o b e rta s
explicadas de m an e ira co n v in cen te ou de p ro b lem as efetivam ente resolvi­
d o s” (p. 5). A lém disso, os avanços técnicos em co leta e an álise de d ad o s em ­
p írico s, q u e envolvem d elin e am e n to s cada vez m ais com plexos, e q u ip a m e n ­
tos d e p o n ta, em p reg o de estatística e la b o rad a , se d ã o à c u sta d a crescen te
fragilização d as análises teó ricas. C om isso, h á u m a in v ersão de valores: o
d a d o torna-se u m fim em si m esm o. N as p alav ras dos au to res:

E xperim entação e análise estatística dos dados são práticas indispen­


sáveis na ciência. Mas q uando elas são tom adas com o fins ao invés de
meios, quando se considera que apenas questões passíveis de serem
respondidas p o r experim entos valem a pena, quando experim entos
são publicados porq u e usam técnicas sofisticadas, e quando os núm e­
ros são privilegiados independentem ente da m ensuração verdadeira
ter sído alcançada, então tem os os sinais de um estado epistêm ico
dom inado desproporcionalm ente pelas investigações factuais. (M a­
chado, L ourenço, & Silva, 2 0 0 0 , p. 7)

A carên cia de p esq u isas teó ricas consistentes tam b é m co n d u z a psicologia


c o n te m p o râ n e a a u m a frag m en tação artificial. Isso p o rq u e b o a p a rte dos de­
saco rd o s q u e estão na b ase d essa frag m en tação são de n a tu re z a estrita m e n te
teó rica. D essa m an eira, a falta de co m p re en sã o a d e q u a d a de u m a teo ria, que

15 N esse artigo os au to res analisam a realid ade d a psicologia n o rte-am ericana, que evidentem ente
não c a m esm a do Brasil. Em nosso país, parece ain d a haver u m a m aior diversidade de produções
em psicologia. N o en tan to , se aco m p a nh arm os as políticas editoriais do s principais periódicos
brasileiros desco brirem o s que elas têm se aproxim ado do cen ário descrito p o r M achado. L o u ren ­
ço e Silva (2000). Por exem plo, a m aio ria dos perió dico s mais bem avaliados pelo G ua/is-Capes
restringem ou pelo m enos lim itam a publicação de trabalhos teóricos. D essa form a, os resultados
descritos p o r M achado, L ou ren ço e Silva (2000) talvez tam b ém possam ser en co ntrad os no Brasil
em breve.

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p o d e ria ser a lcan çad a p o r pesq u isas teó ricas q u e to m assem essa teo ria com o
o b jeto de investigação, cria falsas lacunas que, p o r sua vez, culm in am na
a p re se n ta ç ã o de novas teo rias, q u e tam b é m se rã o m al co m p reen d id as. U m a
vez que esse ciclo n ã o é ro m p id o , as teo rias se m ultiplicam e in co m p ree n sõ e s
instituem -se, p a ssa n d o a s e r d issem in ad as n a p ró p ria psicologia. Isso aco n ­
tece ta n to n o âm b ito d a fo rm ação d e psicólogos p o r m eio de livros-texto im ­
p reciso s (e.g., T o d d & M o rris, 1983, so b re equívocos e n c o n trad o s acerca do
co m p o rtam e n ta lism o radical em livros-texto), q u a n to na p ro d u ç ã o de co n h e­
cim ento em p esq u isas em p íricas, q u e sim plesm ente rep ro d u z e m d isto rçõ es
teó rica s (exem plos d essas d isto rçõ es p ro p ag a d a s p o r p esq u isas em p íricas são
e x a m in ad o s p o r M achado, L o u ren ço , & Silva, 2 0 0 0 , p p . 10-12).

Por o u tro lado, a so lu ção n ã o p a re c e ser o a b a n d o n o d a p ro d u ç ã o em p íric a


em favor d a p e sq u isa teó rica: “ se é c e rto q u e investigações co n c eitu a is sozi­
n h as n ã o reso lv erão a m ultiplicidade d e p ro b le m as d a psicologia, ta m b é m
é c e rto q u e sem elas p o ssiv elm en te n e n h u m a ten tativ a de so lu ç ã o se rá bem -
-su ced id a” (M achado, L o u re n ço , Sc Silva, p. 35). A p e sq u isa te ó ric a isola­
da a c a b a ria ad ia n d o in d efin id am en te a p o ssib ilid ad e de p ro d u ç ã o de d a d o s
em p írico s, b em co m o d e tecn o lo g ias d e riv ad as, em favor de u m rig o r te ó ri­
co inalcançável, o u m esm o da rec u sa em p ro d u z ir co n h e cim e n to em p írico ,
com o n o caso d as psicologias subjetivistas m ais ex tre m a d a s. A saíd a p a re c e
ser b u sc a r m eios de e q u ilib ra r a p ro d u ç ã o em p íric a e teó rica , o b rig a n d o q u e
esses dois tip o s de p e sq u isa convivam , com plem entem -se e corrijam -se.

A lém d isso , d e m o d o q u a se p a ra d o x a l, a p esq u isa te ó ric a m ais p ro v eito sa


p a ra a p ro d u ç ã o de co n h e cim e n to e m p írico p a re c e se r ju sta m e n te aq u e la
q u e p a rte d e u m a relação conflituosa. A o m esm o tem p o , p e sq u isa s teó rica s
“d ó c e is”, o u seja, a q u elas q u e sim p lesm en te assistem p e sq u isa s em p íricas,
sem n u n c a se o p o r a elas, e m b o ra esta b e le ç a m u m a rela çã o h a rm o n io sa ,
têm re su lta d o s in ú teis. N esse sen tid o , p sicologias com u m viés cientificistas
p rec isaria m fo m e n ta r m ais do q u e p e sq u isa s te ó ric a s p u ra m e n te epistem o-
lógicas, in clu in d o d iscu ssõ es d e o u tro s asp ec to s filosóficos, co m o éticos,
políticos e até m esm o estético s. D a m esm a fo rm a, psicologias subjetivistas
p rec isaria m ouvir e e n fre n ta r os d esafios colo cad o s p o r p e sq u isa s teó rica s
ep istem ológicas, re c o n h e c e n d o a im p o rtâ n c ia d a lógica, d a c o erên cia e da
co n firm a ç ão em p írica n a p ro d u ç ã o de u m c o n h ecim en to psicológico válido.

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A relação en tre p e sq u isas teó rica s e em p íricas n a p sicologia c o n te m p o râ n e a


é, p o rta n to , b a s ta n te com plexa. E ssa co m p lex id ad e, so m ad a à ten d ên cia de
esp ecialização d a fo rm ação acad êm ica atu al (q u e p rio riz a o u a d iscussão
teórico-filosófica, o u a p ro d u ç ã o em pírico-científica), acab a co m as e s p e ra n ­
ças de q u e u m a relação h a rm o n io sa e n tre as atividades te ó ric a e em pírica
p u d e sse ser a lcan çad a q u a n d o u m m esm o p e sq u isa d o r desenvolve am bas
ativ id ad es. E m o u tra s p alav ras, u m p e sq u isa d o r em p írico esp ecialista p ro ­
m o v erá d iscu ssõ es te ó ric a s in g ên u a s ou superficiais, da m esm a m a n e ira que
u m p e sq u isa d o r teó rico esp ecialista desenvolverá p e sq u isas em p íricas rep le­
ta s de falhas. Isso m o stra q u e, pelo m en o s p o r e n q u a n to , fo m e n tar u m a
relação conflituosa e n tre p e sq u isa s em p íric a s e teó rica s p a re c e ser a ú n ica
so lu ção viável.

6. Considerações finais

N a m ed id a em que u m a ciência se co n so lid a, m ais ela exige u m tra b a lh o


esp ecializad o , so b re tu d o n o co n tex to d o “p ro d u tiv ism o ” acad êm ico con­
te m p o rân e o . S eg u in d o a s e p a ra ç ã o e n tre filosofia e ciência, co n so lid a d a no
século X X , p a re c e q u e o cien tista é fo rçad o a a b a n d o n a r a filosofia, d e d ic a n ­
do-se exclusivam ente à p esq u isa em p írica. A lém disso, o clim a acad êm ico
n ã o é favorável à p e sq u isa te ó ric a , u m a vez q u e se tra ta de u m a investigação
m ais d e m o ra d a , q u a se “ a rte s a n a l” , q u e dificilm ente co n seg u irá atingir as
exigências de p ro d u ç ã o co lo cad as nos c rité rio s d as ag ên cias de fo m en to e
ó rg ão s resp o n sáv eis pela p o lítica científica nacional. O re su lta d o é q ue os
p ro g ra m a s de p ó s-g rad u ação em psicologia te n d e m a re strin g ir esse tip o de
tra b a lh o , o q u e re tro a lim e n ta to d o o sistem a, com p ro fe sso re s q u e n ã o a p re ­
se n ta m as h ab ilid ad es e c o m p etên cias de u m p e sq u isa d o r teó rico , to rn a n d o
ain d a m ais difícil r o m p e r esse círcu lo vicioso.

O p rim e iro p a sso p a ra ta l ru p tu ra é a d m itir a im p o rtâ n c ia d e u m eq u ilíb rio


en tre p esq u isa s em p íricas e teó ricas. A resp o n sa b ilid ad e p ela b u sca desse
e q u ilíb rio recai, em ú ltim a in stân cia, so b re as co m u n id a d es e o rg an iz aç õ e s
de psicologia, q u e p re c isa ria m a b a n d o n a r ev en tu ais p refe rê n c ia s e re c o n h e ­
cer q u e o tra b a lh o te ó ric o fu n cio n a “c o n tra ” a p ro d u ç ã o em p írica, e q u e isso
é, p a ra d o x a lm e n te , desejável. O conflito d á sen tid o p a ra a p esq u isa teó rica:

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é preciso olhar p ara um a teoria psicológica com o algo que instrui a atividade
de p sicólogos, q u e o rie n ta esco lh as m eto d o ló g icas e técnicas. C om isso, é
p reciso m a n te r n o h o riz o n te a n ecessid ad e d e a te o ria ser em p iric a m e n te
su ste n tad a p o r p e sq u isa s e in te re ssa d a em a sp ecto s “re a is” , p alp áv eis, exe­
quíveis, de m o d o q u e a p esq u isa teó rica , v o lta d a p a ra essa te o ria , n ã o p o ssa
se re su m ir a ela b o raç õ e s teó rica s vazias e inúteis. N esse sen tid o , é p reciso
re c o n h e c e r q ue m u ito do q ue vem se n d o p ro d u z id o sob a ru b ric a de p e s­
q u isa te ó ric a talvez p o ssa ser a b a n d o n a d o sem q u a lq u e r p re ju íz o p a ra a
psicologia; co m o já haviam c o n sta ta d o M achado, L o u re n ço , P in h e iro e Silva
(2 0 0 4 ) em u m exam e d e p u b licaçõ es p o rtu g u e sa s: “as an álises q ue eram
su p o sta s serem co n ceitu ais são, em geral, um a rep o siç ão (eclética) de a r­
g u m en to s e p o n to s de v ista de a u to re s diversos, co m o se da su a colo cação
em série no a rtig o em q u e stã o em erg isse, p o r g eração e sp o n tâ n e a , c lareza e
d istin ç ã o ” (p. 3 2 6 ).

Já d o lado d a p esq u isa em p írica, o c o n ta to co n flitu o so com a p esq u isa te ó ri­


ca evita o “e m p irism o b á rb a r o ”, q u e há algum te m p o difunde-se na ciência
em geral e na psicologia em especial (F u rlan , 2 012). T rata-se de a b a n d o n a r
a co n c ep ç ã o filosoficam ente in g ên u a de q u e a p ro d u ç ã o em p íric a é com ­
p leta m e n te isen ta de co m p ro m isso s filosóficos, sejam eles epistem ológicos,
ético-políticos e até m esm o ontológicos. C a b e ria à p e sq u isa te ó ric a ex p licitar
esses co m p ro m isso s, so b re tu d o q u a n d o eles são a p e n a s im plícitos n as p rá ­
ticas de p esq u isa e nas a tu a ç õ e s p ro fissio n ais. U m a rela çã o co n flitu o sa im ­
p ed e, ain d a , q u e a p e sq u isa e m p írica seja co m p le ta m en te se q u e stra d a pelo
“p ro d u tiv ism o ” acad êm ico , ou seja, p ela exigência de u m a p ro d u ç ã o m aci­
ça e acrítica de d ad o s ininteligíveis e in ú teis (M ach ad o , L o u re n ço , & Silva,
2 0 0 0 ). A lém do m ais, com o a rg u m e n ta m M ach ad o et al. (2 0 0 4 ), a co n fu são
co n ceitu ai, com a qu al lida a p e sq u isa teó rica , coloca em x eq u e a p ró p ria
cientificidade d o que está sen d o p ro d u z id o pela p esq u isa em p írica: “o valor
in co n to rn áv el de u m a análise co n ceitu ai dig n a de tal n o m e fica justificado
q u a n d o tem o s p rese n te q u e u m a e x p eriên cia c o n ceb id a em atm o sfera de
co n fu são co n ceitu ai jam ais m erece ser ad jetiv ad a de cien tífica” (M ach ad o et
al., 2 0 0 4 , p. 326).

D esse m od o , é p reciso n ã o a p e n a s re c o n h e c e r o co n flito e n tre p esq u isa s em ­


p írica e teó rica , m as prom ovê-lo. Isso p o d e se r feito p o r p o líticas científicas

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q u e estejam esclarecid as em relação a esse p o n to , re c u sa n d o a tra d içã o que


d efen d e u m a h a rm o n ia in ó cu a , em favor de u m diálogo con flitu o so , p o ré m
p ro d u tiv o . Assim, ag ên cias de fom ento d ev eriam b u sc a r algum eq u ilíb rio
en tre as d iferen tes fo rm as de p esq u isa, o q u e p o d e ria , em ú ltim a in stân cia,
refletir-se n a n a tu re z a d o s tra b a lh o s desenvolvidos em p ro g ra m a s de pós-gra­
d u ação . S o cied ad es científicas p o d e ria m c o n sid e ra r com o m eta o eq u ilíb rio
no s tra b a lh o s q u e se rã o a p re se n ta d o s em su as p ro g ra m aç õ e s. R evistas p o d e ­
riam in clu ir em su as políticas e d ito riais seções p a ra d iscu ssõ es te ó ric a s q u e
p o ssam lan ç a r desafios à p ro d u ç ã o em p írica.

A lém disso, é p reciso re e s tru tu ra r o m o d o com o está o rg a n iz a d a a fo rm ação


d e psicólogos. O s c u rso s de g ra d u a ç ã o d ev eriam g a ra n tir u m e q u ilíb rio e,
p rin c ip alm e n te , u m a a rticu la çã o en tre teo ria, ciência e a tu a ç ã o profissional,
ev itan d o a te o riz a ç ã o in ó cu a, a ciência in g ên u a e o tecnicism o acrítico. U m a
m an e ira de fazer isso é u s a r a p lu ralid ad e do cam p o psicológico a favor d a
fo rm ação , a p ro v eitan d o a d iversidade d a psicologia e suas m ú ltip las relaçõ es
com a ciência e com a filosofia p a ra c o n stru ir u m a fo rm a çã o te o rica m en te
c o e ren te, h isto ric a m e n te consciente de seus co m p ro m isso s filosóficos e con-
tex tu a liz ad a n a realid ad e e no s p ro b le m as c o n te m p o râ n e o s.

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se n tatio n s o f rad ical b e h av io rism in psychology tex tb o o k s. T h e B e h a v io r
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lhelm E ngelm ann. (T rab alh o orig in al p u b licad o em 1895.)

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Metodologia da pesquisa
conceituai em psicologia

C aro lin a L a u ren ti

C arlos E d u a rd o L opes

E m b o ra n ão seja suficiente p a ra c a ra c te riz a r a co m p lex id ad e de asp ecto s


q u e definem a p e sq u isa científica, o uso de m éto d o s co n trib u i p a ra d a r visibi­
lidade aos c ritério s q u e serv irão d e p e d ra de to q u e p a ra a fe rir a p lausibilida­
de das h ip ó te se s lev an tad as no d e c u rso da in v estigação científica, b e m co m o
a co n fiabilidade do s resu lta d o s obtidos. Isso é b a sta n te ev idente q u a n d o se
tra ta d e p e sq u isas em p íricas, pois, n esse caso , a ex p licitação d o itin e rá rio
m eto d o ló g ico é u m d o s p rin cip ais resp o n sáv eis p ela p rag m á tic a d a p esq u isa,
p e rm itin d o re p ro d u ç ã o , avaliação e ev en tu al c o rre ç ã o d o s re su lta d o s, p o r
d iferen tes p e sq u isa d o re s (K õche, 2 0 0 2 ).

Q u a n d o a p e sq u isa é d e n a tu re z a co n c eitu a i, a q u e s tã o d o m é to d o g e ra l­
m en te p e rd e d e s ta q u e , c o n d u z in d o à id eia de q u e esse tip o de p e sq u isa
s e ria re fra tá rio à d isc u ssã o de a sp e c to s m eto d o ló g ic o s. Isso , m u ita s vezes,
a c a b a re le g a n d o a p e s q u is a c o n c e itu a i a u m tip o de “ p e sq u isa m e n o r” e,
a lg u m a s v ezes, cria su sp e ita s q u a n to a o seu p ró p rio s ta tu s de p e s q u is a
(L a u re n ti, 2 0 1 2 ).

C o n sid e ra n d o esse p a n o ra m a , este ca p ítu lo p a rte d a id eia d e q u e a p e sq u i­


sa c o n c eitu ai a p re s e n ta u m a m eto d o lo g ia esp ecífica, o q u e g a ra n te n ã o a p e ­
n as se u s ta tu s de p e sq u isa , m as ta m b é m seu p a p e l n o d esen v o lv im en to d a
p sico lo g ia em geral (A bib, 1996; M ach a d o , L o u re n ç o , & Silva, 2 0 0 0 ; M a­
ch a d o & Silva, 2 0 0 7 ; P eto cz & N ew b ery , 2 0 1 0 ; T o u rin h o , C a rv a lh o N eto ,
& N en o , 2 0 0 4 ). U m a vez q u e a n o ç ã o de m eto d o lo g ia é m ais am p la q u e a
de m é to d o s e técn icas (cf. M inayo, 2 0 1 0 , p p . 4 3-44), o o b jetiv o d e ste c a p ítu ­

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lo é a p re s e n ta r u m p ro c e d im e n to m eto d o ló g ico p a ra p e sq u isa s co n ceitu ais


em psico lo g ia, co n te x tu aliza n d o -o em c a ra c te rístic a s b a sila re s d esse tip o de
p e sq u isa , co m o seu o b jeto de e stu d o , objetivo, níveis d e an álise, e sc o p o e
p re s s u p o s to s filosóficos.

C om isso n ão se p re te n d e esg o tar o assu n to , ta m p o u c o a p re s e n ta r u m a lei­


tu ra cabal do s co m p ro m isso s filosóficos d a p e sq u isa co n ceitu ai, ou d e lin e ar
u m a d efin ição a b so lu ta com p ro c e d im e n to s m eto d o ló g ico s definitivos. O
q u e se segue é u m a ten tativ a de siste m a tiz a r algum as reflexões e p ro p o sta s
de desen v o lv im en to de p e sq u isa co n ceitu ai em psicologia, de m o d o a ju s­
tificar su a im p o rtâ n c ia e, p rin c ip alm e n te , au x iliar no en sin o desse tip o de
p e sq u isa n a g ra d u a ç ã o e pó s-g rad u ação .

E spera-se que as d ire trize s m eto d o ló g icas, b em co m o as d iscu ssõ es a re sp e i­


to d a p e sq u isa co n ceitu ai tec id as n e ste livro, p o ssam ta m b é m ser ú teis ao
desen v o lv im en to das d iv ersas c o rre n te s e ram o s d a ciên cia psicológica, de
m o d o q u e a p u n g e n te c o n sta taç ã o de W ittg en stein (1 9 5 3 /1 9 7 5 ), “existem
n a p sicologia m éto d o s e x p erim en tais e co n fu sã o c o n c eitu a i” (p. 2 2 6 ), p o ssa
ser, ao m en o s, ate n u a d a .

1. Objeto, objetivo, níveis de análise e escopo


da pesquisa conceituai

O q u e é p e sq u isa c o n ceitu ai? U m a fo rm a de te n ta r re s p o n d e r a essa q u e s­


tão co n siste em , p rim e ira m e n te , d elim itar o o b jeto de estu d o desse tip o de
p e sq u isa . D e a c o rd o com M achado, L o u re n ç o e Silva (2 0 0 0 ): “investigações
co n ceitu ais sem p re são relativas a u m a te o ria p a rtic u la r” (p. 22), N o e n ­
ta n to , ao invés de d a r u m a resp o sta à p e rg u n ta inicial, isso coloca u m novo
q u e stio n a m e n to a in d a m ais com plicado: em q u e co n siste u m a te o ria e, em
especial, u m a te o ria psicológica? A q u e stã o é e sp in h o sa , p o is “ n a m aio r p a r­
te dos casos usa-se ‘te o ria ’ sem se definir o q u e se e n ten d e p o r esse te rm o
e confiando-se n u m a c o m p re e n sã o intuitiva do uso do v o c á b u lo ” (F e rra te r
M ora, 1 9 9 4 /2 0 0 1 , p. 2 8 5 2 ). Além disso, o te rm o te o ria p a rtic ip a de u m a
d iv ersid ad e de c o n tro v érsias filosóficas, co m o as d istin çõ es en tre te o ria e

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p rática , teo ria e práxis, ou teo ria e ação; as d iferen ças e se m elh an ças en tre
teo ria, p rin cíp io , lei e h ip ó te se ; a n a tu re z a e a e s tru tu ra d as te o ria s científi­
cas; a relação e n tre te o ria e fatos; o e sta tu to cognitivo das teo rias, e assim
p o r d ian te (cf. F e rra te r M ora, 1 9 9 4 /2 0 0 1 , p p . 2 8 5 1 -2 8 5 2 ).

U m a m an e ira d e n ão se c o m p ro m ete r com a d iscu ssão dessas dificuldades, o


q u e u ltra p a ssa ria o esco p o d e ste texto, é a d o ta r u m a definição m ais g en érica
d e te o ria com o “u m c o rp o co e re n te de co n h ecim en to s so b re u m cam p o de
o b je to s” (F e rra te r M ora, 1 9 9 4 /2 0 0 1 , p. 2 8 5 2 ). Assim, a te o ria psicológica
p o d e ria ser e n te n d id a com o u m co n ju n to de e n u n ciad o s verbais a resp eito
do cam p o psicológico (M achado, L o u ren ço , & Silva, 2 0 0 0 ). O s en u n ciad o s
v erb ais de u m a te o ria p sicológica c o m p õ em u m a tra m a co n ceitu ai o u u m a
red e de co n ceito s, que, espera-se, sejam a rticu la d o s e n tre si de m o d o c o e re n ­
te e n ã o c o n tra d itó rio , fo rn e c e n d o um a definição e explicação dos fen ô m e­
no s psicológicos. N a m ed id a em q u e a tra m a co n ceitu ai q u e co m p õ e u m a
te o ria é escrita , a te o ria psicológica p o d e ser c o n sid e rad a u m texto (Abib,
1996). D esse m o d o , a p e sq u isa c o n ceitu ai p o d e ser definida com o u m a in­
te rp re ta ç ã o d a te o ria ou texto psicológico.

P ara a c o n s tru ç ã o d essa in te rp re ta ç ã o , a p e sq u isa c o n c eitu ai p o d e a ssu m ir


d iferen tes níveis de an álise d a te o ria o u tex to p sicológico. E m u m nível
m ais re s trito , a in v estig ação c o n c eitu ai in te rro g a e in te rp e la a te o ria p sic o ­
lógica so n d a n d o “os co n c eito s n u c le a re s d a te o ria , seus significados e su a s
g ra m á tic a s ” (M ach ad o , L o u re n ç o , & Silva, 2 0 0 0 , p. 23). T rata-se de fazer
u m e sc ru tín io d a te o ria p sico ló g ica, ex p lic ita n d o as “ re g ra s ” q u e reg u la m o
u so de co n c eito s da te o ria em d iferen tes co n te x to s (M ach ad o , L o u re n ç o , &
Silva, 2 0 0 0 ; M a ch ad o & Silva, 2 0 0 7 ) l6. E m q u e co n sistiria , p o r exem plo, o
c o n c eito d e ex p e cta tiv a em u m a d a d a te o ria p sico ló g ica? A e lu c id ação do
u so d o c o n c eito p o d e m o stra r q u e e x p e c ta tiv a d escrev e re g u la rid a d e s na
su cessão e n tre ev en to s, se n d o fru s tra d a q u a n d o a re g u la rid a d e é in te rro m ­
p id a sem aviso p rév io (cf. M ach a d o , L o u re n ç o , & Silva, 2 0 0 0 , p. 24). R a ­
ciocínio se m e lh an te esten d e-se p a ra o e scla re c im e n to d o u so de m etáfo ras

16 É o caso de situ ar um conceito em um “jogo de linguagem " (W ittgenstein, 1953/1975} ou de


p ô r às claras o u so de conceitos psicológicos em u m a teoria, a exem plo d as análises de Ryle (1949}
de conceitos m entais.

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o u d e te rm o s o riu n d o s de d ife ren te s á re a s d e c o n h e cim e n to n a lin g u ag em


co m u m de u m a d a d a te o ria p sicológica (M ach ad o & Silva, 2 0 0 7 ).

A p e sq u isa co n c eitu a i p o d e p a rtir p a ra u m nível de an álise sistêm ico , m o s­


tra n d o , q u e em u m a te o ria , um d a d o co n ceito e stá asso c ia d o a o u tra s n o ­
ções ou co n c eito s, e q u e su a c o m p re e n s ã o exige ju sta m e n te a ex p licitação
d e ssa red e de relaçõ es. P or exem plo, u m a análise sistêm ica do tex to de
S k in n e r (1 9 6 9 ) in titu la d o C o m p o r ta m e n to O p e r a n te , m o stra q u e a elu cid a­
ção d o c o n ceito de c o m p o rta m e n to d e p e n d e d e o u tro s co n c eito s co rrela-
to s co m o ação , c o n se q u ê n c ia , a n te c e d e n te , classe, p ro b a b ilid a d e , re la ç ã o
fu n cio n al, co n tin g ên cia. A in d a n esse nível de a n á lise, o co n c eito p o d e ser
in v estig ad o em d iferen tes tex to s de u m m esm o a u to r, d a n d o v isibilidade às
su as ev en tu ais m u d a n ç a s e inflexões (isto é, su a evolução). C o n tin u a n d o o
exem plo, a ta re fa se ria so n d a r o co n c eito de c o m p o rta m e n to em d ife ren te s
tex to s de Skinner.

O u tro nível de an álise c o n c e itu a i se ria in te rp e la r o s co n c eito s p sico ló g ico s


com as c a te g o ria s da filosofia, d a n d o relev o às a fin id a d e s filosóficas do
n ú c le o c o n c eitu a i de u m a te o ria p sicológica. Isso p e rm itiria filiar o tex to
p sico ló g ico a c e rto s c o m p ro m isso s filosóficos, co m o d e te rm in a d a s m e ta ­
físicas (m e c an ic ísm o , p lu ra lism o , su b sta n c ia lism o ); ep iste m o lo g ia s (em p i­
rism o , in stru m e n ta lis m o , rea lism o ); te o ria s éticas (u tilita rism o , eg o ísm o
ético , h e d o n ism o ); id eo lo g ias p o líticas (a n a rq u is m o , lib eralism o , indivi­
d u a lism o , u to p ism o ), e assim p o r d ian te . N essa p e rsp e c tiv a d e a n á lise, p o ­
d em se r e v id e n c ia d a s, p o r exem p lo , a fin id a d e s d o c o n c eito sk in n e ria n o de
rela çõ e s fu n c io n a is co m u m a m etafísica m e c a n ic ista (M arr, 1993), e m b o ra
esse m esm o co n c eito já te n h a sid o a n a lisa d o em te rm o s d e u m a v isão de
m u n d o c o n te x tu a lista (M o rris, 1988). D o p o n to de vista ep iste m o ló g ic o ,
é p o ssív el d e s ta c a r te n d ê n c ia s re a lista s (S im an k e, 2 0 0 9 ) o u in s tr u m e n ta ­
listas (F u lg ên cio , 2 0 0 3 ) d a re d e c o n c e itu a i q ue c o m p õ e a m eta p sic o lo g ia
fre u d ia n a . Em re la ç ã o ao cam p o ético , o c o n c e ito de m o ra lid a d e de P iag et
já foi d isc u tid o em te rm o s de um “k a n tism o ev o lu tiv o ” (F re ita s, 2 0 0 2 ),
e m b o ra L a T aille (2 0 0 6 ) a rg u m e n te q u e a m o tiv aç ã o d a s a ç õ e s m o ra is n ã o
p o d e s e r c o m p re e n d id a em P iag et sem re fe rê n c ia a o c o n c eito de afetiv id a­
de - n e sse s e n tid o , a te o ria m o ra l p ia g e tia n a n ã o p o d e ria se r id en tificad a
in te g ra m e n te com a c o n c e p ç ã o d e K an t. N o â m b ito p o lítico , P a tto (1 9 8 4 ),

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se g u in d o u m a a n álise d e D e le u ze , c o n sid e ro u o b e h a v io rism o co m o um


in s tru m e n to de d o m in a ç ão , q u e o p e ra m a s c a ra n d o a h isto ric id a d e d a so­
c ie d a d e , p o r m eio d e u m a “b io lo g iz a ç ã o ” do co n c eito de c o m p o rta m e n to ;
e n q u a n to H o lla n d (1 9 7 8 ) d e scre v e u a fin id a d e s d essa m esm a te o ria com
v a lo re s so cialistas e rev o lu c io n á rio s.

M as o escla re c im e n to co n ceitu ai do texto tam b é m p o d e ad v ir de u m a análise


h istó ric a do s co n ceito s, já que eles, e o p ró p rio texto, e stão situ ad o s em u m a
d a d a é p o c a e cu ltu ra. N essa p ersp ectiv a analítica, o co n ceito é c o n te x tu a li-
z a d o em u m d a d o p e río d o h istó ric o o u em d iferentes p e río d o s. O tra b a lh o
de M icheletto (1 9 9 5 ) é u m exem plo de análise h istó rica d a red e co n ceitu ai
envolvida n a n o ção de ciên cia do c o m p o rta m e n to n a o b ra de Skinner. A
a u to ra m o stra u m a m u d an ça nessa red e co n ceitu ai en tre as d éc ad a s de 1930
e 1980, p o r in flu ên cia de d iferen tes m o d elo s de ciência (físico-quím ico e
biológico), que vigoravam nesse p e río d o . U m a análise h istó ric a m ais am pla
de um co n ceito é feita p o r C an g u ilh em (1 9 5 5 /1 9 7 5 ), ao d e screv er a traje­
tó ria do co n ceito de reflexo ao longo dos séculos X V II e X V III, in d ican d o
o m o m en to d e seu a p a re c im e n to (com T, W illis) e de su a fo rm u la ç ã o m ais
bem -acabada (com G . P ro ch ask a).

S itu ar o n ú cleo co n ceitu ai d o tex to em su a m o ld u ra h istó ric a significa ta m ­


b ém a c io n a r u m exam e d o Z e itg e is t e d a s visões de m u n d o q u e vigoravam
em u m a d a d a é p o c a, so n d a n d o u m a g a m a de asp ecto s: cu ltu rais, eco n ô m i­
cos, políticos, ideológicos, m etafísicos, éticos, estético s, e assim p o r d ian ­
te. P ara ta n to , a d im e n sã o h istó ric a d a p esq u isa co n ceitu ai “faz p e rg u n ta s
c o n tex tu ais e p ro c u ra re sp o sta s n a h istó ria in telectu al e c u ltu ral do te x to ”
(A bib, 2 0 0 5 , p. 54). Tais re sp o sta s p o d e m ser e n c o n tra d a s em div ersas fo n ­
tes, com o em “ au to b io g rafia e b io g rafias do a u to r d o tex to , em d o cu m en to s
(p o r exem plo, anais e resu m o s de co n g resso s, p a rtic ip a ç ã o em asso ciaçõ es
p rofissionais), c o rre sp o n d ê n c ia s e teste m u n h o s de colegas e discíp u lo s e até
m esm o n a investigação da o rie n ta ç ã o in telectu al de c o la b o ra d o re s ” (p. 54).

Assim, a p esq u isa co n ceitu ai, a d e p e n d e r de su as d im en sõ es de an álise,


envolve u m a an álise in te rte x tu a l, n a q u al são ex a m in ad a s as inter-relaçõ es
en tre tex to psicológico, p re ssu p o sto s filosóficos e co n tex to h istó ric o (Abib,
2 0 0 5 ). E sses d iferen tes níveis de an álise m o stra m q u e, d o p o n to de vista

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d a h istó ria , filosofia e sociologia d a s ciências, a p e sq u isa c o n c eitu ai p o d e


assu m ir c o n to rn o s m ais “in te rn a lis ta s ” , q u a n d o se v o lta e strita m e n te p a ra
u m a an álise d o u so de u m co n ceito , de su a r e d e co n ceitu ai, o u de seu s p re s ­
su p o sto s filosóficos. M as q u a n d o a b ra n g e tam b é m a an álise h istó ric a do s
co n ceito s, a p esq u isa co n ceitu ai p o d e a c ab a r o fu sc a n d o os lim ites en tre “in-
te rn a lism o ” e “e x te rn a lism o ” (cf. F e rra te r M ora, 1 9 9 4 /2 0 0 5 , pp. 9 8 5 -9 8 6 ).

T endo em vista as suas d iferen tes p o ssib ilid ad es de análise, u m a p e sq u isa


co n ceitu ai exige d o p e sq u isa d o r (o u in té rp re te do texto, co m o se rá d iscu tid o
ad ian te) u m a série de h ab ilid ad es. P or exem plo, ela re q u e r u m relativo d o ­
m ínio d a te o ria psicológica q ue se q u e r investigar. A d e p e n d e r d o esco p o d a
investigação p ro p o sta , m ais se rá m o b ilizad o do in té rp re te p a ra a p e sq u isa
co n ceitu ai. P ode ser d e m a n d a d o : (i) o e stu d o d e u m conceito em u m ú n ico
tex to de u m a u to r; (ii) a in v estigação de u m co n c eito em v ário s tex to s d e u m
m esm o a u to r; (iii) o exam e de dois o u m ais co n c eito s em u m o u v ário s tex­
tos de u m m esm o au to r. E m ca d a u m a d essas p ro p o sta s de e stu d o exige-se
u m g rau de fam iliarid ad e d istin to co m a te o ria psicológica sob investigação.
Em u m a p e sq u isa ain d a m ais am p la, n a q u al u m o u m ais co n ceito s se ria m
ex a m in ad o s em tex to s de d iferen tes au to re s, o in té rp re te te ria de d o m in a r
as te o ria s envolvidas n essa p ro p o s ta de p e sq u isa . S u p o n d o a in d a q ue algu­
m as te o ria s psicológicas p o d e m se r c o n sid e ra d a s científicas, é n e c e ssá rio
c o n h e c e r as d iscu ssõ es basilares em ciência p a ra situ a r m in im am en te o n ú ­
cleo co n ceitu ai em exam e nesse âm b ito , co m o a p ro b le m átic a dos d iferen tes
m odelos d e ciência (K õche, 2 0 0 2 ; S an to s, 1 9 8 7 /2 0 0 4 ).

C om o a p e sq u isa co n ceitu ai p o d e envolver tam b é m u m a in te rte x tu a lid a d e ,


o in té rp re te p rec isa n ã o só exibir u m razo áv el d o m ín io com re sp e ito à te o ria
psicológica de in teresse, m as tam b é m te r u m a fo rm a çã o m ín im a em filoso­
fia e h istó ria d as ciências. O e sclarecim en to filosófico d o c o n ceito envolve
o c o n h ecim en to d as categ o rias b asilares d a filosofia, q u e, p o r su a vez, são
p o lissêm icas, exigindo, p o r vezes, o re c u rs o à h istó ria d a filosofia p a ra su a
elu cid ação p re lim in a r (A bib, 1996). Já a an álise h istó ric a de co n ceito s p o d e
m o b ilizar algum as técn icas de investigação típicas d o h isto ria d o r, co m o o
escru tín io de d iferen tes tip o s de d o c u m e n to s (biografias, au to b io g rafias, c o r­
re sp o n d ê n c ia s, a n ais d e co n g resso s etc.). A d e p e n d e r d o nível de com plexi­
dad e d a investigação p re te n d id a , o p e s q u is a d o r c o n c eitu ai p rec isa, p o rta n to ,

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d e u m a fo rm a çã o p lu ra l, com o cien tista, filósofo e h isto ria d o r, de m o d o a


p ro p ic iar u m co n h e cim e n to suficiente p a ra e scla re c e r os d iferen tes sen tid o s
d o s co n ceito s d o tex to psicológico.

2. Compromissos filosóficos da pesquisa


conceituai: notas sobre interpretação

C om o ap resen tad o alhures, o objeto de estu d o de p esquisas conceituais em


psicologia é a teo ria psicológica ou, m ais especificam ente, o texto psicológico;
e o principal objetivo desse tip o de pesquisa é esclarecer os conceitos q ue com ­
p õ em esse texto. O p ro cesso de esclarecim ento d o significado d o texto p o d e ser
den o m in ad o interp re ta ç ão . Se isso for assim , então, o objetivo de u m a p esquisa
conceituai em psicologia seria p ro p o r u m a in terp retação d o texto psicológico.

A n o ç ã o de in te rp re ta ç ã o , c o n tu d o , envolve u m a v asta e ca lo ro sa discus­


são a re sp e ito de su a d efin ição (cf. E co, 1 9 9 2 /2 0 0 1 ; R ico eu r, 1 9 6 9 /2 0 0 3 ,
1 9 8 6 /2 0 0 2 ; V ito rin o , 2 0 0 6 ). A d e sp eito d essa co m p lex id ad e, se rã o discuti­
do s neste tex to a p e n as trê s sen tid o s em b lem ático s de in te rp re ta ç ã o , já q u e
eles p o d e m filiar a p e sq u isa co n ceitu ai a d iferen tes co m p ro m isso s filosóficos.

A co n c ep ç ã o m ais trad icio n al d e in te rp re ta ç ã o (e p o r vezes ain d a d efen d id a


em p e sq u isa s co n ceitu ais em psicologia) c o n sid e ra q u e in te rp re ta r é d e s c o ­
b rir a in ten ção d o a u to r d o texto; o sen tid o q u e ele quis d a r ao escrevê-lo.
A o rigem d e tal acep ção rem o n ta à ativ id ad e de exegese do s tex to s bíblicos,
q u e b u sc a p o r u m sen tid o V e rd ad eiro e, p o rta n to , ú n ico d esses tex to s (Ri­
coeur, 1 9 6 9 /2 0 0 3 ). N esse c o n tex to original, a justificativa p a ra d efin ir in te r­
p re ta ç ã o co m o d e sc o b e rta d o v e rd a d e iro sen tid o d o tex to é evidente: com o
o tex to sa g rad o é u m a rev elação divina, seu v e rd a d e iro a u to r é D eu s, cuja
n a tu re z a n ã o a d m ite e rro . L ogo, to d a e q u a lq u e r am b ig u id ad e e in co e rên c ia
devem -se às falhas d o in té rp re te , jam ais a o tex to com o tal, e m u ito m en o s
ao seu autor. Pode-se dizer, e n tã o , que o tex to é “fe c h a d o ” , o u seja, h á ap e­
n as u m significado ou itin e rá rio possível, c a b en d o ao in té rp re te descobri-lo,
trilh a n d o o cu rso in te rp re ta tiv o co rre to . U m a p esq u isa c o n c eitu ai o rie n ta d a
p o r essa c o n c ep ç ã o de in te rp re ta ç ã o p re ssu p õ e q u e o significado de u m con­
ceito está laten te n o texto, e s p e ra n d o q ue um in té rp re te q u alificad o o tra g a

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à to n a. Esse m o d o de c o n sid e rar a in te rp re ta ç ã o tra z consigo a in d a o u tra


ca ra c te rístic a clássica: a defesa d a a u to r id a d e , que, nesse caso, é o in té rp re te
qualificado p a ra d esv en d a r o v e rd a d e iro significado do te x to 17.

U m a d as críticas a essa co n c ep ç ã o clássica d e in te rp re ta ç ã o é q u e a “ desco ­


b e r ta ” do significado o rig in á rio d a o b ra o u d a in ten ção do au to r, em rela çã o
aos leito res de seu tem p o , é p ratica m en te im possível (Eco, 1 9 9 2 /2 0 0 1 ). O
leitor, ao in te rp re ta r u m tex to , o faz a p a rtir de su a p ró p ria h istó ria de vida
p e sso al e cultural, n ão p o d e n d o m ais c a p ta r to d a s as co n d içõ es q u e estav am
p rese n tes q u a n d o da gên ese d o texto. M esm o q ue essa d ificuldade p o ssa ser
c o n to rn a d a , p o r m eio de u m m ap e a m e n to exaustivo de fontes b io g ráficas e
au to b io g ráficas, ain d a resta c o n sid e rar a p o ssib ilid ad e de q u e o tex to n ão
seja co m p letam en te fech ad o a in te rp re ta ç õ e s diversas. Em o u tra s p alav ras,
m esm o q u e a in te n ç ão d o a u to r p o ssa ser c o n sid e ra d a , to m an d o -se p o r base,
p o r exem plo, u m relato au to b io g ráfico (a in te n ç ão d e c la ra d a do a u to r ao
red ig ir o tex to ), a in d a assim é possível q u e o tex to “ escap e ao co n tro le do
a u to r” , a b rin d o cam in h o s in te rp re ta tiv o s in icialm en te im previsíveis (Eco,
1 9 9 2 /2 0 0 1 ). N esse caso, a in te rp re ta ç ã o seria ilegítim a p o rq u e “n ã o foi isso
q u e o a u to r quis d iz e r”? O a u to r teria, p o rta n to , p rerro g ativ a n a avaliação
d a in te rp re ta ç ã o ? Será que o a u to r é isento de falh as? O u , a in d a , se rá q u e
o a u to r tem to tal co n tro le de seu tex to ? O u tra o b jeção , que d e c e rto m o d o
d e c o rre d esses q u e stio n a m e n to s, co n siste n a dificuldade de se to m a r u m a
decisão q u a n to a q u em d e sco b riu o v e rd a d e iro significado do texto: n a dis­
p u ta en tre d u as in te rp re ta ç õ e s co n flitan tes, a quem o u to rg a r a ch an cela da
in te rp re ta ç ã o v e rd a d e ira ? M ais ainda: co m o sab er q u a n d o se esg o ta ram as
p o ssib ilid ad es de sen tid o de u m tex to ? E ssas q u e stõ e s g eralm en te são term i­
n ad as com arg u m e n to s d e a u to rid a d e , su b screv en d o u m a p o s tu ra d o g m ática
na p e sq u isa co n ceitu ai. D essa p ersp ectiv a, o objetivo de um a investigação
conceitua] em psicologia seria e sclarecer o sen tid o do s tex to s buscando-se,
p o r exem plo, o “V erd ad eiro S k in n e r”, o “V e rd ad eiro F re u d ”, “o V erd ad eiro
W u n d t” , o “V e rd ad eiro Jam es”, e assim p o r diante. U m a vez d e sc o b e rto o
sen tid o v e rd a d e iro dos tex to s q u e c o m p õ em a o b ra de u m au to r, u m a “ fran ­

17 E m bora seja um a característica medieval, o princípio de au torid ade, p resente nesse m odo de
conceber a in terpre tação , d eco rre m ais d iretam en te d a m odern idad e. Isso p o rq u e, p arad oxalm en ­
te, ao m esm o tem po em que a m o d ern id ade criticou a au to ridade nas ciências naturais, continuou
aceitando-a c defendendo-a com o critério p a ra a validação de in terpretaçõ es de textos no âm bito
das ciências m orais (M artconda, 20 0 6).

