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GERALDO ÁVILA

m íè & jm i
© 2001 G eraldo Severo de Souza Á vila

I a edição - 2 0 0 1

É proibida a reprodução total ou parcial


por quaisquer meios
sem autorização escrita da editora

EDITORA EDGARD BLÜCHER LTDA.


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Impresso no Brasil Printed in Brazil

ISBN 85-212-029.5-4

oiRtnO•jà*
E D IT O R A A F IL IA D A
PREFÁ C IO

O p resente livro foi e sc rito esp e c ia lm e n te p a ra alunos de lic en ciatu ra em


M atem ática, p o r isso m esm o d ifere dos livros de A nálise d irecionados aos cursos
de bacharelado. D ifere n ó c o n te ú d o , p o r n ão in clu ir tópicos m ais especializados,
com o a c o n tin u id a d e u n ifo rm e, a te o ria d a in teg ral e a eq ü icon tinu id ade, de in­
teresse m aior no b a c h a re la d o e se c u n d á rio n a licen ciatu ra; m as difere ta m b ém
p o r incluir, no c a p ítu lo 1 , u m a a p re s e n ta ç ã o de certo s tópicos sobre os nú m eros
reais, relevantes nos cu rso s d e lic e n c ia tu ra . U m a te rc e ira d iferen ça e s tá n a
m a n e ira de a p re se n ta ç ã o dos v á rio s assu n to s, com aten ç ão m aior ao desenvolvi­
m en to das id éias e a sp ecto s h is tó ric o s d a d isciplina.

O te x to n ão in clu i u m tr a ta m e n to de deriv ad as e integ rais, m as p ressupõe


que o leito r j á te n h a feito u m p rim e iro curso de C álculo, onde esses tópicos são
tra ta d o s. E preciso que o le ito r te n h a um bom co n hecim ento de deriv ad as, in­
teg rais e suas técn icas. P o r isso m esm o , nos m o m en to s-o po rtun os do desenrolar
do curso, o p rofessor deve lev ar seus alu n o s a u m a revisão siste m á tic a desses
tópicos do C álculo; ou m esm o, d e d ic a r v árias sem anas iniciais a essa revisão.

N um p rim eiro cu rso de C álcu lo , as ap resen taçõ es co stu m am ser feitas de


m an eira in tu itiv a e inform al, com p o u ca ou n en h u m a d em o n straç ão rigorosa.
Esse p ro ced im en to é seg u id o , em p a rte p o r razões d id áticas; m as ta m b ém p o r
razões ligadas à p ró p ria n a tu r e z a dos tóp ico s tra ta d o s, cujo desenvolvim ento
histó rico o co rre u p rim eiro d e m a n e ira in tu itiv a e inform al, desde o século X V II
a té a p ro x im ad a m e n te 1820. A p a r t ir de e n tã o , os avanços d a teo ria exigiam con-
ceituações p recisas d as id éias d e fu n ção , c o n tin u id ad e, derivada, convergência,
integ ral, etc. E p re c isa m e n te u m a a p re se n ta ç ã o logicam ente b em o rg an izad a
d e to d o s esses tó p ico s d o C álcu lo q u e c o n stitu i u m prim eiro curso de A nálise.

P o r essas razões, u m dos o b je tiv o s p rin cip ais de um curso de A nálise


é a p rá tic a em d e m o n stra ç õ e s. E n u n c ia r e d e m o n stra r teorem as é u m a das
ocupações c e n tra is de to d o p ro fesso r ou estu d io so d a M ate m ática , n ão sendo a d ­
m issível que alg u ém q u è p re te n d a en sin a r M a te m á tic a sinta-se deficiente nesse
m ister. D aí u m a d a s p rin c ip a is razõ es de u m a d isciplina de A nálise nos cursos
de licen ciatu ra.

M as, a lia d a a essa ta re fa d e p ra tic a r a a rte de en un ciar e d e m o n s tra r teo­


rem as, o aluno de lic e n c ia tu ra te m , n a d iscip lin a de A nálise, a o p o rtu n id a d e
de se fam iliarizar com u m a d a s p a rte s m ais im p o rta n te s d a M a te m á tic a que se
vem desenvolvendo desde o início do século X IX . E p a ra facilitar a co m preensão
desse d esenvolvim ento, e d a r ao le ito r u m a visão m ais ab ran g en te e enriquece-
d o ra de to d a a M a te m á tic a , o p re se n te te x to in co rp o ra várias n o ta s históricas
e co m p lem entares ao final de c a d a c a p ítu lo , com o já fizemos em o u tro s livros
de nossa au to ria .
C o n v e r s a c o m o a lu n o
N in g u é m a p re n d e M a te m á tic a o u v in d o o p ro fe sso r e m s a la d e a u la , p o r m ais
o rg a n iz a d a s e c la ra s q u e se jam su a s p re le ç õ es, p o r m a is q u e se e n te n d a tu d o o
q u e ele ex p lica. Isso a ju d a m u ito , m a s é p re c iso e s t u d a r p o r c o n ta p ró p ria logo
a p ó s as a u la s , a n te s q u e o ben efício d e la s d e s a p a r e ç a c o m o te m p o . P o rta n to ,
você, le ito r, n ã o vai a p re n d e r M a te m á tic a p o rq u e a s s is te a u la s , m a s p o r que
e s tu d a . E esse e stu d o exige m u ita d is c ip lin a e c o n c e n tra ç ã o : e s tu d a -s e se n ta d o
à m e sa , co m lá p is e p a p e l à m ão , p ro n to s p a r a s e re m u s a d o s a to d o m o m en to .
V ocê te m d e in te rro m p e r a le itu r a com fre q ü ê n c ia , p a r a e n s a ia r a s u a p a rte :
fa z e r u m gráfico o u d ia g ra m a , e screv er a lg u m a c o is a o u s im p le sm e n te ra b isc a r
u m a fig u ra q u e a ju d e a seg u ir o ra c io c ín io d o liv ro , s u g e rir o u te s t a r u m a
id éia; e scre v er u m a fó rm u la, reso lv e r u m a e q u a ç ã o o u fa z e r u m cálcu lo que
v e rifiq u e se a lg u m a a firm a ção do livro e s tá m e sm o c o rr e ta . P o r isso m esm o,
n ã o e sp e re q u e o livro seja co m p le to , sem la c u n a s a se re m p re e n c h id a s pelo
le ito r; d o c o n trá rio , esse le ito r se rá in d u z id o a u m a s itu a ç ã o p assiv a , q u a n d o
o m a is im p o r ta n te é d esenvolver as h a b ilid a d e s p a r a o tr a b a lh o in d e p e n d e n te ,
d e s p e r ta n d o a c a p a c id a d e de in ic ia tiv a in d iv id u a l e a c ria tiv id a d e . V ocê e s ta rá
fa z e n d o p ro g re sso re a lm e n te sig n ificativ o q u a n d o s e n tir q u e e s tá co n seg u in d o
a p re n d e r so zin h o , sem a ju d a d o p ro fesso r; q u a n d o s e n tir q u e e s tá re a lm e n te
“a p re n d e n d o a a p re n d e r” .
O s exercício s são u m a d a s p a rte s m a is im p o r ta n te s d o livro. D e n a d a
a d ia n ta e s tu d a r a te o ria sem ap lic a r-se 11a re so lu ç ã o d o s ex ercício s p ro p o sto s.
M u ito s d esses exercícios são c o m p le m e n to s d a te o r ia e n ã o p o d e m se r n eg ligen ­
c iad o s, so b p e n a d e g ra n d e p re ju ízo n o a p re n d iz a d o . C o m o em o u tro s livros de
n o ss a a u to r ia , as lista s d e exercícios são se m p re s e g u id a s d e re s p o s ta s , suges­
tõ e s e soluções. M as o le ito r p re c isa s a b e r u s a r esses re c u rso s com p ro v eito , só
c o n s u lta n d o -a s a p ó s ra zo áv el esforço p ró p rio . E n ã o e s p e re q u e u m a su g estão
o u so lu ç ã o se ja c o m p le ta , às vezes é a p e n a s u m a d ic a p a r a d a r início ao tra b a lh o
in d e p e n d e n te d o leito r.
F ic a re m o s m u ito a g ra d ec id o s a to d o s os le ito re s q u e se d ig n a re m escrever-
n os, a p o n ta n d o falh as no te x to o u fa z e n d o su g e s tõ e s q u e p o s s a m m e lh o rá-lo em
ed içõ e s fu tu ra s . P a r a isso p o d e m u tiliz a r 0 e n d e re ç o d a p r ó p r ia E d ito ra .
P o r fim , d eix a m o s aq u i co n sig n ad o s n o sso s a g ra d e c im e n to s ao no sso E d ito r,
D r. E d g a rd B lü ch er, p elo c o n tin u a d o in te re sse e a p o io a o n o sso tra b a lh o .

G eraldo Á v ila
B ra sília , m a io de 2001
Conteúdo

C a p í t u l o 0: P r e l im in a r e s de L ó g ic a , 1

P ro p o siç õ es e teo re m a s, 1. C ondição necessária e su ficiente, 2. D ois p rin cíp io s


d e L ógica, 3. C o n trap o siçã o , 3. U m a aplicação, 4. D e m o n stra ç ã o p o r a b ­
su rd o , 4.

C apítulo 1: N úmeros R eais 6

N ú m ero s ra c io n a is e re p resen taç ão decim al, 6 . N ú m ero s irra c io n a is, 7. V 2 é


n ú m e ro irra c io n a l, 8 . N ú m ero s reais, 8 . E xercícios, 9. R e sp o sta s, su g estõ es
e soluções, 10. N oções so b re con ju n to s, 11. E sp ecificação de c o n ju n to s, 11.
P ro p rie d a d e s gerais, 12. E xercícios, 13. S ugestões e soluções, 14. C o n ju n to s
finitos e in fin ito s, 14. C o n ju n to s enum eráveis, 15. A e n u m e ra b ilid a d e d o co n ­
ju n to Q , 15. N ú m ero s irracio n ais, 16. A n ão e n u m e rab ilid a d e d o c o n ju n to R ,
16. E x ercícios, 18. R esp o sta s, sugestões e soluções, 18. G ra n d e z a s incom en-
su ráv eis, 19. A m ed ição d e segm entos, 19. Segm entos in co m en su rá v eis, 20. O
re tâ n g u lo á u re o , 22. U m a infinidade de retân g u lo s áu reo s, 23. D iv isão á u re a,
23. E x ercício s, 24. S ugestões, 24. A crise dos in co m en su rá v eis e su a solução,
25. A te o r ia d a s p ro p o rçõ es, 2-5. D esenvolvim ento p o ste rio r d a M a te m á tic a ,
26. E x ercício s, 27. S ugestões e soluções, 28. D ed ekin d e os n ú m e ro s reais, 29.
C o rte s de D ed ek in d , 29. A relação de Ordem, 30. O p e raçõ es com n ú m e ro s
reais, 31. O te o re m a de D edekind, 32. S u p rem o e ínfim o d e u m co n ju n to ,
33. E x ercício s, 35. S ugestões e soluções, 36. D e sig u ald ad e d o triâ n g u lo , 38.
E x ercício s, 39. S ugestões e soluções, 39. N o ta s h istó ric a s e c o m p le m e n ta re s,
39. Os E le m e n to s de E uclides, 39. O con teú d o dos E le m e n to s, 40. A G eo­
m e tria d e d u tiv a , 41. As g e o m etrias n ão -eu clid ian as, 41. O s F u n d a m e n to s d a
M a te m á tic a , 43. D efinição de corpo, 44.

C apítulo 2: S e q ü ê n c i a s I n f i n i t a s 45

In te rv a lo s, 45. Seq ü ên cias infinitas, 45. C on ceito de lim ite e p rim eira s
p ro p rie d a d e s, 47. D efinição de vizinhança, 48. S eq ü ên cias lim ita d a s , 51.
O p e ra çõ es com lim ites, 52. Exercícios, 54. S ugestões e soluções, 5-5.
S eq ü ê n cia s m o n ó to n a s, 56. O nú m ero e, 57. S u b seq iiên cias, 58. L im i­
te s in fin ito s, 59. S eqüências recorrentes, 61. E xercícios, 62. S ugestões
e soluções, 64. In terv alo s encaixados, 65. P o n to s a d e re n te s e te o re m a de
B o lz an o -W eierstra ss, 6 6 . C ritério de convergência d e C auchy, 67. E xercícios,
69. S u g estõ es e soluções, 70. N o tas h istó ricas e co m p le m e n ta re s, 71. A
n ã o e n u m e ra b ilid a d e dos n ú m e ro s reais, 71. C a n to r e os n ú m e ro s rea is, 71.
B o lzan o e o te o re m a de B olzano-W eierstrass, 73.
C a pít u l o 3: S é r i e s I n f i n i t a s 75

P rim e iro s e x e m p lo s , 75. O c o n c e ito d e so m a in fin ita , 76. P r o p r ie d a d e s e


e x e m p lo s, 77. S é rie d e te r m o s p o sitiv o s, 80. E x e rc íc io s, 81. R e s p o s ta s , s u ­
g e stõ e s e so lu ç õ e s, 81. T e s te d e c o m p a ra ç ã o , 82. Ir ra c io n a lid a d e d o n ú m e r o
e, 83. E x e rc íc io s, 8 6 . S u g e stõ e s, 87. T e ste d a ra z ã o , 87. E x e rc íc io s , 8 8 .
S u g e stõ e s, 89 . O te s te d a in te g ra l, 89. E x ercício s, 90. S u g e stõ e s, 90. C o n ­
v e rg ê n c ia a b s o l u ta e c o n d ic io n a l, 91. S éries a lte r n a d a s e c o n v e rg ê n c ia c o n d i­
c io n a l, 92. E x e rc íc io s, 94. N o ta s h is tó ric a s e c o m p le m e n ta re s , 94. A o rig e m
d a s sé rie s in f in ita s , 94. A d iv e rg ê n c ia d a série h a rm ô n ic a , 95. N ic o le O re sm e
e a sé rie d e S w in e sh e a d , 96. C a u c h y e as séries in fin ita s , 97.

C apítulo 4: F unções , L im ite e C ontinuidade 99

O c o n c e ito d e fu n ç ã o , 99. T e rm in o lo g ia e n o ta ç ã o , 100. V á rio s ti p o s d e


fu n ç ã o , 102. E x e rc íc io s, 103. S u g estõ e s e so lu çõ es, 104. L im ite e c o n ­
tin u id a d e , p r im e ir a s d efin içõ es, 105. A s d efin içõ es d e lim ite e c o n tin u id a d e ,
106. P r o p r ie d a d e s d o lim ite , 107. E x ercício s, 111. S u g e s tõ e s e so lu ç õ e s,
112. L im ite s la te r a is e fu n çõ es m o n ó to n a s, 113. L im ite s in fin ito s e lim ite s
n o in fin ito , 114. A s d e s c o n tin u id a d e s d e u m a fu n çã o , 117. E x e rc íc io s , 120.
S u g e stõ e s e so lu ç õ e s, 121. O te o r e m a do v alo r in te rm e d iá rio , 122. E x e rc íc io s,
124. S u g e s tõ e s , 125. N o ta s h is tó ric a s e c o m p le m e n ta re s , 125. O in íc io d o
rig o r n a A n á lis e M a te m á tic a , 125. O te o re m a d o v a lo r in te r m e d iá r io , 128.
W e ie rs tra s s e o s f u n d a m e n to s d a A n á lise, 129. C a rl F rie d ric h G a u s s (1 7 7 7 ­
1855), 129. .

C a pítulo 5: S e q ü ê n c i a s e S éries de F unções 131

In tr o d u ç ã o , 131. S e q ü ê n c ia s d e fu n çõ es, 132. C o n v e rg ê n c ia sim p le s e c o n ­


v e rg ê n c ia u n ifo rm e , 132. E x e rc íc io s, 135. S u g e stõ e s e so lu ç õ e s, 136. C on­
s e q ü ê n c ia s d a c o n v e rg ê n c ia u n ifo rm e , 137. S éries d e fu n çõ e s, 139. E x e rc íc io s,
141. S u g e s tõ e s e so lu çõ es, 142. S éries de p o tê n c ia s , 143. R a io d e c o n ­
v e rg ê n c ia , 144. P r o p r ie d a d e s d a s séries de p o tê n c ia s , 145. E x e rc íc io s, 147.
S u g e stõ e s, 148. A s fu n ç õ es trig o n o m é tric a s , 148. E x e rc íc io s, 150. S u g e s­
tõ e s , 150. N o ta s h is tó ric a s e c o m p le m e n ta re s, 150. A s sé rie s d e p o tê n c ia s ,
150. L a g ra n g e e a s fu n ç õ es a n a lític a s , 151. A c o n v e rg ê n c ia u n ifo rm e , 152. A
a r itm e tiz a ç ã o d a A n á lis e , 152.

B ibliografia R ecomendada 153


Capítulo 0

P R E L IM IN A R E S DE LÓGICA1

As noções e le m e n ta re s de L ógica que exporem os a seguir são im p o rta n te s n a


linguagem m a te m á tic a , p a rtic u la rm e n te em A nálise. M as n ão p en se o le ito r q u e
se ja preciso fa zer u m c u rso de L ógica p a ra e stu d a r M a te m á tic a . Isso n ão é, em
ab so lu to , n ecessário , n em m esm o p a ra q uem faz m e strad o o u d o u to ra d o . E m
verdad e, as noções d e L ó g ica d a d a s aq u i co stu m am ser a p re n d id a s n a tu ra lm e n te ,
d u ra n te o p ró p rio e s tu d o d a M a te m á tic a .
L ógica e F u n d a m e n to s d a M a te m á tic a são disciplinas m u ito esp ecializ ad as,
qu e fo rm am u m c a m p o d e e stu d o s d e g ra n d e im p o rtâ n c ia em M a te m á tic a e
E p iste m o lo g ia 2. M as, no e stu d o de o u tra s disciplinas m a te m á tic a s — A n álise,
em p a rtic u la r — b a s ta m os p o u co s ru d im e n to s que darem o s n este c a p ítu lo .

P ro p o s iç õ e s e te o r e m a s

P roposição sign ifica q u a lq u e r afirm ação , v e rd ad eira ou falsa, m as que faç a se n ­


tid o . P o r exem plo , são pro p o siçõ es as trê s afirm ações seguintes:

A ) Todo n ú m ero p rim o m a io r do que 2 é ímpar.


B ) A so m a dos ângulos in te rn o s de qualquer triângulo é 180°.
C) Todo n ú m e ro ím p a r é prim o .

O bserve que d essas tr ê s prop o siçõ es, a s d u as p rim eiras são v e rd a d e ira s, m a s a
te rc e ira é falsa, p o is 9, 15, 21, e tc ., são n ú m ero s ím p ares q u e n ão são p rim o s.
U m teorem a é u m a p ro p o sição v erd a d e ira do tip o “P im p lica Q ” , o n d e P e
Q tam b ém são prop o siçõ es. E screve-se, sim bolicam ente, “P => Q ” ,-q u e ta n to
se lê “P im p lica Q ” , com o “P a c a rr e ta Q ’\ ou “Q é co n seq üên cia de P " . P é
a hipótese e Q é a tese do teo re m a. P o r exem plo, a pro po sição A a cim a é um
te o rem a , qu e p o d e se r esc rito n a fo rm a D => E , onde D e E são as proposições:

D ) n é u m n ú m ero p rim o m a io r do que 2.

1Veja tam bém o artigo de Gilda Palis e Iaci Malta, na RPM 37. Para o leitor que ainda
não sabe, RPM significa R evista do Professor de Matemática, uma publicação da SBM (So­
ciedade Brasileira de M atem ática). Essa revista pode ser assinada, e seus números atrasados
adquiridos, escrevendo para a Caixa Postal 66281, CEP 05428-999 São Paulo, SP.
2Veja, no final do capítulo 1, as notas sobre Fundamentos.
2 C a p ítu lo 0: P r e lim in a r e s

E ) n é u m n ú m e r o im p a r.

O u tr o e x e m p lo d e te o r e m a :
a c a + c
S e d u a s fr a ç õ e s a /b e c / d sã o ig u a is, e n tã o — = — = --------.
b d b+ d
E sse m e sm o te o r e m a p o d e ta m b é m se r e sc rito assim :

a c ac a + c
b d bd b+ d

C h a m a -s e L e m a a u m te o r e m a p r e p a r a tó r io p a r a a d e m o n s tra ç ã o d e o u tr o
te o re m a . C o rolá rio é u m te o r e m a q u e se g u e com o c o n se q ü ê n c ia n a tu r a l d e o u tr o .
M u ito s a u to r e s u tiliz a m a p a la v r a “p ro p o s iç ã o ” p a r a d e s ig n a r os te o r e m a s
d e u m a c e r ta te o r ia , re s e r v a n d o a p a la v r a “te o r e m a ” p a r a a q u e le s re s u lta d o s
q u e d e v e m se r r e s s a lta d o s c o m o os m a is im p o rta n te s .

C o n d iç ã o n e c e s s á r ia e s u f ic ie n te

N um te o r e m a “P => Q ” , d iz -s e q u e a h ip ó te s e P é u m a co n d içã o s u fic ie n te d e


Q (su fic ie n te p a r a a v a lid a d e d e Q ), o u q u e a te s e Q é c o n d içã o n e c e ss á ria d e
P . A ssim , co m re fe rê n c ia à s p ro p o s iç õ e s a tr á s , D é c o n d iç ã o su fic ie n te p a r a q u e
E se ja v e rd a d e ira , e E é c o n d iç ã o n e c e s s á ria d e D ; q u e r d iz e r, v a le n d o D , te m
d e v a le r E , o u se ja , é n e c e s s á rio v a le r E . ..
A recíproca d e u m te o r e m a P => Q é a p ro p o s iç ã o Q => P , q u e ta m b é m se
e screv e P <= Q . A re c íp r o c a d e u m te o r e m a p o d e o u n ã o s e r v e rd a d e ira . P o r
e x e m p lo , a re c íp ro c a d o te o r e m a “to d o n ú m e ro p rim o m a io r do q u e 2 é ím p a r ”
é “to d o n ú m e ro ím p a r é p r im o m a io r d o q u e 2” . Is to é falso, p o is n e m to d o
n ú m e ro ím p a r é p rim o . C o m o e x e m p lo d e te o r e m a c u ja re c íp ro c a é v e r d a d e ir a
c o n sid e re o te o r e m a d e P it á g o r a s :

S e A B C é u m tr iâ n g u lo re tâ n g u lo e m B , e n tã o A C 2 = A B 2 + B C 2.

S u a re c íp ro c a ta m b é m é v e r d a d e ir a , e a ss im se e n u n c ia :

S e A B C é u m tr iâ n g u lo , c o m A C 2 = A B 2 4- B C 2, e n tã o A B C é re tâ n g u lo
em B .

Q u a n d o a re c íp ro c a d e u m te o r e m a é v e rd a d e ira , esc re v e m o s o te o r e m a ,
ju n ta m e n te co m s u a re c íp ro c a , n a fo r m a P «=> Q . N e ste caso , q u a lq u e r u m a d a s
p ro p o siç õ e s P e Q é ao m e s m o te m p o n e c e s s á ria e su fic ie n te p a r a a v a lid a d e d a
o u tr a .
O b se rv e q u e P => Q é o m e s m o q u e “vale Q se v aler P ” ; o u a in d a , “v ale P
so m e n te se v a le r Q ” . P o r isso é c o s tu m e e n u n c ia r u m te o r e m a co m s u a re c íp ro c a ,
P Q , d iz e n d o “P se e s o m e n te se Q " . P => Q é a p a r te 11P s o m e n te se Q " , e
Q => P é a p a r t e “v ale P se v a le r Q ”, p ro p o s iç ã o e s ta q u e ta m b é m c o s tu m a se r
C apítulo 0: P relim in ares 3

e sc rita m ais a b re v ia d a m e n te n a fo rm a “P se Q ” . N ote ain d a que a p ro p o sição


P <4- Q significa q u e P e Q são p roposições equivalentes.
No caso do te o re m a d e P itá g o ra s , p o d em o s ju n ta r o te o re m a e su a rec íp ro c a
num só e n u n cia d o , d a s d iv ersas m a n eiras seguintes:

A condição n ecessária e su fic ien te para que um triângulo A B C seja retângulo


em B é que A C 2 = A B 2 + B C 2;
Seja A B C u m triângulo. E n tã o , A B C é retângulo em B <=>■ A C 2 = A B 2 +
B C 2; ,
Um triângulo A B C é retângulo em B se e so m en te se A C 2 = A B 2 + B C 2.

D o is p r i n c í p i o s d e L ó g i c a

A negação d e u m a p ro p o siç ã o A se rá d e n o ta d a p o r i4. P o r exem plo, a n eg ação


d a prop o sição “to d o n ú m e ro p rim o é ím p a r” ta n to p o de ser “n em to d o n ú m ero
prim o é ím p a r” , o u “e x iste u m n ú m e ro p rim o que n ão é ím p a r” , o u a in d a “ex iste
um nú m ero p rim o p a r ” .
E sta s d u a s ú ltim a s fo rm a s são preferíveis à p rim eira p o r serem afirm a tiv a s.
A negação d a pro p o sição “to d o hom em é m o rta l” é “nem to d o hom em é m o r ta l” ;
m as, em fo rm a a firm a tiv a , deve ser “ex iste u m hom em im o rta l” . C om o verem os,
o p o rtu n a m e n te , em nosso e stu d o d e A nálise, nem sem pre é fácil co n stru ir, a
negação de u m a p ro p o sição . (V eja, p o r exem plo, o E xerc. 18 d a p. 55.)
0 ;princípio da n ão contradição afirm a que u m a pro p o sição n ão p o d e ser
v erd ad eira ju n ta m e n te com su a negação. E m o u tra s p alav ras, se u m a p ro p o sição
A for v e rd a d e ira , s u a n eg ação A n ã o p o d e se r verdadeira.

O ch am a d o p rin c íp io do terceiro excluído afirm a que q u alq u e r p ro p o sição A


é v e rd ad e ira o u falsa. E m o u tr a s p a la v ra s, o u A é v erd ad eira, ou A é v e rd a d e ira ,
não sendo possível u m a te rc e ira a lte rn a tiv a .

C o n tra p o s iç ã o

O bserve que um te o re m a “A =4> B " n ão é equivalente nem im p lica “A => B " .


P o r exem plo, o te o re m a “Se x é u m n ú m ero real, en tão x < 0 => x 2 > 0” é
v erdadeiro, m a s n ão im p lic a n e m é eq u iv alen te a "‘x > 0 => x 2 < 0 ” .
T odavia, é v e rd a d e (com o p ro varem o s logo a seguir) que “A => B ” é e­
q u ivalen te a “B =s> A " . E s ta ú ltim a p ro p o sição é c h am ad a a contraposição ou
proposição contraposta à p ro p o siç ão “A => B " .

T e o r e m a . S e ja m A e B duas proposições, E n tã o , (A => B ) (B =$■ A ).

D em onstração. F arem o s p rim e iro a d e m o n straç ão no sen tid o =>. P a r a isso,


nossa h ip ó tese é que A => B , isto é, que “se A for v erd ad eira, B ta m b é m é” ;
querem os p ro v ar q u e “se B for v e rd a d eira, A tam b ém é” . E n tã o , com eçam os
4 C a p ítu lo 0: Prelim inares

s u p o n d o B v e rd a d e ira . O ra , se A n ã o fo sse v e r d a d e ir a , p e lo p rin c íp io d o te rc e iro


e x c lu íd o , A s e r ia v e rd a d e ira ; e p e la h ip ó te s e d o te o r e m a (A => B ) , B s e r ia
v e rd a d e ira . M as, p e lo p rin c íp io d a n ã o c o n tr a d iç ã o , n ã o p o d e m o s a c e ita r is to
( v is to q u e e sta m o s s u p o n d o B v e r d a d e ir a ) . E n tã o , n ã o p o d e m o s ta m b é m a c e ita r
q u e A n ã o s e ja v e rd a d e ira , d o n d e , A é v e r d a d e ir a , o q u e c o n c lu i a d e m o n s tra ç ã o
d e s e ja d a d e q u e B => A .
F in a lm e n te , te m o s d e p ro v a r a r e c íp r o c a , is to é, a im p lic a ç ã o •£=, v ale d iz e r,
(B => A ) => (A => B ) . M a s is to d e c o rr e d o q u e a c a b a m o s d e p ro v a r. D e fa to ,
tr o c a n d o A p o r B e B p o r A e m (A =S> B ) => (B => A ) o b te m o s e x a ta m e n te (B
=> Ã ) => (A => B ) .

U m a a p lic a ç ã o

A c o n tra p o s iç ã o é f r e q ü ê n te m e n te u s a d a e m d e m o n s tra ç õ e s . V am o s d a r u m
e x e m p lo d isso , p rim e iro p ro v a n d o , p o r d e m o n s tr a ç ã o d ir e ta , q u e “o q u a d ra d o
d e u m n ú m e ro p a r ta m b é m é p a r ” . D e f a to , n ú m e r o p a r é to d o n ú m e ro n d a
fo rm a n = 2 k , o n d e k é u m in te iro . E n tã o , n 2 = 4 k 2 = 2 (2 k 2), q u e é d a fo rm a
2 k ' , o n d e k ' é o in te iro 2 k 2 . Is to c o m p le ta a d e m o n s tr a ç ã o d o te o re m a .
C o n sid e re m o s a g o ra o te o r e m a : “se o q u a d r a d o d e u m in te iro n for ím p a r,
e n tã o n ta m b é m s e rá ím p a r ” . P o d e m o s p r o v a r e s te te o r e m a d ir e ta m e n te , m a s
is to é d esn e c e ssá rio ; b a s t a o b s e r v a r q u e e le é o c o n tr a p o s to d o te o r e m a a n te rio r,
j á q u e a s p ro p o s iç õ e s “n é p a r ” e “n é ím p a r ” sã o a n e g a ç ã o u m a d a o u tr a .

D e m o n s tra ç ã o p o r a b s u rd o

A s c h a m a d a s d e m o n str a ç õ e s p o r re d u ç ã o ao ab su rd o, o u s im p le sm e n te d e m o n s ­
tra ç õ e s p o r absurdo, se g u e m u m r o te ir o p a r e c id o c o m o d a s d e m o n s tra ç õ e s p o r
c o n tr a p o s iç ã o . P a r a p ro v a r q u e A => B c o m e ç a m o s s u p o n d o A v e rd a d e ira e
B fa ls a ( e s ta ú ltim a é a c h a m a d a “h ip ó te s e d o ra c io c ín io p o r a b s u r d o ” , u m a
su p o s iç ã o a p e n a s te m p o r á r ia , a té c h e g a rm o s a u m a c o n tr a d iç ã o , u m a b su rd o .
S o m o s e n tã o fo rça d o s a re m o v e r a h ip ó te s e d o ra c io c ín io p o r a b s u rd o e co n c lu ir
q u e B é v e rd a d e ira ).
C o m o a p lic a ç ã o , v a m o s d e m o n s tr a r o te o r e m a m e n c io n a d o a tr á s , d e q u e
N u m p la n o , p o r u m p o n to fo r a de u m a re ta n ã o se p o d e tr a ç a r m a is que u m a
p e r p e n d ic u la r à reta dada. V im o s q u e e sse te o r e m a se e sc rev e n a fo rm a A => B ,
o n d e A e B sã o as p ro p o siç õ e s:

A : N u m p la n o é dada u m a reta r e u m p o n to P tfL r .


B : N o p la n o dado nã o e x is te m a is q u e u m a reta s p e rp e n d ic u la r a r , ta l que
P 6 s. ■

A n e g a ç ã o d e B é q u e e x is te m a is q u e u m a p e rp e n d ic u la r ; o ra , p a r a a firm a r
C a p ítu lo 0: P relim inares 5

isto, b a s ta su p o r q u e e x ista m d u a s. assim :

B: N o plano dado existem duas retas d istin tas, s e t, perpendiculares a r,


tais que P € « e P € t.
V am os pro v ar q u e essa p ro p o siç ã o nos leva a u m ab su rd o . C om efeito, sejam
S e T os p o n to s de in terseção d e s e f com a r e ta r (faça a figura), sendo que esses
p o n to s são d istin to s, o u s c 1 não se ria m d is tin ta s. O ra , os ângulos em S e T
são to d o s retos; m as isto é a b su rd o , sen ão a so m a dos ân gu lo s do triân g u lo P S T
seria m aio r do que 180°. C oncluím os, p ois, q u e a p ro p o sição B é v erd adeira.
Capítulo 1

N Ú M E R O S R E A IS

C om o o p rim e iro alicerce de um curso de A nálise é o co n ju n to do s n ú m ero s reais,


é co n v en ie n te iniciarm os nosso e stud o com a co n sideração de a lg u m a s questões
so bre esses n ú m ero s. P o rta n to , n este cap ítu lo reco rd a re m o s in ic ia lm e n te ce rtas
p ro p rie d a d e s dos n ú m ero s reais; e, a p a rtir d a p. 19, co m eçan d o com o conceito
de “g ra n d e z a s in co m en su rá v eis” , explicarem os com o R ic h a rd D ed e k in d fez u m a
c o n stru ç ã o rig o ro sa dos n ú m ero s reais, p ressu p o n d o os racio n ais.

N ú m e r o s ra c io n a is e r e p r e s e n ta ç ã o d e c im a l

C om o d e co stu m e , d en o ta re m o s com N o co n ju n to dos n ú m e ro s n a tu ra is (in­


teiro s p o sitiv o s)1, com Z o co n ju n to dos inteiros (po sitiv o s, n e g ativ o s e o zero),
com Q o c o n ju n to dos n ú m ero s racion ais e com R o dos n ú m e ro s reais.
C om o o le ito r b e m sa b e , os n úm eros racio n ais c o stu m a m se r rep re se n tad o s
p o r frações o rd in á ria s, rep rese n tação essa que ó ú n ic a se to m a rm o s as frações
em fo rm a irre d u tív e l e com d en o m in ad ores positivos.
V am os c o n sid e ra r a conversão d e frações o rd in á ria s em d ecim ais, com vistas
a e n te n d e r quando, a decim al re su lta ser fin ita ou p erió dica.
C om o sab em o s, a conversão de u m a fração o rd in á ria em d ecim al se faz
d iv id in d o -se o n u m e ra d o r pelo den om in ad o r. Se o d e n o m in a d o r d a fração em
fo rm a irre d u tív e l só con tiv er os fatores prim os de 10 (2 e /o u 5), a decim al resul­
ta n te s e rá sem p re finita; e é assim p o rq u e p o d em os in tro d u z ir fa to re s 2 e 5 no
d e n o m in a d o r em n ú m ero suficiente p a ra fazer esse d e n o m in a d o r u m a p o tên cia
de 10. E xem p los:
3 2x3 6
- = — = 0, 6; •
5 2x5 10

41 41 41 x 5 205
2,0 5 ;
20 22 x 5 22 x 52 100

1Esses números chamam-se “naturais” justamente por surgirem “naturalm ente” em nossa
experiência com o mundo físico, já nos primeiros anos da infância. D este ponto de vista,
“zero” está longe de ser um número natural. Aliás, levou muito tem po para os matemáticos
concederem ao zero o status de número. No entanto, é freqüente o aluno perguntar: “Professor,
zero é número natural?” Isto ocorre porque certos autores incluem o zero entre os naturais.
Nada de errado nisso, é apenas uma convenção, que os algebristas principalmente preferem
fazer, por ser conveniente em seu trabalho. Coisa parecida acontece com a exclusão do número
1 como número primo, sim plesmente porque isso é conveniente em teoria dos números.
C a p ítu lo 1: Os n ú m e ro s reais 7

63 — ______
__ 63 — _______
63 x 5 2 _ 1
40 2a x 5 2:i x 5:i ’ .
Vem os, p o r esses exem plos, que um a fra çã o o rd in ária em fo r m a irredutíveP
se. tra n sfo rm a em decim al fin ita se seu d e n o m in a d o r não contem outros fatores
■primos além de 2 e 5.
O que acontece se o d e n o m in ad o r d e u m a fraçã o irre d u tív e l co n tiv er algum
fa to r prim o d iferente de 2 e 5? C o n sid erem o s o ex em p lo d a conversão de 5 /7
em decim al, ilu stra d a abaixo. N a p rim e ira d iv isão (d e 50 p o r 7), obtem os o
re sto 1 ; depois, nas divisões segu in tes, vam os o b te n d o , su cessiv am en te, os restos
3, 2, 6 , 4 e 5. No m om ento em que o b te m o s o re s to 5, que já o co rreu antes,
sab em o s q ue os algarism os do q u o cien te v o lta rã o a se re p e tir, resu lta n d o 110
p e río d o 714285. E ssa rep etiç ã o a c o n te c e rá c e rta m e n te , pois os possíveis restos
d e q u a lq u e r divisão p o r 7 são 0, 1, 2, 3, 4, 5 e 6 . V em os ta m b é m que o período
te r á no m áxim o seis algarism os.

5 , 0 0 0 0 0 0 0 0 LI_______________
10 0 ,7 1 4 2 8 5 7 1 . . .
30
20
60
40
50
10

E ste ú ltim o exem plo e os an terio res nos p e rm ite m con clu ir q u e toda fração
irredutível p /q , quando convertida à fo r m a decim al, resulta n u m a decim al fin ita
ou periódica, ocorrendo este ú ltim o caso se 0 d e n o m in a d o r q co n tiver algum
fa to r p rim o diferente de 2 e 5.

N ú m e r o s ir ra c io n a is

P o d em o s co nceb er núm eros c u ja re p re se n ta ç ã o d ecim al não é n em fin ita nem


p eriód ica. E sses são os cham ados n ú m ero s irra cio n a is. M ais a d ia n te falarem os
so b re a c o n stru ç ão rigorosa desses n ú m ero s. P o r e n q u a n to vam os ap e n a s a d m itir
a ex istê n cia deles e ex am in ar alg u m as co n seq ü ên cias in teressan te s.
E fácil p ro d u z ir núm eros irracion ais; b a s ta in v e n ta r u m a re g ra de form ação
que n ão p e rm ita a p arecer período. E xem plos:

0, 20 200 2000 20000 . . . ; 0, 3-5 355 3-555 35555 . . . ;

2Observe que a fração tem de ser considerada na sua forma irredutível. Por exemplo. 63/40
pode ser escrita na.forma redutível 189/120, e agora o denominador contém o fator primo 3.
8 C a p ítu lo 1: O s n ú m e ro s reais

0 ,1 7 1 1 7 7 1 1 1 7 7 7 1 1 1 1 7 7 7 7 ...
U m exem plo im p o rta n te d e n ú m e ro irracio n al é o conhecido n ú m e ro ir, d a d o
aq u i com su a s p rim e ira s 30 casas decim ais:

7r — 3,141592653589793238462643383279. . .

O fato de n ão v erm o s p e río d o nas aproxim ações de ir, p o r m ais que a u m e n te ­


m os essas a p ro x im açõ es, n ã o p ro v a qu e 7r seja irracio n al, pois é concebível que
o p erío d o te n h a m ilhões, bilhões, trilh õ e s de algarism os — ou m ais! S ab em o s
que 7r é irra c io n a l p o rq u e is to p o d e ser dem onstrado rig o ro sam en te, assim com o
se d e m o n s tra q u e a so m a dos ângulos d e q u alq u er triâ n g u lo s é 180°.

y/ 2 é n ú m e r o i r r a c i o n a l
P arec e q u e o p rim e iro n ú m e ro irracio n al a ser desco b erto foi \/2 . E m g eral, é
difícil sa b e r se u m d a d o n ú m e ro é irra cio n al ou não, com o é o caso do n ú m e ro ir,
c u ja d e m o n stra ç ã o de irra c io n a lid a d e n ão é sim ples. B em m ais fácil é d e m o n s tra r
que o n ú m e ro \P Í é irra c io n a l. V am os fazer essa d em o n straç ã o ra c io c in a n d o p o r
a b su rd o . Se %/2 fosse racio n a l, h a v eria dois inteiros po sitiv os p e q, ta is que
v^2 = p / q , sen d o p /q u m a fração irred u tív el, isto é, p e q p rim o s e n tre si, ou
seja, eles. não tê m d iv iso r co m u m m a io r do que 1. E levando essa ig u a ld a d e ao
q u a d rad o , o b tem o s 2 = p 2 / q 2, d o n d e

p 2 = 2 q2 . (1.1)

Isso m o s tra q u e p 2 é p a r, d o n d e concluím os que p ta m b é m é p a r (se p fosse


ím p ar, p 2 se ria ím p a r), dig am os p = 2 r, com r inteiro. S u b stitu in d o n a E q.
( 1 . 1 ), obtem os:
4 r 2 = 2q2, ou q 2 = 2 r2.
D aq ui concluím os, com o n o caso de p, q u e o núm ero q ta m b é m deve se r p ar.
Isto é a b su rd o , p o is e n tã o p e q são am b o s divisíveis p o r 2 e p /q n ão é fra çã o
irred u tív el. O a b su rd o a q u e chegam os é conseqüência d a h ip ó tese q u e fizem os no
início, de q u e \Í 2 fosse racio n al. Som os, assim , forçados a a fa s ta r essa h ip ó te se
e concluir que V 2 é irra c io n al.

1 .1 . O b s e r v a ç ã o . A d e m o n stra ç ã o que acab am os de fazer é, n a v e rd a d e ,


ap e n a s a d e m o n s tra ç ã o de q u e n ão ex iste núm ero racion al cujo q u a d ra d o se ja 2 .
A firm ar que \ / 2 é u m n ú m e ro irra c io n al só é possível no p re ssu p o sto de q u e já
e stejam o s d e posse d o s n ú m e ro s irracio n ais, m as isto req u er a c o n stru ç ã o lógica
desses n ú m ero s. V am os nos o c u p a r d e ste p ro b lem a a p a rtir d a p. 29.

N ú m e ro s re a is

N úm ero real é to d o n ú m e ro que é racio n a l ou irracional. O bserv e qu e os n ú m ero s


C a p ítu lo 1: Os n ú m ero s reais 9

n a tu r a is e os n ú m ero s inteiros são casos p a rtic u la re s cie n ú m ero s racion ais, de


fo rm a q u e q u a n d o dizem os que u m n ú m ero é racio n al, fica a b e r ta a p ossibilidade
d e ele ser u m n ú m ero inteiro (positiv o ou neg ativ o ) o u sim p lesm en te u m núm ero
n a tu ra l.
A to ta lid a d e dos núm eros racio n ais, ju n ta m e n te com os irracio n ais é o
c h am a d o c o n ju n to dos núm eros reais. ,

E x e rc íc io s
1. Prove que a dízima periódica 0 , 2 3 2 3 2 3 ... é igual a 23/99.

Reduza à forma de fração ordinária as dízimas periódicas dos Exercs. 2 a 10.

2. 0 ,7 7 7 ... 3. 1 ,6 6 6 ... 4. 0 ,1 7 0 1 7 0 ...

5. 1 ,2 7 2 7 ... 6. 0 ,3 4 3 3 4 3 ... 7. 0 ,2 7 0 2 7 0 ...

8. 2 1 ,4 5 4 5 ... ^ 9. 3 ,0 2 0 2 ... 10. 5 ,2 1 2 1 ...

11. Estabeleça a seguinte regra: toda dízima periódica simples ( “sim ples” quer dizer que o
período começa logo após a vírgula) é igual a. urna fração ordinária, cujo numera dor c
igual a u m período e cujo denominador é constituído de tantos 9 quantos são os ,<
algarismos
do período.
12. Prove que a dízima periódica 0, 21 507 5Ó7 . . . e igual a
2 1 5 0 7 - 21 21486 3581
99900 “ 9990 “ 1655'

Reduza à forma de fração ordinária os números decimais dos Exercs. 13 a 16.


13. 0 ,3 7 7 . . . 14. 0 ,2 05 0 5 . .. 15. 3 ,2 6 6 . . . 16. 0 ,0 0 0 2 7 2 7 ...
17. Prove que \/3 é irracional.
18. Prove que y/p é irracional, onde p > 1 é um número primo qualquer.
19. Prove que, se p e q forem números primos distintos, então yfpq é irracional.
20. Prove que, se p i , . . . , pr forem números primos distintos, então y / p i . . . pr é irracional.
21. Se a e b são números irracionais, é verdade que (a + b )/2 é irracional? Prove a veracidade
dessa afirmação ou dê um contra-exemplo, mostrando que ela é falsa.
22. Prove que a soma ou a diferença entre um número racional e um número irracional é
um número irracional. Mostre, com um contra-exemplo. que o produto de dois números
irracionais pode ser racional.
23. Prove que o produto de um número irracional por um número racional diferente de zero é
um número irracional.
24. Prove que se r for um número irracional então l / r também o será.
25. Prove que s e i e i / forem números irracionais tais que x 2 — y 2 seja racional não-nulo,então
x + y e x — y serão ambos irracionais. Exemplo: \/3 -f \/2 e \/3 — \/2 .
26. Prove que, se p i , . . ., pr forem números primos distintos, então y / p \ l • • • Prré irracional se
algum dos expoentes s i . . . , s r for ímpar.
10 C a pítulo 1: Os n ú m e ro s reais

27. Prove que um número N é quadrado perfeito se e somente se todos os fatores primos de N
comparecem em N com expoentes pares.

28. Prove que um número que não seja quadrado perfeito, tampouco terá raiz quadrada
racional.

R e s p o s ta s , s u g e s tõ e s e s o lu ç õ e s

1. Seja x = 0 ,2 3 2 3 2 3 ... Então,

100z = 2 3 ,2323 . . . , donde 100x = 23 + x, donde 99x = 23, donde x = 23/99.

3. 1 + 6 /9 = 5/3.
9. 3 + 2/99.
11. Seja x = 0, a ia 2 . . . a r aia .2 . . . a r . . . um a dízima periódica simples, cujo período possui os r
algarismos a i, a i ........ a r. M ultiplicando ambos os membros da igualdade por 10r, obtemos:

10 rx = a 102 . . . ar + x donde ( 1 CT — l ) x — a.ia.2 ■■■ar , donde x = -

Isso estabelece a regra formulada, pois 10r — 1 é um número formado de r algarismos 9:

se r = 3, 10r - 1 = 999; se r. = 4, H f - 1 = 9999 etc.

1 2 .1 = 0,21507507... donde lOOx = 21 + 0 , 5 0 7 5 0 7 . . . . donde .

... 507 21 x 999 + 507 21(1000 - 1) + 507 21507 - 21


lUUa.' = 21 H------- = ----------------------- = --------------------------- = ----------------.
999 999 999 999

, , 21507-21 21486
donde x = —----- --------- = -------- .
99900 99900
3581
Dividindo numerador e denominador por 6, obtemos, finalmente, x = ■_.
’ 16650
15. Seja x = 3 , 2 6 6 . .. Então, lOx = 32 + 2 /3 = 9 8 /3 , donde x = 98/30 = 49/15.
18. A resolução deste exercício e do exercício anterior utiliza o mesmo raciocínio do texto no
caso de y/2. Se y p fosse racional, teriamos y/p = m / n , com m e n primos entre si. Então,
p ~ m 2/ n 2, donde m 2 — p n 2. Isso m ostra que m 2 é divisível por p\ logo, m também
é divisível por p, ou seja, m = r p t com r inteiro. Daqui e de m “ = pn" segue-se que
r2p 2 = p n 2, donde n2 = pr2, significando que n também é divisível por p. Mas isto é
absurdo, senão m e n seriam ambos divisíveis por p e m / n não seria fração irredutível. O
absurdo a que chegamos é conseqüência da hipótese inicial de que y/p fosse racional. Somos
assim forçados a afastar esta hipótese e concluir que y/p é irracional.

