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A CIÊNCIA DO DIREITO

Admar Cassio Ferreira Neto

1. A c iênc ia

T od o s er hu ma no , de u ma f or ma ou de ou tr a, ac um ul a

co nhec imen tos , ou , em ou tr as pa lav ras , tod os te m me mór ia , tod os gu ar da m

le mbra nças .

Q ua lqu er p essoa , mes mo s em n en huma b ag age m c ie n tífica , é

c a paz d e um m ín i mo d e o peraç ão me n ta l qu e d emo nst r e a lgu m c o nhec i men to

a r es p ei t o d e a lgu ma c o is a . Mes m o o se r hu ma no n ão a l fa be tizad o é ca paz d e

co nhec er e a té de e la bora r e o per ar có digos d e comun icaç ão p ara a

tra nsmissão de a lg um co nhec imen to .

Esse c onhec imen to usu al qu e o h omem tem de si mes mo e d o

mun do é ch amado co nhec imen to vu lga r, i s to é , é um co nh ecime n to n ão

c ientífico. E até por i sso l he tir am o termo “c onhec imento”, p a ra chamá-lo

a pen as “sens o” , senso c omu m, r eserva ndo-s e a pa lavr a “con hec ime n to” pa r a

o c ie n t í fic o.

O conhec imento c ientífico é uma espéc ie de otimizaç ão desse

con hec imen to vu lgar . A ciênc ia b usca org an izar e s is te ma tizar o c onh ec i-

men to d o h omem. O cien tis ta é u m s er p reoc upa do co m a ve rac ida d e e a

co mpr ovaçã o de s eu co nhec imen to , o q ue faz c om que c ons tr ua u ma s érie d e

e nunc ia dos e re gras r ig orosas q ue per mite m a desco ber ta e a p ro va desse

co nhec imen to .
E n qua n to o s enso c o mum é d if us o , d es o r ga niz ado ,

ass is te ma t iza do e advé m de v ár ias fon t es d es o r de na das e s im u l tâ n eas , o

co nhec imen to c ie n tífico te n ta se r c oere n te , co eso , o rga niz ado, sis temático ,

o rde nad o e or ie ntado a par tir d e fon tes e spec íficas e mu itas ve zes pré-

co ns titu ídas .

O sens o vulga r imp lica ou pa r te d e co ns ta taç ões - c ircu ns tânc ias

a pre end id as no dia-a -d ia do h omem c omum. O co nhec imen to c ien tífico

ta mb ém i mp lica c ons ta tações e d elas p ar te ; po rém p re te nde exe rc er s obr e

e las cer t o d o mí n io p ara c onse gu ir exp lica r o qu e e x is t iu , o q ue ex is t e e ,

t a mb ém , o q ue ex is t ir á .

A ciênc ia te n ta r igo rosa me n te desc rever s itu ações , co ns ta ta ndo

e feito s a p ar tir de ca usas . Es ta re l ação d e c ausa e e feito é um e le men to

n or te ador d o pens ame n to cien tífico , qu e pr eten de apo n tar os aco n tec imentos

f u t ur os . É u m pr inc í p io ló g ic o da c iê nc ia : se um e fe ito x é oc as ion ado pelas

ca usas a, b, c , toda vez que for em ac io nad as as ca usas a, b, c , nas mesmas

co nd ições q ue a an ter ior , dá-s e n ova men te o e fe ito x .

Em o utras p alavras , co nhec id a a le i da gr av ida de e su a força , o

c ien tis ta sa be - e tod os s abe m – que , a o so l tar u ma p edr a no ar , e la v ai ao

ch ão . O c ie n tis ta cons egu e , i nc lus ive , p or que tem o c on tr ole a d eq uad o d o

co nhec imen to , ca lcu la r co m b as ta n te prec isão , po r ex emplo , a v elocidade da

p edr a a o ca ir e o temp o que e la l eva p ar a ch ega r a o so lo . C lar o q ue , com o se

sa be , a física ins er iu a í o c ompo nen te d a r ela tiv id ade e da prob ab il id ad e , o

q ue n ão imp ed iu q ue s e c alc ul as s e c om mu it a apr oxi maç ão a pr ob ab il id ad e .

Ag ora , pod e-se diz er que a bas e p ara a sis tema tizaçã o e do

conhec imento científico s ão os d ados c omprovados plenamente. Es ses dados


tor na m-se leis que or den am tod o o co nhec imento r ela tiv o ao c amp o d e

es tudo .

Q uan do o c ien tis ta e la bor a enu nc iad os qu e a ind a nã o po de m ser

co mpr ovados , por qu e n ão ex is te c onh ecime n to acu mu la do s u ficien t e p ar a ta l ,

o u por que é u ma p rop os ta in icia l q ue vis a a u ma comprov ação fu t u r a , fa la - s e

n ão em l eis , mas em h ip ó teses , q ue s erã o o u n ão comprov adas. E, a o s er e m

co mpr ovadas . tr ans for ma m-se em leis .

É p or isso q ue c iê ncia é te oria , a in da que su as h ip ó tes es e s ua s

le is , b em co mo o a pr end iza do , a s co mprov ações e as cons ta taç ões , tenh am

ca rá ter pr ático , v er ifica das e v ive nciadas qu e sã o n a r ea lidad e soc ia l e r eal.

Ap esar d isso , c on tinua s end o teo ria .

T od a c iê ncia p os tu la u m mé tod o d e inv es tig ação e també m um

o bje to de inves tig ação q ue lh e p er tence . O m é to do p ode ser l ig a do d ir e-

ta me nte ao tipo d e c iê ncia qu e d ele s e u tiliz a , is to é, cad a c i ênc ia te m , o u,

p elo menos , p ode ter, u m mé todo apr opr iad o pa ra seu c ampo .

É pelo método que se e labor a o conhecimento c ie ntífico, o que

f az c o m qu e el e s e ja pa r te in te gr a n te do p r ó pr io s is te ma a qu e s e r v e . O

o bj e to , por sua vez, v ar ia , ta mb ém , em f u nção d a c iê nc i a , o q ue v ai

implica ndo u ma n ecessá ria opçã o de mé tod o .

M as , n a tura l men t e , qu and o s e fa la em ci ênc ia , ob je to e mé to do ,

t e m-s e de f a la r ta mbé m no c ie nt i s ta , que é o s uj e i to d a inv es tigação. Assim,

no conhecimento c ientífico es tão ligados sujeito e o bjeto, atrav és de u m

m é to do ; tud o p os s i bi li t an do a c o ns ta taç ão, a co ns t r uç ão , a ap l i cação e a

tra nsmissão do co nhec imen to c ie n tífic o .


Q uan to à c lass i ficaçã o d as c iênc ias , ex is te m vá ri os tipos

p rop os tos p ela dou trin a . Enc on tr amos c lass ific ações co nhec id as e famosas ,

c o mo as de Ar is tó te les o u a de Au gus to Co m te . Pod em os ap on ta r u ma básica ,

e qu ase s em pr e ac e i ta : a dis t inçã o e n tr e do is t ip os de ci ênc ias , a s n atura is e

as hu man as .