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qu ia in te le c tu al” é p leitead a, c o n stitu in d o um a in te rp re ta ç ã o can ô n ica - o


que, m u itas vezes, c o n ta co m a “a p ro v a ç ã o ” do p ró p rio au to r, p o r m eio
d e elem en to s bio g ráfico s e au to b io g ráfico s q u e to rn a ria m a in te rp re ta ç ã o
legítim a. C o n se q u e n te m e n te , in te rp re ta ç õ e s u lte rio res d ev eriam se re p o rta r
a essa in te rp re ta ç ã o c a n ô n ica p a ra tra ta r d o s m esm os tex to s, reiteran d o -a e
jam ais colocando-a em xeque.

E m o u tro e x trem o , in te rp re ta r p a ssa a ser e n te n d id o com o o p ro c e sso de


in v e n ç ã o o u cria çã o de significados de u m texto. E ssa acep ção opõe-se em
v ário s a sp ecto s à ideia d e q u e in te rp re ta r é d e sc o b rir ou rev elar o significado
o c u lto d o texto. R e c o rre n d o às c a racterísticas irrem ed iav elm en te am bíguas
d a linguagem , arg u m en ta-se que tu d o q u e é d ito é passível de ser in te rp re ta ­
do de m o d o s d iv erso s e até m esm o c o n tra d itó rio s (cf. R ico eu r, 1 9 8 6 /2 0 0 2 ).
D esse m o d o , assum e-se q u e o a u to r d o tex to n u n c a tem co n tro le de to d a s as
p o ssib ilid ad es de significação p o r p a rte d o se u in té rp re te (Eco, 1 9 9 2 /2 0 0 1 ).
O tex to seria, p o rta n to , in fin itam en te ab e rto : o sen tid o de u m tex to n u n ­
ca p o d e ria se r e stab elecid o de u m a vez p o r to d as. C om efeito, declara-se a
“m o rte do a u to r” . Isso q u e r d iz e r q u e a “ a u to rid a d e ” d o a u to r é su b stitu íd a
pela lib e rd ad e do in té rp re te , pois é a p e n a s a leitu ra d o in té rp re te q u e d a rá
sen tid o ao texto. N o e n ta n to , n ã o se exige aq u i u m “in té rp re te q u alificad o ” ;
q u a lq u e r leitu ra é, em p rin cíp io , válida. Em ú ltim a in stân cia, esse m o d o de
c o n c eb e r a in te rp re ta ç ã o ta m b é m ac ab a p o r p ro m o v er a “m o rte do te x to ” ,
pois ele ag o ra é c o n sid e rad o tão flexível e m aleável q u a n to for o p ro ce sso
in te rp re ta tiv o do leitor. O texto seria vazio, su c u m b in d o p a ssiv am en te à ati­
v idade criativa do in té rp re te .

U m a das p rin c ip ais críticas a essa p ro p o sta é ju sta m e n te a ênfase e x ag erad a


no leito r o u in té rp re te (Eco, 1 9 9 2 /2 0 0 1 ). A qui, a in te rp re ta ç ã o p a re c e re­
p o u s a r ú n ica e exclusivam ente no p ro ce sso de im ag in ação do leitor. D esse
m o d o , fica difícil e n c o n tra r c rité rio s p a ra d ecisão q u a n to à ad eq u ab ilid a-
de de u m a d a d a in te rp re ta ç ã o . Se a p rim e ira c o n cep ção de in te rp re ta ç ã o
é ex clu d en te, h a v en d o a p e n a s u m a ú n ica in te rp re ta ç ã o possível, a seg u n d a
é d e m a siad o inclusiva: q u a lq u e r in te rp re ta ç ã o seria a d e q u a d a . A ssum indo
q ue o tex to é in d efin id am en te a b e rto em su as p o ssib ilid ad es in te rp re ta tiv a s
perde-se, p o r co n seg u in te, a ideia de que ex istam in te rp re ta ç õ e s in c o rre ta s
o u eq u iv o cad as. D essa p e rsp ectiv a, o objetivo d a p esq u isa co n ceitu ai seria

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p ro life rar d iferen tes significados possíveis d o s tex to s de F re u d , de Skinner,


d e W u n d t, de Jam es etc. H á , p o is, tan to s “ F re u d s ” , “ S k in n e rs” , “W u n d ts ”
e “Jam es” q u a n to forem seu s in té rp re te s. A lém disso, n ã o p a re c e h av er lu­
g ar p a ra d isp u ta o u co n tro v é rsia, p o is com o n ã o h á c rité rio p a ra avaliação
d essas div ersas in te rp re ta ç õ e s, as c o n tra d iç õ e s q ue e v e n tu a lm e n te su rg irem
en tre elas n ã o p o d e rã o ser e n fre n ta d a s. E m o u tra s p a la v ras, as co n tra d iç õ e s
to rn am -se im a n e n te s ao p ro c e sso in te rp re ta tiv o , d e ix a n d o d e ser u m p ro b le ­
m a. E ssa co n c ep ç ã o ab re o flanco p a ra o co m p leto relativ ism o na p e sq u isa
co n ceitu ai, e p a ra todos os p ro b le m as ad v in d o s d esse p o sic io n a m e n to , co m o
a falta de u m a avaliação rig o ro sa d a s in te rp re ta ç õ e s p ro p o sta s. P or o u tro
lado, tam b é m p o d e ser o casião p a ra o ecletism o n a p e sq u isa conceituai:
com o n ã o h á c ritério d e exclusão en tre in te rp re ta ç õ e s, p ro p o sta s in co n sis­
ten tes o u c o n tra d itó ria s e n tre si p o d e m se r c o m b in a d a s livrem ente, com a
justificativa de se co n fe rir u m a n ova in te rp re ta ç ã o d a o b ra d e u m autor.

U m a te rc e ira p o ssib ilid ad e, m ais afin a d a co m as p ro p o siç õ e s d este cap ítu ­


lo, e n te n d e q u e in te rp re ta r é c o n s tr u ir u m significado n a in ter-relação en tre
au to r, leito r e tex to (Eco, 1 9 9 2 /2 0 0 1 ). A n o ç ã o d e c o n s tru ç ã o opõe-se à
ideia d e que in te rp re ta r é d e sc o b rir u m significado laten te. D e ssa p e rs p e c ­
tiva, se ria im p ro c ed e n te b u sc ar, p o r m eio de u m a in v estigação co n ceitu ai,
o “V e rd a d eiro S k in n e r”, o “V erd ad eiro F re u d ” , o “V e rd a d eiro W u n d t” , o
“V erd ad eiro Jam es” . A d e p e n d e r d o tip o de fonte em q u e se b a seia a in te r­
p re ta ç ã o , com o n o caso d e c o rre sp o n d ê n c ia s, biografias e au to b io g rafias, é
até possível e n c o n tra r evidências d a in te n ç ão d o a u to r p a ra escre v e r o tex to ,
m as isso n ã o é a ú ltim a p alav ra. O tex to p e rm a n e c e a b e rto a in te rp re ta ç õ e s
que u ltra p a sse m a in te n ç ão d o a u to r, o u seja, o tex to p o d e d iz e r m ais d o
que o a u to r q u is d iz e r (Eco, 1 9 9 2 /2 0 0 1 ; R ico eu r, 1 9 6 9 /2 0 0 3 , 1 9 8 6 /2 0 0 2 ).
N esse p o n to , adm ite-se q ue h á u m a c o n trib u iç ã o p o sitiv a d o in té rp re te : ele
p o d e c o n stru ir sen tid o s p o r m eio de diversas rela çõ e s tex tu a is (biográficas,
au to b io g ráficas, filosóficas, e c o n ô m icas, sociológicas, an tro p o ló g ic a s etc.).
Assim, o p ro c e sso de in te rp re ta ç ã o p o d e filiar o tex to a tra d içõ e s de p e n s a ­
m en to , co m p ro m isso s filosóficos, d iscu ssõ es p o líticas e o u tro s fato res que
fo ram invisíveis ao a u to r d o texto, m as q u e n e m p o r isso são m en o s p o ssí­
veis. C o m o d iscu tid o a n te rio rm e n te , a d e p e n d e r d o b a c k g r o u n d filosófico e
c u ltu ra l d o in té rp re te , o tex to p sic o ló g ic o p o d e se r a n a lisa d o e m d ife re n ­
tes níveis. P o r o u tro lad o , isso n ã o significa q u e q u a lq u e r in te rp re ta ç ã o é

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p e rm itid a , pois o tex to estab elece lim ites in tran sp o n ív eis, a p a rtir dos quais
é possível id en tificar e rro s ou eq u ív o co s in te rp retativ o s (Eco, 1 9 9 2 /2 0 0 1 ).
Assim , o tex to exibe c e rta au to n o m ia em relação ao seu au to r, m as tam b é m
em rela çã o a o leitor, que n ã o está a u to riz a d o a “fo rçar u m a in te rp re ta ç ã o ” ,
ou seja, a a p re s e n ta r u m a in te rp re ta ç ã o sem o devido a m p a ro tex tu al, u m a
“ s u p e rin te rp re ta ç ã o ” (Eco, 1 9 9 2 /2 0 0 1 ). E m o u tra s p alav ras, o texto é a b e r­
to a u m a p lu ra lid a d e de in te rp re ta ç õ e s, m as n ã o a q u a lq u e r in te rp re ta ç ã o .

O lim ite e n tre “v á ria s ” e “q u a lq u e r” é d a d o p o r c ritério s de avaliação de


u m a in te rp re ta ç ã o em term o s de: (Í) co n sistên cia lógico-filosófica (se é isenta
de co n tra d iç õ e s, falácias o u eq u ív o co s filosóficos); (ii) n a tu re z a d as fontes
(se são fontes p rim á ria s, o riu n d a s de ed içõ es confiáveis); (iii) ap o io tex tu al
(se é p ossível id en tificar c la ram e n te as p a rte s d o texto que justificam a in­
te rp re ta ç ã o p ro p o sta ); (iv) ap re c ia ç ã o crítica d a c o m u n id a d e a cad êm ica (se,
d ep o is de p u b licad a, a in te rp re ta ç ã o p ro p o sta resiste às críticas), e n tre o u ­
tro s. C om isso, in te rp re ta ç õ e s confiáveis p o d e m ser alc a n ç ad a s e p e rd u ra rã o
até q u e in te rp re ta ç õ e s m ais fiáveis, de a c o rd o com c rité rio s estab elecid o s,
sejam a p re se n ta d a s.

Em su m a, p o r m ais q u e a p e sq u isa c o n c eitu a i p o ssa, g e n e rica m e n te , ser


d efin id a co m o o p ro c e sso de in te rp re ta ç ã o de tex to s, a re la ç ã o co m o o b ­
je to de e stu d o (o tex to psicológico) g a n h a m atizes d istin to s a d e p e n d e r d a
c o n c ep ç ã o de in te rp re ta ç ã o q u e o rie n ta a in v estig ação . C o n h ecer, m in i­
m a m e n te , as p rin c ip a is d iscu ssõ es a re sp e ito d a n o ç ã o de in te rp re ta ç ã o é
im p o rta n te , n ã o só p a ra q u e se p o ssa c o m p re e n d e r m elh o r o p ro c e sso de
in v estig ação co n c eitu a i, m as p a ra av aliar su a a d e q u a ç ã o e o p a p e l de seu s
p ro c e d im e n to s m eto d o ló g ico s.

3. Diretrizes metodológicas da pesquisa


conceituai

U m a vez d e sc rito s objetivo, o b jeto , níveis d e an álise, esco p o e c o m p ro m isso s


filosóficos d a p e sq u isa co n ceitu ai, é o m o m e n to de a p re s e n ta r u m a p ro p o sta
de p ro c e d im e n to p a ra a rea liz a ç ão d e ste tip o d e p e sq u isa . C e rta m en te , tra ­
ta-se d e u m a p ro p o sta , h av en d o , p o rta n to , o u tra s possíveis. Vale m en c io n ar

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que to d o p ro c e d im e n to m eto d o ló g ico só faz sen tid o q u a n d o situ a d o em u m a


p ro p o sta de p e sq u isa . C om o q u a lq u e r o u tro tip o de investigação científico-
-acadêm ica, u m a p esq u isa co n ceituai p rec isa ser d e scrita nos m oldes de u m
p ro je to de p esq u isa.

E m lin h as gerais, u m p ro je to de p e sq u isa é u m d o c u m e n to sin tético (cerca


de vinte laudas), q u e ex p õ e u m p lan o d e a ç ão p a ra q u e se avalie a relevância
e a viabilidade d e sua execução. U m p ro je to de p e sq u isa n ã o é, p o rta n to , a
p e sq u isa p ro p ria m e n te d ita, m as u m a p ro p o s ta d e in vestigação acerc a d e
u m a p ro b le m átic a específica. H á d iferen tes m odelos de p ro je to de p esq u isa,
e que v ariam conform e a in stitu ição n a q u al se rá re a liz a d a a investigação.
In d e p e n d e n te m e n te de algum as esp ecificid ad es, um p ro je to de p e sq u isa
a p re se n ta alguns elem en to s b ásico s, q ue são d efinidos co n fo rm e a lógica de
cada tip o de pesquisa,

A e la b o raç ã o d e u m p ro je to de p e sq u isa co n ceitu ai segue estes m esm o s p a ­


râm etro s: p assa pela escolha d o a ssu n to , p ela d e lim itação de u m tem a e p ela
fo rm u lação d e u m a p e rg u n ta de p e sq u isa . Com b ase n esses elem en to s, os
dem ais asp ec to s de um p ro je to , com o a in tro d u ç ã o , o s o bjetivos, a justificati­
va d a p esq u isa, o m éto d o e o c ro n o g ra m a de ex ecu ção p o d e m ser redigidos.
U m a d e scriçã o p o rm e n o riz a d a de com o e la b o ra r u m p ro je to de p e sq u isa
p o d e ser e n c o n tra d a em d iferen tes livros e m an u a is de m eto d o lo g ia científi­
ca (e.g., K óche, 2 0 0 2 ; L akatos & M arco n i, 2 0 0 3 ; M inayo, 2 0 1 0 ; S everino,
2 0 0 0 ; V olpato, 2013). C o m o a p e sq u isa co n ceitu ai tam b é m segue as d ire tri­
zes lógico-form ais de u m a p e sq u isa científico-acadêm ica, as co n sid e raç õ e s
sobre co m o e la b o ra r u m p ro je to d e p esq u isa p o d e m ser d ev id am en te a ju sta ­
das a u m p ro b le m a de p e sq u isa de n a tu re z a conceituai.

C o n tu d o , u su a lm e n te , é n a seção de m éto d o q u e su rg em as p rin cip ais dúvi­


das q u a n d o se te n ta e la b o ra r u m p ro je to de p e sq u isa co n ceitu ai. O m éto d o
d e m a rca , o p e ra c io n a lm e n te, qu al é o c a m in h o investigativo que se rá trilh a d o
p a ra a o b te n ç ã o d as in fo rm açõ es n e cessárias p a ra se re s p o n d e r ao p ro b lem a
de p esq u isa ou p a ra atingir os objetivos. C om o isso p o d e ser feito n o caso
de u m a p esq u isa c o n c eitu ai? C o n sid e ra n d o a n ec essid ad e de se m o strar, de
m o d o m ais sistem ático , com o lid ar com o o bjeto de estu d o de u m a p e sq u i­
sa co n ceitu ai (o texto psicológico), será a p re se n ta d a u m a d escrição d e um
p ro c e d im e n to de c o n stru ç ã o de in te rp re ta ç õ e s d e textos, Esse p ro ce d im e n to

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p o d e ser a p licad o com ca d a u m d o s tex to s que fo ram escolhidos co m o o b jeto


de investigação da p esq u isa. P o r isso, a n te s de an a lisar os tex to s de a c o rd o
com as d ire triz e s d esse p ro c e d im e n to , é p reciso d iscu tir co m o selecioná-los.

3.1. Seleção dos textos

U m a investigação co n ceitu ai p recisa lid ar com o tex to d o a u to r em su a lín­


g u a original. Isso p o rq u e “n e m sem p re as tra d u ç õ e s fazem ju stiça ao p e n sa ­
m en to d o a u to r” (Eco, 1 9 7 7 /2 0 1 0 , p . 18). E xistem im p o rta n te s im plicações
teó rica s d o u so de d e te rm in a d o s te rm o s n as tra d u ç õ e s, co m o se verifica n a
celeu m a em to rn o da tra d u ç ã o d o c o n ceito de T r ie b p a ra in s tin to o u p u ls ã o
em tex to s psican alítico s de F re u d (cf. E stêvão, 2 0 1 2 ; H o n d a , 2011). Em o u ­
tro s casos, algum as tra d u ç õ e s p o d e m d e ix a r lacu n as em rela çã o a o texto
p rim á rio , com o é o caso d a tra d u ç ã o p a ra o p o rtu g u ê s de T h e T e c h n o lo g y o f
T e a c h in g d e S kinner, n a q u al n ão c o n stam , n a tra d u ç ã o b rasileira (cf. Skin-
ner, 1 9 6 8 /1 9 7 2 , p. 169), alg u n s trech o s (cf. S kinner, 1 968, p. 180). O u tro
p ro b le m a consiste n a o m issão de p alav ras o u te rm o s, co m o da p a rtíc u la n e ­
gativa n a tra d u ç ã o p a ra o p o rtu g u ê s de u m a frase d o livro V erbal B e h a v io r ,
m u d an d o c o m p letam en te o sen tid o o riginal (cf. S kinner, 1 9 5 7 /1 9 7 8 , p. 4 8 ).

P o r esses e o u tro s p ro b le m as, reco m en d a-se q u e a p esq u isa co n ceitu ai lide


com fontes p rim á ria s, o u de “p rim e ira m ã o ” , n o caso, o tex to d o a u to r n a
sua língua v ern ácu la. T r a d u ç ã o , com o diz Eco (1 9 7 7 /2 0 1 0 ), n ã o é se q u e r
fonte: “é u m a p ró te se , com o a d e n ta d u ra o u os ó cu lo s, um m eio de atin g ir de
fo rm a lim itad a algo q u e se ach a fora d o a lc a n c e ” (p. 39). R e se n h a s, análises
ou d iscu ssõ es e la b o rad a s p o r c o m e n ta d o re s são fo n tes se c u n d á ria s (Eco,
1 9 7 7 /2 0 1 0 ). A p e sq u isa co n ceitu ai req u e r, p o rta n to , o d o m ín io de algum a
língua e stra n g eira q u a n d o o tex to psicológico, alvo de ex am e, for e sc rito em
u m id io m a d istin to d aq u ele do in té rp re te . Se a leitu ra d o tex to n a língua ori­
ginal do a u to r for realm en te inviável, u m a alte rn a tiv a seria b u sc a r tra d u ç õ e s
c o m e n tad a s e c o n h e ce r as rec e n sõ e s so b re as tra d u ç õ e s d o s co n ceito s m ais
im p o rta n te s do tex to , m an te n d o se m p re n o h o riz o n te su as lim itaçõ es p a ra
um a investigação conceituai.

O p ro c e d im e n to de seleção dos tex to s d e u m a p e sq u isa co n ceitu ai d e p e n ­


d e rá tam b é m do esco p o d a investigação. P o r exem plo, se se tra ta d e u m

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texto de um ú n ico autor, do co n fro n to en tre dois o u m ais textos de u m autor,


d a relação e n tre tex to s de d iferen tes a u to re s, e assim p o r d ian te . D e p e n d e
ta m b é m d o nível d e an álise p rete n d id o : u so d e u m co n ceito , re d e co n ceitu ai,
co m p ro m isso s filosóficos, co n te x to h istó rico .

A d e sp eito disso, a escolha das fontes sem p re será o rie n ta d a pelo p ro b lem a
de p esq u isa: que texto ou co n ju n to de tex to s p o d e ria m c o n te r as in fo rm a­
ções n e c essá ria s p a ra se alcan çar o objetivo d a p esq u isa ? Em p rim e iro lugar,
é p reciso faz e r u m lev a n tam e n to da(s) o b ra(s) do(s) a u to r(es) do(s) tex to (s)
an alisad o (s). E ssa in fo rm a ç ã o p o d e ser e n c o n tra d a c o n su lta n d o artig o s es­
pecíficos, índices d e o b ra s co m p letas, ed içõ es críticas e o u tra s fo n tes q u e
a p re se n ta m u m a lista d o s tra b a lh o s p u b lic a d o s d o a u to r 18. Vale re s s a lta r q u e
e v e n tu alm en te a lista de p u b licaçõ es de u m a u to r é a tu a liz a d a com tex to s
q u e tin h a m sido ig n o rad o s em u m p rim e iro m o m en to , p o rta n to , é im p o rta n ­
te levar isso em co n sid e raç ã o ao b u s c a r essa in fo rm ação .

C om o a e la b o raç ã o de u m p ro je to de p e sq u isa c o n ceitu ai já su p õ e algum a


fam iliarid ad e com a o b ra do au to r, a lista d e tra b a lh o s p u b lic a d o s p o d e aju­
d a r a avaliar se os textos inicialm ente c o n sid e rad o s p a ra e la b o ra r a p esq u isa
são suficientes e a d e q u a d o s p a ra os objetivos p ro p o sto s. A lém disso, a lista
d e o b r a s p o d e s e r e m p re g a d a p a r a ju s tific a r a e s c o lh a d e u m te x to e s p e c í­
fico do a u to r, m o s tr a n d o q u e se t r a ta d e u m te x to e m b le m á tic o p a r a u m
p e r ío d o d a o b ra , o u q u e m arc a u m a tra n siç ã o im p o rta n te , e assim p o r d ia n ­
te. N o caso de p e sq u isa s co n ceitu ais h istó ric a s, o lev a n tam e n to d as o b ras de
u m a u to r p o d e ain d a a ju d a r a d ecid ir co m o o p e ra r re c o rte s cro n o ló g ico s e
o u tra s q u e stõ e s esp ecíficas d esse nível de análise.

N o caso de p e sq u isa s co n c eitu a is q u e u tiliz a rã o u m livro o u co n ju n to de


livros de um a u to r, h á u m p ro c e d im e n to su p le m e n ta r p a ra a seleção do s
textos. A m aio ria d o s livros em lín g u a e stra n g e ira (infelizm ente n o Brasil
isso é ra ro ) tra z , ao final, u m a lista d o s p rin c ip a is c o n ceito s tra ta d o s no
livro, co m a resp ectiv a p ag in ação . T rata-se d o índice rem issivo o u in d e x do

18 Alguns exem plos dessas fontes são: a bibliografia com entada de W illiam Jam es (M cD erm ott,
1977); a G e s a m m e lte W e r k e de S. F reud (Freud, Bibring, H offer, Kris, & Isakow er, 1952); os ar­
tigos de C a rra ra (1 992) e de Andery, M icheletto c S ério (2 0 0 4 ) sobre os trabalhos publicados de
B. F. Skinner.

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liv ro 19. A lém d e ser u m re c u rs o b a s ta n te ü til p a ra a seleção de tex to s em


u m livro - in d ic a n d o em q u ais cap ítu lo s o conceito é tra ta d o a b u sc a p o r
co n ceito s em ín d ices rem issivos p e rm ite a c o n stru ç ã o de u m a re d e concei­
tuai. Isso q u e r d iz e r que co m a b u sc a n o s in d e x e s é possível a m p liar o nível
d e an álise d e u m a p e sq u isa de u m co n c eito p a ra u m c o n ju n to de co nceitos
q u e e sta ria m in ter-relacio n ad o s n a o b ra d o autor.

3.2. Procedimento de interpretação conceituai de


texto: conceituação e etapas

U m a vez definidos q u a is textos serão an alisad o s d u ra n te a execução d a p es­


quisa, é p re c iso d escrev er com o e ssa análise será feita. D e a n te m ão , vale
re ssa lta r que, d iferen tem en te do q u e aco n tece com m u itas p e sq u isas em pí­
ricas, a d escriçã o de p ro ce d im e n to s m eto d o ló g ico s em p e sq u isa co n ceituai
n ão te m a fu n ção de g a ra n tir a rep ro d u tib ilid a d e do s re su lta d o s. T rata-se,
isto sim , d e m o stra r a m a n e ir a co m o u m a p ro p o sta de in te rp re ta ç ã o foi cons­
tru íd a , o itin e rá rio in te rp re ta tiv o , a b rin d o a p o ssib ilid ad e de críticas q ue
a p o n te m falhas nesse p ro ce sso , que, se co rrig id as, cu lm in a ria m em u m a in­
te rp re ta ç ã o altern ativ a.

O P r o c e d im e n to d e I n te r p r e ta ç ã o C o n c e itu a i d e T e x to (PIC T ) é u m a m a n e i­
ra d e c o n s tru ir in te rp re ta ç õ e s e, p o r ta n to , p ro d u z ir m a te ria l p e rtin e n te ao
d esen v o lv im e n to d e p e s q u is a s de n a tu re z a c o n c eitu a i. D o m o d o c o m o se rá
a p re s e n ta d o , o PIC T e stá v o lta d o p a ra a an á lise d o u so d e u m c o n c e ito o u
d a re d e c o n c e itu a i de u m te x to p sico ló g ico , além de au x ilia r n a id en tifica ­
ç ã o de se u s c o m p ro m isso s e a fin id a d e s filosóficos. O p ro c e d im e n to n ã o
a b a rc a , p o r ta n to , a d im e n sã o h istó ric a d a an álise c o n c e itu a i, q u e p o d e se r
v islu m b ra d a a c re sc e n ta n d o -se alg u m as d ire triz e s d e s c rita s no c a p ítu lo A
in v e s tig a ç ã o h is tó r ic a d e te o r ia s e c o n c e ito s p s ic o ló g ic o s : b r e v e s c o n s id e r a ­
ç õ e s m e to d o ló g ic a s .

O P IC T é c o m p o s to p o r q u a tr o e ta p a s , se n d o c a d a u m a d e la s s u b d iv id id a
em p a s s o s . U m a d e s c riç ã o s u m á ria e e s q u e m á tic a d e s te p ro c e d im e n to

19 Q u a n d o for possível acessar u m livro em form ato eletrônico, a consulta ao índice rem issivo
pode ser sub stitu íd a p o r u m a b u sca d ireta pelos conceitos no co rp o do texto, em pregando recursos
com o "C T R L + F ” ou m ecanism os de b usca de aplicativos p ara leitura de e-bo ok s.

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s e rá a p re s e n ta d a a seg u ir. P a ra ilu s tra r d e m o d o c o n c re to c a d a p a sso ,


ao fin al d e ssa c a r a c te r iz a ç ã o o le ito r e n c o n tr a r á u m e x em p lo d e re g is­
tro s p r o d u z id o s p e la a p lic a ç ã o d o PIC T ao te x to T h e s c o p e o f p s y c h o l o g y
(O e s c o p o d a p sic o lo g ia ), d e W illiam Jam es ( 1 8 9 0 /1 9 5 5 ) . Isso n ã o q u e r
d iz e r q u e a a n á lise c o m p le ta d e sse te x to s e rá d e s c r ita a q u i o u q u e u m a
in te r p r e ta ç ã o a c a b a d a se rá a p re s e n ta d a ao fin a l (o q u e e v id e n te m e n te
e x c e d e ria os lim ite s e os o b jetiv o s d e s te c a p ítu lo ); tra ta-se a p e n a s de
u m r e c u rs o d id á tic o p a r a m o s tr a r c o m o a p lic a r o p r o c e d im e n to em u m
“ te x to r e a l” .

P rim eira e tap a: lev a n tam e n to dos p rin c ip ais co n ceito s d o texto

E sta e ta p a co n siste em listar os p rin cip ais co n ceito s c itad o s n o tex to e de­
fini-los p au tan d o -se no p ró p rio texto. O p ro b le m a de p esq u isa é o q u e es­
tab elece, em u m p rim e iro m o m en to , se u m co n ceito é “p rin c ip a l” o u “se­
c u n d á rio ”. C o m o a e ta p a exige q u e os co n ceito s listad o s sejam definidos
pelo p ró p rio tex to - o que deve ser feito d e m o d o literal dim inuem -se as
ch an ces d e u m a “s u p e rin te rp re ta ç ã o ” , a o m esm o te m p o em q u e c u m p re o
c ritério d e ap o io tex tu al d a in te rp re ta ç ã o co n stru íd a .

A e ta p a subdivide-se em q u a tro passos:

Passo 1: grife e en u m ere, no texto, os conceitos e d o u trin as (psicológicas, fi­


losóficas) que julgar im p o rta n te (o p a râ m etro desse julgam ento é o pro b lem a
de pesquisa: diferentes p ro b lem as de p esq u isa d em arcam conceitos distintos);

Passo 2 : ten te e n c o n tra r a d efin ição de cad a co n ceito e d o u trin a n o p ró p rio


texto. Isso significa reg istra r tu d o aquilo que foi d ito sobre cad a co n ceito e
d o u trin a , em to d a s as p a rte s do texto. As vezes, o a u to r reto m a o co n ceito
em d iferen tes m o m en to s do tex to , a c re sc e n ta n d o o u tro s elem entos. E p rec i­
so ficar a te n to a esse m o vim ento;

Passo 5 : anote todos os resu ltad o s, ou seja, tran sc re v a as definições en tre


asp as, citan d o a(s) página(s) (p.) e o(s) parágrafo(s) (§) no s quais elas p o d em
ser fu tu ra m e n te localizadas. P ara tan to , n u m ere to d o s os p arág rafo s do texto;

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Passo 4 : faça u m a lista d o s co n ceito s e d o u trin a s cujas definições n ã o foram


e n c o n tra d a s n o texto. Se um d esses co n ceito s “in d efin id o s” fo r p rio ritá rio
p a ra o seu p ro b le m a de p esq u isa, isso in d ica q u e o texto n ã o é a p ro p ria d o e,
p o rta n to , você terá q u e re c o rre r a o u tro s tex to s d o m esm o au to r. N o caso de
d o u trin a s “in d efin id a s” , você deve b u sc ar definições em o b ra s de referên cia,
com o d icio n ário s específicos (de psicologia, filosofia etc.) o u co m p ên d io s
(de epistem o lo g ia, de ética, d e m etafísica20). A note a definição e reg istre que
ela foi e n c o n tra d a em o u tra fonte, diferen te do texto. Isso se rá im p o rta n te
p a ra avaliar, p o ste rio rm e n te , se o a u to r d o tex to está c o n sid e ra n d o o u n ão
essa “ d e fin ição -p ad rão ” .

S eg u n d a eta p a : c a ra c te riz a ç ã o d as teses d o texto

E sta e ta p a tem o objetivo de a p re s e n ta r o tex to em te rm o s de su a e s tru tu ra


co n ceitu ai, ex p licitan d o a a rtic u la ç ã o de teses. U m a tese é u m a a firm ação
q u e o a u to r faz em rela çã o a um d e te rm in a d o assu n to , do qual p a rtic ip a m o s
co n ceito s lev an tad o s n a p rim e ira eta p a . A articu la çã o d a s teses d o tex to se
d á em term o s de: i) te se s tr a d ic io n a is - a firm açõ es feitas p o r o u tro s a u to res,
teo rias ou d o u trin a s, e q u e se rã o d iscu tid as e criticad as p elo a u to r d o texto;
ü) c rític a s - os p ro b lem as que o a u to r do texto m en cio n a em rela çã o às teses
trad icio n ais; iii) te se s a lte r n a tiv a s - a(s) p ro p o sta (s) do a u to r p a ra su b stitu ir
as teses trad icio n ais c riticad as e v itan d o seus p ro b lem as.

A p rim e ira c o n trib u iç ã o d e sta e ta p a é e x p lic ita r o p o s ic io n a m e n to d o a u ­


to r em re la ç ã o ao s c o n c e ito s in v estig a d o s, in d ic a n d o em q u e s e n tid o s são
d e fe n d id o s e c ritic a d o s. A lém d isso , a id e n tific a ç ã o d a e s tr u tu r a c o n c ei­
tu a i de u m tex to ev ita u m d o s eq u ív o c o s in te rp re ta tiv o s m ais g ro sse iro s:
d iz e r q u e u m a u to r e stá d e fe n d e n d o a q u ilo q u e ele c ritic a , o u vice-versa
(o q u e é e n te n d id o , a q u i, c o m o c o n fu n d ir tese tra d ic io n a l co m te s e al­
te rn a tiv a ). E sta e ta p a ta m b é m p e rm ite u m a a v aliação crítica d o a u to r,
id e n tific a n d o , p o r ex em p lo , o u so d e a rg u m e n to s re tó ric o s fala cio so s p a ra

2 0 Alguns exem plos dessas o b ras de re fe re n d a s pod em ser encontrados no capítulo A inv e stig a ç ã o
h istó ric a d e teo rias e c o n c e ito s p sic ológ ic os: brev es c o n sid e ra ç õ e s m e to d o ló g ic a s.

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fra g iliz a r a d v e rs á rio s , eq u ív o c o s c o m e tid o s em re la ç ã o a d o u trin a s e te o ­


ria s c ritic a d a s , e assim p o r d ian te . P o r fim , e s ta e ta p a ta m b é m p e rm ite
q u e u m “p e rf il” do a u to r seja e sb o ç a d o , id e n tific a n d o a d v e rs á rio s (d o u ­
trin a s c o n s id e ra d a s r e p r e s e n ta n te s d a s te s e s tra d ic io n a is ), c o m p ro m isso s
e a fin id a d e s filo só fico s (a u to re s o u d o u trin a s q u e são lis ta d a s , a o lad o d o
p r ó p rio a u to r, c o m o r e p r e s e n ta n te s d a s te s e s a lte rn a tiv a s ), e se u estilo
a rg u m e n ta tiv o (se e stá p re o c u p a d o m ais em a p re s e n ta r c rític a s, se faz
ju stiç a a o s a d v e rs á rio s , se te m p r o p o s ta s e x p líc ita s etc.).

A e ta p a subdivide-se em q u a tro passos:

P asso 1: escreva as teses trad icio n ais (TT) citad as no tex to , id en tifican d o a
p a rtic ip a ç ã o de co n ceito s e d o u trin a s listad o s n a e ta p a an te rio r. E im p o rta n ­
te, n e ste p asso , d efin ir as teses trad icio n ais com base no tex to , a te n ta n d o
p a ra com o o a u to r as a p re se n ta ou define (co n sid ere o que foi d e scrito n a
e ta p a a n terio r);

P asso 2 : escreva as críticas (C) dirig id as às teses trad icio n ais (quais p ro b le ­
m as d e c o rre m da a d o ção das teses trad icio n ais?);

P asso 5 : escrev a as teses a lte rn a tiv a s (TA) p ro p o sta s p e lo a u to r d o tex to com


b ase n a crítica (verifique se au to re s, d o u trin a s o u te o ria s são cita d o s co m o
p re c u rso re s d e ssa p ro p o sta ; n esse caso , n ã o se e sq u eça de c o n sid e ra r as
defin içõ es d a p rim e ira e tap a);

P asso 4 : a g ru p e em c a teg o rias tem á tic as a a rticu la çã o e n tre teses so b re um


m esm o assu n to . D ê u m títu lo q u e ilu stre de fo rm a clara essa c a teg o rização .

O b serv ação : se n e sta e ta p a você id en tificar alg u m a tese (tra d ic io n a l o u al­


tern ativ a) q u e m en cio n a co n ceito s o u d o u trin a s que n ã o fo ram listad o s n a
p rim e ira e ta p a , volte a ela e te n te defini-los.

T erceira etap a: e la b o raç ã o de esq u em a s

E sta e ta p a c o n siste em r e p r e s e n ta r n a fo rm a d e fig u ra s e /o u d ia g ra m a s ,


as re la ç õ e s e n tre te s e s tra d ic io n a is , c rític a e te se s a lte rn a tiv a s id en tifi­

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c a d a s n a e ta p a a n te rio r. O s e s q u e m a s a ju d a m a v is u a liz a r a e s tr u tu r a
a rg u m e n ta tiv a d o te x to , id e n tific a n d o re la ç õ e s e n tre c o n c e ito s, d o u trin a s
e te o ria s , b e m c o m o e v e n tu a is la c u n a s e e q u ív o c o s c o m e tid o s p e lo a u to r.
A id eia é q u e o e sq u e m a seja c a p a z d e s u b s titu ir o tex to o rig in a l, de m o d o
q u e su a v isu a liz a ç ã o seja su fic ie n te p a ra se fala r o u e sc re v e r so b re o tex to
sem v o lta r a ele.

Passo ú n ic o : faça u m esq u em a g eral d o texto p a ra ev id en ciar sua e stru tu ra


conceituai. Isso p o d e ser feito n a fo rm a de tó p ico s ou de d iag ram as/flu x o -
g ram a s com setas, q u a d ra d o s e o u tra s figuras.

Q u a rta eta p a : sín tese in te rp re ta tiv a

O objetivo d e sta e ta p a é re a liz a r u m a síntese d a s rela çõ e s co n ceitu ais cons­


tru íd a s a o longo d as e ta p a s a n te rio re s. T rata-se de p ro d u z ir u m tex to inter-
p retativ o p au tan d o -se p rin c ip alm e n te n o s e sq u em a s ela b o rad o s n a E ta p a 3.
Se for n e cessário c o n su lta r a to d o m o m en to o tex to o rig in al, talvez seja o
caso de re fa z e r as eta p a s do p ro ce d im e n to . A ideia é q u e o p e s q u is a d o r te ­
n h a fam iliarid ad e com o texto sob investigação, sem , c o n tu d o , repro d u zi-lo ,
no sen tid o de tra n sc re v e r suas p a rte s. P o rta n to , o texto deve ser escrito com
linguagem e estilo p ró p rio s, d iscu tin d o o tex to orig in al, valendo-se, q u a n d o
for o p o rtu n o , de citaçõ es d iretas, q u e p o d em ser acessad as no s reg istro s da
p rim e ira e ta p a d o m éto d o . Esse novo texto deve c o n tem p lar as lacu n as, as
afinidades filosóficas, bem com o o u tro s elem en to s q u e fo ram identificados
ao longo do p ro ce d im e n to .

3.2.1. Exemplo de registros produzidos pela aplicação do


Procedimento de Interpretação Conceituai de Texto (PICT)

Texto: lam e s, W. (1 9 5 5 ). T h e esco p e o f psychology. In R. M. H u tc h in s (E d.),


G r e a t b o o k s o f th e w e s te r n w o r ld ( V o i 5 3 ) - T h e p r in c ip ie s o f p s y c h o lo g y
(pp. 1-7). C hicago: E n cy clo p aed ia B rita n n ic a . (T ra b a lh o orig in al p u b lic a d o
em 1890.)

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P rim eira etap a: lev a n tam e n to do s p rin cip ais co n ceito s d o texto

• Psicologia: “ciência d a vida m en tal, ta n to de seus fen ô m en o s q u a n to de


su as c o n d iç õ e s” (p. 1, § 1). A psicologia p recisa c o n sid e ra r p ro ce sso s c o rp o ­
rais, em especial os cerebrais: “ certa q u a n tid a d e de fisiologia cereb ral p reci­
sa ser p re ssu p o sta ou in clu íd a n a p sico lo g ia” (p, 3, § 6).

• Fenômenos da vida mental: “ são aq u elas coisas que ch am am o s de senti­


m en to s, desejo s, cognições, racio cín io s, d e c isõ e s” (p. 1, § 1). Q u a n d o con­
sid erad o s su p erficialm en te, “su a v a rie d ad e e com plexidade é ta m a n h a q ue
c o n d u z o o b se rv a d o r a u m a im p re ssã o c a ó tic a ” (p. 1, § 1).

• Condições da vida mental: “a fa c u ld a d e [m e n ta l] n ã o e x iste d e m a n e ir a a b ­


soluta, m a s fu n c io n a so b certas c on d iç õ es; e a b u sc a d e ssa s c o n d iç õ e s torna-se a
tarefa de m aior interesse do psicólogo” (p. 2 , § 3, itálicos do autor). O funcio­
n am en to cerebral é um a das condições da vida m ental (cf, p. 2, § 5; p. 3, § 6):
“p o rtan to , experiências corporais, e m ais especificam ente experiências cere­
brais, precisam estar entre aquelas condições d a vida m ental que a psicologia
deve levar em consid eração ” (p. 3, § 6), A relação com o m u n d o ou am biente
é outra condição da vida m ental; refere-se à psicologia p ro p o sta p o r H erb ert
Spencer: “na qual a essência d a vida m ental e da vida co rp o ral são a m esm a, ou
seja, ‘ajustam entos internos a relações e x tern as’” (p. 4, § 9), e “m entes h ab itam
am bientes que agem sobre elas e aos quais elas reagem p o r sua vez” (p. 4, § 9).•

• Teoria espiritualista: re p re se n ta n te s “te o ria o rto d o x a d a esco lástica” e


“ senso c o m u m ” (p. 1, § 1). M o d o de unificar os fen ô m en o s m entais: classifi­
cação (cf, p. 1, § 1), “ e, em seguida, ligar os diversos m o d o s m en tais, assim
d esco b e rto s, a u m a en tid ad e sim ples, à alm a p esso al, d a qu al eles são to m a ­
dos co m o m an ifestaçõ es de suas v árias fa c u ld ad e s” (p. 1, § 1). Ao c o n tra sta r
com o asso ciacio n ism o , subentende-se que p a ra essa te o ria o s e l f ou o ego
de u m ind iv íd u o é u m a “fonte p ree x iste n te d e re p re s e n ta ç õ e s ” (p. 1, § 1).
As facu ld ad es (com o cognição e m em ó ria) são co n sid e rad a s p ro p rie d a d e s
ab so lu ta s d a alm a (cf. p. 1, § 2). N ão co n seg u e explicar os fen ô m en o s m en ­
tais (rem in iscên cias, efeitos da febre e d ro g as so b re a m em ó ria etc.), su p õ e
aquilo que p recisa ser explicado (a p rio ri), “há algo d e g ro tesco e irracio n al
na su p o sição de q u e a alm a é e q u ip a d a com p o d e re s e le m en ta re s d e u m a en-
g en h o sid ad e tão com plexa. [...] Tais p e c u liarid ad e s p a re c e m co m p letam en te
fan tásticas; e, co m o q u a lq u e r coisa c o n sid e rad a a p r io r i, p o d e ria m ser preci-

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sam en te o p o sta s ao q u e s ã o ” (p. 2 , § 3). O e sp iritu a lista p recisa c o n sid e rar


as co n d içõ es c e re b ra is (cf. p. 3, § 6).