21. Afirmação falsa. B asta tomar a = 10 + \/2 e 6 = —\/2 , que são números irracionais. No
entanto, (a + 6 )/2 = 5, que é racional.
22. Sejam a um número racional e a um número irracional. Se x = a + a fosse racional, então
q = x — a seria racional (por ser a diferença de dois racionais), o que é absurdo. Assim,
concluímos que a + a é irracional. Prove, do mesmo modo, que a — a e c x — a são irracionais.
23. Sejam a irracional e a / 0 racional. Se x = a a fosse racional, o mesmo seria verdade de
a = x /a , o que é absurdo.
C a p ítu lo 1: O s n ú m e ro s reais 11

25. Lembramos que (x 4- y ) ( x — y) — x 2 — y 2. Se um dos /fól'fatores, digam os, x + y, fosse


racional, então x —y também o seria, pois x — y = ( x 2 — y 2) / ( x + y )• Então, x e y também
seriam racionais, pois

(x + y) + (x - y) (x + y ) ~ ( x - y)
X = ----------- - ----------- e V = -------------------------.
2 ■ 2

O leitor deve repetir o raciocínio supondo a: —y racional. ,


26. Sugestão: Suponha que os expoentes s i , . . . s i sejam ímpares e os dem ais são pares. Pelo
exercício anterior, y / p i . .. pi é irracional.

N o ç õ e s s o b re c o n ju n to s

C o le ta m o s a q u i as noções básicas de co n ju n to s que serão u tiliz a d a s em nosso


estu d o . V á ria s delas, c e rtam en te, já são do co n h ecim en to d o leito r. T odos os
c o n ju n to s so b consid eração serão co njuntos de n ú m ero s reais, is to é, subconjuntos
de R .
A n o ta ç ã o “x G A ” significa que x é um elem ento de /I e se lê “x pertence a
A ”. A neg ação d isto é “x ^ A . Q uando to d o elem ento de A é ta m b é m elem ento
de B , dizem os que A é um subconjunto de B , ou que “^4 e s tá incluso em B ” ,
e a n o ta ç ã o é “A C B ”. O bserve que p odem os te r sim u lta n e a m e n te A C B e
B C A , isto significando igualdade de co njuntos, qu e se escreve “A = B ” . Diz-se
que A é u m subconjunto próprio de B se A C B , p o rém A 7^ B , isto é, existe
alg u m e lem en to de B que não e stá em A .
D ad o s dois co n ju n to s A e B , define-se a união  U B com o o co n ju n to de
to d o s os elem en to s qu e estão em pelo m enos um dos c o n ju n to s /I e B , com o
ilu s tra o d ia g ra m a d a Fig. 1.1a; a interseção A H B é d efin id a com o o co n ju n to
de to d o s os elem en to s q ue estão em A e em B s im u lta n e a m e n te (F ig. 1.1b).
P o d e ac o n te c e r qu e A e B não te n h a m elem entos co m u n s, em cujo caso
A n B n ã o te r ia significado. E xceções com o essa são e v ita d a s co m a in tro d u ç ã o
do co n ju n to vazio, in d icad o com o sím bolo </>■, ele é o c o n ju n to qu e n ão tem
e lem en to algum .

E s p e c if ic a ç ã o d e c o n ju n to s

U m c o n ju n to p o d e ser definido p ela sim ples listagem de seus elem en to s e n tre


chaves ou p e la especificação de u m a p ro p ried ad e que c a ra c te riz e seus elem entos.
A ssim ,

A = {1, 3, 5, 7}

é o c o n ju n to dos q u a tro núm eros ím pares de 1 a 7;


12 C a p ítulo 1: Os n ú m ero s reais

é o c o n ju n to dos n ú m ero s inteiros;

4 = { i 6 R : x 2 — 4 x + 3 > 0}

é o co n ju n to dos núm ero s reais o n d e o trin ô m io x 2 — 4x + 3 > 0 é positivo, que


é o m esm o que o co n ju n to dos n ú m e ro s q u e ja z e m fora do in terv alo das raízes,
ou seja,
/l = { x £ R; x < 1} U { x 6 R; x > 3}.
F req ü en tem en te, u m c o n ju n to p o d e ser d e sc rito de d iferentes m aneiras. P o r
exem plo, o co n ju n to dos n ú m ero s ím p a re s p o sitiv o s p od e ser d e scrito com o

{1, 3, 5, 7 , .. . } , o u {2n + 1 : n — 0, 1, 2, 3 . . .} ou {2n — 1 : n 6 N }

Q u an d o lidam os com su b c o n ju n to s d e u m m esm o co n ju n to X , entende-se


p o r co m plem enta r de u m c o n ju n to A, in d icad o pelo sím bolo A ° ou X — A ,
com o sendo o co n ju n to dos elem en to s de X q u e n ão e stã o em A , com o ilu stra o
d ia g ra m a d a Fig. 1.2a, isto é,

A c = X - A = {x € X : x A }.

E claro que X a = <l>e 4>c = X . O co m p le m e n ta r relativo de u m co n ju n to A em


relação a o u tro co n ju n to B , ilu stra d o n o d ia g ra m a d a Fig. 1.2b, é definido p o r

B — A — { x & B : x tf: X }.

D eixam os p a ra os exercícios a ta re fa de p ro v a r que B — A = B f l ^ 4 c e que


B C C ^ A -C C A -B .

P r o p r ie d a d e s g e ra is
D arem os a seguir u m a série de ig u ald a d e s e n tre co n ju n to s, as q u ais são dem ons­
tra d a s p rovando, em c ad a caso, que o p rim e iro m em b ro e s tá contido no segundo
e que o segundo e stá co n tid o no prim eiro:

A \J B = B U A \ A C\ B = B n i ; AU(BUC) = (iUB)UC;
C a p ítu lo 1: Os n ú m e ro s reais 13

(ci) (b)
Fig. 1.2

A n ( B n c ) = (/inB)nC: /l u( j j nc) = ( i u 5 ) n ( i u c);

An(BuC)=(/lnB)u(An C ).

A s c h a m a d a s leis de De M organ, n o caso de dois co n ju n to s A e B, afirm am


que .
{A U B )c = A c n B c e {A D B ) c = A c U B c,

ou seja, o co m p le m e n ta r da união é a interseção dos co m p lem en ta res e o com ­


p le m e n ta r da in terseçã o é a união dos com plem entares.

E x e rc íc io s

1. Prove que A U B = B U A , A U A = .-1 e que A n A = A.

2. Prove que A D B = B (1 A.

3. Prove que A U (B U C) = {A U B ) U C.

4. Prove que A n ( B D C) = {A D B ) 0 C.

5. Prove que A U ( B fl C ) = (A U B ) fl (.4 U C).

6. Prove que A n ( B U C ) = (A fl B ) U (.4 n C).

7. Prove que A c B < ^ A n B = A. Faça um diagrama ilustrativo.

8. Prove que B — A = B n A c. Faça um diagrama ilustrativo.

9. Prove as leis de De Morgan:

( A U B ) c = A C(~\BC e ( A r \ B ) c = A CU B C.

10. Prove que ( A — B ) D ( B — A ) = <j>. Faça um diagrama ilustrativo.

11. D ados dois conjuntos A e B , prove t|ue A = (A — B ) U (^4 fl B ).


14 C ap ítu lo 1: Os números reais

S u g e s tõ e s e so lu ç õ e s

1. Para mostrar que o primeiro membro está contido no segundo, seja x £ A U B . Então, ou
x 6 A, ou x £ B , ou ambos. Se x £ A, então x € B U A; e também , se x £ B , x tem de
estar em B U A. Fica assim provado que A U B c B U A . D o m esm o m odo prova-se que
B U A C A U B . Concluímos então que U B — B U A.
3. Seja x € A U ( B U C). Se x 6 A, então x 6 A U B , logo, x 6 ( A U B ) U C ; e s e i 6 B U C ,
há duas possibilidades a considerar: x € B ou x S C. x G B im plica x s A U B , logo,
x e (A U B ) U C ; e x e C também implica x 6 ( A U B ) U C. Fica assim provado que
A U ( B U C) C (A U B ) U C. A demonstração de que {A U B ) U C C A U ( B U C ) é
inteiramente análoga.
8. x G B — A ' t > x £ B e x q : A < $ - x £ B e x 6 A c < = > x Ç z B n A c. Isto significa que
i 6 B - i 4 # i ê B í 1 A c, ou seja, B — A = B fl A c.
9. X e ( A U B ) c x <£ A U B x $ A e x <£ B x e Ac e x e B c x e A c n B c.

C o n ju n t o s f in ito s e in fin ito s

0 e stu d o siste m á tic o dos conjuntos, que a c a b o u le v an d o a u m a te o ria ax io m ática


desse c am p o d e estu dos, com eçou com G eorg C a n to r (1 84 5-19 18 ), p o r v o lta de
1872. N essa épo ca, C a n to r estav a in ician d o su a c a rre ira profissional e se ocu­
p av a do e stu d o d a rep resen tação d e funções p o r m eio d e séries trig o n o m étrica s.
Is to fez com q ue ele investigasse os c o n ju n to s de p o n to s de d esco n tin u id ad e de
ta is funções, os m ais sim ples dos q u ais são c o n ju n to s com a p e n a s u m nú m ero
fin ito de p o n to s. M as o ap arecim en to de c o n ju n to s c a d a vez m ais com plica­
dos a c a b o u levando C an to r a inv estig ar C onjuntos in fin ito s em su a generalid ade.
N esse e stu d o ele in tro d u ziu um conceito sim p les, q u e logo se rev elaria d a m aio r
im p o rtâ n c ia — o conceito de equivalência de co nju n tos.
S egundo C a n to r, dois conjuntos são equivalentes, o u tê m a m e sm a cardinali-
dade, ou a m esm a potência, q u an d o é possível e sta b e le c e r u m a co rresp o n d ên cia
q ue leve elem ento s d istin to s de um co n ju n to em elem en to s d is tin to s do o u tro , to ­
dos os elem en tos de u m e do o u tro c o n ju n to send o o b je to d essa co rrespo nd ência.
E m term o s precisos, a co rresp on dência d e qu e e sta m o s fa lan d o ch am a-se bijeção.
(V eja a definição de bijeção n a p. 102.) E screv e re m o s A *-* B p a r a in d ic a r que
e x iste u m a b ijeção e n tre A e B .
O bserve que é essa noção de equiv alên cia q ue d á o rig e m ao con ceito a b s tra to
de n ú m ero n a tu ra l. De fato, o que faz u m a c ria n ç a d e q u a tro ou cinco anos dc
id a d e c o n s ta ta r que n u m a cesta h á trê s la ra n ja s , n o u tr a trê s m açãs, e n o u tra
a in d a trê s ovos? E la chega a essas conclusões — m esm o sem p e rc e b e r — por
c o n s ta ta r que é possível “c a sa r” os elem en tos de q u a lq u e r u m a d essas cestas
com os elem entos de q ualq u er o u tra d e m a n e ira b iu n ív o c a . É essa a b stra ç ã o dos
e lem entos concretos dos con ju n to s eq uiv alentes de d ife re n te s o b je to s que nos
leva a fo rm ar a noção de n úm ero n a tu ra l, u m fen ô m en o q u e o co rre m u ito cedo
em nossas vidas.
C a pítulo 1: Os n ú m ero s reais 15

A ssim , d e n o ta n d o com F n o c o n ju n to dos prim eiros n úm ero s n a tu ra is , F n =


{1, 2, 3 , . . . t í }, c p re c isa m e n te o fato de um conjunto A ser e q u ip o te u te a F n
que nos faz d ize r q u e A te m n elem entos, ou tem o m esm o n ú m e ro d e elem en to s
que F n . D a í definirm o s: um c o n ju n to /I se diz fin ito q u a n d o ex iste u m n ú m e ro
n a tu r a l n ta l q u e A se ja e q u ip o te n te ao con ju n to Fn .
U m co n ju n to se d iz in fin ito q u a n d o não for finito. ,
N o caso d e c o n ju n to s finitos, serem equivalentes co rresp o n d e a te re m o
m esm o n ú m e ro d e elem e n to s, d e so rte que o conceito de c a rd in a lid a d e é o re ­
curso n a tu r a l p a r a e ste n d e r, a c o n ju n to s infinitos, o conceito de “n ú m e ro de
elem entos de u m c o n ju n to ” .
D iz-se q ue dois c o n ju n to s q u aisq u e r A e D têm a m e sm a cardinalidade, ou
o m esm o n ú m ero de elem en to s, se eles forem eq u ip o ten tes. C om o se vê, essa
definição, n o caso d e c o n ju n to s finitos, n ão tra z n a d a de novo; m as e ste n d e , p a ra
c o n ju n to s in finito s, a n o ção de “n ú m ero de elem entos de u m c o n ju n to ” . T ais
n ú m eros são os c h a m a d o s n ú m ero s transfinitos.

C o n ju n to s e n u m e rá v e is

0 p rim eiro c o n ju n to infinito com que nos fam iliarizam os é o c o n ju n to N dos


n úm ero s n a tu ra is. C h a m a -se conjunto en u m era rei a to d o c o n ju n to e q u iv alen te
a N.
U m dos p rim e iro s fa to s su rp re e n d e n te s que surge n a co n sid eração de c o n ju n ­
to s infinitos diz re s p e ito à p o ssib ilid ad e de h av er equivalência e n tre u m c o n ju n to
e u m seu su b c o n ju n to p ró p rio . P o r exem plo, a co rresp o n d ên cia n >-» 2n , que
ao 1 faz c o rre sp o n d e r 2, ao 2 faz co rresp o n d er 4, ao 3 faz c o rresp o n d e r 6 , e tc .,
e stab elece e q u iv a lê n cia e n tre o co n ju n to dos núm ero s n a tu ra is e o c o n ju n to dos
n ú m ero s p are s p o sitiv o s. Veja: o c o n ju n to dos nú m ero s p a re s p o sitiv o s é um
s u b c o n ju n to p ró p rio do c o n ju n to N ; no e n tan to , tem a m esm a c a rd in a lid a d e que
N , o u seja, o m esm o n ú m e ro de elem entos. E ste fenôm eno é u m a p e c u lia rid a d e
dos c o n ju n to s in fin ito s e em n a d a co n trad iz o que j á sab em o s so b re c o n ju n to s
finitos.

A e n u m e r a b ilid a d e d o c o n ju n to Q

Se é su rp re e n d e n te q u e o c o n ju n to N seja equivalente a v ário s d e seu s su b c o n ­


ju n to s p ró p rio s, m a is su rp re e n d e n te é que o con ju n to Q dos n ú m ero s rac io n a is
ta m b ém seja e q u iv alen te a N , isto é, seja enum erável.
D e acordo com o E xerc. 4 a d ia n te , p a ra provar isso é suficiente tr a b a lh a r
com o c o n ju n to Q + dos ra cio n ais positivos. C om eçam os re u n in d o as frações
em grup os, c a d a g ru p o co n ten d o aq uelas que são irred u tív eis e c u ja so m a do
16 C a p ítu lo 1: O s n ú m ero s reais

n u m e ra d o r com o d en o m in ad o r seja co n stan te . P o r exem plo,

1 2 3 4 5 6
6 ’ 5 ’4 ’ 3 ’ 2 ’ I
é o g ru p o d as frações com n u m erad o r e d en o m in a d o r so m a n d o 7 , e n q u a n to

1 3 5 7
7 ’ 5’ 3 ’ I
é o g ru p o c o rre sp o n d e n te à som a 8 . O bserve que c a d a g ru p o desses te m u m
n ú m ero fin ito de elem entos. B a s ta en tão escrever to d o s os g ru p o s, u m após
o u tro , n a o rd em crescente das som as corresp o n d en tes, e e n u m e ra r as frações n a
o rd em em q ue ap arecem . E claro que to d o s os n ú m ero s ra c io n a is ap are c e rã o
n essa lista:
1 1 2 1 3 1 2 3 4 1 5
1 ’ 2 ’ I ’ 3 ’ 1 ’4 ’ 3 ’ 2 ’ I ’ 5 ’ T ’‘"

N ú m e r o s ir ra c io n a is _

O p rim e iro n ú m e ro irracio n al com que nos fam iliarizam o s, a in d a n o ensin o fun­
d a m e n ta l, é o nú m ero w, razão do c om p rim en to de u m a circ u n fe rê n c ia pelo seu
d iâ m e tro . M as, com o a d em o n straç ão d a irracio n alid a d e desse n ú m e ro e s tá fora
do alca n ce d a M a te m á tic a do ensino fu n d a m e n ta l e m édio, o a lu n o é a p en as
in form ado de que a e x p a n sã o d ecim al desse n ú m ero é in fin ita e n ão perió d ica.
U m p o u co m ais ta rd e , a in d a no ensino fu n d am en tal, o a lu n o tr a v a conheci­
m e n to com os radicais; e, novam ente, é ap e n as in fo rm ad o de q u e n ú m e ro s como
\ / 2 , V i , etc., são n ú m ero s irracion ais (e m b o ra e ste ja p e rfe ita m e n te ao seu al­
cance e n te n d e r a d em o n stra ç ão de irracio n alid ad e de \ Í 2 q u e fizem os a trá s , bem
com o o u tr a s d em o n straç õ es d ad a s nos exercícios).
E sse “a p re n d iz a d o ” dos nú m ero s irracion ais p o d e d e ix a r n o a lu n o a im ­
p ressão de que n ú m ero s irracio n ais são o ir e algu ns rad ic ais; e ele talv ez a té
form e a id éia de que o co n ju n to desses n ú m ero s se ja b e m re d u z id o , n o m áxim o
en u m eráv el. M as isto n ão é v erdade; tra ta -s e de u m c o n ju n to in fin ito e não
en u m eráv el (E xerc. 7 a d ia n te ), fato este que segue com o c o n seq ü ê n c ia d a não
e n u m e ra b ilid a d e do c o n ju n to dos n úm eros reais, que p ro v arem o s a seguir.

A n ã o e n u m e r a b ilid a d e d o c o n ju n to R
V im os, u m p o u co a trá s , q u e o con ju n to Q é en um eráv el. Isto p o d e ria a té su g erir
que to d o s os c o n ju n to s infinitos fossem enum eráveis, com o de fa to se a c re d ita v a
fosse v e rd a d e. E m 1874 C a n to r su rp re en d e u o m u n d o m a te m á tic o com u m a de
su as p rim e ira s d e sc o b e rta s im p o rta n te s sob re c o n ju n to s, a d e q u e o c o n ju n to
dos n ú m e ro s reais n ão é enum erável, ou seja, tem c a rd in a lid a d e d ife re n te d a do
c o n ju n to N dos n ú m eros n a tu ra is.
C a p ítu lo 1: Os n ú m e ro s reais 17

P a r a p ro v a r isso tra b a lh a re m o s com os n ú m ero s do in terv a lo (0, 1), q u e tem a


m e sm a card in a lid a d e d a re ta to d a (E xerc. 8 a d ia n te ). U sarem o s a rep resen tação
decim al. O bserv am o s que alguns n ú m ero s tê m m ais de u m a re p resen ta çã o , como
0,4 e 0, 3999 . . . P a r a que isto n ão a c o n te ça, a d o ta re m o s , p a ra c a d a n ú m ero, su a
re p re se n ta ç ã o decim al infinita. A ssim ,

0, 437 = 0, 436999 . . . ; 0, 052 = 0, 051999 . . .; etc.

E com esse p ro ce d im en to cad a nú m ero te r á u m a ú n ic a re p re se n ta ç ã o decim al


in fin ita.
S u p o n h a m o s que fosse possível e sta b elece r u m a c o rre sp o n d ê n c ia b iun ív oca
dos n ú m ero s do intervalo (0, 1) com os n ú m e ro s n a tu ra is . Isto é o m esm o que
su p o r que os n ú m ero s desse in terv alo sejam os elem en to s de u m a seqüência
x i , X 2 , X 3 , ■■• E sc rito s em suas rep resen ta ç õ es decim ais, esses n ú m ero s seriam ,
dig am os,

= 0 , Í i n a i 2 £ii3 . . . n in . . .
. X2 = 0, &21a 22^23 ■• • a 2n ■■■
*3 = 0, 031032033 • - • «3 n ■■■

X n — 0, O n la n2a n3 • • • a nn • ■■

o n d e os atJ são algarism os de zero. a 9.


O ú ltim o passo , que nos levará a u m a co n tra d iç ã o , c o n siste em p ro d u z ir um
n ú m e ro do in terv alo (0, 1) que não e ste ja n essa lista. Isso é feito pelo cham ad o
processo diagonal de C an to r, u sad o em m u ita s o u tra s situ aç õ e s. C o n stru ím o s
u m n ú m ero que se ja diferente de x i n a p rim e ira ca sa decim al, diferen te de X2
n a se g u n d a casa, diferente de 13 n a te rc e ira casa, e assim p o r d ia n te , de so rte
q u e esse n ú m e ro n ão coincidirá com n en h u m dos n ú m ero s d a lista acim a. P a ra
te rm o s u m a re g ra específica3, seja x = 0 , 0 1 0 2 0 3 . . . o n ú m e ro desejado, onde
oj = 6 se a ti = 5 e a; = 5 se au / 5. C om o esse n ú m ero x n ão e stá n a lista
a cim a, chegam os a um absu rd o , o que nos leva a co n clu ir que o c o n ju n to dos
ú m ero s reais não é enum erável.
V eja o u tr a d em o n stra ç ã o d a não e n u m e ra b ilid a d c dos n ú m e ro s reais 11a p.
71.

3A regra não pode produzir um número que só contenha zeros a partir de uma certa casa
decim al, pois tal número seria convertido noutro com algarismos 9 a partir dessa mesma casa,
o qual poderia coincidir com algum número da lista.
18 C a p ítu lo 1: O s n ú m e ro s reais

E x e rc íc io s j
1. Construa uma bijeção entre o conjunto N e o conjunto dos números ímpares positivos.
2. Construa uma bijeção entre o conjunto N e o conjunto dos números quadrados perfeitos.
3. Construa uma bijeção entre o conjunto N e seu subconjunto { 71, n + 1, n + 2 , . . .}.
4. Sejam A um conjunto finito e B um conjunto enumerável. Mostre que o conjunto A U B é
enumerável.
^ ^ S u p o n d o que A e B sejam dois conjuntos infinitos enumeráveis, mostre que A U B é enu­
merável. Prove, em seguida, que a união finita de conjuntos enumeráveis é enumerável.
6. Prove que se um conjunto infinito não enumerável A é a união de dois outros B e C , então
pelo menos um destes não é enumerável.
7. Prove que o conjunto dos números irracionais não é enumerável.
8. Construa um a bijeção do intervalo (0, 1) na reta (—0 0 , + 0 0).

9. Mostre que todo conjunto infinito possui um subconjunto enumerável.


10. David Hilbert (1862-1943) certa vez observou, que um hotel com um número infinito de
quartos sempre pode acom odar mais hóspedes, até mesmo uma infinidade deles, mesmo
que os quartos do hotel já estejam todos ocupados. Mostre como fazer isso.

R e s p o s ta s , s u g e s tõ e s e s o lu ç õ e s
1 . 71^271 + 1, n = 0, 1, 2 3 , . ...
4. Suponhamos que os elem entos de A e B já estejam enumerados, de sorte que

A = { 0 1 , . . • a r} e B — {b\, bor .. . } . .
Isto sugere a bijeção / : N t—►A U B , assim definida:

/ Ü ) = “i , j = f ( j ) = àj-r, j = r + 1, r + 2 , . . .

5. Suponha primeiro que os conjuntos A e B sejam disjuntos. Em seguida, resolva também o


caso em que eles tenham interseção não vazia. No caso de vários conjuntos A i, A o , . . . , A n ,
raciocine indutivam ente, observando que A \ U Ao U A 3 = (A i U A 2) U A z) , etc.
7. Se fosse finito ou enumerável, também seria enumerável o conjunto dos números reais. Por
quê?
8. Uma possibilidade é y = tg (irx —7r/2). Faça o gráfico para se certificar. Ache outra solução.
Faça o gráfico de y = —l / x e veja que esta função tem o comportamento desejado na
origem, mas não em x = 1. Faça o gráfico de y = 1/(1 — x ) e veja que esta tem o
comportamento desejado em x = 1, mas não na origem. E a soma das duas, resolve? Seria
y = (2x — \ ) / x ( l — x). E stude o gráfico desta função.
9. Escolha um elem ento qualquer do conjunto e denote-o x \ . Escolha outro elem ento e denote-
o xo. Escolha outro diferente de x \ e de xo e denote-o 2:3, e assim por diante. O processo
continua indefinidam ente porque o conjunto dado é infinito, de forma que, para todo inteiro
positivo n, será sem pre possível encontrar um elemento do conjunto, diferente de x i , X2,
. x n, que será denotado x n+ i.
10. Se chegar um hóspede novo, coloque-o no quarto número 1, transferindo o hóspede que
estava neste quarto para o quarto 2, o do quarto 2 para o quarto 3, e assim por diante.
E se chegarem n hóspedes? Se chegarem infinitos hóspedes, também não há problema,
mude o hóspede do quarto n para o quarto 2n; assim ficarão vagos os infinitos quartos de
números ímpares, para abrigar os infinitos hóspedes que estão chegando.
C a p ítu lo 1: Os n ú m e ro s reais 19

G r a n d e z a s in c o m e n s u rá v e is

H isto ric a m e n te , a p rim eira evidência d a necessidade dos n ú m e ro s irracio n ais


o co rre co m a id éia de “in co m en su rab ilid ad e” , q u e ex p licarem o s logo a d ia n te .
C o m ecem o s le m b ra n d o que n a G récia a n tig a , os únicos n ú m e ro s reconhecidos
com o ta is e ra m os n ú m ero s n a tu ra is 2, 3, 4, etc. O p ró p rio 1 n ão e ra co n sid erad o
n ú m e ro , m a s a “u n id a d e ” , a p a rtir d a q ual se form avam os n ú m e ro s. A s frações
só a p a re c ia m in d ire ta m e n te , n a form a de razão de d u as g ra n d e z a s, com o, p or
ex em p lo , q u a n d o dizem os que o volum e de u m a esfera e s tá p a r a o v olum e do
c ilin d ro re to q u e a circunscreve com o 2 e s tá p a ra 3.
O s n ú m e ro s que h o je cham am os de “irracio n ais” ta m b é m n ã o e x istia m n a
M a te m á tic a g rega. A ssim como as frações, eles iriam a p a re c e r in d ire ta m e n te ,
ta m b é m com o razões de g ran d ezas d a m esm a espécie, com o c o m p rim e n to s, áreas
ou volum es; e, ao que parece, foram d esco b erto s no século V a .C . N ão sab em os
se essa d e s c o b e rta foi fe ita p o r um a rg u m en to p u ra m e n te n u m érico , com o o d a
d e m o n s tra ç ã o d a p. 8 ; p od e ser que os gregos te n h a m u tiliz a d o a lg u m a cons­
tru ç ã o g e o m é tric a , com o a que vam os descrever a d ia n te , env o lv en d o a diag o n al
e o lad o d e u m q u a d ra d o .

A m e d iç ã o d e s e g m e n to s

P a r a b e m e n te n d e r essa q u estão , com ecem os lem b ran d o o p ro b le m a de c o m p a ra r


g ra n d e z a s d a m e sm a espécie, com o dois seg m en to s de re ta , d u a s á re a s o u dois
volum es. P o r exem plo, no caso de dois seg m en to s retilín eo s A B e C D , d izer
q u e a ra z ã o A B / C D é o núm ero racional m / n , significa q u e e x iste u m terceiro
se g m e n to E F ta l q ue A B seja m vezes E F e C D n vezes esse m esm o seg m en to
E F . N a F ig . 1.3 ilu stra m o s essa situ ação com m = 8 e n = 5.

A , , , , , , , g
” ~ ~ AB_ = _S_
CD 5

C * ’ 1 ' O F~F

Fig. 1.3

N o te b e m q u e A B e C D são segm entos, n ão n úm eros. E p o r isso que “ra z ã o ”


n ão é o m esm o q u e “fraç ão ” . Os gregos não usavam “fraçõ es” , a p e n a s “razõ es” .
E n ã o e scre v ia m A B / C D p a ra indicar a razão de dois seg m en to s. M esm o nos
dias de h o je c o stu m a-se escrever A B : C D = m : n , e d ize r “A B e s tá p a ra C D
a ssim com o m e s tá p a ra n ” . Q u an d o in d icam o s a raz ão com A B / C D , em vez
de A B : C D , n ã o devem os confundí-la com fração.
20 C apítulo 1: Os n ú m e ro s reais

No te m p o d e P itá g o ra s (580-500 a .C . a p ro x im ad a m e n te) — e m esm o d u ra n te


b o a p a rte do século V a .C . — , p e n sav a-se que d ad o s dois segm entos q u aisqu er,
A B e C D , se ria se m p re p ossível e n c o n tra r u m terceiro segm ento E F con tido
um nú m ero in teiro d e vezes em A B e o u tro n ú m ero in teiro de vezes em C D ,
situ ação e sta que descrevem os d iz e n d o que E F é um subm últiplo com um de A B
e C D . U m a sim ples reflexão re v e la qu e essa é u m a id éia m u ito razoável; afinal,
se E F não serve, p o d em o s im a g in a r u m seg m en to m enor, o u tro m enor ain d a, e
assim p o r d ia n te . N ossa in tu iç ã o g e o m é tric a p arece dizer-nos que h á de ex istir
u m certo segm ento E F , talv ez m u ito p e q u en o , m as satisfazen do aos p ro p ó sito s
desejados. N a Fig. 1.4 ilu stra m o s u m a situ a ç ã o com segm ento E F b em m enor
que o d a Fig. 1.3. O le ito r deve ir m u ito além , im ag in an d o u m segm ento E F tã o
pequeno que n em se p o ssa m ais d e se n h a r, p a ra se convencer, p e la su a in tu ição
geom étrica, d a p o ssib ilid ad e d e se m p re e n c o n tra r u m su b m ú ltip lo com um de
AB e CD.

B
AB 29
CD 26

C . D

F ig. 1.4

Dois segm entos nessas co nd içõ es são d ito s com ensuráveis, ju s ta m e n te p o r


ser possível m edi-los ao m esm o te m p o , com a m esm a u n id a d e E F . E n tre ta n to ,
não é v erdade que d ois seg m en to s q u a isq u e r sejam sem p re com ensuráveis. E m
o u tra s p alav ras, ex istem se g m en to s A B e C D sem u n id ad e com um E F , os
cham ados seg m ento s in co m e n su rá veis. E sse é um fa to que c o n tra ria n ossa in­
tu iç ão g eom étrica, e p o r isso m esm o a d e sc o b e rta d e g rand ezas incom ensuráveis
na an tig ü id ad e foi m otivo de m u ita su rp re sa p a ra to d o s os m a te m á tico s d aq u ela '
época.

S e g m e n to s in c o m e n s u rá v e is | |} / pvf f t/k íX_

Foram os pró p rio s p itag ó rico s q u e d e sco b rira m que o lado e a diago nal de um
q u a d ra d o são g ran d ezas in c o m en su rá v eis. Isso aconteceu provavelm ente e n tre
450 e 400 a.C . V am os descrever, a seg u ir, u m arg u m en to geom étrico que dem o n s­
tr a esse fato.
A Fig. 1.5 ilu s tra u m q u a d ra d o c u ja d iag on al é d e n o ta d a p o r 8 = A B e cujo
lado é A = A C . S u p o n h a m o s q u e S e A sejam com ensuráveis. E n tã o e x istirá u m
terceiro segm ento a q ue seja u m su b m ú ltip lo com um de S e A. Fazem os ago ra
a seguinte co n stru ção : tra ç a m o s o arco C D com c en tro em A e o seg m ento
C a p ítu lo 1: O s n ú m ero s reais 21

/
C A

Fig. 1.5

E D ta n g e n te a esse arco em D , de so rte q u e A D = A C . E n tã o , nos triân g u lo s


re tân g u lo s A C E e A D E , os c a te to s A C e A D são iguais, e com o a h ip o ten u sa
A E é com um , concluím os que são ta m b é m ig u a is os c a te to s C E e D E (= B D ) .
P o rta n to ,
5 = AB = AD + B D = A+ BD ,

A= BC = B E + E Ç = B E + BD

ou seja,
( 1 . 1)

( 1 .2 )

C om o o segm ento a é su b m ú ltip lo co m u m de 6 e A, concluím os, p or (1.1),


qu e <t ta m b ém é su b m ú ltip lo de B D . D a q u i e d e (1.2) segue-se que a tam b é m
é su b m ú ltip lo de B E . P ro v am o s assim q u e, se h o u v er u m segm ento a que
seja su b m ú ltip lo com um de 6 = A B e X — A C , en tão o m esm o segm ento cr
se rá su b m ú ltip lo com um de B E e B D , seg m en to s esses que são a diagonal
e o lado do q u a d ra d o B D E F . O ra, a m e s m a co n stru ç ã o g eo m étrica que nos
p e rm itiu p a ssa r do q u a d ra d o o rig in al ao q u a d ra d o B D E F p o d e ser re p e tid a com
este ú ltim o p a ra chegarm os a um q u a d ra d o m en o r ain d a; e assim p o r d ian te,
indefin id am en te; e esses q u a d ra d o s vão-se to rn a n d o a rb itra ria m e n te pequenos,
pois, com o é fácil ver, as dim ensões de c a d a q u a d ra d o d im in u em em m ais d a
m e ta d e q u an d o passam os de u m deles a se u su cesso r. D essa m a n e ira , nrnvam os
q ue o segm ento cr dev erá ser su b m ú ltip lo c o m u m do lado e d a d iagonal de um
q u a d ra d o tã o pequeno q u a n to deseiem os. a u e é a b s u rd o . Som os, pois, levados a
re je ita r a sup o sição inicial de co m e n su ra b ilid a d e de A C e A B . C oncluím os, pois,
que o lado e a diagonal de qualquer quadrado são grandezas incom ensuráveis,
22 C a p ítu lo 1: Os núm eros reais

com o q u eríam os provar.

O re tâ n g u lo á u re o

H á vários o u tro s m odos de e sta b e le c e r a e x istê n c ia de segm en to s incom en­


suráveis, um dos quais b asead o no “re tâ n g u lo á u re o ” , que d iscu tirem o s a seguir.

B F C
a b

a
Fig. 1.6

Í7+ b
' A F. D

C h am a-se retângulo áureo a q u a lq u e r re tâ n g u lo A B C D (Fig. 1.6) com


a seg u in te p ro pried ad e: se dele su p rim irm o s u m q u a d ra d o , com o A B F E , o
re tân g u lo resta n te , C D E F , será se m e lh a n te ao re tâ n g u lo original. Se a + b e a
são os co m p rim en tos dos lados do re tâ n g u lo o rig in al, a definição de retân g u lo
á u reo tra d u z -se n a seg uin te relação:

^ f (1-3)
a b

O re tân g u lo áureo te m sido co n sid era d o , d esd e a a n tig ü id a d e grega, com o o


re tâ n g u lo m ais bem p ro p o rc io n ad o e d e m a io r valo r estético ; e te m sido u tilizad o
p o r vário s a rq u ite to s e p in to res em su a s o b ra s de a rte .
A raz ã o <j>= a /b é c h a m a d a razão áurea. A s vezes, o inverso desse núm ero,
<p = 1 / (j, = b /a , é cham ado núm ero áureo. D iv id in d o n u m e rad o r e den om inad or
d a p rim e ira fração em (1.3) p o r 6 , o b te m o s a e q u ação do 2 - g ra u ip2 - 4>— 1 = 0
p a ra d e te rm in a r <j>. C om o já sab em o s q u e e ste n ú m e ro é positivo, seu valor é a
raiz p o sitiv a d a equação a n te rio r, isto é, <j> = ( \/5 + l ) / 2 « 1,618. O núm ero
áureo, p o r su a vez, re s u lta ser tp = { \Í E — l ) / 2 sa 0, 618. O bserve que <j>= ip + 1,
de so rte que <j>e tp têm a m esm a p a rte d ecim al. N o te ta m b é m que <t>= l / i p.
A exp ressão n u m érica de <pjá p ro v a q u e e ste n ú m ero é irracio n al. No en tan to ,
pod em os provar, geom etricam en te, com o no caso do lado e diago nal de um
q u a d ra d o , que os lados de um re tâ n g u lo á u reo são incom ensuráveis. (V eja o
Exerc.- 2 a d ia n te .)
C a p ítu lo 1: O s n ú m eros reais 23

' Cl b

2 b-a

a-b

U m a in f in id a d e d e r e tâ n g u lo s á u r e o s

V o ltan d o à relação (1.3), u m a p ro p rie d a d e b e m co n h ecida das proporções p e r­


m ite escrever:

a+ b a (a + b)
o u seja, - =
. o b a —b b a —b

Isto m o s tra que se o retâ n g u lo de lad o s a + b e b é áureo, ta m b é m o é o retângulo


d e lados a e b. O m esm o raciocínio se a p lic a p a ra m o s tra r que são tam b ém
áu reo s os re tân g u lo s de lados b e a — b, a — b e 2b — a, e tc. (Fig. 1.7). E m
o u tra s p alav ras, dado s os n ú m ero s p o sitiv o s n e 6 , satisfaz en d o a relação (1.3),
form am os a seqüência a + b, a, b, a 2 , 0 3 , . . ., o n d e

a.2 = a — b, <13 = b — a i = 2b — a, . . . an — a u_2 — a „ _ j. (1.4)

P elo raciocínio an terio r, q u a isq u er dois e lem en to s co n secu tiv os dessa seqüência
são os lados de um retâ n g u lo áureo.

D iv is ã o á u r e a

D iz-se q ue u m p o n to C de um seg m en to A B (F ig. 1.8) d ivide esse segm ento n a


razão áurea se
AB AC , s
~ÃC ~ C B '
D iz-se ta m b é m que C divide A B em m edia e extrem a razão (ou m eia e extrem a
razão), isto p o rq u e o segm ento A C a p arece d u a s vezes n a p ro p o rç ão com o term os
d o m eio, e n q u a n to A B e C B são os te rm o s ex tre m o s.
A relação (1.5) é p recisam en te a relação (1.3) se p u serm os A C = a e C B = b,
d e so rte que os segm entos A C e C B (ou A B = a + b e A C — a) d a divisão áu re a
24 C a p ítu lo 1: O s núm ero s reais

A C R

F ig. 1.8

são os lados de um retân g u lo áureo, e (1.5) é a ra z ã o á u re a </> j á en c o n tra d a


a n te rio rm en te.
E in te re ssa n te n o ta r que se C i d iv id e A B em m é d ia e e x tre m a razão , e
se m a rca rm o s no segm ento A B os p o n to s C 2 , C 3 , C 4 , . . . , de ta l m a n e ira que
A C 2 = C \ B , A C z = C 2 C 1 , A C \ = C 3 C 2 , .. • (Fig. 1.9), e n tã o C n divide A C n- \
em m éd ia e e x tre m a razão, n = 2, 3, 4 , . . . E s te re s u lta d o segue do que já
provam os sobre a seqüência in fin ita de re tâ n g u lo s á u reo s, d o n d e segue tam b ém
q u e os seg m ento s A C 1 e C \B d a divisão á u re a d e A B são incom ensuráveis.
(V eja o E xerc. 2 ad ia n te e o E xerc. 22 d a p. 63.)

A C4 C3 C, Cj B

Fig. 1.9

E x e rc íc io s
1. Utililzando o Teorema de Pitágoras e ó fato de que o lado e a diagonal de um quadrado são
grandezas incomensuráveis, prove que não existe número racional cujo quadrado seja 2.
2. Prove, geometricamente, que os lados de um retângulo áureo são grandezas incomen­
suráveis.
3. Desenhe um pentágono regular de lado l e diagonal d. Prove que d / l é a razão áurea (donde
segue que esses segmentos são incomensuráveis).
4. Prove, geometricamente, que o lado e a diagonal de um pentágono regular são incomen-

5. Dado um segmento A B de comprimento a, construa geom etricamente um retângulo áureo


com lado menor igual ao segmento A B .
6. Utilize a construção do exercício anterior para construir, geom etricamente, o ponto C que
faz a divisão áurea do segmento A B .

S u g e s tõ e s ■
1. Tome um quadrado de lado unitário e aplique o teorema de Pitágoras.
2. Com referência à Fig. 1.8, suponha que existam um segm ento cr e números inteiros a e b
satisfazendo a condição:
A D = (a + b)(7 e A B = ba.
Em conseqüência, todos os números da seqüência (1.4) seriam inteiros. Termine a demons­
tração.
C a p ítu lo 1: Os n úm eros reais 25

3. Sejam A B C D E o pentágono, F e G as interseções das diagonais A D e A C com a diagonal


B E . Prove que os triângulos A B E e B G A são sem elhantes e utilize essa semelhança.
4. As diagonais de um pentágono regular formam um pentágono regular menor. Raciocine
como no caso do quadrado discutido no texto.
5. Sejam A B C D um quadrado, e E o ponto m édio de A B . Marque o ponto F no prolonga­
mento de A B , de forma que E F = E C . Aplique o Teorema de Pitágoras ao triângulo E B C
e obtenha (a + b)a = ab, mostrando que o retângulo de lados A B e A F é áureo.

A c ris e d o s in c o m e n s u rá v e is e s u a s o lu ç ã o

A d esc o b e rta de g ra n d ezas in co m e n su rá v e is foi feita pelos p róprios pitagóricos;


e re p rese n to u um m o m en to de crise n a M a te m á tic a , com o explicarem os a seguir.
D evem os lem b rar que P itá g o ra s n o ta r a c e rta s relações num éricas envolvendo
o co m p rim en to de u m a c o rd a m u sical e o so m p o r ela e m itid o . Ao que parece, ele
fez observações se m elh an tes com relaç ão a o u tro s fenôm enos, in tu in d o d aí que o
n ú m ero fosse de fato a essência d e to d o s os fenôm enos, p erm ean d o a N a tu re za
in te ira . Sendo assim , e ra de se e sp e ra r q u e a razão de dois segm entos de re ta
pudesse sem pre ser ex p ressa com o a ra z ã o de dois n ú m ero s (n atu ra is).
C om o vim os n a p. 19, d izer q u e a ra z ã o de dois segm entos A e B é a fração
m / n significa d izer que ex iste u m se g m e n to a ta l que A = m a e B = n a .
O ra, com a d e sc o b e rta dos in co m en su rá v eis, ficou claro que isso nem sem pre
se ria possível. C om o en tã o p o d e ria o n ú m e ro ser o fu n d am e n to de to d o s os
fenôm enos n a tu ra is, se nem seq u er e ra m suficientes p a ra ex p rim ir a razão de
dois segm entos?

A te o r ia d a s p ro p o rç õ e s

P a r a nós h o je é fácil p e rc e b er q u e a crise d o s incom ensuráveis seria resolvida


com a in tro d u ção , n a M a te m á tic a , dos n ú m e ro s fracio n ário s e dos núm eros irra ­
cionais. M as os gregos to m a ra m , o u tro c am in h o , in v en tan d o um m odo de falar
em igu aldade de razões m esm o no caso d e g ran d ez as incom ensuráveis. C om isso
cria ra m to d a u m a te o ria das p ro p o rçõ es q u e só d e p e n d ia dos núm eros n a tu r a is .4
O cria d o r dessa te o ria , e x p o sta no L ivro V dos E lem en to s de E uclides ,5 foi E u-
doxo (408-355 a.C . a p ro x im a d a m e n te ), m a te m á tic o e a strô n o m o ligado à escola
de P la tã o .
C om o j á observam os, os gregos n ã o d efin ia m “razã o ” ; trab alh a v a m com esse
conceito com o se fosse u m “con ceito p rim itiv o ” . B a stav a-lh es sa b e r o significado
d a ig u ald ad e de d u as razões, e isso e ra feito em term o s dos núm eros n a tu ra is.
A ssim , no caso de dois segm en to s co m en su ráv eis A e B , E udoxo deve te r p erce­
bid o que dizer que A e s tá p a ra B assim com o m e stá p a ra n eqüivale a dizer que

4Veja nosso artigo na RPM 7.


5Veja a nota sobre o conteúdo dos Elem entos de Euclides no final do capítulo.
26 C a p ítu lo 1: O s n ú m e ro s reais

n A = m B (veja o E xerc. 3 ad ian te ). E n tã o , no caso de q u a tro seg m en to s, dizer


que A e s tá p a ra B assim com o C e stá p a ra D d ev eria sig n ificar a ex istên cia de
dois n ú m e ro s m e n ta is que rA,

h 's F '
nA = m B e nC = m D . '/

N o caso em que A e B forem incom ensuráveis, ig u ald ad es d o tip o n A =/'*B


n u n c a o c o rre rã o . M as, dad o s dois núm eros m e n , p o d em o s se m p re te s ta r se

nA > m B, nA = m B ou nA < m B;

e ig u a lm e n te , se

nC > m D , nC = m D ou nC < m D;

P ois b e m , esse te s te é o q u e E udoxo u tiliz a p a ra d a r u m a definição de igu ald ade


de d u a s razões, A : B e C : D , que se aplique sem p re, se ja m os segm entos
c o m en su ráv eis ou não.

1 .2 . D e f in i ç ã o (d o E u d o x o ) . Dadas quatro grandezas da m e sm a espécie,


A , B , C e D (segm entos, áreas ou volum es), diz-se que A está para B assim
com o C está para D se, quaisquer que seja m os n ú m e ro s m e n , se tenha:

nA > m B nC > mD; n A = m B <í=> n C = m D ;

< m B <=> n C < m D .

O bserve, pelo E xerc. 3 ad ian te, que no caso em que A e B são com ensu­
ráveis, A : B = m : n eqüivale a dizer que n A = m B . E n tã o , d e aco rd o com a
D efinição de E udox o , no caso com ensurável, d izer que A : B = C : D eqüivale
a d izer q u e n A = rnB n C = m D . No caso in co m en su ráv el, e s ta s ig ualdad es
n u n c a ac o n te cem ; m as E udoxo co n tin u a definindo a ig u a ld a d e A : B = C : D
desde que, p a ra to d o s os n ú m ero s m e n,

n A > m B <=> n C > m D e nA < m B nC < m D .

D e s e n v o lv im e n to p o s te r io r d a M a te m á tic a

C om su a definição de ig u ald ad e de du as razões, E udo xo c o n stró i a te o ria d as p ro ­


porçõ es, u tiliz a n d o a p e n a s os núm eros inteiros. E m b o ra te n h a sido u m a solução
g enial d a crise dos incom ensuráveis, ela a tra so u p o r m ais d e m il an os o desen­
v o lv im en to d a A ritm é tic a e d a Á lgebra, p ois su b o rd in o u essas d iscip linas aos
e stu d o s d e G eo m e tria , com o r e tr a ta m u ito b em a expo sição fe ita nos E lem entos
de E u clid es. .
C a p ítu lo 1: Os núm eros reais 27

Foi som ente a p a r tir do início d o século X III que a “m a te m á tic a nu m éric a”
com eça a chegar à E u ro p a , v in d a d a ín d ia e d a C h in a p o r interm édio dos ára b e s.
T rês séculos m ais ta r d e a Á lg e b ra com eç a a se desenvolver, so b retu d o n a Itá lia ,
p re p a ran d o o te rre n o p a ra to d o o d esen v o lv im en to d a G eo m etria A n alítica e do
C álculo no século X V II.
C onvém n o ta r que to d o esse d esen vo lv im en to m ais recente d a M a te m ática ,
so b retu d o nos séculos X V II e X V III, se d e u g ra ça s à a titu d e dos m atem ático s,
que não se d e ix aram vencer p e la s d ificu ld ad es n a tu ra is d a fa lta de u m a te o ria
dos fundam entos. C om o dissem os h á p o u co, os gregos, ao resolverem a crise
dos incom ensuráveis, a c a b a ra m d e sv ian d o -se do curso n a tu ra l de evolução d a
M a te m á tic a p o r se a p eg a re m a excessivos critério s de rigor. Ao co n trário disso,
seus colegas dos ú ltim o s séculos n ã o se a tiv e ra m ta n to às exigências do rigor,
p o r isso m esm o d e sb ra v a ra m e c o n q u is ta ra m te rritó rio s consideráveis.
A M a te m n á tic a desenvolveu-se e x te n sa m e n te nos tem p o s m odernos (isto é,
a p a rtir do século X V I), a té o início d o século X IX , m esm o sem q u alq u er fun ­
d am en tação dos d iferen tes siste m a s n u m érico s. T rab alh av am -se livrem ente com
os núm eros racio n ais e irra cio n a is, desenvolvendo to d a s as suas p ro p ried ad es,
sem que houvesse u m a te o ria e m b a sa n d o esse desenvolvim ento. Isso a co n te cia
m uito à m a n e ira do que fazem os h o je no ensino fu n d am en tal, q u an d o in tro ­
duzim os os radicais. A ssim , a c o stu m a m o -n o s com p ro p ried ad es com o e sta, que
p e rm ite m u ltip licar dois n ú m e ro s irrac io n ais, re s u lta n d o em um núm ero inteiro:
\/l2 v /3 = v/36 = 6 ; m as a p re n d em o s a tr a b a lh a r com essas p ro p ried ad es a n tes
m esm o de term o s u m a te o ria que as ju stifiq u e .
Foi só em m ead os do século X IX q u e os m a te m á tic o s com eçaram a se n tir
necessidade de u m a fu n d a m e n ta ç ã o rig o ro sa dos diferen tes sistem as num éricos.
E é in teressan te o b serv ar que a fu n d a m e n ta ç ã o desses sistem as o correu n a o rd em
inversa: prim eiro fo ram o rg an izad o s os n ú m ero s com plexos, depois os n úm ero s
reais, os racionais, os in teiro s e, fin alm en te, os n ú m ero s n a tu ra is.