De n tre as d i fe renç as p oss íve is e n tre esses do is tip os , po demos

a ponta r o se gu in te : nas c iê ncias n a tura is o co nhec ime n to é c ons tru ído com o

o bj e tiv o de exp l icar os f a tos e t en ta r d es c ob r ir as l ig aç ões entr e e les ,

o rga niz ando um mun do pró prio de c ons ta taçõ es desc ritas e exp lic a das .

N as c iê nc ias hu man as b us c a- s e i gu a lme n te exp l icaçã o pa r a os

fato s e su as lig ações . C on tu do , n elas aparec e o h ome m c om suas açõ es co mo

o bje to de inves tig ação . As ações d os homens e suas in tr inc ad as r e lações

i n te rpess oa is , qu e traz em res ulta dos i mprev is íve is , o br iga m à i n tr oduç ão do

a to de c ompre end er j un to ao de ex plica r. É necess ár io , n as ciênc ias

h umanas , ca p tar o sen tid o dos fe nô men os h umanos ; é pr ecis o co mpr een dê- Io ,

p or ta n to , nu ma acepçã o v a lor a tiv a .

Além d isso, n ão bas ta ao cien tis ta ten tar co mpr een de r o sen tido

d a aç ão ou d o c omporta me nto human o ; é prec iso , ta mb ém, investig a r o qu e o

h omem q ue gero u a aç ão , e le p rópr io , pens a ou s ente em re l açã o a s e u a t o ,

b em c omo d as in ter- re laç ões p esso ais da li pr ove nien tes .

I s s o ac ab a a ume n ta nd o a c o mpl ex ida de dos ob je tos p os tos em

a ná lis e n as c iê ncias h umanas , d e for ma qu e a lg uma c ois a se p erc a ou se ja

d i f íc il d e se r ca p tad a . A in tr o duçã o do v a lor na ci ênc ia caus a , sem d úvid a , u m

tra ns tor no e nor me a o c ien tis ta .


Ch ega -se , po r isso , a p ôr em dúv ida o gr au de c ien tificidad e

d essa c iênc ia , po is n ão se p ode ter ce rteza prec isa das r elaçõe s de

ca usa lida de . N em s empre as mes mas c ausas já c onh ecidas g er am o e fe it o

es per ado . Da í o limite e a imp or tâ nc ia da co mpr eensã o dos fenô me nos par a

as c iê ncias h umanas .

Acresc en te-s e a tu do isso o q ues tion amen to q ue se faz da

r el aç ão do c ien t is ta co m o o b je to a s er inv es t ig ado .

D iscu te -se se é possíve l ao c ien tis ta a gir co m “ne u tra lida de” e m

r el aç ão ao o b je to de i nves t ig aç ão , is t o é , se e le , a o ir a v a li ar o o bj e to , de ixa

se us pr ópr ios v alores e s en timentos pesso ais de la do .

Há os q ue d ize m qu e s im, a pos ta ndo n a c ap acidad e do c ien tis ta

d e o bs er v a r fa t os se m s e e nv o lve r e a p ar t ir d el es el abo r ar s eu tr ab al ho

c ientífico, sem interferênc ia p essoal.

Há os que a fir ma m ser i mposs íve l ao c ie n tis ta i nves tig ar os fa tos

s e m uma t o ma da de p os iç ã o p es s oa l , um a v ez q ue a pró pr ia es c o l ha d o

o bje to é , p or s i s ó , r ea lizad a c om bas e e m i n formaçõ es prec once bidas no

i n te ri or do c ien tis ta .

Se m qu ere r apr o fund ar a qu i ess e de bate , pod e-se diz er ser

ve rda de qu e , em algu ns ra mos , parece poss ível a e le o per ar com

n eu tr al id ade , c o mo ac o n tece , po r ex em plo , c o m o c á lcu lo m at e má tico do

c ien tis ta qu e nã o p od e , ap are nte me nte , so fr er in fluênc ia de s eu s v al ores e

s e n tim e n tos .

A c o n tece qu e a c iê nc ia - a in da qu e m a te mát i c a - é vo lt a da para

o ú t il , par a u ma e f icác ia s oci al p le na , para um us o re al , en f i m. E a í q ua lqu er

es forço por n eu tr alid ad e se esv ai.


N as c iê nc ias hu man as , e n tão . nã o há a m ín i ma p os s ib i li dad e d e

n eu tr alid ade , v is to qu e o c ie ntis ta é ao m esmo tempo pes qu isad o r e

p esqu isa do. Par tic i pa do m esmo fe nômeno soc ia l inves tig ado , sen do c er to

q ue a té mes mo su as busc as influe m no p rópr io p roc esso de for maç ã o do

c o mp or ta me n to h uman o qu e s e i nves t ig a , o que , s e m dúv i da, tr az ma is

a ngús tia pa ra o se io d as já ang us tiadas c iênc ias hu ma nas , qu e l idam co m

o bj e tos tã o d i fíce is d e ser c ap ta dos .

As c iênc ias r e fle te m , a ssim, con du tas en ga ja das dos c ie n tis tas

n o m ome n to his t ór ico d as s oc ieda des e m qu e v iv em e p es qu is a m.


2 . As esc olas c ie n tíficas

Sã o v ár ias as alternativas d e estu do a qu i, p ois s ão inú mer as as

esc olas qu e ap rese n ta m mé todos e cr enças p ara a o b tenç ão do

co nhec imen to .

Va mos tr ab alhar c om p osiç ões esc olhidas e qu e poss ib ilita m , a

n osso ve r , u ma v isão pan orâ mica - ainda que nã o ex aus tiva - das vá ri as

correntes científicas .

2 . 1 . O e mpi r ismo

No e mp irism o , a es c o la m ais c onh ecid a e r a dic a l é a do

p os i t iv is m o, re pr es en ta da p el o pe ns ad or fra nc ês Au gus t o Co mte ( 17 98-1 85 7) .

Essa esc ola afir ma que o conhec imento científico nasc e do objeto . É neste

q ue r epo usa a ver dade c ie n tífic a, a pres en ta ndo -se a o su je i to co m o d e fa to é

n a re alid ade .

A l i ás , d iz es s a es c o la, o r ea l é ob je t o q ue di r ige o conh eci me n to

c o mo u m v e t or ao su je i to , q ue, s end o r ac ion al , b as t a es ta r p r e par ado pa ra

co lh er d o ob je to sua essê ncia .

O p ositiv ismo , por tanto , fu nda-se n a cr ença d e que os o bje tos

e m s i possu em essênc ias p rópr ias , que só d epe nd em d e u ma , ca da vez me-

lho r , ma ne ir a de observ ar do s uje i to , par a se rem revelad as .

E , d e f a to , o a pe r fe iço am en to do o bserv a do r - o c i enti s ta - a pe -

n as s e dá p or q ue el e , an tes , e x tr a ír a d os o bj e tos , pe lo mes mo mé to do ,

ve rda des q ue agor a , p or ac úmu lo de c onh ecime n to , l h e pe rmite m o bserva r

me lhor , e ass im por d ia n te .