• A ssociacionism o: re p re se n ta n te s “ H e rb a rt n a A lem an h a, H u m e, M ills [Ja­


m es e J. S tu art] e B ain na In g la te rra ” ; “ c o n stru íra m u m a p s ic o lo g ia s e m u m a
a l m a ” (p. 1, § 1, itálicos d o au to r). M o d o de u n ificar os fen ô m en o s m entais:
“b u sc a r e lem en to s c o m u n s n o s diversos fatos m en tais, a o invés de b u sc a r
u m ag en te co m u m a trá s deles, e explicá-los c o n stru tiv a m e n te p elas v árias
fo rm a s d e a rra n jo de seus e le m e n to s” (p. 1, § 1, itálicos d o au to r). E ssas
fo rm as de a rra n jo devem -se a p rin c íp io s de asso ciação “to m a n d o ‘ideias*
d iscretas, fra c a s o u vívidas, e m o stra n d o co m o , p o r su a co esão , rep u lsão
e fo rm as d e su cessão , coisas com o rem in iscên cias, p e rc e p ç õ es, em o çõ es,
volições, p aix õ es, te o ria s e to d o o resto d e u m a m obília de u m a m en te indi­
vidual p o d e m ser e n g e n d ra d a s ” (p. 1, § 1). O s e l f o u o ego n ã o é fo n te, m as
p ro d u to das re p re se n ta ç õ e s (cf. p. 1, § 1). In tro d u z a o rd e m n a ex p e riên c ia
a p a rtir do m u n d o ex tern o , com a ideia de cópia: “a d a n ç a d as ideias é u m a
cópia, u m p o u c o m u tilad a e a lte ra d a , da o rd em d o s fen ô m e n o s” (p. 2 , § 5).
N o en ta n to , isso n ã o é suficiente p a ra explicar o m o d o de fu n cio n am en to
d a vida m ental: “A sim ples existência de um fato p a ssa d o n ã o é m otivo p a ra
no ssa lem b ran ça d e le ” (p. 2, § 5). A explicação d a o rd e m d a vida m en tal
deve a d m itir o p ap el d as co n d içõ es cereb rais, algo n eg ligenciado pelo s asso-
ciacionistas: “m as a m ín im a reflexão m o stra q u e os fen ô m en o s n ã o têm ab­
so lu ta m e n te n e n h u m p o d e r d e in flu en ciar n o ssas ideias, p elo m en o s até q u e
te n h a m im p re ssio n a d o p rim e iro nossos sen tid o s e n o sso c é re b ro ” (p. 2, § 5).

• C rité rio de “ m e n ta lid a d e ” (ou p re se n ç a de c a p acid ad es o u facu ld ad es


m entais): “a b u s c a d e f i n s fu tu r o s e a e s c o lh a d e m e io s p a r a s u a re a liz a ç ã o
sã o , a s s im , a m a r c a e o c r ité rio d a p r e s e n ç a d e m e n ta lid a d e e m u m f e n ô m e n o ”
(p. 5, § 15, itálicos d o au to r).

S eg u n d a e ta p a : c a ra c te riz a ç ã o d as teses do texto

S o b r e e x p lic a ç õ e s d a v id a m e n ta l

T T I : T eoria e sp iritu a lista : a vida m en tal é p ro d u to de facu ld ad es ab so lu tas


d a alm a.

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C: N ão é ca p az de ex p licar co m o os fen ô m en o s m en ta is afetam u n s aos


o u tro s nem co m o co n d içõ es co rp o ra is in te rfe re m n o s fen ô m e n o s m en tais;
recai em explicações ab so lu tas (ap rio rísticas); d e sco n sid e ra a condicionali-
dad e da vida m ental.

T A l : As fa c u ld a d e s n ã o e x istem d e m a n e ira a b s o lu ta (in d e p e n d e n te ), m as


d e p e n d e m d e c e rta s c o n d iç õ e s (o c o n ta to co m o m u n d o e o fu n c io n a m e n ­
to c e re b ra l).

T T 2: T eo ria asso c ia cio n ista : a vida m en tal é p ro d u to d o c o n ta to com o m u n ­


do ex tern o , q u e é d u p licad o na fo rm a de ideias e c o m b in a d o p o r p rin cíp io s
de associação.

C: A p re sen ta dificuldades em ex p licar a o rd e m d a vida m en ta l (ap en as


p o stu la q u e a o rd em d a ex p eriên cia é c o p ia d a d a o rd em d o m u n d o ); n ã o
co n seg u e ex p licar p o r q u e co n d içõ es c o rp o ra is in te rfe re m n a ex p eriên cia
(p o r exem plo, q u a n d o febre ou fadiga in te rfe re m n a c a p acid ad e cognitiva
o u m n em ó n ica).

TA 2: A psicologia deve c o n sid e ra r o c é re b ro (cereb ralism o ) co m o u m dos


co n d icio n an tes d a vida m ental.

Im p lic a ç õ e s d e s s a s e x p lic a ç õ e s p a r a a d e fin iç ã o d o e s c o p o d a p s ic o lo g ia

T T 1 : A psicologia seria o e stu d o d a m en te em si m esm a (esp iritu alism o ) o u


da m en te em relação co m o m u n d o e x te rn o (asso ciacio n ism o ).

C: O u a psicologia d e sco n sid e ra co m p le ta m en te a c o n d icio n alid ad e d a vida


m en tal (esp iritu alism o ), o u c o n sid e ra a p e n a s u m a d as c o n d içõ es d a vida
m en tal (m u n d o ex te rn o ). A m bas as v e rsõ es de psicologia d e sco n sid e ra m o
fu n cio n a m e n to cerebral.

T A l: A psicologia p rec isa re c o n h e c e r e e stu d a r os c o n d icio n an tes d a vida


m en ta l (algo q u e p re c e d e e que su c ed e os fatos m entais). E sses c o n d icio n an ­
tes devem ser b u sc ad o s no a m b ien te e x te rn o e n o fu n cio n a m e n to cereb ral.
A psicologia é o e stu d o d a vida m en tal n a su a re la ç ã o com o m u n d o e x te rn o

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e o fu n cio n a m e n to cereb ral. N essa relação , a vida m en tal o p e ra esco lh en d o


m eios p a ra atin g ir fins fu tu ro s (crité rio de “m en ta lid a d e ” ).

T erceira e tap a: e la b o raç a o de e sq u em as

S o b r e a e x p lic a ç ã o d a v id a m e n ta l e o e s c o p o d a p sic o lo g ia

Q u a rta eta p a : síntese in te rp re ta tiv a

C o m o e x p licitad o n o p ró p rio títu lo , n e sse tex to , Jam es d isc u te o e sc o p o


d a p sico lo g ia, o u seja, o a lcan ce e o s lim ites d e ssa ciên cia. P a ra ta n to , ele
in icia a p re s e n ta n d o d u a s fo rm a s tra d icio n a is de ex p licação d a v id a m en tal.

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A p rim e ira delas é o esp iritu alism o , cujos re p re s e n ta n te s são a escolástica


e o se n so co m u m . E ssa d o u trin a e n te n d e a vida m en ta l com o u m co n ju n to
de facu ld ad es a b so lu tas de u m a alm a. A seg u n d a fo rm a de ex p licação tra d i­
cional é o associacionism o, cujos re p re se n ta n te s são H e rb a rt, H u m e, Jam es
M ill, John S tu a rt M ill e Bain. E ssa d o u trin a c o n sid e ra a vida m en ta l um a
có p ia d o m u n d o ex te rn o , o rg a n iz a d a p o r p rin cíp io s associativos. D e a c o rd o
com Jam es, am b as as p ro p o sta s falh am p o r n ã o a d m itir u m dos p rin c ip ais
co n d ic io n an te s d a vida m ental: o fu n cio n a m e n to cereb ral. N esse sen tid o , a
p ro p o sta é q u e a psicologia seja d efinida co m o o e stu d o d a s relaçõ es e n tre
vida m en tal, fu n cio n a m e n to c e re b ral e o m u n d o e x te rn o . A vida m ental o p e ­
ra ria esco lh en d o m eios p a ra atin g ir fins fu tu ro s, o que Jam es c o n sid e ra o
c rité rio de “ m e n ta lid a d e ” (o indicativo d a p re se n ç a de vida m ental).

3.3. Sistematização dos resultados


4

C o n sid e ra n d o q u e u m a p esq u isa co n ceitu ai g e ralm en te envolve u m co n ju n to


de textos (de u m m esm o a u to r o u de d iferen tes au to re s), ca d a tex to anali­
sado de a c o rd o com o PIC T d a rá origem a u m a síntese in te rp re ta tiv a . D es­
se m o d o , será n e c essário a rticu la r to d o o m aterial p ro d u z id o na fo rm a de
u m tex to final, cuja o rg an iz aç ã o (em cap ítu lo s o u co m o u m ú n ico en saio )
d e p e n d e rá d o nível da p e sq u isa (iniciação científica, m o n o g rafia, d isse rta ­
ção, tese), d a d im en são de investigação co n ceitu ai p ro p o sta e do volum e de
m aterial p ro d u zid o . O objetivo desse tex to final é re s p o n d e r à p e rg u n ta de
p esq u isa, d a n d o elem en to s p a ra to rn a r a re s p o s ta confiável.

4. Considerações finais

E ste cap ítu lo p ro c u ro u m o stra r q u e o tra b a lh o co n ceitu ai p o d e ser consi­


d e ra d o um a m o d alid ad e g en u ín a de pesq u isa. P ara ta n to , foram in d icad o s
seu o b jeto (o tex to psicológico), objetivo (co n stru ir um a in te rp re ta ç ã o de
textos psicológicos), níveis de análise (análise do u so de u m conceito, da
red e co n ceitu ai, de co m p ro m isso s filosóficos, e do co n tex to h istó ric o ), esco ­
p o (estu d o de um co n ceito em u m ú n ico tex to de u m autor, investigação de
u m co n ceito em v á rio s textos d e u m m esm o au to r, exam e de dois o u m ais

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co n ceito s em v ário s tex to s de u m m esm o a u to r, co te jar um o u m ais concei­


to s em tex to s de diferen tes a u to res) e p re ssu p o sto s filosóficos (vinculados
à n o ç ã o de in te rp re ta ç ã o ). F oram tam b é m a p re se n ta d a s algum as d ire triz e s
m eto d o ló g icas, m ais esp ecificam en te, u m p ro c e d im e n to de in te rp re ta ç ã o de
textos (PIC T), que p o d e ser útil na ela b o raç ã o e ex ecu ção de u m p ro je to de
p e sq u isa co n ceitu ai, ta n to em nível de g ra d u a ç ã o q u a n to de p ós-graduação.
À se m elh an ça de p e sq u isas científico-acadêm icas de o u tra n a tu re z a , as d ire ­
triz es m eto d o ló g icas d e um a p e sq u isa c o n ceitu ai n ã o devem ser co n sid e ra ­
das um co n ju n to fixo e rígido de passo s. T rata-se, tão som ente, de explicitar
a m a n e ira com o os re su lta d o s d a p e sq u isa fo ram alcançados.

A lém de u m a explicitação m eto d o ló g ica, um a p e s q u is a c o n c e itu a i p rec isa


p ro d u z ir co n h e cim e n to novo, re sp o n d e n d o a u m a p e rg u n ta de p esq u isa.
P o rta n to , tra b a lh o s co n ceitu ais q ue se re su m e m a rep etiçõ es, afirm a n d o
aq u ilo que já se sabe, com p alav ras d iferen tes, n ã o seriam p ro p ria m e n te
p e sq u isas. N esse sentido, a m ed io c rid a d e de algum as an álises co n ceitu ais,
so m a d a à falta de tra n sp a rê n c ia em relação aos p ro c e d im e n to s m etodológi­
cos (ou, em alg u n s casos, a fran ca inexistência de tais p ro ce d im e n to s), con­
trib u e m p a ra q u e a investigação co n ceitu ai co n tin u e n ã o sen d o reco n h ecid a
com o um tip o legítim o d e p e sq u isa acadêm ica.

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Fontes de confusão conceituai


na psicologia

José A n tô n io D a m ásio A bib

F az d ife re n ç a a d is tin ç ã o e n tr e c o n fu s ã o c o n c e itu a i e e s c la re c im e n to c o n ­


c e itu a i? T ra ta -s e , a p a re n te m e n te , d e u m a in d a g a ç ã o e x tra v a g a n te , p o is,
a fin a l, n ã o é su fic ie n te m o s tr a r q u e h á d ife re n ç a ? M as, a p e s a r d iss o , ela
faz s e n tid o , p o is a d ife re n ç a p o d e s e r in sig n ific a n te , to la e sem valor.
C o n v é m o b s e rv a r, c o n tu d o , q u e e s tá im p líc ito n e s sa p e rg u n ta q u e e sse s
c o n c e ito s são d ife re n te s , o q u e n ã o é d e to d o ó b v io , p o is p o d e m o s su s­
p e ita r q u e p re d o m in e a c o n fu s ã o c o n c e itu a i e q u e , m ais c e d o o u m ais
ta r d e , o d e s tin o d e to d o e s c la re c im e n to c o n c e itu a i seja o d e te r m in a r em
tal c o n fu s ã o . Se a ssim for, a ta re fa d e s o n d a r d ife re n ç a s e n tre e s s e s d o is
c o n c e ito s s e ria c o m o a d e Sísifo: a b s u rd a , trá g ic a e, em ú ltim a a n á lis e ,
sem e s p e r a n ç a 21.

Esse cen ário evoca u m c o m en tário de W ittg en stein so b re a psicologia. O filó­


sofo escreve n a con clu são de suas In v e s tig a ç õ e s F ilo só fic a s que n ã o é p o r ser
u m a ciência jovem q u e a psicologia é co n fu sa e á rid a , m as sim p o rq u e n a “ psi­
cologia existem m éto d o s e x p erim en tais e c o n fu s ã o c o n c e itu a i” {W ittgenstein,
1 9 5 3 /1 9 8 8 , p. 2 3 2 ). A p a re n te m e n te , do p o n to de vista d e W ittgenstein, a

21 P or tan tas razõ es, p o r seu d esp rezo aos deuses, p o r su as paixões, p o r seu am or à vida e ódio
à m orte, Sísifo foi co n den ad o pelos deuses ‘‘a e m p u rra r sem descanso um ro chedo até ao cum e
de um a m o n tan h a, de onde a p e d ra caia de novo em con seq u ên cia de seu p e so ” (C atnus, 1942, p.
161). C am us co m enta q u e os deuses “ tinham pen sad o , com algum a razão, q u e não h á castigo mais
terrível do que o trabalh o inútil e sem esp era n ça” {p. 161). C am us assinala ainda que a tarefa de
Sísifo (além de ser ab surd a) é trágica, a p a rtir d o m om ento em que ele se to rn a consciente de seu
destino. Sísifo é o “cego que deseja ver e que sabe que a noite não tem fim ’’ (p. 166). M as cabe
lem b rar q u e Sísifo “ está sem pre em m arc h a” (p. 166), hum ilhado, m as tam bém revoltado: Sísifo, o
m o rtal que d esp reza os deuses, p o d e a b an d o n ar sua tarefa ab su rd a e trágica.

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con fu são co n ceitu ai seria in eren te à psicologia, u m d estin o ao q u al ela estaria


c o n d e n ad a m esm o q u a n d o vier a ser u m a ciência m a d u ra 22.

O q u e ju stificaria a an álise co n ceitu ai n a psicologia se W ittg en stein


(1 9 5 3 /1 9 8 8 ) tiv er ra z ã o ? Q u al seria o sen tid o de ta l análise se tu d o te rm in a
em co n fu sã o co n ceitu ai? U m a an álise d essa n a tu re z a n ã o se ju stificaria visto
q u e ela e sta ria c o n d e n a d a p o r p rin cíp io . A p rim e ira vista, a o b se rv a ç ã o de
W ittg en stein p resu m e a u n id a d e d a ciência, p o is diz q u e o e sta d o da psico­
logia “n ã o é co m p aráv el, p o r exem plo, co m o d a física em se u s p rim ó rd io s ”
(p. 2 3 2 ). D esd e os seu s p rim ó rd io s, a física seria u n itá ria e, p o r essa razão ,
e sta ria a salvo, n ã o só da m u ltip licação de m é to d o s e x p erim en tais, co m o
tam b é m da c o n fu são conceituai; ao p a sso q u e, d esd e o s seu s p rim ó rd io s, a
psicologia n ã o teria u n id a d e e, p o r essa ra z ã o , teria m é to d o s e x p e rim en tais
e co n fu sã o conceituai; e será esse o seu fado, m esm o q u a n d o se to rn a r u m a
disciplina p ro v ecta. A tarefa d a análise co n ceitu ai n a psicologia seria a tarefa
de Sísifo: ab su rd a , trág ica e sem e sp eran ça.

P odem os d isc o rd a r de W ittg en stein (1 9 5 3 /1 9 8 8 ) com o a rg u m e n to de que a


análise co n ceitu ai p o d e co n trib u ir p a ra d irim ir co n fu sã o c o n c eitu ai n o âm ­
b ito d as tra d içõ e s de p e sq u isa de u m a disciplina, cuja u n id ad e esteja sem ­
pre ou q u a se sem p re sob su sp eita, co m o p a re c e ser o caso d a psicologia,
bem co m o p a ra , g rad u a lm e n te, p ô r às claras as b a ses de u m a co n fu sã o m ais
com plexa, e ressa lta r, d esse m o d o , a ten sã o s u b s p e c ie a e te r n ita tis en tre o
esclarecim en to e a d o c ta ig n o ra n tia . T odo e sclarecim en to co n ceitu ai é p ro ­
visório, n ã o p o d e m o s n o s ac o m o d a r; n o h o riz o n te ag u ard a-n o s a co n fu são
co n ceitu ai, o le itm o tiv , enfim , e bem -vindo, d a an álise co n ceitu ai.

Se W ittg e n stein ( 1 9 5 3 /1 9 8 8 ) tem ou n ã o ra z ã o n o q u e se refe re à rela çã o


en tre a falta de u n id a d e d e u m a d iscip lin a e a co n fu sã o co n c eitu a i, u m a
re la ç ã o q u e, a p a re n te m e n te , está im plícita em seu c o m e n tá rio , n ã o é u m a
q u e stã o q u e n o s in te re ssa aq u i. Seja p o rq u e p o d e m o s colocá-la em dúvi­
d a de a n te m ã o , p e rg u n ta n d o , p o r ex em p lo , se n ã o h á o u se n u n c a h ouve
co n fu sã o c o n c eitu a i na física, b e m co m o em o u tra s d iscip lin as, p o r exem ­
plo, n a q u ím ica, na fisiologia, n a biologia (F ey erab en d , 1 9 7 5 /2 0 0 7 ; K uhn,

22 Q u a n d o os filósofos q u erem a to rm e n ta r os psicólogos eles freq u en tem en te citam esse co m en ­


tá rio d e W ittg enstein. Em seu tom bem -hu m o rad o , o pro fesso r B ento P rado |r. jam ais perdia
u m a o p o rtu n id a d e .

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1 9 6 2 /2 0 1 1 ). Seja p o rq u e a p sicologia n ã o tem rea lm e n te u n id a d e e o q ue


nos in te ressa é p re c isa m e n te so n d a r alg u m as c o n fu sõ es c o n ceitu ais relacio ­
n ad a s co m essa p lu ra lid a d e .

1. Tradições e versões
#

A psicologia m o d e rn a su rg iu dividida co n fo rm e d u a s co n cep çõ es d iferen ­


tes d e ciência psicológica: os p ro jeto s de W u n d t (1 9 1 2 /1 9 7 3 ) e de Jam es
(1 8 9 2 /2 0 0 9 ). E ssa cisão o rig in al proliferou-se em v árias tra d içõ e s de p e sq u i­
sa a p resen tan d o -se cada qual co m o revolução psicológica com o in tu ito de
co n q u ista r a tão alm ejad a u n id a d e da disciplina. E n tre ta n to , n ã o só o c a rá te r
rev o lu cio n ário d essas tra d içõ e s tem sido co lo cad o sob su sp eita, co m o tam ­
b ém , e p o r d e c o rrê n cia , a cren ça de q u e os d e rro ta d o s p o r tais rev o lu çõ es te­
n h am sido rea lm e n te d e rro ta d o s , p o is o q u e o b serv am o s p o r to d a a p a rte é a
“vigência dos d e rro ta d o s ” (Abib, 1996; F rim an , A llen, K erw in, & L a rze lere ,
1993; L eahey, 1992). E m ais rec e n te m e n te , novas ten d ê n c ia s na disciplina,
p o r exem plo, a p sicologia ev o lu cio n ária e o nível c rescen te de esp ecialização
profissional, lev aram G o o d w in (2 0 0 5 ) a co n clu ir q u e a psicologia n ã o é u m a
ciência u n ificad a e q u e talvez seja m elh o r a c a ta r a su g e stã o de K och (1993)
e su b stitu ir a ideia de ‘a p sico lo g ia1 p o r ‘e stu d o s p sico ló g ico s’.

U m a fonte inicial de co n fu são co n ceitu ai n a psicologia co n siste n a leitu ra


de u m a tra d içã o psicológica em term o s de o u tra tra d içã o psicológica. U m a
o p ac id a d e dessa n a tu re z a o c o rre u no alv o recer d a psicologia m o d e rn a q u a n ­
do T itc h e n e r d e c la ro u q u e sua psicologia rep re sen ta v a u m a co n tin u id a d e
d a psicologia de W u n d t (D anziger, 1979; L eahey, 1981). P rovavelm ente, a
p rin c ip al co n seq u ê n c ia dessa o b sc u rid a d e co n ceitu ai ten h a sido a recep ção ,
en sin o e divulgação d a psicologia de W u n d t no s term o s d a psicologia de
T itch en er, o q u e tem sido am p lam en te c riticad o p elo s esp ecialistas n a o b ra
do a u to r a le m ão (D anziger, 1979; L eahey, 1979). C o m p re e n d e r a psicologia
de T itc h e n e r co m o sen d o c o n tin u id ad e d a psicologia de W u n d t foi tão signi­
ficativo q u e B lum enthal (1979) refere-se a W u n d t com o o p a i fu n d a d o r da
psicologia q u e n u n ca co n h ecem o s. O q u e equivale a d iz e r q u e n ão co n h ece­
m os o p ro je to d a psicologia científica que ro m p e u com a p sicologia m etafí­
sica e q u e in a u g u ro u a psicologia m o d e rn a . Um ce n ário q u e se agrava, a se

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levar em co n ta q u e , seg u n d o L eahey (1 9 9 2 ), a p e n as o p ro je to de psicologia


científica de W u n d t p o d e ser c h a m a d o de r e v o lu c io n á r io . Em su as p alavras:
“ Salvo no q u e se refere à fu n d aç ã o d a psicologia p o r W u n d t, rev o lu ção em
psicologia é u m m ito ” (p. 316).

U m a se g u n d a fonte d e co n fu sã o co n ceitu ai na psicologia co n siste n a leitu ra


de u m a v ersão de tra d içã o p sicológica em te rm o s de o u tra v ersão d essa m es­
m a trad ição . É o q u e aco n tece, p o r exem plo, com o co m p o rtam e n ta lism o .
H á, p o r um lad o , o c o m p o rta m e n ta lism o filosófico e, p o r o u tro , o c o m p o r­
tam e n ta lism o psicológico, b em com o h á v ersõ es de co m p o rtam e n ta lism o
filosófico e v ersõ es de c o m p o rta m e n ta lism o p sicológico (C h u rch la n d , 2 0 0 4 ;
O ’D o n o h u e & K itchener, 1999; Z uriff, 1985).

O ’D o n o h u e e K itch en er (1 9 9 9 ) a firm am q u e há q u a tro v ersõ es de c o m p o r­


tam e n ta lism o filosófico e d ez p sicológicas23 e o b se rv a m q ue sua classifica­
ção n ã o é exaustiva. O s c o m p o rtam e n ta lism o s filosóficos são: o ‘ló g ico ’ d e
H em p el, C a rn a p , Feigl e B ergm an; o de Q u in e , Ryle e W ittg en stein , e m b o ra
seja c o n tro v erso c h a m a r as filosofias de Ryle e de W ittg e n stein d e c o m p o r­
tam en talism o (Bloor, 1999; B utton, C o u lter, L ee, & S h a rro c k , 1997; Ryle,
1 9 4 9 /1 9 8 0 ; W ittg en stein , 1 9 5 3 /1 9 8 8 ). O s c o m p o rtam e n ta lism o s psicológi­
cos são: os de W atson, K an to r, H ull; o ‘ra d ic a l’ de S k in n er; o ‘e m p íric o ’
de Bijou; o ‘te ó ric o ’ de S tad d o n ; o ‘in te n c io n a l’ de Tolm an; o ‘teleo ló g ico ’
de R achlin; o ‘bio ló g ico ’ de T im b erlak e; e o ‘co n tex tu alism o fu n cio n a l’ de
G ifford e H ayes.

T om em os com o exem plo d o seg u n d o tip o de c o n fu são co n ceitu ai o caso


do c o m p o rtam e n ta lism o radical, E ssa v e rsã o de c o m p o rtam e n ta lism o é fre ­
q u e n te m en te id entificada com a v ersão d a p sicologia estím u lo -resp o sta. N o
e n ta n to , S k in n er (1 9 6 9 ) critica q u a lq u e r v ersão de c o m p o rtam e n ta lism o
que utilize os co n ceito s de estím u lo -resp o sta, en trad a-saíd a, in p u t- o u tp u t.
S k in n er afirm a q u e “n e n h u m a c o n sid e raç ã o do in tercâm b io en tre o o rg a­
nism o e o am b ien te será co m p leta até que inclua a ação d o a m b ien te so b re
o o rg an ism o a p ó s u m a re sp o sta ter sido fe ita ” (p. 5). Esse c o m e n tário de
S k in n e r é d e te rm in a n te , n ã o só p a ra afa star o c o m p o rtam e n ta lism o radical

23 As v ersões filosóficas n ão p a ssa m n ece ssa ria m e n te p o r u m a reflexão so bre o c o m p o rta ­


m ento a sse n ta d a n a ciência d o co m p o rta m e n to , e n q u a n to que essa p assag em é o b rig a tó ria nas
versões psicológicas.

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d o c o m p o rta m e n ta lism o estím u lo -resp o sta, m as ta m b é m p a ra m o stra r q u e


W atson (1 9 3 0 ) n ão rad icalizo u o co n c eito d e c o m p o rta m e n to , algo q u e teria
sido feito p o r S kinner, co m o se rá a rg u m e n ta d o m ais ad ian te.

M acC o rq u o d ale (1 9 6 9 ) diz q u e a crítica de C h o m sk y a o livro V e rb a l B e h a v io r


de S k in n er ficou m ais c o n h e cid a d o q u e o p ró p rio livro, m as q u e C hom sky
se e q u iv o co u , pois “n ã o co m p re en d e as d iferen ças en tre o c o m p o rta m e n ta ­
lism o de S k in n e r e os de W atso n e H u ll” (p. 841). M a cC o rq u o d a le (1970)
refere-se a in d a ao s en g a n o s de C hom sky com re sp e ito a co n ceito s de Skin­
ner, com o estím ulo, re sp o sta , co n tro le de estím u lo s, refo rça m en to , p ro b a b i
lid ad e to tal de re s p o s ta , p ro b ab ilid a d e m o m e n tâ n e a de u m a re sp o sta . M ac­
C o rq u o d a le (1970) conclui q u e n ã o é possível a c e ita r a crítica de C hom sky
p o rq u e ele n ã o e n te n d e a linguagem de Skinner.

O c o m p o rta m e n ta lism o rad ic al é id en tificad o ta m b é m co m o c o m p o rta m e n ­


talism o m eto d o ló g ico , co m o p o d e se r verificado, p o r exem plo, no tex to de
filósofos tão re n o m a d o s co m o C h u rc h la n d (2 0 0 4 ). T rata-se de co n fu são con­
ceitu ai d e longa d a ta , pois já em 1945, e m ais ta rd e em 1974, S k in n e r criti­
cou e ssa v ersão de c o m p o rta m e n ta lism o psicológico. S k in n e r (1 9 4 5 /1 9 9 9 )
critica a definição o p eracio n al de te rm o s psicológicos sob o p o n to de vista
d o co m p o rtam e n ta lism o m etodológico. A rgum enta-se, desse p o n to de vista,
q u e existem dois m undos: o do s eventos pú b lico s e o do s eventos p riv ad o s, e
caso se p re te n d a ser u m a ciência, a psicologia deve se d e d ic a r à investigação
do s eventos p ú b lico s e ig n o ra r os ev en to s priv ad o s. S k in n er o b serv a q u e o
c o m p o rtam e n ta lism o m eto d o ló g ico “ n u n ca foi u m b o m co m p o rtam en talis-
m o ” (p. 4 2 8 ).

2 .0 olho epistêmico

U m a te rc e ira fo n te de c o n fu sã o c o n c e itu a i co n siste n a le itu ra de u m a tra ­


d içã o p sic o ló g ic a em te rm o s d e u m a tra d iç ã o filosófica e s tra n h a à q u e la
tra d iç ã o . A c e ita r a tese da c o n tin u id a d e e n tre a p sico lo g ia de T itc h e n e r
e a de W u n d t significa a trib u ir a W u n d t u m a tra d iç ã o filosófica n a q u al
ele n ã o co m u n g a v a , b e m co m o u m a c o n c e p ç ã o d e c iên cia, do fe n ô m e n o
b ásico d a p sico lo g ia, d o s m é to d o s de p e sq u isa , d a c a u sa lid a d e e d o su jeito ,

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ra d ic a lm e n te d is tin ta d a q u e foi p ro fe s s a d a p elo fu n d a d o r d a p sico lo g ia


cien tífica (B lu m en th al, 1975, 1980; D a n zig er, 1980; L e ah ey , 1981). U m a
b rev e an á lise d a s tra d iç õ e s filosóficas q u e fo ra m p ro fe ssa d a s p o r W u n d t e
T itc h e n e r p o d e c o n trib u ir p a ra e sc la re c e r alg u m as d e ssa s c o n fu sõ e s.

A psicologia de T itc h e n e r é so lid á ria com o e m p irism o inglês. D e a co rd o


com D a n z ig er (1 9 8 0 ), “T itch en er. . . c a ra c te riz o u se u ‘p o n to d e vista g e ra l’
co n fo rm e ‘o d a p sico lo g ia inglesa tra d ic io n a l’” (p. 8 4 ). E seg u n d o L eahey
(1981), “T itc h e n e r,, . dev eria se r visto co m o u m asso ciacio n ista e p ositivista
b ritâ n ic o ” (p. 2 7 3 ). A psicologia de W u n d t é so lid ária com o id ealism o ale­
m ão. D e a co rd o com B lum enthal (1 9 8 0 ): “ W u n d t viu su a psicologia com o
o rep re se n ta n te m o d ern o da tra d içã o leib n itzian a, in clu in d o os tra b a lh o s
de S p in o za, Wolff, T etens, K an t, H u m b o ld t, M en d elso h n , H egel, Schelling,
Fichte e S c h o p e n h a u e r” (p. 125).

As d iferenças en tre essas d u a s trad içõ es filosóficas são tão significativas que
B lum enthal (1980) refere-se a d u a s c u ltu ras filosóficas e, co n seq u e n tem e n te ,
a u m cho q u e de cu ltu ras q ue rep e rc u te n a esfera psicológica d a n d o origem
a duas tra d içõ e s psicológicas distin tas. D an zig er (1 9 7 9 ) faz u m a an álise de
algum as rep e rc u ssõ e s sobre as psicologias de W u n d t e T itc h e n e r advindas
dessas d u a s tra d içõ e s filosóficas. U m a delas refere-se à co n cep ção d e ciência
psicológica. D e ac o rd o com a filosofia d o idealism o alem ão , a ciência é dual.
H á, de um lado, as ciências da cu ltu ra (G e is te w is s e n s c h a fte n ) e, de o u tro , as
ciências da n a tu re z a (N a tu n v is s e n s c h a fte n ). D e co rre d essa co n cep ção q u e os
conceitos relacio n ad o s com as ciências d a cu ltu ra são irred u tív eis ao s concei­
tos relacio n ad o s com as ciências da n atu reza. D e aco rd o com a filosofia do
em p irism o inglês (e d o positivism o de E rn st M ach, q ue tam b é m foi a b raçad o
p o r T itch en er), a ciência é u n itá ria . H á, de u m lado, a re d u ç ã o de u m a ciência
m en o s básica a u m a ciência m ais básica: a ciência cujas leis seriam m ais abs­
tra ta s e gerais. A sociologia seria re d u z id a à psicologia, essa à biologia, essa à
física, q u e seria a ciência m ais básica. H á, de o u tro lad o , a explicação de u m a
ciência m en o s básica p o r u m a ciência m ais básica. A física explicaria a biolo­
gia, essa a psicologia, essa a sociologia. M as a recíp ro ca n ã o seria verdadeira:
a sociologia n ã o explicaria a psicologia, e assim p o r diante.

As d iferenças e n tre essas co n cep çõ es de ciência re p e rc u te m no s conceitos


de o bjeto e c au salid ad e n a psicologia. D e a co rd o co m W u n d t (1 8 9 7 /1 9 2 2 ),

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D an zig er (1 9 7 9 ) e B lum enthal (1 9 7 5 ), o o b jeto de e stu d o d a psicologia é a


ex p e riên c ia im ed iata de p ro ce sso s psicológicos, tais com o a a te n ção voliti-
vo-seletiva24, a p e rc e p ç ã o , o p e n sam e n to , a m em ó ria . E sses p ro ce sso s são
e x p erien ciad o s p o r u m sujeito; são, p o rta n to , d e p e n d e n te s de u m sujeito. E
a existência d essa relação q u e con fere à ex p eriên cia o seu c a rá te r im ed iato ,
ta n to é assim que, se h o u v er a b stra ç ã o do sujeito, a ex p e riên c ia torna-se m e­
d iad a p o r u m a ab stra çã o , o que lhe con fere o c a rá te r de ser um a inferência,
u m a c o n stru ç ã o co n ceitu ai (D anziger, 1979; W u n d t, 1 8 9 7 /1 9 2 2 ).

P ro c ed e d e ssa co n c ep ç ã o so b re o o bjeto q u e a explicação n a psicologia é


d iferen te d a explicação n as ciên cias n a tu ra is. C om efeito, “ n as ciências n a tu ­
rais. . . os atrib u to s da ex p e riên c ia são d eriv ad o s de o b jeto s e en erg ias ex te r­
nas. . . m as no caso d a psicologia, os atrib u to s d a ex p eriên cia são d eriv ad o s
dos p ro ce sso s d o sujeito da e x p e riê n c ia ” (B lum enthal, 1975, p. 1081).

T rata-se d a diferença e n tre a c a u salid ad e p síq u ica, o m o d o de ex p licação n a


psicologia, e a c a u salid ad e física, o m o d o de explicação n as ciências da n a tu ­
reza. O co n ceito de cau salid ad e p síquica n ã o p o d e ser re d u z id o a o co n ceito
de c a u salid ad e física, pois tal re d u ç ã o e lim in aria o sujeito d a ex p eriên cia, e,
c o n se q u e n te m e n te , o p ró p rio o b jeto de e stu d o d a psicologia.

P o rém , foi p rec isam e n te isso o q u e fizeram T itc h e n e r e K ü lp e, o psicólogo


d a E scola de W ü rz b u rg , q u a n d o re d u z ira m a cau salid ad e p síq u ica à causali­
d ad e física: re d u z ira m o in d iv íd u o p síq u ico ao in d iv íd u o físico, elim in aram
o in d iv íd u o p síq u ico (D an zig er, 1979). K ülpe e T itc h e n e r a b ra ç a ra m o p o si­
tivism o de M ach, o q u e o s levou a re p u d ia r o conceito de indivíduo psíquico.
A chavam que esse co n ceito envolvia referên cia a u m a ag ência ce n tral re s­
p o n sáv el pelos p ro ce sso s d a e x p e riên c ia im e d ia ta , o q ue n ã o p o d e se r aceito
p elo p o sitiv ism o m ach ian o , c e n tra d o co m o é n a o b serv ação , d escriçã o e ela­
b o ra ç ã o de relaçõ es fun cio n ais. D e ac o rd o com D anziger, p a ra K ülpe e T it­
chener, n ã o tem o s n e n h u m a e x p eriên cia im ed iata de u m a ag ência cen tral, de
u m E u; a ex p e riên c ia q ue tem o s é de sen saçõ es. D esse m od o , a sen sa ç ã o foi
e stab elecid a com o o o b jeto de estu d o d a psicologia: o fen ô m en o fisiológico
cap az de explicar os fen ô m en o s psicológicos (Abib, 2 0 0 5 ; D anziger, 1979).

24 A atenção volitivo-seletiva é o fenôm eno psicológico paradigm ático p ara W undt e que levou o
autor alem ão a cham ar sua psicologia d e psicologia volítiva (Blum enthal, 1975).

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U m a q u a rta fonte de co n fu sã o c o n c eitu ai co n siste n a leitu ra d e u m a versão


psicológica em te rm o s de u m a tra d içã o filosófica e s tra n h a àq u ela v ersão. É
o q u e aco n tece q u a n d o se lê a psicologia de S k in n e r em te rm o s d a psicologia
de W atson. W atso n (1913, 1930) foi u m crítico m o rd a z d o m en talism o , m as
re d u z iu o s reflexos c o m p o rtam e n ta is a reflexos fisiológicos, so lid arizan d o -se
com a filosofia d o m aterialism o (M erleau-Ponty, 1 9 4 2 /1 9 7 7 ).

M erleau -P o n ty (1 9 4 2 /1 9 7 7 ) c o m b a te a a n tin o m ia clássica d o p síq u ic o e


do fisiológico e afirm a q u e “ em W atso n a n e g a çã o d a co n sciê n cia com o
‘re a lid a d e in te r io r ’ se faz se g u n d o a a n tin o m ia clássica, em p ro v e ito da
fisiologia, e o c o m p o rta m e n to é re d u z id o a u m a som a de reflex o s e de
reflex o s c o n d ic io n a d o s ” (pp. 2-3).

S eg u n d o M erleau-Ponty (1 9 4 2 /1 9 7 7 ), o co m p o rtam e n ta íism o de W atson


co m p ro m eteu -se com um a “filosofia in d ig e n te ” (p. 3). E de q ual filosofia
in d ig en te se tra ta ? M erleau-Ponty com a palavra:

Em reação contra as trevas da intimidade psicológica, o com portam en-


talismo não procura recursos, a m aior parte do tem po, senão em um a
explicação fisiológica ou mesm o física, sem ver que ela está em contradi­
ção com as distinções iniciais - ele se declara materialista, sem ver que
isto consiste em recolocar o com portam ento no sistema nervoso, (p. 3)

Sucede d a alian ça de W atson (1913, 1930) com o m aterialism o q u e o com ­


p o rta m e n to n ão só p e rd e su a n e u tra lid a d e co m rela çã o à an tin o m ia clássica
do p síq u ico e do fisiológico, em favor d a fisiologia, com o ta m b é m q u e o
estu d o em term o s d a relação en tre o in d iv íd u o e o a m b ien te, q u e p o d e ser
feito sem u m a p a lav ra de fisiologia, p e rd e su a a u to n o m ia (M erleau-Ponty,
1 9 4 2 /1 9 7 7 ).

Se a psicologia de S k in n er for lida em term o s d a psicologia de W atson, en tã o


ela ta m b é m e s ta ria co m p ro m etid a com o m aterialism o . M as S k in n er (1969)
m anifestou-se ex p licitam en te c o n tra o m ate ria lism o 25 e a explicação d o com-

25 Nas palavras d e S kinner (1969): “ É m uito sim ples p a rafrase ar a alternativa co m p o n am en talista
d izen do q ue na verdade existe ap enas um m u n do e que esse é o m undo da m atéria, pois a palavra
m a té ria p erd eu sua utilidade. Q u a lq u er que seja o estofo do qual o m undo é feito, ele contém
o rgan ism o s” (p. 248).

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p o rta m e n to em term o s fisiológicos. E screve o seg u in te em u m tex to em que


te n ta ex p licar o q u e significa c o m p o r ta m e n ta lis m o r a d ic a l:

Eu n ão acredito que cunhei o term o c o m p o r ta m e n ta lis m o radical, m as


qu an d o me perguntam o que entendo p o r isso eu sem pre digo “a
filosofia de um a ciência do com portam ento tratad a com o um assunto
p o r si m esm o à p arte de explicações internas, m entais o u fisio ló g ic a s”.
(Skinner, 1989, p. 122)

É no táv el q u e S k in n e r te n h a ressa lta d o a p alav ra fis io ló g ic a s ; e n ã o o ten h a


feito com rela çã o à p a la v ra m e n ta is . P or q u e essa d iferen ça d e ê n fase? Tal­
vez p o rq u e já n ã o fosse m ais n ec essá rio c ritic a r as explicações m en talistas
d o c o m p o rta m e n to . A final, a crítica ao m en talism o d a ta de d u a s d éc ad a s
a n tes d o a p a re c im e n to d o M a n ife s to C o m p o r ta m e n ta lis ta de W atso n (D an-
ziger, 1997; L eahey, 1992). Já as ex p licações fisiológicas e ra m aceitas co m o
explicação científica d o c o m p o rta m e n to , com o é possível c o n s ta ta r n o m ate­
rialism o de W atson. Já n o final de sua vid a, S k in n er ain d a te n ta v a fech ar as
p o r ta s a explicações fisiológicas d o c o m p o rta m e n to . Pois, ap ro x im ad a m en ­
te, u m sécu lo d ep o is d o ad v en to d a crítica a o m en talism o n a psicologia, elas
teim avam (e teim am ) em c o n tin u a r a b e rta s. Ele estava fec h a n d o as p o rta s
ao m aterialism o .

A p a re n te m e n te S k in n er (1 9 8 9 ) está d iz e n d o q u e a e la b o ra ç ã o d e u m a con­
c ep ção rad ical do c o m p o rta m e n to e n fre n ta dois inim igos: o m en talism o e
o m aterialism o . S k in n er faz o tra b a lh o q u e W atson (1913, 1930) n ã o fez, o
q u e M erleau-P onty (1 9 4 2 /1 9 7 7 ) c h am o u de sad io e p ro fu n d o n a in tu içã o do
c o m p o rta m e n to , “ a visão d o h o m em com o d e b a te e ‘e x p licação ’ p e rp é tu a
com u m m u n d o físico e co m u m m u n d o so cial” (p. 3). O c o m p o rta m e n ta lis­
m o rad ical visa cheg ar à raiz d o c o m p o rta m e n to e p a ra isso p rec isa fech ar as
p o rta s tan to ao m en talism o q u a n to a o m aterialism o , b em com o incluir n ã o
só a a ç ã o d o am b ie n te so b re o o rg an ism o , m as tam b é m a ação d o o rg an ism o
so b re o am b ien te. Pois é q u a n d o se faz isso q u e o c o m p o rta m e n to p a rtic ip a
de su a p ró p ria explicação. C om efeito, n a psico lo g ia de S k in n er, o c o m p o r­
tam e n to é explicado p e la s c o n seq u ê n c ia s q u e ele p ro d u z : o c o m p o rta m e n to
é m o d ificad o e fo rtalecid o o u e n fra q u e cid o p e la s c o n seq u ê n c ia s q u e p ro d u z .
M as com o as c o n seq u ê n c ia s são p ro d u z id a s p elo c o m p o rta m e n to , em ú ltim a

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an álise, é o c o m p o rta m e n to que está na raiz de sua p ró p ria m odificação,


fo rtalecim en to ou en fra q u e cim e n to , o q u e equivale a d ize r q u e ele p a rtic ip a
de sua p ró p ria explicação. E a psicologia con seq u en cialista d e Skinner, e
n ã o a psicologia estím u lo -resp o sta de W atson, que co n trib u i p a ra escla re c e r
a o b se rv a ç ã o de M erleau-Ponty de que o h o m em é “ d eb ate e ‘e x p licação ’
p e rp é tu a com u m m u n d o físico e com um m u n d o so cial” {p. 3).