E x e rc íc io s
1. Dizemos que duas frações são iguais quando têm a mesma forma irredutível. Por exemplo,
1 2/40= 18/60, pois
12 3x4 3 18 3x6 3
40 “ 10 x 4 ~ 10 6 60 ~ 10 x 6 “ 10'
Mas podemos também definir igualdade de frações pela igualdade do produto dos meios
com o produto dos extremos, como neste exemplo:
1O 1O
_ = j_ ^ 12 x 60 = 18 x 40.

Prove que esses dois modos de definir igualdade de frações são equivalentes, isto é, prove o
seguinte: dadas duas frações m / n e m ' f n , m n = m n existem números primos entre
si p e q, e números inteiros positivos a e b, tais que

771 = ap, n — aq e m = bp, n = bq.


25 C sp fm k) 1: O s núm eros reais

2- N a p. 19 definimos razão de dois segm entos comensuráveis: A B e C D são comensuráveis e


estão entre si na razão m / n se existem números m e n e um segmento cr tais que A B = m u e
C D = na. Prove que essa definição é consistente, isto é, prove que se existirem dois outros
números m ' e n e um segm ento o ' tais que A B = m ‘a e C D = n 'cr\ então m / n = m / n .
3. Prove que duas grandezas comensuráveis A e B estão entre si na razão m / n se e som ente
se n A = m B .

íjP r o v e que o conjunto E das raízes quadradas de 2 por falta não tem máximo.
5J Prove que o conjunto D das raízes quadradas de 2 por excesso não tem mínimo.

S u g e s tõ e s e s o lu ç õ e s

1. A demonstração no sentido <= é fácil e fica a cargo do leitor. Para demonstrar a recíproca,
suponha que m n = m ! n . Sendo a o mdc de m e n, teremos: m = ap e n = aq, onde p e q
são primos entre si. D estas duas últimas relações segue-se que m n ' ~ a p n ' e m ' n = aqm'\
e destas obtem os p n — q m ! . Daqui se conclui que p divide o produto m ! q f e, como é primo
com q, divide m ! . Portanto, existe b tal que m = bp. Finalmente, para provar que n = bq,
basta substituir m — bp em p n = q m ' .
2. Prove que n A = m B ; em seguida, que n m ' a ' = m n ' a , donde n m ' = m n ' .
3. Não pode sim plesm ente escrever A / B = m /n e multiplicar cruzado; afinal, é precisamente
isto que se pede para provar!
que se deseja provar é que se r é um número racional positivo tal que r2 < 2, existe outro
'número racional s > r tal que .s2 < 2. Isto se consegue aumentando r de uma quantidade
bem pequena, digam os, l / n , com n um inteiro bem grande. Mas quão grande? Vejamos:
tomando 5 = r -f l / n , queremos que

;= ( r + <2,

ou seja,
2 2r
T -\----
ou ainda,

2r + - ) - < 2 -

Temos de resolver esta inequação para determinar possíveis valores de n. Podem os evitar
isso, resolvendo um a inequação bem mais simples. Para isso adotamos um procedimento
que é freqüente em Análise: como n > 1, tem os q u e íT ^ ^ l . portanto,

2r + - ] i < ( 2 r + l ) i ÍU \
n )n n n ^\
V; ^ L
Agora basta resolver .a inequação ' T -^ ^ /'\

(2r + l ) i < 2 - r 2,

que resulta em n > (2r -f-1)/(2 —r2). É claro que com qualquer n nessas condições teremos
também (r 4- 1/rc)2 < 2, que é o resultado desejado.
C a p ítu lo 1: Os n ú m ero s reais 29

5. Imite a demonstração anterior, começando com r2 > 2 e procurando determinar s — r —I /n


tal que s 2 > 2. Veja:

D e d e k in d e os n ú m e r o s re a is

V ários m a te m á tic o s do século X IX c u id a ra m d a c o n stru ç ã o dos n úm eros reais,


d e n tre eles R ich ard D edekind, K a rl W e ie rstra ss, C h arles M éray e G eorg C an to r.
M as as teo rias dos núm eros reais q u e p e rm a n e c e ra m foram a de D edekind e
a de C a n to r. E xporem os, n e s ta seção a c o n stru ç ã o de D ed ek in d , e no cap ítu lo
se g u in te a de C a n to r. N ão farem os u m a e x p o sição te c n ic a m e n te d e ta lh a d a , a n tes
vam os nos c o n ce n trar nas idéias de D e d e k in d , p ro c u ra n d o d a r u m a b o a com ­
preen são de to d o o seu tra b a lh o , p rin c ip a lm e n te d a p ro p rie d a d e de cotnpletude
dos n ú m ero s reais, ex p ressa nos T e o rem as 1.5 e 1.7 ad ia n te .
R ich a rd D edekind (1831-1916) e s tu d o u em G õ ttin g e n , o nde foi aluno de
G au ss e D irichlet. E m 18-58 to rn o u -se p ro fesso r em Z u riq u e, tran sferin d o -se em
1862 p a ra B raunschw eig (ou B ru n sw ick ), s u a to rra n a ta l, o n d e perm an eceu pelo
re sto de su a vida. .
E le co n ta que no início d e su a c a rre ira em 1858, q u a n d o teve de en sin ar
C álculo D iferencial, p erce b e u a fa ltâ d e u m a fu n d a m e n ta ç ã o a d e q u a d a p a ra os
n úm ero s reais, p rin c ip a lm en te q u an d o tev e d e p ro v ar que u m a função crescente
e lim ita d a te m lim ite (T eo rem a 4.14, p. 114). E é ta m b é m ele m esm o quem
c o n ta q u e foi b u sc ar in sp iraçã o p a r a s u a c o n stru ç ã o dos n ú m ero s reais n a a n tig a
e en genho sa te o ria d as p ro p o rçõ es de E u d o x o . A ssim , em 1887 ele escreve: “...e
se in te rp re ta m o s núm ero com o ra z ã o de d u a s g ra n d ez as, h á de se convir que
ta l in te rp re ta ç ã o já ap arece de m a n e ira b em c la ra n a célebre definição d a d a por
E uclid es sobre iguald ad e de razões. A í resid e a o rigem de m in h a te o ria (...) e
m u ita s o u tra s te n ta tiv a s de c o n stru ir os fu n d a m e n to s dos n ú m e ro s reais:’.

C o r te s d e D e d e k in d

O bserve que a definição de E u d o x o asso cia, a c a d a p a r de g ran d ezas, digam os


(A , B ) , dois co n ju n to s de p a res (m , n ) d e n ú m e ro s n a tu ra is: o co n ju n to E ( “E ”
de esq uerd a) dos p ares p a ra os q u ais m B < n A (que fariam m / n < A / B se A / B
tivesse significado num érico) e o c o n ju n to D ( “D ” de d ire ita ) dos p ares p a ra os
q u a is m B > n A (que fariam A / B < m / n se . 4 / B tivesse significado num érico).
In sp iran d o -se n a definição de E u d o x o , D ed ek in d p arec e te r n o ta d o que o
p ro ced im en to do sábio grego leva a u m a se p a ra ç ã o dos n ú m ero s racio n ais em dois
co nju ntos. A ssim , q u alq u er n ú m ero ra c io n a l r e fe tu a u m “c o rte ” ou sep aração
de to d o s os dem ais n ú m ero s racio n a is no c o n ju n to E dos n ú m ero s m enores do
30 C a pítulo 1: O s n ú m e ro s reais

que r e no co n ju n to D dos n ú m e ro s m aio res do que r; o p róprio n ú m ero r p o d e


ser incluído com o o m a io r e le m en to de E o u o m en o r elem ento de D .
M as, além desses “c o rte s” , h á o u tro s, com o exem plifica o clássico caso de \/2 .
O processo de e n c o n tra r a raiz q u a d ra d a de 2 conduz à sep aração dos n ú m ero s
racionais em dois co n ju n to s: o c o n ju n to E d as raízes q u a d ra d a s ap ro x im a d a s
p o r fa lta (aí incluídos o zero e os racio n ais n egativos), e o co n ju n to D das
raízes ap ro x im ad as p o r excesso. Só q u e a g o ra esse co rte não te m elem en to de
separação; de fato , j á vim os (E x e rc s. 4 e 5 a trá s) que o co n ju n to d as raízes p o r
fa lta não te m elem ento m áx im o e o co n ju n to das raízes p o r excesso n ã o tem
elem ento m ínim o. No m od o d e v er d e D ed ek in d, o nú m ero irra cio n al V 2 deve
ser criado com o elem ento de se p a ra ç ã o e n tre os co n jun to s desse co rte.
D edekind gen eraliza esse p ro c e d im e n to , p rim eiro definindo corte de m a n e ira
geral, no c o n ju n to Q dos n ú m e ro s racio n ais.

1 .3 . D e f in iç ã o . E n te n d e re m o s por corte (ou “c o rte ra c io n al” ), todo par


(E , D ) de conjuntos não va zio s de n ú m ero s racionais, cuja união é Q , e tais
que todo elem ento de E é m e n o r que todo elem en to de D . 1

(E ssa definição p e rm ite p ro v a r (E xerc. 1 ad ian te) que o co n ju n to E é u m a


sem i-reta p a ra —oo e o c o n ju n to D u m a sem i-reta p a ra + c o .) E m seg u id a
D edekind p o stu la que to d o c o rte p o ssu i elem en to de sep aração, que ta n to p o d e
ser inco rp orado a E com o o seu m a io r elem ento, ou a D com o o seu m en o r
elem ento. S u porem os qu e o e lem en to de sep aração seja sem p re in c o rp o ra d o a
D . A ssim , em to d o c o rte, o c o n ju n to D te m m ínim o; e os co rte s q u e n ão são
d ete rm in a d o s p o r n ú m e ro s ra c io n a is d ão origem aos n úm eros irracio nais.
D edekind observ a que a e x istê n c ia de co rte s sem elem entos de se p a ra çã o no
co n ju n to Q dos n ú m ero s ra c io n a is é a exp ressão a ritm é tic a d a d esco n tin u id ad e
de Q , ao passo que, com a a d ju n ç ã o dos novos elem entos — os n ú m ero s irra ­
cionais — o b tem o s o c o n ju n to R dos n ú m ero s reais, que, ao c o n trário de Q , é
ag ora um “co n tín u o n u m érico ” , p o is os irracio n ais vêm p reencher as “la c u n a s”
de desco n tin u id ad e e n tã o e x is te n te s em Q .

A re la ç ã o d e o r d e m .

M as não b a s ta a p e n a s ju n ta r a Q os novos elem entos p a ra o b te r R . E ste c o n ju n to


p recisa te r a e s tru tu r a q ue d ele se e sp era, d a í term o s de definir as o p eraçõ es
usuais de adição, m u ltip lic aç ão , e tc ., e a relação de ordem . E fazer isso de
m an eira a tam b ém pro v ar as p ro p rie d a d e s u su ais desses núm eros, que já co­
nhecem os e u sam os desde o en sin o fu n d a m e n ta l.
N o que diz re sp e ito à re la ç ã o d e o rd em , p o r exem plo, devem os in tro d u zi-
la em R de fo rm a a p re se rv a r a o rd e m j á ex isten te en tre os racion ais. P a ra
isto, sejam a e f3 dois n ú m e ro s reais q u a isq u er, caracterizad o s pelos co rtes que
C a p ítu lo 1: O s núm ero s reais 31

d e te rm in a m no co n ju n to Q . A ssim , a = ( E \, D i) e P = (E 2 , D 2 ). D izem os que


a = P se E i = E i e a < p se E± é u m su b c o n ju n to p ró p rio de E 2 .
E ssa o rdem , de fato , p reserv a a o rd e m j á e x isten te em Q , pois se oc e p forem
am b os racionais, a definição que a c a b a m o s de d a r de que a < p significa que
to d o valor apro x im ad o p o r fa lta de a ta m b é m o é de P, m as este tem valores
ap ro x im ad o s p p r fa lta su p erio re s a to d o s os d e a , q u e é ex a ta m e n te como deve
ser p a ra preserv ar a o rd em p re e x iste n te em Q .

O p e ra ç õ e s co m n ú m e ro s re a is

A lém d a relação de ordem , é n ecessário d efinir a ad ição e a m ultiplicação de


n ú m ero s reais, os inversos a d itiv o e m u ltip lic a tiv o , e d e m o n s tra r to d a s as p ro­
p ried ad es já conhecidas p a ra os n ú m e ro s racio n ais, b e m com o d e m o n strar que
tu d o o que j á valia n o c o n ju n to Q p e rm a n e c e v álid o d e n tro d a nova e s tru tu ra
de R .
N ão é nosso o b je tiv o desenvolver a q u i to d o esse p ro g ram a. D arem os u m a
id éia de corno isso é feito n o caso d a a d iç ã o , in d ican d o ao leito r o cap ítulo 1
do livro de R udin , ou o c a p ítu lo 28 d o liv ro de S pivak (veja a bibliografia no
fim do livro) p a ra u m tr a ta m e n to co m p le to desses tóp icos. N otam os que, p a ra
sim plificar, nessas d u a s referências o co n ce ito d e c o rte é identificado com apenas
o c o n ju n to E das ap ro x im açõ es p o r f a l t a d o n ú m e ro q u e ele define. De fato, isto
é suficiente, com o no caso de \ / 2 , c u ja c a ra c te riz a ç ã o é c o m p le ta com ap en as as
raízes ap ro x im ad as p o r falta , q u e d e te r m in a m ta m b é m as raízes p o r excesso.
A m a n eira n a tu r a l de definir a so m a d e d ois n ú m ero s reais a = ( E 1, £>1) e
P = (£ 2 , £>2 ) consiste em c o n stru ir o p a r ( E , D ) = a + p , onde E é o conjunto
d as som as de elem entos de E \ com e le m e n to s de E 2 , e D o co n ju n to das som as de
elem entos de D \ com elem entos de D 2 . T o d a v ia , p a ra facilita r as d em onstrações,
é m ais conveniente a d o ta r a definição d a d a a seguir.

1 .4 . D e f in iç ã o . D ados os n ú m e ro s reais a = ( E 1, D 1) e P = (E 2 , D 2 ),
defin im os sua som a a + P com o sen d o o corte (E , D ), onde

E = {x + y: x e E \, y 6 E 2 }

e D é 0 conjunto dos dernais n ú m e ro s ra cion ais.

A p rim e ira coisa que te m o s a fazer a p ó s u m a definição com o e sta é provar


q ue o p a r (E , D ) é de fato u m c o rte , is to é, q u e E e D não são vazios, e que se
x € E e y 6 D , en tão x < y. .
O ra, que E ^ <j>segue do fato d e q u e E \ ^ ct> e E 2 / <f>, de form a que existe
alg um x + y £ E . P a ra p ro v ar q u e D ^ <f> n o tam o s que, to m an d o x € D \ e
y e D 2 , a som a x + y 6 D , pois x + y é m a io r que to d o elem ento de E .
F in alm e n te tem o s de p ro v a r q u e to d o elem en to de E é m enor que todo^..
elem ento de D . P a ra isto, sejam x e E e y € D . S u p o n h am o s, p o r absurdo ,
32 C a pítu lo 1: Os n ú m ero s reais

q u e x > y. E n tã o , x = y + a, com a > 0; e, com o x g E , ex istem m e E i e


n í £ 2 ta is que x = m + n . E m co n seq ü ên cia, y = x — a = (m — a ) + n; e,
com o m —a Ç E i e n e E 2 , concluím os q u e y € E , que é a b su rd o . A ssim , som os
forçados a a ce ita r que x < y, com o q u e ría m o s provar.

O te o r e m a d e D e d e k in d

S abem os que ta n to Q com o R são c o rp o s o rd en a d o s. (V eja a definição de corpo


n a p. 44.) O que realm en te d iferen cia u m desses co rp o s do o u tro é o fato de R
ser com pleto e Q não é. D izer que o c o n ju n to Q n ão é com pleto significa dizer
que h á cortes sem elem ento de se p a ra ç ã o em Q (com o vim os nos E xercs. 4 e 5
a trá s ), ao passo que R ser co m p leto sig n ifica q u e to d o c o rte tem elem ento de
sep aração , este elem ento p o d e n d o e s ta r em R , com o no caso de V 2 .
H á v árias o u tra s m an eiras de e x p re s sa r a co m p letu d e do corpo R dos
nú m ero s reais. U m a delas, d e m o n s tra d a p elo p ró p rio D ed ekind , é 0 te o rem a
que consideram os a seguir.

1 .5 . T e o r e m a . Todo corte de n ú m e ro s reais possui elem ento de separação.

Observação. P o r co rte de n ú m e ro s rea.is en ten d e -se todo par (E , D ) de con­


ju n to s não vazios de núm ero s reais, cuja u n iã o é o co njunto R , e tais que todo
elem ento de E é m en o r que todo ele m en to de D . P ois bem , o teo rem a afirm a
que, d ad o q u alq u er c o rte desse tip o , se m p re h a v e rá u m n ú m ero real a que será,
ou o m aio r elem ento de E ou o m e n o r e le m e n to de D .

D em onstração. C om eçam os o b se rv an d o q u e o c o rte d ad o (E , D ), d ete rm in a


ta m b é m um c o rte (A, B ) de n ú m ero s racio n ais, A send o o c o n ju n to dos n úm eros
racio nais contidos em E e B o c o n ju n to d o s n ú m ero s racion ais contidos em D .
Esse c o rte (A, B ) possui u m elem en to d e se p a ra ç ã o a . P ro varem o s que a ou é
m áx im o de E ou m ínim o de D .
Se q fosse m enor do que alg u m e lem e n to p € E , pelo E xerc. 4 ad ian te,
h av eria u m a infinidade de n ú m ero s ra c io n a is co m p reend id os en tre a e f3; seja c
u m deles. E n tão , a < c, d o n d e c £ B C D . C om o c < /3, pelo E xerc. 1 adiante,
(3 £ D , ab surdo, pois P € E .
Se a fosse m aior do que alg u m elem en to (3 e D , pelo m esm o raciocínio,
h av eria um nú m ero racio n al c c o m p re e n d id o e n tre a e /3. E n tã o , a > c, donde
c e A C E . C om o c > (3, pelo E x erc. 1 a d ia n te , /3 6 E , a b su rd o , pois /? e D.
E m conseqüência, o n ú m ero rea l a é, o u o m a io r elem ento de E o u o m enor
elem en to de D , com o q u eríam o s prov ar.

V erem os o u tra s m an e ira s ú teis d e e x p re s sa r a co m p letu d e de R , d e n tre elas


C a p ítu lo 1: O s n ú m e ro s reais 33

a c h a m a d a “p ro p rie d a d e do su p rem o ” , que co n sid eram o s a seguir.

S u p r e m o e ín f im o d e u m c o n ju n to

D iz-se q u e u m c o n ju n to C de núm eros reais é lim ita d o à d ireita ou lim itado


su p e r io rm e n te se ex iste u m núm ero I< ta l que c < K p a ra to d o c 6 C . Do
m esm o m o d o , C é lim ita do à esquerda ou lim itado in fe rio rm e n te se ex iste um
n ú m ero k ta l q u e k < c p a ra to d o c € C . O s n ú m ero s K e k são cham ados
cotas do c o n ju n to C , su perio r e in ferio r, re sp ec tiv am en te . P o r exem plo, o con­
ju n to dos n ú m e ro s n a tu ra is é lim itad o in ferio rm en te, m a s n ã o su p e rio rm e n te,
e n q u a n to q u e o c o n ju n to dos nú m ero s racio n ais m en ores do qu e 8 é lim itad o
su p e rio rm e n te , m as n ão inferiorm ente. 0 co n ju n to dos n ú m e ro s reais x ta is que
x 2 < 10 é lim ita d o , ta n to à d ire ita com o à esq uerd a; ta l c o n ju n to é o m esm o
q u e o in te rv a lo fechado [—\/lÕ , v^íÕ], isto é,

[-V T Õ . VTÕ] = { x e R : x 2 < 10} = {x € R : V l Õ < .t < n/IÕ}.

U m c o n ju n to com o este últim o, que é lim itad o à d ire ita e à esq u erd a ao
m esm o te m p o , é d ito , sim p lesm en te, conjunto lim itado. E ta m b é m lim itad o
q u a lq u e r in te rv a lo de ex tre m o s finitos a e b.
Q u a n d o u m co n ju n to é lim itad o su p erio rm en te, ele p o d e te r u m elem en to que
seja o m a io r de to d o s, ò q u a l é ch am ad o o m áxim o do c o n ju n to . P o r exem plo,
o c o n ju n to dos n ú m ero s racio n ais x tais que x < 10 te m 10 com o seu m áxim o.
J á o c o n ju n to

.2 3 ?4 ........ ( 7i+
1 -6 )
1
n ã o te m m áx im o , e m b o ra seja lim itad o su p erio rm en te. O s elem en to s desse
c o n ju n to , com o vem os, são frações d isp o stas de m a n e ira crescen te:

1 2 3 n '
< r <
2 3 4 n + 1

e n e n h u m a d essas frações é m aio r do que to d a s as o u tra s. P elo c o n trá rio , q u a l­


q u e r d elas é s u p e ra d a p ela que vem logo a seguir, isto é,

n n + 1
<
■ n + 1 n + 2

N ão o b s ta n te isso, q u a lq u e r elem ento do co n ju n to é m e n o r q u e o nú m ero 1,


o q u a l é, p o rta n to , u m a de suas cotas superiores. A liás, 1 é a m en o r dessas
c o ta s, pois, d a d o q u a lq u e r n ú m ero c < 1 , é sem p re possível e n c o n tra r n ta l que
c < n / ( n + 1) (V eja o E xerc. 8 ad ia n te ), o que q u er d izer q u e c não é co ta
su p e rio r.
34 C a p ítu lo 1: Os núm eros reais

E s te ú ltim o exem plo ilu stra u m a situ a ç ã o in te i'essan te : o co n ju n to é lim itado


su p e rio rm e n te , não te m m áxim o, m as te m c o ta s u p e rio r m ín im a . Isto sugere a
definição de suprem ode um conjunto, m e d ia n te u m a d a s seg u in te s proposições
(que são equiv alentes, como verem os logo a seguir):

1 .6 . D e f in i ç ã o . C ham a-se suprem o de u m co n ju n to C à m e n o r de suas


cotas superiores.
C ham a-se suprem o de um conjunto C ao n ú m e ro S que sa tisfa z as duas
condições seguintes: a) c < S para todo c 6 C ; b) dado qualquer nú m ero e > 0,
existe u m elem ento c € C tal que S — e < c.

P a r a v erm os que a seg u n d a definição é eq u iv ale n te à p rim e ira , b a s ta n o ta r


q u e seu ite m a) nos diz que S é c o ta su p e rio r d e C , e o ite m b) e s tá afirm ando
qu e n ão h á o u tr a c o ta m enor do que essa; logo, e la é a m e n o r de to d a s.
U m a p e rg u n ta n a tu ra l que se põe é a de s a b e r se to d o c o n ju n to lim i tad o
su p e rio rm e n te te m suprem o. A re sp o sta, d a d a a seg u ir, é a firm a tiv a .

1 .7 . T e o r e m a . Todo conjunto não vazio de n ú m e ro s reais, que seja li­


m ita d o superio rm en te, possui suprem o. (E s ta é a p ro p rie d a d e do su p rem o que
m en cio n am o s a trá s.)

D em o n stração. Seja C o co n ju n to em q u e stã o . S e ja E o co n ju n to de todos


os n ú m ero s reais a que sejam m enores que alg u m e lem en to de C , e seja D o
c o n ju n to dos n ú m ero s reais resta n te s. •
D a p ró p ria definição de E e D , vê-se que ( E , D ) é u m c o rte em R . S eja o o
elem e n to de sep a raç ão desse co rte, p o rta n to , o u a é o m a io r e lem en to de E ou o
m e n o r elem en to de D . M as a não p o d e p e rte n c e r a E , sen ão ele seria m en o r do
qu e u m elem ento c 6 C , o m esm o sendo v e rd a d e de to d o s os elem entos /? en tre
a e c, d o n de /? 6 E \ e a não seria o elem en to de se p a ra ç ã o d e (E , D ) (faça u m a
re p re se n ta ç ã o gráfica, p a ra a ju d a r n a co m p reen são ).
A ssim , concluím os que a é o m enor elem en to de D , ou seja, a m en o r co ta
s u p e rio r de C , com o queríam os provar.

N essa d e m o n straç ão não h á com o sa b e r se o su p re m o é o u n ã o o m áxim o


d o c o n ju n to C . E claro que se o c o n ju n to po ssu i m áx im o , e ste é tam b ém o
seu su p rem o . M as o co n ju nto p o d e n ão te r m áx im o , com o no exem plo dado
e m ( 1 . 6 ). O u tro exem plo de co n ju n to cujo su p re m o n ã o é m áx im o é q u alq u er
in te rv alo a b e rto à d ireita , como

- ' [ - 5 , 12) = {x e R -. - 5 < x < 12},

q ue n ã o tem m áx im o , m as tem 12 com o seu su p rem o .


A p a rte b) d a seg u n d a definição de su p re m o nos d iz q u e q u a lq u e r nú m ero
à e sq u e rd a de S , isto é, S — e, te rá algum e lem en to c d e C à su a d ire ita. Tal
C a p ítu lo 1: Os n ú m e ro s reais 35

e le m en to c p o d e ser o p róprio 5 , q u a n d o e ste for o m áx im o do co n ju n to . P or


ex em p lo , o c o n ju n to

{2, 3, 9 /2 , 5, 6 , 1 3 /2 , 7}

te m su p re m o 7, que é tam b ém seu m áxim o. D ado e = 1 /2 , S — e será 13/2: e


o ú n ico elem en to do conju n to à d ire ita de 1 3 /2 é o p ró p rio 7.
A noção de ín fim o é in tro d u zid a de m a n e ira a n á lo g a à de sup rem o.

1 .8 . D e f in i ç ã o . C ham a-se ínfim o de u m conjunto C à m a io r de suas cotas


in fe rio re s; o u a in d a
C ha m a -se ín fim o de u m conjunto C ao n úm ero s que sa tisfa z as diias
condições seguintes; a) s < c para todo c £ C ; b) dado qualquer núm ero e > 0 ,
existe u m elem en to c 6 C tal que c < s + e.
C om a p ro p rie d a d e do su p rem o prova-se que todo co n ju n to não vazio de
n ú m e ro s reais, que seja lim itado in fe rio rm e n te p o ssu i ín fim o . (E xerc. 10 ad i­
a n te .)
C o n ju n to s n ão lim itad os à d ire ita c e rta m e n te não p o ssu em sup rem o s finitos.
C onvencio na-se co n sid erar + 0 0 com o o su p rem o desses co n ju n to s. A nalog a­
m e n te , —00 é co nsiderado o ínfim o dos co n ju n to s n ão lim ita d o s inferiorm ente.
O bserv e que se nos ativerm os ao co n ju n to dos n ú m e ro s racio n ais, e n tã o não
s e rá v erd a d e que to d o conjunto lim itad o su p e rio rm e n te te n h a su p rem o ou que
to d o c o n ju n to lim ita d o inferiorm ente te n h a ínfim o. J á v im o s isso com o exem plo
clássico de \/2 no E xerc. 4 d a p. 28.
O bserve ta m b é m que agora, com a p ro p rie d a d e do su p rem o , p od em os
d e m o n s tra r que o núm ero 2 possui raiz q u a d ra d a (E x erc. 13 a d ia n te ). L em bre-
se do q ue foi d ito n a p. 8 : a d e m o n straç ã o q u e lá fizem os foi ap e n a s u m a
d e m o n s tra ç ã o d e q u e não existe nú m ero ra cio n al cu jo q u a d ra d o seja 2. M ais
d o q u e isso, provam os agora que q u a lq u er n ú m ero p o sitiv o po ssu i raiz n-ésim a
(E x erc. 14 a d ia n te ). .

E x e rc íc io s
1. Dado um corte ( E , D), prove que se e € E e x < e, então x € E \ e que se d £ D e y > d,
então y 6 D . Isso significa que E é uma semi-reta que se estende para —00 e que D uma
sem i-reta estendendo-se para + 00.
2. Seja r um número racional. Prove que o conjunto E dos números racionais menores do
que r não tem máximo; e que o conjunto dos números racionais maiores do que r não tem
mínimo.
3. D ados dois números reais quaisquer, a e 0, prove a chamada lei da tricotomia, que diz: ou
a < P, ou a = /? ou or > 3.
((^/Prove que entre dois números reais distintos há uma infinidade de números racionais,
rove que entre dois números reais distintos há uma infinidade de números irracionais.
36 C a p ítu lo 1: Os n ú m e ro s reais

6. Dados três números reais a , p e 7 , prove que a < p e p < - y = > a < 7 .
7. Dado um número real a = (E , D), defina o oposto —a tal que a + ( —a ) = 0.
8. Prove que o número 1 é efetivamente o supremo do conjunto definido em (1.6), mostrando
que, dado e > 0, existe N tal que n > N =>• 1 —e < n / ( n 1).
9. Considere o conjunto { l / m —l / n : m, n € N } . Prove que —1 e 1 são o ínfimo e o supremo
desse conjunto, respectivamente, e que eles não pertencem ao conjunto.
10. Prove que todo conjunto limitado inferiormente tem ínfimo.
11. Prove que a > 1 => a n > a para todo inteiro n > 1.
12. Prove que 0 < a < l = > a n < a para todo inteiro n > 1.
13. Use a propriedade do supremo para provar a existência da raiz quadrada positiva de 2.
14. Generalize o exercício anterior, isto é. use a propriedade do supremo para provar a existência
da raiz n -ésim a positiva de qualquer número a > 0 , a ^ l .
15. Sejam A e B conjuntos numéricos não vazios. Prove que

A C B => inf A > inf B e sup A < sup B .

16. Sejam A e B dois conjuntos numéricos não vazios, tais que a < b para todo a G A e todo
b 6 B . Prove que sup A < inf B . Com a mesrpa hipótese, prove ainda que sup A = inf B
qualquer que seja e > 0, existem a € A e b E B tais que b — a < e.
17. Sejam A e B dois conjuntos numéricos não vazios, limitados inferiormente, e r um número
tal que r < a 4- b para todo a 6 A e todo b G B . Prove que r < inf A inf B . Enuncie e
dem onstre resultado análogo para os supremos.
18. Dados dois conjuntos numéricos limitados A e B , definimos o conjunto A + B = {a -\-b:
a 6 A, b € B } . Prove que sup(A + B ) = sup A + sup B , e inf(.A + B ) = inf A + inf B .
19. Dado um conjunto numérico limitado A, e um número real qualquer a , definimos o conjunto
a A = {cta: a 6 A } . Mostre então que sup(aA ) = a s u p A , in f(a A ) = a inf A se a > 0;
e su p (a A ) = a inf A se a < 0. Em particular, su p (—A) = —inf A , ou ainda, sup A =
- i nf(-A).

S u g e s tõ e s e so lu ç õ e s
1. Raciocine por absurdo. Veja bem, a negativa da primeira proposição dada é: existem um
e G E e um x < e tal que x ^ E , donde x € D. Confronte isso com a definição de corte
para encontrar o absurdo.
2. Tem-se de provar que, dado e 6 E , existe e 6 E , e > e. Para isso, seja e > 0 um número
racional tal que e < r — e. Então, e = e + e < e + (r — e) = r; logo, e € E e e > e.
Dem onstre a segunda parte.
5. Sejam a e p os números reais dados, com a < p. Se a for racional, os infinitos números
a + V 2 / n , a + s/2 / ( n + 1), a + >/2/(n + 2), a + \Í2 /( n + 3 ) , . . . são todos irracionais; e
estarão todos entre a e p , desde que n seja suficientemente grande; por exem plo, basta que
a ■+■ \ / 2 / n seja menor do que p , ou seja, n > y/2/ { p — a ). O leitor termine fazendo o caso
em que a for irracional.
Faça outro raciocínio, servindo-se do resultado do exercício anterior.
7. Seja d o elem ento de separação no corte (E, D), d é o menor elem ento de D. Sejam
E ' — D U { d } e D ' = D — {d}. Prove que —a — { ~ D r, —E ' ) é realm ente um corte, e
que satisfaz a condição desejada. Lembre-se de que 0 = (A , B ), onde A é o conjunto dos
números racionais negativos e B é o conjunto dos números racionais > 0.
C apítulo 1: Os números reais 37

y. Observo que a negação de “x é menor que algum elemento de C ” é “z é maior ou igual a


todo elemento de C ”.
9. N > (1 - e ) / e . .
10. Seja A um conjunto lim itado inferiormente e seja B o conjunto de todas as cotas inferiores
de A. E claro que B não é vazio e é limitado superiormente por qualquer elemento de A ,
de forma que B tem supremo; além disso, sendo s esse supremo, todo número menor do
que s pertence a B . Vamos provar que s é o ínfimo de A. Observe que a) s < a para todo
a 6 A, pois qualquer número menor do que s está em B . Ademais, b) dado e > 0, existe
a G A tal que a < s -f s, senão todo número menor do que S + e estaria em B e s não seria
0 supremo de B .
11. a > 1 => a2 > a, logo a 2 > a > 1. Isso, por sua vez, implica a'1 > a2 > a. Assim
prosseguimos a'té chegarmos a a n > a n_1 > . . . > a.
12. Observe que 6 = l / a > 1.
13. Considere o conjunto C dos números c > 0 tais que c < 2. Trata-se de um conjunto
não vazio, pois contém o número 1. Vemos também que C é limitado superiormente (pelo
número 2, por exem plo). Designando por b seu supremo, vamos provar que b2 = 2. Para
isso, mostremos primeiro que é absurdo ser 62 < 2. De fato, nesta hipótese, seja e um
número positivo menor do que 1, de sorte que

■ (6 + e)2 = b2 + 26c + £2 = 62 + e(2 b + e) < b2 + (2 b + l ) í .

Determine s fazendo este últim o número menor do que 2 e termine a demonstração. Se


necessário, estude a dem onstração do exercício seguinte e volte a este.
14. Supomos, evidentem ente, que n > 1 . Devemos provar que existe um número 6 > 0 tal que
bn = a. Para isso consideramos o conjunto C dos números c > 0 tais que cn < a. Trata-se
de um conjunto não vazio, pois contém o número 1 se a > 1 e, de acordo com o Exerc. 12,
contém o número a se a < 1. Vemos também que C é limitado superiormente, pelo número
1 se a < 1 e pelo próprio a se a > 1. Designando por 6 seu supremo, vamos provar que
bn = a. Para isso, m ostrem os primeiro que é absurdo ser bn < a. De fato, nesta hipótese,
seja eum número positivo menor do que 1, de sorte que

(6 4- e ) n = bn -I- nbn~ 1E + . .. + en

■= b" + £ [n 6-‘- 1 + U(U~ ' V - 2£ + ... + £" - ‘]

< ' 6n + £ [nft"-1 + - (n 2~ - - )- í,n- 2 + . . . + l] = b" + K e ,

onde K é a expressão entre colchetes, que independe de e. Ora, fazendo e < (a — bn ) / K ,


teríamos bn < (6 + e )n < a, absurdo, pois então b não seria o supremo do conjunto C.
Mostremos agora que é absurdo ser bn > a. Isso implica (1 /6 )^ < l / a . Então, com
raciocínio análogo ao que acabam os de fazer, existe e > 0 tal que

doade obtemos
bn > Í-- > a.
Kl + beJ
Ora, isso também contradiz o fato de b ser o supremo do conjunto C, de forma que devemos
concluir que bn = a, como desejávamos.
38 C a p ítu lo 1: O s n ú m e ro s reais

15. Faça um desenho para ajudar no raciocínio. Como A C B , todo elem ento de A é maior ou
igual a algum elem ento de B e menor ou igual a algum outro elem ento de B .
16. Raciocine por absurdo: se inf B < s upA, pela definição do supremo teria de haver algum
elemento de A maior do que inf B; e pela definição do ínfimo, esse elem ento de A seria maior
do que algum elem ento de B . Você está fazendo um desenho para ajudar no raciocínio?
17. Como r < a + b para todo a G A (e 6 fixo), devemos ter r < m f A + b (se n ã o . ..); e como
isto é verdade para todo 0 6 5 , devemos ter também r < inf A + inf B .

D e s ig u a ld a d e d o tr iâ n g u lo

0 leito r c e rta m e n te conhece a definição de valor absoluto d e u m n ú m e ro r ,


in d icado p elo sím bolo |r |, e que é igual a r se r > 0 e a —r se r < 0. M u ito
im p o rta n te em nosso e stu d o 6 a c h am a d a desigualdade do triâ n g u lo , seg u n d o a
qual,
• |o + 6 | < M + | 6 |, . (1.7)

q u a isq u e r que se jam os n ú m ero s a e 6 . P a ra d e m o n strá-la o b serv am o s que

|a + 6 |2 = (a + b)2 = a 2 + b2 + 2ab = \a\2 + \b\2 + 2ab

< |a |2 + |6|2 + 2 |a ||6 | = (|a | + |6 |)2.

A go ra é só e x tr a ir a raiz q u a d ra d a p a ra o bterm os o re su lta d o desejad o .


A d e sig u ald a d e (1.7) p o d e tam b ém ser estab elecid a p o r verificação d ire ta ,
co n sid eran d o as v á ria s hipóteses: 1) a > 0 e í> > 0; 2) a < 0 e 6 < 0; 3) a > 0 > b
e a > |ò| etc. D eixam o s ao leito r a ta re fa de verificar que em (1.7) vale o sinal
de ig u a ld a d e se e so m en te se a e b tiv erem o m esm o sinal.

Fig. 1.10

1 .9 . O b s e r v a ç ã o . A d esigu ald ad e (1.7) é ch a m a d a “‘d e sig u ald a d e do tr i­


â n g u lo ” p o rq u e ela é v á lid a tam b ém quando a e b são v eto res, d ig am o s a e
b . N este caso, a , b e a + b são os três lados de u m triâ n g u lo (Fig. 1.10) e a
d esig u ald ad e tr a d u z a p ro p ried a d e geo m étrica b em conhecida: em u m triângulo
qualquer lado é m e n o r do que a so m a dos outros dois, isto é, se a e b n ão são
colineares e n e n h u m deles é o v eto r nulo, en tão

|a + b | < |a | + |b |.
C a p ítu lo 1: O s n ú m e ro s reais 39

D eixam os ao leito r a ta re fa de d e m o n s tra r, com o exercícios, as o u tra s de­


sig u ald ad es seguintes:

( 1.8 )

|b| ~ M < |a ± b\; |a | — | 6 | < |a ± 6 | (1.9)

U m a im p o rta n te p ro p ried a d e dos n ú m ero s n a tu r a is é o p rin cíp io q u e enunciam os


a seguir.

E x e rc íc io s
1. Prove as quatro desigualdades em (1.8) e (1.9).
2. Prove que se a desigualdade |a| — |ò| < |a —ò| é válida quaisquer que sejam a e b. o mesmo
é verdade de |a + b\ < |a| + |ò|. .
3. Prove por indução que |ai + 02 4- . . . 4- a n| < |a i| 4- |a 2 | 4 - . . . 4- |an|, quaisquer que sejam
os números a i, 02, . . . , a n .
4. P rove que |a i 4- «2 4- . . . + a n | > |a i | — |a 2 | — . . . — |a n |, quaisq u er que sejam os núm eros
a 1 , ã 2 , • • • , CLn-

S u g e s tõ e s e s o lu ç õ e s
1. A primeira desigualdade em (1.5) é conseqüência de (1.7) com —b em lugar de 6. Quanto
à segunda com sinal negativo, observe, por (1.7), que

|a| = |(a - 6). + fe| < \a — ò| 4* |6|.

Trocando ò por —b obtemos a desigualdade com sinal positivo. A primeira desigualdade em


(1.9) segue da segunda de (1.8) com a troca de a com ò. Finalm ente, a segunda desigualdade
em (1.9) segue das duas últimas mencionadas; basta observar que

x < r e —x < r \x\ < r.

2. Faça a — 6 = c e observe que se a e b são arbitrários, o mesmo é verdade de 6 e c.


4. Observe que

|ai + a.2 + • • • + «n| — |«i + (a 2 + ... + Qn)|


> |a i| — |a2 + . . . 4* a n | > |o i| - (|a2| + . . . |a „ |)
|ai| - \ç-2 1- ... —|a n

N o ta s h is tó ric a s e c o m p le m e n ta re s

O s E l e m e n t o s d e E u c lid e s
Temos muito pouca informação sobre Euclides, que teria vivido por volta do ano 300 a.C. E
esse pouco que dele sabemos nos vem dos comentários de Proclus (410-485), um autor que
viveu mais de 700 anos depois de Euclides. Mesmo Proclus tem dificuldade em determinar a
40 C a pítulo 1: O s n ú m e ro s reais

época em que viveu Euclides.


Euclides escreveu várias obras científicas, a mais famosa das quais, conhecida com o nome
de “Elementos”, é uma coletânea de 13 livros, reunindo quase todo o conhecimento m atem ático
da época em que foi escrita. Em parte por causa disto, e também por tratar-se de uma obra
de escol, que reunia a maior parte da M atem ática então conhecida, as obras anteriores aos
Elementos desapareceram. A única exceção são alguns fragmentos atribuídos a Hipócrates de
Quio, que viveu no século V a.C. Assim , os Elem entos de Euclides são praticamente tudo o
que temos da M atem ática grega que se desenvolveu desde seu início com Tales de M ileto, que
viveu no século VI a.C., até o tem po de Euclides. Trata-se de um período de cerca de 250 anos,
aliás, muito pouco tem po para que a M atem ática, logicamente organizada, evoluísse do estágio
embrionário em que se encontrava com Tales, até o alto grau de sofisticação que transparece
nos Elementos.
Não sabemos se Euclides escreveu os Elementos para uso no ensino, ou apenas para reunir
o conhecimento m atem ático da época. Naquele tempo não havia a preocupação pedagógica dos
dias de hoje, de sorte que Euclides alcançou os dois objetivos. E os Elementos foram m uito
usados no aprendizado da M atem ática por mais de dois milênios. No século XIX já havia
outros livros de Geometria, didaticam ente mais adequados ao ensino, notadam ente o livro de
Legendre, que teve muitas edições em várias línguas, inclusive o português. Esse livro foi m uito
usado nas escolas brasileiras por quase todo o século XIX. (Veja nosso artigo “Legendre e o
postulado das paralelas” na R PM 22.)
Um equívoco que se com ete com freqüência é pensar que os Elementos são um a obra
apenas sobre Geometria. N a verdade, há muito de Aritmética e Álgebra em vários dos livros
dos Elementos. O que é verdade — e isto explica, pelo menos em parte, a origem do equívoco
— é que a M atem ática grega na época em que Euclides compôs sua obra, era toda ela geo-
metrizada. De fato, como vim os atrás, a crise dos incomensuráveis e a genial solução que lhe
deu Eudoxo, aliada a uma excessiva preocupação com o rigor, encaminhou toda a M atem ática
para o lado da Geometria. Isso se tornou tão arraigado que até o início do século XIX os
m atemáticos costumavam ser cham ados de “geôm etras” . Era comum, por exem plo, referir-se
a um m atem ático como Henri Poincaré (1854-1912) como t:o grande geômetra francês” , embora
ele fosse um homem de cultura universal, em M atemática, Física, Filosofia e outros domínios
do conhecimento. Ainda hoje certos professores de M atemática de universidades inglesas têm
o título de “Professor of G eom etry” .
Um outro equívoco não m enos freqüente é pensar que os fatos geométricos dos Elem entos
de Euclides sejam expressos numericamente como o são para nós hoje. Para exemplificar,
enquanto para nós a área de um triângulo é dada por uma fórmula exprimindo m etade do
produto da base pela altura, para Euclides a área de um triângulo é m etade da área do pa
ralelogramo que se obtém com a junção de dois triângulos iguais ao triângulo dado; a área
do paralelogramo é igual à área de um retângulo de mesma base e mesma altura, e assim por
diante. Para nós, hoje, a área de um círculo é n r 2, m as para Arquimedes (287-212 a.C .), que
viveu algumas décadas depois de Euclides, a área do círculo é igual à área de um triângulo
de base igual ao comprimento da circunferência e altura igual ao raio do círculo. Para nós o
volume da esfera é 47rr3/3 , enquanto o que Arquimedes nos diz é que o volume da esfera está
para o volume do cilindro circular reto a ela circunscrito assim como 2 está para 3; e isto é
informação suficiente. Na M atem ática grega, antes e durante o período helenístico, não havia
fórmulas como é tão comum hoje em dia; tudo era dado em termos de proporções, como no
caso do volume da esfera que acabam os de mencionar. E isso perdurou no Ocidente por mais
um milênio após o declíneo da civilização helenística.

O c o n te ú d o d o s E le m e n to s
Os Elementos, para nós hoje, são um a obra antes de tudo de valor histórico. Sua melhor versão
C ap ítulo 1: O s n ú m e ro s reais 41

é a tradução inglesa dc Thom as L. Hcath (publicada pela Editora Dover cm trôs volum es).
Isto porque H eath enriqueceu sobremaneira a obra de Euclides com uma excelente introdução,
além de inúmeros, valiosos e esclarecedores comentários.
O volume I reúne os Livros I e II dos Elementos, o primeiro destes contendo um a boa parte
da geom etria plana, construções geométricas, teoremas de congruência, áreas de polígonos e o
teorema de Pitágoras (que é a Proposição 47). Ainda no volume I de Heath encontra-se o Livro
II dos Elem entos, sobre o que se costum a chamar de “Álgebra geom étrica” . Por exem plo, a
Proposição 4 desse Livro II é o equivalente, em linguagem geométrica, da propriedade que hoje
conhecemos com o “quadrado da soma” (igual ao quadrado do primeiro, m ais o quadrado do
segundo, m ais duas vezes o primeiro vezes o segundo). Euclides enuncia isto geom etricam ente
assim: “se um segm ento de reta é dividido em dois, o quadrado construído sobre o segm ento
inteiro é igual aos quadrados sobre os segmentos parciais e duas vezes o retângulo construído
com estes segm entos”. Euclides não fala, mas ele está se referindo a áreas, quando diz “...é
igual...” ;
O volume II de Heath contém os Livros III a IX dos Elementos, tratando do círculo (Livro
III), construção de certos polígonos regulares (Livro IV), teoria das proporções de Eudoxo
(Livro V ), Sem elhança de figuras (Livro VI) e teoria dos nmeros (Livros VII-IX). Por exem plo,
a Proposição 20 do Livro IX é o famoso teorema: “existem infinitos números primos” . M as Eu­
clides não fala “infinitos” , já que os gregos não admitiam o que Aristóteles chama de “infinito
atual” , apenas o cham ado “infinito potencial*’. Em linguagem de hoje ele diz o seguinte: “Dado
qualquer conjunto (finito, entenda-se bem!) de números primos, existe algum número primo
fora desse conjunto” . E a demonstração, novamente, é geométrica. Segundo o m atem ático
inglês Godfrey Harold Hardy (1877-1947). trata-se de uma das m ais belas dem onstrações da
Matemática.
Finalm ente, o volum e III de Heath contém os Livros X-XIII, onde são tratados a incomen-
surabilidade, geom etria espacial e os poliedros regulares.
O leitor pode ler m ais sobre os Elementos no excelente trabalho do Prof. João Bosco
Pitom beira sobre essa obra, publicado como volume 5 dos Cadernos da RPM; ou no livro de
Asgar A aboe, intitulado “Episódios da História Antiga da M atem ática”, traduzido e publicado
pela SBM.