P or ém , nad a mud a a c r e nç a , p or q uan t o é l á , no ob je t o , q ue

to das as ve rda des - oc ultas n as essênc ias - já res idia m. O qu e s e al tera co m

n ovas d esco ber tas nã o são os o bje tos - q ue s emp re tiveram as m e smas

ess ênc ias - , mas a ma ne ira de vê -Ios .

O c ie n tis t a te r i a , ass im , um a m io pi a qu e s e ia c ur a nd o , co m o

p assar do tempo . Na med id a e m que e le o bservava m elhor os ob je t os e

a rqu ivav a os co nhec imen tos d aí resu lta n tes , es tes se iam acu mu l a ndo . E

me lhor avam s ua v isão . Mas os o bje tos a ind a er am os mesmos .

Da í po der-se a firmar ce rtas m áximas do emp iris mo e, es pec ia l-

men te, do p ositiv ismo : só é cien tífico o co nhec imen to v er ificáv el

e mp ir ica me n te ; é d o o bje to q ue de flu i o co nhec ime n to ; o o bje to é trans -

parente e o c onhecimento c ientífico deve descrevê-Io o melhor poss íve l;

q uan t o m ai s ex a ta a d es c r ição d o o bj e to, t a n to mai s av ança do o co nh e-

c im en to c ie n t í fic o .

U m exe mp lo bas tan te v ivo desse m é to do pos itiv is ta é o das pes-

q uis as gen é tic as . Ne las há uma pr e tensã o de pen e traç ão ca da vez m a is

p r o fu nda no r ea l , de ta l for ma qu e de le s e ex tr ai am as ve r da des busc ad as -

m as b us c ad as ne le , ob je t o r e al , e a pa r t ir de le .

V e ja m-s e , n o ex emp lo , os g en es . Eles f ic a m s i tua dos den tr o do

n úcleo das c élulas do c orp o , n os c ha mad os c romossomos . E esses ge nes são

h oje iden tificad os e m n ív el mo l ecu la r como ác id o desox irr ib onuc l é ico : o DNA.

2 .2 . O rac io na lis mo

E m pos ição ex a ta men t e op os ta a o e mp ir is m o e pos iti v is mo es tá

a es c o la r ac ion al is ta .
O co nhec id o filóso fo franc ês Desc ar tes (1 596 - 1650 ), d e frase

n ão menos fa mosa – “ Pens o . lo go ex is to” - , é co ns ide rad o o fun dad or d o

r aciona lismo mode rno .

Os pos tu l ad os d o r ac i on al is mo tê m a í , em Desc ar tes , s e u p on to

d e pa r ti da .

Já em su a é poca (séc ulo XVII) , a o s ep ar ar c orp o e men te , o

d ua lis mo ca r t es ian o p us er a os f i lós o fos d ia n te da q ues tã o : se a m en te é

d is t in ta do c o r po e s eus ór g ãos , e s e sã o es tes qu e en tr am em co n ta to c om o

mun do ex te rior , co mo ter c er teza da ex is tênc ia do p róp rio mu ndo ex terior?

É imp or ta nte por isso co nsign ar o qu e Desca rtes d eixa marc ad o

d esd e o s éc ul o X V I I c om s eu Discurso do método (de 163 7) , a o bra d a fras e

famos a.

Re je ito u ele a pos içã o esc olástica da unida de s ubs ta ncial do

co mp os to h umano , se gun do a qu al o cor po e a a lma co ns tituem um ún ico ser

e a ge m c om o um to do . Par a D es c a r t es , c or po e a lma (o u men t e) , ca da qua l ,

são s ubs tâ nci as c om p le tas , a u to-s u fic ie n tes e se m re laçõ es i me d ia tas

r ecíproc as .

Aco mpa nhe mos se u pe nsa men to : D esca rtes dec id ir a c olocar

tu do e m dúv id a par a ver se algu ma pr op osiç ão res is tia a esse es forço,

q uan do dep aro u co m o fa mos íss imo “ Penso , l ogo exis to” ( Cogito, ergo sum ) .

Ne nhu m obje to d o p ensa me n to res is te a essa o bjeção . Co n tud o , o próp r io a to

d e duv id ar é in dub itáve l . ( É conve nien te no ta r que D esca rtes nã o d iz "duv id o,

l og o ex is to" , vis t o que p ara e l e a d úv i da n ão imp or ta co mo a to , mas como

co nhec imen to do fa to d e qu e duv ida .)


Ass im, D escartes , obs ervando que podia pôr tudo em d úvida,

exc e to o fa to de que p ensav a , d isse : “c ompre end i p or a í q ue (e u) er a u ma

su bstânc ia c u ja essênc ia o u n a tu reza consis te ap enas no pe nsar , e qu e , pa r a

se r, n ão necess i ta d e n enh um l ug ar , ne m de pen de de q ua lqu er co i sa m ater ial.

De so r te qu e esse e u, is to é , a a l ma , pe la q ua l s ou o q ue sou , é in te ira mente

d is t in ta do c o r po e , mes mo , que é ma is f ác il d e c on hece r do qu e e l e , e , a i n d a

q ue es t e na da fos s e , e la não de ix a r i a de s er tu do o que é” .

Co m esses pressup os tos foi-se firman do o rac io na lis mo

m od er no , q ue a fi r ma r es i d ir n o s uj ei t o o fu nd am ento do a to d e co nhece r,

s e ndo o obj e to mer o po n to d e r e fe r ênc ia .

O p ensa me n to op era com idé ias e não com co isas co ncre tas ; o

o bje to d e co nhec imento é uma idé ia c ons tr uíd a pe la razã o .

Nã o há , é ve rda de, no r acion alis mo um desp rezo to tal ao

c h am ado ob je t o c o ncr e t o ; o pro bl e ma e m r e laç ão a es te é q ue é incap az d e

o ferec er con diç ões de ce r teza , ou , em ou tras pa lavr as , os fa tos n ão s ão fon te

se gur a para o con hecimen to .

U m ex emplo d as inc er tez as que cerca m os fa tos p ode ser d ado

p or um tr ec ho do fa mos o e c r í t ic o fi lm e de C ha r l es C h ap l in , “T emp os

Mod ernos ” .

Em c er ta ce na , o pe rson age m Ca rlitos es tá and and o po r u ma

r ua , qu ando passa um c amin hão c arre gand o ma de iras . Co mo se sa be , qu and o

o co mpr i me n to das m ad eir as é maior qu e a carr oceria , cos tu ma -se pe ndur ar

n a p on ta ex tr em a de a lgu ma m ad ei r a u ma ban de ir in ha v er me lha , co mo

s ina lizaçã o d e seg uranç a .


P o is be m , C ar l i tos vê o c a m inh ão co m ma dei r as p as s ar ,

d eix and o ca ir à sua fre n te a tal b and eirinha d e s in alizaç ão . Cé le re , C ar li tos a

a pan ha do ch ão e co meç a a co rrer a trás d o ca minh ão , ac ena ndo c o m e la ,

l ev a n tad a a o a l to d e s u a m ão .