A sc levar em co n ta q u e W atson (1913, 1930) n ão rad icalizo u a n o ção de


c o m p o rta m e n to , n ã o chegou à raiz do c o m p o rta m e n to , n ão chegou ao estu­
do do c o m p o rta m e n to com o u m assu n to p o r si m esm o, n ão se p o d e d ize r
q u e o seu M a n ife s to C o m p o r ta m e n ta lis ía in a u g u ro u o c o m p o rta m e ntalis m o,
ou que ele seja o fu n d a d o r do co m p o rtam e n ta lism o . A fu n d aç ã o do com por-
tam en talism o teria a in d a de e s p e ra r p o r u m a co n c ep ç ã o de c o m p o rta m e n to
que alcan çasse a raiz d o c o m p o rtam e n to , o q u e foi feito p o r S kinner: o fu n ­
d a d o r do c o m p o rtam en talism o .

U m a q u in ta fonte de co n fu são co n ceitu ai consiste n a leitu ra de u m a versão


psicológica em term o s de u m a tra d içã o filosófica a p a re n te m e n te an álo g a
àq u ela versão. Foi isso o que a c o n teceu , p o r exem plo, com as an alo g ias que
foram feitas e n tre o c o m p o rtam e n ta lism o radical e o c o m p o rtam e n ta lism o
lógico. M as, a p e sa r de as relaçõ es e n tre S k in n er e essa filosofia n ã o serem
desp rezív eis, os críticos têm reje ita d o e n faticam en te a forte alian ça q u e fre ­
q u e n te m en te é a trib u íd a a esses dois c o m p o rtam e n ta lism o s (A bib, 1982;
D ay Jr. & M o o re, 1995; R ingen, 1999; S m ith, 1986). N a v erd a d e , S k in n e r já
h av ia criticad o o c o m p o rta m e n ta lism o lógico n o seu clássico tex to de 1945.
C om efeito, ele critica a definição dos term o s o p e ra c io n a is sob o p o n to de
vista do c o m p o rta m e n ta lism o lógico. A rg u m en ta que esse tip o de d efin ição
é d a alçad a d a ciência, e n ã o da lógica. N ã o se tra ta , p o rta n to , de definir
te rm o s psicológicos com b ase em “ ‘u m a reg ra p a ra o u so d e u m te rm o ’
(Feigl)” (p. 4 2 6 ).

A p re se n ta d a s algum as fontes de co n fu são c o n c eitu ai n a psicologia, n ão seria


o p o rtu n o p e rg u n ta r se elas n ã o se ria m ev itad as ca so a análise c o n c eitu ai se
rea lizasse n o s lim ites de v ersõ es específicas? Q u e r dizer, se, p o r ser m ais
lim itad a do q u e to d a u m a trad ição , n ã o seria u m a versão psicológica m ais
u n itá ria e m en o s p ro p e n s a a o p a cid ad es co n ceitu ais?

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Infelizm en te, a e s p e ra n ç a de ev itar o b sc u rid a d e c o n c eitu ai lim itando-se a


an álise a v ersõ es fre q u e n te m en te é fru s tra d a p ela p ro liferação d e filosofias
q u e circu lam n essas v ersões. P o r exem plo, o c o m p o rta m e n ta lism o rad ical de
S k in n er já foi re la cio n a d o com o m aterialism o (B unge, 1979; C reel, 1980;
F la n ag a n lr., 1980; K vale, 1985; M ahoney, 1974), com o p ositivism o (Abib,
1982, 1985; Z u riff, 1980), com o p rag m atism o filosófico (A bib, 2 0 0 1 ; L o­
p e s, L au ren ti, & A bib, 2 0 1 2 ; M oxley, 2 0 0 2 ; S m ith , 1986; Z u riff, 1980) e
com o p e n sa m e n to m o d e rn o e p ó s-m o d ern o (A bib, 1999; L a u ren ti, 2012;
M oxley, 1999),

3. A base empírica

S erá q u e a p sicologia p o d e se re a liz a r de u m m o d o q ue afaste o p a c id a d e s


c o n ceitu ais? O u se rá q u e a co n fu sã o co n ceitu ai é seu tra ç o ineludível? Exis­
te ao m en o s u m a p o ssib ilid ad e de e sc a p a r d essa to rm e n ta : o p ro je to d a psi­
cologia m o d e rn a de se tra n s fo rm a r em u m a ciência em p írica.

M as o q u e q u e r d ize r o term o e m p ír ic o ? S eg u n d o W illiam s (1 9 8 3 ), e m p ír ic o


vem de e m p e ir ia , que, seg u n d o C h au i (1 9 9 4 ) e D e C arv alh o (1 9 7 9 ), significa
e x p e r iê n c ia . Já o te rm o e x p e r iê n c ia , de a co rd o com A ristó teles (s.d ./1 9 7 9 ),
refere-se ao c o n h ecim en to d o s singulares, u m g rau de co n h e cim e n to su p e­
rio r à se n sação e à m em ó ria; inferior, p o ré m , n ão só à a rte (a técn ica), que
se refere ao c o n h ecim en to do s u n iv ersais, ao d o m ínio do s co n ceito s; m as
ta m b é m à ciên cia (a teo ria), q u e se refere ao c o n h ecim en to pelas c a u sa s26.

W illiam s (1 9 8 3 ) a firm a a in d a q u e e m p ír ic o refere-se à c re n ç a na o b se rv a ­


ção, a c h a rla ta n ism o , a c u ra n d e irism o e o ceticism o com rela çã o a expli­
caçõ es te ó ric a s. E p ro sse g u e d iz e n d o que e m p ír ic o foi u sa d o n o sen tid o
cético, p rin c ip a lm e n te no c o n te x to m éd ico , até a d q u irir u m a c o n o ta ç ã o
p e jo ra tiv a q u e se e ste n d e u a “ o u tra s ativ id ad es p a ra in d ic a r ig n o râ n c ia ou
im p o s tu ra ” (p. 115)27. A o b se rv a ç ã o c o n stitu i a b a se em p íric a d a ciência

2 6 S egundo A ristóteles (s.d ./1 9 7 9 ), a explicação pelas causas envolve as causas m aterial, eficiente,
form al e final.

27 W illiam s (1 983) observa que o term o e m p ir is m o foi usado nessa acepção pejorativa desde o
século XVII.

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m o d e rn a , m en o s o ceticism o d irig id o a ex p licaçõ es te ó ric a s , a fa s ta n d o d es­


d e logo a convivência co m c u ra n d e iro s e c h a rla tã e s, co m a ig n o râ n c ia e a
im p o s tu ra (é o q ue se e sp era ).

A o b se rv a ç ã o p o d e ser d ire ta o u in d ire ta , fu n d a m e n ta n d o , resp e c tiv a m e n te,


os co n ceito s em p írico s, d esig n ad o s p o r te r m o s e m p ír ic o s , te r m o s o b s e r v a c io ­
n a is e te r m o s d e sc ritiv o s; e os co n ceito s teó rico s, d e sig n ad o s p o r o b s e r v á v e is
in d ir e to s , in fe r ê n c ia s , h ip ó te s e s (K ap lan , 1964). O s co n ceito s em p írico s refe­
rem -se à o b se rv a ç ã o d ire ta d a ex p e riên c ia e os co n c eito s te ó ric o s referem -
se à o b se rv a ç ã o in d ire ta d a ex p eriên cia. D e a c o rd o co m K ap lan (1 9 6 4 ), a
e x p e riên c ia é d o m u n d o , logo, a o b se rv a ç ã o d a e x p eriên cia é o b se rv a ç ã o d a
e x p e riên c ia d o m u n d o ; e é d a o b se rv a ç ã o d a ex p e riên c ia d o m u n d o q u e p ro ­
vém o c o n h e cim e n to d o m u n d o . A o b se rv a ç ã o d a ex p e riên c ia d o m u n d o se
to rn a o fu n d a m e n to d o co n h e cim e n to , q ue p o d e se r relativ am en te sim ples,
com o no caso d a o b se rv a ç ã o d ire ta , o u relativ am en te com plexa, co m o no
caso d a o b se rv a ç ã o in d ire ta . N as p ala v ras de K a p la n (1 964):

T erm o s o b se rv a c io n a is são aqueles cuja aplicação apoia-se em obser­


vações relativam ente sim ples e diretas. . . O b se rv á v e is in d ire to s são
term os cuja aplicação dem anda observações relativam ente mais sutis,
com plexas, ou observações indiretas, em que inferências. . . concer­
nem a conexões presum idas, usualm ente causais, entre o que é direta­
m ente observado e o que o term o significa, (pp, 54-55)

E ssa co n c ep ç ã o de ciência em p írica é filosófica e é c o n h ecid a co m o e m p iris­


m o e p istê m ico 28 e teve g ran d e influ ên cia n a ep istem o lo g ia d esd e os tem p o s
de L ocke até K an t (K aplan, 1964). E é p ro b lem ática.

D e a c o rd o com C h alm ers (1978) e H a n so n (1 9 7 5 ), a o b se rv a ç ã o d ire ta é


m ed iad a pela ex p eriên cia. Por exem plo, a o b se rv a ç ã o visual de o b jeto s de­
p e n d e de os nerv o s óticos tra n sm itirem o s raio s de luz d esd e a re tin a até o
c ó rte x c e reb ral, fo rm a n d o dessa m an e ira a im ag em d o o b jeto , b em co m o d a

28 Q u an d o se fala em ciência em pírica pensa-se quase autom aticam ente no em pirism o epistêm ico.
C abe lem brar, todavia, que W u n d t distinguiu a psicologia m o d ern a d a psicologia tradicional dizen­
do que a psicologia m o d ern a é em pírica e que a psicologia tradicional é metafísica: a prim eira é
científica e a segunda é filosófica. S eria interessante exam inar qu al é o sentido de e m p ír ic o em um a
psicologia o rien tad a pela cu ltu ra filosófica d o idealism o alem ão.

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ex p e riên c ia p a ssa d a , d a a p re n d iza g e m , das ex p ectativ as, d a in te rp re ta ç ã o


e d a cu ltu ra. As e x p eriên cias visuais n ão são d e te rm in a d a s, p o rta n to , pelas
im agens sobre a retin a. N as p alav ras de C h alm ers (1978):

N a m edida em que se trata da percepção, a única coisa com a qual


um observador tem contato direto e im ediato são com suas experiên­
cias. Essas experiências não são dad as com o únicas e im utáveis, m as
variam com as expectativas e conhecim ento do observador. O que é
d ad o unicam ente pela situação física é a im agem sobre a retina de um
observador, m as um observador não tem contato perceptivo direto
com essa im agem , (pp. 24-25)

O u n as p a la v ras de H a n so n (1975):

O b serv ar é fazer um a experiência, lim a reação visual, olfativa ou


táctil é apenas um estado físico - excitação fotoquím ica ou devida
a contacto. O s fisiologistas nem sem pre distinguiram experiências e
estados físicos. São as pessoas que veem e não seus olhos. (p. 129)

Assim sen d o , n a d a g a ra n te q u e n a o b se rv a ç ã o objetiva dois o b se rv a d o re s


estejam v en d o o m esm o objeto.

D e a c o rd o com C h alm ers (1 9 7 8 ), u m a m an e ira de ev itar as dificuldades


asso c ia d as co m a c o n c ep ç ã o in o ce n te d a o b se rv a ç ã o , o u com a cren ça n a
existência d a o b se rv a ç ã o p u ra , cu ja p a te rn id a d e se deve à filosofia induti-
vista da ciên cia, em su a v e rsã o in g ên u a , co n siste em co n c eb e r a o b se rv a ç ã o
em te rm o s de p ro p o siç õ e s de o b se rv a ç ã o p ú b licas. E ssa g u in ad a na con
cep ção d a o b se rv a ç ã o foi p ro p o s ta p o r filósofos in d u tiv istas d a ciência q u e
d e fe n d e ram u m a v e rsã o m ais sofisticada d a o b se rv a ç ã o e q u e c riticaram a
frag ilid ad e d a ciên cia a sse n ta d a n a n o ç ã o de e x p eriên cia subjetiva. As p ro ­
p o siçõ es d e o b se rv a ç ã o p ú b licas co n sistem em a firm açõ es sin g u lares d as
quais sã o d eriv a d as p o r in d u çã o a firm açõ es u n iv ersais. O fato d e q ue as
p ro p o siç õ e s sin g u lares p o ssa m ser v erificad as o u te s ta d a s p u b licam en te, ele­
v an d o a p ro b ab ilid a d e de que dois ou m ais o b se rv a d o res vejam o m esm o
objeto, leg itim an d o , assim , a n o ção de o b se rv a ç ã o objetiva, a n o ç ã o d e q u e
se está o b se rv a n d o rea lm e n te os o b jeto s, e n ã o as ex p e riên c ia s subjetivas,
fo rn e c e n d o u m a b a se a p a re n te m e n te se g u ra p a ra a in ferên cia in d u tiv a de

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p ro p o siç õ e s u n iv ersais, n ão e sca p o u a d u as críticas. U m a m ais antiga, q ue


se refere ao p ro b le m a d a in d u çã o (a in d u çã o n ão p o d e ser ju stificad a nem
em p írica n em lo g icam en te), e o u tra m ais rec e n te , q u e se refere às p ro p o si­
ções d e o b se rv a ç ã o (as p ro p o siç õ e s de o b se rv a ç ã o são feitas na linguagem
de algum a te o ria , envolvem teo ria, p ressu p õ e m teo ria). T rata-se de d u as crí­
ticas que fo ram d irigidas à epistem ología e m p irista e à filosofia indutivista
da ciência p o r filósofos p ó s-em p iristas d a ciência (F eyerabend, 1 9 7 5 /2 0 0 7 ;
K u h n , 1 9 6 2 /2 0 1 1 ; P opper, 1 9 3 4 /1 9 7 1 )29.

E m sua re c o n s tru ç ã o co n ceitu ai d o c o m p o rtam e n ta lism o , Z u riff (1 9 8 5 ) afir­


m a q u e o b se rv a r é um c o m p o rta m e n to e q u e, p o r essa razão , a o b serv a­
ção p o d e ser m ais b e m e stu d a d a n a linguagem do s d a d o s c o m p o rta m e n ta is
( b e h a v io r a l d a ta la n g u a g e ) do que n a linguagem o b serv acio n al (o b s e r v a tio n a l
la n g u a g e ). Z u riff co m en ta q u e a p e rc e p ç ão de u m a estim u lação d e p e n d e de
“variáveis p e rc e p tu a is tais com a situ ação , ex p ectativ a e m e m ó ria ” (p. 35).
Um fen ô m en o q u e tem sido “d e m o n stra d o e x p e rim e n talm en te . . . m esm o
no caso a p a re n te m e n te sim ples d a d e te c ç ão d e sin a l” (p. 35). Z u riff conclui
q u e a p u re z a o b serv acio n al é u m a e sp e ra n ç a falsa, pois o c o m p o rta m e n to
de o b se rv a r p o d e ser relativ am en te sim ples o u relativ am en te com plexo, m as
n ão p o d e ser a b so lu ta m e n te p u ro : n e m to ta lm e n te físico n e m to ta lm e n te
fisiológico. Z u riff p ro sse g u e c o m e n ta n d o q u e essas co n sid e raç õ e s so b re a
o b se rv a ç ã o se ap licam tam b é m a relato s o b se rv a c io n a is e, n o ra s tro d o s filó­
sofos p ó s-em p iristas da ciência, redige: “n ã o h á fatos in d ep e n d e n te s de teo ­
ria p elo s q u ais a te o ria p o ssa ser te s ta d a ” (p. 35). E com o to d a o b se rv a ç ã o
é th e o r y -la d e n , é c a rre g a d a de te o ria , “u m a te o ria c o m p reen siv a, o u visão
de m u n d o , n ã o p o d e se r d e rru b a d a p o r o b se rv a ç õ e s q u e n ão a co n firm e m ”
(p. 3 5 ). E, p o rta n to , q u a n d o se tra ta de d e c id ir e n tre d u a s te o ria s rivais n ão
h á “ m eio rac io n al” p a ra se to m a r tal d ecisão p o rq u e “ cad a u m a d e te rm in a
o b se rv a ç õ e s q u e sejam co m patíveis so m en te co n sig o m esm a, e n ã o h á fatos
n e u tro s q u e p e rm ita m avaliar as reiv in d icaçõ es riv ais” (p. 35).

Z u riff (1985) faz ainda u m a o b servação interessante sobre os psicólogos com-


portam entalistas. Passando-lhe a palavra: “A m aioria dos co m portam entalistas

2 9 O s filósofos pós-em piristas da ciência estão de aco rd o q u a n d o criticam o em pirism o epistêm ico
e a filosofia indutivista da ciência, m as disco rd am com respeito à concepção de ciência, com o se
verifica, p o r exem plo, no racionalism o crítico de Popper, na concepção de ciência com o paradigm a
dc Kuhn e no anarq u ism o m etodológico dc Feyerabend.

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ignoram a tese [de que n ã o h á p u reza observacional] e continuam a com pilar


d ad o s que eles consideram objetivo e em pírico” (p. 36). M as, aparentem ente,
essa observação de Z u riff n ã o alcança Skinner, pois ao resp o n d er a este com en­
tário de Russell, “q u a n d o o co m p ortam entalista observa as ações dos anim ais.
. . ele não pensa em si m esm o com o um anim al, m as com o um registrador
infalível... d o q ue realm ente acontece” (com o citado em Skinner, 1974, p. 234),
S kinner (1974) disse q ue “seria ab su rd o p a ra o co m p o rtam en talista su sten tar
q u e ele está de q u alq u er m odo isento de sua an álise” (p. 234). E p o r q u ê? Por­
q ue “ele n ã o p o d e sair d o fluxo causal e ob serv ar o co m p o rtam en to de algum
p o n to de o bservação, ‘em poleirado no epiciclo de M ercú rio 5” (p. 2 3 5 ).

P sicologia com o ciência em p írica é so lid ária com a c o n cep ção de ciência
d efen d id a p elo e m p irism o ep istêm ico e pelo indutivism o. D essa p ersp ectiv a,
b u sca su a u n id a d e co n ceitu ai n a base em p írica, n a ex p e riên c ia , n a o b serv a­
ção, n as p ro p o siç õ e s o b serv acio n ais, e ten ta , d esse m odo, e v ita r c o n fu são
conceituai. M as, a p a re n te m e n te , to d o esse p ro g ra m a está fad a d o a o fracasso
p o rq u e n ã o h á fatos n e u tro s, nem o b se rv a ç õ e s in d e p e n d e n te s de teo rias,
nem m eios racio n ais p a ra d ecid ir en tre te o ria s rivais.

Já relativ am en te an tig a, a crítica ao e m p irism o ep istêm ico en co n tra-se n ão só


n a filosofia co n v en cio n alista d a ciência, com o tam b é m no racio n alism o críti­
co de P o p p er (K olakow sky, 1 9 6 6 /1 9 7 6 ; P o p p er, 1 9 3 4 /1 9 7 1 ). D a p e rsp ectiv a
d o convencionalism o, é im possível re fu ta r ou v erificar h ip ó te se s, h aja vista
q u e “ to d o fato c o n tém p ressu p o siç õ e s te ó ric a s ” (K olakow sky, 1 9 6 6 /1 9 7 6 ,
p. 154). E nesse m esm o sen tid o , P o p p er (1 9 3 4 /1 9 7 1 ) escreve: “ Eu d efen d o
q u e as te o ria s científicas n u n c a são co m p íe ta m en te justificáveis o u verificá­
veis” (p. 4 3 ). E m b o ra m ais a te n u a d a , a tese de P o p p e r atinge o e n u n ciad o
básico, o e n u n c ia d o d e u m fato singular, o e n u n ciad o que n ã o p o d e ser ju sti­
ficado p sico lo g icam en te co m b a se n a e x p eriên cia p e rcep tiv a, que n ã o p o d e,
p o rta n to , ser ju stificad o com b a se n o e m p irism o ep istêm ico . A qui e stá o que
P o p p e r (1 9 3 4 /1 9 7 1 ) d iz so b re o e n u n c ia d o básico:

Sem pre que um a teo ria seja subm etida a exam e e seja co rro b o rad a
ou falsificada, o processo tem que se deter em algum enunciado bási­
co que d e c id a m o s aceitar: se n ão chegarm os a algum a decisão a esse
respeito, e não aceitarm os, p o rtan to , um enunciado básico, qualquer
que seja, o exam e não chegará a p a rte algum a, (p. 99)

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P reciso , P o p p e r (1 9 3 4 /1 9 7 1 ) se n te n c ia : “ O s e n u n c ia d o s b á sic o s são acei­


to s co m o re s u lta d o d e u m a d e c isã o o u a c o rd o , e d e sse p o n to de v ista são
c o n v e n ç õ e s ” (p. 101).

A o b jetiv id ad e da b ase em p íric a é u m a ilu são q u e foi p ro p a g a d a p o r d u a s


filosofias in d ig en tes d a ciência: o em p irism o ep istêm ico e a filosofia induti-
vista d a ciência. V olta n o v am en te à baila o te m a d a p lu ra lid a d e co n ceitu ai,
a fonte p e rsiste n te de co n fu são c o n c eitu ai a en v id a r os esforços d a análise
c o n c eitu ai no in tu ito de e v ita r o u d irim ir tal o p acid ad e.

4 .0 cientista e o filósofo

D o p o n to d e v ista d este tex to , a análise co n ceitu ai p o d e ser e n te n d id a co m o


análise p ó s-em p irista o u m etacien tifica, h aja vista q u e p rin c ip ia pelo exam e
d a teo ria científica e desenvolve-se d esv elan d o seu s c o m p ro m isso s filosófi­
cos. H á q u e e sp era r, p o rta n to , a c o n stitu ição de u m a te o ria científica p a ra
que p o ssa ser rea liz a d a . E m o u tra s p a la v ras, a te o ria científica vem a n te s e a
m etaciên cia vem d e p o is (B lanché, 1976). N as p a la v ras d e B lanché:

R ecordem os que se dá hoje o nom e de m etaciência a u m estudo que


vem d e po is da ciência . . . tom ando-a, p o r sua vez com o objeto e in­
terrogando-se a um nível su p erio r sobre os seus princípios, os seus
fundam entos, as suas estruturas, as suas condições de validade . , .
(pp. 12-13)

A m etaciên cia envolve dois d iscu rso s. H á o d isc u rso científico: u m d iscu rso
de p rim e ira o rd em q u e v ersa so b re o o b jeto d a ciência. E h á o d iscu rso filo­
sófico: u m d iscu rso de seg u n d a o rd em que v ersa so b re o d isc u rso científico.
Isso B lanché (1976) traz à to n a q u a n d o escreve q u e “a ep istem ologia, q u e é
u m a reflexão so b re a ciência, é in clu íd a . . . n a m eta ciê n c ia ” (p. 13).

B lanché (1976) vai e n tã o m ais longe e faz u m a d e c la ra ç ã o rad ical so b re a


m etaciência. Ele afirm a q u e ela n ão p o d e ser “p ra tic a d a sen ão p o r cientistas
e sp ec ializa d o s” (p. 13). D essa p ersp ectiv a, p o d e m ser vistas co m o m etaciên ­
cia o b ras de cientistas, tais com o A c iê n c ia e a h ip ó te s e , de H e n ri P o in caré,
O s lim ite s d a c iê n c ia , de P eter M e d aw a r e A e s tr u tu r a d a s r e v o lu ç õ e s c ie n tí­

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fic a s , de T h o m a s K uhn. M as n ã o p o d e m ser vistas co m o m etaciên cia o b ras


de filósofos d a ciên cia, tais com o A e s tr u tu r a d a c iê n c ia , de E rn est N agel, A
ló g ic a d a in v e s tig a ç ã o c ie n tífic a , de K arl P opper, C o n tr a o m é t o d o , d e Paul
F ey erab en d e A e p is te m o lo g ia , de G a sto n B achelard.

O b ra s de filosofia d a ciên cia n ã o se ria m o b ras d e m etaciên cia. E n tre ta n to ,


o ce rn e d a filosofia d a ciência consiste n o ex am e filosófico da ciência. Essa
te n s ã o e n tre a m etaciên cia e a filosofia d a ciência n ã o se refere à n a tu re z a
de su as tarefas, m as à a trib u iç ã o d e co m p e tên c ia p a ra realizá-la. S erá o cien­
tista ou o filósofo q u em e s ta rá c a p ac ita d o a d isc o rre r filosoficam ente so b re
o d isc u rso d a ciên cia? A q u eles q u e a c re d ita re m q u e essa fu n çã o cab e ao
cien tista te n d e rã o a ver a an álise c o n c eitu ai v inculada co m a m etaciên cia; já
aq u eles q u e a c re d ita re m q ue essa fu n çã o cab e a o filósofo te n d e rã o a ver a
análise co n ceitu ai v in cu lad a co m a filosofia da ciência.

M as se a c e ita rm o s o q u e e screv e o filósofo F e rra te r M o ra (19 8 1 ), conclui­


re m o s q u e essa te n s ã o n ã o é leg ítim a e q u e, n a v e rd a d e , e sta m o s d ian te de
u m a falsa q u e stã o . P a ssan d o a p a la v ra a F e rra te r M ora: “A rigor, a p a re n ­
tem en te n ã o h á d ife ren ç a s fu n d a m e n ta is e n tre m eta ciê n c ia e filosofia d a
c iê n c ia ” (p. 2 1 9 3 ). A q u e s tã o essen cial n ã o é se a o b ra é de m eta ciê n c ia
o u de filosofia d a ciên cia, m as, isto sim , se o c ien tista e o filósofo d o m in am
c o m p e te n te m e n te os d isc u rso s d e p rim e ira e d e se g u n d a o rd e m , p o is o dis­
c u rso cien tífico b a s e a d o em d o m ín io in a d e q u a d o d o d isc u rso filosófico é
cego, e o d isc u rso filosófico b a s e a d o em d o m ín io in a d e q u a d o d o d isc u rso
científico é v a z io 30.

5. Considerações finais

A b ase em p írica e sp elh a u m a filosofia d a ex p eriên cia. N o caso d o em p iris­


m o ep istêm ico , a b a se em p íric a e sp elh a u m a d e te rm in a d a filosofia d a expe­
riên cia. N as p sicologias m o d e rn a s, p sicologias co m o ciências e m p íric a s, p o r

30 Em sentido sim ilar, C ollingw ood (1981) escreve: “ U m cientista que nunca tenha filosofado so­
b re a su a ciência, nunca p o d erá p assar de um cientista secun d ário , um im itador, um funcionário da
ciência. U m h om em que n u n ca ten h a gozado um certo tip o de experiência, não pode, obviam ente,
m ed itar sob re ela; e um filósofo que nunca ten h a trab alh ad o em ciência natural não p od e, eviden-
tem ente, filosofar sobre ela sem se to rn a r um lou co ” (p. 9).

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exem plo, as psicologias de W u n d t (1 8 9 7 /1 9 2 2 ) e Jam es (1 8 9 0 /1 9 5 0 ), as


bases em p íricas esp elh am d istin tas filosofias d a ex p eriên cia.

N o século X X , de ciência d a ex p eriên cia, a psicologia p a ssa a ser co n ceb id a


com o ciência do co m p o rtam e n to . A b ase ag o ra é c o m p o rta m e n ta l e não
m ais em p írica. A p a re n te m e n te , essa é a tese de Z u riff (1985) q u a n d o p ro ­
p õ e a su b stitu ição d a linguagem o b serv acio n al p ela linguagem do s d ad o s
c o m p o rtam e n ta is. Salvo m elh o r juízo, p o d e ría m o s d ize r q u e Z u riff está su­
g erin d o que a b ase em p írica seja su b stitu íd a p o r u m a base c o m p o rtam e n ta l.
D e resto , m u ta tis m u t a n d h , foi o q u e P o p p e r (1 9 3 4 /1 9 7 1 ) ta m b é m fez ao
su b stitu ir a b ase e m p írica pelo s e n u n c ia d o s básico s.

D a p e rsp ectiv a d e ste ensaio, análise co n ceitu ai é análise pós-em pirista de


teo rias psicológicas. Isso significa d ize r que análise co n ceitu ai co m eça pelo
exam e da teo ria psicológica e desenvolve-se com o exam e d a filosofia d a ex­
p e riê n c ia o u d a filosofia d o c o m p o rta m e n to q ue fu n d a m e n ta ta n to a te o ria
psicológica q u a n to a b ase em p írica o u a b ase c o m p o rta m e n ta l.

Q u a n d o W ittg en stein (1 9 5 3 /1 9 8 8 ) d e claro u q u e n a psicologia h á m éto d o s


ex p e rim e n tais e co n fu são co n ceitu ai, o que ele d e u a e n te n d e r foi q u e a p ro ­
liferação de tais m éto d o s e c o n fu sõ es re su lta d a p lu ra lid a d e d o p e n sa m e n to
psicológico. P o d em o s re s p o n d e r a o seu c o m e n tá rio d iz e n d o q ue na psico ­
logia há, sim , m é to d o s ex p e rim e n tais, m as n ã o n e c essa ria m e n te co n fu são
co n ceitu ai, se a an álise co n ceitu ai fiz e r o seu serviço.

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A integração entre a história


da psicologia e a filosofia da
psicologia como programa de
pesquisa teórica

Saulo de F reitas A rau jo

N os cap ítu lo s a n te rio re s, fo ra m ex p lo ra d as algum as p o ssib ilid ad es de se fa­


z e r p e sq u isa teó rica em psicologia. A q u e stã o q u e o ra se coloca é se a inves­
tig ação h istó ric a p o d e c o n trib u ir de alg u m a fo rm a p a ra o e n riq u e c im e n to d a
p e sq u isa teó rica . E m caso de u m a re s p o s ta p ositiva, é fu n d a m e n ta l d e m o n s­
tra r co m o isso p o d e ria ser alcan çad o .

N os dois capítulos a seguir, vou re s p o n d e r p o sitiv am en te à q u e stã o acim a for­


m u lad a e m o stra r co m o isso p o d e vir a ser realizad o . P ara tan to , vou a d o ta r
duas estratégias diferentes. N este capítulo, v o u a rg u m e n ta r q ue a in teg ração
en tre a h istó ria da psicologia e a filosofia d a psicologia é u m a d a s fo rm as p o s­
síveis de se p e n sa r a relação en tre p esq u isa teó rica e investigação histórica.
N esse sentido, vou explicitar o q u e eu en ten d o p o r essa in teg ração e propô-la
com o u m p ro g ra m a p e rm a n e n te de p esq u isa teó rica em psicologia. N o próxi­
m o capítulo, vou a p re se n ta r algum as d iretrizes m etodológicas p a ra a ela b o ra ­
ção e rea liz a ç ão de p ro jeto s p a rticu la re s, u tilizan d o exem plos co n creto s da li­
te ra tu ra especializada. A m bas as estratégias, divididas em dois cap ítu lo s, têm
o objetivo com um de fo rn e c e r um a fu n d am e n ta ç ã o m etodológica p relim in ar
p a ra esse tip o de investigação - que deverá ser ap ro fu n d a d a em trab alh o s
p o ste rio re s - , servindo com o u m p rim e iro guia p a ra os in teressad o s n a área.

O p o n to d e p a rtid a p a ra a c o m p re e n s ã o d a p ro p o s ta a q u i a p re s e n ta d a é o
c o n ju n to d e p ro b le m a s e lim ita ç õ e s d a te n d ê n c ia m eto d o ló g ic a d o m in a n te

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em h is tó ria d a p sico lo g ia. P o r isso , vou in ic ia r m in h a e x p o siç ã o a n a lis a n d o


o d e sen v o lv im e n to re c e n te d o c a m p o , m o stra n d o em seg u id a su a s fragili­
d a d e s e a n e c essid ad e de a b o rd a g e n s c o m p le m e n ta re s. C o m o a p ro p o s ta
aq u i a p re s e n ta d a é d e riv a d a d o s d e b a te s s o b re as p o ssív eis re la ç õ e s e n tre
a h is tó ria d a c iên cia e a filosofia d a ciên cia, q u e d e sd e a d é c a d a de 1 960
v êm o c u p a n d o p a rte d a a g e n d a de h is to ria d o re s e filósofos d a c iê n c ia , vou
a p re s e n ta r em seg u id a o c o n te x to g eral de tais d e b a te s, a fim d e fam iliari­
z a r o le ito r co m a n a tu re z a d o s a rg u m e n to s a p re s e n ta d o s . P o ste rio rm e n te ,
vou a n a lisa r as im p licaçõ es de tais d e b a te s p a ra o c a so esp ecífico d a p sic o ­
logia, p e rg u n ta n d o so b re as p o s s ib ilid a d e s d e in te g ra ç ã o e n tre h istó ria da
p sicologia e filosofia d a p sico lo g ia. P or fim , vou c o n c lu ir d e fe n d e n d o u m a
d essas p o ssib ilid a d es.

1.A emergência da nova historiada


psicologia

A c o m p a n h a n d o a te n d ê n c ia g e ra l d a h isto rio g ra fia d a c iên cia n a é p o c a ,


os p rim e iro s tra b a lh o s h isto rio g rá fic o s em p sic o lo g ia re p re s e n ta v a m u m a
tra d iç ã o b a s e a d a em re la to s b io g rá fic o s o u an á lise d e id eias. U m d o s ex em ­
p lo s m ais m a rc a n te s d e s ta h isto rio g ra fia é a o b ra m o n u m e n ta l de E d w in
B o rin g (1 8 8 6 -1 9 6 8 ), A h is to r y o f e x p e r im e n ta l p s y c h o lo g y , q u e fo rm o u
to d a u m a g e ra ç ã o de p sicó lo g o s h isto ria d o re s n a tra d iç ã o n o rte -a m e ric a n a
(B o rin g , 1950).

A p a rtir d a seg u n d a m eta d e d a d é c a d a d e 1960, crítico s d o m o d elo tra d ic io ­


nal co m e ç a ra m a su g erir a n ecessid ad e de u m a a b o rd a g e m m ais crítica p a ra
a h istó ria d a psicologia (e.g., S am elson, 1974; W atson, 1975; W o o d w ard ,
1980; Y oung, 1966) e a p ro m o v er a in stitu cio n alização e a p ro fissio n aliza­
ção d a h istó ria d a psicologia co m o c am p o esp ecializad o . C o m o c o n se q u ê n ­
cia, su rg iu u m a nova g eração de h isto ria d o re s d a psicologia e um a série de
novas p u b licaçõ es com os re su lta d o s de su as p e sq u isa s (e.g., B rozek & Pon-
g ratz, 1980; Buss, 1979; W o o d w ard & Ash, 1982). C om o te n d ê n c ia geral,
to d o esse m o v im en to é n o rm a lm e n te c h am ad o de "h isto rio g ra fia crítica da
p sico lo g ia” (W o o d w ard , 1980, 1987), “vira d a so c ia l” na h isto rio g rafia da

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psicologia (Ash, 1987) o u sim p lesm en te “ nova h istó ria d a p sico lo g ia” (Furo-
m o to , 1989). S eg u n d o F u ro m o to (1 9 8 9 ),

A nova história tende a ser critica ao invés de cerim onial, contextuai


ao invés de um a sim ples história das ideias, e mais inclusiva, indo
além do estudo dos ‘grandes hom ens’. A nova história utiliza fontes
prim árias e docum entos de arquivos ao invés de se basear em fontes
secundárias, o que pode levar à transm issão de m itos e anedotas de
um a geração de autores de m anuais à outra. Finalm ente, a nova his­
tória tenta se m anter d en tro do pensam ento de um período p ara ver
as questões tais com o elas apareceram na época, ao invés de buscar
antecedentes de ideias atuais ou dc escrever a história retrospectiva­
m ente, a p a rtir do conteúdo presente do cam po. (p. 18)

U m o u tro a sp e c to ce n tral d essa nova h isto rio g ra fia é u m a ênfase nos a sp ec ­


to s p o lítico s, sociais e in stitu c io n a is d a p sico lo g ia em d e trim e n to de seu s
ele m en to s lógicos, m eto d o ló g ico s e m etafísico s, ain d a q u e essa c o n c o r­
d â n c ia geral v en h a a c o m p a n h a d a de u m a g ran d e v a rie d a d e de o rie n ta ç õ e s
teó rica s p a rtic u la re s. K u rt D an zig er (1 9 9 0 , 1997), N ikolas R ose (1 9 8 5 ,
1998), R oger S m ith (1 9 9 2 ), M itcheí Ash (1 9 9 8 ) e M artin K usch (1 9 9 9 ),
en tre o u tro s, têm p u b licad o tra b a lh o s p io n eiro s so b re o im p acto de fato res
c u ltu rais, sociais e políticos so b re a te o ria e a p rá tic a d a p sico lo g ia em seu
d esen v o lv im en to h istó ric o 51. E isso tem a c o n tecid o n ã o a p e n as no nível de
tra b a lh o s m o n o g ráfico s individuais, m as tem ig u alm en te tra n s fo rm a d o o
p ró p rio m o d o de c o n c e b e r e e scre v e r os m an u a is d a áre a , que co m eçam
a a p re s e n ta r u m a nova e s tru tu ra (e.g., Jansz & D ru n e n , 2 0 0 4 ; fones &
E lcock, 2 0 0 1 ; P ick ren & R u th e rfo rd , 2 0 1 0 ; Sm ith, 2013; W alsh, T eo, &
B aydala, 2014). 3
1

31 O fato de que a m aioria d o s novos h isto riad o res da psicologia com partilham o objetivo de
privilegiar as dim ensões políticas, sociais e institucionais da ciência em suas análises históricas da
psicologia não deve n os fazer ig n o rar as significativas diferenças m etodológicas e conceituais que
existem en tre eles (e.g., Ash & W oodw ard, 1987; B rock, L ouw , & van H o o rn , 2 0 0 5 ; Buss, 1979;
D anziger, 1979, 1990; Furom oto, 2 0 0 3 ; G rau m an n & G crgcn, 1996; Rose, 1998; Sm ith, 1988,
2013). Por exem plo, m esm o q u an d o eles afirm am que estão fazendo um a análise sociológica da
psicologia, eles n ão n ecessariam en te estão falando da m esm a coisa (e.g., B cnetka, 2 0 0 2 ; Kusch,
1999). Para um a investigação d etalhada do início de tal diversificação na historiografia da psicolo­
gia nos Estados Unidos, ver .Ash (1983).

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2. Limites e problemas da nova história

E ssas novas a b o rd a g e n s p a ra a h istó ria d a p sico lo g ia têm tra z id o à luz as­


p e c to s im p o rta n te s d a te o ria e d a p rá tic a p sicológica, tais co m o a influência
do d isc u rso p sico ló g ico n a so c ie d a d e e os u so s p o lítico s e id eo ló g ico s dos
testes m en tais. A p e sa r d e to d o s os seu s m érito s, co n tu d o , m u ito s d esses
e stu d o s d eix am m u ito a d e se ja r em term o s m eto d o ló g ico s. C o m o b e m m o s­
tro u L ovett (2 0 0 6 ), as d ico to m ia s c ria d a s p elo s no v o s h isto ria d o re s p a ra
s e p a ra r a nova d a velha h istó ria (crítica x in g ên u a , p ro fissio n al x a m a d o ra ,
uso de fo n tes p rim á ria s x fontes se c u n d á ria s etc.) são e x a g erad as. E m re ­
lação ao u so d a s fo n tes, p o r exem plo, n ã o e stá tã o claro assim que to d o s
os c h a m a d o s velhos h isto ria d o re s faziam u so p re p o n d e ra n te de fo n tes se­
c u n d á rias. A lém disso, eu g o sta ria de a c re s c e n ta r às o b se rv a ç õ e s de Lo­
vett o fato de q u e m u ito s tra b a lh o s p e rte n c e n te s à n o v a h istó ria c o n tin u a m
a n eg lig en ciar fontes p rim á ria s im p o rta n te s , co m o eu d e m o n stre i a lh u re s
(A raújo, 2 0 1 4 a).

E ssas g e n eralizaçõ es a p re ssa d a s em rela çã o à h isto rio g rafia d a psicologia


p o d e m levar a u m a c o m p re e n sã o eq u iv o cad a de q u e stõ e s in trín se c as à p e s ­
quisa h istó ric a em psicologia. E n tre os p ro b le m a s a p o n ta d o s p o r L ovett em
rela çã o às c o n clu sõ es a p re ssa d a s d a nova h istó ria , trê s sã o esp ecialm en te
im p o rta n te s p a ra a p re se n te discussão:

a) novos historiadores têm se com prom etido prem atu ram en te com
visões norm ativas sobre questões historiográficas, onde não há qual­
q u er consenso: b) a pesquisa da nova história se baseia frequentem en­
te em um a visão particular de ciência que n ão é largam ente aceita
p o r filósofos contem porâneos da ciência, e n em m esm o entendida p o r
filósofos profissionais da m esm a m aneira que os novos historiadores
frequentem ente a ssu m e m ;. . . d) as diretrizes norm ativas defendidas
pelos novos historiadores podem ser im possíveis de seguir de form a
consistente. (Lovett, 2 0 0 6 , p. 18)

N o q u e d iz re sp e ito ao p rim e iro p o n to , o re c e n te d e b a te e n tre D an iel Robin-


so n e K u rt D a n z ig e r ilu stra b e m a falta de co n sen so e n tre os h isto ria d o re s

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d a p sicologia so b re q u e stõ e s fu n d am e n ta is (e.g., c o n tin u id a d e x desconti-


n u id ad e). E m especial, R o b in so n (2 0 1 3 a, 2 0 1 3 b ) d efen d e a c o n tin u id a d e
co n ceitu ai e n tre v ário s a sp ec to s d o p e n sa m e n to d e A ristó teles e a psicologia
m o d e rn a , e n q u a n to D a n z ig er (2013) re c u sa a existência de u m a psicologia
a risto télica n o sen tid o m o d e rn o d o term o . A co m p lex id ad e d o s p ro b le m as
envolvidos e a d ificuldade de o fere c er re sp o sta s ráp id a s e fáceis d ev eriam
serv ir de p re c a u ç ã o p a ra o h isto ria d o r d a psicologia.

N o q u e c o n c ern e ao seg u n d o p o n to , L ovett id entificou em tra b a lh o s d a nova


h istó ria u m a a c eitação p o u c o crítica de p re ssu p o sto s te ó ric o s (e.g., a filo­
sofia d a ciência de T h o m a s K u h n ) e a existência de e rro s sim ilares àq u eles
n o rm a lm e n te a trib u íd o s à velha h istó ria (e.g., novas fo rm as d e p rese n tism o
cerim onial). S u a co n clu são é d e q u e “ a n ova h istó ria n ã o é tão d iferen te
assim d a v elha, co m o o s seus p ra tic a n te s a rg u m e n ta m ” (L ovett, 2 0 0 6 , p.
2 6 ), e q u e algum as vezes “é difícil d istin g u ir e n tre u m ju íz o c u id a d o so e u m
p rec o n c e ito b em e la b o ra d o ” (L ovett, 2 0 0 6 , p. 33).