A G e o m e tr ia d e d u tiv a
Foi no século VI a.C. que Tales de Mileto inaugurou na M atem ática a preocupação demons­
trativa. A partir de então a M atem ática grega vai assumindo o aspecto de um corpo de
proposições logicam ente ordenadas: cada proposição é demonstrada a partir de proposições
anteriores, estas a partir de outras precedentes, e assim por diante, um processo que não
teria fim. Mas os gregos logo perceberam isso e viram que era necessário parar o processo
em certas proposições iniciais, consideradas evidentes por si mesmas; a partir destas todas
as outras são dem onstradas. As proposições, evidentes por si mesmas, são hoje designadas,
indiferentemente, “postulados” ou “axiom as”. O aspecto mais im portante dos Elem entos é
essa organização dos fatos, num admirável encadeamento lógico-dedutivo em que um reduzido
número de proposições e definições iniciais são o bastante para se demonstrar, uns após outros,
todos os teorem as considerados. Historicamente, os Elementos são a primeira corporificação
desse “m étodo axiom ático” , de que voltaremos a falar mais adiante.

A s g e o m e tria s n ã o -e u c lid ia n a s
Embora muito admirado e aplaudido, o modêlo axiomático dos Elem entos, no que se refere ao
5 - postulado, ou postulado das paralelas, suscitou questionamentos. Já na antigüidade vários
m atem áticos acreditavam que ele pudesse ser demonstrado com base nos outros postulados, e
42 C apítulo 1: Os n ú m ero s reais

tentaram fazer tal demonstração. Essas tentativas de demonstração foram retomadas nos tem­
pos modernos pelo matemático italiano Girolamo Saccheri (1667-1733), que publicou, pouco
antes de morrer, um opúsculo no qual pretendia ter demonstrado o postulado pelo método
de redução ao absurdo. Assim, negando o postulado, ele demonstrou uma série de teoremas,
concluindo ter chegado a uma contradição. M as, no fundo, no fundo, não havia contradição
nas conclusões de Saccheri, embora isso só fosse notado muito mais tarde, quando Eugênio
Beltrami (1835-1900) descobriu o trabalho de Saccheri.
Por volta de 1830 já havia sérias suspeitas de que o postulado das paralelas não pudesse ser
demonstrado a partir dos outros. Em outras palavras, suspeitava-se que se pudesse desenvolver
uma geometria a partir de negações do postulado das paralelas, ao lado dos outros postulados
de Euclides. Foi nessa época que o m atem ático húngaro János Bolyai (1802-1860) e o russo
Nicokolai Ivanovich Lobachevsky (1792-1856) publicaram, independentemente um do outro,
a descoberta de geometrias não-euclidianas, ou seja, geometrias que negam o postulado das
paralelas.6
Mas as publicações de Bolyai e Lobachevski não foram suficientes para convencer o mundo
m atem ático da possibilidade das geom etrias não-euclidianas. N a verdade, esses trabalhos eram
parecidos com o de Saccheri: negavam o postulado das paralelas e desenvolviam uma série de
teoremas sem chegar a contradição alguma. M as, e daí? quem garante que a contradição não
está para aparecer logo no próximo teorem a que ainda não foi demonstrado? Quem garante
que todos os teoremas já foram enunciados e dem onstrados? „
Aliás, foi somente após essas questões serem levantadas em conexão com as tentativas
de demonstrar o postulado das paralelas, ou construir geometrias não-euclidianas, que os
matemáticos começaram a perceber que a própria Geometria de Euclides também estava su­
jeita aos mesmos questionamentos. Quem poderia garantir que os cinco postulados de Euclides
não poderiam levar a uma contradição? Afinal, Euclides demonstrara apenas um número finito
de teoremas. Quem sabe a contradição poderia aparecer no próximo teorema, como alguém
que, depois de tanto percorrer as areias de um deserto à procura de um oasis, quando não mais
acredita que ele exista, pode — agora por felicidade e não desdita — encontrá-lo do outro lado
da próxima duna!...
Foi Beltrami quem primeiro exibiu um m odelo de geometria não-euclidiana que permitia
interpretar os fatos dessa geometria em term os da própria geometria euclidiana. Outros mo­
delos foram construídos por Felix Klein (18 49 - 1925) e Henri Poincaré, estes também, como o
de Beltrami, apoiando-se na geometria euclidiana.
Foi a partir de então — após esses vários m atem áticos haverem exibido modelos eucli­
dianos das geometrias não-euclidianas — , que estas geometrias ganharam total credibilidade.7
Provava-se que elas eram consistentes, isto é, livres de contradições internas. Mas tais provas
apoiavam-se na geometria euclidiana, de sorte que elas tornavam ao mesmo tempo evidente
a necessidade de provar a consistência da própria Geom etria de Euclides. Os matemáticos
começaram então a estudar a consistência dos postulados de Euclides, e logo perceberam que
eles eram insuficientes para provar os teoremas conhecidos, sem falar nos demais que viessem
a ser considerados no futuro. Analisando os Elem entos desse novo ponto de vista, eles desco­

tíQuando jovem, o pai de Bolyai havia sido colega de Gauss em Gõttingen. E quando
o filho pôs suas idéias por escrito, ele (o pai) enviou um exemplar d o ;manuscrito a Gauss.
Mas este, pouco sensível ao entusiasmo do jovem János, escreveu de volta dizendo mais ou
menos o seguinte: “sim, mas isso que seu filho fez não é novidade para mim, que percebi
essa possibilidade há muitos anos, em minha juventude” . Tudo indica que Gauss foi mesmo o
primeiro matemático a perceber a possibilidade das geometrias não-euclidianas.
7Estamos deixando de lado uma outra vertente importantíssim a no desenvolvimento das
geometrias não-euclidianas, devida a Riemann, m as que não é necessária no momento.
C a p ítu lo 1: O s n ú m e r o s reais 43

briram que a axiom ática euclidiana era muito incompleta e continha sérias falhas. Euclides,
em suas dem onstrações, apelava para muitos fatos alheios aos postulados. Era necessário
reorganizar a própria geometria euclidiana, suprindo, inclusive, os postulados que estavam fal­
tando. Isto foi feito por vários m atemáticos no final do século XIX, dentre eles David Hilbert
(1862-1943) que, em 1889 publicou o livro “Fundamentos da Geometria'', no qual ele faz uma
apresentação rigorosa de uma axiom ática adequada ao desenvolvim ento lógico-dedutivo da
geom etria euclidiana.
Paralelam ente ao que acontecia em Geometria, as preocupações com o rigor se faziam
presentes tam bém na Análise M atemática a partir de aproxim adam ente 1815, e sobre isso
falaremos nas notas do final do Capítulo 4.

O s F u n d a m e n to s d a M a te m á tic a
Os desenvolvim entos que vinham ocorrendo na Geometria, na Álgebra e na Análise durante
todo o século XIX convergiram, no final do século, para uma preocupação com os fundamentos
de toda a M atem ática. Por duas razões importantes os m atem áticos acabaram se conven­
cendo de que todas as teorias matemáticas teriam de se fundamentar, em últim a instância,
nos números naturais. De um lado, os números complexos, os números reais, os racionais e
os inteiros puderam ser construídos, de maneira lógica e consistente, uns após outros, termi­
nando nos números naturais. De outro lado, Hilbert estabelecera uma correspondência entre
os elem entos geométricos do piano — pontos e retas e círculos — com os entes numéricos
da geom etria analítica. Os pontos podem ser caracterizados por pares ordenados de números
reais, e as retas e círculos por suas equações. Isto permitiu transferir o problem a da con­
sistência da Geom etria à consistência da Aritmética. Provando-se a consistência desta, ficaria
tam bém provada a consistência da Geometria. Assim, a Geometria, que desde a antigüidade
era considerada o modelo de rigor lógico, estava agora dependendo da própria Aritm ética para
sua efetiva fundamentação.
Leopold Kronecker (1823-1891) dizia que Deus nos deu os números naturais e que o resto
é obra do homem. Com isto ele queria dizer que esses números deveriam ser tomados como
o ponto de partida, o fundamento último de toda a M atemática. Não obstante isso, Richard
Dedekind m ostrou ser possível construir os números naturais a partir da noção de conjunto,
noção esta que seria mais extensam ente desenvolvida por Georg Cantor (1845- 1918).8
A possibilidade de construir toda a M atem ática a partir da teoria dos conjuntos intensi­
ficou o interesse por esse campo de estudos. Porém, esses estudos estavam ainda incipientes
e os m atem áticos já começavam a encontrar sérias contradições internas na teoria.9 Muitas
dessas contradições foram resolvidas, até que, em 1931 o lógico austríaco Kurt Gõdel (1906­
1978) surpreendeu o mundo m atem ático com a publicação de um trabalho em que demonstrava
que o m étodo axiom ático tem inevitáveis limitações, que im pedem m esm o a possibilidade de
construir um sistem a axiom ático abrangendo a Aritmética.
Para entender melhor o que isso significa, devemos lembrar que um sistem a axiom ático
deve satisfazer às três condições seguintes: ser consistente, quer dizer, os postulados não podem
contradizer uns aos outros, por si mesmos ou por suas conseqüências; deve ser com pleto, no
sentido de serem suficientes para provar verdadeiras ou falsas todas as proposições formuladas
no contexto da teoria em questão; e, por fim, cada postulado deve ser independente dos de­
mais, no sentido de que não é conseqüência deles, sob pena de ser supérfluo. Pois bem, Gõdel
prova, dentre outras coisas, que a consistência de qualquer sistem a m atem ático que englobe
a A ritm ética não pode ser estabelecido pelos princípios lógicos usuais. Isto ele prova como

s O m atem ático italiano Giuseppe Peano (1858-1932) mostrou como construir esses números
a partir de noções primitivas e postulados.
A propósito, veja o artigo que publicamos na RPM 43.
44 CapítuJo 1: O s núm eros reais

conseqüência deste seu outro resultado, conhecido com o o teorem a da incompletude: se uma
teoria formal abrangendo a Aritmética for consistente, ela necessariamente será incompleta, o
que significa dizer que haverá alguma proposição sobre os inteiros que a teoria será incapaz de
decidir ser verdadeira ou falsa.
Seria errôneo pensar que os estudos de Fundamentos terminam com os resultados de Gõdel,
ou que esses resultado, pelos seus aspectos negativos, condenam a M atem ática a uma posição
inferior no contexto do conhecimento humano. O resultado de Gõdel certam ente mostra que é
falsa a expectativa acalentada desde a antigüidade de que o conhecim ento matem ático, com seu
caráter de certeza absoluta, possa ser ciscunscrito nos lim ites perm itidos por um sistema axio­
m ático. Além de revelar as limitações do m étodo axiom ático, os resultados de Gõdel mostram,
isto sim, que as verdades matemáticas, na sua totalidade, escapam aos figurinos formais dos
sistem as axiomáticos.
Hermann Weyl (1885-1955), que está entre os maiores m atem áticos do século XX, disse,
espirituosamente: Deus existe porque certamente a M atem ática é consistente; e o demônio
existe porque som os incapazes de provar essa consistência.

D e f in iç ã o d e c o r p o
O leitor encontrará, em livros sobre estruturas algébricas exposições sobre a teoria de corpos.
Daremos aqui apenas a definição de corpo, sem entrar em maiores detalhes.
Um corpo (coinutativo) é um conjunto não vazio C, munido de duas operações, chamadas
adição e multiplicação, cada uma delas fazendo corresponder um elemento de C a cada par de
elementos de C , as duas operações estando sujeitas aos axiomas de corpo listados a seguir. A
som a de x e y de C é é indicada por x + y e a m ultiplicação de x e y é indicada por xy . Os
axiom as de corpo são:
1. (Associatividade) Dados quaisquer x, y, z E C , .

(x + y) + 2 = x + (y + z) e (x y ) z = x ( y z ) \

2. (Comutatividade) Quaisquer que sejam x, y E C,

x + y = y + x e x y — yx;

3. (Distributividade da multiplicação em relação à adição) Quaisquer que sejam x , y, z €


C, x ( y -f z) = x y + xz \
4. (Existência do zero) Existe um elem ento em C , chamado “zero” ou “elemento neutro”,
indicado pelo símbolo “0” , tal que x + 0 = x para todo x E C.
5. (Existência do elemento oposto) A todo elem ento x G C corresponde um elemento
x ’ 6 C tal que x + x = 0 . (Esse elem ento x , que se dem onstra ser único para cada x, é
indicado por —x.)
6. (Existência do elemento unidade) Existe um elem ento em C, designado “elemento
unidade” e indicado com o símbolo “1”, tal que l x = x para todo x G C.
7. (Existência do elemento inverso) A todo elem ento x £ C, x ^ 0,corresponde um
elem ento x ” E C tal que x i ” = 1. Esse elemento x ” , que se dem onstra ser único para cada x,
é indicado com x -1 ou l / x .
O corpo se diz ordenado se nele existe um subconjunto P , chamado o conjunto dos ele­
m ento s positivos, tal que: a) a soma e o produto de elem entos positivos resulta em elementos
positivos; b) dado x € C, ou x G P , ou x = 0, ou —x G P .
Capítulo 2

S E Q Ü Ê N C IA S I N F I N I T A S

In te rv a lo s 1

A ntes de e n trarm o s p ro p ria m e n te no a ss u n to d e ste c a p ítu lo , vam os rever algu­


m as definições sobre intervalos n u m é ric o s, que serão u sa d a s n este e nos cap ítulos
seguintes.
D ados dois núm eros o e b, com a < b, ch a m a -se intervalo aberto de extrem os
a e b, d e n o ta d o p o r (a, b), ao co n ju n to

(a, b) = { x £ R : a < x < b}.

Se incluirm os os extrem os a e b no intervalo , e n tã o ele se rá d en o m in ad o intervalo


fechado e indicad o com o sím bolo [a, 6]:

[a, fe] = { x £ R : a < x < 6 }.

O in tervalo p o d e tam b ém ser sem ifechado o u sem i-a b erto, com o nos exem plos
seguintes:

[—3, 1) = { x € R : —3 < x < 1}; (3, 5] = {x £ R : 3 < x < 5}.

In tro d u z in d o os sím bolos —oo e + o o , p o d em o s co n sid erar to d o o eixo real


com o u m intervalo:

( —oo, + o o ) = { .r: —oo < x < + oo}.

A d o tam o s n o taçã o análoga p a ra sem i-eixos fechados ou a b e rto s n a ex trem id ad e


fin ita, com o

[7, + o o ) = { x : 7 < x < + o o } ; ( —oc, 3) = {x : —oo < x < 3}.

Sem pre que nos referirm os aos in terv alos (a, b), [a, 6], (a, í>] ou [a, b), a e b
serão n úm eros finitos, com a < b.

S e q ü ê n c ia s in fin ita s

U m a seqüência num érica a i , a 2 , 0 3 , . . . , a n , __ é u m a função / , definida no


c o n ju n to dos núm eros n a tu ra is N : / : n h / ( n ) = a n . O n ú m ero n que aí aparece
é cham ad o o índice e a n o n -é sim o elem en to d a seqüência, ou term o geral. U m
46 C a p ítu lo 2: Seqü ên cia s in fin ita s

exem plo de se q ü ên cia é d a d o p e la seqüência dos n ú m ero s p a re s p o sitiv o s, a n =


2n , n = 1, 2, 3 , . . . A seq ü ên cia dos núm eros ím p ares p o sitiv o s ta m b é m tem
u m a fó rm u la sim ples p a ra o te rm o geral, que é a„ = 2 n —1, co m n = 1, 2,3 , . . .;
ou a n = 2 n + 1 , com n > 0 .
M as n em sem p re o term o g eral de u m a seqüência é d a d o p o r u m a fórm ula,
em b o ra, e v id e n te m e n te , sem p re h a ja u m a lei de fo rm ação b e m d e fin id a que
p e rm ite d e te rm in a r o te rm o g eral d a seqüência. E esse o caso d a s ap ro x im açõ es
decim ais p o r fa lta de \ Í 2 , que fo rm am a seqüência in fin ita

a i = l,4 , a 2 = 1 ,4 1 , a 3 = 1,414, a 4 = 1,4142,

a 5 = 1,41421, a 6 = 1 ,4 1 4 2 1 3 ,...

O u tro ex em plo é a seq üên cia dos n úm eros prim os,

2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 4 1 , . . . ;

C om o é b e in sab id o, n ão ex iste fórm ula p a ra seu te rm o g eral, m a s to d o s os


te rm o s e stã o d e te rm in a d o s.
A n o ta ç ã o (a n ) é m u ito u sa d a p a ra desig n ar u m a seqüência. T a m b é m se es­
creve (a „ ) „ € n , (a*, a 2 > “ 3 >• • ■) ou sim plesm ente a n . A lguns a u to re s c o stu m a m
escrever { a n } em vez de (a n ), m as preferim os reserv ar essa n o ta ç ã o p a r a o con­
ju n to de valores d a seqüência. E ssa d istin ção é im p o rta n te , p o is u m a seq ü ên cia
p o ssu i in fin ito s elem en tos, m esm o que seu co n ju n to de valo res se ja fin ito . P o r
exem plo, a seq ü ên cia
1 , - 1 , 1 , - 1 , 1, - 1 , . . .

é in fin ita, com elem ento genérico a n = —( —l ) n = (—l ) n _ 1 ; m as seu c o n ju n to de


valores p o ssu i a p e n a s dois elem entos, +.1 e —1 , de fo rm a que, se g u n d o conven­
cionam os,
{ an } = {—1 , + 1 }-

P e la definição, u m a seq ü ên cia (a n ) é in d e x a d a a p a r tir de n = 1 , d e fo rm a


que a i é seu p rim e iro term o . M as, às vezes, é conveniente c o n sid e ra r seq ü ên cias
in d ex ad a s a p a r tir de u m c erto n ^ 1 ; é esse o caso d a se q ü ên cia a n = \ / n — 6 ,
que só faz se n tid o p a r a n = 6 , 7, 8 , . . ., de form a que a 6 é o p rim e iro te rm o dessa
seqüência. M as, m esm o nesses casos, com u m a translação de índices, p o d e-se
fazer com q u e a se q ü ên c ia te n h a prim eiro índice n = 1. A ssim , no ex em p lo que
dem os, é só d efin ir bn = a n +5 = y /n — 1 p a ra que a seq ü ên cia fique d efin id a a
p a rtir de n = 1 . .
C a p ítu lo 2: S eqüências in fin itas 47

C o n c e ito d e lim ite e p r im e ir a s p r o p r ie d a d e s

D e in teresse especial são as c h a m a d as seqüências convergentes. E m term os su ­


gestivos, u m a seq üên cia (on ) é co n v erg en te se, à m e d id a que o índice n cresce,
o elem ento a n vai- se to rn a n d o a rb itra ria m e n te p ró x im o de um c e rto nú m ero L ,
c h am a d o o lim ite daÇeqiiência. A p ro x im id ad e e n tre a n e L é m e d id a pelo valor
a b so lu to d a d iferen ça e n tre esses dois n ú m ero s, is to é, p o r \an — L \. P o rta n to ,
d izer qu e a n vai-se to rn a n d o a rb itra ria m e n te p ró x im o d e L significa dizer que
|an — L | to rn a -se inferior a q u alq u er n ú m ero p o sitiv o e, p o r p eq u en o que seja,
d esd e que façam o s o índice n su ficien tem en te g ra n d e . D a í a definição precisa de
con v erg ên cia que dam os a seguir.

2 .1 . D e f in iç ã o . D iz-se que u m a seqüência ( a n ) converge para o núm ero L ,


ou tem lim ite L se, dado qualquer n ú m ero e > 0, é sem p re possível encontrar
u m núm ero N tal que

n > N =>■ |a n — L \ < e . (2-1)

E screve-se lim ,i_ 00 a n = L, li m a n = L o u a n —+ L . U m a seqü ência que


n ã o converge é d ita divergente. C h a m a -se seqüência nu la to d a seq üên cia que
converge p a r a zero.

E ssa definição req u er v árias observações. A ó dizerm os “d a d o q u alq u er e >


0 ” , e s tá im p lícito que e p o d e ser a rb itra ria m e n te p e q u en o , ou seja, tã o pequeno

q u a n to qu iserm os. E a condição (2.1), u m a vez s a tis fe ita p a ra um certo e = eo>


e s ta r á s a tisfe ita com q u alq u er e > eo; p o rta n to , b a s ta p ro v á-la p a ra to d o e
positivo , m e n o r do que u m c erto eo. com o m u ita s vezes se faz, p a ra que ela fique
p ro v a d a p a ra q u alq u er e > 0. Q u a n to ao n ú m e ro N , p o d em o s supô-lo inteiro
po sitiv o , p o rta n to , u m índice d a seq üên cia; p o is se n ão for assim , é claro que ele
p o d e ser su b s titu íd o p o r q u alq u e r in te iro m a io r. M as fique claro ta m b ém que
N p o d e não p recisa ser inteiro, com o verem os nos exem plos ad ia n te .
O p rim eiro sinal de d esig u ald ad e em ( 2 . 1 ) ta n to p o d e ser > com o > , do
m esm o m odo que o segundo ta n to p o d e se r < com o < . De fato , se existe um
in teiro p o sitiv o N ' ta l que n > N ' => \an — L \ < e, e n tã o , é c laro que (2.1)
vale com N — N ' — 1. E se é possível fazer \an — L\ < e com q u alq u e r e > 0,
c e rta m e n te é possível fazer jan — L | < e /2 , p o rta n to , \an — L\ < s.
O bserve ta m b é m que ta n to faz fazer |a n — L \ < e o u |an — L \ < k s , onde k
é u m a c o n sta n te positiva, p ois se é p ossível fazer \an — L\ < fce com q u alq u er
e > 0, c e rta m e n te é possível fazer |an — L\ < k ( e / k ) = e.

Se su p rim irm o s de u m a seq üência (an ) u m n ú m e ro fin ito de seus term os, em
p a rtic u la r, se elim in arm os seus k p rim eiro s te rm o s, isso e m n a d a a lte ra o c a rá te r
d a seq ü ên cia com n —» oo. A ssim , se a se q ü ê n c ia o rig in a l converge p a ra L , ou
48 C a p ítu lo 2: S eq ü ên cia s in fin ita s

diverge, a nova se q ü ê n cia co n v ergirá p a ra L ou divergirá, re sp ectiv am en te.

D e fin iç ã o d e v iz i n h a n ç a

D ado u m n ú m ero L q u a lq u e r, ch am a-se vizinhança e d e l a to d o s os n ú m ero s


x do in terv alo (L — e, L + e). D en o tare m o s esse intervalo com o sím bolo Ve (L ).
O bserve que a con d ição x 6 Ve ( L ) p o d e ser escrita das segu intes trê s m a n e iras
equivalentes:

\x — L \ < e ■<=> —e < x — L < e L — e < x < L + e.

A ssim , ao definirm os lim ite , e sta m o s dizen d o que n > N => a n € Ve(L ), ou seja,

n > N => |an — L \ < e , ou n > N => L — e < an < L + e ,

ou ain d a, n > N => L — e < an < L + e .

E im p o rta n te o b se rv a r ta m b é m , n a definição de lim ite, que u m a vez d ad o


o n úm ero e, esse n ú m e ro p e rm a n e c e fixo; a d eterm inação o de N d ep en d e do e
p a rtic u la r que se con sid ere, de so rte que, m udando-se e, deve-se, em g eral, m u d a r
ta m b ém o n ú m ero N . E m o u tra s p a la v ras, £ p ode ser d a d o a rb itra ria m e n te ,
m as, u m a vez p resc rito , n ão p o d e ser m u d ad o a té a d eterm in ação de N . Isso
e stá ilu stra d o no ex em plo q u e co n sideram o s a seguir.

2 .2 . E x e m p l o . V am o s p ro v ar, seg un do a D efinição 2.1, que a seqü ên cia

(a n) — (
\,rn + 1 2 / \1 3 ’ 14’ 15’ n + 12 ’ '

converge p a ra o n ú m ero 1. P a r a isso o bservam os que, d ado q u a lq u e r e > 0,

12 12
II = - 1 < c » n > —■- 1 2 . ( 2 .2 )
71 + 12 71 + 12 £

Isso q uer d izer que, d a d o q u a lq u e r <r > 0, ex iste N (= 12/e — 12) ta l que

n > N => |a n — 1| < e,

que é p re cisam e n te a co n d içã o ( 2 . 1 ) exigida n a definição de lim ite.

E sse exem plo m o s tra q u e q u a n to m en o r o e ta n to m ais exigentes estarem o s


sendo q u an to , à p ro x im id a d e e n tre a n e o lim ite 1 , exigência essa q u e se tra d u z
em te rm o s de fazer o ín d ice n c a d a vez m aior. De fato, q u a n to m en o r o e,
ta n to m aio r o n ú m e ro N = 1 2 /e — 12. A ssim , se e — 1 /1 0, iV = 108; se
£ = 1/1 00 , N = 1188; e m g eral, se e = 10~ k , N = 12 • 10fc — 12. Isso ilu stra
o que dissem os an tes: a d e te rm in a ç ã o do n úm ero N dep en d e do n ú m ero e
C a p ítu lo 2: S e q ü ên cia s in fin ita s 49
p a rtic u la r q ue s e ‘considere. Ao co n trá rio , se d erm o s u m £ m u ito g ra n d e, p o d e
a té a c o n te ce r que n ão h a ja q u alq uer condição no índice n ; é o q u e aco n te ce com
e = 2 no exem plo q ue estam o s co nsiderando, que re s u lta em N = —6 .
O racio cín io u sad o em ( 2 .2 ) p erm ite escrever:

12
\an — 1 | < £ O n > ------ 1 2 .
£ ■

N o e n ta n to , p o d e ríam o s ta m b é m te r racio n ad o assim :

- 12 12 12
|“ n - 1| = --- — — < — <£<=>«> — . ( 2 .3 )
n + 12 n £ .

M as e n tã o a eq uivalência in d ic a d a é ap en as e n tre as d u as ú ltim a s d esig u ald ad es,


n ão sen d o m ais v e rd a d e que

, 12
\an - 1 | < £ <=> n > — .
£

O c o rre to a g o ra é a im plicação (n u m a só direção)

n > —-
12
|a„ — lj < £,
,
■ e .

q ue ta m b é m é su ficien te p a ra a com provação de que 1 é o lim ite. P erd em o s


a im p licação c o n trá ria p o r cau sa d a p rim e ira d esig u ald ad e em (2.3), em con­
seq ü ên cia do que 1 2 /( n 4- 12) < e não im p lica n > 1 2 /e ; p o d e a g o ra o co rrer
12/ ( n + 12) < £ com n < 1 2 /e, desde que seja n > 1 2 /e — 12. V eja: com
£ = 1 / 1 0 , 12 / e = 120 e 12 /gr - 12 = 108.

2 .3 . E x e m p l o . C onsiderem os a seqüência

3 n
n + sen 2 n

É fácil v e r q ue seu lim ite deve ser 3. P a rá ev id en ciar isso d iv id im o s o n u m e ra d o r


e o d e n o m in a d o r p o r n e n o tam o s que (sen 2n ) / n —>0. A ssim ,

1 + (s e n 2 n ) / n

O q u e fizem os foi d esco b rir o lim ite; devem os a g o ra d e m o n s tra r que 3 é


re a lm e n te o lim ite, u san d o a D efinição 2.1. C om eçam os o b se rv an d o que
50 C a p ítu lo 2: Seqüências in fin ita s

as d u a s ú ltim a s d esig u ald ad es hav en d o sido o b tid a s g ra ç a s às d e sig u ald ad es


[n + s e n 2 n | > n — |s e n 2 n | > n — 1. Fazendo ag o ra in te rv ir o n ú m e ro e, o b tem o s
u m a d e sig u ald a d e fácil d e resolver em n:

3 3
\a n — 3| < ----- — < £ <=> n > 1 H— (2-5)
n —1 e

de so rte q u e
n > 1 + Z /e => |an — 3| < e, (2-6)

qu e estab e le c e o lim ite d esejado.

O le ito r deve n o ta r, n a s p assag en s efetu ad as em (2.4), que p ro c u ra m o s ch eg ar


a u m a ex p ressão sim ples, com o l / ( n —1 ), p a ra depois fazer in te rv ir o e, o b ten d o
en tã o u m a d e sig u a ld ad e fácil de resolver, com o em (2.4). N ã o fizéssem os ta is
sim plificações e te ríam o s de en fre n ta r a in tra tá v e l in eq u ação

3 |s e n 2 n | '
< e .
|n + s e n 2 n |

E claro q u e as tra n sfo rm açõ e s feitas só p erm item , em ( 2 .6 ), a im p licação no


sen tid o aí in d icad o , que é suficiente p a ra nossos p ro p ó sito s. .

2 .4 . E x e m p l o . E fácil d esco b rir o lim ite do q u o cien te d e d ois polinôm ios


de m esm o g ra u , d iv id ind o n u m e ra d o r e d en o m in ad o r p e la m a io r p o tê n c ia de n .
A ssim ,
3 n 2 + 4n 3 + 4 /n
n2 + n —4 1 + l / n —4 / n 2

c la ram en te te n d e a 3, j á que 4 /n , l / n e 4 / n 2 ten d em a zero. P a r a p ro v a r isso


d ire ta m e n te d a definição de lim ite, n o tam o s que, a p a r tir de n = 2 (q u e im plica
n 2 + n — 4 > 0),
n 12 n + 12
\a n — 3 | 2 . J ^ 2 .i 1
n A + n —4 n z —4

e a p a r tir de n = 12, n + 12 < 2 n e 4 < n 2 / 2, de so rte q ue n 2 — 4 > n 2 —n 2/ 2 =


n 2 / 2. A ssim ,
o, 2n 4
■ |a n — 3| < 2 /a — — ^
n -/2 n

d esde que n se ja m aio r que o m aio r dos núm eros, A /e e 12 , isto é,

n > N = m a x { 4 /e , 12}.
C a p ítu lo 2: S e q ü ê n c ia s in fin ita s 51
Isso co n clu i a d em o n stra ç ã o .

E s te ú ltim o exem plo m o stra , em p a rtic u la r, que, com n te n d e n d o a infinito,


os te rm o s com m aio r e x p o en te no n u m erad o r e no d e n o m in a d o r são d o m in an tes
so b re os dem ais.

S e q ü ê n c ia s lim ita d a s

O cálcu lo d e lim ite s p o d e to rn ar-se m ais e m ais c o m p licad o , se in sistirm o s em


fazê-lo d ire ta m e n te d a definição de lim ite. F elizm ente, com e ssa definição p o d e ­
m os e sta b e le c e r as p ro p ried a d es tr a ta d a s logo a d ia n te , no T e o re m a 2.8, as qu ais
p e rm ite m sim p lificar b a sta n te ò cálculo de lim ites. D e m o n stra re m o s p rim eiro
dois te o re m a s de im p o rtâ n c ia fu n d am en tal, o p rim eiro d o s q u a is envolvendo a
n o ção d e “se q ü ên c ia lim ita d a ” . Diz-se q u e u m a seq ü ên cia (a n ) é lim ita d a à es­
querda, ou lim ita d a in ferio rm en te, se ex iste u m n ú m ero A ta l q u e /I < a n p a ra
to d o n ; e lim ita d a à direita, ou lim itada su p e rio rm e n te , se ex iste um n úm ero
B ta l q u e a n < B p a ra to d o n . Q u an d o a seq ü ên cia é lim ita d a à e sq u e rd a e
à d ir e ita ao m esm o tem p o , dizem os sim p lesm en te que ela é lim itada. C om o é
fácil ver, isso eqüivale a afirm ar que existe u m n ú m ero M ta l q u e |a n | < JU p a ra
to d o n.

2 .5 . T e o r e m a . Toda seqüência convergente é lim itad a.

D em o n stra çã o . D ado q u alq u er e > 0, ex iste u m índice N ta l que

n > N => L — s < a n < L + e,

Is to nos diz que, a p a r tir do índice n — N + 1, a seq ü ên cia é lim ita d a : à d ire ita
p o r L + e e à e sq u e rd a p o r L - e. P a ra en g lo b arm o s a se q ü ê n c ia in te ira , b a s ta
c o n sid e ra r, d e n tre to d o s os núm eros

Gli 02 , -. • , apj, L — e , L -f- e ,

aq u e le q u e é o m e n o r de to d o s, digam os, A , e aq u ele q u e é o m aio r de to d o s,


digam os, B ; e n tã o se rá verdade, p a ra to d o n , que

A < an < B ,

o q u e c o m p le ta a d em o n stra ç ã o .
P o d ía m o s ta m b é m te r a ta lh a d o um pouco, com o é co stu m e , p ro ced en d o
assim : seja
A/ = m a x { |a i|, |a 2| , ...., |ajv |, \L - e |, \L + e|}.
52 C a p ítulo 2: Seqüências in fin ita s

E n tã o |a n | < M p a ra to d o n , o qu e p ro v a que a seq ü ên cia é lim itad a.


f c0 Áív’-O<_
i. Se u m a seqüência (a n ) converge para u m lim ite L , e se
< L < B , então, a p a rtir de u m certo índice N , A B.

D em onstração. D ad o q u a lq u e r e > 0, ex iste N ta l que, a p a rtir desse índice,


L — e < an < L + e . P o rta n to , é a p e n a s u m a q u e stã o de prescrever, de início, £
m enor que o m en or dos n ú m e ro s L —A e B —L , p a ra term o s L —e > L —( L —A ) =
A e L + e -<C L + (B —L ) = B . E m co n seq ü ên cia, n > N = > A < a n < B , com o
-4"-*—V-
t t
C o r o lá r io 2 .7 . Se u m a seqüência (a n ) converge para u m lim ite L ^ 0,
então, a p a rtir de certo índice N , \an \ > \ L \ / 2 .

P a r a a d em o n stra ç ã o , se L > 0, to m e A = L /2 . Se L < 0, to m e B = L /2 .

O te o re m a a n te rio r e se u co ro lário são m u ito ú teis nas aplicações e serão


u sados re p e tid a m e n te em n o sso estu d o , com o o le ito r deverá n o ta r. O bserve
que, sem pre que tiv erm o s u m a seq ü ê n cia com lim ite diferente de zero, p o derem o s
en c o n tra r n ú m ero s A e B de m esm o sin a l n as condições do teo rem a. E m geral,
nas aplicações, u tilizam o s a p e n a s u m a d as d esig uald ad es, ou A < an o u an < B .

O p e ra ç õ e s c o m lim ite s
2 .8 . T e o r e m a . S eja m (a n ) e (bn ) duas seqüências convergentes, com li­
m ite s a e b respectivam ente. E n tã o , (an + bn ), (an bn ) e (k a n ), onde k um a
constante qualquer, são seq üência s convergentes, além do que,
Ç jp 4 im (a n + bn) = lim an + lim bn = a + b;
b) lim(A:an ) = fc(lim an ) = k a ; e m p articular, k = —1 nos dá an —> a =>
fljj ^ ~' CLj
\j- j Ihn{ar!bn) = ( l im a „ ) ( l im 6 „) = ab; -
d) se, além das hip ó teses a cim a , b ^ 0 , então existe o lim ite de an/b n , igual
a a /b .

D em onstração. D e m o n stra re m o s os dois ú ltim o s iten s, d eixan do os dois


prim eiros, q u e são m ais fáceis, p a r a os exercícios.
P a r a d e m o n s tra r a te rc e ir a p ro p rie d a d e , u tilizam o s a desig u ald ad e do
triâ n g u lo e o fato de que a se q ü ê n c ia bn é lim ita d a p o r u m a c o n sta n te oosi-
tiv a M , de so rte que p o d e m o s escrever:

\anbn - aò| =. |(a „ - a)bn + a(bn - 6 )| < ]a„ - a || 6„ | + |a || 6„ - 6 ]


■ < M \a n — a | + |a || 6 ra — 6 |.

O ra, ta n to |a „ —a| com o \bn —6 | p o d e m ser feitos a rb itra ria m e n te p equ eno s, desde
que n seja su ficientem en te g ra n d e . A ssim , d a d o q u alq u er £ > 0, po dem os fazer
C a pítulo 2: S eq ü ência s in fín ita s 53
|a n —a | m e n o r do q u e e / 2 M a p a r tir de u m certo índice N \ e | 6 „ — 6 | < e /2 \a \ a
p a r tir d e um c e rto N 2 ; en tã o , sen d o N o m aior desses índices, n > N s a tis fa rá
n > N i e n > A'2 sim u lta n e a m e n te ; logo,

n > N => |a nbn - ab\ < | + - = e, .

com o q u eríam o s d e m o n stra r.

O bserve, nesse raciocínio, que se nos co n ten tássem o s em fazer ]an — a | e


\bn — 6 | m en o res do q ue e, em vez de |a n — a\ < e / 2 M e \bn —6 | < s / 2 |a |, o
re su lta d o final se ria

n > N => — ab\ < (M 4- |a |)£ = ke

E sse p ro c e d im e n to é tã o sa tisfa tó rio q u a n to o an terio r, com o j á tiv em o s o p o r­


tu n id a d e d e o b se rv ar; se quiséssem os te rm in a r com e, b a s ta ria co m e ç a r com o
n ú m e ro e / k em vez d e e. )
P a r a a d e m o n s tra ç ã o d a q u a rta p ro p ried ad e, observam os q u e o q u o c ie n te
“ n /^ n p o d e se r in te rp re ta d o com o o p ro d u to o n ( l / 6„ ), de fo rm a que, em v is ta
d a p ro p rie d a d e j á d e m o n s tra d a , b a s ta pro v ar que l / b n —* l/ b . T em os:

1 K -b |
M

C om o 6 0, a p a r t ir de u m c erto N i , \bn \ > |6 |/2 ; e, d ad o e > 0, a p a r t ir de


u m certo N 2 , \bn — 6 | p o d e ser feito m enor do que \b\2 e / 2 , de so rte q u e, sen d o
jV = m ax{iV i, A'2 }, terem o s:

1 IM V 2
H2/2 £
e isso c o m p le ta a d e m o n stra ç ã o .
E m v is ta d e ste ú ltim o teo rem a, fica fácil lid ar com certo s lim ites,’ com o
vem os p elo ex em p lo seguinte:

3ra2 + 4 n 3 + 4 /n lim (3 + 4 /n )
lim ■ lim
5n 2 - 7 5 — 7 /n 2 lim (5 — 7 / n 2)
lim 3 + lim (4 /n ) 3
lim 5 — lim ( 7 /n 2)" ~ 5 ‘

T e rm in am o s e s ta seção com dois exem plos im p o rta n te s de lim ites.

2 .9 . E x e m p l o . D ado u m n ú m ero a > 0, s/ã —* 1. Isso é e v id e n te se


a = 1, q u a n d o a se q ü ên cia é co n sta n te m e n te igual a 1. S u p o n h a m o s a > 1,
' C % < l
54 C a p ítulo 2: S eqüências in fin ita s

logo, { /ã = 1 + h n , onde h n é u m n ú m e ro p o sitiv o conveniente. U tilizan do a


d esig u ald ad e de B ernoiilli, terem o s: ~
— -----------—----------- - , _______ 0 ^ 7 Y )
I a = (1 + h n )n > 1 + n ftn j> n lin -

A ssim , h n = \y /ã — e isso se rá m e n o r do que q u a lq u e r ^ >


a n te m ã o , desde que n > a /e .
N o caso 0 < a < 1 , tem o s que l / a > 1 , d o n d e 1/ \ f ã —> 1 . E n tã o , pelo item
d) do T eo rem a 2.8, concluím os que \ / ã —* 1.

2 .1 0 . E x e m p l o , s /n —> 1. A in d a a q u i tem o s que s /n = 1 + h n, onde


h n no vam en te é um núm ero p o sitiv o co n v en ie nte. M as a g o ra a desigualdade de
B ern o ulli é insuficiente p a ra nossos p ro p ó sito s, pois, com ela,

n = (1 + h n )n > 1 + n h n > n h n , d o n d e h n < 1 ,

e essa d esig ualdade n ão b a s ta p a ra p ro v ar q u e h n te n d e a zero.


A pelam os p a ra a fórm ula do b in ôm io, q u e p e rm ite escrever, já que hn > 0:

n = (1 + = 1 + n h n + n ( n ~ 1 ] h l + . . . + h ” > - ( - 2~ l\ l

d o n d e h 2 < 2 /( n — 1). A g o ra sim , d a d o e > 0, 2/ ( n — 1) será m en or do que-% ^


d esde que n seja m aior do que 2 / e 2 + 1 = N ; C o n seq ü en tem en te,

n > N => | s /n — 1| = h n < e, ,

prov an do o re su lta d o desejado.

E x e rc íc io s

1. Escreva os cinco prim eiros term os de cad a u m a d as seguintes seqüências:

a ) “n = ^ T T : b) a« = 3 + 2 ( - 1)"i c) a " = ^ r [ ; d ) a n = 7T +2-

2. Em cada um dos casos seguintes, são dados os primeiros termos de uma seqüência. Supondo
que persista a tendência observada em cada caso, escreva a forma geral de cada uma das
seqüências.

a) 1 /2 , 2 /3 , 3 /4 , 4 / 5 ,....; ;b) 1, - 1 / 2 , 1 /3 , - 1 / 4 . . . ;

c) 1, 1 /4 , 1/9, 1 / 1 6 ,...; d) 1, - 1 / 2 , 1 /6 , - 1 / 2 4 , 1 /1 2 0 ,...

3. Use a Definição 2.1 para provar que

v .. n ~ , x .. 2n ^ . .. 3n v/n „
a) lim — = 0; b) lim —------= 2; c) lim — 7=---------= 3.
' n2 + 1 ' n2 + 7 . ' n y /n + 5
C a p ítu lo 2: S eq ü ên c ia s in fín ita s 55
4. D escu b ra o lim ite de cad a u m a das seqüências seguintes e, em seguida, dem o n stre que o
su p o sto lim ite satisfaz a Definição 2.1.

v n cos y/ri* + 7 x y /n ( l + 8 y/n) n3 —1


a) a n = ------- r——------------------------------------------------------; b);--- -------------- ; c) a n —
n 2 -f- 1 4;i—l 2ti3 — n

^ 5. (U nicidade do lim ite) P rov e que um a seqüência só pode convergir p a r a um único1lim ite.
\ 6. P rov e que se a n tem lim ite L, então |a n | tem lim ite |L |. D ê exem plo de u m a seqüência
( a n ) ta l que |a n | converge, m as não a n-
7. S ejam (a n ) e (bn) d uas seqüências tais que |a n — a| < C\bn \, onde a é um certo núm ero
real e C u m a co n stan te positiva. Usando a definição de lim ite, m o stre que se bn —+ 0 então
o.n ►<2 .

j 8^)P ro v e que se (a n ) é u m a seqüência que converge p a ra zero e (bn ) u m a seqüência lim itada,
n ão necessariam en te convergente, então (cinbn) converge p a ra zero. /
^ Prove que a seqüência a n = y/n -f h — y/n tende a zero.
10. Faça o m esm o para a seqüência an = a n, onde 0 < a < 1.
11. Supondo que a n > 0 para todo n e an —>• 0, prove que >/ã^ —* 0.
12. Supondo que an —* x > 0, prove que a n > 0 a partir de um certo N .
13. Prove os itens a) e b) do Teorema 2.8. Generalize a propriedade da som a, provando que o
lim ite de um a som a qualquer de seqüências convergentes é a som a dos lim ites. Generalize
tam bém a propriedade do produto para o caso de vários fatores.
14. Prove que se (a n) é uma seqüência convergente, com an < bf então lim a n < b. Mostre
com contra-exem plo que, mesmo que seja an < ò, não é verdade, em geral, que lim a n < b.
Enuncie e dem onstre propriedade análoga no caso an > b.
15. Sejam (a n) e (òn) seqüências convergentes, com a n < bn . Prove que lim a n < lim/;n.
Mostre por m eio de contra-exemplo que também aqui podo ocorrer a igualdade dos limites
m esm o que seja an < 6n - [Observe que o exercício anterior é um caso particular deste, com
seqüência ( bn ) = ( 6, b, . . .).]
(C r ité r io d e c o n fr o n to ou T e o rem a d a s e q ü ê n c ia in te r c a la d a .) Sejam (an), ( 6n) e
(cn) três seqüências tais que an < bn < cn , (a«) e (cn) convergindo para o mesmo limite
L . D em onstre que (6n) também converge para L.

17. Prove que \ J y/n —> 1 .


17
18. A negação da Definição 2.1 é “an não converge para L”. Mas como escrever essa negatição
em term os de e e N ?

S u g e s tõ e s e s o lu ç õ e s

2. a) n / ( n + 1), n > 1; b) ( —l ) n+ 1/n . n > 1, ou (—l ) n/.(n 4 -1 ), n > 0;

c) l / n 2, n > 1 ; d) —.(—l ) n/n !, n > 1 .

« \ 1 1 n 1 ,\ 1 14 14 . . 15 15
3. a) |a n | < ~~2
n z — ~~i
n t>) |an —2| — n2z 1+77 ^ Zn2z’ — 1 — n y /n
r~ o.
+ o ^ n y /n
7= ‘

a | 01 _ y / n + 2 ^ y / n 2 y/n 1
4. b) \an - 2 = ------- < — ---------------- = - 7=.
4n — 1 4n —n y/n
56 C a pítulo 2: Seqü ên cia s in fin ita s

5. Suponha existirem dois lim ites distintos, L e L ' e tome e < |L — L ‘ |/2 . Então, |a„ —L\ < e
a partir de um certo N i e |a„ — L '\ < e a partir de um certo ÍV2. Seja N = max{JVi, N 2 },
de forma que n > N acarreta sim ultaneam ente n > N i e n > /V2. Assim, n > N acarreta
|L — L '\ = |(L —a n) + (an — L ')\ < |a„ — L\ + |a„ —L '\ < 2s < \L — L'|,o que é absurdo.

9. Multiplique numerador e denominador pela som a das raizes que aparecem na definição da
seqüência.
10. Como b = l / o > 1 , 6 = 1 + c, com c > 0. Então,

6n = — = (1 + c )n > 1 + n c > nc; logo, a" < — .


an nc

Outro modo, utilizando o logaritm o, baseia-se no seguinte:

a
n < e ■*=> n ,log a < log
, e <=> n > ------
l°g£.
- Ioga

Nessa última passagem, ao dividir a desigualdade por Ioga, levamos em conta que esse
número é negativo, daí a mudança de sinal da desigualdade.
11. Deseja-se provar que v/õTT < £ a partir de um certo N . Observe que isto eqüivale a an < £~-
12. Use o Teorema 2.6.

13. |(a„ + 6„) — (a + 6)| < |a„ - a| + |6„ — 6|.

17. Use o critério de confronto, notando que 1 < \ f í/n < í/n .
18. “Existe um e > 0 tal que, qualquer que seja o número natural AT,existe um índice n > N
tal que |a„ — L | > e " . Isto e o m esm o que: “E xiste um s > 0tal que, qualquer que seja o
número natural N , existe uma infinidade de índices n > N tais que (an — L\ > e ” .

S e q ü ê n c ia s m o n ó to n a s

H á pouco vim os que to d a se q ü ê n c ia co n v erg en te é lim itad a. M as n em to d a


seqüência lim ita d a é con v erg en te, com o p od em o s ver atrav és de exem plos sim ­
ples com o os seguintes:
1 ) o.n = (—l ) n assu m e a lte rn a d a m e n te os valores + 1 e —1 , p o rta n to , n ão
converge p a ra n e n h u m desses valores;
2 ) a-n = ( —l ) n ( l + l / n ) é u m ex em p lo p arecid o com o an terio r, m as a g o ra a
seqü ência assum e u m a in fin id ad e d e valores, fo rm an d o um co n ju n to de p o n to s
que se acu m u lam em to rn o de —1 e + 1 . M as a seqüência n ão converge p a ra
n enh um desses valores. Se ela fosse sim plesm en te 1 -I- l / n , en tã o convergiria
p a ra o n ú m ero 1 .
Veremos, e n tre ta n to , q u e h á u m a classe im p o rta n te de seqüências lim ita d a s
— as ch am a d as seq ü ên cias “m o n ó to n a s” — que são convergentes.