Ao pass ar p or uma esq uina , surge a tr ás d e Ca rlitos um gr up o de

tra ba lh ador es e m greve , m as ele n ão se dá co n ta d isso . Co n tin ua i ndo atrás

d o ca minhã o , ac ena nd o a ban de ir in ha ve rme lha , agor a ten do atrás de si u m

n úmero e no rme de tra ba lha dor es gr ev istas e m pass ea ta .

Na s eqü ênc ia , o ca min hão desap arec e e su rge p era nte C arlitos a

p ol íc ia . Es ta v ê a pas s e a ta , c om u m a pes s o a à fr en te, a g i ta ndo a b and eir i nh a

v e r me lh a : Ca r l i tos é p r es o c omo l íd er gr ev is ta .

A p er g un ta é , por tan t o , re l evan t e : p ode - s e c on f ia r n os f a tos ?

C lar o qu e o exe mp lo é s i mbó l ico , mas ap on ta j á a r el a tiv id ad e d a poss íve l

v e r da de fa tu al . D epe nd end o de qu em o lh a , o fa t o mu da : o po lic ia l v ê um l íd e r

g rev is ta ; os trab alhad ores vê em u m desco nhec id o ; Car litos , ess e s ó qu er ia

d ev o lver a b and e ir i nh a , e nem v iu a pas s e a ta a t r ás de s i . ( É n e cessário

co loc ar que Aug us to Co m te , c om se u p ositivis mo , reco nhec ia e a f ir mav a q ue

o c onh eci me n to c ien t í fi c o é s emp r e r e la t ivo ; j a ma is abso lu t o .)

Da ria par a to mar pos içõ es ma is a deq uad as, de ma ior ce rteza e m

r elação aos fa tos? O r aciona lismo res pond er ia q ue nã o .

É n ec es s á r i o c o loc a r , ta mbém , q ue ness a es c ol a há u ma

co rren te bas tan te rad ica l, q ue p ra ticamente ig nor a qu alque r obj e to c oncr et o :

é o i dea l is m o .
Par a o i dea lis ta , o co nhec imento nasc e e e sgo ta-se n o pró pr io

su j e i to co gnosc en te . Po r isso , o ob je to r ea l é ig nor ado ou , no m áxi m o ,

a dmitido nu ma pos ição c om ple tamen te s ecu ndá ria .

2 . 3 . A di a lé t ic a

A d i al é tic a é u ma es c o la q ue p r e t end e s u per ar um o bs tácu lo

co loc ado pe las d uas co rren tes a n ter ior men te tr a tad as : o da d ist â ncia existe n-

t e en tr e s uj e i to co gnos c e n te e ob je t o re al .

C o m e fe i to, c on f orm e se v i u , no e mp ir is m o acr e di ta - s e qu e a

v e r da de es tá no ob je t o co nc r eto e é d el e ex tr a ída . No r ac io na lis mo , a o

co n trár io , o i nves tigad or o per a a pen as com i dé ias , de ixa ndo o o bje to c oncr eto

d e l ado .

O lh and o pa ra a mb as , e m es pec ia l nas co rre n tes ma is r ad ica is –

p os i t iv is m o e i dea l is mo , res pec t iv a me n te - , pe r c eb e- s e q ue há en tr e s u je i to e

o bje to c onc re to uma d is tânc ia i ns transp on íve l. E é p ara su per ar esse

o bs tácu lo q ue a di al éti c a c o loc a s u as d ir e tr izes .

P ar a a d ial é t ic a , o im por t an te é a pr ópr ia re laçã o e n tr e s uj eito

co gnosc en te e o bje to, q ue s emp re se es ta be lece em qu alquer inv es tigaçã o

c ientífica.

É v erd ade qu e , an tes , de n tr o d as próp r ias esc ol as empiris ta e

r aci ona l is ta , sur gir am cor rentes ma is mod era das , qu e tiver am a p r e te ns ã o de

su per ar esse obs tác ul o , m as sem nu nc a tê- lo feito.

Ass im é qu e na pr ime ir a esco la sur giu o pos i t ivis mo l óg ico , q ue

ac ei t a a v e ri fica b i l ida de em p ír ica po r p rinc ípi o d a i nves tig ação , is t o é , a

p rop osiç ão c ien t ífica é ace i ta c o mo po tenc ia l men te ve rificáv el , o q ue nã o


e l im in a a c a rac ter ís tic a de que a p es q u is a cie n t í fic a tem de s er , de um a for ma

o u de ou tr a , c omp rov a da e mp ir ica me n te .

No r aci onalis mo , p or su a vez , su rg iu o in te lec tua lis mo , c orre n te

m od erad a q ue te m asse n te q ue o con hec im en to nã o po de pass ar se m a

ex per iê ncia e mp ír ica; p or ém é o su je i to c o gnoscc n te q ue , usa nd o d a r azão ,

d eve a tr ibu ir um a v a l ida de ló gic a-u nive rsa l ao co nhec imen to . Há u ma

r aci ona lização, ass im, d o ob je to concreto.

Po dem os , a gor a , co loc ar a a l te rnativ a da d ia lé tica p ar a te nta r

su per ar o p rob le ma da d is tâ nci a ex is ten te e n tre su je ito e ob je to. Em r esum o

s ã o os s egu in t es os p os tu lad os d a d i al é tica c on f orme ex p os to p or Ag ost in ho

R a ma lh o Ma r qu es N e to .

P ar a a d ia lé t ic a , c om o j á s e d is s e , o im por t an te n ão é n em

s u je i to , nem ob je to , m as si m a re laç ão qu e nec es s a r i ame n te s e es tab elec e

e n tr e el es .

Essa re laç ão há de s er to ma da n ão abs tr a ta , m as

c o ncr e t ame n te , den t r o do m om en t o v ivi do d o p r oces s o h is tór ic o- r ea l, n o qu al

s e dá o a to d e c on hece r .

P ar a es s a co r r en t e é prec iso d is t ing ui r “o bj e to r ea l” de “ ob je t o

d e c onh ecimen to” . Aqu ele é a co isa q ue ex is te i nde pe nde n te men te do pe n-

sa me n to , q uer e m si m esmo ( nú me no) , qu er na s ua man i fes taç ão co ncre ta

( fe nô men o). Es t e é um “ ob je to c o ns tru í do” pe lo pr ópr io su je i to , j á n o a to d e

co nhec er , p orq ue é ob tid o med ia n te o re fe renc ia l teó ric o e p elo m é tod o q ue

n or te ia a pes qu isa , e q ue é fr u to d a es c o lha do p esqui s ad or .

P ar a a di alé t ic a , por is s o , o inv es t iga dor não v a i “n u” a o o bj e to .

Na ver da de , q uan do b usca o ob je to , o esco lh e e o co ns tró i c omo ob je to de


co nhec imen to , u tiliza -se de to do u m co nhec imento já acumu lad o h is to -

r ic a men t e ; e na i nv es t ig ação su a pr eocu paçã o é a d e , su pe r an do os co-

n hec imen tos an te riores , tr azer a púb lico nov os con hec imen tos .