In felizm en te, L ovett n ã o e x p lo ro u u m te rc e iro tip o de p ro b le m a q u e ele id en ­


tificou n a nova h istó ria , a saber, a co n sistên cia de su as d ire triz e s no rm ativ as.
E ste p ro b lem a coloca, a m eu ver, o m ais sério desafio m eto d o ló g ico p a ra os
novos h isto ria d o res. Ao m esm o tem p o , ele co n stitu i a ra z ã o p rin c ip al q u e
justifica m in h a p ro p o sta de u m a ab o rd a g e m a lte rn a tiv a p a ra a h istó ria futu­
ra d a psicologia.

A q u estão d a co n sistên cia p o d e ser m ais b e m v isu alizad a q u a n d o aplicada


a u m caso co n creto . Vou to m a r aqui com o exem plo o p ro je to psicológico
de W u n d t. N esse tem a, o tra b a lh o de D an zig er é m uito im p o rta n te. T endo
p a ssa d o m ais de u m a d écad a reav alian d o a psicologia de W u n d t, D an zig er
fez co n trib u iç õ e s significativas p a ra os estu d o s w u n d tian o s (A raújo, 2016).
C o n tu d o , su as análises n ão d eix am de a p re s e n ta r p ro b lem as. Por exem plo,
em C o n s tr u c tin g th e s u b je c t (1 9 9 0 ), ele a rg u m e n ta que, n a h isto rio g rafia da
psicologia, “o q u e está faltan d o é o rec o n h e c im e n to da n a tu re z a socialm ente
c o n stru íd a do co n h ecim en to p sico ló g ico ” (D anziger, 1990, p. 2). N a ten ­
tativa de p re e n c h e r esta lacu n a, D an zig er p ro p õ e o co n ceito de p rá tic a in-
vestigativa co m o su b stitu to do co n ceito de m eto d o lo g ia, com o objetivo de
c a p tu ra r a d im en são social d a p e sq u isa psicológica, in clu in d o o la b o ra tó rio

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de W u n d t52. E n tre ta n to , q u a n d o se tra ta d o c o n c e ito m e to d o ló g ic o cen ­


tra l de W u n d t - a in tro sp e c ç ã o e sua rela çã o co m o m é to d o e x p erim en tal
D an zig er n ã o segue os p rec e ito s de su a a b o rd a g e m so c ío c o n stru tiv ista e
m u d a o foco de su a an álise p a ra u m a seletiva h istó ria c o n c eitu ai d a in tro s­
p ec çã o , q u e é tão p ro b le m átic a q u a n to alg u m as d a s v elhas h istó ria s con­
ceitu ais so b re o te m a 55. E m esm o q u a n d o in tro d u z aq u ilo q u e c h a m a de
“u m te rc e iro elem en to na p rá tic a investígativa d e W u n d t” (D an zig er, 1990,
p. 18), a o rg a n iz a ç ã o social de seus e x p e rim e n to s p sicológicos, D an zig er
n ão co n seg u e m o stra r a d e te rm in a ç ã o social d o s objetivos e d o s in te resse s
epistêm ico s d e W u n d t, fru s tra n d o , d e sta fo rm a, a m eta m ais elevada de sua
a b o rd a g e m so cio co n stru tiv ista. Em o u tra s p alav ras, q ue o la b o ra tó rio de
W u n d t tin h a u m a e s tru tu ra social n ã o explica nem a su a psicologia expe­
rim e n ta l co m o u m to d o n em su a teo ria psicológica em rela çã o ao s d a d o s
e x p erim en tais, sem falar n as q u e stõ e s filosóficas a ela su b jacen tes. N o m áxi­
m o, a a b o rd a g e m social d e D an zig er p o d e ilu stra r alguns a sp ec to s d a p rática
e x p e rim e n tal de W u n d t, tais com o os p a p é is in tercam b iáv eis e n tre ex p eri­
m e n ta d o r e sujeito e x p erim en tal. T odavia, além de n ã o ser c o e re n te com
seus p ró p rio s p rin cíp io s em p o n to s cru ciais, ela carece de u m a investigação
c u id ad o sa dos fu n d am e n to s filosóficos d a psicologia de W u n d t.

U m seg u n d o exem plo é o e stu d o de M artin K usch (1 9 9 9 ): P s y c h o lo g ic a l


K n o w le d g e : A S o c ia l H is to r y a n d P h ilo s o p h y . Esse livro oferece um a in te r­
p re ta ç ã o d a co n tro v érsia so b re a psicologia do p e n sam e n to n a A lem anha,
com b ase n a sociologia do c o n h ecim en to científico. D e a c o rd o com a tese
g eral do livro, “ co rp o s de c o n h ecim en to psicológico são in stitu içõ es so ciais”
(K usch, 1999, p. 1). C om o co n seq u ê n c ia de seu sociologism o54, K usch deve­
ria en tão m o stra r q u e a teo ria psicológica de W u n d t tam b é m é u m a institui- 43*2

32 De acordo com D anziger, “ um a prática investigativa é em grande m edida um a prática social,


no sentido de que o indivíduo investigador age d en tro dc um q uadro de referência determ in ado
pelos potenciais consum idores dos p ro d u to s de sua pesquisa e pelas tradições de prática aceitável
que prevalecem n a área. Além disso, os objetivos e in teresses epistêm icos que guiam esta prática
d ependem do contexto social dentro do qual os investigadores trab alh am ” (D anziger, 1990, p. 4).

3.3 Para m encionar ap enas um problem a, D anziger restringe a análise da intro specção antes de
W undt a Locke e K ant, deixando de lado aspectos essenciais dos debates do século XVIII sobre
o tem a. Para m aiores detalhes sobre este tópico, ver Hatfield (2 00 5) e S turm (2 0 0 6 /2 0 1 2 , 2 0 09).

34 Nas palavras dc Kusch: “ Sociologismo é a afirm ação de que os assim cham ados fatores ‘racio­
n ais', isto é, teo rias, argum ento s e razões, são de fato fatores sociais” (Kusch, 1999, p. 177).

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ção so cial33. E n tre ta n to , as an álises de K usch e stã o longe de ser co n v in cen ­


tes. P o r exem plo, suas c a teg o rias de análise são p ro b le m átic a s n ã o a p e n as
q u a n d o ap licad as à p ró p ria E scola de W ü rz b u rg , q ue é o foco cen tral do
livro, m as se revelam in a d e q u a d a s p a ra lid a r com o p ro jeto psicológico de
W u n d t3536. E m b o ra ele esteja c o rre to em a firm a r que o a rg u m e n to de W u n d t
em favor d a se p a ra ç ã o e n tre a psicologia e x p e rim e n tal e a V ö lk e r p s y c h o lo g ie
foi aceito p ela m aio ria de seus e stu d a n tes em L eipzig (K usch, 1999, pp.
176-177), K usch n ã o co n seg u e m o stra r com o a te o ria psicológica de W u n d t,
sem fala r n o seu p ro g ra m a filosófico su b jacen te, p o d e ria ser u m a in stitu ição
social. K usch ig n o ra o fato de q u e a te o ria n ã o foi co letivam ente aceita ou,
p a ra u sa r seu p ró p rio c rité rio , de que n e n h u m coletivo teve u m a c re n ç a au­
to r referen cial so b re a teo ria. A lém disso, m esm o se ele co n seg u isse d em o n s­
tra r isso, o c a rá te r social d a te o ria psicológica de W u n d t (ou de p a rte s dela)
n ã o é suficiente p a ra explicar a sp ecto s cru ciais dela, tais com o a rejeição do
in co n scien te o u os p rin c íp io s d a cau salid ad e psíquica. E m o u tra s p alav ras,
as c a ra cterísticas cen trais d a e la b o raç ã o te ó ric a de W u n d t n ã o são afetad as
pela análise sociológica d e K usch.

O últim o exem plo q u e vou e x p lo rar aq u i é o livro de G e rh a rd B en etk a -


D e n k s tile d e r P s y c h o lo g ie - q u e co n tém longas seções so b re W u n d t e seus
críticos (B en etk a, 2 0 0 2 , pp. 61-148). D esde o com eço, B en etk a d e ix a claro
q u e sua a b o rd a g e m m eto d o ló g ica p a ra a h istó ria d a psicologia é b a se a d a na
análise sociológica d o c o n h ecim en to científico, p ro p o sta p o r Ludw ig Fleck
(1896-1961), esp ecialm en te no q u e diz resp e ito às n o çõ es de D e n k s til (estilo
de p e n sam e n to ) e D e n k k o lle k tiv (coletivo de p e n s a m e n to )37. C o n tu d o , em
suas análises h istó ricas co n c re ta s, B enetka n ã o m o stra com o e x a tam en te a
ab o rd a g e m de F leck se ap licaria à h istó ria da psicologia alem ã em geral ou
ao p ro je to de W u n d t em p articu la r, e co m o isso levaria a um a in te rp re ta -

35 Para Kusch, “p a ra que algo seja um a instituição social, c suficiente que a lg u m coletivo tenha
um a crença auto-referencial sobre este algo” (Kusch, 1999, p. 172).

36 M ülbergcr (2001), p o r exem plo, afirm a que a análise de Kusch sobre a Escola de W ürzburg
enquanto um a instituição social é altam ente pro blem ática, no sentido de que Kusch a trata com o
um a unidade, ig no ran do a enorm e h eterogeneidade en tre os próp rio s m em bros daquela escola.

37 C om o explica B enetka, “um coletivo de pensam ento científico não c n ad a além de um a com uni­
dade de cientistas que com partilham ponto s de vista sem elhantes: um g ru p o de pesquisa em labo­
ratório, um a escola científica, u m a com unidade de especialistas, d epen dendo do que seja a unidade
de análise em questão. Fleck cham a de estilo de pensam ento as suposições que são com uns a um
grupo e que subjazem ao seu tra b a lh o ” (B enetka, 2 0 0 2 , p. 22).

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ção nova e significativa. A o invés disso, o q u e se e n c o n tra m são a firm a ç õ es


gerais o u m u ito v agas, com o: “N os ú ltim o s q u in ze an o s do século X IX , u m
novo estilo de p e n sa m e n to co m e ç o u a se esta b e le c e r c o n tra a psicologia de
W u n d t” (B en etk a, 2 0 0 2 , p. 149). N ã o h á se q u er u m a ten ta tiv a d e d e m o n s­
tra r com o as categ o rias ‘estilo de p e n s a m e n to 5 e ‘coletivo de p e n s a m e n to ’
p o d e m ex plicar o p ro je to psicológico de W u n d t ou com o elas ilu m in am n o ­
vos asp ecto s de seu p e n sa m e n to em c o m p a raç ã o com as velhas h istó ria s da
psicologia. Ao invés disso, q u a n d o vai a p re s e n ta r as ideias psicológicas de
W u n d t, B enetka acab a se b a se a n d o em D anziger, rep e tin d o su a crítica tra d i­
cional à in te rp re ta ç ã o de B oring, assim com o suas vagas in d icaçõ es so b re as
raízes in telectu ais de W u n d t (K an t, Fichte, S c h o p e n h a u e r etc.). A o final, a
ab o rd a g e m de B enetka, co m o a d e D anziger, se revela in a d e q u a d a p a ra lid a r
com a p ro fu n d a e s tru tu ra co n ceitu ai d a psicologia de W u n d t, o q u e a p o n ta
n o v am en te p a ra a n ecessid ad e de u m a ab o rd a g e m d iferen te p a ra o p ro je to
de W u n d t.

T udo in d ica, en tão , que as h istó rias sociais d a p sicologia n ão d ã o c o n ta de


a b o rd a r a d e q u a d a m e n te algum as q u e stõ e s teó rica s e co n ceitu ais su b jacen ­
tes a c e rto s p ro je to s psicológicos, que d e m a n d a m u m a análise filosófica m ui­
to m ais c u id ad o sa do que tem sido oferecid a até aq u i. Eu d efen d o a tese de
que q u estõ es filosóficas e co n ceitu ais n ão p o d e m ser re d u z id a s a q u e stõ e s
sociais, isto é, se u se n tid o n ã o p o d e ser co m p le ta m en te c a p tu ra d o p o r an áli­
ses sociológicas o u so cio co n stru tiv ista. A in d a q u e tais an álises p o ssam a b rir
novos h o riz o n te s de c o m p re en sã o d o desenvolvim ento h istó ric o d a p sico lo ­
gia, elas d eix am m u itas q u e stõ e s sem re sp o sta . A dem ais, c a teg o rias com o
‘p rática s so ciais5, ‘p rá tic a s c u ltu ra is ', ‘p rática s d iscu rsiv as' e afins, a lém de
su a v ag u eza e de seu s u so s p ro b le m átic o s18, n ã o co n seg u e m c a p tu ra r o sig­
nificado te ó ric o de m u ito s p ro jeto s p sicológicos, co m o o de W u n d t, q ue é
s o b re tu d o p a rte de um sistem a filosófico e está e n ra iz a d o p ro fu n d a m e n te
em su a m o tiv ação filosófica p esso al. Eu n ã o e sto u a firm a n d o q u e a dim en- 83

38 Stephen T u rn er (1994), inicial m ente um entu siasta d a teo ria social co n tem porânea, subm eteu
o conceito de p ráticas a u m a crítica rigorosa. Para ele, o conceito é escorregadio e tem p roprieda­
des m isteriosas. N esse sentido, ele m o stra que p ráticas sâo freq u en tem en te com preend idas com o
objetos reais com p ro p ried ad es m isteriosas, tais com o p o d e r causal. Por exem plo, ele pergunta:
Kse u m a cu ltu ra é u m objeto causal, com o ela age e que tipo de objeto ela é ? ” (T urner, 1994, p. 6).
Tais problem as levaram -no “a concluir que o conceito de p ráticas é profund am ente falho” (Turner,
1994, p. 11).

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são política, social ou in stitu cio n al n ão é im p o rta n te p a ra o e n te n d im e n to d o


d esen v o lv im en to h istó ric o d a psicologia. M eu arg u m e n to é, an tes, q u e essas
d im en sõ es n ã o são suficientes p a ra explicar a sp e c to s essenciais d e te o ria s
e co nceitos psicológicos. Isso explica, a m eu ver, p o rq u e a lite ra tu ra secu n ­
d á ria tem ig n o rad o tan to s asp ecto s do p ro je to de W u n d t e ta n ta s fontes
p rim á ria s relev an tes p a ra a c o m p re e n sã o de seu d esenvolvim ento intelec­
tu al, esp ecialm en te no q u e diz re sp e ito à relação e n tre sua filosofia e sua
psicologia. Isso ta m b é m justifica a b u sc a de u m a a b o rd a g e m d iferen te p a ra
a h istó ria d a psicologia.

3. Relações
f
entre a história da ciência e a
filosofia da ciência

N as últim as d écad as, m uitos a u to re s têm d efen d id o a n e c essid ad e d e u m a


in te g raç ã o en tre a H istó ria da C iência e a Filosofia d a C iência, c u lm in a n d o
n a p ro p o sta d e u m a nova disciplina o u u m novo cam po de estu d o s: H is to r y
a n d P h ilo s o p h y o f S c ie n c e (H PS). U m a das justificativas básicas p a ra tal in te­
g raç ã o d eriv a do fam o so v e red ito do filósofo N o rw o o d H a n s o n (1924-1967)
- p o ste rio r m en te re to m a d o p o r Im re L ak ato s (1922-1974) - seg u n d o o qu al
“a h istó ria d a ciência sem a filosofia d a ciência é cega, . . . a filosofia d a
ciência sem a h istó ria d a ciência é v a z ia ” (H a n so n , 1962, p. 5 8 0 ). A a p o sta
c e n tral é que alguns p ro b lem as m eta-científicos só p o d e ria m ser resolvidos
p o r m eio de um a in te n sa co la b o raç ã o e n tre am b as as á re a s. P eter G alison,
p o r exem plo, em u m artig o rec e n te , a p re se n ta u m a lista de dez p ro b le m as
que ilu stra ria m tal n ecessid ad e de c o lab o ração (G aliso n , 2 0 0 8 ). A lém disso,
alguns esforços coletivos têm sido feitos p a ra p ro m o v e r o d e b a te e o ferecer
p o ssib ilid ad es de a p ro x im ação e in teg ração (A rab atzis & S chickore, 2012;
D om sky & D ickson, 2 0 1 0 a; M au sk o p f & S chm altz, 2 0 1 2 a).

N em tu d o é tã o sim ples, p o rém . A p re te n d id a in te g raç ã o tem se m o strad o


h isto ric a m e n te difícil, e a in d a hoje ela é p re c á ria , sen d o m u ito m ais co m u m
a ig n o râ n c ia m ú tu a e a falta de c o m u n icação e n tre a m b as as á re a s do q u e a
a p ro x im aç ã o e a co la b o raç ã o d e sejad as p o r alguns (A rab atzis & S chickore,
2012; B u rian , 2 0 0 2 ; L au d an , 1996; M au sk o p f & S chm altz, 2 0 1 2 b ; P innick
& G ale, 2 0 0 0 ; Steinle & B u rian , 2 0 0 2 ). P o r isso, a n tes d e a p o n ta rm o s as

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p o ssib ilid ad es co n c re ta s de in teg ração , é im p o rta n te c o m p re e n d e rm o s p ri­


m eiram e n te as orig en s d o d eb ate c o n te m p o râ n e o e as raz õ e s q u e d ificultam
ou im p ed em a a p ro x im a ç ã o en tre am b as as áreas.

É im p o rta n te le m b ra r q ue até a p rim e ira m e ta d e d o sécu lo X X , a h is tó ria


d a c iên cia e ra e s c rita s o b re tu d o p o r c ie n tista s e filósofos. O su rg im en to
dos p rim e iro s d e p a rta m e n to s e p ro g ra m a s de h istó ria d a c iên cia lev aram
a u m a p ro fis sio n a liz a ç ã o c re sc e n te d a d iscip lin a, q u e c o lo cav a em q u e s tã o
a su a re la ç ã o co m a filosofia d a ciência. A p a r tir d a d é c a d a de 1960, su r­
g ira m in iciativ as oficiais d e in te g ra ç ã o e n tre as d u a s á re a s , co m o a fu n d a ­
ção, na U n iv e rsid a d e de In d ia n a , d o p rim e iro D e p a rta m e n to d e H P S n o s
E sta d o s U nidos.

Em q u e p ese, p o rém , a influência do a sp ecto in stitu cio n al n o su rg im en to


d o d eb a te , h ã u m fato r ain d a m ais significativo, q u e foi a p u b licação de A
e s tr u tu r a d a s r e v o lu ç õ e s c ie n tífic a s , de T h o m as K uhn. C o n trap o n d o -se à c o n ­
cep ção n eo p o sitiv ista de ciência, re p re s e n ta d a pelos m em b ro s d o C írculo
de V iena, K uhn en fatizo u a d im en são h istó ric a e social d o c o n h ecim en to
cientifico, em d e trim e n to d e seus a sp ecto s lógicos. S eg u n d o ele, "a h istó ria ,
se c o n sid e rad a com o algo m ais d o q u e um d e p ó sito de a n e d o ta s o u c ro n o ­
logias, p o d e ria p ro d u z ir u m a tra n sfo rm aç ã o decisiva n a im agem q u e tem o s
atu alm en te da c iên cia” (K uhn, 1970, p. 1). Assim, ao invés de e n te n d e r a
ciência com o um a e s tru tu ra form al e a b stra ta , ele p ro p ô s u m m o d elo d in â­
m ico, b a sea d o so b re tu d o n a h istó ria d a física, seg u n d o o qual to d o co n h eci­
m en to científico se d esen v o lv eria p o r m eio d e revoluções.

E m b o ra n ã o te n h a sido o p rim e iro a en fa tiz a r a d im e n sã o h istó ric a d a ativi­


d a d e científica39, foi p rin c ip alm e n te K u h n q u em co lo co u a h istó ria d a ciên ­
cia n a a g en d a de boa p a rte d a filosofia d a ciência d a seg u n d a m eta d e do
século X X , lev an d o m u ito s filósofos a c o n sid e ra r se ria m e n te o p a p e l d o s ele­
m en to s h istó ric o s n a c o n stru ç ã o d o co n h e cim e n to científico. C o m o afirm o u
o filósofo da ciência M ichel F rie d m a n , “A e s tr u tu r a d a s r e v o lu ç õ e s c ie n tífic a s
(1 9 6 2 ), de T h o m a s K u h n , m u d o u p a ra sem p re n o ssa avaliação da im p o rtâ n ­
cia filosófica d a h istó ria d a ciên cia” (F ried m an , 1993, p. 37).

39 Por exem pío, L udw ik Fleck (1896-1961), N orw ood H anson e S tephen Toulm in (1922-2009)
foram alguns teóricos da ciência que en fatizaram , antes de K uhn, a im portância d a dim ensão histó­
rica na co nstrução do conhecim ento científico (Fleck, 1 9 3 5/1 980 ; H anson, 1958; Toulm in, 1961).

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C u rio sa m e n te , p o ré m , o p ró p rio K uhn se p o sicio n o u c o n tra a in teg ração


d a h istó ria e d a filosofia d a ciência em u m ún ico cam p o ou disciplina. D e
a co rd o com ele, am b as as disciplinas diferem so b re tu d o em seus objetivos:
“O p ro d u to final d a m aio r p a rte d a p e sq u isa h istó rica é u m a n a rrativ a, u m a
e stó ria , so b re p a rtic u la re s do p a ssa d o . Em p a rte , é u m a d e scriçã o do que
o c o rre u . . . O filósofo, p o r o u tro lado, visa p rin c ip alm e n te a g en eralizaçõ es
explícitas de ab ra n g ê n c ia u n iv ersa l” (K uhn, 1977, p. 5).

]a n o início d a d é c a d a de 1970, ap ó s algum as iniciativas form ais p a ra p ro ­


m over a in te g raç ã o e n tre h istó ria e filosofia da ciência - com o o C o n g resso
de M in n e so ta em 1969 e a fu n d aç ã o do p e rió d ic o S tu d ie s in H is to r y a n d
P h ilo s o p h y o f S c ie n c e em 1970 - m u ito s a u to re s co m e ç a ra m a ex p re ssa r seu
ceticism o. N esse co n te x to , R onald G iere cu n h o u a ex p ressão a m a r r ia g e o f
c o n v e n ie n c e (um ca sa m en to de conveniência) p a ra d escrev er a u n ião en tre
a m b as as d isciplinas (G iere, 1973, p. 2 8 3 ). P ara ele, a p e sa r de sua u tilidade
in stitu cio n al, a u n ião carecia de u m a b o a justificativa teó rico -co n ceitu al, na
m ed id a em q u e a relev ân cia de u m a disciplina p a ra a o u tra ain d a n ã o tin h a
sido d e m o n stra d a . Por exem plo, em rela çã o à filosofia d a ciência, “o p ro b le ­
m a geral é m o stra r q u e c o n clu sõ es filosóficas p o d e m se r a p o ia d a s p o r fatos
h istó rico s e com o ex a ta m e n te isso a c o n te c e ” (G iere, 1973, p. 2 9 2 ).

O artigo de G iere m otivou u m a série de réplicas, n as qu ais os a u to re s p ro ­


cu rav am , cad a um à sua m an e ira , m o stra r a relev ân cia d a h istó ria d a ciência
p a ra a filosofia d a ciência e, assim , d e fe n d e r a tese de q u e a rela çã o e n tre
a m b as era m ais do que um ca sa m en to de co nveniência (e.g., B u rian , 1977;
M cM ullin, 1976; K rüger, 1982). L o ren z K rüger, p o r exem plo, afirm o u que
a in te g raç ã o d a h istó ria e d a filosofia d a ciência seria “um ca sa m en to de
co n v en iên cia” (K rüger, 1982, p. 108).

N as d é c a d a s seguintes, essa ten d ên cia de ac eita r a relação se fo rtaleceu na


filosofia d a ciência (L au d an , 1989; R adder, 1997; Y aneva, 1995). D e ac o rd o
com M ichael F ried m an , p o r exem plo, “está claro, p a ra além de q u a lq u e r d ú ­
vida, p e n so e u , q u e u m a aten ção c u id ad o sa e sensível p a ra a h istó ria d a ciên­
cia deve e sta r a b so lu tam en te no ce n tro de q u a lq u e r c o n sid eração filosófica
sé ria so b re a c iên cia” (F ried m an , 1993, p. 37). M ais rec e n te m e n te , D om sky
e D ickson (2010b) p u b lic a ra m u m ‘m an ifesto ' em defesa d a H P S , n a es­
p e ra n ç a de fo rn e c e r um a resp o sta às críticas de G iere. D o m esm o m odo,

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A rab atzis e S chickore a rg u m e n ta m q u e as novas m an e ira s d e faz e r H P S


significam “ m ais d o que u m novo ca sa m en to de c o n v en iên cia” (A rabatzis &
S chickore, 2 0 1 2 , p. 4 0 4 ).

O p ro b le m a , n o e n ta n to , está longe de ser resolvido. Em p rim e iro lugar, essa


m esm a ten d ê n c ia n ã o se re p e tiu e n tre o s h isto ria d o re s d a ciência, que p a ­
rec e m te r o p ta d o p o r u m d ista n c ia m e n to v o lu n tário d a s q u e stõ e s filosóficas
do co n h e cim e n to científico. Em se g u n d o lugar, m esm o en tre os filósofos d a
ciência, n ã o h á c lareza so b re co m o a in te g raç ã o d ev eria ser feita, sem falar
n a q u e le s q u e co n tin u a m d e fe n d e n d o o d ista n c ia m e n to e o iso lam en to . Por
isso, a p o ssib ilid ad e de in te ra ç ã o e c o la b o raç ã o en tre am b a s as d isciplinas
a in d a é u m a q u e stã o em a b e rto , q u e só p o d e ser resolvida em caso s específi­
cos. A inda n ã o foi ela b o rad o u m m o d elo g eral p a ra a in teg ração .

P o r isso, a p ó s te r a p re s e n ta d o em linhas gerais as raíz es h istó ric a s d o d e b a te


atu al e d as d ificuldades de in teg ração , e u p e n so q u e se ria o p o rtu n o a p re se n ­
ta r ag o ra algum as a ltern ativ as a favor de u m a m aio r in te ra ç ã o 40.

H aso k C h an g (1 9 9 9 ), p o r exem plo, d efen d e a H P S com o u m a disciplina


in te g ra d a , cu ja fu n çã o seria c o m p le m e n ta r o co n h e cim e n to científico p ro ­
d u zid o p elo s c ie n tistas esp ecialistas. C om b a se n a ideia k u h n ia n a de ciência
n o rm a l - se g u n d o a q u al a ciência só p o d e fu n c io n a r d e n tro de u m q u a d ro
g eral de p re ssu p o sto s n ã o q u e stio n a d o s, q u e levam à elim in ação de q u es­
tõ es q u e p o d e ria m contradizê-los o u d esestabilizá-los C h an g vê a H P S
co m o u m a fo rm a de c o n tra b a la n ç a r essa situ ação . S eg u n d o ele, “a fu n ção
co m p le m e n tar da H P S é re c u p e ra r e re c ria r tais q u e stõ e s, além de, assim se
esp era, resp o n d ê-las. . . os re su lta d o s d e sta s investigações c o m p lem en tam
e e n riq u e c e m a ciência esp ec ializa d a a tu a l” (C hang, 1999, p. 415). M ais
rec e n te m e n te , ele p ro p õ e q u e isso deva se r feito p o r m eio de investigações
de ep isó d io s h istó ric o s c o n c re to s, sem cair n a a rm a d ilh a d a g en e ra liz a çã o
a p re ssa d a (C hang, 2 0 1 2 ).

4 0 Para ficar só na últim a década, houve u m a verdadeira explosão de p ro p o stas de aproxim ação
entre história e filosofia d a ciência. Isso inclui congressos, núm ero s especiais de p eriód icos especia­
lizados tan to em história d a ciência (Isis) q u an to em filosofia d a ciência (E r k e n n tn is ), assim com o
artigos, livros e volum es editados. Para u m a ráp id a lista d e referências, ver A rabatzis e Schickore
(2012) e M auskopf e Schm altz (20 12 a, 2012b).

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Um o u tro exem plo é o caso d e M ary D om sky e M ichael D ickson (2 0 1 0 a),


q u e p ro p õ e u m novo m éto d o p a ra rev ig o rar o ca sa m en to en tre h istó ria e
filosofia d a ciência, o qu al eles ch am am de a b o rd ag em sintética. T o m an ­
d o com o b a se a o b ra de M ichael F rie d m a n , os a u to res a firm am q u e “ seu
objetivo é to rn a r a filosofia relev an te p a ra a h istó ria e a h istó ria relev an te
p a ra a filosofia, p a ra q u e p o ssam o s ‘ver a lém ’ do q u e cada u m a d elas p o d e
o ferecer so z in h a ” (D om sky & D ickson, 2 0 1 0 b , p. 11). E ssa am plificação de
n o ssa c o m p re e n sã o p ro d u z iria , seg u n d o eles, u m a u n id a d e en tre a m b a s as
d isciplinas, q u e p o d e ser ilu stra d a com o caso de N ew ton:

. . . ainda que possa ser inicialm ente útil analisar a visão de N ew ton
sobre o espaço em seus aspectos científicos, filosóficos e teológicos,
em últim a instância esses aspectos devem ser entendidos com o um a
unidade, pois N ew ton não se via fazendo filosofia em um m om ento,
‘física’ em outro, e ainda teologia em um terceiro, assim com o tam ­
pouco se via fazendo ‘de um a só vez’ essas três coisas ‘sep arad as’.
(D om sky & D ickson, 2010b, p. 14)

T h e o d o re A rab atzis tam b é m tem d efen d id o a in te ra ç ã o e n tre a h istó ria e a


filosofia da ciência. E m seu s tra b a lh o s iniciais, ele p ro c u ro u m o stra r co m o
a filosofia d a ciên cia p o d e e n riq u e c e r a in v estig ação h istó ric a d a ciência,
ao a n a lisar os fu n d a m e n to s filosóficos d as e sco lh as e ca te g o ria s h isto rio -
g ráficas em q u e stã o (A rab atzis, 2 0 0 6 a , 2 0 0 6 b ). P o r exem plo, ao u tiliz a r
a ca te g o ria ‘d e s c o b e rta c ien tífica’ (X d e sc o b riu Y), o h is to ria d o r e s ta ria
in ev itav elm en te e n tra n d o em q u e stõ e s filosóficas com o o rea lism o cientí­
fico. A ssim , q u a n to m ais co n scie n te ele estiv er d a s c o m p lex id ad es de tais
q u e stõ e s, m ais su a n a rra tiv a h istó ric a sairá b en e ficia d a . A lém d isso , em
u m a rtig o re c e n te , A ra b a tz is m o stra co m o o e stu d o d a s assim c h a m a d a s
‘e n tid a d e s o c u lta s ’ ( h i d d e n e n titie s ) * e n tid a d e s in acessív eis à o b se rv a ç ã o
im e d ia ta , co m o o e lé tro n - o ferece u m b o m ex em p lo de co m o p o d e se d a r
a in te g ra ç ã o e n tre h istó ria e filosofia d a ciência. N esse caso , p o r m eio do
a p ro fu n d a m e n to h istó ric o e filosófico d a q u e stã o , é p ossível m o stra r co m o
alg u n s c ie n tistas d esen v o lv eram n o p a ssa d o u m a fo rte conv icção so b re a
re a lid a d e de seus o b je to s de e stu d o , a in d a q u e p o s te rio rm e n te essa re a lid a ­
de te n h a sido a b a n d o n a d a , co m o ilu stra b em o e p isó d io d o é te r n a ciência
física. A ssim , conclui A rab atzis:

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. . . a atitude q ue estou recom endando efetua um a separação entre a


im ersão em um a visão de m undo (e em um conjunto de práticas) e a
crença nas entidades ocultas associadas a esta últim a. Ela tem alguns
paralelos com a e p o c h é de H usserl, um a atitude de abstenção de ques­
tões ontológicas. Eu a cham arei de ‘atitude de suspensão ontológica’.
(A rabatzís, 2012, p. 134)

A lém disso, A rab atzís p ro p õ e u m a h istó ria filosófica da ciência, isto é, u m a


ten d ên cia da H P S q u e “ explora episódios h istó ric o s p a rtic u la re s levando
em co n sid e raç ã o , p. ex,, a d in âm ica d as te o ria s científicas ou o p ro cesso
de m u d an ç a c o n c eitu a i” (A rabatzis, 2016). S eguindo essa ideia, ele fornece
u m a o rie n ta ç ã o geral p a ra o h isto ria d o r da ciência filosoficam ente inclinado;

A história filosófica da ciência, com o eu a concebo, busca com preen­


der a vida científica em term os de conceitos m etacientíficos filoso­
ficam ente articulados, tais com o ‘d esco b erta’, ‘objetos’, ‘m odelos’,
‘valores epistêm icos’, ‘a relação entre teoria e experim ento’ etc. Ao
utilizarem ativam ente a literatura filosófica sobre a m odelagem cientí­
fica, p. ex., historiadores da ciência filosoficam ente inclinados podem
lançar nova luz sobre episódios científicos fam iliares e, assim , refi­
n a r e m odificar as ferram entas filosóficas que eles usam . (A rabatzis,
2016, p. 197)

U m a breve an álise d essas novas p ro p o sta s de H P S já é suficiente p a ra m os­


tra r q ue su b jacen te à id en tid a d e d e seus objetivos g erais (in teg ração ) h á u m a
d iv ersid ad e m u ito g ra n d e de a b o rd ag en s. Isto significa q u e h á d iferen tes m a­
n e ira s de c o m p re e n d e r a in te g raç ã o e que n ã o h á, p elo m en o s até o m o­
m en to , um ú n ico m o d o de alcançá-la. É ain d a m u ito ced o p a ra d ize r se tais
a b o rd a g e n s p o d e m ser in te g rad as em u m a só o u se q u a lq u e r u m a delas p o d e
se to rn a r d o m in a n te no futuro.

4. Implicações para a psicologia

A p a rtir d a seção a n te rio r, devem os co n clu ir q u e n ã o há u m a m an e ira ú nica


d e rela cio n a r a h istó ria e a filosofia d a ciência. C o n se q u e n te m en te , tam b é m
n ã o p o d e h av er u m ú n ico m o d o de rela cio n a r a h istó ria e a filosofia d a

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psicologia. E n tre ta n to , a ssu m in d o q ue os d eb ates so b re a H P S p o d e m ser


fru tífero s p a ra a h istó ria e a filosofia da psicologia, d u a s q u e stõ e s cen trais
su rg em im e d ia ta m e n te . P rim eiro , co m o é q u e an álises filosóficas d e p ro je to s
psicológicos a u m e n tam a a c u rá c ia e a riq u e z a d o co n h e cim e n to h istó ric o
em p sico lo g ia? S egundo, com o é q ue investigações de ep isó d io s h istó ric o s
p a rtic u la re s p o d e m se r relev an tes p a ra d iscu ssõ es c o n te m p o râ n e a s em psi­
cologia? A m bas as q u e stõ e s d ev eriam ser vistas com o um reflexo d as d u as
ten d ê n c ia s gerais em H PS: u m a h istó ria filosófica d a ciência e u m a filosofia
h istó rica d a ciência (A rabatzis, no prelo).

A qui eu tra ta re i a p en as da p rim e ira q u estão . A plicada ao caso d a psicologia,


ela leva a um a h istó ria filosófica da psicologia. U m a h istó ria filosófica da
psicologia, com o eu a e n ten d o , é u m a h istó ria d a psicologia g u iad a p o r q u e s­
tõ es filosóficas específicas, sen d o a m ais im p o rta n te de to d as a relação geral
e n tre psicologia e filosofia41, U m a vez q u e esta relação tem se desenvolvido
h isto ric a m e n te de m u itas m an eiras d istin tas, a q u estão global p o d e g erar
q u e stõ e s su b sid iárias específicas - de a c o rd o com cada co n tex to de inves­
tig ação - q u e a ju d a rã o a o rg a n iz a r e d a r c o erên cia tan to aos p ro c e d im e n ­
tos de p e sq u isa q u a n to à n a rra tiv a h istó rica oferecida p e lo h isto riad o r. Em
o u tra s p alav ras, o objetivo c en tral em u m a h istó ria filosófica da psicologia
é revelar com o o d esenvolvim ento h istó ric o e a e la b o raç ã o d e p ro jeto s psi­
cológicos e stão in tim am en te relacio n ad o s a su p o siçõ es filosóficas q ue nem
sem p re são explicitadas. Assim, a ideia é to rn a r tais su p o siçõ es explícitas e
a b e rta s à investigação e avaliação. Ao invés de e n fa tiz a r as d im en sõ es p olíti­
ca e social da psicologia, e de ver o seu desen v o lv im en to p o r in te rm é d io das
lentes de teo rias sociais e de categ o rias com o ‘p rática s so ciais’, u m a h istó ria

41 Isso não q uer d izer q ue essa relação não tenha sido ab o rd ad a anteriorm ente. Pelo eontrário,
histórias da psicologia filosoficam ente inclinadas não são algo novo (e.g., D essoir, 1902; Klenim,
1911; Leary, 1980; R obinson, 1982, 1995; Sm ith, 1986; W oodw ard & Ash, 1982). Alem disso,
nos trabalhos recentes em história e filosofia da psicologia, não faltam estud os que abordam de
um m odo ou de o u tro a relação entre fiiosofia e psicologia a p artir de um a perspectiva histórica
{e.g., Ash & Sturm , 2007; Feest, 2 0 0 5 /2 0 1 2 ; G reen, 1996; G undlach, 1993; Hatfield, 1990, 20 09;
H eideiberger, 1993; Koch & Leary, 1992; O sbeck & Held, 2014; Sturm , 2009; S turm & M üiber-
ger, 2012; Teo, 2013). O que está ausente, contudo, é um a explicitação e um a discussão mais sis­
tem ática dos pressup ostos teóricos e m etodológicos subjacentes a esses estudos, assim com o suas
im plicações p a ra a historiografia d a psicologia. Mais especificam ente, debates sob re as im plicações
da H istória e Filosofia da Ciência (HPS) p a ra a história d a psicologia são praticam ente inexistentes.
Daí a necessidade dc um a nova abordagem a scr articulada no futuro,

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filosófica d a p sico lo g ia foca n a co e rê n c ia e rac io n alid ad e dos p ro je to s p sico ­


lógicos d e n tro de seu p ró p rio co n te x to h istó rico .

Além d isso , u m a h istó ria filosófica d a psicologia p re e n c h e trê s im p o rta n te s


c ritério s p ro p o sto s pelos h isto ria d o res. P rim eiro , ela n ã o é nem in g ên u a nem
d o g m ática, m as sim crítica, n a m ed id a em q u e desenvolve su a s h ip ó te se s e
in te rp re ta ç õ e s c o n trastan d o -as com as su as c o n c o rre n te s, n ã o p a ra celeb rar
ou v alid ar q u a lq u e r p ro je to psicológico em p articu la r, m as sim p a ra m o stra r
seu s p ro b le m as e suas p o ten cialid ad es, u sa n d o p a ra isto arg u m e n to s válidos
e evidências o riu n d a s d e fo n tes p rim á ria s. Em seg u n d o lugar, ela n ão é mo-
n o c ê n tric a , m as sim p o lic ê n tric a , u m a vez q u e está a b e rta ao s m ais diversos
p ro je to s p sicológicos em to d o o m u n d o , in clu in d o a p o ssib ilid ad e de in te­
raç ã o en tre eles, d esd e que h a ja q u e stõ e s filosóficas a serem co n sid e rad a s.
T erceiro, ela n ã o é p a ro q u ia l, m as sim in te rn a c io n a l, p o is p o d e ser feita p o r
h isto ria d o re s de d iferen tes co n te x to s cu ltu rais co m d istin tas p ersp e c tiv a s,
d esd e q u e te n h a m tre in am e n to filosófico ad e q u ad o .

F in alm en te, um a h istó ria filosófica d a psicologia n ã o p rec isa se c o m p ro m e ­


te r com d o u trin a s o u p rin c íp io s m etafísicos. Ela p o d e ser m etafisicam en te
n e u tra em relação a q u e stõ e s esp ecificam en te psicológicas. P o r exem plo, u m
h isto ria d o r d a psicologia n ão p recisa defender, e n q u a n to h isto ria d o r, n e n h u ­
m a te o ria sobre a n a tu re z a ú ltim a do s fen ô m en o s p sicológicos (e.g., n a tu r a l
k in d s , so c ia l k in d s etc.). Tais d e b a te s filosóficos são m u ito com plexos p a ra
serem resolvidos d e a n te m ão . Assim, é suficiente q u e o h isto ria d o r d a p sico ­
logia seja cap az de m o stra r co m o ato re s h istó rico s ac eita ra m e ju stificaram
d o u trin a s e p rin cíp io s m etafísicos q u e tin h a m im plicações d ire tas p a ra seu s
p ro je to s psicológicos, sem a n e c essid ad e de a c eitar o u reje ita r essas m esm as
p o siçõ es. N esse sen tid o , a d e m a n d a de q u e u m a h istó ria crítica da psicolo­
gia “d e p e n d a de u m a m u d an ç a n o s co m p ro m isso s m etafísicos trad icio n ais
c o m p a rtilh a d o s pelo s psicólogos e seus h isto ria d o re s ” (D an zig er, 1994, p.
4 7 5 ) p a re c e se r e q u iv o cad a, a m en o s que se q u e ira d e fe n d e r a tese de q u e
a p e sq u isa h istó ric a d ev a se r g u iad a p o r co m p ro m isso s m etafísicos específi­
cos, o q u e n ão é o m eu caso.

P ara ilu stra r m in h a tese , v o u d a r q u a tro exem plos de com o se p o d e o lh a r


efetivam ente o p a ssa d o d a psico lo g ia com olhos filosóficos, e de com o tal
o lh a r p o d e e n riq u e c e r n o sso e n te n d im e n to h istó ric o do p assad o .

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O livro T h e n a tu r a l a n d th e norm ative> de G ary H atfield, fo rn ece u m exem ­


plo con v in cen te de u m a h istó ria filosófica d a psicologia. S eu objetivo e sp e­
cífico é investigar te o ria s d a p e rc e p ç ã o esp acial d e K an t a H elm h o ltz, m as
H atfield ta m b é m fixa, d esd e o p rin cíp io , u m alvo m ais geral, q u e é “ a relação
en tre filosofia e psicologia co m o ab o rd a g e n s c o m p le m e n tare s (ou co n c o r­
ren te s) p a ra in v estig ar a m e n te ” (H atfield, 1990, p. vii). E m o u tra s p alav ras,
H atfield b u sc a n as te o ria s d a p e rc e p ç ã o esp acial d u a s a titu d e s c o n tra sta n te s
em re la ç ã o à in v estigação e explicação da m ente q u e p e rc e b e : n a tu ra lism o
e n o rm ativ ism o . N o p rim e iro caso, cien tistas com o H elm h o ltz d efen d iam a
ap licação d e m é to d o s d a ciência n a tu ra l à m ente. N o se g u n d o caso , K ant
afirm ava q u e algum as q u e stõ e s p e rcep tiv as n ão p o d e m ser resolvidas p o r
m eio de rec u rso s das ciências d a n a tu re za . P o r su a vez, essas d u a s atitu d es
rev elam u m a o p o sição in telectu al m ais p ro fu n d a e n tre dois m o d o s de ver
a relação e n tre filosofia e psicologia. D e u m lad o , a in te ra ç ã o é v ista com o
fru tífera e válid a. D e o u tro , h á u m a se p a ra ç ã o rad ical e n tre a b o rd a g e n s filo­
sóficas e psicológicas d a m en te, com o K an t defendia. Em re su m o , o livro de
H atfield m o stra de u m a m an e ira m u ito clara e eleg an te co m o a q u e stã o geral
su b jacen te a u m a h istó ria filosófica d a psicologia p o d e ser investigada p o r in­
te rm é d io de q u estõ es m ais específicas, com o a d as a b o rd a g e n s c o n c o rre n te s
d a p e rc e p ç ã o esp acial n o p assad o .