2 .1 1 . D e f in iç õ e s . D iz-se que u m a seqüência (a n) é crescen te se a \ <


ao < ■ ■ . < an < . . . e d e c re sce n te se a \ > a 2 > ■ ■ ■ > a n > . . . D iz-se que
a seqüência é n ão d ecrescen te se a i < 02 < . . . o n < . . . e n ão crescen te se
C a p ítu lo 2: S eq ü ências infin itas 57
a l > a 2 -í • • • > <in > - - ■ D iz-se que a seq ü ên cia é m o n ó to n a se ela satisfaz
qualquer um a dessas condições.

As seqüências m o n ó to n as lim ita d a s são co n v erg en tes, com o verem os logo a


seguir. E sse é o prim eiro re su lta d o q u e v am o s e stab e le c er, em cu ja dem ons­
tra ç ã o utilizam o s a p ro p ried ad e do su p rem o . A liás, foi a necessidade de fazer
ta l d em o n stração p a ra “funções m o n ó to n as'' (V eja o T e o rem a 4.14, p. 114) a
p rin c ip a l m otivação que teve D ed ek in d em s u a c o n stru ç ã o dos núm eros reais.

2 .1 2 . T e o r e m a . Toda seqüência m o n ó to n a e lim ita d a é convergente.

D em onstração. C onsiderem os, p a ra fix ar as idéias, u m a seqüência não de­


crescen te (an ) (p o rta n to , lim ita d a in fe rio rm e n te p elo e lem en to o i) . A hipótese
de ser lim ita d a significa que e la é lim ita d a su p e r io rm e n te ; logo, seu conjunto de
valores possui su p rem o 5 . V am os p ro v ar q u e esse n ú m ero S é o lim ite de an .
D ado e > 0, existe um elem en to d a seq ü ê n cia , com u m c erto índice N , ta l
q u e 5 — e < üjv < S . O ra, com o a eq íiên cia é- n ão d ecrescen te, ajv < an p a ra
to d o n > N , de sorte que

n > N => S — £ < a n < S + e,


que é o que desejávam os d e m o n strar.
A d em o n stração do te o re m a no caso d e u m a seq ü ên cia não crescente é
a n álo g a e fica p a ra os exercícios.

O n ú m ero e

O nú m ero e, base dos lo garitm o s n a tu ra is , a p a re n te m e n te su rg iu n a M a te m á tic a


p e la consideração de um p ro b lem a d e ju ro s c o m p o sto s in s ta n ta n e a m e n te (veja
nosso livro de C álculo 1). N esse c o n te x to ele é definido m e d ian te o lim ite

T ra ta -se , evidentem en te, de u m a fo rm a in d e te rm in a d a do tip o 1°°, pois en q u an to


o ex p o e n te ten d e a infinito, a base 1 + l / n te n d e d ecrescen tem en te a 1 .
V am os provar que a seqü ên cia que define e é crescen te e lim ita d a , p o rta n to ,
te m lim ite. P ela fórm ula do b inôm io d e N ew to n ,
-55 Capítulo 2: Seqüências infinitas "%
U m a exp ressão p a ra a „ + i, com o e s ta ú ltim a , c o n te rá u m te rm o a m ais^no
£ n a l, além dos que aí ap arecem , com n + 1 em lu g a r de n , ex ceto em n! M esm o
sem levar em co n ta o term o a m ais, p o d e-se v er que c a d a u m dos term o s de (2.7)
é inferio r a c a d a u m dos c o rre sp o n d e n te s com n + 1 em lu g a r de n . Isso prova
que an < an+ 1 , isto é, a se q ü ên cia (a n) é crescen te. P a r a p rovarm os que ela é
lim ita d a , b a s ta o bservar que c a d a p a rê n te se s q u e ap arec e em (2.7) é m enor do
q ue 1 , de so rte que

a" <2+ â + "•+ ò. < M i + h + ■ + z b J< 3 : (2-8)


• ■- - • / ^ _
Sendo crescente e lim ita d a ,' (a n ) te m lim ite , que é o n ú m ero e. F ica claro
ta m b é m que esse n úm ero e s tá co m p re e n d id o e n tre 2 e 3. X' 4—
D a expressão (2.7) p a ra am d eco rre qu£, sen d o m > n ,

2! \ m J n{ \ m J \ m J \ m J

M a n te n d o fixo o n ú m ero n , fazem o s|m —» oo, o q u e nos d á: e > 2 + 1/2! + . .. -f


l / n ! . D aq u i e de (2.8) o b tem o s, fin alm en te , com n —> oo,

M ostrem o s tam b ém que lim ( 1 — = e. P a ra isso, n o tam o s que, sendo


n
1,

1 _ n - 1 1 1 1
n n n / ( n — 1) (m + l ) / m 1 + 1/ m ’

n) V Tn ) V m
E m v is ta disso podem os escrever:

e = lim
n —*•±00 K)"
S u b s c q íic n c ia s

Q u a n d o elim inam os u m o u v ário s te rm o s d e u m a d a d a seqüência, ob tem o s o que


se ch am a u m a “su b seq ü ên cia” d a p rim e ira . A ssim , a seq ü ên cia dos núm eros
p ares positivos é u m a su b seq ü ê n cia d a seq ü ê n cia dos n ú m ero s n a tu ra is. 0
C a p ítu lo 2: S eq ü ên cia s inR nitas 59
m esm o é v e rd a d e d a seq ü ên cia dos n ú m e ro s ím p a re s positiv o s; d a seqüência
dos n ú m e ro s prim os; ou d a seq ü ên cia 1, 3, 20, 37, 42, 4 7 ,. . ., isto é,

a i = 1, 02 = 13, 03 = 20, a n = 5n -f- 17 p a r a n > 4.

U m a definição precisa desse conceito é d a d a a seg u ir.

2 .1 3 . D e f in iç ã o . U m a su b se q ü ê n c ia de u m a d a d a se q ü ê n c ia ( a n ) é u m a re s­
tr iç ã o d e ssa se q ü ê n c ia a u m su b c o n ju n to in fin ito N ' do c o n ju n to N dos n ú m e ro s
n a tu ra is. D ito de o u tra m an eira, u m a s u b s e q ü ê n c ia de (a n ) é u m a se q ü ê n cia do
tip o (b j) = («rij), o n d e ( n j ) / é u m a se q ü ê n c ia c r e s c e n te de in te ir o s p o sitiv o s, isto
é, n \ < n 2 < " . ..

C om o conseqüência dessa definição, 1 < n i , 2 < tí 2 , . . ., e, em geraU j < n j.


M as, com o j < n j p a ra algum j (a n ã o se r q u e a su b se q ü ê n cia seja a prôpriar
seq ü ên cia d a d a ), e s ta d esig u ald ad e p e rm a n e c e rá v á lid a p a ra to d o s os índices
su b se q ü e n tes ao p rim eiro índice p a ra o q u a l ela o c o rre r.
C~~ A seq ü ên cia (a n ) = (—l ) n ( l + l / n ) te m su b se q ü ê n cia s (a 2n)r (a 4n),
\ ( a 6n) etc., to d a s convergindo p a ra 1 ; e su b seq ü ên cias ( a 2n - i ) , (« 4 n -l)> (a 6n - l )
J e tc ., to d a s convergindo p a ra —1 . M as te m ta m b ém su b se q ü ê n cia s divergentes,
com o (a n2 ) = (a i, 0 4 , 0 9 , a i 6 , . . .) = ( —2, 5 /4 , —1 0 /9 , 1 7 /1 6 ,).

>• 2 .1 4 . T e o r e m a . S e u m a se q ü ê n c ia (a n ) c o n ve rg e p ara u m lim ite L , en tã o


to d a su a su b se q ü ê n c ia (a nj■) ta m b é m co n ve rg e p a ra L .

D e m o n s tr a ç ã o . D e a n —* L segue-se que, d a d o q u a lq u e r s > 0 ex iste N ta l


que n > N =s- |a „ — L\ < e. C om o vim os a cim a, n j > j , de fo rm a que j > N =$■
( n j > N => |a nj. - L\ < e), o que c o m p le ta a d e m o n stra ç ã o .
__ . ’ - ,.c ________________ y y
L im ite s in fin ito s

C e rta s seqüências, em b o ra n ão conv erg en tes, a p re s e n ta m re g u la rid a d e de com ­


p o rta m e n to , o term o geral to rn a n d o -se ou a rb itra ria m e n te g ra n d e ou a rb itra ria ­
m en te p eq u en o com o crescer do índice. D iz-se e n tã o q u e a seq ü ên cia diverge
p a ra +00 ou p a ra —cc resp ectiv am en te. D am o s a se g u ir as definições precisas
desses conceitos.
2 .1 5 . D e f i n i ç õ e s . D iz-se que a se q ü ê n c ia (a n ) d ive rg e ( ou te n d e ) p ara +00
e e sc re v e -se lim a „ = + 00 ou lim a n = 00 se, d a d o q u a lq u e r n ú m e r o p o sitiv o k ,
e x is te N ta l que n > N => a n > k . . A n a lo g a m e n te , (a n ) diverg e (o u te n d e ) para
—00 se, l ã ã o q u a lq u er n ú m e r o n e g a tiv o k , e x is te N ta l que n > N => a n < k ;
n e s te caso, e sc rev e -se lim a n = —00 .

P o r exem plo, é fácil verificar, á luz d essas definições, que as seqüências an =


n , a n = n 2 + 1 e a n = \Jn ten d em , to d a s elas, a + 00 , e n q u a n to que a n =
—n , a n = 3 — n 2 e a n = 6 — \f n ten d em a —00 .
60 C a p ítu lo 2: S eq üên cia s infinitas
A s p ro p rie d a d e s relacio n a d as no te o rem a seg u in te são d e fác il d em o n stra ç ã o
e ficam p a r a os exercícios. ■
2 . 1 6 . T e o r e m a , a) a n —+ + o o <í=> —an —* —oo.
b) S e ja (a n ) u m a se q ü ê n c ia n ã o lim ita d a . S e n d o n ã o d e c r e sc e n te , ela te n d e
a + o o ; e se n d o n ã o c re sc e n te , ela te n d e a —oo.
c) S e li m a n = ± o o , e n tã o 1/ a n te n d e a zero.
@ S e li m a n = 0, e n tã o l / a n te n d e a + o o se a n > 0 ( e te n d e a —oo se
a n < 0 .— y \~ ? / *
^ S e ( bn ) é u m a se q ü ê n c ia lim ita d a ^ a n —+ + o o o u a —oo, e n tã o a se q ü ê n cia
(a n + bn ) te n d e a + o o o u a —oo re sp e c tiv a m e n te .
f ) S e a n —+ + o o ç bn > onde c é u m n ú m e r o p o sitiv o , e n tã o a n bn —> + oo.
(Erri p a r tic u la r , a n r=*~ + oo e bn —> + o o => a n bn —* + 0 0 .J F o r m u le e de­
m o n s tr e as o u tra s p o ssib ilid a d e s: a n —+ + 0 0 e bn < c < 0, a n —* —00 e
bn > c > 0, a n —> —00 e bn < c < 0.
g ) S e a n —►+ 0 0 e a n < bn , e n tã o bn —» + 0 0 . ___
--------—-- ------------------ ---- ---- II---—----" ““ "
2 . 1 7 . E x e m p l o . A seq ü ên cia an . com a > <j9 te n d e a in fin ito . D e fato,
0 < l / a < 1, de fo rm a que, p elo^E xerc.|@ da p. / a )n = 1 / a n te n d e a zero;
"•'lógo', pelo ite m d) do te o re m a an terio r, a n —> co.
■-Podemos ta m b é m ra c io cin ar assim : a = 1 + h , o nd e h > 0.E n tã o a n =
■ » _—
— -(1 + h ) n > 1 + n h > n h > k 4=>\vT>~k/ h .
O u tro m o d o de t r a t a r esse lim ite faz uso d o lo g aritm o , assim : ‘

an > k n log a > log k n > ——


Io g a
A
O u tra m a n e ira a in d a apóia-se n a ig u ald ade a n = e(loga)™, p re ssu p o n d o o
c o n h e cim e n to d a fu n ção ex p o n en cial e de su a s p ro p rie d a d e s; em p a rtic u la r, a
p ro p rie d a d e seg u n d o a q u a l Ê^osa^x te n d e a infinito com x —* 0 0 . C om o a
se q ü ên cia em p a u ta é u m a re striç ão dessa função ao do m ínio d o s n ú m e ro s n a ­
tu ra is , é c la ro que ela ta m b é m ten d e a infinito.

2 .1 8 . E x e m p l o . A seq üência a n = n k , o nde k é um in teiro p o sitiv o , ten d e


a infinito p o r ser o p ro d u to de k fatores que ten d e m a infinito. N o e n ta n to , ela
- te n d e a in fin ito “m ais d e v ag a r” do que e v id ê n d ê n F é m e n t^ . P o dem o s
v er isso co n sid e ra n d o a razão r n = n k / a n com o re striçã o d a fun ção

it x>! xk V)
' X ' ~ a x ~ e (log'a)x ’

a q ual, com o sab em o s d o C álculo, ten d e a zero com x —+ 0 0 . C on cluím o s assim


qu e r n te n d e a zero, e é isso o significado preciso de d izer que o n u m e ra d o r n
te n d e a in fin ito “m ais d ev ag a r” do que an .
C apítulo 2: Scqü ên cia s in fin ita s 61
O u tro m o d o de t r a t a r a m esm a q u estã o baseia-se n a p ro p rie d a d e do E x erc.
a d ia n te . P a r a isso b a s ta o b serv ar que
cP
~h *"

2 .1 9 . E x e m p l o . M o strarem o s a g o ra que a seq ü ên cia a n , com a > 1, te n d e


a infinito m ais d e v a g a r q u e n! P a ra isso, n otam o s que, sen d o n > N , j
f

/ a a / a a a\
I r 2 " " J V ) ViV + 1 N + 2 i!

F ix a n d o N ta l que a / N < 1 /2 , c a d a u m dos n — N fato res do seg u n d o p a rê n te se s


se rá inferior a 1 /2 , logo, / cJ

— < ( — ) 2 N ~ n ■L 2~ n c
n! \ 1 2 '" . \ r *

onde c = (2a )N / N \ é u m a c o n sta n te que só dep çn d e de N , q u e já e s tá fixado.


E ssa d e sig u a ld ad e p ro v a e n tã o que a razão de an p a ra n! te n d e a zero, sig n i­
ficando que a p rim e ira dessas seqü ên cias ten d e a infinito m ais d e v a g a r q u e ' a'---'
seg u n d a. >v V

2 .2 0 . E x e m p l o . P ro v em os finalm ente que a seq üên cia n! é a in d a níais


v ag arosa qu e n n . D e fa to , b a s ta n o ta r que

71! 1 2 n 1
nn n n n n
E m v is ta dos tr ê s ú ltim o s exem plos acim a, vem os que (sendo a > 1),

nk an n1
lim — = 0; lim —r = 0 ; lim — = 0 . ( 2 . 10 )

N a lingu ag em su g e s tiv a que vim os u san d o , isso significa que, e m b o ra a s q u a tr o


seqüências n k , a n , n! e n n te n d a m to d a s a infinito, c a d a u m a te n d e a in fin ito
m ais d ev ag ar do q u e a seg u in te.

S e q ü ê n c ia s r e c o r r e n te s

F re q ü e n tem e n te o te rm o g e ra l d e u m a seqüência é definido p o r u m a fu n ç ão de


um ou m ais d e seu s te rm o s p reced en tes. A seqüência se ch am a , e n tã o , a p ro p ri­
a d am e n te , in d u tiv a o u recorrente. V erem os a seguir um exem plo in te re ss a n te de
seqüência re c o rre n te . O u tro s exem plos são dados nos exercícios.

E x e m p l o 2 .2 1 . C o n sid eram o s aqui um a seq ü ência que te m o rig em


num m é to d o de e x tra ç ã o d a raiz q u a d ra d a , a p a re n te m e n te j á co n h ecid o n a
62 C a p ítu lo 2: S eq ü ên cia s in fin ita s .

M eso p o tâ m ia d e 18 séculos a n te s d e C risto! D ado um n ú m e ro p o sitiv o q u a l­


q u er N , d eseja-se a c h a r u m n ú m ero a ta l que a ■a = N . A contece que, em
geral, n ão d ispom os do v alo r e x a to d a raiz, e o nú m ero a é a p e n a s u m valor
aprox im ado . S endo assim , o fa to r que deve m u ltip licar a p a ra p ro d u z ir N n ão é
n e c essariam en te a, m as sim o n ú m e ro N / a . E n tão , em vez de a ■a — N , tem o s

V emos, nesse p ro d u to , q ue se o fa to r a a u m en ta , o fato r N / a dim in ui; e se a


d im inui, N / a a u m e n ta . 0 v alo r d esejad o de a é aquele que faz com que ele seja
igual a N / a , q u a n d o s e rá a raiz q u a d ra d a e x a ta de N . E m g eral, sen d o a u m a
raiz a p ro x im a d a p o r fa lta , N / a será raiz ap ro x im ad a p o r excesso e vice-versa,
de so rte que a raiz e x a ta e s tá c o m p re e n d id a en tre um e o u tro desses fato res.
D aí a id éia de to m a r a m é d ia a ritm é tic a deles, isto é,

com o u m valor q u e talv e z se ja m elh o r apro x im ação de \ Í N do que o v alo r o rig in al


a. Segundo esse a rg u m e n to , é de se e sp e ra r que

seja m elhor a p ro x im a ção a in d a. P ro sseg u in d o dessa m an eira, co n stru ím o s a


seq üên cia recorrente

1 N
ao — a, an ^ f a n~ \ 4-, n = l , 2.
&n—1

É n o táv el q ue essa seq ü ên cia, c u jas origens d a ta m de tã o a lta a n tig ü id a d e ,


seja talv ez o m ais eficiente m éto d o de e x tra ç ã o d a raiz q u a d ra d a , com o se p ro v a
com re la tiv a facilidade. (V eja o E x erc. 20 ad ian te.)

E x e r c íc io s

Seja (a n ) uma seqüência m onótona que possui uma subseqüência convergindo para um
limite L . Prove que (an) tam bém converge para L.
2. Prove que toda seqüência m onótona convergente é limitada.
3. Sejam N 1 e N 2 subconjuntos infinitos e disjuntos do conjunto dos números naturais N ,
cuja união é o próprio N . Seja (an) uma seqüência cujas restrições a l \ \ e N 2 convergem
para o mesmo lim ite L . Prove que (a„) converge para L.
4. Construa uma seqüência que tenha uma subseqüência convergindo para —3 e outra con­
vergindo para 8 . .
C ap ítulo 2: Seqü ên cia s infinitajs 63
5. Construa u m a seqqüência que tenha três subseqiiências convergindo, cada um a para c
um dos números 3, 4, 5.
6 . Generalize o exercício anterior: dados os números L \, L 2 , • . • , L k , distintos entre si, cons­
trua um a seqüência que tenha k subseqiiências, cada uma convergindo para cada um desses
números.
7. Construa um a seqüência que tenha subseqüências convergindo, cada um a para cada um
dos números inteiros positivos.
8 . Construa um a seqüência que tenha subseqüências convergindo, cada um a para cada um
dos números reais.
9. Prove que se a n > 0 e a n+ i/ a n < c, onde c < 1, então a n —* 0.
10. Prove que se a n > 0 e jan+ i / a n —+ Cj -onde c < 1, então a n —*■0.
11. Dem onstre o teorem a 2.16.
-
v
______ - — — - J ■
12. Prove que se a n —*■ +00 e bn —►L > 0, então a nbnrig + 00. Exam ine tam bém as demais
com binações de a n -> ±00 com L positivo ou negativo.
13. Prove que 5 n 3 — 4 n 2 -f- 7 tende a infinito.
14. Prove que um polinôm io p(n) = <Zfcnfc + a k - i n k~ 1 + . . . + a \n -f aotende a ±00 conforme
seja afc positivo ou negativo respectivamente.
15. Seja p (n ) com o no exercício anterior, com a* > 0. Mostre que y /p {n ) —» 1.
16. Mostre que \ / n 2 + 1 — y /n + h —* 00.
17. Mostre que y/n\ —*■00.
18. Considere a seqüência assim definida: a\ == \Í2, a n = y/2 + a n- 1 para n > 1 . Escreva
explicitam ente os primeiros quatro 011 cinco term os dessa seqüência. Prove que ela é uma
seqüência convergente e calcule seu limite.
19. Generalize o exercício anterior considerando a seqüência a i = \Ja , aj£== y/a + a n- i , onde
a>0- ,
20. Dado um número N > 0 e fixado um número qualquer ao = a, seja an = (an- i + i V / a n- i ) / 2
para n > 1. Prove que, a excessão, eventualmente, de ao, essa seqüência é decrescente.
Prove que ela aproxim a y /N e dê uma estim ativa do erro que se com ete aò se tomar a n
como aproxim ação de y /N .
21. Prove que a seqüência anterior é exatamente a mesma que se obtém com a aplicação do
m étodo de N ew ton para achar a raiz aproximada de x 2 — N = 0.
D iv is ã o á u r e a ) . Já vimos (p. 23) que um ponto A \ de um segm ento O A efetua a

a livisão áurea desse segmento se O A /O A \ = O A \ /A \ A . Vim os tam bém que o número (f>,
raiz positiva de 4>2 — (f>— 1 = 0 [= (> /5 4-1)/2 & 1,618], é chamado a razão áurea. Considere
11111 eixo de coordenadas com origem O, ao = 1 a abscissa de A (= i4o) e a \ = <p a abscissa
de A \ . Construa a seqüência de pontos A n com abscissa a n = a „ _ 2 —an - 1 , n > 2 . Prove,
com o já anunciam os na p. 24, que A n efetua a divisão áurea do segm ento O A n- i e que
a n —* 0. Observe que os pares (ao, a i}, (a i, 02), ( 02, 03), etc., são os lados de retângulos
áureos, com o na construção de uma infinidade de retângulos áureos da p. 23. Escreva os
primeiros dez term os da seqüência an .
23))( S e q ü ê n c ia d e F ib o n a c c i) .1 Defina f n indutivamente assim: /o = f i = 1 e f n =

C f n - 2 + f n - 1 - Escreva os primeiros dez elementos dessa seqüência e observe que, pelo menos

xVeja a explicação da origem dessa seqüência em nosso artigo na RPM 6 ou no artigo do


Prof. Alberto A zevedo na RPM 45.
64 C a p ítu lo 2: Seqüências in fin ita s

para os primeiros valores de n, vale a relação: a n = ( —l )n (/n-2 — <pfn- 1 )> onde a n é a


seqüência do exercício anterior. Prove, por indução, que essa relação é válida para todo
n > 2. Prove que a seqüência x n = f n / f n +1 é convergente e seu limite é a razão áurea.

S u g e s tõ e s e s o lu ç õ e s
4. A seqüência a 2n = —3 e G2n+i = 8 resolve. Construa outro exemplo.
5. Dado n £ N , seja rn o resto de sua divisão por 3. Verifique que a n = r n resolve o problema.
6 . Seja rn o resto da divisão de n por k. a n = L rn resolve; explique por quê.
7. Construa a seqüência assim: 1; depois 1, 2; depois 1, 2, 3; depois 1, 2, 3, 4; e as­
sim por diante, de forma que a seqüência é: 1, 1, 2, 1, 2, 3, 1 , 2, 3, 4 , . . . Outro
modo: decomponha o conjunto dos números naturais N numa união de conjuntos infini­
tos e disjuntos N i, Ar2 ). . . Por exem plo. N i pode ser o conjunto dos números ímpares,
N 2 = 2 N i, N 3 = 2 2iV i,...; e, em geral, N n = 2 , l - I 7Vl . Verifique que esses N n são real­
mente disjuntos e todo número natural está em um deles. Em seguida defina a seqüência
assim: a n = m se n Ç. N m\ Outro modo: considere um a seqüência n , r 2, r 3, . . . , obtida por
enumeração de todos os números racionais. Observe que este exemplo também responde
às exigências dos Exercs. 4 a 6 . Observe tam bém que as soluções dadas naqueles exercícios
resultavam em subseqüências constantes, ao passo que os termos de r n são todos diferentes
entre si.
8 . A seqüência (rn) do exercício anterior resolve. Outra solução, ainda com a notação do
exercício anterior: defina a n = r m se »*- v- i »rr
10. Utilize o Teorema 2.6, tomando, por exem plo , |b = c + (1 —c )/2 .
14. Observe que p(n ) = afcnfc( 1 -f . . .) ==afcnfcòn, onde bn é a expressão entre parênteses, que
tende a 1 .
17. Observe que V n \ > K n\ > K n . Agora lembre-se de que n! tende a infinito mais
depressa do que K n, qualquer que seja K .
18. Supondo por um momento que (a n) convirja para um certo L , passamos ao limite em
a 2 = 2 + CLn - 1 , resolvemos a equação resultante e achamos L = 2. (Mas é preciso provar
a existência do limite! Veja este exemplo: ã seqüência 1, 3, 7, 15, 3 1 ,...; em geral, a n =
2 a a_ i + 1 , evidentemente não converge, logo, não podemos simplesmente passar ao limite
nessa última igualdade para obter L = 2 L -f 1, ou L = —1.) Prove que a seqüência dada é
crescente e limitada superiormente por 2 .
19. Seja 6 = m ax{a, >/ã, 2}. Claramente, a \ < b e, supondo a n < 6, teremos an+i <
y/a + b < \/26 < 2b. Isso prova que a seqüência é limitada superiormente. Prova-se
também que ela é crescente, notando que a 2 > a 1 e que, supondo a n > an- 1 , então
a n+i = y/a + a n > y/a + an- i = a n . A gora é só passar ao limite na fórmula de definição e
achar a raiz positiva de L 2 = a + L, isto é, L = (1 + \ZT+™4õ)/2.
20. Por um cálculo simples, a \ — V~N = (a — \/~N) 2 /2 a . Isto prova que ai > y/~N (mesmo que
a < \ fN ) . Além disso, se a > ' / N ,

a i - V N = (a - = g ^ r ^ ( a - v/]V) < h a - < a - %/ÃT,


, 2a 2a 2

mostrando que y /N < a \ < a. Com o m esm o tipo de raciocínio, mesmo que a seja menor
do que y /N , prova-se que \ f N < a n+1 < a n < . . . < a i e que

0 < a„+1 - V N < i( a „ - v/jv) < ... <


C a p ítu lo 2: S eqüências in fin ita s 65
22. Das definições dadas segue-se que

ci i a2 &i —Íl2 O Á 2 _ A 2Ai


donde
ao ai óo a. i OAi " OA2 ’

mostrando que A 2 divide O A \ na razão áurea. Com raciocinio análogo prova-se, por
indução, que A n divide (X4n- i na razão áurea.
Para provar que an —* 0, prove que
a1 a 2 _ a3 a.
ao . a1 a2

e conclua que a n = <^n.


23. Como já observamos, a relação a n = ( —l ) n( /n -2 —t pf n- i ) é válida para os primeiros valores
de n; na verdade, basta saber que vale para n = 2. Vamos provar que se ela valer para
n = 2, 3 , . . . , k, ela deve valer para n = k + 1. Por definição, ctjc+i = a k - i — at; e como a
relação que desejamos provar vale para n = 2, 3 , . . . , Ar, temos:

OJ.-+1 = a-k-i - ak = (—l ) fc_' l (/fc—3 - v f k - 2.) - (—l ) fc(/fc—2 - V>fk-i)\

mas ( —l ) fc-1 = ( —l ) lí+1 e (—l ) fc = —( —l ) t+ 1 , de forma que

at+i = (— l)fc+l(/fc-3 — V f k - 2 + í k - 2 — V f k - l )

= ( - l ) k + l [flc- 3 + f k - 2 — v ( f k - 2 + S k - 1 )]

= ( - l ) k + \ f k - l - Vf k) ,

o C|iio com pleta a demonstração. A parlo final do exercício fica por conta do leitor.

In te r v a lo s e n c a ix a d o s

V erem os, a seguir, u m a im p o rta n te con seq ü ên cia d a p ro p rie d a d e do suprem o.

p 2 .2 2 . T e o r e m a d o s in t e r v a l o s e n c a i x a d o s . S eja I n — [an , 6 „],n =


1, 2 , . . . , urna fa m ília de intervalos fech a d o s e encaixados, isto é, l i D I 2 D
. . . D I n D . . ■■ E ntão existe pelo m en o s u m n ú m ero c p ertencend o a todos os
intervalos I n (ou, 0 que é 0 m esm o, c G I n H I 2 H .. . fl I n fl . . .). Se, além das
h ipóteses feita s, o com prim en to | / n | = bn — a n do n -é s im o in tervalo ten der a
zero, então o núm ero c será único, isto é, I \ fl I j O . .. I n n . . . = {c}.

D em onstração. E claro que as seq ü ên cias (a n ) e (bn ) são, resp ectiv am en te,
n ão d ecrescen te e não crescente. A lém disso.,., com o 1 r-s " -------- >

a 1 < a.n < bn < b\,

vem os que (a n) é lim ita d a à d ire ita p o r 61 e (bn ) é lim ita d a à esq u e rd a p o r a.j:
logo, essas d u as seqüências possuem lim ites, d igam o s, A e B respectivam en te.
C om o an < bn , é claro que

o„ < A < B < bn .


66 Capítulo 2: Seqüências infinitas
Isso significa q u e [A, B] C I n p a ra to d o n . E n tã o , se A < B , a interseção
dos in terv alo s I n é o p ró p rio in terv alo [X, B ]; e se A = B , com o é o caso se
bn ~ an te n d e a zero, essa in terseção é o n ú m e ro c = A = B . Isso co m p leta a
dem o n stra ç ão .

A condição de que os interv alo s I n se ja m fech ad o s .é essencial no teo rem a


a n te rio r. P o r exem plo, os interv alo s I n = (0, l / n ) são en c a ix a d o s e lim itados,
m as n ão são fechados. E fácil ver que su a in terseç ão é vazia, n ã o havendo
um só n ú m ero que p e rte n ç a a to d o s esses in terv alo s. E ta m b é m essencial que os
interv alos sejam lim itados. P o r exem plo, I n = [n, oo) é u m a fam ília de intervalos
fechados e encaixados, m as su a interseção é vazia; eles n ão são lim itad o s.

P o n to s a d e re n te s e te o r e m a d e B o lz a n o -W e ie rs tra s s

J á vim os que se u m a seqüên cia converge p a ra u m c e rto lim ite , q u alq u er sub-
seqüência su a converge p a ra esse m esm o lim ite. Q u a n d o a se q ü ên cia não con­
verge, nem te n d e p a ra + o o ou —oo, diz-se q u e ela é oscilante. D e fato, como
verem os, nesse caso ela sem p re te r á v á ria s su b se q ü ê n cias, c a d a u m a ten d en d o
p a ra um lim ite diferente. P o r exem plo, as seq ü ên c ia s ( —1)™, ( —l ) n ( l 4- l / n ) , e
( —l ) n ( l — l / n ) possuem , to d a s elas, su b se q ü ê n c ia s converg in d o o u p a ra + 1 ou
p a ra —1. E sses núm ero s são ch am ado s “valores d e ad e rê n c ia ” d a seq ü ên cia sob
consideração.

2 .2 3 . D e f in iç ã o . D iz-se que L é u m valo r d e a d e rê n c ia ou p o n to de


a d erên c ia de um a dada seqüência (an ) se (a n ) po ssu i u m a subseqüência con­
vergindo para L .

Q u a n d o a seqüência não é lim ita d a , seu s elem en to s p o d em se esp a lh a r por


to d a a re ta , d istan cian d o -se uns dos o u tro s, com o aco n tece com a n = n , a n =
1 — n ou a n = (—l) " ( 2 n 4- 1). E m casos com o esses n ã o h á, é claro, pon to s
ad eren tes.
Se a seq ü ência for lim itad a, e sta n d o seus elem en to s confinados a um in ter­
valo [A, B ], eles são forçados a se acu m u la re m em u m o u m a is “lu g ares” desse
in terv alo, o que re s u lta em u m o u m ais p o n to s a d e re n te s d a seqüência. Esse é o
c o n teú d o do “teo re m a de B o lzan o -W eierstrass” , co n sid erad o a seguir. O leitor
p o d e o b serv ar que su a d em o n stra ç ã o e s tá b a s e a d a n a p ro p rie d a d e d o suprem o,
v ia te o rem a dos intervalos encaixados.

-0 2 .2 4 . T e o r e m a ( d e B o l z a n o - W e i e r s t r a s s ) . Toda seqüência li m itada


(an ) possui u m a subseqüência convergente. (V eja a v ersão orig in al desse teo rem a
n a p. 129.)

D em onstração. Vam os u tiliz a r o c h a m a d o m é to d o de bisseção, que ex­


p licarem os a seguir, no co n te x to d a d e m o n stra ç ã o . S eja (a n ) u m a seqüência
C a p ítu lo 2: Seqü ên cias in fin ita s 67
lim ita d a , p o rta n to , to d a c o n tid a n u m in te rv a lo fechado I , de co m p rim en to c.
D ivid in do esse intervalo ao m eio, o b tem o s d o is novos in terv alo s (fechados) de
m esm o co m p rim en to c /2 , u m dos q u a is n e c e ssa ria m e n te c o n te rá infinitos ele­
m e n to s d a seqüência; seja h esse in te rv a lo .' (Se os dois in terv alo s contiverem
infinitos elem entos d a seq üên cia, escolhe-se u m deles p a r a ser I \ .) O m esm o p ro­
ced im en to aplicado a nos c o n du z a um in terv alo fechado I 2 , de com prim ento
c / 2 2, co n ten d o infinitos elem en to s d a seq ü ên cia.
C o n tin u a n d o in d efin id am en te com e s s e . p ro ce d im en to , ob tem o s um a
seq ü ên cia de intervalos fechados e e n c a ix a d o s I n , d e co m p rim en to c /2 " , que
te n d e a zero, c a d a um c on ten d o in fin ito s elem en to s d a seq ü ên cia an . Seja L o
elem en to que, pelo T eorem a 2.22, e s tá c o n tid o em to d o s os in terv alo s I n . A gora
é só to m a r um elem ento a ni d a seq ü ên cia (a n ) no intervalo I \ , a „ 2 no intervalo
I 2 e tc ., to m an d o -o s um após o u tro de fo rm a q u e n \ < 712 < . . . A ssim obtem os
u m a su b seq ü ên cia (a n j) convergindo p a ra L . D e fato , d a d o q u a lq u e r e > 0, seja
N ta l que c / 2N < s , de so rte que. I m C (L — e, L + e) p a ra m > N . P o rta n to ,
p a ra j > N , n j será m aior do q u e N (p o is n j > j ) , logo, a nj e s ta rá no intervalo
(L — e, L + c), o q u e prova que a nj —> L .

O le ito r deve n o ta r que a d e m o n stra ç ã o p o d e ev e n tu a lm e n te p e rm itir duas


escolhas de intervalos em u m ou m ais está g io s d a d iv isão dos intervalos. Isto
significa que p o d e haver u m a, d u a s ou m ais su b seq ü ê n cia s convergentes, o que
significa tam b ém que a seq ü ên cia o rig in al p o d e te r v ário s p o n to s ad eren tes.

C r ité r io d e c o n v e rg ê n c ia d e C a u c h y

O T eo rem a 2.12 é um “critério de co n v erg ên cia,” ou seja, um te o re m a que p er­


m ito s a b e r se u m a d a d a se q ü ên cia é co n v erg en te, sem co nhecer seu lim ite de
an tem ão . M as ele refere-se a u m tip o p a rtic u la r d e seqüências, as seqüências
m o n ó to n as. E m c o n tra ste , o te o re m a se g u in te , de c a rá te r g eral, é u m critério
de convergência que se ap lica a q u a lq u e r seqü ên cia.

~ ^ 2 . 2 5 . T e o r e m a ( c r i t é r i o d e c o n v e r g ê n c i a d e C a u c h y ) . Uma con­
dição necessária e su ficien te para que um a seq ü ên cia (a n ) seja convergente é
que, qualquer que seja e > 0, exista N ta l que

n , m > N => \an — a m \ < e. (2-11)

O bservação. A condição do te o re m a c o stu m a ser e s c rita d a seg u in te m an eira


equivalente: dado s > 0, existe u m ín d ice N ta l que, para todo in teiro positivo p,

n > N => |a n — < £- (2.12)

D em onstração. P ro v ar que a co n d ição é n e c e ssá ria significa p ro v ar que se


(a „ ) converge p a ra u m lim ite L , e n tã o vale a c o n d ição (2.11). E ssa é a p a rte
03 C ap ítu lo 2: S eq ü ên cia s in fin ita s

m a is fácil do teo rem a, pois, em v is ta d a h ip ó tese, d ad o e > 0, existe N ta l que

n > N e m > N => \an — L | < e /2 e |a m — L\ < e /2 .

D aq ui e do fato de ser

\an Om| — |(&n L) + (-í' am)! ^ 1an L\ -f- \am Z/j,


segue o re su lta d o desejado.
P a ra p ro v ar que a co n d ição é su ficiente, a hip ó tese ag o ra é (2.11). Q u e­
rem os provar que ex iste L ta l q u e a n —> L . N ão dispom os desse L , tem os
de p ro v ar su a ex istência. P ro c e d e m o s prov an do , prim eiro, que a seq ü ên cia em
p a u ta é lim itad a ; p o rta n to , p o r B o lzan o -W eierstrass, possui u m a su b seq ü ên cia
convergente p a ra u m c erto n ú m e ro L . F in a lm e n te provam os que a n —> L .
Fazendo m = N + 1 em (2.11), te rem o s: n > N =$■ a^v+l—e < a n < a jv + i+ e ,
donde se vê q u e a seq ü ên cia, a p a r t ir do índice N + 1, é lim ita d a. O ra, os
term o s c o rresp o n d en tes aos p rim e iro s N índices são em n úm ero finito*' p o rta n to ,
lim itados, ou seja, a seq ü ên cia to d a é lim ita d a pelo m aio r dos núm eros

) | o i | , . . . , |a/vj, | a ^ + i - e | , |a w + i + e |.

Pelo teo re m a de B o lzan o -W e ie rstra ss, (a n ) p ossu i u m a su b seq ü ên cia (a,n j) que
converge p a ra u m c e rto L . F ix e m o s j suficien tem ente g ran d e p a ra term o s,
sim u lta n ea m e n te , |anj — L\ < e e n j > N . E n tã o , como

\an L I ~ K^n a n j) "1“ (®7lj -k)| < jan a nj j -|- \ünj L |,

terem os, finalm ente:

n > N => \an - L \ < \a n — an j \ + \anj - L \ < e + e = 2e,

e isso estabelece o re s u lta d o d esejad o .

2 .2 6 . D e f in iç ã o . C h a m a -se seq ü ê n c ia de C au ch y toda seqüência que sa tis­


fa z u m a das condições equivalentes ( 2 . 1 1 ) e ( 2 . 1 2 ).

Com o vim os no te o re m a a n te rio r, seqüências de C auchy são as seqüências


convergentes. E sse tip o de seq ü ên c ia su rg iu no final do século XV1I1 em conexão
com processos num éricos p a ra reso lv er equações. P o r exem plo, u m a eq u ação
com o x 3 — 8 x + 1 = 0 p o d e-se escrev er n a fo rm a x = (x 3 + l ) / 8 , o u x — f ( x ) ,
o nde f ( x ) = ( z 3 + l ) / 8 . C om a eq u a ç ã o n e s ta form a, podem os c o n stru ir u m a
seqü ênn cia nu m éric a in fin ita , c o m eç an d o com u m certo valor x \ , assim:

£2 = / ( z í ) , x 3 = f { x 2 ), x 4 = 7 ( 2:3 ), etc.
C a p ítu lo 2: Scqücncias in ã n ita s 69
E m geral, x n = f ( x n- 1), com n — 2, 3, 4 , . . . Se for possível p ro v ar que essa é
u m a seq ü ên cia de C auchy, sa b erem o s q u e ela converge p a ra u m c erto x q . E m
segu ida p ro c u ra-se p ro v a r q u e xo é solução d a equação d a d a, os elem en to s x n
sendo valores a p ro x im a d o s d a solução
0 e sq u em a que a c a b a m o s de descrever é, n a verd ad e, um p o d ero so in s tru ­
m ento de cálculo n u m é rico (co n h ecid o com o “m éto d o d as ap ro x im açõ es su ces­
sivas” ), além de te r ta m b é m u m a enorm e im p o rtâ n c ia teó rica em v á ria s te o ria s
m atem átic as.

E x e rc íc io s
1. Prove que um a seqüência converge para L se e somente se L é seu único ponto de aderência.
2. Prove que um a seqüência lim itada que não converge possui pelo menos dois pontos aderen­
tes.
3. Prove que L é ponto de aderência de um a seqüência (an) se e somente se, quallquer que
seja s > 0, existem infinitos elementos da seqüência no intervalo [L — L + e]. (Note que
esta últim a afirmação não significa que os infinitos elementos sejam todos distintos, podem
até ter todos o mesmo valor.)
4. Construa um a seqüência com elementos todos distintos e que tenha pontos de aderência
em —1, 1 e 2.
5. Construa um a seqüência com um a infinidade de elementos inferiores a 3 e superiores a 7,
mas que tenha 3 e 7 como pontos aderentes e somente estes.
6. Construa um a seqüência com elementos todos distintos entre si, tendo como pontos de
aderência k números distintos dados, L \ < . .. < L k e somente esses.
7. Sabemos que o conjunto Q dos números racionais é enumerável. Seja (/*n) um a seqüência
desses números num a certa enumeração, isto é. um a seqüência com elementos distintos,
cujo conjunto de valores é Q . Prove que todo número real é ponto de aderência dessa
seqüência.
8. Seja (an) um a seqüência tal que toda sua subseqüência possui uma subseqüência con­
vergindo para um mesmo número L . Prove que (an) converge para L.
9. Prove que um a seqüência (c n ) que não é lim itada possui uma subseqüência (a n j) tal que
1 / dnj —'►0.
10. Dê exemplo de um a seqüência não lim itada que tenha subseqüências convergentes; e de
seqüência não lim itada que não tenha um a única subseqüência convergente.
11. Vimos que a propriedade do supremo tem como conseqüência a propriedade dos inter­
valos encaixados. Prove que esta últim a propriedade implica a propriedade do supremo,
ficando assim provado que a propriedade do supremo eqüivale à propriedade dos intervalos
encaixados.
12. Prove que se postularm os que “toda seqüência não decrescente e lim itada é convergente”
conseguiremos provar a propriedade dos intervalos encaixados, portanto, também a pro­
priedade do supremo, estabelecendo assim que esta. propriedade é equivalente a afirmar
que “toda seqüência não decrescente e lim itada converge."
13. Prove, diretam ente da Definição 2.26, que as seguintes seqüências são de Cauchy:
. , 1, . , 1 1 1 1
a) a„ — 1 + —; b) a „ - l + - + - + + +^
70 C a p ítu lo 2: Seqüências in fin ita s

14. Prove, diretamente da Definição 2.26, que se (an) e (6n ) são seqüências de Cauchy, também
o são (an + bn) e (anbn).
15. Sejam (an) e (6n) seqüências de Cauchy, com bn > b > 0. a) Prove que ( a „ /6,t) também
é de Cauchy. b) Dê um contra-exemplo para m ostrar que isto nem sempre é verdade se
bn —►0.
16. Dados a i e a2, com ai < ao, considere a seqüência assim definida: a n = (an- i + an_2),
n = 3, 4, 5 ,. .. a) Prove que a i, 03, a5, . . . é seqüência crescente e limitada; e que a seqüência
de índices pares, ao, a 4, 06, . . . , é decrescente e lim itada, b) Prove que (an) é seqüência de
Cauchy.
17. Observe que o Teorema 2.25 nos m ostra que a propriedade do supremo tem como con­
seqüência que toda seqüência de Cauchy converge. Prove a recíprova dessa proposição, isto
é, prove que se toda seqüência de Cauchy converge, então vale a propriedade do supremo,
ficando assim provado que essa propriedade é equivalente a toda seqüência de Cauchy ser
convergente.

S u g e s tõ e s e s o lu ç õ e s

1. Comece provando que an convergir para L significa que, qualquer que seja e > 0, só existe
um número finito de elementos da seqüência fora do intervalo [L — e, L + e\.
4. Eis um modo de fazer isso: considere três seqüências distintas, —1 + 1 /n , 1 + 1 /n e 2+1 / n , as
quais convergem para —1, 1 e 2, respectivamente. Em seguida “m isture” convenientemente
essas seqüências; por exemplo, tom ando um elemento de cada uma delas em sucessão e
repetidamente, construindo a seqüência (an), assim definida:

&3 n — —1 + .l/3 n ; a 3n+i = 1 + l / ( 3 n + 1); a 3n+2 = 2 + 1/(3 n 4- 2).

6. Reveja o Exerc. 6 da p. 63.


8. Se (an) não converge para L, existe um e > 0 e um a infinidade de elementos a n tais que
|a n - L \ > e.
11. Seja C um conjunto não vazio e lim itado superiormente. Queremos provar que C possui
supremo. Seja a i < algum elemento de C e 61 > a 1 um a cota superior de C . Seja
a = (a 1 + 61)/2 e seja [02, 62] aquele dos intervalos [ai, a] e [a, òi] tal que 02 < algum
elemento de C e 62 é cota superior de C . Assim prosseguindo, indefinidamente, construímos
um a família de intervalos encaixados I n = [an , 6n], cuja interseção determ ina um número
real c. Prove que c é o supremo de C .
12. Prove primeiro que toda seqüência não crescente e lim itada converge.
V 1
13. a) Observe que |an —a n+P| = --------r < —. Q uanto à parte b), observe que |a n —a n+p|
n(n + p) n
é menor do que o R n da p. 83.
14. Observe que anbn —a mòm = a n (bn — bm) 4*6m(an —a-m.) e que (an) e (òn ) são seqüências
limitadas.
15. Observe que

I dn Q-m 1 _ |an&m ümbn\ ^ |Q-n(bm bn) bn(ü.n am)|


I bn bm I bnbm bnbm ■

que bn bm > 62 e que as seqüências originais são limitadas.


C ap ítulo 2: S eq üên cias in fin ita s 71
16. a) Comece fazendo um gráfico representando a \, 02, 03. 04. as, a 6, 07, etc. Percebe-se que
{a-2n) é seqüência decrescente e (a2n+i) é crescente. Prove isso. b) Prove que

\&n O-n—21 ~
A n - l l —1 ~ | a ^ i —1 ^ 2 l®n —2 —3 1 = ■• • = r^n~2 ® l|*

Observe tam bém que

|an — On.+p| ^ |an ~ Q-rr-|-11'"H- |®n+ l an+2|“f“ •••|&n+p—1 ’ an-}-p|.


17. Basta provar que vale a propriedade dos intervalos encaixados.

N o ta s h is tó ric a s e c o m p le m e n ta re s

A n ã o e n u m e r a b ilid a d e d o s n ú m e r o s re a is
O Teorema 2.22 perm ite dar outra demonstração de que o conjunto dos números reais não
é enumerável, como faremos agora. Raciocinando por absurdo, suponhamos que todos os
números reais estivessem contidos numa seqüência ( i n)- Seja /1 = [ai, 61] um intervalo que
não contenha x i . Em seguida tomamos um intervalo I 2 = [a2, 62] C / 1, que não contenha
X 2 \ depois um intervalo I 3 = [03, 63] C I 2 , que não contenha 3:3; e assim por diante. Dessa
maneira obtemos um a seqüência ( I n) de intervalos fechados e encaixados, tal que n l n conterá
ao menos um número real c. Isso contradiz a hipótese inicial de que todos os números reais
estão na seqüência (x n), visto que x n n / rl. Somos, pois, forçados a abandonar a hipótese
inicial e concluir que o conjunto dos números reais não é enumerável.