Na p ior das h ipó teses , o c ien tis ta da d ia lé tica co n firma as

v e r da des an t er ior es ; m as , q uand o o f az , ag e d en tr o d o pr oces s o h is tór ico-r ea l

da inves tig ação , e n ão como u ma ac eitação de v erda de d ogmá tica

p rees tabe lec id a .

Por isso é qu e a d ia lé tica d iz qu e “da do ” não é “d ado ” , mas

“c ons tru ído” , e, por co nseq üênc ia , todo c onh ecimen to ob tido é es s e n -

c ia lm en te r e t i f ic áv e l .

As ver dades c ie n tíficas s ão , e n tão , r e la tivas e p rov isór ias,

p ode ndo se mpr e ser su per adas n o dec orrer d o pr ocesso his tór ico da c iênc ia .

H á de s e rec onh ecer u r na v ir tu de im por t ante d a d ia léti c a , q ue é

a d e te n tar to mar par a s i e aca tar as c on tr ibu ições traz idas p e las ou tras

esc olas científicas .

M as , de q ua lqu er for ma , a e s c o la d ia lé t ic a te m de ser

c lass i fic ada como r acion alis ta , u ma vez que seu v e tor e p is temol ó gic o c a m in ha

d o rac ion al ( s u je i to) e m d ireção a o r ea l , s en do que o o bj e to é cons tr uíd o ,

a pesa r de te r o re al co rno r e fer ênc ia ou d ele ( do r ea l) p ar tir .

E e s s a c l as s i fic ação v a le a in da q ue a di al éti c a po n ti f iq ue qu e é a

r elação d o su je i to e do ob jeto, o que impor ta , e qu e e l a é u ma re lação

c o ncr e t a , po r qu an to es s a es c o lha é um a o pç ã o da r azã o .


2 .4 . A fenomen olog ia

T eç a mos , a gor a , al gu ns c om en t ár ios s ob r e a feno me no log ia ,

v is to q ue n ão só i n flu enc iou larg as corr entes do pensa me n to co n te mpor ân eo

co mo ta mbé m filós o fos de por te , ta is como Sar tr e , He id egg er e J as pers , m as ,

so bre tudo , por que a p os tu laçã o de seu m éto do é impo rtan te p ara u ma c i ênc ia

co m as ca rac ter ís tic as d a Ciênc ia do D ire ito .

A esco la fe no men ológ ica fo i fun dad a por Ed mun d Huss er l c om a

p r e te ns ão d e enc on tra r par a a fi l os o f ia um m é to do e u m p on to d e pa r ti da tã o

i nd is c u t ív ei s qu an to os da ma te má t ic a . Am b ic i oso p r o je to já te ntad o p or

Desc ar tes , q ue o ins piro u .

No mé to do husser l ia no co ns ta ta-se u ma r elaçã o ess enc ia l e

lóg ica en tre s ujeito e o bje to , n uma tens ão d ia lé tica qu e os u ne .

H us s er l r ec us a- s e a t o mar pa r tid o em re laçã o ao id ea l ism o o u

e mp ir ismo , o p ta ndo pe la “n eu tralidad e” . Mas há de rec onh ecer-se , c o m o se

ve rá , qu e e le co nse gue ultr ap assar ta nto um q uan to ou tr o , cr ian do a lgo

t o t al me n te n ov o .

Aco mpa nhe mos os fu nda men tos , o fu nciona me n to e os

p os tu lad os d a fen om en ol og ia .

Huss er l, p r imeira men te m a temá tico , i n teresso u-se,

p os ter ior me n te , pe la p s ic ol og ia . A mb as a s es f eras de c on hec im en to em

Huss er l e nco n trar am n o terre no fér til pr epa rad o p or Desc ar tes as se men tes ,

q ue fa riam b ro tar o mé todo fenomen ológ ico.

Rec ord emos : ao sepa rar c orp o e men te , D escar tes p us era os

f i l ós of os d ia n te da q ues t ão : se a m en t e é d is t in ta d o c or p o e se us órg ãos, e


se s ão es tes que en tr am e m con ta to co m o mu ndo ex ter ior , como ter c er tez a

d a ex is tênc ia d o pr ópr io mun do ex ter ior?

Nã o r es ta d úvida qu e tern os r epr esen tações mu i to n ítidas d esse

mun do , r icas , c oer entes e q ue se c omplemen tam; re pres en taçõ es q u e s ã o ,

to dav ia , in te ir ame n te su bje tiv as , c uja cor resp ond ênc ia c om um o b je t o ex t er io r

à n ossa su bje tiv id ade ( a nossa consc iê ncia) é imposs íve l de se r v eri f ica da .

Es ta mos enc erra dos e m nós mesmos e por iss o n ão po demos a tin gir n en huma

r ea li dad e o bj e tiv a . É - n os v eda do ir a lém do p ensa me n to ; es s e a l é m é

impens áve l.

H us s er l é b em esp ec í f i c o qua n to a t od os e s s es asp ec tos : “ O

c a m inh o qu e a qu i s e a br e p ara o p ens ame n to é o s e gu in te : po r m a is q ue eu

es tend a a d úvida d a cr ítica do co nhec imen to , nã o poss o duv ida r de que e u

so u e d uvido , d e q ue e u r epres en to , ju lg o , s in to , o u , s eja co rn o for qu e

p ossa m ain da ser cha ma das as ap ar ições i n te rna mente p erce bidas , d elas nã o

p osso d uvid ar d uran te a viv ênc ia mes ma em qu e as te nho ; uma d úv i da n es s es

cas os ser ia eviden temen te um co n tra-s enso .

Por tan to , te mos ‘evidê ncia’ da ex is tênc ia dos o bje tos da

p erce pção in tern a , te mos o ma is claro d os c onh ec imen tos , a que la certez a

i na ba láv el q ue d is t ingu e o s a ber , n o s en t id o m a is es tr i to .

O que ac o n tece c om a p er c e pç ão ex te r na é c om p le ta mente

d i fe r ente . F a lt a a e la a ev id ênci a , e , de f a t o , u ma m ú l ti pl a con tr ad iç ã o n os

e nunc ia dos n ela co n fia dos ind ica que e la é c apaz de n os ind uzir em erros e

i l us ões . D e an te mã o, n ão t emos , por t anto , o d ire it o de acr e di t a r q ue os

o bje tos d as p ercepçõ es ex ter nas exis tam e fe tiva e ver dad eira m en t e ta is

co mo eles n os ap arece m” .
Co m e fe i to, a a titud e fen omenológ ica s urg iu co mo r espos ta à

f a l ta d e ar g um en tos a pod í t ic os ( ev i den t es , ir r e fu t áve is ) qu e pusess em fim ao

d rama reve la do pe la imp ossibilida de de p ene trar na n a tur eza dos o bjetos

co nhec id os. Ao inv és d e e te rn izar-s e ness a b usca , a fe no men ologia esco lheu

d ed ic ar - s e a o es tu do d os da dos d o c on hec im en t o.