Um seg u n d o exem plo é a an álise de U ljan a F eest so b re o o p e ra c io n ism o na


p sicologia (F eest, 2 0 0 5 /2 0 1 2 ). T endo c o m o p a n o d e fu n d o a rela çã o en tre
filosofia e p sico lo g ia n a p rim e ira m e ta d e d o século X X n o s E stad o s U nidos,
ela lev an ta u m a q u e stã o b em específica, a saber, se os p rim e iro s defen so ­
res d o o p e ra c io n ism o n a psicologia estav am co m p ro m etid o s com as teses
ce n trais d o positivism o lógico. U sa n d o co m o e stu d o de caso as defesas do
o p eracio n ism o feitas p o r Stanley Stevens (1 906-1973) e E d w ard T olm an
(1 8 8 6 -1 9 5 9 ), F eest rec o n stró i seu s a rg u m e n to s à luz de su as p rá tic a s m eto ­
dológicas co n c re ta s. C o m o re su lta d o , ela c o n seg u e m o stra r q u e a aceitação
do o p eracio n ism o ta n to p o r S tevens q u a n to p o r T olm an n ã o re q u e ria m um a
tese epistem o ló g ica ou sem ân tica, com o e ra o caso d o s positiv istas lógicos,
m as a p e n as u m a tese m etodológica. D esta fo rm a, Feest rejeita a in te rp re ta ­
ção tra d icio n a l do o p e ra c io n ism o n a psicologia, q u e afirm a su a d e p e n d ên cia
d o po sitiv ism o lógico, m as n ão nega que houve co n ta to p e sso al en tre eles.
N as suas p ró p ria s palavras:

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Em bora m eus esboços históricos devessem m ostrar (entre outras coi­


sas) que esses operacionism os já estavam sendo contem plados antes
que os cientistas em questão encontrassem os representantes do po­
sitivismo lógico, isso não significa negar que tan to Stevens quanto
Tolm an de fato encontraram os rep resen tan tes do positivism o lógico
e que isso teve um im pacto sobre com o eles form ularam seus ope­
racionism os. C reio que essas referências foram , em grande m edida,
retóricas, visando reforçar suas ideias ao apelar p ara um a filosofia da
ciência dom inante. (Feest, 2 0 0 5 /2 0 1 2 , p. 281)

C om o co n clu são , F eest p ro p õ e u m a nova in te rp re ta ç ã o do o p e ra c io n ism o


na psicologia, q ue ela ch am a de "le itu ra m eto d o ló g ic a ” (Feest, 2 0 0 5 /2 0 1 2 ,
p. 2 8 8 ), com o u m su b stitu to da a b o rd ag em p o sitiv ista trad icio n al, lan ç a n d o
assim nova lu z so b re a n o ssa c o m p re en sã o h istó ric a d a com plexa relação
en tre filosofia e psicologia n o s E stad o s U nidos.

R etornando à tradição alem ã, T hom as S turm oferece, em seu artigo ls th ere a


p r o b le m w ith m a th e m a tic a l p s y c h o lo g y in th e e ig h te e n th c e n tu ry ? , u m a análise
original da posição de Kant contra a possibilidade de se aplicar a m atem ática à
psicologia, a assim cham ada “ tese da im possibilidade” (Sturm , 2 0 0 6 /2 0 1 2 ). D e
fato, Sturm m ostra que os debates sobre a m ensuração de estados m entais já
existiam antes das reflexões de K ant sobre a n atu reza d a psicologia. Ele m ostra
tam b ém que tais debates, que incluíam otim istas e pessim istas, estavam p ro ­
fundam ente enraizados em pressupostos filosóficos (e.g., sobre a n atu reza da
m ente). Nesse contexto, ele p ro p õ e um a nova interpretação da posição de Kant:

Em bora possa se pensar que sua alegação de im possibilidade o co­


loca do lado dos pessim istas sobre a psicom etria, isto não é correto.
Ele não afirm a que o m ental enquanto tal não possui um a estru tu ra
quantitativa, ou que não há um m étodo p ara m ensurar a m ente. Ao
contrário, sua afirm ação é dirigida contra os pressupostos de um a
concepção de psicologia então prevalente. Esta concepção de psicolo­
gia não poderia explicar a possibilidade de investigações quantitativas
sobre a m ente. E nquanto K ant critica esta concepção de psicologia,
ele próprio aceita certas afirm ações quantitativas sobre a m ente e che­
ga até m esm o a d ar passos im portantes em direção a um a explicação
de sua possibilidade. (Sturm , 2 0 0 6 /2 0 1 2 , p. 94)

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E m su a c o n clu são , S tu rm a rg u m e n ta q u e a tese trad icio n al, de ac o rd o com a


q u a l a psicologia torn o u -se u m a ciência q u a n tita tiv a a p e n a s n o século X IX ,
é falsa e que “ a sim ples d e m a rca ç ã o en tre os séculos d e z o ito e d ezen o v e já
n ã o é m ais c la ra ” (S tu rm , 2 0 0 6 /2 0 1 2 , p. 125).

F in a lm e n te , eu q u e ro s itu a r m e u p r ó p rio tra b a lh o s o b re W u n d t n o c o n ­


te x to d e u m a h is tó ria filo só fica d a p sic o lo g ia . A o a n a lis a r su a o b ra , os li­
m ites d a s a b o rd a g e n s so c ia is da h is tó ria d a p sic o lo g ia to rn a ra m -s e c laro s
p a ra m im , c o m o eu in d iq u e i n a s e g u n d a se ç ã o d e s te c a p ítu lo . E u tive a
n ítid a im p re s s ã o d e q u e a lg u m a co isa e sta v a fa lta n d o n o s e s tu d o s c o n te m ­
p o r â n e o s de W u n d t. D e fa to , u m a vez q u e W u n d t foi p ro fe s s o r d e filosofia
e v iv eu em u m a é p o c a em q u e a s e p a ra ç ã o e n tre filo so fia e p sic o lo g ia
r a r a m e n te e x istia, seja n o p la n o in stitu c io n a l o u in te le c tu a l, c o m o u m a
in te r p re ta ç ã o h is tó ric a de su a o b ra p sic o ló g ic a p o d e ria d e ix a r de lad o
ou d e s p re z a r a im p o rtâ n c ia d e seu p ro je to filo só fico , q u e se d esen v o lv e u
p a ra le la m e n te à q u e la ?

P ara re sp o n d e r a essa q u e stã o , eu p ro p u s u m a reav aliação de su a o b ra, b a ­


se ad a n a ín tim a relação en tre a fo rm ação de seus p re ssu p o sto s filosóficos e
o desen v o lv im en to de seu p ro je to de psicologia científica (e.g., A raú jo , 2 0 1 0 ,
2 0 1 2 , 2014b, 2016). D e a c o rd o com m in h a h ip ó te se central, a ev o lu ção d e
seu p ro je to psicológico é g u iad a e justificada p o r su as reflexões filosóficas,
q u e o lev aram a c o n c eb e r u m am plo p ro g ra m a de refo rm a de to d a a filoso­
fia alem ã, no qu al a psicologia d e sem p e n h a u m p a p e l fu n d am en tal. Assim,
psicologia e filosofia estão em íntim a relação n a o b ra de W u n d t, cuja com ­
p re e n sã o d e m a n d a u m a p ro fu n d a investigação filosófica que vai além d o uso
de ró tu lo s filosóficos (e.g., em p irism o , racio n alism o etc.) e da identificação
d e sim ilarid ad es superficiais de ideias. D aí a n ecessid ad e de u m a a b o rd a g e m
filosófica p a ra a h istó ria d a psicologia.

Por exem plo, eu m o strei q u e um do s asp ecto s m ais im p o rta n te s da psicolo­


gia w u n d tian a , a saber, o a b a n d o n o do in co n scien te com o u m co n ceito útil
p a ra explicar os p ro ce sso s m en tais - q u e o c o rre u de fo rm a g ra d u a l en tre
1863 e 1874 (W undt, 1862, 1863, 1874) - , n ão p o d e ser explicado sem se
levar em c o n sid eração os in ten so s estu d o s e reflexões filosóficos de W u n d t
d u ra n te aq u ele p e río d o (A raújo, 2 0 1 0 , 2 0 1 2 , 2016). M ais esp ecificam en te,
eu a rg u m e n te i q u e a C r itic a d a r a z ã o p u r a , d e K an t, foi a p rin c ip a l fo n te

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de in sp iraç ã o p a ra a m u d an ç a de W u n d t. D esse m o d o , ficou cla ro p o rq u e


a lite ra tu ra s e c u n d á ria , a o d e sc o n sid e ra r e sta rela çã o e n tre filosofia e p sico ­
logia em W u n d t, a in d a n ã o tin h a sido c a p az de ex plicar e s ta r u p tu ra fu n d a­
m en tal em seu p ro je to psicológico.

5. Considerações finais

O s e x e m p lo s a p re s e n ta d o s a n te r io r m e n te d e m o n s tra m q u e a in te g ra ç ã o
e n tre a h is tó ria d a p sic o lo g ia e a filo so fia d a p sic o lo g ia é n ã o a p e n a s
p o ssív e l, m as fru tífe ra , p ro m is s o ra e d esejá v el. E m e s p e c ia l, eles re v e la m
c o m o u m a h is tó r ia filo só fic a d a p sic o lo g ia p o d e e n riq u e c e r n o s s a c o m ­
p r e e n s ã o h is tó ric a d o d e s e n v o lv im e n to d e te o r ia s e p r o je to s p sic o ló g i­
c o s, a o a p ro f u n d a r o nível c o n c e itu a i d e a n á lis e e o fe re c e r in te r p re ta ç õ e s
o rig in a is e c o n v in c e n te s . A lém d isso , e le s p r e e n c h e m trê s c rité rio s : sã o
c rític o s, p o lic ê n tric o s e in te rn a c io n a is . C o n tu d o , p a r a q u e e ssa in te g ra ­
ç ã o p o s s a se d a r em la rg a e sc a la , sã o n e c e s s á ria s d is c u s s õ e s m e to d o ló g i­
cas m ais sis te m á tic a s.

É im p o rta n te te r em m en te que u m a h istó ria filosófica d a psicologia n ã o


p o d e reso lv er to d o s os p ro b le m as lev an tad o s p e la h istó ria da psicologia. Ao
c o n trá rio , ela é lim itad a p elo s tipos d e q u e stã o q u e o h isto ria d o r é c ap az d e
lev an tar e pelos re c u rs o s m eto d o ló g ico s disponíveis em ca d a caso. P o r isso,
eu a p ro p o n h o aq u i com o u m ca m in h o a ltern ativ o , p o ré m co m p lem en tar,
p a ra o fu tu ro . A dem ais, a ideia de u m a h istó ria filosófica d a psicologia, d a
fo rm a co m o e u a d e fen d o aq u i, d ev eria se r e n te n d id a a p e n a s co m o u m a di­
re triz geral, q u e re p re s e n ta o p rim e iro p a sso em d ire ç ã o a u m a a b o rd a g e m
m ais e la b o rad a e p o ten c ialm en te m ais in te g ra d o ra p a ra a h istó ria d a p sico lo ­
gia. As q u e stõ e s fu n d am e n ta is envolvidas, n o e n ta n to , p e rm a n e c e m a b e rta s
a fu tu ro s d e b a te s e co n trib u iç õ e s.

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A investigação histórica de
teorias e conceitos psicológicos:
breves considerações
metodológicas

S aulo de F reitas A rau jo

N o ca p ítu lo a n te rio r, eu a p resen tei, em linhas g erais, os fu n d a m e n to s te ó ri­


cos de u m a n ova estra té g ia m eto d o ló g ica p a ra o e stu d o d o d esenvolvim ento
h istó ric o d o co n h e cim e n to psicológico, a q u al eu ch am ei de h istó ria filosó­
fica d a psicologia. N este cap ítu lo , m eu objetivo é a p re s e n ta r alg u m as d ire­
triz e s m eto d o ló g icas p a ra a e la b o raç ã o e re a liz a ç ã o de p ro je to s de p esq u isa
n essa áre a , ten d o em vista p rin cip alm en te o p e sq u isa d o r in ician te o u com
p o u c a ex p eriên cia. D esse m o d o , cada tó p ico se rá ilu stra d o com u m ou m ais
exem plos, p a ra que o leito r p o ssa v islu m b rar as p o ssib ilid ad es c o n cretas de
se tra n sfo rm a r u m a ideia em um a investigação real.

É im p o rta n te d e ix a r claro, c o n tu d o , q u e essas d ire trize s m eto d o ló g icas n ã o


p re te n d e m de fo rm a algum a ex a u rir as p o ssib ilid ad es de investigação h istó ri­
ca de teo rias e co n ceito s psicológicos. M uito p elo c o n trá rio , d ad a a v a rie d a ­
de d e p ersp ectiv as m eto d o ló g icas d istin tas p a ra a h istó ria da ciência (social,
cultural, biográfica, q u an titativ a, q u alitativ a etc.), cad a u m a delas exigiria
u m tra ta m e n to específico com d ire trize s p ró p ria s, algo q u e está m u ito além
n ão só do s m eus objetivos n este cap ítu lo , m as tam b é m d o m e u alcance. P or
isso, o leito r deve te r em m en te q u e as co n sid e raç õ e s m eto d o ló g icas aqui
a p re s e n ta d a s , ain d a q u e c o n te n h a m e lem en to s co m u n s a q u a lq u e r atividade
de p esq u isa, são p e n sa d a s essen cialm en te em fu n çã o d aq u ilo q u e ch am ei a n ­
te rio rm e n te de u m a h istó ria filosófica da psicologia, q ue é u m m o d o , en tre
o u tro s, de investigar teo rias e co n ceito s psicológicos.

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1. Escolha do tema

O p o n to de p a rtid a d e to d a in v estigação é a definição, ain d a q u e p arcial, de


seu o b jeto , o u seja, aq u ilo q u e o p e s q u is a d o r p re te n d e e n te n d e r o u c o n h e ce r
d e m a n e ira m ais a p ro fu n d a d a . N a tu ra lm e n te , à m ed id a q ue ele vai se fam i­
lia riz a n d o com o te m a escolhido, a su a in v estigação vai g a n h a n d o c o n to rn o s
cad a vez m ais p reciso s. N o e n ta n to , n o início de to d o o p ro ce sso , é p reciso
h av er u m a p rim e ira delim itação . N o p re se n te co n tex to , ela im plica a escolha
de u m a teo ria o u u m c o n ceito p sicológico a ser investigado, in clu in d o aí seu s
p ro b le m as filosóficos. A qui, a q u e stão q ue o p e s q u is a d o r coloca p a ra si m es­
m o é a seguinte: “ o q ue ex a ta m e n te eu e sto u in te re ssa d o em p e s q u is a r? ” .
N ã o é possível in iciar q u a lq u e r investigação sem q ue se te n h a u m a re sp o sta
ao m en o s p relim in ar a essa q u estão .

N ã o h á reg ra o u d ire triz p a ra a escolha de u m o b jeto de p e sq u isa , a n ã o


ser, é claro, a reg ra q ue diz: “siga seus p ró p rio s in teresses, aq u ilo que o
m o tiv a!” . E sse p a sso inicial d e p e n d e in te ira m e n te d a m o tiv ação e d as p refe ­
rên cias p esso ais d o p esq u isa d o r, a n ã o ser q u e ele faça p a rte de u m g ru p o
de p e sq u isa em q u e o o b jeto já esteja d a d o d e a n te m ão - seja p elo c o o rd e ­
n a d o r do g ru p o o u p o r seu su p e rv iso r im ed iato . Ig u alm en te p reju d icial ao
p lan e jam e n to de p e sq u isa é a in te rfe rê n c ia política d ire ta . Q u a n d o se vive
em u m a so cied ad e to ta litária, na qual os in te resse s in d iv id u ais são co m p le­
tam e n te an iq u ilad o s em fu n ção d e su p o sto s in te resse s d a so c ie d a d e defini­
dos pela classe g o v ern an te, as p o ssib ilid ad es de p esq u isa já e stã o lim itad as
a p rio ri, o que, em geral, p ro d u z co n seq u ê n c ia s trág icas p a ra a ciência d a
so cied ad e em q u estão . P o r exem plo, p o r ser c o n sid e rad a u m a ciência p e q u e ­
no -b u rg u esa, Josef Stalin (1878-1953) e seu cientista de m a io r co n fian ça, o
biólogo T rofim Lysenco (1898-1976), to rn a ra m a g en ética m en d elian a ilegal
na U n ião Soviética, a tra s a n d o o p ro g ra m a de p esq u isa g en ética n a q u e le p aís
p o r d éc ad a s (deJong-L am bert, 2 012).

D e to d o s os fato res m otivacionais, o m ais im p o rta n te é o d esejo sin cero e


p ro fu n d o de c o n h e ce r algum a coisa: a m o tiv ação in telectu al g en u ín a. E m
o u tra s p alav ras, se o p e sq u isa d o r escolhe u m te m a q u e lhe tra g a p o u c a o u
n e n h u m a satisfação in telectu al, um tem a q u e n ã o o fascine, q u e n ã o o leve
a n e n h u m a reflexão so b re a rea lid ad e, ele dificilm ente u ltra p a s s a rá o nível

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d a p e sq u isa m ecân ica e b u ro c rá tic a , u m m al q ue a tu a lm e n te asso la as u n i­


v e rsid ad es e os c e n tro s de p e sq u isa em to d o o m u n d o , além de c o n trib u ir
p a ra a e ste riliz a ç ão da ciência. U m a p esq u isa g en u ín a , ain d a q ue n o nível
d a in iciação científica, p re ssu p õ e a cu rio sid a d e in telectu al d o p e sq u isad o r,
o seu envolvim ento com u m tem a. N esse sen tid o , a investigação h istó ric a
co n trib u i p a ra a fo rm ação in telectu al do p esq u isad o r.

Em geral, são as p ró p ria s p esso as envolvidas de algum m o d o com a psicolo­


gia q u e se in teressam p ela h istó ria de seus co nceitos e teo rias. É m uito co­
m um que u m estu d a n te de g rad u a ç ã o com ece a se in te ressa r p o r u m a teoria
psicológica (e.g., teo ria d a disso n ân cia cognitiva, teo ria d o co n d icio n am en to
o p eran te) p o rq u e ela a b o rd a tó p ico s que g u a rd a m algum a relação com sua
ex p eriên cia p articu lar, E igualm ente co m u m que um alu n o de p ós-graduação
b u sq u e u m a p ro fu n d a m e n to de u m conceito psicológico (e.g., aten ção , disso­
ciação, esq u em a) devido à sua insatisfação com aquilo que ap re n d e u d u ra n te
sua g rad u ação . Em níveis m ais avançados de p esq u isa teó rica , a escolha do
o bjeto p e rte n ce em geral a u m a linha de p esq u isa q u e o p ró p rio p e sq u isa d o r
co n stró i ao longo de sua tra je tó ria intelectual, seja ex p lo ran d o o m esm o tem a
(e.g., a consciência) em d istin tas trad içõ es teó ricas, seja a p ro fu n d a n d o o de­
senvolvim ento teó rico-conceitual de u m a m esm a tra d ição (e.g., a psicanálise).

Seja com o for, isso já é suficiente p a ra m o stra r a d im e n sã o p a rc ia lm e n te sub­


jetiva d a p esq u isa h istó rica: a p re se n ç a de elem en to s a rb itrá rio s n a decisão
p re lim in a r d o p esq u isa d o r. P o r isso, é m u ito im p o rta n te q u e ele esteja cons­
ciente de su a escolha e d o s m otivos q u e o lev aram a o seu o bjeto, p o is isso
p o d e a fe ta r a in te rp re ta ç ã o g eral de seu s resu lta d o s, co m o v erem o s ad ian te.

2. Busca exploratória

A esco lh a p re lim in a r de u m te m a o u o b jeto geral a in d a n ã o é suficiente p a ra


co n stitu ir u m p ro je to de p esq u isa. O te m a deve d a r lu g ar a u m p ro b le m a
específico de p e sq u isa , q u e significa u m re c o rte b em p reciso e delim itad o
a p a rtir d o am plo e sp e c tro d e p o ssib ilid ad es d a d a s pelo tem a . P a ra q u e se
chegue a este p o n to , é n ec essá rio , com o seg u n d o p a sso , in iciar u m a b u sca
e x p lo ra tó ria so b re o m aterial q u e já foi p u b licad o so b re o tem a escolhido.

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A m e lh o r m a n e ira d e c o m e ç a r a b u sc a e x p lo ra tó ria é v isita r u m a b o a


b ib lio te c a e p r o c u ra r p e las o b ra s g erais de re fe rê n c ia , que in clu em en ci­
c lo p é d ias, d ic io n á rio s e m a n u a is g erais d a á re a específica; n e sse caso , a
p sico lo g ia. C om o a d v e n to d a in te rn e t, a lg u m as d e ssa s o b ra s de re fe rê n ­
cia e stã o d isp o n ív eis o n l i n e g ra tu ita m e n te , o q u e facilita m u ito a v id a do
p e s q u is a d o r c o n te m p o râ n e o .

In felizm ente, pelo m en o s no caso d a psicologia, n ã o existem b o a s o b ra s ge­


rais d e referên cia em p o rtu g u ê s. O s m elh o res d icio n ário s e en ciclo p éd ias
estão em inglês e em alem ão . P or exem plo, a A m e r ic a n P s y c h o lo g ic a l A s-
s o c ia tio n lan ço u a E n c y c lo p e d ia o f p s y c h o lo g y em o ito volum es (K azdin,
2 0 0 0 ). M ais rec e n te m e n te , a E d ito ra S p rin g e r p u b lico u a E n c y c lo p e d ia o f
th e h is to r y o f p s y c h o lo g ic a l th e o r ie s (R ieber, 2 0 1 2 ), o b ra ú n ica em seu g ê n e ro
até aqui. íg u alm en te im p o rta n te p a ra a c o m p re en sã o d o desen v o lv im en to
h istó rico das teo rias psicológicas é a en ciclo p éd ia D ie P s y c h o lo g ie d e s 2 0 .
fa h r h u n d e r ts (S tru b e, 1976-1981), u m a o b ra m o n u m e n ta l em 15 volum es
e u m total de 17.000 p ág in as. A lém disso, existem o s m an u a is específicos
de cada tra d içã o teó rica , co m o o H a n d b o o k o f b e h a v io r is m ( 0 ’D o n o h u e &
K itchener, 1999) e a T h e M I T e n c y c lo p e d ia o f th e c o g n itiv e S c ie n c e s (W ilson
& Keil, 1999).

Vale re ssa lta r aq u i q u e m u itas fo n tes se cu n d á ria s u tilizad as n o p ró p rio e n ­


sino de h istó ria d a psicologia, co m o os m an u ais in tro d u tó rio s , a p re se n ta m
in ú m e ro s p ro b le m as h isto rio g ráfico s que p o d e m serv ir com o p o n to d e p a r­
tid a p a ra u m a b o a p esq u isa em h istó ria de te o ria s e co n ceito s psicológicos.

C om o e stam o s aq u i in te ressa d o s n o s a sp ecto s filosóficos de te o ria s e concei­


tos p sicológicos, é n e c essá rio te r em m ente tam b é m as o b ras gerais de refe­
rên cia cm filosofia. Assim com o aco n tece com a psicologia, n ão existem b o as
o b ras de referên cia em p o rtu g u ê s, exceto a tra d u ç ã o de alg u n s d icio n ário s
clássicos (e.g., F e rra te r M ora, 2 0 0 1 ; L alande, 2010). No e n ta n to , existem
excelentes en ciclo p éd ias de filosofia q u e devem ser co n su lta d as n o início de
cada investigação específica. A lém d a clássica E n c y c lo p e d ia o f p h ilo s o p h y
(E d w ard s, 1967), já revista e am p liad a em seg u n d a ed ição (B o rch ert, 2 0 0 5 ),
e da R o u tle d g e e n c y c lo p e d ia o f p h ilo s o p h y (C raig, 1998), n ã o se deve igno­
r a r a S ta n fo r d e n c y c lo p e d ia o f p h ilo s o p h y (Z alta, 1995), q ue está disponível
g ratu ita m e n te n a in te rn e t e rec e b e c o n sta n tes atu alizaçõ es. Ig u alm en te in-

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d isp en sáv el é o m o n u m e n ta l H is to r is c h e s W ö r te r b u c h d e r P h ilo s o p h ie (R itter,


G rü n d e r, & G ab riel, 1971-2007), so b re tu d o n o q u e diz re sp e ito às orig en s e
ao d esenvolvim ento h istó ric o de co n ceito s filosóficos e psicológicos.

O objetivo fu n d am e n ta l dessa co n su lta às o b ras gerais d e referên cia é fam i­


lia riz a r o p e sq u isa d o r com os p rin c ip ais a u to re s e tra b a lh o s desenvolvidos
d e n tro do tem a escolhido, p e rm itin d o q u e ele faça u m m ap e a m e n to d as ten ­
d ên cias e q u e stõ e s d iscu tid as d e n tro de seu tem a. P o r isso, ao final dessa
b u sca ex p lo ra tó ria , q u e p o d e d u ra r d e p o u c a s se m an as a alguns m eses, de­
p e n d e n d o d o tem p o que o p e s q u is a d o r d isp õ e p a ra ela, espera-se que ele
seja cap az de id en tificar u m a lacu n a, u m a q u e stã o ain d a n ã o re sp o n d id a
o u que n ecessita de m aio r a p ro fu n d a m e n to , o u sim p lesm en te u m a m á com ­
p re e n s ã o de algum a sp ec to relacio n ad o a o tem a. Só e n tã o ele e s ta rá em
co n d içõ es d e fo rm u la r u m p ro b le m a específico de p e sq u isa .

3. Definição do problema

A pós a b u sca ex p lo ra tó ria , o p ró x im o p a sso é a definição d o p ro b le m a es­


pecífico de p esq u isa. Um p ro b le m a de p e sq u isa é a q u e stã o q u e vai g u iar as
d ecisõ es, an álises e açõ es do p e s q u is a d o r d u ra n te to d a s as fases d a investiga­
ção. É o p rim e iro c rité rio que o p e sq u isa d o r u sa p a ra ju lg ar a relev ân cia do
m aterial d isponível so b re seu tem a, ou seja, se ele é p e rtin e n te o u n ão . N o
caso de u m a p e sq u isa m ais av an çad a e d e u m p e sq u isa d o r m ais ex p e rien te ,
q u e já tem fam iliarid ad e suficiente com o tem a o u está a p ro fu n d a n d o u m a
investigação an te rio r, os dois p rim e iro s p a sso s n ão se aplicam . P a ra ele, a
p esq u isa co m eça aqui.

N os níveis m ais altos de p esq u isa, espera-se q ue o p ro b lem a fo rm u lad o seja


ao m esm o tem p o relevante e original, c o n trib u in d o p a ra o desenvolvim ento
da á re a p a rtic u la r em q u estão . E o q u e se ch am a de “ p esq u isa de p o n ta ” . N o
n osso co n tex to , trata-se de u m a q u e stã o ino v ad o ra, cuja solução eleva o co­
n h ecim en to de u m a te o ria o u de u m conceito psicológico a um novo p atam ar.

A ten ta tiv a de c o m p re e n d e r o d esen v o lv im en to de u m a te o ria o u u m co n cei­


to psicológico, seja de fo rm a p arc ial o u em su a to ta lid a d e , c o n stitu i u m dos
p ro b le m as de p e sq u isa m ais tra d icio n a is n e ssa á re a . Isso aco n tece p o rq u e

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o(s) au to r(es) de u m co n ceito ou te o ria ra ra m e n te ap re se n ta (m ) u m a d es­


criç ão ou explicação de seu desenvolvim ento. E q u a n d o o fazem , n a m aio r
p a rte d as vezes o relato n ão é confiável, seja pela falibilidade d a m em ó ria
h u m a n a , seja p ela o cu ltação p ro p o sital de in fo rm açõ es relev an tes. D aí a ne­
cessidade de u m a investigação h istó rica d a q u ele co n ceito ou teo ria. N esse
caso, podem -se fo rm u la r v árias q u e stõ e s relevantes: p o r que o a u to r X m o­
dificou sua te o ria e n tre o p e río d o Y e o p e río d o Z ? Q u a n to s e q u ais são
os estágios p e rc o rrid o s p ela te o ria ? O q u e levou o a u to r X a a b a n d o n a r o
co n ceito Y? Q u a is fo ram as c o n seq u ên cias p a ra o fu tu ro de sua te o ria ? O
co n ceito fo rm u lad o n a fase inicial d a o b ra de um a u to r é o m esm o q u e ap a­
rece na sua fase final?

M as esse n ão é o ú n ico tip o de p ro b le m a que se coloca p a ra a investigação


h istó rica de te o ria s e co nceitos psicológicos. N o cap ítu lo a n terio r, e u a p re ­
sentei alguns exem plos de tra b a lh o s desenvolvidos re c e n te m e n te q u e b u s­
cam a in teg ração e n tre h istó ria e filosofia da psicologia. Assim, vou utilizar
esses m esm o s tra b a lh o s p a ra ilu stra r o que se ria u m p ro b lem a de p esq u isa
bem fo rm u lad o nessa área.

P a rtin d o do objetivo geral de c o m p re e n d e r a relação e n tre filosofia e p sico ­


logia em u m c e rto p e río d o h istó ric o , G ary H atfield (1 9 9 0 ) elege co m o tem a
de p e sq u isa as teo rias d a p e rc e p ç ão esp acial de K an t a H elm h o ltz. P ara con­
d u z ir su a investigação, ele fo rm u la a seguinte q u e stã o : q u ais são as a titu d es
filosóficas su b jacen tes às p rin c ip ais teo rias d a p e rc e p ç ã o esp acial de K an t a
H e lm h o ltz? H atfield q u e r m o stra r q u e essas teo rias revelam d u a s atitu d es
o p o sta s so b re a relação e n tre filosofia e psicologia.

U ljana Feest (2 0 0 5 /2 0 1 2 ) elege o co n ceito de o p e ra c io n ism o n a psicologia


com o tem a de p e sq u isa . T endo igualm ente co m o p a n o de fu n d o a rela çã o
e n tre filosofia e psicologia em u m p e río d o h istó ric o específico, seu p ro b lem a
de p esq u isa p o d e ser refo rm u lad o d a seguinte m an eira: os p rim e iro s defen­
so res do o p eracio n ism o n a psicologia estav am co m p ro m etid o s com as teses
c e n trais do positivism o lógico? T rata-se de investigar, en tão , as sem elh an ças
e as d iferen ças en tre as fo rm u laçõ es psicológicas e filosóficas do conceito.

N o c a so de T h o m a s S tu rm ( 2 0 0 6 /2 0 1 2 ), o o b jeto de p e s q u is a esco lh id o
é a c o n tro v é rsia so b re a m e n s u ra ç ã o de e s ta d o s m en ta is n o sécu lo X V III,

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e sp e c ia lm e n te a p o siç ã o de K an t. C o m o gu ia p a ra sua in v estig ação , ele


lev a n ta a se g u in te q u e stã o : K a n t se ria , p o r p rin c ip io , c o n tra to d a e q u a l­
q u e r p ro p o s ta de m e n s u ra ç ã o do s e sta d o s m e n ta is? N esse c aso , tra ta-se de
a p re s e n ta r u m a crític a às in te rp re ta ç õ e s tra d ic io n a is d a p o siç ã o de K a n t
em rela çã o à p sico lo g ia.

É in te re ssa n te n o ta r q u e um p ro b le m a de p esq u isa p o d e ser fo rm u lad o em


dois níveís distintos, p o rém co m p lem en tares: o geral e o específico. C om o
o c o rre em m u itas p e sq u isas de longo alcance e larg a d u raç ã o , o p ro b lem a
geral, que ilum ina to d o o p ro c e sso de investigação, n ã o p o d e se r resp o n d id o
d ire tam e n te ou atacad o de u m a só vez. P o r isso, é n e c e ssá rio subdividi-lo
em q u estõ es m en o res, cad a u m a delas m ere ce n d o u m a re sp o sta p articu lar.
Em m eu tra b a lh o so b re W u n d t (A raújo, 2 0 1 0 ,2 0 1 6 ), o p ro b le m a de p e sq u i­
sa era d e te rm in a r a n a tu re z a d a relação en tre a fo rm u lação de su a te o ria
psicológica e o d esenvolvim ento de seu p ro je to filosófico. N o e n ta n to , com o
essa rela çã o n ã o se revelava d ire tam e n te com o o b jeto de p e sq u isa em sua
to talid ad e, fui o b rig a d o a fo rm u lar q u estõ es específicas p a ra cad a u m dos
d istin to s m o m en to s em que ela se m anifestava, o que m e levou a d iv id ir a in­
v estigação em q u a tro fases d istin tas (A raújo, 2016). A pós re s p o n d e r àq u elas
q u a tro q u e stõ e s, p u d e ao final c o n stru ir u m q u a d ro geral de in te rp re ta ç ã o
do desen v o lv im en to d a psicologia w u n d tia n a em sua relação com seus p res­
su p o sto s filosóficos.

F inalm ente, deve-se re ssa lta r q u e o alcance e o grau de com plexidade do p ro ­


b lem a fo rm u lad o d ep en d em essen cialm en te de três variáveis: tem p o d isp o n í­
vel, m atu rid a d e do p e sq u isa d o r e fam iliarid ad e com o tem a d a p esq u isa. A
g ran d e p a rte dos p ro je to s de p e sq u isa a b a n d o n a d o s, m alco n d u zid o s ou com
resu lta d o s in sa tisfató rio s e irrelev an tes p o d e ser ex p licad a pela p rese n ç a de
p elo m en o s um d esses fatores.

O tem p o restrin g e q u a lq u e r p e sq u isa . N in g u ém p o d e p e sq u isa r indefinida-


m en te , p rin c ip alm e n te n o âm b ito acad êm ico c o n te m p o râ n e o , em que as
p ressõ e s p a ra p u b lic a r os re su lta d o s de p esq u isa crescem a ca d a dia. P o rta n ­
to, é fu n d am e n ta l q u e o p ro b lem a fo rm u lad o seja com patível com o tem p o
disponível p a ra a investigação. A qui a p e rg u n ta fu n d am e n ta l é: " q u a n to tem ­
p o eu ten h o d isponível p a ra investigar o tem a e sc o lh id o ? ” .

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A m a tu rid a d e do p e sq u isa d o r ta m b é m é u m fato r d e te rm in a n te no alcance


e n a co m p le x id a d e d o p ro b le m a fo rm u lad o . Q u a n to m aio r a m a tu rid a d e ,
m a io r a c a p ac id ad e d e fo rm u la r q u e stõ e s p ro fu n d a s , in o v ad o ra s e a b ra n ­
g en tes. N esse caso, o p e s q u is a d o r deve e s ta r cie n te de su a c o n d iç ã o no
m o m e n to d a p e sq u isa p a ra n ã o p r o p o r “u m p a sso m a io r que a p e r n a ” , evi­
ta n d o assim as fru s tra ç õ e s e o u tra s c o n se q u ê n c ia s ad v e rsa s d a in co m p atib i­
lid ad e e n tre o p ro b le m a fo rm u la d o e a c a p a c id a d e d e resolvê-lo. A q u e stã o
q u e su rg e aq u i é a seg u in te: “até o n d e e u so u c ap az de ir na inv estig ação
d e sse te m a ? ” .

F in alm en te, a fam iliarid ad e com o tem a de p e sq u isa é ig u alm en te im p o rta n ­


te n a d e te rm in a ç ã o d a fo rm u lação do p ro b le m a. Q u a n to m aio r o co n h eci­
m en to q u e o p e sq u isa d o r tem d e seu tem a, m aio r su a c a p acid ad e de fo rm u ­
lar q u e stõ e s relev an tes p a ra a á re a em q u estão . N esse sen tid o , o p ro b lem a
deve se r com patível co m a fam iliarid ad e q u e o p e sq u isa d o r p o ssu i com o
tem a. A q u e stã o q u e se coloca aq u i é: “ qual é o nível d e c o n h e cim e n to que
eu te n h o do te m a ? ”.

Se o p e sq u isa d o r for c ap az de re s p o n d e r p a ra si m esm o essas trê s q u e stõ e s,


ele e s ta rá em ó tim as co n d içõ es de fo rm u la r u m p ro b le m a de p e sq u isa ad e­
q u a d o ao tem p o , à sua m a tu rid a d e e fam iliarid ad e com o tem a. P or exem plo,
u m p ro je to de in iciação científica o u m e stra d o é m a rc a d o p elas seguintes ca­
racterísticas: p o u c o tem p o p a ra execução, p o u c a m a tu rid a d e d o p e sq u isa d o r
e p o u c a fam iliarid ad e com o tem a. P or isso, o p ro b lem a fo rm u la d o deve ser
sim ples, circ u n scrito a u m a ú n ica q u e stã o ab o rd áv el d ire ta m e n te . M esm o
n o s caso s em q ue o tem p o é c u rto , m as a m a tu rid a d e e a fam iliarid ad e do
p e sq u isa d o r co m o tem a são g ran d e s, o p ro b le m a dificilm ente p o d e rá ser
m u ito a b ra n g e n te e com plexo, d ev en d o se a d e q u a r a o tem p o disponível. D aí
se d e p re e n d e q u e o te m p o é u m fato r cru cial p a ra o desen v o lv im en to de
p e sq u isa s relev an tes e in o v ad o ras p a ra a área.

O p ro b le m a de p esq u isa p o d e vir o u n ã o a c o m p a n h a d o de u m a h ip ó te se ,


ou seja, u m a so lu ção p relim in ar p ro p o sta pelo p esq u isad o r. E p e rfe ita m e n te
possível fo rm u la r u m p ro b le m a de p e sq u isa sem q u e se te n h a p relim in ar­
m ente q u a lq u e r re sp o sta p a ra ele. As h ip ó te se s p o d e m ser c o n stru íd a s (e
d e sca rta d a s) ao longo do cam in h o , à m ed id a que a análise d as fo n tes vai
p ro g re d in d o . A p e sq u isa h istó ric a , ao c o n trá rio de u m a p e sq u isa experim en-

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tal, é a b e rta , pois é sem p re possível e n c o n tra r novas fontes q u e, p o r sua


vez, p o d em levar à fo rm u lação de novas h ip ó teses. Em geral, a fo rm u lação
p révia de u m a h ip ó tese p a ra a c o m p a n h a r o p ro b le m a vai d e p e n d e r do nível
de c o n h ecim en to q u e o p e sq u isa d o r p o ssu i so b re o tem a. Um p e sq u isa d o r
ex p e rien te , q u e esteja e s tu d a n d o u m a m esm a te o ria psicológica p o r m uitos
an o s, irá p ro v av elm en te in iciar sua nova p esq u isa so b re aq u e la te o ria com
u m a h ip ó te se p relim in ar. M as isso n ã o é n e c essá rio p a ra u m a b o a investiga­
ção d e teo rias e co nceitos psicológicos.

4. Identificação, seleção e localização das


9 * 9 9

fontes

F in d a a fo rm u lação do p ro b le m a, o p ró x im o passo é a identificação d a s fon­


tes q u e serão a n alisad as p a ra solucionã-lo. U m a fonte é “ um o b jeto d o p a ssa ­
do ou teste m u n h o so b re o p a ssa d o do q u a l os h isto ria d o re s d e p e n d e m p a ra
c ria r sua p ró p ria re p re se n ta ç ã o d o p a s s a d o ” (H ow ell & P revenier, 2 0 0 1 , p.
17). N o n o sso caso, interessa-nos p rin c ip alm e n te as fontes escritas. D u ra n te
a b u sc a e x p lo ra tó ria , o p e sq u isa d o r já deve te r to m a d o c o n ta to com a u to re s
e d iscu ssõ es fu n d am e n ta is d o tem a escolhido. C o n tu d o , isso n ã o é suficien­
te. Em term o s de in v estigação h istó ric a , é p rec iso ir além d a s p u b licaçõ es
e n c o n tra d a s n as o b ras g erais de referên cia e c o n s tru ir um catálogo sistem áti­
co de to d a s as fontes relevantes p a ra sua p esq u isa. M as co m o selecioná-las?

Em p rim e iro lugar, o p e sq u isa d o r deve te r em m en te a d istin çã o e n tre fontes


p rim á ria s e se cu n d á ria s. Um a fonte p rim á ria é um o b jeto “d a ép o c a so b re
a q u al ele rev ela in fo rm açõ es e, com o tal, tem u m a c o n ex ão d ire ta com a
rea lid a d e h istó ric a ” , ao p a sso q u e “u m a fonte se c u n d á ria su rg e em u m p e ­
río d o p o s te rio r àquele p a ra o q u a l ela serv e de fo n te, e se b a seia em fontes
p rim á ria s a n te rio re s ” (K ragh, 1987, p. 121). T en d o em vista a an álise de
te o ria s e co n ceito s p sicológicos, as fo n tes p rim á ria s o ferecem in fo rm açõ es
de p rim e ira m ão , g eralm en te e scrita s pelo(s) p ró p rio (s) a u to r (es), so b re o
co n ceito o u te o ria em q u e stã o , e se dividem em d u a s classes: p u b licad as (ar­
tigos, livros, cap ítu lo s de livro etc.) e n ã o p u b licad as (cartas, d iário s, ca d er­
no s de a n o ta ç ã o , m an u sc rito s etc.). Em relação às fontes se cu n d á ria s, elas
g eralm en te são c o n stitu íd as p o r p u b licaçõ es p o ste rio re s de o u tro s au to res

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so b re aq u ele co n ceito o u te o ria (m an u ais in tro d u tó rio s, artig o s, ensaios).


P or exem plo, os livros, c a d ern o s d e a n o ta ç ã o e c a rta s de D a rw in são fontes
p rim á ria s p a ra a investigação d e sua te o ria d a evolução, e n q u a n to os livros
e artig o s c o n te m p o râ n e o s de h istó ria da psicologia e d a biologia q u e falam
dc D a rw in são fontes secu n d árias.

N esse co n tex to , é im p o rta n te re s s a lta r o v alo r d as fontes p rim á ria s n ã o p u ­


b licadas, em especial a c o rre sp o n d ê n c ia do(s) au to r(es) d o co n ceito o u teo ­
ria em q u e stã o com seus p a re s e até m esm o seus fam iliares. A té m ea d o s do
século X X , a c a rta era u m m eio im p o rta n te de diálogo in telectu al (D o b so n ,
2 0 0 9 ). Por isso, n ão se deve d e s c a rta r de a n te m ão a p ossibilidade d a co r­
resp o n d ê n c ia de um a u to r rev elar asp ecto s essenciais de sua tra je tó ria in te­
lectu al e d a fo rm u lação d a su a teo ria psicológica. Em m u ito s caso s, o a u to r
revela n a su a c o rre sp o n d ê n c ia in fo rm açõ es que n u n c a a p a re c e m em su as
p u b licaçõ es. T an to W u n d t q u a n to W illiam Jam es s ã o ó tim o s exem plos disso.
N o e n ta n to , em am b o s os casos, sua c o rre sp o n d ê n c ia tem sido larg am en te
ig n o ra d a n a litera tu ra .