C a n to r e os n ú m e r o s re a is
Vimos, no Capítulo 1, como Dedekind construiu os números reais a partir dos racionais. Ex­
poremos agora a construção dos reais feita por Cantor.
Georg C antor (1845-1918) nasceu em São Petersburgo. onde viveu até 1856, quando sua
família transferiu-se p a ra o sul da Alemanha. Doutorou-se pela Universidade de Berlim, onde
foi aluno de W eierstrass, de quem teve grande influência em sua formação m atem ática. Toda
a sua carreira profissional desenvolveu-se em Halle, para onde transferiu-se logo que term inou
seu doutorado em Berlim.
Como no método de Dedekind, também no de Cantor partimos do pressuposto de que já
estamos de posse dòs núm eros racionais, com todas as suas propriedades. Começamos com
a seguinte definição: d iz-se que um a seqüência (a n ) de núm eros racionais é Uma seqüência
dc Cauchy se, qualquer que seja o núm ero (racional) e > 0, existe N tal que n ,m > N =>
|a n —a m | < s. Uma tal seqüência costuma também ser chamada “seqüência fundam ental.”
O próprio C antor usou essa designação. Observe que existem pelo menos tantas seqüências
de Cauchy quantos são os números racionais, pois, qualquer que seja o número racional r, a
seqüência constante ( r n ) = (r, r, r , . ..) é de Cauchy. Dentre as seqüências de Cauchy, algumas
são convergentes, como essas seqüências constantes, uma seqüência como (1/2, 2/3, 3 / 4 ,. .. ) e
uma infinidade de outras mais. Mas há tam bém toda uma infinidade de seqüências de Cauchy
que não convergem (para número racional), como a seqüência das aproximações decimais por
falta de \ / 2,
(r n) = (1, 14, 1,41, 1,414, 1 ,1142...), (2.13)
ou a seqüência a n — (1 + 1/ n ) n que define o número e. Como se vê, essas seqüências só não
convergem por não existirem ainda os números chamados "irracionais.” Para criá-los, podemos
simplesmente p ostu la r que “toda seqüência de Cauchy (de números racionais) converge” . Feito
isso teremos de m ostrar como esses novos números se juntam aos antigos (os racionais) de forma
72 C a pítulo 2: S eq ü ê n cia s in fin ita s

a produzir um corpo ordenado completo. E nesse trabalho teríamos de provar que diferentes
seqüências definem o mesmo número irracional; por exemplo, a seqüência (2.13) e a seqüência
das aproximações decimais por excesso de y/ 2 devem definir o mesmo número irracional \ / 2.
Do mesmo modo, as seqüências

fln = [ H — )e ò„ = ( l H— ] H—
\ ny V nJ n

devem definir o mesmo número e.


Por causa disso torna-se mais conveniente primeiro juntar em uma mesma classe todas as
seqüências que terão um mesmo limite, para depois construir a estrutura de corpo. Fazemos
isso definindo, no conjunto das seqüências de Cauchy, uma “relação de equivalência” , assim:
duas seqüências de Cauchy (an ) e (6n) são equivalentes se (a„ —òn) é um a seqüência nula,
isto é, an — bn —* 0. Essa relação distribui as seqüências de Cauchy em classes de seqüências
equivalentes, de tal m aneira que duas seqüências pertencem a uma m esm a classe se, e som ente
se, elas são equivalentes.
Cada número racional r está naturalm ente associado à classe de seqüências a que pertence
a seqüência constante r n = r. M uitas das classes, todavia, escapam a essa associação. Por
exemplo, considere a classe à qual pertence a seqüência (2.13). E fácil ver que nenhuma
seqüência r n = r, com r racional, pode pertencer a essa classe, senão r — r n teria de tender
a zero, o que é impossível. Essas classes que não contêm seqüências do tipo r n = r são
precisamente aquelas que corresponderão aos números irracionais, a serem criados.
Para criar esses números, definimos, no conjunto das classes de equivalência, as operações
de adição e multiplicação, e suas inversas, a subtração e a divisão. Assim, se A e B são classes
de equivalência, tomamos elementos representativos em cada uma delas, digamos, (a n) em A
e (bn) em B e definimos A + B como sendo a classe à qual pertence a seqüência (an 4- bn).
Essa definição exige que provemos que se (a n) e ( bn) são seqüências de Cauchy, o mesmo é
verdade de (an + òn); e que a som a À + B independe das seqüências particulares (an) e (bn )
que tomamos em A e B respectivamente.
De maneira análoga definimos: a classe nula “0” é a classe das seqüências nulas; o elem ento
oposto —B de uma classe B é a classe das seqüências equivalentes a (—6n); a diferença A — B
é simplesmente A + (—B)] o produto A B é a classe das seqüências (a nb'n ); o elem ento inverso
B ~ l de uma classe não nula B é a classe das seqüências equivalentes a (l/ò „ ); e o quociente
A / B , onde fi / 0, é o produto A B ' 1. Se A ^ 0, prova-se que se (a„) £ A , então existe um
número racional m > 0 tal que a n > rn ou a n < —m a partir de um certo índice N ; e sendo
isso verdade para um a seqüência, prova-se que é verdade para toda seqüência de A , o que nos
leva a definir 11A > 0” ou “A < 0” respectivamente. Definimos “A > B ” como sendo A —B > 0
e |.4| = A se A > 0 e |i4| = —A se A < 0.
Com todas essas definições e propriedades correlatas estabelecidas, resulta que o conjunto
das classes de equivalência das seqüências de Cauchy de números racionais é um corpo ordenado
R. Nesse corpo definimos ‘‘seqüências de Cauchy” de maneira óbvia e provamos que toda
seqüência de Cauchy de elem entos de R e convergente , isto é, se A n um a seqüência de Cauchy
de elem entos de R , então existe u m elem ento A de R tal que A n —» A , ou seja , A n —A —►0.
O corpo R assim construído contém um sub-corpo Q ’ isomorfo ao corpo dos números
racionais. Esse sub-corpo Q ’ é precisamente o conjunto das classes cujos elementos são
seqüências equivalentes a.seqüências constantes de números racionais (r, r, r , ...) . Nada mais
natural, pois, do que identificar o corpo original dos números racionais Q com o corpo Q ’, um
procedimento análogo ao da identificação de cada número racional r com o corte de Dedekind
(£*, D ) que ele define.
A propriedade de que em R “toda seqüência de Cauchy converge” significa que R é com­
pleto, mesmo porque se tentarm os repetir nesse corpo a mesma construção de classes de
C a p ítu lo 2: S cq ü c n c ia s in fin ita s 73
equivalência de seqüências de Cauchy, chegaremos a um novo corpo R ’ isomorfo a R , por­
tanto, R ’ nada acrescenta a R . Na verdade, a menos de isomorfismo, só existe um corpo
ordenado com pleto. Portanto R é o mesmo corpo dos números reais construído pelo processo
de Dedekind. Aliás, como vimos no Exerc. 17 atrás, a propriedade de que toda seqüência de
Cauchy converge é equivalente à propriedade do supremo.
N essa construção dos números reais por seqüências de Cauchy, cada número racional r é
identificado com a classe que contém a seqüência constante 7*n = r. As classes que escapam a
essa identificação correspondem aos elementos novos introduzidos, os n ú m ero s irracionais. E
esse o caso da classe que contém a seqüência (2.13), e que define \Í2.
O leitor que esteja se expondo a essas idéias pela primeira vez talvez sin ta um certo de­
sconforto quando dizem os que um número real. como \/2 . é toda um a classe de seqüências de
Cauchy (de números racionais) equivalentes entre si. Na verdade, basta um a só seqüência dessa
classe para identificar o número em questão. Assim, a classe que define \Í2 está perfeitamente
caracterizada pela seqüência (2.13). E uma breve reflexão há de convencer o leitor de que,
pelo menos tacitam ente, ele sabe disso há muito tempo, desde que se familiarizou com a idéia
de aproxim ações de um número como \Í2. Esse símbolo nada mais é do que um m odo conve­
niente de designar o conjunto dessas aproximações; é claro que é m uito m ais fácil escrevê-lo
do que escrever um a seqüência que o caracterize. Mas por que preferir a seqüência (2.13) e
não a das aproxim ações decimais por excesso? Ou alguma subseqüência dessas? Ou qualquer
outra seqüência a elas equivalente? Como se vê, um pouquinho de reflexão é o bastante para
dissipar qualquer desconforto inicial e revelar que y/ 2 é mesmo toda uma classe de seqüências
equivalentes.
Se essas observações ajudam a dissipar o desconforto inicial do leitor, pode ser que ele ainda
não se conforme com essa construção de Cantor dos números reais. Nada m ais natural do que
perguntar se não bastaria a construção de Dedekind, por mais engenhosa que seja essa de Can­
tor. De fato, m uitas teorias m atemáticas —- às vezes bem engenhosas — são abandonadas e até
esquecidas, por serem suplantadas por outras. Mas não é esse o caso da construção de Cantor.
Pelo contrário, esse m étodo das “seqüências de Cauchy” é de grande eficácia em domínios
onde a solução de algum problema é obtida por algum tipo de aproximação. Essa solução
é então caracterizada por uma seqüência de Cauchy, uma seqüência dos valores aproximados
da solução. O Exem plo 2.21 (p. 61) descreve uma situação dessas, relativamente elementar,
onde estam os ainda lidando com “números’5. Mas é freqüente acontecer que a solução de um
certo problem a seja um objeto mais complicado que um número; por exem plo, um elemento
de um conjunto de funções, no qual conjunto exista um modo de medir o distanciam ento en­
tre os vários elem entos desse conjunto. Isso dá origem, de maneira bastante natural, ao que
se-cham a “espaço métrico” . Nesse contexto a noção de seqüência de Cauchy ocorre também
naturalm ente e é o instrumento adequado para fazer o que se chama “com pletar o espaço”,
um processo análogo à construção dos números reais pelo m étodo de Cantor.
Como já dissem os, os métodos de Dedekind e Cantor são os dois mais usados na construção
dos números reais. Mas, como vimos nos exercícios atrás, a propriedade dos intervalos encaixa­
dos e a propriedade das seqüências monótonas ( “toda seqüência não decrescente e lim itada con­
verge”) são equivalentes à propriedade do supremo e à propriedade das seqüências de Cauchy
( “toda seqüência de Cauchy converge”). Isso garante que, além dos m étodos de Dedekind e
Cantor, poderiam os chegar aos números reais postulando, no conjunto dos números racionais,
seja a propriedade dos intervalos encaixados ou a propriedade das seqüências monótonas. Mas,
como é fácil ver, isso redundaria numa construção dos números reais praticam ente idêntica à
de Dedekind.

B o l z a n o e o t e o r e m a d e B o lz a n o - W e ie r s tr a s s
O critério de convergência de Cauchy aparece pela primeira vez num trabalho de Bolzano de
74 C a p ítu lo 2: Seqüências in fin ita s
1817, pouco divulgado; e posteriormente num livro de Cauchy de 1821 (de que falaremos mais
nas pp. 97 e 128), que teve grande divulgação e influência no meio matemático.
Bernhard Bolzano (1781-1848) nasceu, viveu e morreu em Praga. Era sacerdote católico
que, além de se dedicar a estudos de Filosofia, Teologia e M atemática, tinha grandes preo­
cupações com os problemas sociais de sua época. Seu ativism o em favor de reformas educa­
cionais, sua condenação do militarismo e da guerra, sua defesa da liberdade de consciência e
em favor da diminuição das desigualdades sociais custaram -lhe sérios embaraços com o gover­
no. As idéias de Bolzano em M atem ática não foram menos avançadas. E até admirável que,
vivendo em relativo isolamento em Praga, afastado do principal centro científico da época, que
era Paris, e com outras ocupações, ele tenha tido sensibilidade para problemas de vanguarda
no desenvolvimento da Matemática. Infelizmente, seus trabalhos permaneceram praticamente
desconhecidos até por volta de 1870. Seu trabalho de 1817 (com o longo título de Prova
puram ente analítica da afirmação de que entre dois valores que garantem sinais opostos (de
uma função) ja z ao m enos um a raiz da equação [função]) representa um dos primeiros es­
forços na eliminação da intuição geom étrica das demonstrações. Seu objetivo era provar o
teorema do valor intermediário (p. 122) por meios puramente analíticos, sem recorrer à in­
tuição geométrica. E é aí que aparece, pela primeira vez, a proposição que ficaria conhecida
como “critério de Cauchy” (veja o com entário sobre Cauchy no final do próximo capítulo),
formulado para o caso de uma seqüência de funções, nos seguintes termos:
“Se um a seqüência de grandezas

Fl(x), F?(x),..., Fn(x) , . . . , Fn+r(z),...


está sujeita à condição de que a diferença entre séu n-ésim o m em bro F n(x) e cada membro
seguinte F n+r (x ), não im porta quão distante do n-ésim o term o este últim o possa estar, seja
m en o r do que qualquer quantidade dada, desde que n seja tom ado bastante grande; então, existe
um a e som ente um a determ inada grandeza, da qual se aproxim am m a is e m ais os membros da
seqüência, e da qual eles podem se to m a r tão pró xim o s quanto se deseje, desde que a seqüência
seja levada bastante longe”.
Como se vê, essa proposição é o enunciado de um a condição suficiente de convergência da
seqüência. A necessidade da condição fora notada por vários m atem áticos antes de Bolzano
e Cauchy. A demonstração tentada por Bolzano é incompleta; e não podia ser de outro
modo, já que ela depende de uma teoria dos números reais, que ainda não estava ao alcance
de Bolzano. Ele usa essa condição para dem onstrar outra proposição sobre existência de
supremo de um certo conjunto, a qual, por sua vez, é usada na demonstração do teorema
do valor intermediário. O m étodo de bisseção que Bolzano utiliza na demonstração dessa
proposição é também usado por Weierstrass nos anos sessenta para demonstrar o teorema que
ficaria conhecido pelos nomes desses dois m atem áticos. E interessante notar que praticamente
o mesmo enunciado de Weierstrass aparece num trabalho de Bolzano de 1830, Théorie des
fo n ctio n s, só publicado cem anos mais tarde. muito depois de se haver consagrado o nome
“teorema de Bolzano-Weierstrass” .
Capítulo 3

S É R IE S I N F IN IT A S

P r im e ir o s e x e m p lo s '
V am o s in ic ia r nosso e stu d o das séries in fin itas com ex em p lo s sim ples. E ssas
séries su rg em m u ito cedo, ain d a no ensino fu n d a m e n ta l, q u a n d o lid am o s com
d íz im a s p erió d icas. C om efeito, u m a d ízim a com o 0, 7 7 7 . .. n a d a m ais é do que
u m a p ro g ressão g eo m é trica infinita. Veja:

0 , 7 7 7 - = 7 * 0 , 1 1 1 . . . .= 7 ( - L + j j 5 + JL + ...)

M a s q u a n d o se e n sin am essas dízim as, não é preciso re c o rre r às séries in­


fin ita s, po d e-se u sa r o pro ced im en to finito que u tilizam o s n o C a p ítu lo 1, assim :
7
a: = 0, 7 7 7 . . . => lOx = 7 , 7 7 7 .. . = 7 + x => 9z = 7 => x = - .

V o lta n d o às séries infinitas, o que significa “so m a in fin ita ” ? C om o so m ar


u m n ú m e ro ap ó s o u tro , após ou tro , e assim p o r d ia n te , in d e fin id am en te? N um
p rim e iro c o n ta to com séries infinitas, p a rtic u la rm e n te séries de te rm o s p o si­
tiv o s, a id éia in g ê n u a e não c rítica de som a in fin ita n ão c o s tu m a p e rtu rb a r o
e s tu d a n te . P o rém , e n c a ra r som as in finitas nos m esm os te rm o s d a s so m as fini­
ta s a c a b a levando a dificuldades séries, ou m esm o a conclusões irreconciliáveis,
com o b em ilu s tra um exem plo sim ples, d ad o p e la c h a m a d a “série de G ra n d i” :

5 = 1 —1 + 1 —1 + 1 —1 + ...

E s ta série ta n to p a rece ser igual a zero com o igual a 1, d e p e n d e n d o de com o a


e n c a ra m o s. Veja:

5 = 1 - 1 + 1 - 1 + 1 - 1 + . . . = (1 - 1) + (1 - 1) + (1 - 1) + . . . = 0.

M as p o d em o s ta m b é m escrever:

S =. 1 - 1 + 1 - 1 + 1 - 1 + . . . = 1 - (1 - 1) - (1 - 1) - (1 - 1) - . . . = 1.

E v e ja o qu e a in d a p o d em o s fazer:

S = l - 1 + 1 - 1 + 1 - 1 + ... = 1 - ( 1 - 1 + 1 - 1 + ...) = 1 - 5 ,
76 C a p ítu lo 3: Séries In fin ita s

donde a equ ação 5 = 1 — 5 , q u e nos d á 5 = 1/2.


C om o d ecid ir e n tã o ? A fin al, 5 é zero, 1 ou 1 / 2 ?

P a r a e n c o n tra r u m a s a íd a p a ra dificuldades com o essa que vim os com a


série de G rad i, tem o s d e e x a m in a r d e tid a m e n te o conceito de adição. S o m ar
núm ero s, su cessivam en te, u n s após o u tro s, é u m a idéia co n ceb id a p a ra u m a
q u a n tid a d e fin ita de n ú m e ro s a som ar. Ao aplicá-la a som as in fin itas, p o r m ais
que som em os, se m p re h a v e rá p arcelas a som ar; p o rta n to , o processo de som as
sucessivas não te rm in a , em conseqüência, n ão serve p a ra definir a som a de u m a
infinidade de n úm eros.

O c o n c e ito d e s o m a in f in ita

O conceito de so m a in fin ita é fo rm ulado de m an eira a e v ita r um en v olvim ento


d ire to com a so m a de u m a in fin id ad e de parcelas. A ssim , d a d a u m a série in fin ita

a i + a 2 + Q3 + • • • + a n + • • • (3.1)

c o n ten tam o -n o s em c o n sid e ra r as som as p arciais

S \ — a i, S 2 = “ 1 + o.2 , 5 3 = a j + 0,2 + 03 , etc.

E m geral, d esig nam os p o r S n a som a dos prim eiros n elem entos d a seq ü ên cia
(an ), que é c h a m a d a a so m a parcial o u reduzida de ordem n a sso ciad a a essa
seqüência:
n
5 n = a i + a.2 + <13 + .. • + an = aj ' (3-2)
J = 1.
D esse m odo form am o s u m a n ova seq ü ên cia infin ita (S n ), que é, p o r definição,
a série de term o s a n . S e e la converge p a ra um núm ero 5 , definim os a som a
in fin ita in d ic a d a em (3.1) com o sen d o esse lim ite:
n oo
a l + a 2 + a 3 + -- - = 5 = lim S n = lim aj = an
j= 1 n —1

Esse ú ltim o sím bolo in d ic a a so m a d a série, ou lim ite 5 de 5 n . M as é cos­


tu m e in d icar a série ( 5 n ) com esse sím bolo m esm o que ela não seja convergente.
F req ü en tem en te usam o s ta m b é m o sím bolo sim plificado Y l a n com o m esm o sig­
nificado. A d iferen ça 5 —5 „ = R n é a p ro p ria d a m e n te ch a m a d a o resto de ordem
n d a série. À s vezes, q u a n d o co nsideram o s certas séries p a rtic u la re s, a red u z id a
de o rd em n p o d e não c o n te r e x a ta m e n te n term os, d e p en d en d o do índice n onde
com eçam os a so m ar. P o r exem p lo, n a série geom étrica abaix o com eçam os a so­
m a r em n = 0 e a re d u z id a 5 „ con tém n + 1 term os. D ep en d en d o de o n d e se
com eça a so m ar, a re d u z id a S n p o d e co n te r m ais ou m enos que n term o s.
C a p ítu lo 3: Séries In fin ita s 77

C òm o se vê, a noção de série in fin ita g e n eraliza o conceito de som a finita,


pois a série se reduz a u m a so m a fin ita q u a n d o to d o s os seus term o s, a p a rtir de
u m c e rto índice, são nulos. M as é b o m e n fa tiz a r que h á u m a re a l d iferença en tre
a so m a de um nú m ero finito de te rm o s e a so m a de u m a série infinita. E sta
ú ltim a não re su lta de so m ar u m a in fin id a d e de term o s — o p eraç ã o im possível;
ela é, isto sim , o lim ite d a som a fin ita S n .

P r o p r i e d a d e s e e x ____________
e m p lo s j „ p_____________
------------- f £ ò.
3 .1 .
T e o r e m i.a . js e jum a série converge js e ij^ term o geral tende a zero. ^
'-------------------------- — U l________— ------------------- — 5
S D em onstração. S eja Y l a n u m a série d e re d u z id a S n e som a 5 . E n tão ,
a n = S n — S n_ i —►S — S = 0, com o q u e ría m o s d em o n strar.

3 .2 . E x e m p l o ( s é r ie g e o m é t r i c a ) . De im p o rtâ n c ia fu n d am en tal é a
série geom étrica de razão q:
oo
1 + q + Q2 + • • • = q71-
71=0

S u a re d u zid a S n é a som a dos te rm o s de u m a p rogressão geom étrica:

- 1 n "+l
S n — 1 + q + q + . . . + qn —
l- ç 1- q

S u p o n d o |q| < 1, qn ten d e a zero, de fo rm a que essa ex pressão converge p ara


1 /(1 — q), que é o lim ite de S n o u so m a d a série geom étrica:
OO i

1 + í + 72 + . .. = £ > " ------ , |g| < 1.

N o tem o s que a série é d iv erg en te se |ç | > 1, pois neste caso seu term o geral
n ã o te n d e a zero.

O te o re m a a n te rio r nos d á u m a condição necessária p a ra a convergência


de u m a série. E ssa condição, to d a v ia , n ã o é suficiente.. E fácil exibir séries
div ergentes cujos term o s gerais te n d e m a zero. P o r exem plo, \/ n + 1 — y/ti —> 0
(E xerc. 9 d a p. 55); no e n ta n to , a série
OO

y ^ ( \ / n + 1 — \/w )
71=1

é diverg ente, pois su a red u zid a de o rd e m n é

Sn = (n/2 — VT) + (\/3 — y/2) + ...+ (\/n — \Jn — l) + (>/n + l — Vn)


— V n + 1 — 1, .
C a p ítulo 3: Séries In fin ita s
0
que te n d e a + 0 0 .

O exem plo m ais n o tá v e l d e série d iv erg en te, cujo te rm o g eral te n d e a zero,


é o d a c h a m a d a “série h a rm ô n ic a ” , que vam os d iscu tir agora.
3 .3 . E x e m p l o . C h a m a -se série h a rm ô n ica à série

Pelo m odo com o seu te rm o g era l te n d e a zero, quem e n c o n tra essa série p ela
p rim eira vez é in clin a d o a p e n s a r que e la converge. Foi Nicole O resm e, u m
m a te m á tic o do século X IV , q u em p rim eiro pro v o u que ela diverge. (V eja a n o ta
“A divergência d a série h a rm ô n ic a ” n a p. 95.) O resm e com eçou p o r a g ru p a r os
term os d a série assim :

r. , 1 /I 1\ /I 1 1 1
5 ~ 1 + 2 + ( j + i J + (5 + 6 + 7 + 8

+ G + è + --- + è ) + ( è + è + --- + è j + '

E m segu id a ele o b serv o u q u e c a d a u m desses g ru p o s é m aio r do que 1/2;

1 1 1 1 _ 1
~ "b "7 > ~ -f-
3 4 4 4 ~ 2’

1 1 1 1 1 1 11 1 1 1 1
1
V

77 -f
+

+
'i

5 + 6 + 7 + 8 > 8 + 8 + 8 + 8 ~ 4X 8 “ 2;
1 1 11 11 1 1 1 „ 1 1
— > — -f"
9 + IÕ + "- + l166 > Í16
6 + Í166 +
" "- + Í 6 “ 8 X 16~ 2;
1 1 1 1 11 1 1 1 ' 1 1
— > — -i-
1 7 + 1 8 + ' ' ' + 32
3 2 > 32 + 32
3 2 "+ " ' + 3 2 _ 1 * 32 “ 2 ’
e assim p o r d ia n te , de s o rte q u e

5 > l + i + 2 x i + 4 x i + 8 x ^ + 1 6 x i + ...
1 1 1 1
= 1 + 2 + 2 + 2 + 2 + --'

C om o e sta ú ltim a so m a é in fin ita , é claro que a série diverge.

P a ra to rn a r esse racio cín io u m pouco m ais form al, observam os que todos os
term os d a série são p o sitiv o s, d e fo rm a que su as red u zid as form am u m a seqüência
C a pítulo 3: Series In fin ita s 79

crescente. B asta, pois, exib ir u m a su b se q ü ên cia de red u zid as ten d en d o a infinito.


E esse o caso d a su b seq ü ên cia

„ , 1 í 1 í 1 1 1
S 2“ = l + X+ õ + T + r + ^+ » + õ +- - -
2 \3 4/ V5 6 7
1 1 1
+ '.2 11- 1 + 1 + 2 " - 1 + 2 + ' " + 2n

i 1 v V 1 1 1\
1+ 2 + j=^A^Z
r-2 TTT + ^ rTT^ + '" + ^J-
S u b stitu in d o os d en o m in a d o re s de c a d a u m dos term o s d este ú ltim o p arên teses
p o r 2J . obtem os

5 2, > l + i + è ^ - 2 ^ ) = l + ^,
3= 2
que prova o re su lta d o anun ciad o.

3 .4 . T e o r e m a ( C r i t é r i o d e C a u c h y p a r a s é r ie s ) . Uma condirão
necessária e s uficiente para que u m a série 53 a n seja convergente é que dado
qualquer e > U, exista JV tal que, para t odo in teiro p o sitivo p,

n > N => |a n + i + a n + 2 + . . . + a n+p| < e.

E ste teo rem a é u m a sim ples a d a p ta ç ã o d o T eo rem a 2.12 d a p. 57 à seqüência


d e som as parciais S n . B a s ta n o ta r qu e

i^ n - fp j = la n 4 - l ®n-\-2 4 ~ - • ■4 ~

3 .5 . T e o r e m a . Se as séries J 2 a n e Y ^b n convergem, e k é u m núm ero


qualquer, então Y2 k a n e Y2 (a n + bn ) convergem e

'y ' k a n — k 'y *a n ê 'y ''Xa n + bn) — ^ ' an -t~ ~y ^bn .

E ste teo rem a é u m a co n seq ü ên cia im e d ia d a de p ro p ried ad es análogas já


estabelecid as p a ra seq ü ên cias (T e o rem a 2:8, p. 52). D ele segue, em p a rtic u la r,
que se verificarm os a co nvergência d e u m a série, co n sid e ra d a som ente a p a rtir
de um certo índice N , e n tã o a série to d a é co nv ergente e vale a igualdad e

OO OO
= Sj\r + ^ 2 ajv+n,
71=1 71—1
80 C a p ítu lo 3: Séries In â n ita s

qu e d eco rre d a seg u in te observação:

OO
Y ^ an = lim Sn = lÍm (S jv + «JV+l + . . . + a N + n)
71=1
oo
= lim S ^ r + lim (ajv+ x + ■• • + «w +n) = S n + «iv+n-
71=1

S é rie s d e te r m o s p o s itiv o s

S u p o n h a m o s que Y1 Pn seja u m a série de term o s positivos (ou n ão neg ativ o s).


E n tã o , a seq ü ên cia de som as parciais

S n = P i + P2 + • •. + Pm

é não d ecrescen te. E m conseqüência, a série converge ou d iv erg e p a ra + o o ,


c o n fo rm e essa seqüência seja lim itad a ou não.
S u p o n h a m o s que os term o s d a série sejam rein d ex ad o s n u m a o u tr a o rd em
q u a lq u e r,
' i ' i < i i
P 1 + P -2 + ■ ■ ■ + P n + ■■■

A ssim , p \ p o d e ser, digam os, o elem ento p$ , p '2 p o d e ser pg, p '3 p o d e ser p i etc.
E n tã o , com o os term o s são todos não negativos, a nova so m a p a rc ia l,

O1 1 i I i
S n = Pl + P2 + ■• • + Pn

se rá d o m in a d a p o r alg u m a som a p arcial Smcom m > n . Se a série o riginal


converge p a ra S,terem o s S'n < Sm < S, isto é, as som as p a rc ia is S'n form am
u m a se q ü ê n c ia não d ecrescen te e lim itad a, p o rta n to , co n v erg en te. Seu lim ite
S ' é se u su p rem o , de so rte que S ' < S . M as a série o rig in al ta m b é m p o d e ser
in te r p r e ta d a com o o b tid a de X] p'n P or reindexação, p o rta n to , o m esm o raciocínio
nos leva a S < S ' . P rov am o s assim o teo rem a que en u n cia m o s a seguir.

3 .6 . T e o r e m a . U ma série convergente de term o s não negativos possui a


m e sm a som a, in d ep en d e n tem en te da ordem de seus term os.

E fácil ver ta m b é m que se a série diverge, ela será se m p re d iv erg en te p a ra


-l-oo, in d e p e n d e n te m e n te d a ordem de seus term o s.

A noção de “série convergente, in d ep en d e n te m en te d a o rd e m de seus te r ­


m os” p o d e ser fo rm alizad a facilm ente. B a s ta n o ta r que m u d a r a o rd em dos
te rm o s c o rresp o n d e a fazer u m a “p e rm u taç ão in fin ita" desses te rm o s, atrav és
de u m a bijeção ou correspondência biunívoca de N sobre N . (V eja a definição
desses co n ceitos n a p. 102.) Seja / u m a ta l bijeção e p o n h a m o s p'n = P /(n).
C a pítulo 3: Series In fin ita s ^81

Diz-se e n tã o q ue a série Y lP n é co in u ta tiva m en te convergente se fo r convergente


a série ^Zp'n — Y lP f(n ) e X )Pn = Ü P n t qualquer que seja a bijeção f .

E x e rc íc io s
^ ^ D a d a a seqüência S n de reduzidas de uma série, construa a seqüência original de term os
an da série.
2 . Dada uma serie convergente J , com som a S c reduzida S n, prove que seu resto R n é a
soma da série a partir do índice n 4- 1.
3. Chama-se série harmônica , em geral, toda série cujos inversos de seus termos formam uma
progressão aritm ética, isto é, toda série da forma
oo

, r 7^ 0.
^ ' a + nr

Dem onstre que um a tal série é divergente.

4JO btenha a reduzida da série > ----- — e mostre que seu limite (soma da série) é 1 .
& í r í n (n + 1) » i
°° 1 1 * ' \
5. Mostre que V"* J-Y
H (a + n)(a + n + 1) a
n= 1
O termo geral da série ] P lo g ( l + l / n ) tende a zero. Mostre, todavia, que ela é divergente,
obtendo uma forma sim ples para sua reduzida S n •
7. Dada uma série convergente Y l an e uma seqüência crescente de números naturais 711 <
TI2 < . . defina
61 = a i 4- . . . + a nj , 62 = a ni + i + • • • + a n2,
63 = ^n2+ l + • • • + o.n3 etc.
Prove que a série ^ bn converge e tem a mesma som a que a série original.
> 8 . Use o critério de Cauchy para provar que o termo geral de uma série convergente tende a
3 zero.
2,
9. Use o critério de Cauchy para provar que ^ a n converge se |a„| converge.

/jL u )Calcule a reduzida S n da série ^ —— e mostre que seu limite é 1 .


n=2

^ ^ l ) Mostre que = 1 — 3 (log2), sabendo que log2 = ——------.


n=1 n=l

2jC alcule a som a V 5) - 1


Z-^(n
(n + 2)(n + 3) 2'
20 2

13. Mostre que a série } ;---- tem som a igual a 2.


£—' n!
-

R e s p o s ta s , s u g e s tõ e s e so lu ç õ e s
1. ai = Si, an = Sn —Sn~i, n > 2.
82 C apítulo 3: Séries In B n ita s

2. Utilize o Teorema 3.5. Ou faça diretamente: pela definição que demos de resto, R n = S —Sn.
Por outro lado,

Daqui e de S = R n + S n , concluím os que R n = lim m_oo a "+j — Y^rjLi a"+i-


3. Se a > 0 e r > 0, mostre que o term o geral da série pode ser feito maior do que uma
constante vezes l / n . No caso geral, trabalhe com os termos a partir de um certo índice, a
partir do qual todos os termos tenham o mesmo sinal.

11. Proceda como no Exerc. 4, m ostrando que a n = ( —l ) n

T e s te d e c o m p a r a ç ã o

Um dos p roblem as ce n tra is no e stu d o d a s séries con siste em sa b e r se u m a d a d a


série converge ou não. H á v ário s te s te s p a ra isso, d e n tre os quais o teste de
comparação, tr a ta d o a seg u ir, é o m a is b ásico. ,

3 .7 . T e o r e m a ( t e s t e d e c o m p a r a ç ã o ) . S e ja m YLa n e Y!,bn duas séries .


de term o s não negativos, a p rim e ira d om in a d a pela segunda, isto é, a n < bn
para todo n. N essas condições p o dem o s afirm ar:
a) J2 bn converge => Y l a n converge e J ] a n < "}2 bn ;
b) Y l a n diverge => Y lb n diverge.
D em onstração. As re d u z id a s d a s séries d ad as,

S n — o i 4" 02 4" • • ■a n e T n — b\ 4- í>2 + • • • + bn

são seqüências n ão d ecrescen tes, sa tisfa z e n d o S n < T n . No caso a), T n converge


p a ra u m certo lim ite T , de s o rte q u e S n < T p a ra to d o n . A ssim , com o S n é
u m a seqüência não d e c rescen te e lim ita d a , ela converge p a ra um certo S < T .

A d em o n stração de b) exige m u ito pouco: se bn convergisse, então, p or


a), J2 a n ta m b é m te ria d e con verg ir, c o n tra ria n d o a h ipótese.
O utra dem onstração (p elo c rité rio d e C au ch y ). O bserve que

a n + 1 + a n + 2 4- . . . 4- a n+p < 6n+ l + bn+2 4- • .. + bn+p.

Se converge, d ad o q u a lq u e r e > 0, ex iste N ta l que o m em bro d a d ireita


dessa d esig u aldade p o d e ser feito m e n o r do que e p a ra n > N . E n tã o o m esm o
C apítulo 3: Séries In fin ita s 83

é v erd ad e do p rim e iro m em bro , p ro v an d o que converge. A d e m o n stra ç ã o


d a p a rte b) é a m e sm a a n te rio r.

3 .8 . E x e m p l o . J á vim os, em (2.9) (p. 58), que o n ú m ero e é d a d o p o r

/ 1 1 1\ ^ 1
e = hm 2 + - + - + ... + - = E rr-
V 2! 3! ■" n\ n\
n=o .
U m m o do de p ro v a r a co n verg ên cia dessa série, in d ep en d e n te m e n te d o que v im os
an te s, co nsiste em o b se rv a r que
1 1 1 1
n! ~ 2 - 3 . . . n ~ 2 - 2 . . . 2 ~ 2 " - 1 ’ .
d o nd e segue que, à ex ceção do prim eiro term o , a série d a d a é d o m in a d a p e la série
g eo m étrica de ra z ã o 1 /2 , q u e é convergente; logo, a série orig in al é co n v erg en te.

Irra c io n a lid a d e d o n ú m e ro e

P a ra p ro varm o s q u e o n ú m e ro e é irracio n al, vam os prim eiro o b te r u m a e stim a ­


tiv a do erro R n q u e c o m etem o s no cálculo desse núm ero q u a n d o o a p ro x im am o s
p ela so m a p a rc ia l S n d a série a n terio r (que vai a té o term o l/ n ! ) . T em os

It-n — 7---- . TTT I 1 H----- . +


(n + 1)! \ n+ 2 (n + 2)(n + 3) .

õ d l j í ( l + (« + 2 ) - 1 + (» + 2 ) - 2 + . . . )

1 n + 2 1
<
( n 4- 1)! n + 1 n ln
P o d em o s e n tã o escrever: S n < e < S n + 1 /n ln .
Se e fosse ra c io n a l, is to é, se e = m / n , com m e n in teiros p o sitiv o s, n > 2
(pois, com o já sa b e m o s, e n ã o é in teiro ), en tão
vi 1
Sn < ~ S n 4* R n < S n 4 | ,
n niri

do nd e segue-se q ue n \ S n < m (n — 1)! < n !5 „ 4— < n !S n 4- 1. O ra, o n ú m e ro


n
n \S n é in teiro , p o is é ig u a l a
, 1 1 1\ ■ n! n! n\
r>! 2 + — 4 — 4 - . . . —r = 2ra! 4- — 4- — 4 - . . . —7 •
2! 3! n \J 2! 3!
E n tã o a d e sig u a ld a d e a n te rio r e stá afirm a n d o que o nú m ero in teiro m ( n — 1)!
e stá c o m p reen d id o e n tre os inteiros consecutivos n \S n e n \S n 4- 1, u m a b su rd o .
C oncluím os que o n ú m e ro e é irracio n al.
Polo q ue vim os acim a, S n é u m a ap ro x im ação do n úm ero 0 com erro in ferior
a ( l / n ) ( l / n ! ) . C om o n! cresce m u ito ra p id a m e n te com n , S n é re a lm e n te u m a
84 C a pítu lo 3: Séries In fin ita s

b o a ap ro x im ação de e, m esm o p a r a « n ão m u ito g ran d e. P o r exem plo, n = 10


j á nos d á um erro in ferior a 10- 7 . E u le r calcu lo u o n ú m ero e com 23 casas
decim ais, o b ten d o e = 2,71828182845904523536028.

3 .9 . E x e m p l o . M o stra re m o s a g o ra que a série é convergente se


x > 1 e divergente se x < 1. E s te ú ltim o caso é o m ais fácil, p ois e n tã o a série
d a d a m a jo ra a série h a rm ô n ic a , v isto q u e x < 1 =>• n x < n , logo, l / n x > l / n .
S upo n ham o s a g o ra que x > 1. U sarem o s u m raciocínio parecid o com o que
usam os no caso d a série h a rm ô n ic a . T em os:
n ^/ \ i
S 2 n+i _ x = 1+ .
23X (2J + l ) * ■" (2 J+ 1- l ) a
3=1

< i + £ Í ( 2 J + 1 - 2’ ) = i +
j= l 3=1
y ,/ 1 y _ y ,/ 1 y _ 2 :C_1
“ Já V 2 * -v < ^ V 2 i - 1J

Vemos assim que a seq ü ê n cia d e red u zid a s d a série d ad a , que é u m a


seqüência crescente, p ossu i u m a su b se q ü ê n c ia lim ita d a , p o rta n to convergente.
C oncluím os que a seq ü ên cia d e re d u z id a s converge p a ra o m esm o lim ite (E xerc.
1 d a p. 62). Isso prov a que a série o rig in al é convergente, com o q ueríam os
d em o n strar.

O exem plo q u e a c ab am o s d e d is c u tir nos m o stra que a série h a rm ô n ic a


e stá com p reen d id a e n tre as séries conv erg en tes 5 3 l / n x com x > 1 e as séries
divergentes J ^ l / n . 1 com x < 1, situ a n d o -se , ela m esm a, en tre esta s ú ltim as.
E claro que a série í / n x d efine u m a função de i , a q u al é c h a m a d a fu n çã o
zeta de R ie m a n n :

, . 1 1 ^ 1 .
c m - 1 + ^ + j j i + ••• - (3 -3 )
71— 1

E m b o ra co n hecid a p o r E u le r (1 7 0 7 -1 7 8 3 ) desde 1737, su as p ro p rie d ad e s m ais


notáveis só v ieram a ser d e sc o b e rta s p o r R ie m a n n (1826-1866) em 1859, num
m em orável tra b a lh o so b re te o ria dos n ú m ero s.
Ao lado d a série g eo m é trica, a série (3.3) é m u ito u sa d a com o referên cia
p a ra te s ta r se u m a d a d a série converge o u diverge. Isso é possível q u an d o o
term o geral d a série d a d a c o m p o rta -se com o l / n 1 p a ra n te n d e n d o a infinito.

3 .1 0 . E x e m p l o . A série
A )
C a p ítu lo 3: Sórics In fin ita s 85

é e v id e n te m e n te convergente e re p re se n ta o valor C(2). E u le r m o s tro u q u e a


s o m a d essa série é tt2/ 6 .1 V amos provar ap e n a s q u e 1 < l / n 2 < 2. P a r a isso
o b serv am o s que
OO - . OC 1 OO 1 o o - .
1 = E - 7 ------- TT < V
+ 1) £ i n
^ = l + E
7^=2
- ^ < 1 + i : 7-------- t
^ 2 (n “ 1 )n
t -

N e s ta ú ltim a série fazem os a m u d an ça n — 1 = m , d o n d e n = m + 1. E n tã o ,


CO , OO 1
1< E ~2 < 1+ E - 7 ------- TT = 2-

q u e é o re s u lta d o desejado.

O te s te de c o m p aração é m uito usad o p a ra verificar a co n v erg ên cia de séries


cu jo s te rm o s gerais on são com plicados, m as p a r a os q u a is é re la tiv a m e n te fácil
verific ar q u e o n < 6n , sendo bn o term o g eral d e u m a série co n v erg en te. E ssa
situ a ç ã o é ilu s tra d a no exem plo seguinte.
e co j 1
E x e m p lo . A série V ' — ----------- -------- ------- é con v erg en te. P a ra

, í h 5n + 2rn / n T T - 17 6
v erm o s isso n o ta m o s que seu term o geral an é ta l que
2 15n3 + n 2\ / n 2 — 1 16 . . .
n a n = — ;------ . ----------------> — .
5n 3 4- 2n \J n + 1 — 17 5

de so rte que (T eo rem a 2.6, p. 52), a p a rtir de u m c e rto índ ice N , terem o s
2 < n 2 an < 4; logo, a p a rtir desse índice N , a série é p o sitiv a e d o m in a d a p ela
sé rie de te rm o g eral A /n 2. C om o e sta série é co n v erg en te, ta m b é m o é a série
o rig inal.

3 .1 2 . E x e m p l o . U sarem os o teste de co m p ara ção n a o rd e m inv ersa p a ra


p ro v a r que a série
n \ f n ~-TT
^
n=l
n 2 —3 *
é d iv erg en te . P a r a isso b a s ta n o ta r que, sen d o a n o te rm o g e ra l d a série, en tã o
\ f n a n —> 1, de so rte que, a p a rtir de u m c erto N , a n > \ / 2 ^Jn e e ste n ú m e ro é
o te rm o g era l de u m a série divergente.

3 .1 3 . E x e m p l o s . M o strarem o s que, sen d o k in te iro p o sitiv o e a > 1, as


séries
” J °° n n oo |

' E > E i' £ >


71=1 71=1 71=1
M
1VTeja nosso artigo na R evista M atem ática Universitária, N - 3, Junho de 1986).
^6 C apítulo 3: Séries Infinitas

sã o c o nv erg entes. D e fato , pelo que v im o s n o E x em p lo 2.18 (p . 60), n k+2 / a n —*


0, d e s o r te q u e n k/ a n < l / n 2 a p a r tir de u m c erto N . Isso p ro v a que a p rim eira
d a s séries em (3.4) é convergente p o r ser d o m in ad a , a p a r t ir d e N , p ela série
c o n v erg en te l / n 2.

N o E x em p lo 2.19 provam os que a n / n \ < c /2 n , o q u e m o s tra que a se­


g u n d a d a s séries em (3.4) é convergente p o r ser d o m in a d a p e la série convergente
£ c /2 " .
F in a lm e n te observe que, sendo n > 2,

1 2\ 3 4
n '1 \n ny n n n < 2n’‘

! aq u i ta m b é m p o d em o s concluir que a te rc e ira d as séries em (3.4) é convergente.

E x e rc íc io s

1. Prove que se ^ a „ é uma série convergente de termos positivos, então c convergente.


L/2.jSejam Y ^ a n uma série convergente de termos positivos e (6n) um a seqüência limitada de
elem entos positivos. Prove que ^ anbn converge.
3. Sendo a n > 0 e ó„ > 0, prove que, se as séries Xv 0 Y2 s^° convergentes, então a série
também é convergente. .
41 Prove que se an > 0 e y ', converge, então J ^ a „ /n converge.
5/Verifique, dentre as séries seguintes, qual delas
las converge, qual
qu delas diverge:

Tl—1

. 7i“ —23?i + 9 /TYi ^ — sen ^


' 4n3
4n3y/n + 7 —2n +
y /n -f- -f cos3 n 2 ' 2n 4- 7i2 + 1 ’'^ 2n 4- ti2 + 1 ’^(log 7i)fc
n=l n=l . n=2
oo ^ oo oo ^ oo
\/n + 1 —y/n
^ 5 - ' (log
(log7i)n
7l)n *’ ^ 5 - ' 71v/n log 71 * ^ 7lv/n’ ^ ' n y /n lo g n *n y / n ’y/n
n=2 n=2 n=l n=l
6. Sejam P k(n) e pr(7i) polinômios em ti de graus &e r respectivam ente. Prove que s e r —k > 2
a série ^ 2 p k ( n ) /p r (n) é convergente, e s e r — k < 1 ela é divergente.
7. Sendo a > b > 0, mostre que a série de termo eral a n = (an —6n) _1 é convergente se a > 1
e divergente se a < 1.
8. Supondo a„ > 0 e a n —<►0, prove que ^ a n converge ou diverge se, e som ente se, ^ a , i / ( I +
a n ) converge ou divef-ge, respectivamente.
9. Prove que, se a n > 0 e ^ ] a n converge, então J ^ a J /( l + a 2 ) converge. Construa um
exem plo em que a primeira dessas séries diverge e a segunda converge; e outro exemplo em
que ambas divergem.
10. Prove que, sendo c > 0, a série ^ se n (c/n ) é divergente.
C apítulo 3: Séries In fin ita s 87

11. Prove que se (a n ) é uma seqüência não crescente e converge, então n a n —+ 0. Isso
pode não ser verdade se (cin) oscilar, como ilustra o exercício seguinte. Observe que a
condição n a n —1►0 não é suficiente para a convergência da série; um contra-exemplo é a
série l/(r c lo g n ), que é divergente. (Veja o Exemplo 3.18, p. 89).

12. Construa uma série convergente de termos positivos tal que n a n não tenda a zero.

S u g e s tõ e s

3. (a —b) 2 > 0 => 2ab < a 2 4- b2.

4. Conseqüência de um dos dois exercícios anteriores.

5. a) e b) dominam a série harmônica. Em c) e e), n 3 ^2 a n —> c > 0. Algo parecido em d).


Em f), 0 < 2na n < 2 4- |sen2 3n| < 3, logo, an < S /2 n . g) Diverge. Observe que se k > 0,
logn < n ly/A: a partir de um certo N . h) Converge, pois log n > 2 a partir de certo N . i)
Converge. No caso da série em k), observe que

V n + 1 —y/rt. —
y/n 4- 1 4-

ni —1
7. (an — 6n) - i = ( l / a ) n[l — ( b /a )nj

1L. Sendo 5 a soma da série, S 2 n — S n = On+i + ■■- + Q2n ^ na.2n■ Isso permite provar o
resultado desejado para n par. Para n ímpàr observe que (2n + i < (2n -r Vja-in-
12. Tome um a série convergente (por exem plo, com 0 < q < 1) e substitua por l / n uma
infinidade de seus termos a n , tom ados cada vez mais espaçadamente para não destruir a
convergência (por exem plo, su b stitu a os termos de ordem n = k 7 por l / n = l / k 2).

T e s te d a r a z ã o

U m a im p o rta n te co n seq ü ên cia do te ste de co m p aração é o ch am a d o teste da


razão ou teste de d ’A lem b ert que co nsid eram os a seguir.

3 .1 4 . T e o r e m a ( t e s t e d a r a z ã o ) . S eja um a série de term o s posi­


tivos tal que existe o lim ite L do quociente a n+ i / a n ■ E n tã o, a série é convergente
se L < 1 e divergente se L > 1, sen d o inconclusivo o caso em que L = 1.

D em onstração. S eja c u m n ú m ero com p reen d id o e n tre L e i . S u p o n d o


L < 1, esse n ú m ero c tam b é m se rá m eno r que 1. A p a rtir de um certo índice N
terem os a n+\ / a n < c, ou seja, a n+\ < a n c. D aq u i obtem os as d esigu ald ades

2 3
OJV+1 < a NC, U N + 2 < a j v + i c < a / y c , d f / + 3 < <*N+2C < a y v c , . . . ;

em geral, a ^ + j < ajvcJ , j = 1, 2 , . . . . Isso m o stra que a p a rtir do índice


N 4 -1 a série d a d a é m a jo ra d a p e la série g eo m étrica a/v YLc ]i q ue é convergente,
pois 0 < c < 1. E n tã o a série o rig in al ta m b é m é convergente, pelo te ste de
co m paração.
88 . C a p ítu lo 3: Séries In fin ita s

O raciocínio, no caso L > 1, é m ais sim ples ain d a, pois en tão , a p a rtir de
um c erto N , ajv+ i > o-n, “ JV+2 > a iV+l > Qjv; em geral, ajv+ j > a N > p ro v an d o
que o te rm o g eral a /v + j n ão te n d e a zero, logo a série diverge.