P ar a o en te nd im en to a deq uad o d o tra ba lho do f en om en ól ogo , é

impor ta n te ex amin ar o se n tido em qu e o ter mo “ fe no me no log i a” é e mpr ega do .

A pa lav r a “ fe nô men o”, or ig in al me n te , tan t o no s en t ido c ie n tí f ico

q uan t o no f i l os ó f ic o co mu m , t em r e laç ã o c om a p al av r a a par ênc ia . Por isso o

“ fe nô men o” é um “r ela tivo ” , po is é aqu ilo q ue “ apar ece ” par a o su je ito que o

o bs er v a , ou s ej a , s ó ex is te na m ed id a em q ue é obse r v ad o na r el ação c om o

s u j e i to .

Além diss o, o te rmo “a par en te” so fr e in fluê ncia do te rmo “ i lusó -

r io” , “ irr ea l” , o que va i a fe tar ta mb ém o te rmo “ fen ômen o” , que gan ha esse

ca rá ter de “ i lusór io ” , “ irr ea l” . É ver dad e q ue o fe nô men o faz par te da

r ea li dad e , m as é co mo s e pe r t encess e a u m n ív el in f er io r de r ea l .

As co isas sã o u m a bso lu to , e nqu an to o fen ômeno é u m re la tiv o

a o ap arece r par a o su je ito . D aí é que s e firmou a te ndê ncia no esp ír i to d e

co nsider ar r ea l ape nas “a co isa e m si” o u o “n úme no” , cu ja essê nc ia to dav ia é

i m pen e tr áv e l . Par a o s u je i to s ó h á o fe nô me no .

N a pers pect i v a fe no me no lóg ic a a r e laç ã o é i nv e r ti da : o f enô meno

é q ue é abso lu to ; as co isas , o mun do ex te rior , a á rvo re , a mon t anh a , s ó tem

ex is tê ncia r ela tiv a per an te o fenô me no .

A o co n tr ár io d a v isã o an t er ior , n ão é a rep r es e n tação su bj e tiv a

o u fenô men o que d ep end e das co isas ou do o bje to; são as co isas o u os
o bje tos que de pe ndem d a r eprese n taçã o ou do fe nômen o . A co nsciênc ia é a

b ase ess enc ia l d e to das as re pres en taçõ es , qu er se ja m c ie n tífic as , quer

vu lg ares , da r ea l ida de co nhec id a co mo o b jetiva .

A c onsc iênc ia é a co nd ição nec essár ia p ara a a fir maçã o das

co isas que sã o es tran has à c onsc iê ncia . Se p ud ésse mos r emon tar tod os os

con hec imen tos das co isas ditas ob je tiv as e fôss emos vo l tan do de form a a

d eco mpô- los , che garía mos na ess ênc ia pr imeira , que é a c onsc iên c ia . Da í

c o ncl ui r - s e q ue as c ois as ou o bje t os só têm r ea l ida de a pa r t ir da c onsc iênc ia .

Par a a fe no men olog ia ex is te u ma con fusão , traz id a pe lo

n a tur al ismo , en t r e o fís ic o e o ps íq uic o . Es t e nã o é o c o nj un to de m ec an is m os

ce rebr ais e nerv osos , mas uma r eg ião q ue possu i especific id ade e

p ecu liar idad e ; o ps íquico é fenômen o , nã o é c ois a .

A s co is as p er te nc em ao mun do fís ico , a o fa to ex t er ior , ao

e mp ír ico e são govern adas por r elações ca usa is e mec ân icas . Já o fenô me no

é a c onsc iê nc i a , en qu an to f luxo t emp ora l d e v iv ê nci as , e q ue é ca paz d e

o u tor gar s ig nifica do às co isas exter iores .

A isso a fen omeno lo gia acresc en ta u ma par ticu lar id ade esse ncial

d e tod os os fe nômenos ps íqu icos : a “in tenc io na lidad e” .

A n oç ã o de “i n te nci on al id ad e” r e al me n te v e m d os es c o lás t icos ,

n o conc eito de in te nçã o , ap l icado ao co nhec imen to .

A pa lav ra "in tenç ão" i nd ica uma d ireç ão ou u ma te nsão de

es p ír i to par a o ob je to; e , p or a na lo gia , chama-se tamb ém intentio o con teúd o

d e pens ame n to em qu e s e fixa o es p ír ito . Esse car á te r d e intenc ion al id ade é

es tend id o a tod os os fa tos psíq uic os . É a pr ópr ia c onsc iência q ue é in -

te nciona l. A co nsciênc ia te nde se mpr e pa ra a lg uma coisa .


A o c on tr ári o de s e d obr ar so br e si mes m o , co mo p r op unh a a

ps icolo gia i nsp ira da e m D esca rtes , o ca rá ter p róp rio do fato ps íquico é

r epor tar-se a um o b je to .

T od o fe nôm en o ps íqu ic o co n tém e m s i al go a t í tu lo d e ob je to ,

mas c ada u m o co n tém à sua ma ne ira . Na r epres en taçã o , é a lg uma c ois a qu e

é r epr esenta da ; n o juízo , que é a dmitida ou r eje itad a; n o amor , q ue é amad a ;

n o ód io , que é od ia da ; n o des ej o , q ue é dese ja da ; e as s im por d ian t e .


3 . A C I ÊN C I A DO D IR E IT O

É pr ecis o r essa ltar qu e ex is tem a té dúv idas s obre o car á ter de

c ien tificidad e d o D ire ito , d ian te de u ma s ér ie de p ress upos tos de d ifíc il

av aliaç ão .

Co n tud o , faz end o-se u ma le i tu ra a mp la d os co me n tad ores ,

p er c eb e-s e c l ar a men te q ue , de u m je i to ou d e o u tr o , t o d os , o u pel o men os a

m a ior ia , tr a t am o D ir ei t o c om o c iênc ia , n um a ev ide n te man i fes t ação de

ac ei t aç ão d e s eu c ar á t er c ien t í fi c o .

A t é s e co mp r ee nde m ta n tas d úvid as , um a v ez q ue o D i r e i to tev e

e a ind a tem muitas esc olas d e p ens amentos qu e pro põe m fo rmas d i fe rente s

d e inves tigaç ão p ara su a ciênc ia.

A n ós im po r t a o f a to de qu e ex is te uma Ci ênc ia d o D ir e i to ,

mesmo que co m formas de pes qu isas d ive rsas . Co mo ra mo d e c iê nc i a

h um ana , a C i ênc ia do D ir e i to te m c om o su bs tr a t o de p es qu is a o h omem, e m

to dos os asp ec tos va lo ra tivos d e su a pe rson alid ad e.

Da m esma ma ne ira , como não se co mp ree nde uma c iê nc ia

h umana q ue exc lu i de seu â mb i to d e pesqu isa o ser h umano , é ina dmissível

p ensa r uma C iê nci a d o D i r e i to q ue n ão ten ha c o mo fu nda me n to e c en tro d e

s u as a te nçõ es o h ome m .