A se le ç ã o d as fo n te s vai d e p e n d e r se m p re de u m ju lg a m e n to d o p e s q u i­
s a d o r so b re a rele v â n c ia d o m a te ria l d isp o n ív e l s o b re o tem a p a ra re s ­
p o n d e r ao seu p ro b le m a d e p e sq u isa . Em o u tra s p a la v ra s, é o p ro b le m a
de p e s q u is a q u e gu ia a b u sc a e se leção d a s fo n tes. P o r isso , q u a n to m ais
c la ra m e n te fo rm u la d o estiv e r o p ro b le m a , m ais fácil se rá o p ro c e s s o de
se leção d as fo n tes.

U m a m an e ira com um de co m eçar a b u sca sistem ática das fontes é a litera­


tu ra se cu n d á ria trad icio n al sobre o tem a. N o caso d e teo rias e conceitos
psicológicos, as o b ras de in te rp re ta ç ã o m ais re sp e ita d a s p e la co m u n id a d e
científica. Q u a n d o se tra ta d e teo rias e a u to re s fam osos, sem p re há pelo m e­
no s u m in té rp re te (h isto riad o r, filósofo, psicólogo) q u e já ten h a feito u m tra ­
b alh o a n te rio r b em ab ra n g e n te so b re aquele a u to r ou teo ria e q u e acab o u se
to rn a n d o um clássico n a áre a , a in d a que no s dias atuais esse tra b a lh o p ossa
e sta r relativ am en te u ltra p assa d o . C o n tu d o , in d e p e n d e n te m e n te d a a tu alid a­
de e d a validade da in te rp re ta ç ã o , o im p o rta n te aqui é a e co n o m ia de tem p o
e tra b a lh o q ue a o b ra re p re se n ta p a ra o p esq u isa d o r. O in té rp re te já fez a
identificação e seleção d as p rin c ip ais fontes p rim á ria s (p u b licad as o u n ão )
e, às vezes, até m esm o d as secu n d á ria s. Um b o m exem plo é a bibliografia

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a n o ta d a de W illiam Jam es, p u b lic a d a inicialm ente p o r R alp h B arto n P erry


(1876-1957) - seu p rim e iro in té rp re te sistem ático - e a tu a liz a d a até 1977
p o r John M cD erm o tt, u m e stu d io so c o n te m p o râ n e o d o p e n sa m e n to jam e-
siano (M cD erm o tt, 1977; P erry, 1920). Essa b ibliografia co n té m u m a lista
cro n o ló g ica c o m e n tad a de to d a s as p u b licaçõ es d e Jam es em vida, além de
ed içõ es p ó stu m a s. O u seja, to d a a litera tu ra p rim á ria p u b licad a. C om isso
em m ão s, o p e sq u isa d o r deve se p e rg u n ta r: “ qu ais d essas p u b licaçõ es são re­
levantes p a ra o m eu p ro b le m a de p e s q u is a ? ” . A o re s p o n d e r a essa p e rg u n ta ,
ele já te rá feito a sua p rim e ira seleção e p o d e rá p ro c e d e r à lo calização d as
p u b licaçõ es (e.g., bibliotecas, in te rn et, livrarias).

Em rela çã o à seleção d as fo n tes p rim á ria s p u b lic a d a s, deve-se te r e m vista


dois c rité rio s , p elo m en o s n o q u e se refe re ao s níveis m ais a lto s de p e s q u i­
sa. P rim e iro , é fu n d a m e n ta l q u e as fo n tes e ste jam na lín g u a o rig in a l em
q u e fo ra m p u b lic a d as. O tra b a lh o com fo n tes tra d u z id a s é se m p re p ro b le ­
m ático , d a d a a p o ssib ilid a d e de a lte ra ç ã o e d isto rç ã o d o te x to o rig in a l. P o r
m e lh o r q u e seja u m a tra d u ç ã o , ela n u n c a vai te r o m esm o v alo r q u e o o rig i­
nal. N o B rasil, esse p ro b le m a d as tra d u ç õ e s é p a rtic u la rm e n te a c e n tu a d o .
As o b ra s de a u to re s co m o F re u d e S k in n er, p o r ex em p lo , tê m re c e b id o em
n o sso p a ís v e rsõ e s m u ito p ro b le m á tic a s, q u e p re ju d ic a m a c o m p re e n s ã o
d o s resp e c tiv o s tex to s o rig in ais. Em se g u n d o lugar, q u a n d o d isp o n ív e is, é
e ssen cial q u e se tra b a lh e com as c h a m a d a s “ ed iç õ e s c rític a s” . U m a ed ição
crítica é o r e s u lta d o de u m lo n g o p ro c e sso de in v estig ação c u id a d o sa e cri­
te rio sa d o s m a n u s c rito s o rig in a is de u m au to r, cu jo o bjetivo é e s ta b e le c e r
u m tex to confiável, sem os tra d ic io n a is e rro s de im p re ssã o , tip o g ra fia e
in fo rm a ç ã o d a s e d içõ es o rig in a is, q u e vai ser u tiliz a d o c o m o p a d rã o p a ra
os p e s q u is a d o re s d a á re a . U m d o s casos m ais re c e n te s de ed iç ã o crítica em
n o ssa á re a é a m o n u m e n ta l T h e w o r k s o f W illia m J a m e s , p u b lic a d a pela
H a rv a rd U n iv ersity P ress. N a in ex istê n c ia de u m a e d iç ã o crítica d a o b ra
de u m a u to r, d evem s e r b u s c a d a s as ed iç õ e s o rig in a is de c a d a u m a de su as
p u b lic a çõ e s. D a í a im p o rtâ n c ia de se a p re n d e r a lín g u a d o a u to r q u e se
p re te n d e estu d a r.

V oltando ao c o n ta to inicial co m a lite ra tu ra se cu n d á ria , ela difícilm ente vai


ser suficiente p a ra a seleção de to d as as fontes relevantes, seja p o r e sta r
in co m p leta ou p o r a p re s e n ta r in fo rm açõ es u ltra p assa d as. C abe, en tão , ao
p e sq u isa d o r in te ressa d o , co m p le m e n tar o tra b a lh o p révio, am p lian d o a sua

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b u sca e a tu a liz a n d o as in fo rm açõ es. T o m an d o n o v am en te co m o exem plo o


tra b a lh o de P erry e M cD erm o tt, percebe-se q u e ele está in com pleto. Prim ei­
ro , d e sd e 1977 m u itas fontes p rim á ria s in éd ita s fo ram p u b licad as, co m o é o
caso d a c o rre sp o n d ê n c ia p arcial de Jam es (S k ru p sk elis & Berkeley, 1992),
S eg u n d o , n ã o h á in fo rm ação so b re as fontes p rim á ria s n ã o p u b lic a d as o u
so b re a lite ra tu ra se cu n d á ria . N esse caso, o p e sq u isa d o r deve re c o rre r a
o u tro s m eios de busca.

Em rela çã o às fo n tes p rim á ria s n ã o p u b lic a d as, n ão b a sta id en tificar su a


existência; é p re c iso localizá-las. Em geral, elas e stã o p re se rv a d a s em biblio­
tec a s o u arq u iv o s, sejam eles p ú b lico s o u p riv ad o s. N o caso d e arq u iv o s
p riv ad o s, d epende-se sem p re da b o a v o n tad e e d o co n sen tim e n to da fam ília
o u do c u ra d o r resp o n sáv el. M as com o faz e r p a ra localizá-las? T ra d icio n al­
m en te, cad a á re a p o ssu i seu s catálogos e gu ias com a lo calização de fu n d o s
arq u iv ístico s específicos. P o r exem plo, existe u m guia só p a ra coleçõ es de
m an u sc rito s relacio n ad o s à h istó ria da psicologia (S okal & Rafail, 1982).
E n tre ta n to , o advento d a in te rn e t facilitou m u ito a b u sca e a lo ca liz a ç ão d as
coleções e dos arquivos.

F in a lm e n te , é p re c is o s e le c io n a r ta m b é m as fo n te s s e c u n d á r ia s , q u e são
p r in c ip a lm e n te c o n s titu íd a s p o r liv ro s e a rtig o s s o b re o te m a p e s q u is a ­
do. A q u i deve-se te r em m e n te os p e rió d ic o s m ais tra d ic io n a is d e c a d a
á re a . N o c a so d a p e s q u is a h is tó ric a d e te o r ia s e c o n c e ito s p s ic o ló g ic o s,
os m ais im p o r ta n te s são: J o u r n a l o f t h e H is to r y o f t h e B e h a v io r a l S c ie n c e ,
H is to r y o f P s y c h o lo g y , H isto ry o f H u m a n S c ie n c e s , T h e o r y & P s y c h o lo g y ,
I s is , S t u d ie s in th e H is to r y a n d P h i lo s o p h y o f S c i e n c e , H is to r y o f S c i e n c e ,
J o u r n a l o f th e H is to r y o f Id e a s . P a ra fa c ilita r a b u s c a , é a c o n se lh á v e l r e ­
c o rr e r às b a s e s d e d a d o s q u e a g ru p a m v á rio s d e s se s p e rió d ic o s , c o m o
J S T O R , P s ic I N F O e P r o je c t M u s e . Já os liv ro s sã o m ais fac ilm e n te id e n ti­
ficad o s n o s c a tá lo g o s d e b ib lio te c a s, m u ito s d o s q u a is e s tã o a tu a lm e n te
d isp o n ív e is p a r a b u sc a o n l in e . E m a m b o s os c a so s, a b u s c a d ev e se r feita
a p a r t i r d a s p a la v ras-c h av e q u e c a r a c te r iz a m o te m a e o p ro b le m a d e
p e s q u is a em q u e s tã o .

A p ó s a identificação, seleção e lo calização d a s fontes, o ú ltim o p a sso é a ve­


rificação d o acesso a elas. É fu n d am e n ta l q ue o p e sq u isa d o r se certifiq u e d a

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viabilidade de acesso às su as fo n tes p rin c ip ais. C aso c o n trá rio , su a investiga­


ção p o d e ficar se riam en te co m p ro m etid a ou, n o p io r dos c e n ário s, to rn ar-se
inviável. E m relação às fontes p rim á ria s n ã o p u b lic a d as, até a p rim e ira d éca­
d a do século X X I, a visita física aos arquivos era p ratica m ente o b rig a tó ria, o
q u e exigia g ra n d e d isp ên d io financeiro. N os ú ltim os an o s, m u ito s arquivos
e stão d isp o n ib ilizan d o su as coleções em fo rm a to digital p a ra acesso o n lin e
g ratu ito , co m o é o caso d a U niversidade de H a rv a rd (h ttp ://lib ra ry ,h a rv a rd .
ed u /u n iv ersity -arch iv es) e d a U n iv e rs ity C olleg e o f L o n d o n (h ttp s://w w w .u c l,
ac.u k /lib rary /sp ecial-co llectio n s). O m esm o tem a c o n tecid o com m u itas fon­
tes p rim á ria s p u b licad as q u e já caíram em d o m ínio público. M uitos livros
e artig o s clássicos p u b licad o s em séculos p a ssa d o s, até rec e n te m e n te consi­
d e ra d o s obras ra ra s e de difícil acesso, e stão hoje disponíveis g ratu ita m e n te
p a ra d o w n lo ad n a in te rn et. P ro jeto s com o I n te r n e t A r c h iv e (h ttp s ://a rc h iv e .
org), G a llic a (h ttp ://g a llic a .b n f.fr), T h e V ir tu a l L a b o r a to r y (h ttp ://v lp .m p i-
w g -b erlin .m p g .d e/in d ex _ h tm l) e G o o g le B o o k s (h ttp s://b o o k s.g o o g le .c o m )
d isp o n ib ilizam m ilh ares de o b ras fu n d am en tais p a ra a p esq u isa h istó ric a de
teo rias e co n ceito s psicológicos. Em relação às fontes se cu n d á ria s, so b re tu ­
do os artigos, a CA PES disp o n ib iliza p a ra as u n iv ersid ad es p ú b licas b rasilei­
ras, p o r m eio do P o rta l d e P e rió d ic o s C A P E S (h ttp ://w w w .p e rio d ic o s.c a p e s.
gov.br), o acesso g ra tu ito aos p e rió d ico s e b ases de d a d o s in te rn ac io n ais
m ais relev an tes de ca d a áre a .

P ara julgar a q u e stã o d o acesso, o p e sq u isa d o r deve esta b e le c e r u m a h ie ra r­


q u ia en tre suas fontes selecio n ad as. P or exem plo, se o seu objetivo é q u estio ­
n a r u m a in te rp re ta ç ã o tra d icio n a l de u m co n ceito o u te o ria a p a rtir d o uso
de fontes p rim á ria s n ã o p u b licad as e n u n c a a n te s ex p lo rad as, su a p rio rid a d e
é g a ra n tir o acesso a essas fontes. P or o u tro lado, se u m a fonte é p o u c o re ­
levante p a ra o p ro b lem a em q u e stã o , a falta de acesso a ela n ã o p reju d ica
a execução d o p ro je to de p e sq u isa . P or isso, é fu n d am e n ta l que h aja um a
co m p atib ilid ad e en tre p ro b lem a de p esq u isa, seleção de fo n tes e acesso.

M esm o que o p e sq u isa d o r g a ra n ta o acesso a to d as as su as fontes selecio­


n ad as, ele n ã o deve te r a ilusão de que esgotou to d as as fontes relevantes
p a ra a sua p e sq u isa . É sem p re possível que ele te n h a co m etid o u m e rro de
ju lg am en to em rela çã o à relevância de u m a fonte q u e ele d e sc a rto u ou en tão
q ue u m a fo n te relev an te a n te rio rm e n te d esco n h e c id a seja d e sc o b e rta .

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5. Planejamento e cronograma

O últim o p a sso n a e la b o ração d e u m p ro je to de p esq u isa é o p lan e jam e n to


d a s e ta p a s a serem p e rc o rrid a s e a fixação de seu resp ectiv o cro n o g ra m a .
P lan ejar u m a p e sq u isa significa “p rev e r o s m o m e n to s cognoscitivos e téc­
nico s p elo s q u ais o tra b a lh o d e v erá p a s s a r” (A róstegui, 2006» p. 4 6 8 ). Um
m a u p lan e jam e n to d as e ta p a s d a p esq u isa p o d e c o m p ro m ete r significativa­
m en te a su a rea liz a ç ão , n o sen tid o de o b rig a r o p e sq u isa d o r a fin alizar o
p ro ce sso sem que te n h a an alisad o to d as as fontes selecio n ad as e re sp o n d id o
ao seu p ro b le m a de p esq u isa.

O p lan e jam e n to de u m a p e sq u isa h istó rica envolve essen cialm en te trê s ele­
m entos: tem p o , p ro b le m a de p e sq u isa e q u a n tid a d e de fontes selecio n ad as.
O tra b a lh o in telectu al do p e sq u isa d o r consiste n a ten tativ a de co m p atib ilizar
da m elh o r fo rm a possível esses trê s fatores.

E m p rim e iro lugar, é p rec iso re to m a r a q u e la q u e s tã o co lo c a d a n a te rc e ira


seção: “ q u a n to te m p o eu te n h o p a r a re a liz a r m in h a p e sq u isa , in clu in d o a
e la b o ra ç ã o e e n tre g a do re la tó rio , d iss e rta ç ã o o u te s e ? ” . E sse te m p o v a ria
g e ra lm e n te d e u m a q u a tro a n o s, d e p e n d e n d o d a n a tu re z a d a in v estig ação
em q u e stã o . A tu a lm e n te é m u ito r a r o q u e u m p e s q u is a d o r re c e b a fin a n ­
c ia m en to p a ra d e sen v o lv er u m m esm o p ro je to de p e s q u is a p o r m ais d e
q u a tro an o s.

A pós to m a r consciência d o te m p o to tal q u e ele tem p a ra re a liz a r a p e sq u isa ,


ele deve se p e rg u n ta r: ” cie q u a n ta s h o ra s sem an ais e u d isp o n h o p a ra an ali­
sar as fontes e q u a n to tem p o a p ro x im a d a m e n te eu n ecessito p a ra tra b a lh a r
cad a tip o de fonte (p rim á ria s p u b licad as, p rim á ria s n ã o p u b lic a d as e secu n ­
d á ria s )? ” . Ao re s p o n d e r a essas d u as q u e stõ e s, ele já co n seg u e fo rm a r u m a
p rim e ira ideia do tem p o total p a ra a análise das fontes.

E m seguida, ele deve b u sc a r a divisão do tra b a lh o em e ta p a s co n c re ta s. Ten­


do sem p re em vista seu p ro b le m a de p e sq u isa , ele d ev erá fo rm u lar a seg u in te
p erg u n ta : “q u a l é o itin e rá rio m ais a d e q u a d o p a ra que eu consiga so lu cio n ar
o m eu p ro b le m a ? ” . N a investigação de te o ria s e co n ceito s psicológicos, u m a
so lu ç ã o m u ito co m u m a d o ta d a p elo s p e sq u isa d o re s é a divisão do tra b a lh o

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em co rte s tem p o rais. Se u m a te o ria foi fo rm u la d a a o lo ngo de trin ta an o s,


é possível estudá-la em trê s eta p a s, ca d a u m a delas c o rre s p o n d e n d o a u m a
d é c ad a . M as isso v a ria m u ito de caso a caso , de fo rm a q u e se to rn a im p o ssí­
vel o esta b e le c im e n to de q u a lq u e r d ire triz m ais específica p a ra o estab eleci­
m en to d a s etap as. N a v erd a d e , essa divisão d o tra b a lh o d e p e n d e rá ta n to do
p ro b le m a de p e sq u isa q u a n to d a q u a n tid a d e de fontes a se r a n alisad a.

O ú ltim o p a sso é a m o n ta g e m do c ro n o g ra m a , q u e tra z d e volta p a ra a dis­


cu ssão o fato r tem p o . U m a vez tra ç a d o o cam in h o , o p e s q u is a d o r deve dis­
trib u ir as e ta p a s ao longo dos m eses de ca d a an o disponível, p a ra q u e possa
se g u iar p o s te rio rm e n te . A p e rg u n ta aq u i é a seguinte: “q u a n to s m eses eu
n ecessito p a ra c u m p rir c a d a u m a d essas e ta p a s ? ” . Em fu n çã o d a s resp o stas
q u e fo rn e c e u às p e rg u n ta s a n te rio re s, ele já te rá u m a ideia ap ro x im ad a de
q u a n to s m eses n e c essita rá p a ra ca d a e ta p a . A qui, a e x p eriên cia d o p e sq u i­
sa d o r aju d a m uito. C om o p a s sa r d o te m p o , ele vai a p re n d e n d o o seu tem p o
e re n d im e n to individual de tra b a lh o (e.g., o te m p o m éd io q ue ele g a sta p a ra
ler u m artig o , um livro etc.), o q u e é fu n d a m e n ta l p a ra a e la b o raç ã o de p e s­
q u isas m ais a p ro fu n d a d a s e a b ran g en tes.

O c ro n o g ra m a final é g eralm en te a p re s e n ta d o p o r m eio de u m a tab ela, n a


qu al as atividades são d e scrita s e relacio n ad as ao s resp ectiv o s m eses de tra ­
b alh o . M as é ig u alm en te com u m a a p re se n ta ç ã o do c ro n o g ra m a em term o s
de u m a explicação tex tu al de ca d a atividade p o r p e río d o de rea liz a ç ão . Seja
com o for, o im p o rta n te é q u e o p e sq u isa d o r deixe cla ro o q ue ele fa rá co n ­
c re tam e n te ao longo d o te m p o q u e ele tem p a ra re a liz a r a p esq u isa. Q u a n ­
do o p ro je to é su b m e tid o a u m a ag ência de fo m en to , a d escriçã o c lara das
e ta p a s e a a p re s e n ta ç ã o d o c ro n o g ra m a são p o n to s essenciais d a avaliação.

6 .0 trabalho com as fontes

A n tes de in iciar a an álise e in te rp re ta ç ã o de su as fontes, o p e sq u isa d o r deve


g a s ta r algum te m p o v erifican d o a a u te n ticid ad e e a con fiab ilid ad e d as m es­
m as. A au te n tic id ad e diz resp e ito à p ro c e d ê n c ia d a fonte, se ela foi m esm o
e scrita n a é p o c a e p e lo a u to r em q u estão . A con fiab ilid ad e se refe re à veraci­
d a d e d a in fo rm a ç ã o co n tid a n a fonte.

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N o caso de su as fontes p rim á ria s p u b licad as, é p o u c o provável q ue o p e sq u i­


sa d o r en c o n tre p ro b le m a em su a investigação de teo rias e co n ceito s psicoló­
gicos d o s dois ou trê s últim os séculos, pois em geral há p o u c a dúvida so b re a
au te n tic id ad e de livros e artig o s d esse p e río d o . E n q u a n to até hoje se d eb ate
a a u te n ticid ad e de alguns e scrito s atrib u íd o s a A ristó teles, isso n ã o acontece
com um psicólogo d o século X IX o u d o início d o século X X . M esm o n o caso
d a s in ú m e ra s rese n h a s p u b licad as a n o n im a m e n te em p e rió d ic o s e jo rn ais d a
é p o c a, h á b ito c o m u m até o início do século XX , isso n ã o re p re s e n ta n e n h u ­
m a dificuldade. P o r exem plo, ta n to W u n d t q u a n to Jam es p u b lic a ra m v árias
d essas re se n h a s, m as n ã o h á atu alm en te q u a lq u e r d ú v id a so b re su a au to ria.

A situ a ç ão m u d a sen siv elm en te q u a n d o se tra ta de fontes p rim á ria s n ã o p u ­


b licad as. P or exem p lo , u m a c a rta p o d e vir sem d a ta , co m d a ta in co m p le ta ,
sem a ssin a tu ra , sem local, o q u e p o d e d ific u ltar o e sta b e le c im e n to de sua
a u te n tic id a d e . H á ta m b é m a p o ssib ilid a d e de fra u d e , o u seja, alg u ém que
d e lib e ra d a m e n te invente in fo rm a ç õ e s e /o u forje d o c u m e n to s e a trib u a su a
a u to ria a u m a u to r d o p a ssa d o . U m d o s caso s m ais claro s d e fra u d e em
n o ssa á re a foi a c ria ç ã o d o “ m ito d e P in e i” . Em 1823, S cip io n Pinei (1795-
1859), o filho m ais velho de P h ilip p e Pinei (1745-1826), p u b lic o u u m artig o
em u m p e rió d ic o fran cês a le g a n d o que seu c o n te ú d o tin h a sido ex tra íd o
do s c a d e rn o s d e a n o ta ç ã o de seu pai. D u ra n te m u ito s an o s, esse co n te ú d o
foi tra n sm itid o e re p e tid o em in ú m e ro s m an u a is e tra ta d o s de m ed icin a e
p s iq u ia tria sem q u e n in g u ém d u v id asse de su a au te n tic id ad e . H oje em dia,
co n tu d o , a falsificação e stá co m p ro v a d a (W einer, 1994). F elizm en te, c o n tu ­
do, esse p ro b le m a n ão é fre q u e n te na á re a e n ão deve p re o c u p a r d e m a sia ­
d a m e n te o p esq u isa d o r.

A q u e stã o d a co n fiabilidade afeta igualm ente as fontes p u b licad as e n ã o p u ­


blicadas. N ão é p o r e sta r p u b licad a em u m p e rió d ico resp eitáv el que um a
d e c la ra ç ã o p esso al de u m a u to r deva ser to m a d a ao p é da letra. V árias ra ­
zões p o d e m tê-lo levado a tal d e c laração , sem que ela rep re sen te de fato o
que ele estav a p e n sa n d o n a q u ele m o m en to . Por isso, é se m p re fu n d am e n ta l
fazer um a c o m p a raç ã o co m o u tra s fontes disponíveis e c o m p re e n d e r o con­
texto de sua form ulação.

O u tro fator im p o rtan te que afeta a confiabilidade de u m relato é a fragilidade


d a m em ó ria h u m an a . O p e s q u is a d o r deve sem p re d e sco n fiar do s rela to s

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au to b io g ráfico s tard io s de u m autor, co tejan d o -o s com o u tra s fo n tes d isp o ­


níveis sobre os eventos em q u estão . P o r exem plo, em rela çã o à a u to b io g ra ­
fia de W u n d t, p u d e p e rc e b e r q u e seu relato so b re o p e río d o q ue tra b a lh o u
com o assisten te de H elm h o ltz n ão c o rre sp o n d e às fontes p rim á ria s d isp o n í­
veis (A raújo, 2014).

P ara que o tra b a lh o com as fontes seja fru tífero e eco n o m ize te m p o d o p es­
q u isad o r, é fu n d am e n ta l q u e ele faça um reg istro de cad a fo n te co n su lta d a e
m onte seu p ró p rio arq u iv o de tra b a lh o . Isso p o d e ser feito em fichas avulsas,
c a d e rn o s de n o tas o u d o c u m e n to s e letrô n ico s (e.g., W o rd f o r W in d o w s ) . O
im p o rta n te é q u e em cada um dos reg istro s o p e s q u is a d o r a n o te a referên cia
com p leta d a fonte e as in fo rm a ç õ e s relev an tes q u e ele re tiro u dela, in cluindo
su a lo calização (n ú m e ro de p á g in a ou folha). Assim, o p e sq u isa d o r n ã o p re ­
cisa re to rn a r à fonte original cada vez q u e p re c isa r c o n su lta r aq u ela in fo rm a­
ção, o q u e re p re s e n ta u m a g ran d e e c o n o m ia de tem p o .

A análise das fontes históricas req u e r m uita habilidade, principalm ente no que
se refere ao trabalho em arquivos (Bacellar, 2 0 0 6 ; C astro, 2 0 0 8 ). M as o p rin ­
cipal é que o pesquisador tenha to d o o tem po em m ente o seu pro b lem a de
pesquisa, a sua p erg u n ta geral e /o u as suas p erg u n tas específicas com o guia
p a ra a análise dos docum entos. N esse m om ento, a p erg u n ta fu ndam ental é: “o
que essa fonte m e diz sobre o m eu p ro b le m a? ”. Caso o pesq u isad o r p erca de
vista seu(s) problem a(s) de pesquisa e com ece a seguir to d as as inform ações
contidas nas fontes selecionadas, ele certam ente vai se p e rd e r ou desviar do
seu cam inho. Assim, ao final, ele terá um a m o n tan h a de inform ações, m as n ão
saberá o que fazer com elas. Ter o problem a em m ente é m uito im p o rtan te
q u an d o se vai acessar u m arquivo peia prim eira vez. Por exem plo, no prim eiro
contato com a co rresp o n d ên cia de um autor, é m uito fácil o p esq u isad o r se p e r­
der nas m inúcias contidas nas cartas e esquecer do m otivo que o levou até elas.

Infelizm ente, n ão é possível a b o rd a r d e n tro d essas breves c o n sid eraçõ es m e­


to dológicas a q u e stã o d a in te rp re ta ç ã o das fontes, devido à q u a n tid a d e e à
com plexidade do s fato res envolvidos (cf. Bloch, 2 0 0 1 ; D o b so n & Z ie m a n n ,
2 0 0 9 ; Fischer, 1970; G o e rtz , 2 0 0 7 ; L anglois & S eignobos, 1 8 9 8 /2 0 0 9 ). N o
e n ta n to , a ideia geral p o d e ser resu m id a d a seguinte form a: trata-se de um
co n fro n to c o n sta n te en tre as in fo rm açõ es e x traíd as d as fo n tes, o(s) proble-
m a(s) de p e sq u isa e a(s) h ip ó tese(s).

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7. Apresentação e discussão dos resultados

O ú ltim o p a sso d a p e sq u isa é a a p re se n ta ç ã o e a discu ssão dos resu ltad o s.


E m b o ra a a p re se n ta ç ã o e discu ssão dos resu lta d o s a p a re ç a m fre q u e n te m e n ­
te ju n ta s na litera tu ra , vou aq u i separá-las p a ra fins didáticos. E sem p re b ò m
q u e o p e sq u isa d o r in ician te c o m p re e n d a a d iferen ça lógica que existe en tre
d e screv er e ex p lic ar/arg u m en ta r.

A a p re s e n ta ç ã o dos re s u lta d o s p o d e ser feita de fo rm a m e ra m e n te d e sc riti­


va. O p e s q u is a d o r p o d e o p ta r p o r listar, p a ra cad a e ta p a d e sua p e sq u isa ,
seu s p rin c ip a is a c h ad o s, sem b u s c a r a in d a u m a a rtic u la ç ã o e n tre eles o u
u m a ex p licitação de seu sentido. P o r exem plo, ele p o d e fa z e r a firm a ç õ es
d o tipo: “no p e río d o X , e n c o n tra m o s os ele m en to s Y e Z d a te o ria K ” ;
“n o estágio P, o co n ceito Q tin h a trê s fo rm u la ç õ e s d ife re n te s” . A firm a çõ e s
d e ste tip o m o stra m q u e o p e s q u is a d o r está a p e n a s c o n s ta ta n d o a q u ilo q u e
ele e n c o n tro u .

Isso n ão é suficiente, p o rém . É p rec iso in te g rar os re su lta d o s e n c o n trad o s


em um q u a d ro co e re n te de in te rp re ta ç ã o . É n e c essá rio ex p licitar o sen tid o
d esses re su lta d o s à luz ta n to d o p ro b lem a de p e sq u isa q u a n to d a h ip ó te ­
se. E m sum a, o p e sq u isa d o r deve m o strar, p o r m eio de arg u m e n to s, o q u e
seus re su lta d o s significam . P ara a lc a n ç ar u m b o m resu lta d o , ele deve fazer
uso das p ró p ria s fontes p rim á ria s (citações d ire tas), m o stra n d o q u e seu s
arg u m e n to s e stão a m p a rad o s em p a ssag en s originais. N esse caso, a citação
d ire ta fo rtalece a in te rp re ta ç ã o do p esq u isad o r.

N esse con tex to , é igualm ente fu n d am e n ta l o co n fro n to com as in te rp re ta ­


ções co n tid as na lite ra tu ra se cu n d ária. O p e sq u isa d o r deve se p e rg u n ta r:
“os resu lta d o s e n c o n trad o s são com patíveis com a litera tu ra s e c u n d á ria ? ”;
"eles revelam algo novo sobre o co n ceito ou te o ria em q u e s tã o ? ” . A qui, o
p e sq u isa d o r p rec isa de arg u m e n to s p a ra d efe n d e r su a in te rp re ta ç ã o . E nesse
m o m e n to que ele deve u tiliz a r to d a a sua h ab ilid ad e an alítica p a ra en x erg ar
os p ro b lem as a p re se n ta d o s p o r in te rp re ta ç õ e s a n te rio re s e m o stra r p o rq u e
a su a in te rp re ta ç ã o oferece u m a c o m p re en sã o m ais p ro fu n d a ou lan ça nova
luz so b re o p ro b le m a em q u estão .

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M as o p e s q u is a d o r n ã o deve d isc u tir os lim ites e p ro b le m a s a p e n a s d as


in te rp re ta ç õ e s alh eias. É p a rte fu n d a m e n ta l da d isc u ssã o de u m a p e sq u isa
q u e o p e s q u is a d o r esteja co n scie n te do s lim ites do seu p ró p rio tra b a lh o .
P or ex em p lo , é im p o rta n te ele re c o n h e c e r, se fo r o caso : q u e a falta de
acesso a u m a fo n te X p o d e te r p re ju d ic a d o o u lim ita d o seu s re s u lta d o s ;
q u e su as fo n tes re v e la ra m n o v o s a sp e c to s so b re o te m a in v estig ad o q u e
n ã o p u d e ra m se r a b o rd a d o s ; q u e u m a re s p o s ta m ais a d e q u a d a a o se u p ro ­
b lem a de p e s q u is a exige o u tra fo rm a de a n á lise d a s fontes; etc. S eja co m o
for, n ã o h á p e s q u is a p e rfe ita . H á se m p re algo a s e r a p e rfe iç o a d o o u a c re s­
c e n ta d o . P o r isso, é im p o rta n te ta m b é m , se m p re q u e p o ssív el, q u e o p e s­
q u isa d o r d ig a se seu s re s u lta d o s a p o n ta m p a ra a n e c e ssid a d e de alg u m a
p e s q u is a fu tu ra .

Ao final, deve-se d eixar claro qual é a contribuição do trabalho p a ra a literatura.

8 .0 relatório final

Se a pesquisa está sendo co n duzida de m an eira oficial, com c ad astro em algum


ó rg ão (pró-reitoria, agência de fom ento etc.), o p e sq u isad o r será obrigado a
en treg ar u m relatório final p a ra avaliação, incluindo aí a p resta çã o de co n tas
da verba utilizada ao longo da p esq u isa. N o caso de p esquisas realizad as no
âm b ito de p ro g ra m as de pós-graduação, o relató rio final p o d e ser substituído
pela en treg a e defesa d a d issertação o u tese. N o e n tan to , com o as condições
e as exigências variam m uito de local p a ra local, n ã o é possível aqui elab o rar
n e n h u m a d iretriz geral sobre o p reen ch im en to e a en treg a de relatórios.

D e q u a lq u e r m o d o , a e n treg a d o rela tó rio final, seja n a fo rm a de u m fo rm u ­


lário o n lin e seja na fo rm a de u m a d isse rta ç ã o o u tese, m arc a oficialm ente o
fim d o p ro je to de p esq u isa em questão.

Referências

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Biografia científica e pesquisa


teórica da historiografia da
psicologia

R o b so n N ascim en to da C ru z 42

O rec o n h e c im e n to d o valor cu ltu ral do g ên ero biográfico to rn o u -se notável


a p a rtir do final d a d écad a de 1970, m o m e n to n o q u a l a bio g rafia se d e sta ­
cou com o o m ais p o p u la r dos g ê n e ro s literário s. N esse c e n á rio , o g ê n e ro
biográfico co m eça a ser p e rc e b id o co m o a “ m ais satisfató ria e estab elecid a
rea liz a ç ão de no ssa p re se n te e ra ” (G ittings, 1978, p. 15). P ercep ção m an tid a
ao longo d as últim as trê s d é c ad a s com alegações de q u e viveríam os na era
(Bow ker, 1993) o u id a d e d a b io g rafia (K usek, 2014).

U m a p ro v a do im p acto c u ltu ral do g ê n e ro b io g ráfico e stá n as tra n sfo rm a ­


ções do uso do te rm o b io g ra fia n as ú ltim as d écad as. M esm o q u e cad a é p o c a
e c o n tex to social a p re se n te u m a definição de biografia o rie n ta d a p o r dife­
ren te s cren ças epistem o ló g icas e m orais, p o r m u ito tem p o foi co n sen so q u e
a b iografia se referia à n a rra tiv a e scrita d a h istó ria de u m a vida h u m an a .
C o n tu d o , n a a tu alid ad e, o significado d o su b stan tiv o b io g ra fia n ã o m ais se
restrin g e a esse uso trad icio n al. V ide sua p re se n ç a em títulos de p ro d u ç õ e s
audiovisuais, co m o d o c u m e n tário s e film es ficcionais; e sua inclusão com o
p a rte de títulos de livros q u e n a rra m a h istó ria de u m p aís (e.g., S chw arcz &
S tarling, 2015) o u m esm o de um ó rg ã o h u m a n o (e.g., W eale, 1982).

A lém d isso, a p a rtir d a d é c a d a de 1980, pela p rim e ira vez, a b iografia ad­
q u iriu s ta tu s q u ase u n â n im e de fen ô m en o legítim o de p e sq u isa en tre v ário s
cam p o s do co n h ecim en to , u ltra p a ssa n d o o m erc ad o e d ito ria l v o ltad o p a ra

42 Bolsista de p ós-doutorado Fapesp {processo 15/00514-0).

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o g ra n d e p úblico. A p rin c ip al ra z ã o disso foi a crescen te co n sciên cia de q u e


a b io g rafia d e se m p e n h a ria p a p el especial no tra ta m e n to de u m d o s m aio res
p ro b le m as teó rico s e m eto d o ló g ico s e n fre n ta d o s pelas ciências h u m an a s e
sociais: a c o m p re en sã o d a s relaçõ es en tre h istó ria in d iv id u al e h istó ria so­
cial, e n tre su jeito e so cied ad e (M ills, 2 0 0 9 ).

N esse c e n ário , a biografia assu m e o d u p lo p a p el de fonte e o b jeto de p e s­


q u isa, u m a vez q u e dela se p o d e ria m a b stra ir os d iferen tes m o d o s de re p re ­
se n ta r as relaçõ es en tre sujeitos e co n tex to s sociais, em q u a d ro s h istó rico s
específicos. P o r essas e o u tra s ra z õ e s, n as ú ltim as q u a tro d é c ad a s o g ê n e ro
biográfico p e n e tro u as m ais d iferen tes á re a s d o saber.

O objetivo deste capítulo é ap resen tar, de m an eira in tro d u tó ria , com o o gêne­
ro biográfico tem se inserido em u m a disciplina específica, a historiografia da
psicologia. Ao m esm o tem po, p rete n d e tam b ém avaliar com o a biografia p o d e­
ria ser in co rp o rad a à pesquisa teó rica em psicologia, já que essa possibilidade
tem sido p o u co ex plorada n a literatu ra da área.

P a ra ta n to , se rá a p re s e n ta d a u m a breve in tro d u ç ã o à h istó ria d o g ê n e ro


b io g ráfico , p a s sa n d o p o r su as esp ecificid ad es na h isto rio g ra fia d a h istó ria
e n a h isto rio g rafia d a h istó ria d a ciência, com d e sta q u e p a ra seu lu g ar atual
n a h isto rio g ra fia d a psicologia. E m seguida, será d iscu tid a a in se rç ã o do
g ê n e ro b iográfico n a p esq u isa te ó ric a d a h istó ria d a p sicologia p o r m eio
de u m exem plo no q ual a b io g rafia científica foi in c o rp o ra d a a u m a análise
te ó ric a d o p ro je to científico sk in n e ria n o .

1. Uma breve história do gênero biográfico:


o apagamento de uma história sempre
presente

A h istó ria do g ê n e ro b iográfico é talvez a h istó ria m ais p a ra d o x a l d e to d o s


os g ê n e ro s literário s. Por um lado, a b iografia sem p re teve g ran d e apelo e
alcance p o p u lar. Por o u tro , foi alvo co n sta n te de críticas acad êm icas, ten d o
seu v a lo r in telectu al reje ita d o até m uito rec e n te m e n te (D o sse, 2 0 0 9 ). E ntre
essas críticas destaca-se a vin cu lação do g ê n e ro b iográfico a n o çõ es forte-

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m en te re c h a ç ad a s p elo q u e se co n v en cio n o u c h a m a r de p e n sa m e n to pós-m o-


d e rn o , co m o a ideia de p ro g re sso e a h istó ria do s g ran d es h o m en s (L origa,
2011). P ara Nigel (2 0 0 7 ), essa h e ra n ç a h istó rica d a biografia to rn o u sua
p re se n ç a q u ase n u la n a u n iv ersid ad e, cria n d o u m p a ra d o x o su rp re e n d en te :

Hoje, em um dos m aiores parad o x o s d a civilização ocidental, a bio­


grafia é a área mais am plam ente praticada e m uitas vezes m ais con­
troversa da produção audiovisual e da publicação, c um dos pilares
da prática dem ocrática ocidental. No entanto, enquanto nas universi­
dades abundam departam entos dedicados à investigação e ao ensino
de disciplinas tão diversas com o o jornalism o, o hip-hop, os estudos
sobre as m ulheres, os esportes e os estudos afro-am ericanos, p ara
citar alguns, o assunto d a biografia - que liga todos cies - não possui
nenhum grande departam en to dedicado ao seu estudo em um a única
universidade, salvo no Havaí! (p. 4)

A o c o m e n ta r a dificuldade em s itu a r a b io g rafia com o p a rte de u m ú n ico


cam p o do c o n h ecim en to e su a p e re n e rejeição acadêm ico-intelectual, D o sse
(2 0 0 9 ) ta m b é m avalia que o g ê n e ro b io g ráfico foi ig n o ra d o p o rq u e explicita­
va o vínculo e n tre q u e stõ e s de fato e q u e stõ e s de valor, e n tre fato e ficção, en­
tre h istó ria e m ito - algo que o p e n sam e n to m o d e rn o co n sid e ro u indesejável
e inconciliável. Para S h o rlta n d e Y eo (1 9 9 6 ), essas c a ra cterísticas tam b é m
esclarecem p o r q u e o g ê n e ro biográfico tra d icio n a lm e n te o cu p o u m ais es­
paço nos d e p a rta m e n to s de L ite ra tu ra do q u e no s de H istó ria, um a vez que
e sta ú ltim a disciplina, até m ea d o s do século X X , m an tev e com o p a rte de seu
p ro je to ser rec o n h e c id a com o u m a ciência positivista.

D e u m p o n to de vista sociológico, a crítica m ais re c o rre n te à biografia refere-


-se à ideia de q u e tal g ên ero , em su as d iversas v e rte n te s, e sta ria c o m p ro m e ­
tid o com a co n sag ração da figura dos g ran d es ho m en s, e com o d e c o rre n te
p ap el desse tip o de n a rra tiv a na m an u te n çã o de e s tru tu ra s sociais d o m in a n ­
tes. E ssas e s tru tu ra s e sta ria m a m p a ra d a s em u m a visão h istó rica lin ear e
excessiv am en te co m em o rativ a de d e te rm in a d o s sujeitos e eventos, p ro d u ­
zin d o aquilo q u e B o u rd ieu (1996) d e n o m in o u “ilu são b io g ráfica” . E m b o ra
rec o n h e ç a o valor d essa crítica p a ra o d esv elam en to do p ap el, m u itas vezes,
a lien an te do relato biográfico, L origa (2011) in d ica su as lim itações. P ara ela,

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a u to re s com o B o u rd ieu in c o rre ra m n o e rr o de esta b e le c e r u m p a s sa d o m o­


nolítico do g ê n e ro , a p a g a n d o assim in ú m e ro s esforços b iográficos d e n a rra r
a vida d e figuras à m arg em d a so cied ad e e u ro p e ia dos séculos X V III e X IX ,
co m o lad rõ e s, p o e ta s e o u tra s p e rso n a g e n s excluídas.

L origa (2011) su g ere q u e a crítica à biografia h ero ica a in d a p e rm a n e c e vá­


lida. C o n tu d o , o c e n á rio biográfico atu al é um te rre n o cad a vez m ais difícil
de ser definido em term o s de sim ples re p ro d u ç ã o da im agem h istó ric a d a
figura dos g ran d e s ho m en s. A d iv ersid ad e de fo rm a s de n a rr a r a vida g a n h o u
d im en sõ es im possíveis de serem to ta lm e n te m a p e a d a s e classificadas a p e n a s
em u m a p ersp ectiv a. P o rém , ao invés de isso ser visto co m o u m a fra q u e z a
do g ê n e ro , p a ra L origa (2011) é ju sta m e n te a im p re ssio n a n te h e te ro g en e i­
dad e c o n te m p o râ n e a do g ên ero biográfico q ue o to rn o u fen ô m e n o cu ltu ral
im possível de n ã o ser p e rc e b id o e d eb atid o .