A d e m o n stra ç ã o d o te o re m a d eix a claro que nem p recisa e x istir o lim ite nele
referido; b a s ta que, a p a r t ir de u m c erto índice N , ten h am o s sem p re an+\ / a n <
c < 1 ou sem p re a n+i / a n > 1.

3 .1 5 . C o r o l á r i o . A série de term o s positivos £ ] a n é convergente se a


p a rtir de u m certo ín d ice vale sem pre a n+ i / a n < c < 1 ; e divergente se a p a rtir
de u m certo índice vale sem p re a n+ l / a n > 1.

3 .1 6 . E x e m p l o s . A co nvergência de cad a u m a das trê s séries d a d a s em


(3.4) (p. 85) p o d e se r e sta b e le c id a facilm ente pelo te s te d a razão , sem p re ­
cisar de sco b rir de a n te m ã o com o os te rm o s dessas séries te n d e m a zero. A liás,
provando-se, pelo te s te d a razão , que essas séries convergem , terem o s p rovado
o re su ltad o (2.10) (p. 61). C onsiderem os, como ilu stração , a te rc e ira das séries
em (3.4), p a ra a q u a l a rl — n l / n 11, logo,

fln+1 _ (n + .1)! nn _ 1_______( 1


an (n + l ) n+1 n\ ( l + l/rc )n e '

d onde segue a convergência, d a série. O cálculo desse lim ite no caso d as o u tra s
d u a s séries re s u lta em l / a e zero, resp ectiv am en te; é u m cálculo fácil, com o o
leitor p o d e verificar.

O bserve que o te ste d a ra z ã o n a d a nos diz se lim a „ + i / a rl = 1. E o que acontece


no caso d a s séries e l / ” 2i a p rim e ira divergente e a seg u n d a conver­
gente. E m am b o s os caso s a n + i / a n te m lim ite 1; no e n ta n to , a p rim e ira diverge
e a se g u n d a converge.

E x e r c íc io s
Teste cada uma das séries seguintes, verificando se converge ou não:

3
• 2 ^ ( 2 n)V

g 22T
"n!(
ln !(l - c o sn 2)
2 .5 .8 ... ( 3 n - T ) '

3 nn!(2 + sen n “)
7E 3 .5 .7 ... (2n - 1)'

8. Dada uma série convergente de termos positivos Y l an ~ Prove se a partir de um


certo índice N , an+i / a n < q < 1, então S — S n < o-Nqn+1~ N / ( l — q) para n > N .
C a p ítu lo 3: Séries In fin ita s 89

9. Sejam a n e 'jT bn séries de termos positivos, esta últim a convergente. Suponhamos que
exista N tal que n > N => an+ i / a n < b n + i/b n . Prove que Y 2 a ’ 1 converge.
10. Obtenha a primeira parte do Teorema 3.14 como conseqüência do exercício anterior.

S u g e s tõ e s
(n + l)2
1. = (1 + 1J n f a .
2- ai anr ~ 2b 1+1 (2 n + l)(2 n + 2)'

a-n+l 2n a
an 2("+1)2 ( 2 n + 1)'

a n+i _ a[(n + l)!]22n _ a (n + l ) 2


(n!)22(>‘+ 1)2 2 (2 n + i) ■

2 nn\ 6„+ i 2(n + l) 2


6. 0 < an < = b,
5 .8 ... (3 n - 1) 3n + 2

3"n! bn+i _ 3 (n + 1) 3
■bn,
6 . 7 . . . (2n - 1) bn 2 n -)- 1 2
9. Escreva a desigualdade do enunciado para os índices N , N + 1,. , n e multiplique, membro
a membro, as desigualdades obtidas.
n+l
10. Sendo L < c < 1, < c < ----- , a partir de um certo N .

O te s te d a in te g ra l

Um o u tro teste de co nvergência d e séries de m u ita u tilid a d e é o cham ado te ste d a


integral, po rq u e b asead o n a c o m p a ra ç ã o d a série com a in teg ral de u m a função.

3 .1 7 . T e o r e m a . S eja f ( x ) u m a fu n ç ã o p ositiva, decrescente e an = f ( n ) .


E ntão
/( 2 ) + . . . + f ( n ) < £ f ( x ) d x < /(1 ) + 1). (3.5)

E m conseqüência, a série Y l a n converge ou diverge, conform e a integral que a í


aparece seja convergente ou divergente, respectivam ente, com n —v oo.

D em onstração. Im e d ia ta , p o is a d esig u ald a d e em (3.6) é o b tid a d a so m a de

/( j) < [ f { x ) d x < f ( j - 1),


Jj-l
j variando de 2 a n.
1
3 .1 8 . E x e m p l o s . A série ^ é d iverg en te, pois
71=2
n log n

fn dx
log Ioga;
12 x log X
90 C a p ítu lo 3: Séries In fin ita s

E in te re ss a n te o b se rv a r que se a u m en tarm o s, p o r p o u co que seja, o lo g a ritm o no


d e n o m in ad o r, o b te re m o s u m a série convergente. A ssim , d ad o e > 0 p o r pequ en o
que seja,
dx —1 1
í 2 i ( lo g x ) 1+£
oo
s ( lo g x )£ 2
1
s ( lo g 2 )ff’

d o n d e c o nclu ím o s q u e a série > —------- — é convergente.


^ « ( l o g n ) 1-* 5

E x e rc íc io s
1. Use o teste da integral para mostrar que a série harmônica é divergente.
Faça o mesm o para mostrar que a série ^ l / n 1 é convergente se x > 1 e divergente se
^ * < 1 .
3. Estabeleça as seguintes desigualdades:
oo oo oo

a)Z
n=l
i <2; b) E ^ V r < | ; c) En=lá < 2 -
n=l

4. Mostre, pelo teste da integral, que as séries seguintes são convergentes:


oo oo oo oo

a) ] e~ n ] b) \ e~n ; ç) ^ \ te~n; d) ^ ' n k e~ n .


n=l n= 1 • n=l n=l
Neste últim o exem plo k é um número real quálquer.
5. Estabeleça a convergência da série Y K e/ n )n e Prove a convergência da integral

j ; (e / x ) x d x .

6. Estabeleça a convergência da série N —----- --------.


' Z - / ( l o g 7 l ) lo« “

7. Sendo f ( x ) uma função crescente em x > 1, prove que

/ ( l ) + ... + / ( n - l ) < J f(x )d x < /(2) + ... 4- f(n).

8. Fazendo f ( x ) = log a: no exercício anterior, prove que

e l ~n < — < n e l ~ n,
7ln

donde segue, em particular, que \ / n \ / n —♦ l /e .


9. Verifique que o teste da razão não permite saber se a série ^ e nn !/n n converge ou não.
Prove que esta série é divergente, usando o resultado do exercício anterior.

S u g e s tõ e s
3. Integre, em cada caso, uma função f { x ) apropriada.
C a p ítu lo 3: Séries In fin ita s 91

5. A convergência da série pode ser obtida como conseqüência da convergência das duas
últimas séries em (3.4) (p. 85), pois ( e / n ) n = (en/n ! ) ( n ! /n n).
6. B asta provar que é convergente a integral, de 2 a oo, da função
f ( x ) = ( l o g x ) - ,0fc x = = c -®(*)f
onde g ( x ) tem significado óbvio. (E fácil verificar que f ( x ) é decrescente a partir de um
certo xo, pois g '( x ) = x -1 (log log x + 1) > 0 a partir de um certo xo-) Para isso fazemos a
substituição y = log x. donde
. roo
f(x )d x = (e / y ) yd y ,
J lo g 2

integral esta que sabemos ser convergente pelo exercício anterior.

C o n v e rg ê n c ia a b s o lu ta e c o n d ic io n a l

D iz-se que u m a série Y l an converge a b so lu ta m en te, o u é a bsolu ta m en te conver­


gente, se a série X^la n| é convergente. P o d e a c o n te c er, com o verem os adian te,
q ue J 2 a n se ja convergente e k n l d iv erg en te, em cu jo caso dizem os que a série
^ 2 a n è condicio n alm ente convergente. "

3 .1 9 . T e o r e m a . Toda série a b so lu ta m en te convergente é con vergente.


M ais do que isso, é co m u ta tiva m e n te co n verg en te, isto é, a som a da série dada
independe da ordem de seus term os.

D em onstração. Sejam p T a so tn a dos te rm o s a r > 0 e qr a so m a dos valores


ab so lu to s dos term o s a r negativos, onde, em am b o s os casos, r < n . E n tã o , as
re d u zid as d as séries £ |a n [ e são d a d a s p o r

Tn = ia 11 + |a 21 + • • • + |otn| = P n + qn (3-6)

e
S n — fli -{- tt2 • ** ~í“ Qn = Pn Çti; (3- ^)
resp e ctiv a m e n te . A s seqüências (T n ), (p n ) e (qn ) são n ão d ecrescentes, a
p rim e ira d as quais converge, p o r h ip ó tese. S e ja T seu lim ite. T em os que
Pn < Tn < T e qn < T n < T , d o n d e co n clu ím o s q u e (p n ) e (qn ) convergem . Sejam
p e q seus resp ectiv o s lim ites. E n tã o S n ta m b é m co nverge: S n = p n — qn —*■P ~ 9-
Isso c o m p le ta a d em o n stração d a p rim e ira p a rte d o te o re m a .
P a r a ver que a so m a d a série d a d a in d e p e n d e d a o rd em de seus term os,
b a s ta n o ta r que p n e qn são red u zid as de séries d e te rm o s n ão negativos, e as
som as dessas séries in depende m d a o rd em em q u e se co n siderem seus term os,
com o vim os no T eorem a 3.6 (p. 80).

O u tro m odo de provar a convergência d a série u tiliz a o c rité rio de Cauchy.


P a r a isso observam os que .
0)
9 2 y C a pítulo 3: Séries In fin ita s

O ra, d ad o q u alq u e r e > 0, e x iste u m ín dice N ta l q u e n > N a c a rre ta esta


ú ltim a som a ser m en o r do que e, logo, o m esm o acontece com a p rim eira.

3 .2 0 . E x e m p l o . V am os p ro v ar qu e a série

^ sen 3n 2
, n
71=1 71=1
n 2 — %Jn
V
+ 9

é a b so lu ta m e n te convergente. P a r a isso o b serv am os que a p a r tir de n = 2 o


d en om in ad or é p o sitiv o e

9 , n 2lsen 3 n 2| n2
n - —y n + 9 n- - v n + 9

de sd rte que, a p a r tir de u m c e rto iV, n 2 |a „ | < 2 e isso p ro va que J2 |a n | é


convergente.

S é rie s a lt e r n a d a s e c o n v e r g ê n c ia c o n d ic io n a l

Diz-se que u m a série é a lternada q u a n d o seu s te rm o s tê m sinais a lte rn a d a m e n te


positivos e negativos. P a ra essas séries vale a recíp ro c a do T eorem a 3.1 (p. 77),
desde que o valor a b so lu to do te rm o g e ra l te n d a a zero decrescentem ente. E o
. que verenw s a seguir. .

( 3 .2 1 . á ? e o re m a ( t e s t e d e L e i b n i z ) . S eja (a n ) um a.seq üên cia que tende


a zew rtecrescentem ente, isto é, a \ > ü 2 > . . . , an —> 0. E ntã o, a série al­
ternada J ] ( —l ) n+1o n converge. A lé m disso, o erro que se co m e te tíom a nd o-se
u m a reduzida qualquer da série com o va lor aproxim ado de sua soma\Ç, em valor
absoluto, m e n o r ou igual ao p rim e iro term o desprezado.

D em onstração. C o n sid erem os s e p a ra d a m e n te as red u zid a s de ord em p a r e


de ordem ím p ar d a série d a d a , as q u a is p o d e m ser esc rita s assim :

S l n = ( o i — 0 2 ) + ( « 3 — “ 4) + • • • + ( a 2 n —1 - « 2 n )

•S2n+1 = “ 1 - («2 — a 3) — . . . — (a 2„ — 02n+l),


p o r onde vem os c la ra m e n te que (S 2n) é não d ecrescen te e (52n+ l) é não
crescente. Além disso, S 2 n — S ín + i — a 2n + i < S 271+1 < a l i s t o é, (5 2n) é não
decrescente e lim ita d a, p o rta n to , c o n v erg en te p a ra um certo n ú m ero 5 . E ste é
tam b é m o lim ite d a se q ü ên cia de re d u z id a s de o rd em ím p ar, com o se vê p as­
san d o ao lim ite em S 2n + l = S 2 n + a 2n+l- vToncluímos que a seqüência (S n )
converge p a ra o m esm o n ú m e ro S (E x e rc. 3 d a p. 62V.
Q u an to ao erro, observe que as d esig u ald ad es

S2n < s < S2n+1 e S2n+2 < S < S2n+1


C a p ítu lo 3: Séries In fin ita s 93

n o s dao:
0 < \S — <5*271
v._______ I
’S 2 n + l -
v ____
S 2 n = a 2n+ i
J
0 < |^ 2n + T - s j z S'2 n +1 ~ S 2 n+)t = « 2 n+ 2 '

Isso prova que |5'n — 5 | < a n + i p a ra to d o n e conclui a d em o n stração .

3 .2 2 . E x e m p l o . A série h a rm ô n ic a a lte rn a d a ,

1 1 1 ^ ( - l ) n+1
1 — — — — — + . . . — / —---------- .
2 3 4 n —1, «

é convergente, pelo te o re m a a n te rio r: p o rta n to , co nd icio n alm en te convergente,


pois a série de m ódulos, l / n >é a série h a rm ô n ic a que, com o sabem os, diverge.

A s séries c o n d icio n alm en te co n v erg en tes são, p o r n a tu re z a , vagarosas no


convergir. A m u d a n ç a d a o rd e m d e seu s te rm o s m u d a a som a d a série e p ode
m u d a r ta n to que é possível re o rd e n a r c o n v en ie n te m e n te os term o s d a série p a ra
que su a som a seja q u alq u e r n ú m ero d a d o de an te m ã o . E sse su rp re en d en te re­
su lta d o , que d iscu tirem o s a seguir, é d e sc rito e d e m o n stra d o p o r R iem an n em
u m de seus tra b a lh o s.

3 .2 3 . T e o r e m a . Se u m a dada sé rie J 2 a n é co n d icio na lm en te convergente,


seus term os podem se r reordenados de m a n eira que a série convirja para qualquer
núm ero S que se prescreva.

D em onstração. C om a m e sm a n o ta ç ã o do T eo rem a 3.19, com o T n —> oo,


vem os, por (3.6), qu e o m esm o o co rre com p n o u gn .„ M a s S n converge, logo,
p o r (3.7), am bos p n e qn te n d e m a in fin ito . A g o ra é fácil ver com o re o rd e n ar os
term o s d a série p a ra que su a so m a se ja S: d a seq ü ên cia a j , a 2, ■■■vam os tira n d o
elem entos positivos, n a o rd em em q u e ap arecem , e som ando-os a té obterm o s
u m nú m ero m aior do que S ; em se g u id a vam os ad icio n an d o a esse resu ltad o
elem entos negativ o s a té o b term o s u m a so m a m en o r d o que 5 ; e v o ltam o s a
a d icio n ar elem entos positivos, d ep o is n eg ativ o s, e assim p o r d ia n te . C om o a
série original converge, on —> 0, de s o r te q u e, d ad o q u a lq u e r e > 0, existe N ta l
q u e n > N => |a n | < e. O ra, o re o rd e n a m e n to d escrito p ro d u z u m a série

ai + a2 + a3 + an 4 - ,

c u jas red uzidas S j têm a seg u in te p ro p rie d a d e : ex iste J ta l que, sendo j > J, S'-
in c o rp o ra to d o s os elem entos d a série o rig in a l com índices que vão de 1 a té ÍV4-1,
de form a que o ú ltim o elem en to d a série o rig in al que ap arece em S ' tem índice
n j > N ; logo, te m valor ab so lu to m e n o r do que e. E foi esse elem ento que fez
94 C a p ítu lo 3: Séries In fin ita s

a so m a S j u ltra p a s s a r o n ú m e ro S , seja p a ra a d ire ita ou p a ra a esq u e rd a , de


so rte que |S j — 5 | < |a nj.|. A ssim , po dem os concluir que

j > J =$■ |S j — S | < e.

e isso c o m p leta a d e m o n s tra ç ã o do teo rem a.


D este ú ltim o te o re m a e d o T eo rem a 3.19 segue facilm ente o co ro lário que
enunciam os a seguir.
3 .2 4 . C o r o l á r i o . U ma condição necessária e suficiente para que u m a série
seja co m u ta tiv a m e n te convergente é que ela seja absolutam ente convergente.
Os resu lta d o s so bre séries aq u i d iscu tido s são os m ais freq ü e n te m e n te u sa ­
dos. P o rém , m u ito s o u tro s e x istem , p rin cip alm en te testes de convergência.

E x e r c íc io s
Verifique, em cada um dos exercícios seguintes, se a série dada é convergente; e, em sendo, se
absoluta ou condicionalmente.
OO

OO
cos k —sen k

n=1
oo
1
sen —;
n

oo

8. ( - l ) nn2(n!)- l / 2 sen (l/3 n );

OO

N o ta s h istó r ic a s e c o m p le m e n ta r e s

A o r ig e m d a s s é r i e s i n f i n i t a s
A possibilidade de representar funções por meio de séries infinitas, particularmente séries de
potências, foi percebida desde o início do desenvolvimento do Cálculo no século XVII, tendo-se
constituído num dos mais poderosos estímulos a esse desenvolvimento.
Mas as séries infinitas são conhecidas desde a antiguidade. A primeira a ocorr
História da M atem ática é uma série geom étrica de razão 1/4, que intervém no cálculo da
área da parábola, feito por Arquiniedes. Seguindo a tradição grega de evitar o infinito, pelas
dificuldades lógicas que esse conceito pode trazer em seu bojo, Arquimedes não som a todos os
termos da referida série; ele observa que a soma de uma certa quantidade à reduzida de ordem
n produz um a quantidade independente de n, que é a soma da série.2
Depois dessa ocorrência de uma série geométrica num trabalho de Arquimedes. as séries
infinitas só voltariam a aparecer na M atem ática cerca de 1.500 anos mais tarde, no século
XIV. Nessa época h avia um grupo de m atem áticos na Universidade de Oxford que estudava a
cinem ática, ou fenôm eno do movimento. Foi esse estudo que levou à reconsideração das séries
infinitas. E foi então que se descobriu que o termo geral de uma série pode tender a zero sem
que a série seja convergente. Isto ocorreu em conexão com a série harmônica e a descoberta
foi feita por Nicole Oresme, de quem falaremos logo adiante.

A d iv e r g ê n c ia d a s é r ie h a r m ô n ic a

A divergência da série harmônica é um fato notável, que jamais seria descoberto experim en­
talmente. D e fato, se fôssemos capazes de somar cada termo da série em um segundo de
tempo, como um ano tem aproximadamente 365,25 x 24 x 60 x 60 = 31.557.600 segundos,
nesse período de tem po seriamos capazes de somar a série até n = 31.557.600, obtendo para
a som a um valor pouco superior a 17; em 10 anos a soma chegaria a pouco mais de 20; em
100 anos, a pouco m ais de 22. Como se vê, esses números são muito pequenos para indicar
divergência da série; não som ente isso, mas depois de 100 anos já estaríam os som ando algo
muito pequeno, da ordem de 3 x 10“ 9. E claro também que é impossível efetuar essas som as
para valores tão grandes de n. . . .
Vamos fazer m ais um exercício de imaginação. Hoje em dia temos com putadores muito
rápidos, e a tecnologia está produzindo máquinas cada vez mais rápidas. Mas isso tem um
limite, pois, com o sabem os, nenhum sinal físico pode ser transmitido com velocidade superior
à da luz. Portanto, nenhum computador poderá efetuar uma soma em tempo inferior a 10-23
segundos, que é o tem po gasto pela luz para percorrer distância igual ao diâmetro de um elétron.
Pois bem, com tal com putador, em um ano, mil anos e um bilhão de anos, respectivam ente,
poderíamos som ar term os em números iguais a

315.576 x 1025, 315.576 x 1028 e 315.576 x 1034.

E veja os resultados aproximados que obteríamos para a soma da série harmônica, em cada
um desses casos, respectivamente:

70,804, 77,718 e 91.5273.

Imagine, finalmente, que esse computador estivesse ligado desde a origem do universo, há 16
bilhões de anos. Ele estaria hoje obtendo o valor aproximado de 94,2999 para som a da série
harmônica, um número ainda muito pequeno para fazer suspeitar que a série diverge.
— Mas com o se chega ao número 94,299, se o (idealizado) computador m ais rápido que
se possa construir deveria ficar ligado durante 16 bilhões de anos?
Sim, não há com o fazer essa soma, mas existem métodos que permitem substituir a soma
S n dos n primeiros term os da série por uma expressão matemática que aproxima S n e que

2Veja nosso artigo na R evista M atem ática Universitária, N - 4, Dezembro de 1986.


96 C a p ítu lo 3: Séries In fin ita s

pode ser calculada numericamente; e os m atemáticos sabem disso há mais de 300 anos!...3

N ic o le O r e s m e e a s é r ie d e S w in e s h e a d
Nicole Oresme (1325-1382) foi um destacado intelectual em vários ramos do conhecimento,
como Filosofia, M atem ática, Astronom ia, Ciências Físicas e Naturais. Além de professor uni­
versitário, Oresme era conselheiro do rei, principalmente na área de finanças públicas; e nessa
função revelou-se um homem de larga visão, recomendando medidas monetárias que tiveram
grande sucesso na prática. A o lado de tudo isso, Oresme foi também bispo de Lisieux.
Oresme m antinha contato com o grupo de pesquisadores de Oxford e contribuiu no estudo
de várias das séries estudadas nessa época. Um a dessas séries é a seguinte:
oo

n=l

Essa série foi considerada, por volta de 1350, por Richard Swineshead, um dos
matemáticos de Oxford. Ela surge a propósito de um movimento que se desenvolve durante o
intervalo de tem po [0, 1] da seguinte maneira: a velocidade permanece constante e igual a 1
durante a primeira m etade do intervalo, de zero a 1/2: dobra de valor no segundo subintervalo
(de duração 1 /4 ), triplica no terceiro subintervalo (de duração 1/8), quadruplica no quarto
sub- intervalo (de duração 1/16) etc. Como se vê, a soma da série assim construída é a soma
dos produtos da velocidade pelo tem po em cada um dos sucessivos sub-intervalos de tem po e
representa o espaço total percorrido pelo móvel (Fig. 3.1a).
Swineshead achou o valor 2 para a soma através de um longo e complicado argumento
verbal. Mais tarde, Oresme, deu uma explicação geométrica bastante interessante para a som a
da série. Observe que essa som a é igual à área da figura formada com uma infinidade de
retângulos verticais, como ilustra a Fig. 3.1a. O raciocínio de Swineshead, combinado com a
interpretação geométrica de Oresme, se traduz simplesmente no seguinte: a som a das áreas
dos retângulos verticais da Fig. 3.1a é igual à soma das áreas dos retângulos horizontais da
Fig. 3.1b. Ora, isso é o m esm o que substituir o movimento original por um a sucessão infinita
de movimentos, todos com velocidade igual à velocidade original: o primeiro no intervalo de
tempo [0, lj; o segundo no intervalo de tempo [1/2, 1); o terceiro no intervalo [3/4, 1]; e assim
por diante. Vê-se assim que o espaço percorrido (soma das áreas dos retângulos da Fig. 3.1b)
é agora dado pela soma da série geom étrica

n=0

Isso permite obter a som a da série original, pois sabemos somar uma série geométrica; no caso
desta últim a o valor é 2.
Hoje em dia a maneira natural de somar a série de Swineshead é esta:
oo oo . oo oo
S _ J L = V a 1 + (n - 1 )
l —j 2 n 2n
n=1 n=l

3 O leitor curioso pode ver a explicação desses métodos em nosso artigo na R evista
M atem ática U niversitária, Nq 19, Dezembro de 1995.
C a p ítu lo 3: S éries In fin ita s 97

(o) (b)
Fig. 3.1

donde 5 = 2. Deixam os ao leitor a tarefa de interpretar esse procedim ento em termos do


raciocínio de Swineshead e Oresme.
A s séries infinitas, como dissemos acima, tiveram um papel im portante no desenvolvi­
m ento do Cálculo, desde o início desse desenvolvimento no século XVII. M as foi no século
XIX que as idéias de convergência e somas infinitas atingiram plena maturidade, e isso devido,
principalmente, ao trabalho de Cauchy, de quê falaremos a seguir.

C a u c h y e a s s é r ie s in fin ita s

Augustin-Louis Cauchy (1789-1857) é a figura mais. influente da M atem ática na França de


sua época. Como professor da Escola Politécnica ele escreveu vários livros didáticos, bastante
inovadores, por isso mesmo tiveram grande influência por várias décadas. O primeiro desses
livros é o C ours d ’A nalyse de 1821, cujo capítulo VI é dedicado às séries, e contém quase todos
os resultados que discutimos no presente capítulo. E também aí que aparece o critério de
convergência que viria ser chamado “de Cauchy”, formulado nos seguintes termos:

“. .. para que a série UO) tii, U2 ,- - - U n, Un+ij & c ... seja convergente, é necessário e
suficiente que valores crescentes de n fa ça m convergir indefinidam ente a so m a sn = uo 4-tti 4-
U2 4- Szc . . . 4- U n -i para u m valor fixo s: em outras palavras, é necessário e su ficien te que, para
valores in fin ita m en te grandes do núm ero n, as som as s n , s n+i> s n+2 , — difiram da som a
s, e por conseqüência entre elas, por quantidades infinitam ente pequenas.”

O pouco m ais que Cauchy escreve em seguida sobre esse critério nada acrescenta de subs­
tância, apenas esclarece ser [.. .necessário e suficiente] “que, para valores crescentes de n, as
som as das quantidades u n, u n+ i, u n+ 2- . . . tomadas, a p artir da prim eira, tantas quantas
se queiram , resultem sem pre em valores num éricos inferiores a todo lim ite p rescrito.”
Ao contrário de Bolzano, Cauchy sequer acena com uma dem onstração — parece julgá-la
desnecessária — , limitando-se a usar esse critério para provar que a série harmônica é divergente
e que a série alternada J ^ (—l ) n/ n é convergente. No primeiro caso ele observa que

S 2 n — S n = —— r 4- ——— 4-. -
n 4-1 n 4- 2

donde conclui que a série é divergente. No segundo caso o raciocínio é o seguinte, supondo
m > n: se m — n for ímpar,
98 C ap ítulo 3: Séries In fin ita s

e se m — n for par,

Em qualquer desses casos, |Sn — S m| < l / n , o que prova a convergência desejada. É fácil
verificar que esse último raciocínio se aplica tam bém à série alternada V ](—l ) na„, onde (an)
é uma seqüência nula não crescente. Aliás, a convergência dessa série já era sabida de Leibniz
(1646-1716), que lhe faz referência numa carta de 1713, o que explica atribuir-se a ele o teste
dado no Teorema 3.21 (p. 92).
Essas são as únicas aplicações em que Cauchy utiliza seu critério de convergência,
podendo-se então dizer que tal critério não teria feito falta alguma a Cauchy. Sua importância
só se faria sentir mais tarde, no final do século, no trato de im portantes problemas de apro­
ximação, em equações diferenciais e cálculo de variações.
Embora, como dissemos, o trabalho de Cauchy tenha tido influência decisiva no desen­
volvimento e consolidação do estudo da convergência das séries no século XIX, esse desen­
volvimento vinha desabrochando desde o final do século anterior. E a esse respeito devemos
mencionar aqui o importante trabalho de um ilustre autor português, José Anastácio da Cunha.
As séries infinitas são discutidas no capítulo IX ("livro” IX) de sua obra "Princípios Mathe-
m aticos”, onde se pode identificar uma verdadeira antecipação de m uitas das idéias de Cauchy
e seus contemporâneos, inclusive o “critério de convergência de Cauchy” .4

4Veja o artigo de J. F. Queiró na R evista M atem ática Universitária, N - 14, Dezembro de


1992.
Capítulo 4

FUNÇÕES, LIM ITE E


C O N TIN U ID A D E

O c o n c e ito d e fu n ç ã o

0 leito r já e n c o n tro u o co n ceito d e função em seus estu d o s an terio res, so b re tu d o


nas disciplinas de C álcu lo . T en d o em c o n ta a im p o rtân cia desse conceito num
curso de A nálise, vam os re to m á -lo aq u i, com eçando com alg u n s asp ec to s de su a
evolução h istó ric a a p a r t ir do século X V II. N essa época, com o a p a rec im e n to d a
G eo m etria A n a lític a , m u ito s p ro b lem a s m ate m á tic o s era m co n v en ie n tem en te
form ulados e resolvidos em te rm o s de variáveis ou in có g n itas que p o d ia m ser
re p re se n tad as em eixos d e co o rd en ad as.

C onsiderem os, com o ex em p lo , o p ro b le m a de tra ç a r a re ta ta n g e n te a u m a


d a d a curva (Fig. 4.1). N esse p ro b le m a in terv ém v árias g ran d ezas, com o a
o rd e n a d a do p o n to de ta n g ê n c ia T , os co m p rim en to s d a ta n g e n te O T , d a su b -
tan g en te O A , d a n o rm a l T N e d a su b n o rm a l /LY. E as investigações giravam
em to rn o de equ ações envo lv en d o essas v á ria s grandezas, as q u ais e ra m e n ca­
rad as com o d iferen tes v ariáv eis lig ad as à curva, em vez de serem v is ta s com o
funções se p a ra d a s d e u m a ú n ic a v ariáv el in d ep en d e n te. M as, aos poucos, u m a
dessas variáveis — no caso, a ab scissa de T — foi assum in d o o p ap el d o que
h oje cham am os a variável in d ep en d e n te
A p a la v ra “fu n ção ” foi in tro d u z id a p o r Leibniz (1646-1716) em 1673, ju s ta ­
m ente p a ra d esig n a r q u a lq u e r d a s v ária s variáveis geom étricas asso ciad as com
u m a d a d a curva. Só aos p o u co s é q u e o con ceito foi-se to rn a n d o in d ep e n d e n te
de curvas p a rtic u la re s e p a ss a n d o a significar a d ep en d ên cia de u m a variável
100 C a pítulo 4: F unções, lim ite e co n tin u id a d e

em term o s de o u tra s. M as, m esm o assim , p o r to d o o século X V III, o conceito


de função p e rm an eceu q u ase só r e s trito à idéia de u m a variável (d ep en d en te)
exp ressa p o r alg u m a fó rm u la em te rm o s de o u tra ou o u tra s variáveis (in d e p e n ­
dentes).
E ssa idéia de função, to d a v ia , revelou-se in ad e q u a d a a p a rtir do m om ento
em que os m a te m á tic o s c o m e ç a ra m a d efin ir funções pelos processos infinitos do
C álculo. P o r exem plo, u m a fu n ç ã o p o d e ser d efinid a p e la fórm ula

M as prova-se que a so m a d essa série é

/ ( x ) = — se — 7r < x < 7r; / ( —tt) = /(w ) = 0.

F aça u m gráfico d e sta ú ltim a fu n ç ã o e re p a re em seu asp ecto tip o “se rra ” , com
descon tin u idades nos p o n to s x = n n . No e n ta n to , a série inicial que a define
tem um asp ecto de m u ita re g u la rid a d e , p e la reg u larid ad e de seus term os, to d o s
com gráficos contín uos, sem q u a lq u e r r u p tu r a . Foi o processo de so m a in fin ita
d a definição inicial que fez su rg ir u m a fó rm u la nova p a ra definir a função, b em
com o as d esco n tin u id ad es d o gráfico.
E xem plos com o esse q u e a c a b a m o s de d a r deixavam claro que o conceito
de função d ad o p o r u m a fó rm u la e ra in a d eq u a d o . A definição m ais geral de
função que u tilizam o s h o je e q ue é d a d a logo a seguir, evoluiu p rin cip alm en te
dos tra b a lh o s de F ou rier e D iric h le t no século X IX , e sobre os quais falarem os
m ais em n o ta no final do c a p ítu lo .

4 .1 . D e fin iç ã o . U ma fu n ç ã o f : D i—►Y é u m a lei que associa elem entos


de u m conjunto D , cham ado o d o m ín io da fu n ç ã o , a elem entos de u m outro
conjunto Y , cham ado o c o n tra d o m ín io da função.

E m geral, o c o n tra d o m ín io é u m co n ju n to fixo, o m esm o p a ra to d a u m a


classe de funções sob co n sid eração , não aco n te cen d o necessariam ente que to d o
elem ento de Y co rre sp o n d a a alg u m elem en to do dom ínio pela ação d a função
que esteja sendo co n sid e ra d a. J á co m o d om ín io a situ ação é diferente, p ois c a d a
função tem seu dom ínio p ró p rio , e to d o s os elem entos do dom ínio são o b je to de
ação d a função.
E m nosso e stu d o e sta re m o s in teressad o s tão -so m en te em funções cujos
dom ínios sejam su b c o n ju n to s d o s n ú m ero s reais, p rin cip alm en te intervalos dos
vários tip o s co nsid erado s logo no início do C a p ítu lo 2. O co n trado m ín io será
sem pre o m esm o, o c o n ju n to dos n ú m e ro s reais.

T e r m in o lo g ia e n o ta ç ã o

C ostum a-se d e n o ta r com f ( x ) o elem e n to que u m a função / associa ao elem ento


C a p ítu lo 4: Funções, lim ite e co n tin u id a d e 101

x . Escreve-se:
/: x e D y = / ( x),

significando coni isso q u e y é a im agem de x p ela / . O u tro m o d o co n siste em


id entificar a fu n ção com se u gráfico, q u e é o co n ju n to / = {(z, f { x ) ) : x £ D} .
E m u ito co m um d izer “s e ja a função y = f ( x ) ’\ em cujo caso esta m o s u san d o
o próp rio sím bolo y = f ( x ) p a ra d e n o ta r a função / , em b o ra com c e rta im pro-
p riedad e, p o is / ( x) é o v alo r d a fu n ção n u m valor p a rtic u la r de D. P o rta n to ,
q u an d o essa n o ta ç ã o é u sa d a , deve-se e n te n d e r que x d e n o ta q u alq u er v alo r no
dom ínio D, p o r isso m esm o ch am a-se variável de dom ínio D , a c h a m a d a va riá vel
independente, y é a im a g em de x pela fu n ç ã o / , a ch a m a d a variável dependente.
O c o n ju n to d e to d o s os valores d a função,

I f = { y = f { x ) : x 6 D} ,

é ch am ad o a im a g em de D pela f , e freq ü en te m e n te indicado p o r f ( D ) . D e um


m odo geral, se n d o A u m s u b c o n ju n to de D , define-se a im agem de A m e d ia n te
a expressão
f ( A ) = { / ( * ) : x e A) .
P a ra c a ra c te riz a r u m a fu n ção n ão b a s ta p rescrever a lei de co rre sp o n d ên cia
/ ; é necessário ta m b é m esp ecificar seu do m ín io D. F req ü en tem en te as funções
são d a d a s p o r fó rm u las a lg éb ric as ou a n a lític a s, como
jC OO
e ~ t 2 dt; f(x) = E — ■ -
n
M as nem sem p re é assim ; te re m o s o p o rtu n id a d e de lid ar com funções d a d a s p o r
leis b em gerais, q u e n ã o se e n q u a d ra m n essas categorias.
M u ita s vezes o d o m ín io d e u m a função n ão é m encionado, ficando s u b e n te n ­
dido tr a ta r -s e d o m a io r c o n ju n to p a ra o q u al a expressão q u e define a função
faz sen tid o. A ssim , n o s d ois p rim eiro s exem plos acim a, o dom ínio é o c o n ju n to
de to d o s os n ú m e ro s reais, e n q u a n to no ú ltim o é o sem i-eixo x > 1.
U m a fun ção / co m d o m ín io D é d ita lim ita d a à esquerda ou lim ita d a in fe ­
rio rm en te se ex iste u m n ú m e ro A ta l que A < f ( x ) p a ra to d o x € D-, e lim ita d a
à direita ou lim ita d a su p e rio rm e n te se ex iste um nú m ero B ta l que f ( x ) < B
p a ra to d o x e D. U m a fun ção q u e é lim ita d a à d ire ita e à esq u erd a ao m esm o
te m p o é d ita , sim p le sm en te, lim itada; é claro que isso eqüivale a dizer q ue existe
um nú m ero M ta l q u e | / ( x ) | Sí p a ra to d o x e D .
D iz-se que u m a fu n ç ão g é extensão de u m a função f , ou que / é re striç ã o
de g, se o do m ín io de / e s tá co n tid o no do m ín io de g e as d u as funções coinci­
dem no d om ínio de / . As o p e raçõ es so bre funções, com o adição, m ultiplicação,
divisão etc., são defin idas d e m a n e ira óbvia, em term o s das m esm as o p eraçõ es

/
Lli Cusétafo -fc Finçofs. ~~rr--■
*»e coatxm ãJade

socice a n o a s - E claro q u e as funções so b re a s q u ais se fazem essas operações


ã e ie H te r o m esm o dom ínio; e se n ã o for esse o caso, é necessário restrin g ir
06 fiotnfnios ao co n ju n to in terseç ão dos d o m ín io s d as funções envolvidas. P o r
exEm pk). e m b o ra a função f ( x ) = i 2 e s te ja d e fin id a p a ra to d o x real, o p ro d u to
r r = x ~ -J x é u m a função com d o m ín io x > 0, o m esm o d a fu nção h[ x ) — \f x .

V á r io s tip o s d e fu n ç ã o

S ejam f e g d u as funções, com d o m ín io s D f e D g , re sp ec tiv am en te. S uponham os


q u e g { D g) C D j ; assim , q u a lq u e r q u e se ja x 6 D g, g( x) 6 D f e p odem os
c o n sid e ra r f { g ( x ) ) . A função h : x i—> f ( g ( x ) ) , com d om ínio D g, é ch am ad a
a c o m p o sta das funções f e g, fre q ü e n te m e n te in d ic a d a com o sím bolo “f o g
P o r exem plo, h( x ) = V x 2 — 1 é fu n ção c o m p o s ta d a s funções f ( x ) = sf x e
g( x ) = x 2 — 1. C om o o dom ínio d e / é o sem i-eix o x > 0, o d om ínio de h é o
c o n ju n to dos nú m ero s x ta is que |z | > 1.
D iz-se que u m a função / : D >—►Y é in je tiv a o u in vertíve l se

x i=- x ' => f ( x ) tí f { x ' ) .

Isso é o m esm o que afirm ar: f ( x ) = } { x ' ) => o: = x'\ e significa que cada
elem ento y d a im agem de / p ro v ém de u m ú nico elem ento x no dom ínio de
f : y = f { x ) . Isso nos p erm ite defin ir a c h a m a d a fu n ç ã o in versa d a função / ,
freq ü e n te m e n te in d icad a com o sím bolo / -1 , q u e leva y € f ( D ) no elem ento
x e D ta l que / ( x ) = y. E fácil ver e n tã o q u e f ^ 1 ( f ( x ) ) = x p a ra to d o x D e
/ ( / - 1 (y)) = v Pa ra to d o y e / ( o ) .
D iz-se q u e u m a função / : D i—» Y é so b rejetiva se } { D ) = y . U m a fun­
ção q u e é ao m esm o te m p o in jetiv a e so b re je tiv a te m inv ersa d efinida em to d o
o c o n ju n to Y . E la estab elece assim u m a c o rre sp o n d ê n c ia e n tre os elem entos
x £ D e os elem entos y = f ( x ) e Y , q u e é c h a n a d a correspondência biunívoca,
ju s ta m e n te p o r ser unívoca nos dois sen tid o s: c a d a elem en to em D te m um
e um só c o rresp o n d en te em Y p e la / ; e c a d a e lem en to d e Y te m um e u m só
c o rre sp o n d en te em D p e la in v ersa / - 1 . U m a fu n ç ão n essas condições é ch a m a d a
u m a bijeção ou fu nção bijetiva. E claro q u e to d a fu n ção in je tiv a é u m a bijeção
de D so b re f { D ) .
D iz-se que u m a função / defin id a n u m in terv alo é crescente se x < x ' =>
f { x ) < } { x ') ‘, decrescente se x < x ' => f ( x ) > f { x ' ) - não decrescente se x <
x ' => f ( x ) < f ( x ' ) e não crescente se x < x ' => f ( x ) > f { x ' ) . E m to do s esses
casos / é ch a m a d a fu n çã o m on óto n a .
D iz-se que / é u m a fu n çã o par se seu d o m ín io D é sim é trico em relação á
origem (isto é, x £ D <=> —x £ D ) e f ( —x) = f ( x ) ; f é fu n çã o im par se o
dom ín io é do m esm o tip o e f ( —x) = —f ( x ) .
D a d a u m a função / : D t-+ Y e B u m s u b c o n ju n to de Y , define- se f ~ 1 ( B)
C a p ítu lo 4: Funções, lim ite c c o n tin u id a d e 103

(m esm o que / n ã o seja in vertível) m ed ian te

f ~ \ B ) = { x e D : f( x ) € B }.

E n tã o , f ~ 1 ( Y ) = D c = <t> se B D } { D ) - <j>.

E x e rc íc io s

1. Considere a função f ( x ) = s e n ( l/x ) , definida para todo x ^ 0. Estude seu gráfico, notando
particularm ente o com portam ento da função quando |x| torna-se arbitrariamente grande
ou próximo de zero. Determine os pontos onde / se anula.
2. Faça o gráfico das funções f ( x ) = x s e n ( l / x ) e g (x) = x 2 s e n ( l/ x ) , que estão definidas para
todo x ^ 0.

3. Considere a seguinte função, conhecida como função de D irichlet: f ( x ) = 1 se x é racional


e f ( x ) = 0 se x é irracional. Descreva a função <?(:r) = f( y / x ) .
4. Se / é a função de Dirichlet, descreva o conjunto {x*: f ( x ) < x } . Descreva tam bém o con­
junto {x: f ( x ) < x 2}.
5. Prove que to d a função crescente (decrescente) é invertível e sua inversa é crescente (decres­
cente).
6. Defina convenientem ente o domínio de cada uma das função seguintes, de forma que elas
sejam invertíyeis e calcule suas inversas:

a) f (x) = x 2 — 2x — 3; 6) f ( x ) ~ —x 2 4- x 4- 2;

c) /(* ■ ) = \ / 1 — x 2; d) f(x) = - \/4 - X2 .

7. Faça o gráfico da função y — = Prove que sua imagem é o intervalo |y| < 1. Prove
V i 2 4- 1
que ela é injetiva, provando que y — y =>• x — x ' . Calcule sua inversa.
8. Prove que tod a função com domínio simétrico em relação à origem decompÕe-se de maneira
única na som a de um a função par com uma função ímpar.
9. Se / é um a função com domínio D e A e B são subconjuntos de D , prove que f ( A U B ) =
f ( A ) U f ( B ) e f ( A D B ) C f ( A ) C \ f ( B ) . Dê um contra-exemplo para mostrar que f ( A C \B )
pode ser diferente de f ( A ) D f ( B ) . Prove que a última inclusão é a igualdade se / for
injetiva.
10. Prove, de um m odo geral, que quaisquer que sejam a função / com domínio D e ( . d i ) ^
uma seqüência enumerável de subconjuntos de D , valem as seguintes relações:

/( u S i^ i) = uZifiAi): c n ^ /íA i).

Prove ainda que esta últim a inclusão é a igualdade se / for injetiva. .


11. Prove que se f : D Y é uma função qualquer e B um subconjunto de Y , então / _1(V' —
B) = D - r \ B ) .
12. Sejam f : D * -* Y uma função qualquer e A e B subconjuntos de Y . Prove que

f - \ A U B) = r \ A ) U /- '( B ) ; f ~ l (A n B ) = r \ A ) n
104 C apítulo 4: F unções, lim ite e co n tin u id a d e

13. Generalize o resultado anterior, provando que ,

r l(ur=iAi) = u~ 1r 1(Ai) e r\nZiAi) = n^ 1r \ A i)l


onde f : D v-+Y é uma função qualquer e é uma seqüência enumerável de subcon­
juntos de Y .
14. Prove que se f : D Y ê injetiva e A C D , então f ~ 1( f ( A ) ) = A . Mostre, por contra-
exemplo, que isso não é necessariamente verdade se / não for sobrejetiva.
15. Prove que se / : D Y é sobrejetiva e B C Y , então f ( f ~ l B )) = B . Mostre, por
contra-exemplo, que isso não é necessariam ente verdade se / não for injetiva.
16. Se f é uma função qualquer, seja | / | a fu n çã o módulo, assim definida: |/ |( x ) = |/( x ) |.
Dadas duas funções / e g, com o m esm o domínio, expresse

(m ax{/, g} ) ( x) = m ax {/(x ), g ( x ) } e (m in{/, g})(x) = m in{/(x), g(x)}.

em termos da função módulo.


17. Seja / uma função com domínio D . Por su p D / , s u p /( x ), ou simplesmente s u p /, designa-
x€D
se o supremo do conjunto f { D ) = { / ( x ) : x e D}; e analogamente para inf d /, inf f { x) ,
x£D
ou i n f / . Sendo / e g funções lim itadas num domínio D , prove que

su p (/ + g) < sup / + sup g e in f ( / + g) > inf / + inf g.

Dê exemplos mostrando que os sinais de desigualdade podem ser estritos ou não.


18. Seja / uma função lim itada num dom ínio D . A oscilação de / em D , denotada por tj óu,
mais precisamente, t j ( /, D ), é definida por w = 'À / — rn, onde M = su p / e m= in f/.
Prove que u — supyl, õnde À = { f ( x ) — f ( y ) : x 6 D , y 6 D }.

S u g estõ es e so lu çõ es
1. Essa função é estudada detalhadam ente em nosso livro Cálculo 1.
3. Nos pontos x da forma ( p /q )2, com p e q primos entre si, onde ela é 1.
o t i s _ /(* ) + / ( - x ) f{x) - f ( - x )
~ 2 2 '

9. Com referência à inclusão, se y -€ f ( A r \ B ) , y = f ( x ), com x G A r \B , logo y 6 f ( A ) C \f( B ) .


Pode acontecer que um certo y esteja em f ( A ) O f ( B ) sem estar em f ( A fl 5 ) . Para isso
basta que y seja igual a f ( a ) e igual a /( ò ) , com a G A e b G B , sem que haja um c G A fl B
tal que y = f( c ) . Dê um exem plo concreto dessa situação.
11. Observe que x G f ~ l ( Y — B ) =>• f { x ) G Y e f ( x ) £ B \ e que isto implica x G D e
x ^ f ~ l (B ). Observe também que essas implicações são reversíveis.

16. m a x {/, #} = —— — e expressão análoga para m in {/, g}.