É co loca do ass im, como press up os to , o ho me m e su a c on diç ão

ex is te ncial c omo princ ípio de in ves tigaçã o . A C iê ncia do D ire ito deve ,

p or ta n to , res pe itar o ho me m na in te ir eza de su a dign id ad e e nos l im i tes

p os tos e reco nhec id os u n iversa lmen te co mo s eus : a vida , a sa úde , a h onr a, a

in timid ade , a ed ucaç ão , a liber da de e tc .; be ns ess encia is e i nd isp on ív e is qu e,


e m co njun to c om bens soc ia is co mo a ver da de , o be m co mu m e a J u s tiç a , sã o

n or te ador es d e tod o o ma ter ia l de inv es tigaçã o da C iênc ia do D i reito.

A C iê nc i a d o D ir e i to é u ma c i ênc ia de i nv es t igaç ão de c o ndu t as

q ue têm em v is ta um “ dev er-se r” j ur íd ic o , is to é , a C iê nc i a do D ir e i t o inv e s ti g a

e es tud a as n ormas ju ríd icas . Es tas prescrev em a os in div íduos c e rtas re gras

d e con du ta q ue d evem s er o bedec id as .

É c er to qu e , u ma vez cu mpr id a a d e ter mi naçã o d a n or m a , o

“ dever -ser” ex aur e-se n um “ser” , o u , q uan do desc umpr id a a d e ter minaçã o da

n or m a , oc or r e u m ou tr o “s er ” , por ém d e c onte údo apa r e n te men t e c o n tr ár io ao

p r e te nd ido p e lo r eg r am en to j u r íd ico . C on t udo , na s i nge lez a dess as

o bserv ações , ocu l ta-s e u ma e nor midade de qu es tõ es , d e p rob le mas que

p rec isam se r exa minad os .

T omemos u m simp les e co rr iqu eiro ex emplo de pr ob le ma v is to a

p ar t ir de um a l ei es c r i t a : u ma n or ma jur íd ica que disc ip l ina o trâns i to . Ao s in al

d e luz v er m e lha cor r es pon de a o r de m “ o m o tor is ta dev e p ar ar ” . E ss a or dem é

u m “ d ev er - s e r ” j ur íd ic o , po is ap on t a o q ue a n or m a j ur íd ic a pr e t end e qu e s e ja .

É um coman do d irig ido aos i nd iv íd uos , es pec ia lmen te , no caso , a os

m o tor is tas .

Q uan do d ia n te d e u m s ina l v erme lh o a orde m é c um pr id a , oc or r e

u m fa t o q ue s e a jus ta ao c on teú do da n orm a ; a norm a jur í dic a é viv enc iad a

co mo um aco n tec imento no mu ndo do “ser” , d os fa tos . J á q uan do o m o tor is ta

d esob edece à n orma , nã o par and o s eu au to móv el e ultra passa nd o o s in al, há

u ma v io laçã o do c oma ndo e a o m es m o tem po ou tro t i po de “ s e r ” : u m fa t o

sa nciona do p ela no rma ju r íd ica .


A v io laç ão é , p or ta n to , ta mbé m u m fa to ; é u m aco n tec im en to no

m un do do ser . O sis te ma j ur íd ico , é ver dad e , r egr a, ta mb ém , a co ndu ta

n ega t iv a ou nã o q ueri da : ao i n fra t or o Di r ei t o pr es c r eve a s anç ão . No c aso d o

s ina l v er me lh o , é um a mu l ta i m pos ta ao tra ns gr es s o r . Nã o qu e o D ir ei to

q ue ir a pr im or d ia l men t e ap l icar a mu l ta , m as a s a nçã o faz p ar te da es trutura

d a no rma pa ra q ue es ta s eja cu mp rida , e não par a qu e se ja v io la d a .

O lh and o-se esse mo des to exe mp lo de n orma jur íd ic a , que ,

r epres en tad a por u m se má foro , p re te nde d isc ip linar o trâ ns ito , po de-s e leva n-

tar mu itas d ificu lda des p ara o inves tig ado r d o Dire ito :

a ) O si na l ve r me lh o es tav a func io nan do n o m om en to da ul tr ap as -

sagem?

b ) E s e es tivesse queb rad o?

c) O m otoris ta po de esc usar-s e de p aga r a mu lta ale gan do que

n ão v iu o s i na l?

d ) Pode apr esen tar a mesma jus tific a tiv a , a le gan do que mor a n a-

q ue la r ua e n em p erceb eu o s in al, p ois fora ins ta la do na que le d ia?

e ) Pode o m o tor is ta a le gar que ultrap asso u o s inal, po rqu e se

a prox imaram do seu ca rro do is su je itos m al e ncar ad os e pr essen t iu que i a se r

ass altado ?

f ) E se o mo t or is ta for m en or de id ade , v ale a mu l ta ?

g ) Se nã o ex is te n orma ad minis tra tiva estipu la ndo q ue na que la

es qu ina d ev ia ter s ina l, e os func io nár ios o ins talara m por eng ano , va le a

mu lta?

h ) Pod e a m u l ta s er lav r ad a p or i n d ic aç ã o d e u m c id ad ão c om um

a um g uar da de trâ ns ito que não ass is tiu à oc orrê ncia?


i ) Va l erá a m ul t a s e e la fo i lav r ad a p or u m gu ar da qu e f ic a

esc ond id o a tr ás de uma árvor e co m um ta lã o na mã o , par a ano ta r q ue m ultr a -

p as s ar o s in al , ao inv és de se mos tr ar os t ens iva me n te?

j) Es tará ad equ ado o va lo r da mu lta ? Será jus to s eu mon tan te ?

k) O va lor d eve va riar d epe nd end o da qu alid ade do in fr ator : se é

p rimár io ou re inciden te ?

l ) Va le o ar gu men to d e qu e n in gué m r es pe i ta a que le s ina l ,

p orq ue es tá ma l co loca do n aque la esqu ina ?

En fim, c om esse peq uen íss i mo ex emplo q ue par te d a le i, vê-se

q uão in tr inca dos po de m s er os fa tos e os ar gumen tos co m os qua i s o c i en tis ta

d o D ir e i to t e m d e l i da r . Mu l t ip l ic a ndo - s e es s e c aso po r um un ive rso e norme

d e ou tras n ormas juríd icas e fatos , e , indo além, c oloca ndo -se valores e o

p r ópr io s er hu ma no c o mo e le men t o de inves t ig aç ão , pe r c eb e- s e o g rau d e

c o mp lex id ad e qu e envo lv e o es tud o do D ir eit o .

E fr ise-s e q ue nes te ex emplo o p rob le ma es tá vo l tad o e spec ifica -

men te para u ma q ues tã o prá tica . Co n tud o, ten do e m vis ta as pec u lia rid ades

d o ob je to d a c iê nci a do D ir e i to, pe r c eb e- s e q ue e la nã o t em d e dar con ta

a pen as das nor mas ju ríd icas e su a ap lic açã o ou não , mas també m tem d e

lidar c om fa tos soc iais , as pec tos s ociológ icos , eco nômic os , cu l tu ra is e a té

c limá ticos , c om difere nças r eg io na is e terr i to riais , b em c omo c om va l ores

é t icos e mo r a is .