2. Biografia científica e história da ciência:


uma relação paradoxal

Em u m a das p o u cas c o letân eas so b re a h istó ria d a b io g rafia científica, Sõ-


d erq v ist (2 0 0 7 ) sugere q u e n ã o haveria g ê n e ro na h istó ria d a ciência m ais
o d iad o do que o g ê n e ro biográfico. P ara o a u to r, o d e sp re z o p e la biografia
na h istó ria d a ciência a p a re c e n o escasso esforço p a ra in te rp re ta r os diver­
sos p ap éis d e se m p e n h a d o s p ela bio g rafia científica, a in d a que o g ê n e ro me-
tacientífico seja, em term o s q u an titativ o s, o m ais p re se n te n a h istó ria d a
ciência m o d ern a . N a m esm a p e rsp ectiv a, p a ra S h o rtla n d e Y eo (1 9 9 6 ), o
q ue im p ressio n a so b re a h istó ria d a bio g rafia científica é q u e ela te ria ficado
im u n e às su b stan ciais tra n sfo rm a ç õ e s filosóficas e h istó ric a s o c o rrid a s na
h isto rio g ra fia d a ciência d a se g u n d a m eta d e d o século X X . Foi n esse sen tid o
q u e aleg aram q u e a "biografia científica n e m sem p re reg istro u esse m a r de
m u d an ç a s. M uitos bió g rafo s a in d a e stão , p o r assim dizer, n a p raia , in to ca­
d o s p elas ev o lu çõ es filosóficas e h istó ricas, o ferecen d o n a rra tiv a s ob so le­
tas de h e ro ísm o , a b n eg ação e d ev o ção a o d e v e r” (p. 2). P rova significativa
d a in sen sib ilid ad e ao g ê n e ro biográfico seria n otável n o tra b a lh o d e n o m es
com o T h o m a s K u h n e B ru n o L ato u r, q u e, m esm o se n d o resp o n sáv eis p o r
incluírem em seu s e sco p o s teó rico s e m eto d o ló g ico s a sp ec to s m icrossociais,

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m icro -h istó rico s e psicossociais da ciência, d e ix a ram de situ a r a b io g rafia


com o fen ô m e n o legítim o de investigação h istó ric a d a ciência.

E m b o ra a p e n a s n a d é c a d a de 1990 ten h a se to rn a d o ev id en te um co n ju n to
de reflexões críticas so b re a b iografia científica, a lin h ad o co m as m u d an ç a s
filosóficas e h istó ricas d a h isto rio g ra fia da ciência, alguns esforços tím idos
e d isp e rso s de avaliação do p a p e l da biografia científica são identificados a
p a rtir d a d é c a d a d e 1970. O texto de B ru sh (1974), ho je u m clássico dos
estu d o s biográficos d a ciência, ex p õ e u m germ e desse em p en h o an alítico
desenvolvido n as d u as ú ltim as d écad as. A inda que p re o c u p a d o , so b re tu d o ,
com o v alo r d iscip lin ar d a b iografia científica, B ru sh foi o p rim e iro a n o ta r
o q u e tem sido c o n sid e rad o u m dos m aio res p a ra d o x o s d a fu n çã o do g ê n e ro
b iográfico na fo rm ação científica.

E sse p a ra d o x o m o stra que a lite ra tu ra p ed ag ó g ica d a ciência re c o rre a bio­


g rafias do s g ran d e s h o m en s (m u lh eres so m en te rec e n te m e n te co m e ç a ra m
a fazer p a rte d a h istó ria d a ciência co m o p ro ta g o n ista s) d e m o d o a ex p o r
co m o a vid a deles se ria co m p o sta p o r u m a série de ep isó d io s e x tra o rd in á ­
rio s, em q u e su as d e sc o b e rta s científicas são e x a ltad as ju sta m e n te p o r v iolar
as reg ras can ô n icas d a ciência. C o n tu d o , essa m esm a lite ra tu ra a p re g o a p a ra
os jovens cien tistas que a b o a e aceitável p rá tic a científica re s u lta ria exclusi­
v am en te do seg u im en to rígido de reg ras. P ara G re e n e (2 0 0 7 ), o p a ra d o x o
a n u n c ia d o p o r B ru sh (1974) p e rm a n e c e até o p rese n te e re p re s e n ta o b aix o
im p acto dos d eb ates críticos n a h istó ria d a ciência sobre os u so s trad icio n ais
d a biografia científica.

C o n tu d o , os u so s d a b iografia n a fo rm a çã o científica n ã o esg o tam to d o o ce­


n á rio b iográfico d a ciência. N aq u ilo q u e tem sido d esig n ad o co m o p ro d u ç ã o
esp ec ializa d a de bio g rafias científicas, escritas p rin c ip alm e n te p o r h isto ria ­
d o res de fo rm ação , h á tra n sfo rm aç õ e s consideráveis n o s m o d o s d e n a rr a r
a vida n a ciência. Assim, a p a rtir d a d é c a d a de 1980, h á n ítid o s esforços
de escrev er bio g rafias científicas in flu en ciad as pela h istó ria cu ltu ral e pelas
m u d an ç a s n a h isto rio g ra fia d a ciência. Tais bio g rafias caracterizam -se, p rin ­
cip alm en te, p o r situ a r a h istó ria de vida de g ran d e s n o m es d a ciência e su as
p ro d u ç õ e s in telectu ais co m o p a rte de co n tex to s h istó ric o s, políticos, sociais
e e c o n ô m ico s q u e, n o m ínim o, in flu en ciaram su as p ro d u ç õ e s in telectu ais.
C om isso, in fo rm açõ es d e o rd e m b io g ráfica p a ssa m a ser c o m p re en d id a s

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com o c a p azes de favorecer o en te n d im e n to de com o os cientistas vivem am ­


bições acad êm icas - o que é id en tificad o em p ro ce sso s com o a sociabilida­
de, a in fo rm alid ad e, o s ta tu s social e o a p o io fin an ceiro e a c ad êm ico q u e
eles e x p e rim e n tam o u n ã o d u ra n te su as ca rre iras. Ig u alm en te, o re c u rs o ao
g ê n e ro biográfico n a h istó ria da ciência in d ica com o se dá a c o n stru ç ã o de
lid e ran ç a s científicas, a a c eitação social d a ciência e as d isp u ta s in te rn a s n a
co m u n id a d e científica, o q u e rara m e n te a p a re c e em o u tra s fontes. Assim,
a biografia p ro v ê a in se rç ão dos leito res em em b ates existentes em to d a a
ciência, m as m u itas vezes ap a g ad o s em p ro l de u m a linguagem form al im ­
p ed itiv a d a ex p o sição do p apel d esses fato res ou a p e n as p re o c u p a d a em
m a n te r a im agem de h e ro ísm o de d e te rm in a d a s figuras h istó ricas (Jo Nye,
2 0 0 6 ; Popkin, 2 0 0 5 ).

3. A biografia na historiografia da psicologia:


uma história a ser construída

E m co n so n ân c ia com as tran sfo rm aç õ e s nas n arra tiv a s bio g ráficas d a ciên­


cia, o c o rrid a s a p a rtir d a d écad a de 1980, a p ro d u ç ã o biográfica na psico ­
logia p a sso u p o r m u d an ças no m esm o p e río d o . A p rin c ip al d elas foi que
a n a rra tiv a de vida de n o m es com o F reu d , S kinner, Piaget, en tre o u tro s, e
suas p ro d u ç õ e s in telectu ais co m eçaram a ser c o n te x tu aliza d a s co m o p a rte
de q u a d ro s sociais diversificados. Todavia, ta m b é m em a c o rd o co m o cen á­
rio m ais am plo d a h isto rio g rafia d a ciência, isso n ã o significou q u e o g ê n e ro
biográfico ten h a se to rn a d o a u to m aticam en te m até ria d e análise crítica na
h isto rio g rafia d a psicologia. N a realid ad e, c o m en tário s sobre biografias na
á re a co n tin u a ra m a ser tra ta d o s de m o d o g en érico , no m áxim o p o r m eio de
rese n h a s. Por exem plo, no s dois p rin cip ais p e rió d ico s d a áre a , H is to r y o f
P s y c h o lo g y e J o u r n a l o f t h e H is to r y o f th e B e h a v io r a l S c ie n c e s , a b iografia n ão
ad q u iriu lu g ar d e d e staq u e.

U m a h ip ó tese p a ra o d e sp re z o pelo g ên ero biográfico n a h isto rio g rafia da


psicologia é q u e ela o cu p a u m lu g ar sem elh an te àquele que a h istó ria d a psi­
cologia tem o c u p a d o en tre p ratica n tes dessa ciência: u m a p e rfu m aria h istó ri­
ca (L opes, 2011). Assim, h isto riad o res da psicologia - especialm ente q u a n d o
são p ratica n tes d a á re a - relegam a biografia ao p a p el d e u m a h istó ria aces-

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só ria, sem relevância c o n creta p a ra in te rp re ta ç ã o d a h istó ria d a psicologia.


Isso so a p a ra d o x a l, u m a vez q u e a h istó ria d a psicologia é fo rtem en te afeita
ao uso d o g ê n e ro biográfico n a fo rm ação científica; além de a psicologia ser
possivelm ente a á re a d o c o n h ecim en to q u e m ais re c o rre à h istó ria do s g ran ­
des h o m en s co m o p a rte de su as estratég ias d isciplinares (K uhn, 1989).

N a c o n d iç ã o de p rin c ip a l re p re s e n ta n te de u m a h istó ria d a c o n sag ra ç ão


e do p ro g re sso , o g ê n e ro b io g ráfico to rn o u -se alvo de a ta q u e s de u m a his­
to rio g ra fia crítica d a psicologia, q u e se iniciou e n tre as d é c a d a s de 1960 e
1970. N esse c e n á rio , a b io g rafia é c o n sid e ra d a u m in stru m e n to resp o n sáv el
p o r m a s c a ra r e s tru tu ra s id eo ló g icas d o m in a n te s n a p ro d u ç ã o do co n h eci­
m en to p sico ló g ico q u e, e n tre o u tra s coisas, legitim a p rec o n c e ito s e ap ag a
o v alo r de su jeito s o riu n d o s d e g ru p o s m in o ritá rio s, envolvidos n a p ró p ria
p ro d u ç ã o d o c o n h e cim e n to p sico ló g ico (V aughn-B lunt, R u th e rfo rd , B aker,
& Jo h n so n , 2 0 0 9 ).

P ara Bali (2012), este c e n á rio de crítica a o g ê n e ro b io g ráfico e a d e m a n d a


p o r u m a h istó ria d a psicologia h isto ricista fizeram com q u e a b iografia fosse
c o m p re en d id a co m o u m g ê n e ro a ser evitado, p o rq u e re p re sen ta v a aquilo
que se criticava n aq u ele m o m en to . N ão p o r acaso, q u a se to d a s as biografias
de g ran d e s n o m es d a psicologia, a p a rtir d a d écad a de 1980, fo ram escritas
p o r h isto ria d o res p ro fissio n ais e n ã o p o r psicó lo g o s-h isto riad o res.

Vale d ize r q u e u m a h ip ó te se a in d a a ser verificada so b re o g ê n e ro biográfico


n a p sico lo g ia é se a p ro d u ç ã o de biografias h e ro ic as e s ta ria rela cio n a d a com
u m a fo rm a çã o de psicó lo g o s e p sicólogas h isto ria d o re s d a psicologia m ajo-
rita ria m e n te alin h a d a teó rica e m eto d o lo g icam en te com p ersp e c tiv a s m enta-
listas e in d iv id u alistas. Isso d ificu ltaria ou inviabilizaria c o n sid e rar a h istó ria
de vida de h o m en s e m u lh eres, envolvidos n o p ro ce sso de c o n stru ç ã o d o
sab er psicológico, co m o um re su lta d o de d iv ersas in te raç õ e s sociais. Assim,
p e rm a n e c e ria na e scrita biográfica a ten ta ç ã o d e re p ro d u z ir categ o rias de
análises incom patíveis com p ersp e c tiv a s co n te x tu ais, m esm o em p ro d u ç õ e s
biográficas de p e rso n a g e n s d a h istó ria da psicologia q u e c o n trib u íra m p a ra
a crítica d a biografia h ero ica. Um exem plo m arc an te seria a b io g rafia de
F reu d escrita p o r E rn e st Jones (1974). N esse tra b a lh o , F reu d é re tra ta d o p o r
u m a e s tru tu ra literá ria típica d a h istó ria dos g ra n d e s h o m en s, n a q u a l o es­
forço in dividual e racio n al sem p re su p e ra o s p erc a lç o s d a vida. E xem plo a in ­

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da m ais em b lem ático é o b se rv a d o n o relato d e Portillo (2 0 1 2 ) so b re a vid a


d o p sicólogo social M artín-B aró. N esse caso , o q u e ch am a a te n ç ã o é q ue a
b io g rafia d esse p sicólogo, m a rc a d a m e n te rec o n h e c id o p o r su as críticas ao
in d iv id u alism o q u e p red o m in av a n as te o ria s p sicológicas e sta d u n id e n se s e
e u ro p e ia s, foi co n s tru íd a p o r m eio de u m a e s tru tu ra n a rra tiv a n a q u a l p rev a­
lece a co n sag ra ç ão excessiva, o finalism o e o h ero ísm o .

A m o stras de u m novo c e n á rio de p ro d u ç ã o biográfica d a psicologia são en­


c o n tra d a s em biografias de n o m es co m o F re u d (G ay, 1989), Pavlov (Todes,
2014), L a c an (R o u d in esco , 1994), W atso n (Buckley, 1989), P iaget (Ratcliff,
2 0 1 0 ) e S k in n e r (B jork, 2 0 0 6 ). P ara além d a s su as p e c u lia rid a d e s, essas
novas bio g rafias tê m e m co m u m o tra ta m e n to d a vid a e d a o b ra de p e rs o n a ­
gens co n sag ra d o s n a h istó ria d a psicologia co m o p a rte de q u a d ro s sociais di­
versificados, en ten d en d o -se q u e as rea liz a ç õ es científicas d esses in d iv íd u o s
n ã o se explicam a p e n a s com referên cia à c o n stru ç ã o lógica e in te rn a do s
seus sistem as psicológicos. A lém desses, h á exem plos atu ais d e p e sq u isa s
biográficas so b re p e rso n a g e n s tra d icio n a lm e n te a u se n te s n a h isto rio g rafia
trad icio n al d a psicologia. A lguns exem plos são a análise b io g ráfica d a ex­
p e riê n cia de e n fre n ta m e n to d a e s tru tu ra p o lítica e in stitu cio n al d a u niversi­
dad e can ad e n se pela p rim e ira g e ra ç ã o de p sicó lo g as d o C a n a d á (G ul e t al.,
2013); a p ro d u ç ã o de au to b io g rafias de psicólogas e psicólogos n eg ro s, no
co n tex to d a u n iv ersid ad e e sta d u n id e n se (W hite, W illiam s, & M ajzler, 2011);
e a biografia - ain d a em c o n stru ç ã o - d o p sicólogo latin o -am erican o M artín-
-B aró (Portillo, 2 0 1 2 ), m esm o refletin d o u m a n a rra tiv a tra d icio n a l, com o an­
tes e x p o sto , re p re s e n ta o esforço de fazer em erg ir n a h istó ria d a p sico lo g ia
u m a figura da h istó ria d a psicologia latina.

P or últim o , é p rec iso d iz e r q u e , a p e sa r de to d a s as tra n sfo rm a ç õ e s recen tes,


ain d a h á um a sp ec to p o u c o ex p lo rad o , seja n a e scrita biográfica d a ciência,
seja n o u so d essa fonte p a ra a investigação h istó ric a em psicologia, a saber,
su a fu n çã o p a ra a p e sq u isa teó rica d a h istó ria da psicologia. D e m o d o a
ex p o r a p o ssib ilid ad e d e ap ro x im aç ã o e n tre p e sq u isa b io g ráfica e p esq u isa
teó rico -co n ceitu al d a h istó ria da psicologia, a seg u ir será a p re s e n ta d o u m
exem plo n o q u a l a c o m p re e n sã o d o desen v o lv im en to te ó ric o e m eto d o ló g ico
dos p rim ó rd io s d o sistem a explicativo de S k in n e r foi a m p liad a co m o re c u r­
so a fontes biográficas e au to b io g ráficas.

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4. Os usos da biografia na pesquisa teórica


da psicologia

M o n k (2 0 0 1 ), ao avaliar o p a p e l d a b io g rafia filosófica, elucida o v alo r do


g ên ero b iográfico p a ra a p esq u isa teó rica d a h istó ria d a psicologia. P ara
ele, a p rin cíp io , p e sq u isa biográfica e p e sq u isa te ó ric a seriam in co m p atí­
veis, visto q u e p a ra c o m p re e n d e rm o s u m p e n sam e n to n ã o p rec isaría m o s
c o m p re e n d e r a vida de seu p ro p o sito r. A dem ais, a n a rra tiv a biográfica seria
o p o sta à n a rra tiv a te ó ric a , u m a vez q u e a p rim e ira se ria e m in e n te m en te d es­
critiva, e n q u a n to a seg u n d a explicativa. N o e n ta n to , seg u n d o M o n k (2 0 0 1 ),
a litera tu ra tem m o strad o p o ssib ilid ad es c o n c re ta s de c o m p atib ilização en tre
b iografia e p e sq u isa te ó ric a p o r m eio d a c o n stru ç ã o de c o n ex õ es h istó ricas
en tre as sin g u larid ad es d a vida de d e te rm in a d o s p e rso n a g e n s e o desenvolvi­
m en to de se u s co n ceito s e teo rias.

E ssa visão d a biografia com o u m a espécie de p a n o de fu n d o n ec essá rio d a


p e sq u isa teó rica d a ciência n ão é a ú n ica na h isto rio g ra fia d a ciência. C o n tu ­
do, a p e rsp ectiv a de M o n k (2 0 0 1 ) serve de m o d elo inicial p a ra p e n sa rm o s a
inclusão d a b iografia n a p e sq u isa te ó ric a em psicologia. O objetivo a q u i é in­
d ica r co m o a b iografia p o d e se r m ais d o q ue m era h istó ria se cu n d á ria , auxi­
lian d o efetivam ente n a elu cid ação de co m o elem en to s co n c eitu a is e teó rico s
de u m sistem a científico seriam c o m p re en d id o s co m o re su lta d o s tam b é m de
co n d içõ es a b stra íd a s de n a rra tiv a s b io g ráficas d a ciência.

A biografia de S kinner sem pre foi utilizad a n as análises teó ricas e conceituais
da o b ra desse psicólogo. C o n tu d o , tem o cu p ad o lugar secu n d ário p o r m eio de
alusões genéricas e lacônicas a d eterm in ad o s episódios de su a vida. Exem plos
da biografia n as análises teó ricas e conceituais da o b ra de S kinner encontram -
-se, especialm ente, nos estu d o s que apreg o am q u e o d esco n h ecim en to desse
cientista acerca d a psicologia e suas relações pessoais, acadêm icas e institu­
cionais explicariam p a rte das especificidades de su a p ro p o sta de ciência, m as
q ue essas q u estõ es p o d e ria m ser facilm ente d escartad as co m o p a rte s de u m a
h istó ria q u e n ã o p recisaria co m p o r aq u elas análises (e.g., C olem an, 1987).

Em o u tro tra b a lh o (C ru z, 2 013), a rg u m e n ta m o s, c o n tu d o , que elem en to s


b io g ráfico s n ã o seriam m ero p a n o d e fu n d o , passíveis de se re m d e sp re z a d o s,

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d a h istó ria te ó ric a e co n ceitu ai do p ro je to científico de S kinner. D efen d em o s


que n arra tiv a s biográficas e au to b io g ráficas de S k in n er n ã o só explicitam o
m o m en to e o c o n tex to de em erg ên cia dos p rim ó rd io s d a su a ciência, m as
m o stra ria m d e te rm in a n te s da p ró p ria p o ssib ilid ad e de e la b o ra ç õ e s teó rica s
e co n ceitu as sin g u lares d essa ciência.

A d escriçã o d a s fo rm u laçõ es teó rica s e e m p íricas n a tese de d o u to ra d o de


S k in n er - p o ste rio rm e n te identificadas com o p a rte s essen ciais da origem
do p rin c ip al co n ceito de sua ciência (o co n d ic io n am e n to o p e ra n te ) e de seu
m éto d o de p e sq u isa (o d e lin e am e n to ex p e rim e n tal de su jeito ú n ico ) - suge­
re com o o a p a re n te d esco n h e c im e n to e a negligência de S k in n er em relação
ao c o n h ecim en to psicológico, su a vin cu lação ao D e p a rta m e n to de Fisiologia
G e ra l e a W illiam C ro z ie r - asp ecto s id en tificad o s a p e n a s em fontes b io g rá ­
ficas e au to b io g ráficas - su rg iram tam b é m em fu n ção de co n d içõ es q u e n ão
se d e p re e n d e m a p en as d a análise teó rica e co n ceitu ai de su a ciência.

A p rim e ira p a rte d a tese de d o u to ra d o de S k in n e r foi p u b licad a em 1931,


no artigo T h e C o n c e p t o f R e fle x in th e D e s c r ip tio n o f B e h a v io r . N ela, Skin­
n e r delineia a h istó ria do co n ceito de reflexo d esd e o século X V II, com o
p re ssu p o sto de q u e tal conceito estava fu n d a m e n ta d o n a d e m o n stra ç ã o o b ­
serv acio n al d a re p e tid a c o rre la ç ã o en tre a a p re se n ta ç ã o de u m estím u lo e
u m m o v im en to discreto do o rg an ism o , u m a resp o sta. P a ra ele, o significado
o p e ra c io n a l do reflexo, e m b o ra a p re se n ta sse p ro g re sso s, m a n tin h a u m a d e ­
finição im p recisa d o fen ô m en o d evido a p re ssu p o siç õ e s teo ló g icas e m etafí­
sicas q u e o definiam com o in v o lu n tário , in co n scien te e inato. P o r essa razão ,
o co n ceito de reflexo, em m aio r o u m e n o r m ed id a, foi tra d icio n a lm e n te an a­
lisado com b ase em fatos in cap azes de fu n d am en tá-lo cientificam ente.

M as, e m b o ra h o u v esse u m a lim itação in ere n te a o c o n ceito de reflexo, Skin­


n e r (1931) n ã o d e sp re z o u o avanço d esse co n c eito n a s p e sq u isa s de fisio-
logistas do final d o século X IX e início d o século X X , com o S h e rrin g to n ,
M agnus e Pavlov. Tal av an ço seria, to d av ia, lim itad o p o rq u e esses p e sq u isa ­
d o res d ed icaram -se esp ecialm en te às investigações a n a tô m ic a s, q u e davam
explicações p o r m eio de m ed iaçõ es físico-quím icas de ep isó d io s típicos exis­
ten tes n a c o rre la ç ã o estím u lo -resp o sta de um reflexo. L ogo, h av ia investiga­
ções lim itad as p a ra in te rp re ta r aq u ilo q u e S k in n e r avaliou com o positivo na

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n o ção d e reflexo: a po ssib ilid ad e de d escriçã o de sua n a tu re z a relacional e


sua ap licação à d e scriçã o do c o m p o rta m e n to to ta l de o rg an ism o s in tacto s
(S ério , 1990; Skinner, 1931).

A insuficiência do co n ceito fisiológico de reflexo n ã o fez com q u e S k in n er o


d e sca rta sse . Pelo c o n trá rio , ele viu n esse co n ceito a p o ssib ilid ad e de tra n s­
p o sição p a ra u m a ciência do c o m p o rta m e n to , pois a c o rre la ç ã o estím ulo-res­
p o sta , n a sua p ersp ectiv a, in d ep e n d ia de q u a lq u e r investigação fisiológica. A
d e sco b e rta e a definição d e ssa c o rre la ç ã o no c o m p o rta m e n to de o rg an ism o s
in tacto s to rn a v a m d e sn e c e ssá ria s as p e sq u isas an atô m icas, e colocava, pela
p rim e ira vez, u m a ciência d o c o m p o rta m e n to no m esm o p a ta m a r d a fisio­
logia. M ais do q u e isso, S k in n er am b icio sam en te su p ô s q u e os av an ço s de
u m a ciência do c o m p o rta m e n to dos o rg an ism o s in tacto s lev ariam a fisiolo­
gia a ser d e p e n d en te d e u m a ciência d escritiv a do c o m p o rta m e n to e n ã o o
c o n trá rio , com o e ra p re su m id o até aquele m o m en to (C o lem an , 1985; S ério,
1990; S kinner, 1931).

S k in n er, e n tã o , d e sen v o lv eu u m a v a ria n te d o c o n c eito de reflex o , tra n s ­


p o n d o esse co n c eito p a ra o c e n tro de su a p r o p o s ta de u m a c iên cia q u e
tin h a c o m o p ro p ó s ito e s tu d a r o c o m p o rta m e n to v o lu n tá rio de o rg an ism o s
in ta c to s. O u tra s in g u la rid a d e d o u so q u e S k in n e r fez d o c o n c eito de refle­
x o em su a p ro p o s ta in icial de u m a nova c iên cia d o c o m p o rta m e n to é n o ­
ta d a n a d ife re n c ia ç ã o e s ta b e le c id a , ta m b é m n a p rim e ira p a rte de su a tese
de d o u to ra d o , e n tre leis “p r im á ria s ” o u “ e s tá tic a s ” e leis “s e c u n d á r ia s ” o u
“d in â m ic a s ” d o reflex o (S k in n e r, 1931, pp. 4 5 1 -4 5 4 ). E ssa d ife ren c iaç ã o o
a fa sto u ta n to d a fisiologia p ra tic a d a em H a rv a rd q u a n to d a p sico lo g ia ex­
p e rim e n ta l p ro p a g a d a p o r a q u e la in stitu iç ã o e d esen v o lv id a em b o a p a rte
d o s E stad o s U nidos.

As leis “p rim á ria s ” o u “ e stá tic a s” re p re se n ta m q u a n tita tiv a m en te a sujeição


de a trib u to s da re sp o sta reflexa, com o latên cia e d u ra ç ã o , a d e te rm in a d a s
p ro p rie d a d e s d o estím u lo eliciador, p o r exem plo, a in te n sid a d e e a q u a n ­
tid ad e de estim u lação , resp ectiv am en te. Tais leis, indeléveis em u m a visão
fisiológica d o reflexo, fo ra m p e rc e b id a s p o r S k in n e r (1931) co m o p rova d a
n a tu re z a reflexa d o c o m p o rta m e n to . P o rém , p a ra ele, as relaçõ es estáticas
d o reflexo seriam tam b é m su b o rd in a d a s a o u tra s variáveis q u e n ã o o estím u-

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lo eliciador. E ssas “terc eiras v ariáv eis” seriam d efin id as p elo e sta d o d e um
o rg an ism o , q u a n d o su b m etid o a algum a d ro g a, p o r exem plo, p elo n ú m ero
de eliciações de re sp o sta s, e n tre o u tra s cond içõ es.

As leis “s e c u n d á ria s ” ou d in âm icas do reflexo, p o r su a vez, re p re s e n ta m


q u a n tita tiv a m en te que a relação estática é n e c essa ria m e n te su b o rd in a d a , em
nível o p eracio n al, a u m a terc eira variável específica: o n ú m e ro de refo rço s
resp o n sáv eis p o r d e te rm in a r m u d an ç a s n a fo rça d o reflexo, m ed id a s pela
tax a de resp o sta s de p re ssã o à b a rra , no c o m p o rta m e n to de o rg an ism o s
in tacto s. C om essa definição, S k in n er violava defin itiv am en te o co n ceito tra ­
dicional de reflexo, u m a vez q u e d estitu ía o v alo r d a d o ao estím ulo eliciador
com o p rin cip al variável de c o n tro le d o c o m p o rta m e n to , em favor d o p ro ce s­
so resp o sta-estím u lo refo rça d o r e d as m u d an ç a s n a força do reflexo (S ério,
1990). Assim, em b o ra S k in n er ten h a esp ecificad o a h istó ria do co n ceito d e
reflexo co m o a evolução de técn icas c a p azes de d e sco b rir u m n ú m e ro cad a
vez m aio r de c o m p o rta m e n to s p o r m eio d a id en tificação de estím u lo s elicia-
d o res, su a e x ten são d o co n ceito foi d e te rm in a d a p e la b u sca de leis d in âm i­
cas a b stra íd a s d as m u d an ç a s n a força do reflexo, m ed id as, p o r su a vez, pela
tax a de re sp o sta s. E m sum a, seu foco de an álise, n esse caso, foi a re s p o s ta e
n ão o estím u lo eliciador.

A v io lação d a n o ç ã o trad icio n al d e reflexo to rn a-se ain d a m ais percep tív el


q u a n d o o b se rv a d o q u e, em c o rre sp o n d ê n c ia com o u so d o co n ceito , o m é­
to d o desenvolvido p o r S k in n er, ig u alm en te, in frin g iu reg ra s ca n ô n ic a s d a s
p esq u isa s fisiológicas e p sicológicas q u e investigavam o c o m p o rta m e n to re ­
flexo. P o r exem plo, C o lem an (1987) m o stra q u e, d iferen tem en te d e algum as
de suas fontes de in sp ira ç ã o (com o W atson, Pavlov, S h e rrin g to n e M agnus),
S k in n e r desenvolveu u m a p esq u isa com ênfase q u a n titativ a, n a q u e le m o­
m en to v o ltad a p a ra a m ed ição da ta x a de re sp o sta s individuais. E ssa ênfase
q u a n tita tiv a d as p rim e iras p e sq u isa s sk in n e ria n a s p o d e ria se r e x p licad a p ela
influência de C ro z ie r e n ã o d o s a u to re s q ue a ju d a ra m S k in n e r co m a defi­
n ição inicial de reflexo. P o rém , seu co n h e cim e n to acerca de m é to d o s q u a n ­
titativos e ra in cip ien te e, p o r m ais q u e C ro zier o ten h a levado a p ro c u ra r a
o rd em q u a n tita tiv a n o c o m p o rta m e n to d ito “ liv re”, n ã o é c lara a sem elh an ­
ça e n tre a a b o rd a g e m de C ro zier e a a b o rd a g e m inicial de S kinner. C om o
su g ere C o lem an (1 9 8 7 ), a afin id ad e e n tre os dois p e sq u isa d o re s se d eu , n o

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m elh o r d o s casos, n o a p re ç o q u e tin h a m p o r u m a espécie de q u an tificação


de m en o r significância m atem ática.

E m suas p rim e ira s p esq u isa s n o D e p a rta m e n to d e Fisiologia, S k in n e r che­


gou a e fe tu a r an álises q u a n tita tiv a s com o u so d e lo g aritm o s. O m otivo dis­
so foi se u c o n ta to com p ro c e d im e n to s q u a n titativ o s m o d elares d a lite ra tu ra
fisiológica, d a qual se ap ro x im o u a o fre q u e n ta r disciplinas d esse D e p a rta ­
m ento e c o n h e ce r as in vestigações d e C ro z ie r e seus alu n o s (C olem an, 1987;
S k in n er, 1979). E n tre ta n to , a a d o ç ão desse tip o de m éto d o q u a n tita tiv o n as
p e sq u isas de S k in n e r foi p a rc ial e te m p o rá ria , p o is ele n ã o estava p re o c u p a ­
do com valores específicos, m as com a p o ssib ilid ad e de c o n firm ação d a re ­
g u larid ad e q u a n tita tiv a do c o m p o rta m e n to (C olem an, 1987; S k in n er, 1956,
1979, 1984).

C om o e x p o sto a n te rio r m en te, n o âm b ito o p era c io n a l, a d escrição d a reg u ­


larid ad e c o m p o rta m e n ta l p ro c u ra d a p o r S k in n er deu-se p o r m eio d a análise
do q u e ele desig n o u , n a p a rte e x p erim en tal d e sua tese, co m o as m u d an ç a s
na força do reflexo, m ed id a s em u m a p esq u isa so b re a tax a de re sp o sta de
in g estão de alim en to s. Ele le m b ro u , n o e n ta n to , q ue o p ro b le m a de u s a r essa
m ed id a era que ela n ã o c o m p u n h a a lista de m ed id a s de p e sq u isa d o re s com o
S h e rrin g to n e M agnus. A dem ais, o m éto d o de p esq u isa d e S k in n e r - o deli­
n e a m e n to e x p e rim e n tal d e su jeito ú n ico - ap resen ta-se co m o incom patível
com aq u ilo q ue co m eça a se c o n sa g ra r co m o in d isp en sáv el n a p e sq u isa em
psicologia ex p e rim e n tal e sta d u n id e n se a p a rtir d o início d a d é c ad a de 1930:
o u so de g ru p o s d e co n tro le com g ran d e n ú m ero de su jeito s ex p erim en tais,
d e teste d e h ip ó te se s e a análise do s d ad o s p o r m eio d e estatística inferencial
(Rucei & Tw eney, 1980).

O relativo d e sc o n h e c im e n to e d e sp re z o d e S k in n e r p ela p sico lo g ia d a é p o c a


e su a v in cu la çã o a o D e p a rta m e n to d e Fisiologia e, em esp ecial, a C ro z ie r
e x e rc e ra m p a p e l fu n d a m e n ta l em su a p ro p o s ta científica. N esse caso , in­
fo rm a çõ e s b io g ráficas e au to b io g ráfic a s in d icam q u e m esm o in se rid o em
u m D e p a rta m e n to de F isiologia e in cen tiv ad o a se o r ie n ta r p o r in te resse s
in d iv id u ais, S k in n e r m anteve-se d ista n te ta n to d a p sicologia q u a n to d a fi­
siologia, sem se c o n sid e ra r o b rig a d o a seg u ir as re g ra s d a p sico lo g ia e d a
fisiologia e x p e rim e n tais.

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O s efeitos d o d e sco n h e c im e n to de S k in n er acerca d a psicologia e x p e rim e n ­


tal d e su a é p o c a e seu iso lam en to em H a rv a rd fo ram assu m id o s p o r ele
(Skinner, 1970, p, 10) q u a n d o afirm o u , trê s d éc ad a s m ais ta rd e , que su a tese
de d o u to ra d o a p re se n ta v a vaga co n ex ão com a psicologia p ra tic a d a n a q u ela
in stitu ição e com a psicologia e x p erim en tal e s ta d u n id e n se co m o u m todo,
A lém disso, a p o n to u q u e su as inov açõ es científicas eram fru to , em p a rte , de
su a negligência acerca d a p ro d u ç ã o científica d a psicologia ex p erim en tal.

Ig u alm en te, vale sa lie n ta r que S k in n er p ro m u lg o u a defesa d o co n ceito de


reflexo com o b ase de u m a ciência d o c o m p o rta m e n to in se rid a em u m D e ­
p a rta m e n to de Fisiologia. C om isso, era p resu m ív el o su rg im en to de q u e s­
tio n a m e n to s e o b stácu lo s, visto q u e , além de tra n sg re d ir a n o ção de reflexo
- a u tê n tic o re p re se n ta n te d a tra d iç ã o fisiológica S k in n er (1931) co n feriu
p rim a zia à ciência d o c o m p o rta m e n to em relação à ciên cia fisiológica. Isso
p o d e ser esclarecid o p ela in ex istên cia de u m co n tro le rígido de reg ra s cien­
tíficas e p e la lib e rd ad e o ferecid a p o r C ro zier, o qu al, além de n ã o sa b er
ao c e rto o q u e S k in n e r p e sq u isav a, incentivava a b u sc a de in teresses indi­
viduais, ain d a q u e fossem incom patíveis com as p esq u isas rea liz a d a s p o r
ele. D esse m o d o , o jovem S kinner, que n ão havia sido su b m etid o a n e n h u m
p ro cesso de d isc ip lin a riz aç ã o na psicologia, tam b é m n ão foi o b rig a d o a se­
g u ir d e fo rm a e strita reg ra s científicas d a fisiologia. N ão p o r acaso, S k ín n er
afastou-se g rad a tiv am en te d o tip o de p e sq u isa re a liz a d a no D e p a rta m e n to
de Fisiologia e, co n c o m ita n tem e n te a esse afa stam e n to , seu s relato s a u to b io ­
gráficos d e sen tim en to d e lib e rd ad e , a u to n o m ia , se g u ra n ç a e satisfação com
os re su lta d o s de su as p e sq u isas to rn aram -se m ais freq u en tes,

5. Considerações finais

A h istó ria d a b iografia científica re p ro d u z a lógica m ais am pla d a h istó ria do


g ê n e ro biográfico, p o is a p re se n ta tam b ém , a p a rtir d a d é c a d a de 1980, u m a
crescen te d iv ersid ad e de fo rm as de n a rr a r a vida. Isso n ã o significou, co n tu ­
do, a ex tin ção das v ersõ es biográficas trad icio n ais do s g ran d e s h o m en s utili­
z a d as p rin c ip alm e n te n a p ed ag o g ia científica e, d o rav an te, o p re d o m ín io de
bio g rafias in flu en ciad as p e la h istó ria c u ltu ral d as ciências. N a v erd ad e, essas
d u as ten d ê n c ia s p a ssa m , a p a rtir de en tão , a existir de m o d o c o n co m itan te e

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d e n o ta m u m p ro b le m a p e re n e na h isto rio g rafia d a ciência: a d istân cia e n tre


a h istó ria d a ciência en sin a d a e a h istó ria da ciên cia p esq u isa d a .

N o c a so e sp ec ífic o d a b io g ra fia c ien tífica, u m a h ip ó te s e p lau sív el é a de


q u e h is to ria d o re s d a c iê n c ia , a o v o lta re m su a a te n ç ã o p a r a o c o tid ia n o
d a c iê n c ia e os fa to re s q u e en v o lv em a re la ç ã o e n tre h is tó ria de v id a e
c o n te x to s d iv erso s d e p r o d u ç ã o de c o n h e c im e n to , tê m c o n s tru íd o u m a
v isã o s o b re a v id a n a c iê n c ia m ais p ró x im a d e c o m o e ssa fu n c io n a e m seu
c o tid ia n o . Algo d ife re n te d a p ro d u ç ã o b io g rá fic a e s c rita p e lo s p ró p rio s
c ie n tista s, n o q u a l sã o m a n tid o s p re s s u p o s to s m o ra is e ep iste m o ló g ic o s
e n ra iz a d o s n o s p rim ó rd io s d a c iên cia m o d e rn a , co m o a c o n s a g ra ç ã o in d i­
v id u al, a id e ia de d e s in te re s s e e a n o ç ã o d e q u e a p r á tic a c ie n tífic a in d e ­
p e n d e d e c o n tro le social.

N o âm b ito de n o sso in teresse, a h isto rio g rafia da psicologia, as tra n sfo r­


m ações do g ê n e ro b io g ráfico p o u c o tê m im p a c ta d o a h istó ria u tiliz a d a na
fo rm ação em psicologia, e m esm o a p e sq u isa h istó ric a d a psicologia ain d a
u tiliza p o u c o os rec u rso s d a p e sq u isa biográfica. U m a su p o sição a in d a a ser
desenvolvida sobre esse fen ô m en o é a de q u e as re c o rre n te s ten tativ as d a
psicologia, em suas m ais diversas v erten tes, em se firm a r com o ciência p u ra
d im inuiu o in v estim en to em análises críticas d o p ap el da b iografia em sua
h isto rio g rafia. R azão p a ra tan to seria q u e características in ere n te s ao g ên ero
biográfico, com o su a linguagem in fo rm al e seu a p o n ta m e n to de que vida e
c o n h ecim en to são elem en to s e n tre la ç a d o s, to rn a ria m im praticável o e te rn o
p ro je to da psicologia de ser rec o n h e c id a com o ciência.

Por ú ltim o , vale p e n s a r q u e o m ed o d o g ê n e ro b io g ráfico seria n o m íni­


m o c o n tra p ro d u tiv o , já q u e a in c o rp o ra ç ã o d a b io g rafia ao cam p o historio-
gráfico d a psico lo g ia p ro v e ria a e x p a n sã o d a c o n sciên cia h istó ric a de seus
p ra tic a n te s, com o in d icam o s no caso do s u so s d a p e sq u isa b io g ráfica na
p e sq u isa teó rico -co n ceitu al d o s p rim ó rd io s d a ciência sk in n e ria n a . O b v ia­
m en te, isso n ã o significa a ac eita ç ã o acrítica d a n a rra tiv a b io g ráfica com o
u m a re a lid a d e in q u estio n áv el, q u e fo rn e c e ria se m p re o p a n o d e fu n d o da
h istó ria d e te o ria s e c o n ceito s psicológicos. N a v erd ad e, o d esafio atu a l é
h o riz o n ta liz a r a rela çã o e n tre b iografia e cam p o s de in v estig ação co m o a
p e sq u isa teó rica da psicologia.

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Referências

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Sobre os autores

C arlo s E d u a rd o L opes

Psicólogo, d o u to r em Filosofia pela U niversidade F ederal de São C arlos e p ro ­


fessor do D e p a rta m e n to de Psicologia d a U niversidade E stadual de M aringá.

E-mail: caedlopes@ gm ail.com

Carolina Laurenti

Psicóloga, d o u to ra em Filosofia p ela U n iversidade F ed eral de S ão C arlos


e p ro fe sso ra d o D e p a rta m e n to de P sicologia d a U n iv ersid ad e E stad u a l de
M aringá.

E-mail: laurenticarol@ gm ail.com

José A n tô n io D a m á sio A bib

Psicólogo, d o u to r em Psicologia pela Universidade de São Paulo e professor apo­


sentado do D ep artam en to de Filosofia da U niversidade Federal de São Carlos.

E-mail: j.ab ib @ terra.co m .b r

R o b so n N ascim en to d a C ru z

Psicólogo, d o u to r em Psicologia p ela U niversidade F ed eral de M in as G erais


e p ro fe sso r d a F aculdade de C iências M édicas de M inas G erais.

E-mail: ro b so n c ru z 7 8 @ y a h o o .co m .b r

Saulo de Freitas Araújo

Psicólogo, d o u to r em Filosofia pela U n iversidade de C a m p in a s/U n iv e rsitá t


L eipzig e p ro fe sso r d o D e p a rta m e n to de Psicologia d a U n iv ersid ad e F ed eral
d e fuiz de F ora.

E-mail: sau lo .arau jo @ u fjf.ed u .b r

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Este livro foi composto Lyon e impresso em offset 90 g,


em junho de 2016, pela gráfica Graphium,

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O campo psicológico foi, e ainda é, alvo de inúmeras críticas,


segundo as quais na psicologia existem métodos experimentais
e confusão conceituai. É preciso transformar, então, a própria
confusão conceituai em objeto de estudo, o que nos leva a um
tipo específico de pesquisa, a saber, a pesquisa teórica, entendida
como a investigação de teorias e conceitos psicológicos.

Esta obra traz um a discussão filosófica e metodológica da


pesquisa teórica em psicologia. Além de destacar as
potencialidades e especificidades metodológicas desse tipo de
investigação, o livro fornece material para o ensino de
habilidades de pesquisa em psicologia, tanto em nível de
graduação quanto de pós-graduação, auxiliando, com isso, no
reconhecimento da pesquisa teórica como uma forma legítima
de produção de conhecimento psicológico.

ISBN 9 7 8 -8 5 -8 5 4 3 9 -2 5 -5
Hogrefe Publishing Group
G öttingen • Berne - Vienna ■ Oxford
Boston ■ Paris • A m sterdam • Prague
Florence • Copenhagen • StocKholm
H elsinki • São Paulo

www.hogrefe.com

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