Dev e , a in da , i nves tiga r as c ausas de e la bor ação d as n ormas

jur ídic as , e m es pec ia l as l eis , b em c omo s ua adeq uaçã o a o m e io soc ial.

T od as essas no rmas e va lor es dev em respe ita r o homem e m su a d ig n idad e d e


s e r hu mano , no me io s oc ia l e na na tu r ez a e m q ue v iv e . A C iê nc ia d o d ir ei t o

e m su a ace pção ma is a mp la é uma c iênc ia é tica por exc elênc ia .


4 . O O BJ ET O D A C IÊNC IA DO DIR EIT O . QU E É O D IR EIT O?

S o b o asp ec to e t imo l óg ico é poss ív e l l iga r o t er mo “ d ir ei t o” , d en-

tre ou tr os , a re to (do voc ábu lo em la tim rectum ) , a man dar , ord en ar ( do la tim,

l i gad o na or ig em a jussum ) , o u ao t er m o “ i nd ica r ” ( d o v oc ábu lo gr ego diké ) .

O bserv ando o D ire i to à l uz da r ea lidad e d os es tud os jur íd icos

co n te mporâ neos , pod e-se v islu mbr ar que o termo “d ir eito” co mp or ta p el o

men os as se gu in tes co ncepç ões : a da ciênc ia , corr esp ond en te a o co njunto de

r egras pr óp r i as u t il iza das pe la C iênc ia do D ir e i to ; a de nor ma jur íd ic a , co mo a

Co ns tituiç ão e as dema is le is e decre tos, p or tar ias e tc .; a de pod er ou

p rerr oga tiva , qua ndo se diz que a lg ué m tem a fac ulda de , o pode r de exerce r

u m dir eito; a d e fa to soc ia l, q uan do s e v er i fic a a ex is tência d e r eg r as ,

ex is te n tes n o me io s oc ia l; e a de Jus tiça , q ue s urg e q uan do s e p er c ebe qu e

c e r t a s i t uaçã o é d ir ei ta por que é j us ta .

A pa lav r a “ d ir ei t o” é , as s i m , t id a po r u ns co mo a ná log a , ou s e ja,

se us s en tid os gu arda m cer ta re laç ão e n tr e s i; m as é a pon tad a por o u tr os

co mo vag a e amb ígu a, v is to q ue su as s ig nificaçõ es não sã o se mp r e c lar as , ou

g er a m dúvi da le g í ti ma e ins ol úve l o u , a té mesm o , a pr es e n ta-s e de for m a

p ara doxa l e c on tr ad i tó ri a .

Ass im é que , po r ex emp lo , o te rmo “ dire ito” , na fras e “ o tra ba lh a-

d or te m dire ito asseg ura do a o sa lário” , g uar da cer ta apr ox imaçã o , cer ta

a na log ia, co m o r e fe rido termo n a express ão “não é d e d ir eito p un ir um

inoc en te ” .

N a pr im eira as s er t iva a p al av r a “ d ire i to” r e fer e- s e à pr evis ão

l eg al es ta be lec id a ( a Co ns o li daçã o d as L eis do Tra bal ho - C LT - q ue ga rante


o s a lár io do trab alhad or) . N a se gun da , aqu ela p alavra re fe re-se à j us tiç a - o u

i n jus t iça - d e u ma d ec is ão ju dic ia l .

De pron to p erce be-se ap en as nos do is s imp les exemp los que os

p rópr ios usos da pa lav ra "d ir eito " ap on tam u m p ara o o u tro : d ir eito a pon ta

p ara jus tiça e es ta pa ra aq ue le. E é p or isso q ue se d iz que os ter mos sã o

a ná log os . C o n tud o , há ou tros us os que se a pr es en tam , c om o se diss e , v ag os ,

a mb íguos , co n tra ditórios .

C o m efe i to, d ir e ito é u m id ea l so nha do por c er ta s ocie dad e e s i -

mu ltan eame n te u m golpe que e n te rra ess e id ea l. É s ímbo lo d a or d em soc ial e

s imultane amen te a ba nde ir a d a a g i taçã o ( estud an til, d os trab alh a dor es em

g r eve e tc .) . O D ir ei t o gar an t e a pr iv ac id ad e e a in ti m id ade e , t am bé m , a o

m es m o temp o , a p ub lic ida de e a q ueb r a d a in t i mi dad e .

Só p or esses ex emplos p erce be-s e o gra u d e dificu l da de qu e é o

man ejar do conc eito “ dire ito” . T a lvez por i sso a c ha ma da C iênc ia do Dir eito

te nha acaba do p or pr iv ileg iar um d os sen tidos , den tr e os v ár ios poss ív eis .

Co mo , via d e regr a, a s c iênc ias em g era l não tê m mu ita

d i ficu lda de n a desc obe rta e fixaçã o de s eus o bje tos - p or ex emp lo , a m ed ic in a

n ão te m dúv id a de qu e dev e est u dar o c orp o hu man o - , a C iê nc i a d o D ir eito

p r e te nde o m esm o .

D es s a fo r m a , o p to u p or es tu da r u m d os s en t idos p oss ív e is do

t er m o “ di r e i to ” : o de n or m a ju r í d ic a e, esp ec i al me nte , o de no rma jur ídica

esc rita.

M as n ão pa r ec e ter si do um a es c o lh a m ui to f el iz - ain da q ue s e

p ossa e nten dê- Ia - , uma vez que as dificu ld ades de fixaçã o de s e n ti do q ue o


ter mo “d ir eito” rev ela a o inv es tiga dor , an tes de ser em um o bs táculo, apontam

p ara uma riqu eza d e s ign ificações que merec em estud o ap ro fu nd ad o .

C o n tud o , ao inv és de b us c ar s u pe r ar o o bs tác ul o , pe ne tr an do em

su a c omp lex id ade fecu nda , o cien tis ta d o D ir eito deu u ma vo l ta a o lar go d o

p r ob le ma e l evo u c ons igo o s en ti do ma is fác il de s e r ab ord ado .

Co m iss o , o q ue er a d e hu man o a impr eg na r o D ire ito ac abo u

co nge la ndo -se no conc eito da n orma ju r íd ica esc rita e p erd en do- s e no tra-

b al ho a na l íti c o d o i nv es t ig ado r .

É pr ecis o res ga ta r a mag nificê nc ia d a d ignida de h uma na , q ue é o

f u nda me n to ú l ti mo qu e d á s us te n taçã o ao Dir ei t o , a tr av és da a be r t ura d as

men tes que se d ed ica m ao es tu do do D ire i to , o q ue pass a necess a r iamen te ,

p or u ma ava l iaç ã o s inc era dos m é to dos da C iê nc ia d o D i r e ito , d os i ns ti tu tos

jur ídic os ex is ten tes , d as c ond içõ es s ociais rea is n as qu ais o D i r e i to es tá

inc lu íd o , so bre as qua is e le in flu i e das q ua is r eceb e in fluê nc i a .

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