17. Observe que ( / -f g )(D ) = { / ( x ) + g (x ): x G D } C f ( D ) + g(D ) e aplique o resultado dos


Exercs. 15 e 18 da p. 36. Ou, então, observe que, qualquer que seja i GD,

inf / -f- inf <7 < inf / + g (x) < f { x ) g (x ) e f ( x ) + g{x) < s u p / + ^(x) < s u p / + sup<7-

18. E claro que sup A < u . Por outro lado, dado qualquer e > 0, existem x e y em D tais que
f ( x ) > M - e /2 e f ( y ) < m + e / 2 , donde f ( x ) - f ( y ) > tj —e; e isso prova que u < sup A.
C apítulo 4: Funções, lim ite e c o n tin u id a d e 10-5

L im ite e c o n tin u id a d e ,
p r im eira s d efin içõ es

S em p re q u e falarm o s em “n ú m ero ” sem q u alq u er q u alificação , e n te d e rem o s


tr a ta r - s e d e u m n ú m e ro real. C om o os n ú m ero s reais são re p re s e n ta d o s p o r
p o n to s de u m a re ta , a tra v é s de suas abscissas, é costu m e u sa r a p a la v ra “p o n to ”
em lu g a r d e “n ú m e ro ” ; assim , “p o n to x ” significa “n ú m e ro x ”.
J á d efinim os “v iz in h a n ç a e” de um p o n to n a p. 48. D e u m m o d o g eral, vizi­
n h a n ça d e u m p o n to é q u a lq u e r co n ju n to que c o n te n h a a in te rn a m e n te . M as, a
m en o s q u e o c o n trá rio seja d ito ex p licitam en te, “v izin h an ç a” p a ra n ó s sig n ificará
se m p re u m in te rv alo a b e rto . E m p a rtic u la r, d ad o e > 0, o in te rv a lo Vs (a) =
{a —e, a + e ) é u m a v iz in h a n ç a de a, ch am a d a n a tu ra lm e n te v izin h a n ç a sim étrica
de a, ou v izin h a n ç a e de a. As vezes in teressa co n sid erar u m a v iz in h a n ç a e de a,
e x cluído o p ró p rio p o n to a, a ch am a d a vizin h a n ça perfurada. V am o s d e n o tá -la
Ve'(a):
V j(a ) = Ve(a) - {a} = { x : 0 < | i — o | < e}.

D iz-se q u e u m n ú m e ro a é ponto de acum ulação de u m c o n ju n to C se to d a


v iz in h a n ç a de a co n tém infinitos elem entos de C . Isso e q ü iv ale a d iz e r que
(E xerc. 1 a d ia n te ) toda vizinhança de a con tém algum elem en to de C diferente
de a; o u a in d a , d a d o q u a lq u e r e > 0, V Í(a) contém algum elem e n to de C .
U m p o n to d e ac u m u laç ã o d e u m c o n ju n to p o d e o u n ão p e rte n c e r ao co n ju n to ;
p o r exem plo, os e x trem o s a e b de um intervalo a b e rto (a, b) sã o p o n to s de
a c u m u la ção desse in terv alo , m as n ão p erten cem a ele. T o d o s os p o n to s do
in terv alo ta m b é m são seus p o n to s de acu m u lação e p e rte n c e m a ele.
U m p o n to x de u m co n ju n to C diz-se isolado se n ão for p o n to d e ac u m u laçã o
d e C . Isso é eq u iv ale n te a d izer q u e ex iste e > 0 ta l q ue V ^ (x ) n ão co n tém
q u a lq u e r e le m e n to de C . C h am a-se discreto to d o co n ju n to cu jo s e lem en to s são
to d o s isolad o s. O co n ju n to

A = í i l 1 _n _ |
\ 2’ 3’ 4’ ’ n + 1" J

é d iscreto , p o is seus p o n to s são todos, isolados, e seu único p o n to d e acu m u laç ão


é o n ú m e ro 1, q u e n ã o p e rte n c e ao conjunto.
V am os in tro d u z ir u m a noção referente a dois c o n ju n to s A e B , q u e é u tiliz a d a
com fre q ü ên c ia q u a n d o A C B , em b o ra e s ta condição n ão se ja n e c e ss á ria n a
d efinição q u e vam o s d ar.
D iz-se q u e u m c o n ju n to A é denso n u m co n ju n to B se to d o p o n to d e B que
n ão p e rte n c e r a 71 é p o n to de acum ulação de A . D ito de o u tro m o d o , to d o p o n to
de B ou j á e s tá em A ou é p o n to de acum ulação de A, de so rte q u e se ju n ta rm o s
a A seus p o n to s de acu m u lação , o co n ju n to re s u lta n te c o n te rá B . E m p a rtic u la r,
A ser denso em R significa que to d o núm ero real é p o n to de ac u m u la ç ã o de A .
106 C a p ítu lo 4: F unções, lim ite e co n tin u id a d e

P o r exem plo, o co n ju n to Q é denso em R ; ta m b é m é den so em R o conjunto


dos n ú m e ro s irracionais.

A s d e fin iç õ e s d e lim ite e c o n tin u id a d e

H isto ric am e n te, o conceito de lim ite é p o ste rio r ao de d eriv ad a. E le surge da
necessid ad e de calcular lim ites de razões in c re m e n ta is q u e definem derivadas. E
esses lim ites são sem p re do tip o 0 /0 . P o r aí já se vê q u e os exem plos in teressan tes
d e lim ites devem envolver situações que só co m eçam a a p a re c e r n u m curso de
C álcu lo dep o is que o aluno ad q u ire fa m ilia rid a d e com u m a classe razoável de
funções. A liás, os prim eiros lim ites in te re ssa n te s a o c o rre r nos cursos de Cálculo
são os d a s funções
sen x 1 — cos x ,.
------ - e ------------- , 4.1
x x
com x te n d e n d o a zero. Isso acontece no cálculo d a d e riv a d a d a função y =
sen x . M ais ta rd e , no estu d o das in teg rais im p ró p ria s, su rg e a necessidade de
c o n sid e ra r lim ites de funções como

Jr0

com x te n d e n d o a 1.
O bserve que, em to d o s esses casos e o u tro s p arecid o s, a v ariáv el x deve
a p ro x im a r um c erto valor, sem n unca c o incid ir com esse valor, e que o valor do
q u a l x se ap ro x im a deve ser p o n to de acu m u la ção d o dom ín io d a função. E ssas
observações a ju d a m a b em co m p reen d er a definição q u e d am o s a seguir.
4 .2 . D e f in iç ã o . D ada um a fu n çã o f com d o m ín io D , seja a u m ponto de
acum ulação de D (que p ode ou n ão p e rte n c e r a D ). D iz-se que u m núm ero L
é o lim ite de f ( x ) com x tendendo a a se, dado qualquer e > 0,existe 6 > 0 tal
que .
x € D , 0 < \x — a | < S => \ f ( x ) — L\ < e. (4-3)

P ara indicar isso escreve-se

lim f ( x ) = L, lim x_ a f ( x ) = L, f ( x ) —> L com x —> a,


x —*a

ou lim f ( x ) = L , o m itindo a indicação “x —* a ” quando fo r óbvia.


A condição (4.3) p o d e ain d a ser e scrita d as seg u in tes trê s m an eiras equiva­
lentes:
x G V /(a) D D => \} { x ) — L \ < e,

x £ Vf ( a) fl D => L —e < f (x) < L + e ,

x € V fla jn => '/( * ) € Ve ( L ) .


C a p ítu lo 4: F unções, lim ite e c o n tin u id a d e 107

A D efinição 4.2 c o stu m a ser c h a m a d a a definição e -6 de lim ite, p o r razões


ó bv ias. H á u m a o u tra m a n eira eq u iv alen te de d efin ir lim ite , a c h a m a d a definição
seqüencial de lim ite, ca ra c te riz a d a no T eo rem a 4.10 ad ia n te .

A exclusão do p o n to i = a n a definição de lim ite é n a tu r a l, p o is o lim ite L


n a d a tem a ver com o valor f ( a ) , com o vem os pelos m u ito s exem plos concretos,
com o em (4.1) e (4.2). O conceito de lim ite é in tro d u z id o p a ra c a ra c te riz a r o
c o m p o rta m e n to d a função f ( x ) n as p ro x im id a d es do v alor a , p o rém m antendo-se
se m p re d ife re n te de a. A ssim , p od em o s m u d a r o v a lo r d a função no p o n to como
q u iserm o s, sem que isso m ude o valor do lim ite, e é assim m esm o qu e deve ser.
A g o ra, se a função já e stá definida em a, e seu valo r aí coincide com seu lim ite,
e n tã o o c o rre rá a co n tin u id ad e no p o n to . E p o r isso m esm o que, q u an d o a função
a in d a n ão e s tá definida, m as tem lim ite n u m p o n to a, co stu m a-se defini-la nesse
p o n to com o sen d o o valor do lim ite. E o q u e fazem os em exem plos com o (4.1)
e (4.2).
S em p re qu e nos referirm os ao lim ite de u m a fu n ção com x —> a deve-se
e n te n d e r que a é p o n to de acum u lação do d o m ín io d a fu n ção , m esm o que isso não
se ja d ito ex p licitam en te. E en ten d e m o s ta m b é m que n seja p o n to de acum ulação
do d om ín io D d a função / , ao in v estig arm os se f é c o n tín u a nesse po nto.

4 . 3 . D e f i n i ç ã o . D iz-se que a fu n ç ã o f é c o n tín u a no ponto x = a se existir


o lim ite de f ( x ) com x tendendo a a e esse lim ite f o r igual a f { a ) ; e diz-se que
f é co n tín u a em seu dom ínio, ou contínua, sim p le sm e n te , se ela fo r contínua
em todos os pontos desse dom ínio.

P r o p r ie d a d e s d o lim ite

4 . 4 . T e o r e m a . Se urna fu n çã o f com d o m ín io D te m lim ite L com x —* a.


e n tão |/ ( x ) | te m lim ite \L\. E m p articular, se f é co n tín u a em x = a, então
|/( a ; ) | tam b ém é contínua nesse ponto, isto é, lim x _ a | / ( x ) | = | / ( a ) | .

P a ra a d e m o n straç ão , observe que ||/( a :) | — |L || < |/ ( x ) — L |. P o r hipótese,


d a d o e > 0, ex iste 6 > 0 ta l que x E V /(a) fl D => | f ( x ) — L\ < e. P o rta n to ,
te re m o s ta m b é m x € V6'(a) fl D => ||/ ( x ) | — |L || < s, com o q u eríam o s provar.

4 . 5 . T e o r e m a . S e uma fu n çã o f com d o m ín io D tem lim ite L com x —►a.


e se A < L < B , então existe S > 0 tal que x 6 ^ '( a ) fl D => A < f ( x ) < B .

D em on stra çã o. C om o n a d em o n stra ç ão do T e o re m a 2.6 (p. 52), b a s ta to m ar


e < m in {L — A , B — L }; o 6 que for d e te rm in a d o em co rresp o n d ê n c ia a esse £
s a tis fa rá a condição do teorem a, p elas m esm as ra zõ e s ex p licad as n a d em o n stra ­
ção do T e o rem a 2.6.

4 . 6 . C o r o l á r i o . S e um a fu n çã o f com d o m ín io D te m lim ite L com i - * í .


108 C a p ítu lo 4: Funções, lim ite e continuidade

então e xiste 6 > 0 tal que f ( x ) é lim itada em V£(a) fl D .

A d e m o n s tra ç ã o é im e d ia ta , considerando, p o r exem plo, A = L — l e B =


L + 1 no te o re m a an terio r.

4 .7 . C o r o l á r i o ( p e r m a n ê n c i a d o s i n a l) . Se u m a fu n ç ã o f com do m ínio
D tem lim ite L ^ 0 com x —* a, então existe S > 0 tal que, x £ V ^{a) D D
f ( x ) > L /2 se L > 0 e f ( x ) < L / 2 se L < 0; ou seja, |/ ( x ) | > |L |/ 2 em ambos
os casos.

P a r a a d e m o n stra ç ã o , se L > 0 faça A = L /2 no te o re m a ; e se L < 0


faça B = L / 2 . E ste re su lta d o é conhecido com o o teorem a da p e rm a n ê n c ia do
sinal, ju s ta m e n te p o rq u e , n u m a v izin h an ça do p o n to a, a fun ção p e rm a n e c e com
o m esm o s in a l de L. P o rém , m ais do que p e rm an ê n cia do sin al, é im p o rta n te
o b serv a r q u e a função p e rm an ece a fa s ta d a de zero, ou seja, |/ ( x ) | > |L |/ 2 em
Vg(a) fl D . O b serv e a u tiliza ç ão d este resu ltad o na d e m o n stra ç ã o do item d) do
te o re m a seg u in te.

4 .8 . T e o r e m a . Se duas fu n çõ es } e g com o m e sm o d o m ín io D têm lim ites


com i - > a , e ntão (N os lim ite s indicados a seguir, é claro , x —> a .)
a) f ( x ) + 9 ÍX) tem Umite e lim [/(x ) + g (z)] = lim f ( x ) + lim g ( z );
b) sen d o k co nsta nte, k f ( x ) tem lim ite e lim[A:/(x)]. = k ■l i m / ( x ) ;
c) f ( x ) 9 Íx ) tem Umite e lim [ / ( i) g ( x ) ] = lim f ( x ) ■lim í;(a;);
d) se, a lém das h ipóteses feita s, lim g (x ) ^ 0, então f ( x ) / g ( x ) te m lim ite e
f { x ) _ lim f ( x )
1111 g{x) lim g ( x y
D em o n stra çã o . V am os d e m o n s tra r ap en as o ite m d ), d e ix an d o os de m a is a
cargo do le ito r, já q u e as d em o n straçõ es de to d o s eles são in te ira m e n te an álo g as
às do T eo rem a 2.8 d a p. 52.
S en do L / O o lim ite de g, vam os pro v ar que 1/ g ( x ) —» 1 /L co m x —> a. O
p ro c e d im e n to é o m esm o d a d e m o n straç ão d a d a p a ra o item d) do T e o rem a 2.8.
D ado q u a lq u e r s > 0, sab em o s que existe S > 0 ta l que

eL2
■ x e V /(a ) n L » => |g(x) - L| < — . (4.4)

Se n ecessário , dim inuím os o 5 de m a n eira a term o s ta m b é m , de ac o rd o com o


C orolário 4.7,
■ x e V /(a ) fl D => |s ( x )| > |L |/2 . (4.5)

E n tã o , com x £ V$(a) fl D , terem o s

1 1 \g{x)-L\ eLz eL2 2_


g{x) L ILg{ x) \ < 2 |L p (x )| < 2 L2 £'
C a p ítu lo 4: F unções, lim ite e contin uida de 109

e isso co m p leta a dem o n stração .

Se g( x) ten d e a zero e / ( x ) tem lim ite d iferen te de zero, e n tã o o quociente


} ( x ) / g ( x ) p o d e te n d e r a ± 0 0 (lim ites in fin ito s serão tr a ta d o s m ais ad ian te),
tu d o dep en d en d o do c o m p o rta m e n to p a rtic u la r d e / e g. Q u a n d o f ( x ) e g( x)
te n d e m am b as a zero, o q u o cien te f ( x ) / g ( x ) p o d e te r lim ites os m ais variados,
d ep en d en d o novam ente do c o m p o rta m e n to p a rtic u la r d e / e g. T rata -se aqui
de u m tip o de “form a in d e te rm in a d a ” , m u ito e s tu d a d a nos cursos de C álculo,
p rin c ip a lm e n te em conexão com a c h a m a d a “re g ra de r H ô p ita l” .

4 .9 . C o r o lá r io . Se f e g são fu n ç õ e s co n tin u a s em x = a, então são


ta m bém contínuas em x = a as fu n ç õ e s f + g, f g e k f , onde k é um a constante
qualquer; e é tam bém contínua em x = a a fu n ç ã o f / g, desde que g(a) ^ 0.

O te o rem a seguinte p e rm ite defin ir lim ite d e u m a função em term o s de lim ite
de seqüências, u m a definição eq u iv alen te à D efinição 4.2.

4 .1 0 . T e o r e m a . Uma condição n ecessária e su ficien te para que u m a -fu n ­


ção f com do m ínio D tenha lim ite L com x —* a é que, para toda seqüência
x n e D — { a } ,x n —* a, se tenha f ( x n) —+ L . E m particular, f é contínua num
ponto a se, e so m e n te se, para toda seqüência x n € D — {a}, x n —> a, se tenha
f { x n ) -» / ( a ) -
C om entário. O te o re m a afirm a a eq u iv alên cia de d u a s proposições A e B ,
que são:
Proposição A: d ado q u alq u er e > 0, e x iste 8 > 0 ta l qu e x £ V s(a ) ^ D =>
f ( x ) G Ve(L ).

Proposição B : x n € D — {a}, x n —> a =► f ( x n ) —> L .

D em onstração. V am os p ro v ar p rim e iro a p a rte m ais fácil: a condição é


necessária, ou seja, A => B . S upom os, e n tã o , q ue / (x) —» L com x —> a. Seja
x n € D — {a}, x n —> a; devem os p ro v ar q u e f [ x n ) —> L. O ra, d ado q u alq uer
e > 0, existe 8 > 0 ta l que x € V ^ a ) C\ D => f ( x ) e Ve(L ). C om esse 8 > 0
d e te rm in a m o s N ta l que n > N => x n G Vg(a); logo, n > N => f ( x n) e Vs(L),
e isso prova B.
P rov arem o s em seguida que a co n dição é suficiente, o u seja, que B => A.
R acio cinarem o s por ab su rd o , p ro v an d o q u e a negação de A a c a rre ta a negação
de B . V am os escrever essas negações em d e ta lh e , já que elas são freq üen tem en te
um tro p eç o p a ra o aluno m enos ex p erien te.

Negação de A: ex iste um e > 0 ta l qu e, q u alq u e r que seja 8 > 0, sem pre


ex iste x 6 ^ '( a ) fl D com f ( x ) tf. Ve(L ).

Negação de B : ex iste u m a seq ü ên cia x n € D — {a}, x n —> a, ta l que f { x n )


110 C a p ítu lo 4: Funções, lim ite e co n tin u id a d e

n ã o converge p a ra L.
C om o esta m o s negando A, ex iste u m e > 0 com o q u a l p od em o s to m ar
q u a lq u e r 6 ; to m em os en tão to d a u m a se q ü ên c ia Sn — l / n . E m co rresp o n ­
d ên c ia a c a d a um desses 6 n, escolhem os e fixam os u m x n e V \/n {a ) fl D com
f [ x n ) £ Ve(L ). D essa m an e ira p ro d u zim o s a neg ação d e B , com o desejávam os,
p ois exibim os u m a seqüência x n e D , i „ ^ a, x n —> a , ta l q u e f { x ) n ão converge
p a ra L. Isso c o m p le ta a d e m o n stração do te o re m a.
O te o re m a q ue acabam os de d e m o n s tra r p e rm ite d e d u z ir o T eo rem a 4.8 do
T eo rem a 2.8 (p. 52). P o r exem plo, su p o n d o q u e f ( x ) e g ( x ) te n h a m lim ites
F e G, re sp ectiv am en te, com x —» a, vam os p ro v ar q u e o lim ite do p ro d u to
é o p ro d u to dos lim ites. Seja x n e D — {a} u m a seq ü ên cia convergindo p a ra
a. E n tã o , p e la hip ó tese do T eorem a 4.8, f ( x n ) —* F e g ( x n ) —> G; e, pelo
T e o rem a 2.8, f { x n ) g ( x n ) —> F G , d on de o T eo rem a 4.10 nos leva a concluir que
f ( x ) g ( x ) —* F G , que é o item c) do T eo rem a 4.8.

4 .1 1 . C o r o lá r io . Uma condição necessária e su ficien te para que um a


fu n ç ã o f com d om ín io D tenha lim ite com x —* a é que f ( x n ) tenha lim ite,
qualquer q\Le seja a seqüência x n € D — { a} ,a-rl —> a.

D em onstração. T endo em co n ta o T eo rem a 4.10, a ú n ic a coisa que devem os


p ro v a r é que o lim ite de J { x n ) é o m esm o, q u a lq u e r q u e se ja a. seqü ência x n 6
D — { a} ,. x n —* a. E m o u tra s p alav ras, b a s ta p ro v a r q u e se tiverm os duas
seqüências, x n 6 D — {a}, x n —> a e y n G D — {a}, y n —> a, e n tã o f ( x n ) e f ( y n)
tê m o m esm o lim ite. Sejam L' e L " esses lim ites, resp e c tiv a m e n te . Devem os
m o s tra r q u e L ' = L " . Form em os a seq ü ên cia (zn ), o n d e z i k — x k e Z2fc-i = Vk-
E c laro que zn —►a (Exerc. 3 d a p. 62), logo, f ( z n ) converge p a ra um certo
n ú m e ro L. M as f ( x n ) e f { y n) são su b seq ü ên cias d e f ( z n ), logo convergem p a ra
o m esm o lim ite L, d ond e L ' — L " = L, com o q u eríam o s d e m o n stra r.
4 .1 2 . T e o r e m a ( c r i t é r i o d e c o n v e r g ê n c i a d e C a u c h y ) . U ma condição
necessária e suficiente para que u m a fu n ç ã o f ( x ) com d o m ín io D ten ha lim ite
com x —> a é que, dado qualquer e > 0, exista S > 0 ta l que
x , y e Vfi(a) fl D => \ f ( x ) - f ( y ) \ < s . (4.6)

D em on stra çã o. P a ra provar que a condição é su ficien te, se ja x n 6 D — {a}


u m a seq ü ên cia q u alq u er, convergindo p a ra a. E n tã o , em v irtu d e de (4.6), d ad o
q u a lq u e r e > 0, ex iste N ta l que

n , 11l > N \f ( xn) f {xrn)\ ^ c.


P elo c rité rio de convergência de C auchy p a ra seq ü ê n cia s (T eorem a 2.25, p. 67)
segue-se que f ( x n ) converge: e pelo C o ro lário 4.11, co n clu ím o s que / ( x) tem
lim ite , com o q u eríam o s provar.
C a p ítu lo 4: F unções , lim ite e co ntin uida de 111

D eixam os ao le ito r a ta r e fa de p ro v ar q u e a condição é necessária, q ue é a


p a rte m ais fácil.

4 .1 3 . T e o r e m a ( c o n t i n u i d a d e d a f u n ç ã o c o m p o s t a ) . S eja m f e g
fu n ç õ e s com d o m ín io s D f e D g respectivam ente, com g { Dg) C D j . Se g é
contínua em xq e f é c o n tín u a em yo = g ( x o), então h ( x ) = f ( g ( x ) ) é con tínu a
em x q . ,

D em onstração. P e la c o n tin u id a d e d a fun ção / , d ad o q u alq u er e > 0, ex iste


8' > 0 ta l que
V € V s'(yo) C \ D f => | f ( y ) - f {yo) \ < e.

A n alog am en te, p e la c o n tin u id a d e d a fun ção g, existe <5 > 0 em c o rresp o n d ên cia
a 8 ' ta l que
x € V s(xo ) n D g => |p (z ) - s ( i o ) | < 6 1. ,
E claro en tã o que

x e v ( 8 ) n Dg => \ f ( g [ x ) ) - f{g{. r 0))| < e,

que co m p le ta a d e m o n stra ç ã o .

E x e rc íc io s
1. Prove que a é ponto de acum ulação de um conjunto À’ se e somente se dado qualquer e > 0
existe x 6 X tal que x G V^(a).
2. Prove que o limite de uma função, quando existe, é único.
3. Verifique que a função de Dirichlet, f ( x ) = 1 se x é racional e f ( x ) = 0 se x é irracional,
pode ser expressa como
f ( x ) = lim [ lim (co sn ! 7rx) 2fcJ.
n—*oo k—>oo
4. Dê exemplo de um a função / que seja descontínua para todo x , enquanto | / | seja sempre
contínua.
5. Prove que a função f { x ) = x para x racional e / ( x ) = —x para x irracional só é contínua
em x = 0 , mas |/ ( x ) | é contínua para todo x.
6 . Prove que \ / x é uma função contínua em seu domínio x > 0.
7. Prove, diretamente da Definição 4.2, que /( x ) = x 2 é uma função contínua em todo o seu
domínio.
8 . Prove que a função / ( x ) = s e n ( l / x ) não tem limite com x —► 0.
9. Prove que a função / ( x ) = l s e x > 0 e —1 se x < 0 não tem limite com x —*• 0.
10. Prove todos os itens do Teorema 4.8.
11. Prove o Teorema 4.8 diretam ente, sem usar o Teorema 4.10.

12. Prove, diretamente da Definição 4.2, que lim —— r = 1.


x —*6 X — 1

X 1
13. Prove, diretamente da Definição 4.2, que l i m ------- = - .
’ * ’ M x - ix + 1 2
112 C a pítulo 4: F unções, lim ite c c o n tin u id a d e

14. Prove que um polinômio é uma função contínua em todo ponto x = a, o mesmo sendo
verdade do quociente de dois polinômios, nos pontos que não anulam o denominador.
15. (C r ité r io d e co n fro n to o u d a fu n ç ã o in te r c a la d a .) Sejam f , g e h três funções com
o mesmo domínio D , sendo / ( x ) < g (x) < h ( x ). Prove que se / ( x ) e h (x ) têm o mesmo
limite L com x —►a, então g{x) tam bém tem lim ite L com x —♦ a.

16. Prove que se / ( x ) é contínua em x — a e / ( x ) > 0, então p(x) = y j f ( x ) é contínua em


x = a.
17. Sejam / uma função com domínio D , E C D e a um ponto de acumulação de E . Prove
que se /( x ) —* L com x —>a em D , o m esm o é verdade com x —♦ a em E . Dê um contra-
exemplo, mostrando que uma função pode ter lim ite quando restrita a um sub-domínio E
de D e não ter limite em seu domínio D.
18. Seja / uma função contínua em toda a reta, que se anula nos racionais. Prove que / é
identicamente nula. Prove, em geral, que tod a função contínua num domínio D , que seja
nula num subconjunto denso de D , é identicam ente nula.

S u g e s tõ e s e s o lu ç õ e s

2. Basta provar que é impossível haver dois lim ites distintos L e L ' . „
6 . Observe que, sendo a > 0,

. r~i \x — a\ \x - a|
= yr x +- ■y}=
a < —7=^-
ya

Portanto, dado e > 0, basta tomar 6 = £ y/ã para satisfazer a condição (4.3). O caso o = 0
é mais simples ainda: y /x < e x < e 2.

7. Se a 7^ 0, |x 2 — a2| = |x + a||x — a| < (|x | + |a |)|x — a| < 3 |a ||x — a|, esta última
desigualdade sendo verdadeira se restringirmos x de forma que |x| < 2 |a|, o que é suficiente
para acomodar x = a no intervalo (—2 |a|, 2 |a |), como bem mostra um gráfico simples. E,
em conseqüência, |x 2 — a21 < e se |x — a\ < 6 < e /3 a . Para garantir a condição |x| < 2|a|,
notamos que |x| = |(x —a) + a| < |x —a| 4- |a| < 6 4* |a|; portanto, devemos tomar 6 < 2|a|,
além de 6 < e /3 a. O caso a = 0 é mais fácil: x 2 < e ^ |x| < y / i — 6.
8. Utilize o Corolário 4.11, seja construindo um a seqüência x n —♦ 0 tal que f ( x n) não convirja,
seja construindo duas seqüências x n —*■0 e y n —^►0 tais que f ( x n ) e f { y n) tenham limites
distintos. Outro modo seria usar a desigualdade do triângulo para mostrar que a Definição
4.2 é violada com um e < 2.
9. Proceda como no exercício anterior.
11. O procedimento é análogo ao da dem onstração do Teorema 2.8 da p. 52.
, 5
12 . E preciso provar que pode-se fa zer---------- 1 em módulo menor que qualquer e > 0 prescrito,
x —1
fazendo |x —6 | < S. Ora,
I 5 _ .1 \x — 6|
Ix — 1 I |x — 1 |
Como o x vai estar numa vizinhança 6 de 6 , podem os supor 6 < 1 , garantindo |x — 1 | > 4.
Faça uma figura para ver que deve ser assim, em bora tal fato precise ser provado. E para
isto usamos a desigualdade do triângulo, assim:

|x — 1| = |(x —6) 4- 5| > 5 — |x — 6| > 5 — <5 > 5 — 1 = 4.


C a p ítu lo 4: Funções, lim ite e c o n tin u id a d e 113

Então,

Isto será menor do que e se fizermos \x — 6| < 4c, donde se vê que <5 deve ser o menor dos
números 4e e 1.
13. O procedimento é análogo ao do exercício anterior. Esses dois exercícios servem para
ilustrar a eficácia do Teorem a 4.8, mediante o qual os resultados pedidos nos Exercs. 5, 10
e 11 dispensam todo esse trabalho de provar diretamente da definição de limite.
14. Use repetidamente o Teorema 4.8.
17. Como contra-exemplo considere a função f { x ) = s e n (l/x ), que não tem limite com x —- 0.
Tome, por exem plo, D ' = {1/n ir, n = 1, 2, 3 . . . } .

L im ite s la te r a is e f u n ç õ e s m o n ó to n a s

A s definições de lim ite e c o n tin u id a d e são gerais e ab ran g em tam b ém os casos


cham ados lim ites à d ireita e à esquerda, b em como continuidade à direita e
co ntinuidade à esquerda. E ssas noções su rg em q uand o lidam os com u m a função
/ cujo dom ínio só te n h a p o n to s à d ire ita o u à esquerda, resp e ctiv am e n te, do
p o n to x = a, o n d e d e seja m o s co n sid erar o lim ite. P o r exem plo, a função y =
\ f x tem do m ín io x > 0; p o d e m o s co n sid erar seu lim ite com x —> 0 segu n d o
a definição d a d a , p o ré m isso re s u lta r á n u m a aproxim ação d e x = 0 so m en te
p o r valores p ositiv o s. D a í escreverm os, p a ra en fatizar esse fato, “x —» 0 + ” .
Igu alm en te, o lim ite d e \J —x com x —> 0, s e rá ura lim ite com “x —♦ 0 — ”
De um m o d o g eral, se n d o / u m a função cujo dom ínio D só c o n te n h a p o n to s
à d ire ita de u m p o n to x = a, q u e seja p o n to de acum ulação de D , en tão o lim ite
de f ( x ) com x a, se e x is tir, se rá um lim ite à direita. Ao co n trário , se D só
co n tiv er p o n to s à e s q u e rd a d e x = a, o lim ite de f ( x ) com x —> a, se e x istir,
será um lim ite à esquerda. E sses lim ites são indicados com os sím bolos

lim / ( i ) o u / ( a + ) e lim / ( x ) o u / ( a —),


x —►a+ x —*a—

re sp ectiv am en te. D iz-se q u e / é co ntín ua à direita (resp. à esquerda) em x = a


se / e stá definid a nesse p o n to , o n d e seu lim ite à d ireita (resp. “ à e sq u e rd a ” ) é
f(a).
Se o do m ín io d e / c o n tiv e r p o n to s à d ire ita e à esq u erd a de x = a, devem os
re strin g ir esse dom ín io a o s p o n to s x > a ou x < a p a ra co nsiderarm os seus
lim ites “ à d ire ita ” e “ à e sq u e rd a ” resp ectiv am en te. E vid en tem ente, p a ra que
isso seja possível é p reciso que x — a seja p o n to de acum ulação dos dom ínios
re strito s. D irem os q u e x = a é po nto de acum ulação à direita do dom ínio D
se ele é p o n to de ac u m u la ç ã o do d om ínio re s trito a valores x > a; e po nto de
acum ulação à esquerda se é p o n to d e acu m u lação do dom ínio re s trito a valores
x < a. P o r exem plo , a fu n ção / ( x ) = x / |x |, que é igual a + 1 se x > 0 e a —1 se
114 C a p ítu lo 4: Funções, lim ite e c o n tin u id a d e

x < 0 te m lim ites laterais em x = 0:

x Ulí
— 0+L |x
r í| = / (° + ) = 1 e x%
—>0- A
|z | = / ( ° - ) = - L

E la se rá co n tín u a à direita em x = 0 se d efin irm o s /(O ) = 1; e se rá contínua à


esquerda nesse m esm o p o n to se p u serm o s /(O ) = —1.
O te o re m a q u e consideram os a seg u ir é u m re s u lta d o fu n d a m e n ta l n a te o ria
d as funções m o nó ton as, o análogo do T eo re m a 2.12 (p. 57) p a ra seqüências
m o n ó to n a s. Foi p a ra d e m o n stra r esse te o re m a q u e D ed ek in d se n tiu necessidade
de u m a fu n d am en taç ão ad eq u ad a dos n ú m e ro s reais.

4 .1 4 . T e o r e m a . Seja f um a fu n ç ã o m o n ó to n a e lim itada, definida num


intervalo I , do qual x = a é ponto de acu m u la çã o à d ireita ou à esquerda. E ntão
f ( x ) tem lim ite com x —> a — ou x —>a + , resp ectiva m ente.

D em on stra çã o. Sup o n h am o s, p a ra fix ar as id éias, q u e / seja função não


d ecrescente e x = a seja po n to de acu m u lação à e sq u erd a . N este caso, b a sta
su p o r q u e / seja lim ita d a à d ireita . S eja L o su p re m o dos valores de f ( x ) , p a ra
to d o x € I , x < a. P rovarem os que f ( a - ) = L. D e fato , d a d o q u a lq u er e > 0,
ex iste S > 0 ta l que L — s < f ( a — 6 ) < L. M as / é n ão d ecrescen te, de so rte
que / ( a — S) < f ( x ) p a ra a - < < i e r £ / ; logo,

x Ç. I , a — 6 < x < a ■=> L — e < f ( z ) < L ,

que prova o re su lta d o desejado.


A s d e m o n straç õ es nos o u tro s casos são feitas p o r racio cín io análogo e ficam
a cargo do leitor.

4 .1 5 . T e o r e m a . Uma condição necessária e su ficie n te para que u m a fu n çã o


seja con tínua n u m ponto a de seu dom ínio,- que seja ponto de acum ulação à
direita e à esquerda desse dom ínio, é que os lim ites laterais da fu n çã o existam
nesse ponto e sejam ambos iguais a f(a).

A d e m o n stra ç ã o é fácil e fica p a ra os exercícios.

L im ite s in f in ito s e lim ite s n o in f in ito

A definição de lim ite de u m a função se e ste n d e aos casos em que, ou a função, ou


a v ariáv el in d e p e n d e n te, ou am b as, te n d e m a valores infin ito s. D izer que u m a
variáv el te n d e a + o o significa dizer que ela fica m a io r do que q u alq u er n úm ero
k > 0. U m a se m i-re ta do tip o x > k é , p o r assim d izer, u m a “v izin h an ç a de
+ o o ” . A n alo g am en te, x < k, q u alq u er que se ja k, em p a rtic u la r k < 0, é u m a
“v iz in h a n ç a de —oo” .
C a p ítu lo 4: Funções, lim ite e contin u id a d e 115

A s definições seg u intes são b a s ta n te n a tu r a is e d isp en sam m aiores co­


m en tário s.

4 .1 6 . D e fin iç õ e s . S eja f u m a fu n ç ã o com do m ín io D c seja a um ponto de


acum ulação de D . D iz-se que f ( x ) tende a + o o com x —> a se, dado qualquer
nú m ero k > 0, existe ô > 0 tal que x. € Vg(a)C \D =S- f ( x ) > k. De modo análogo,
diz-se que f ( x ) tende a —oo com x —> a se. dado qualquer k > 0, existe 6 > 0
tal que x € V${a) fl D => f { x ) < —k. In d ic a m -se esses lim ites, respectivam ente,
com os símbolos

lim f ( x ) = + o o e lim f ( x ) = —oo.


x —*a x —*a .

Sup onh a m os agora que D seja ilim ita d o su p erio rm en te. D iz-se qu.e f ( x ) tem
lim ite L com x —> + o o sc, dado qualquer e > 0, existe u m núm ero k > Ü
tal que x 6 D , x > k => |/ ( x ) — L \ < e . A n a lo g a m en te, sendo D ilim itado
in ferio rm e n te, diz-se que f ( x ) tem lim ite L com x —> —oo se, dado qualquer
e > 0, existe u m núm ero k > 0 tal que x e D , x < —k => |f ( x ) — L\ < e . E sses

lim ite s são indicados, respectivam ente, com os sím bolos

lim f(x) = L e lim f ( x ) = L.


x—►-{-oo X------ o o .
D efinem -se tam bém , de m a n eira óbvia,

lim f ( x ) —+ o o , lim f ( x ) = —oo, lim f ( x ) = + oo,


x —>a+ x —»a+ x —*a—

lim f ( x ) = —oo, lim f { x ) = + 00, lim f(x) = —00 ,


x —+a— x —»+oo x —►-{-oo

lim f ( x ) = + 00, e lim f ( x ) = —0 0 .


X—*—00 X—*— 00
V ário s dos resu lta d o s a n te rio res so b re lim ites p erm an ec e m válidos com as
noções de lim ites aqui in tro d u z id a s, às vezes com p eq u en as e óbvias adaptações;
o u tro s ain d a p o d em ser form ulados e e sta b e le cid o s com p ro ced im en to s análogos
aos u sad o s an te rio rm en te . V erem os, a seg u ir, alg u n s desses resu ltad o s.
4 .1 7 . T e o r e m a , a) Toda fu n ç ã o m o n ó to n a e lim itada, cujo dom ínio con­
tenha u m intervalo do tipo [c, + 0 0 ), p o ssu i lim ite com x —* + 0 0 ; b) toda fu n çã o
m o n ó to n a e lim itada, cujo do m ín io co n ten h a u m in tervalo do tipo (—0 0 , c],
possui lim ite com x —> —0 0 .

D em onstração. E sse te o re m a é o an álo g o , p a ra x —> ± 0 0 , do T eorem a 4.14,


e a d e m o n stra ç ão ta m b é m é a n álo g a . N o caso a) su p o n h am o s que / seja não
crescen te, b a sta n d o en tã o su p o r que / se ja lim ita d a inferio rm en te. Seja ^4 o
ínfim o de seus valores f ( x ) . E n tã o , d a d o q u a lq u e r e > 0, ex iste k > 0 ta l que
A < f { k ) < A + s. C om o / é n ã o cre sc en te , x > k => f { x ) < f ( k ) , logo
116 C apítulo 4: Funções, lim ite e co n tin u id a d e

x > k => A < f ( x ) < A + e; isso conclui a d e m o n stra ç ã o no caso considerado.


D eixam os ao leito r a ta re fa de te rm in a r a d e m o n stra ç ã o nqs d em ais casos.
P a ra o próxim o te o re m a n o tem o s q u e ap ro x im açõ es late ra is, consideradas
n a seção an terio r, oco rrem ta m b é m com os valores d e u m a função, e n ão ap en as
d e su a variável in d ep en d e n te. Isso p o d e se r ilu stra d o em exem plos sim ples com o
estes:

■,r- , , x —sen x
lim \ f x = 0 ± ; lim (2 — x) = 0q=; lim ------------ = 0 + .
x —*0± x —»2± x —*0± x

D e u m m odo geral, f ( x ) —>a + com x —►a significa: dado qualquer e > 0, existe
& > 0 tal que, sendo D o dom ín io de / ,

x € V^(a) fl D =>• L < f ( x ) < L + e.

P a ra a definição de f ( x ) —> L — b a s ta tr o c a r as ú ltim a s desig u ald ad es p o r


L — e < f ( x ) < L. .

4 .1 8 . T e o r e m a . S eja f u m a fu n ç ã o com d o m ín io D , f ( x ) 7^ 0. Se f ( x ) —>


0 + com x —>a, então 1 / } ( x ) —* + 0 0 c om x —* a; e se f ( x ) —» 0 — com x —> a,
então 1/ f ( x ) —* —00 com x —> a.

D em onstração. P e la hip ó tese, d a d o q u a lq u e r k > 0, ex iste 6 > .0 ta l que


x 6 Vá'(a ) D D => 0 < f ( x ) < l / k , p o r ta n to 1 / f ( x ) > k. Isso prova a p rim eira
p a rte . A segun d a p a rte é an álo g a e fica a carg o do leitor.
4 .1 9 . T e o r e m a . Sup o n h a m o s que f ( x ) —►A e g( x) —^B com x —» + 0 0 .
E n tã o, com x —» + 0 0 , a) f ( x ) + —> A + B ; b) sendo k constante, k f ( x ) —*
k A ; c) f ( x ) g ( x ) —> A B ; d) f ( x ) / g ( x ) —►A / B , desde que B /=■ 0.

E ste te o re m a é análogo ao T eo re m a 4.8; a d e m o n straç ão ta m b ém é an álo g a


e fica a cargo do leitor.

4 .2 0 . T e o r e m a , a) Se f ( x ) —> + 0 0 co m x —* a e se g ( x ) > k, então


f ( x ) + g( x) —* + 0 0 com x —> a. A lém disso, se k > 0, f ( x ) g ( x ) —> + 0 0 com
x —* a.

A dem on stração fica a cargo do leito r.

Os teo rem as acim a são ilu straçõ es de v á rio s re su ltad o s envolvendo lim ites no
infinito ou lim ites infinitos. D eixam os ao le ito r a ta re fa de verificar a v alidade
de resu ltad o s análogos, seja com a v ariáv el in d ep en d e n te ou com os valores das
funções ten d e n d o a —0 0 .
C onvém o b serv ar que m u ito s re s u lta d o s v álid o s p a ra lim ites finitos não são
válidos no caso de lim ites infinitos. P o r ex em p lo , se d u as funções ten d em a + 0 0 ,
su a diferença p ode te r lim ite + 0 0 , —00 o u q u a lq u e r valor finito. E sse é u m dos
C a p ítu lo 4: Funções, lim ite e co n tin u id a d e 117

casos de form a in d e te rm in a d a , d o tip o oo — oo, e s tu d a d a nos cursos de C álculo.


O u tro s tip o s de form as in d e te rm in a d a s são o o /o o , 0o, 1°° e oo°. N ão vam os
nos d e te r n a co n sideração d essas fo rm as, p o r serem elas b a s ta n te e stu d a d a s nos
cursos de C álculo.

A s d e s c o n tin u id a d e s d e u m a fu n ç ã o
D o m esm o m odo que só c o n sid eram o s c o n tin u id a d e de u m a função em p o n to s
de acum ulação d e seu d om ínio, a n oção de d esco n tin u id a d e será ig u alm en te
co nsid erad a nesses p o ntos.
Sendo a um p o n to de a cu m u la ção do d om ínio D de u m a função f, dizem os
que f é d esco n tín u a em x = a se, o u / n ão te m lim ite com x —> a, ou esse lim ite
existe e é diferente de / ( a ) , ou f n ã o e s tá d efinid a e m l x = a. A nalo g am e n te
definim os descontinuidade à d ireita e d esco n tin u ida de à esquerda.
D e acordo com essa definição, e sta m o s a d m itin d o que u m p o n to p o ssa ser
d escon tin u id ade de u m a função, m esm o q u e ele não p e rte n ç a ao dom ínio de / . A
rigor, não d ev eria ser assim , só d e v eriam o s a d m itir d escon tin u id ad es em p o n to s
p e rten cen tes ao dom ínio d a função. M as é n a tu r a l co n sid erar o que se p assa nas
proxim idades de p o n to s de a c u m u laç ão do dom ín io de u m a função, m esm o que
ta is pon to s não p e rte n ç a m ao do m ínio . A ssim , as funções

—:---- , --- , — c ocii— , .ij


X X X X

são to d as c o ntín u as em seus d o m ín io s (iguais a R — {0}); e, em b o ra x = 0 não


p e rte n ç a a esse dom ínio, é n a tu r a l c o n sid e ra r o que acontece com essas funções
q u an d o x te n d e a zero.
De acordo com n o ssa definição, a p rim e ira das funções em (4.7) seria clas­
sificada com o d e sc o n tín u a em x = 0 sim p lesm en te p o r não e sta r aí definida,
pois tem lim ite 1 q u a n d o x —> 0. A trib u in d o -lh e o valor 1 em x — 0, ela ficará
definida e será c o n tín u a em to d a a re ta , p o r isso m esm o dizem os que esse tip o
de descon tinuid ad e é rem ovível. A se g u n d a te m lim ites late ra is diferen tes com
x —> 0; ela será c o n tín u a à d ire ita se p u serm o s /( 0 ) = 1 e co n tín u a à esq u erd a
se definirm os / ( 0 ) = —1. A te rc e ira fu n ção te n d e a ± o o com x —> 0 p e la d ire ita
ou pela esq u erd a, resp e c tiv a m e n te . F in a lm e n te , a q u a rta função não tem lim ite
com x —> 0. N ão h á, pois, com o rem o v er a d esco n tin u id ad e, m esm o la te ra lm en te,
no caso das d u as ú ltim a s funções.
As d escon tinuid ad es de u m a fu n ção c o stu m a m ser classificadas em trê s tipos:
removível, de p rim eira espécie e d e segunda espécie. A d esco n tin u id ad e re­
m ovível é aq u ela que p o d e ser e lim in a d a p o r u m a conveniente definição d a função
no ponto considerado, com o no p rim e iro exem p lo de (4.7). C om o se vê, ela n em
é bem u m a desco n tin u id ad e, p o is a fu n ção te m lim ite no p o n to considerado,
ap en as não e stá a d e q u a d a m e n te d e fin id a nesse p o n to . A d esco n tin u id ad e é de
118 C ap ítulo 4: F unções, lim ite e co n tin u id a d e

prim eira espécie ou do tip o s a lto q u a n d o a função possui, no p o n to considerado,


lim ites à d ire ita e à esq u e rd a , m a s esses lim ites são d istin to s. E esse o caso d a
segu nd a função em (4.7). F in a lm e n te , a d esco n tin u idad e. é d e segunda espécie
q u an d o a função te n d e a ± o o n o p o n to co n sid erad o (terceiro exem plo em (4.7)),
ou não tem lim ite nesse p o n to (q u a rto exem plo em (4.7)).
0 te o rem a se g u in te é um re s u lta d o in te re ssa n te sobre as funções m o n ó to n as
lim itadas.

4 .2 1 . T e o r e m a . Os p o n to s de descontinuidade de um a fu n çã o m o n ó to n a
f num intervalo I (lim ita d o ou n ã o ) só podem ser do tipo salto; e fo r m a m um
conjunto no m á xim o en u m erá vel.

D em onstração. Q u e as d esc o n tin u id a d e s só p o d em ser do tip o sa lto é im e­


d iato , pois a função po ssu i lim ites la te ra is em c a d a p on to .
V am os p ro v ar qu e o c o n ju n to d e p o n to s de desco n tin u id ad e é no m áxim o
enum erável. S u p o n h am o s, p a ra fixar as idéias, que a função seja n ão decrescente.
Se a < x i < X 2 < ■■■ < x n < b são p o n to s de d esco n tin u id ad e, to d o s contid os
num .intervalo [a, 6] C I , e n tã o

f { x i + l ~ ) ~ f { x i + ) > 0, f{ a ) < f(x i-) e / ( x „ + ) < /( 6 ),

de so rte que os saltos d e / nos p o n to s x í , definidos com o sendo

[f {xi)] = f ( x i + ) - f ( x i - ) ,

são ta is que
n
= [ - / ( z i - ) + / ( z i + ) ] + [—/ ( z 2 - ) + /( z 2 + ) ] + .--
Í—1 '

+ [-/(ln -)+ /(% + )]


71— 1

= - f ( x 1 - ) - ^ [ / ( x i + i - ) - f { x i +) } + f { x n +)
Í=1
< f { x n+ ) - f ( x i - ) < f ( b ) - f ( a ) .

Isso prova que, sen d o a fu n ção lim ita d a , p a ra to d o inteiro m > 0 só p o de


h aver um n ú m ero finito de p o n to s d e d esco n tin u id ad e o nde [/(a:*)] > l / m , isto
é, o con jun to
D m = { x : \ f (x)} > l / m }
é finito. O ra, q u a lq u e r p o n to de d esc o n tin u id ad e d a função e s tá n u m desses
con jun to s D m , c u ja u n ião é o c o n ju n to D de to d o s os p o n to s de d escon tinu id ade.
P o rta n to , esse c o n ju n to D é no m áx im o enum erável, pelo m esm o arg u m en to
usado nas pp . 15-16 p a ra p ro v ar a e n u m e ra b ilid a d e do con ju n to dos n ú m ero s
racionais. Isso c o m p leta a d e m o n stra ç ã o .
C a p itu lo 4: Funções, lim ite e c o n tin u id a d e 119

O caso de u m a função n ão crescente é análogo e fica p o r c o n ta do leito r. Nos


dois ex em p lo s seg u in tes exibim os funções não decrescen tes, com in fin ito s p o n to s
de d e sc o n tin u id a d e.
4 .2 2 . E x e m p l o . C onsiderem os a seqüência r n = —l/n , e se ja / a função

/(*) = E
‘- i 4
TIZ
r„ <x

o nd e a s o m a tó ria , com o se indica, estende-se a to d o s os índices n ta is q u e r n < x.
A ssim ,

f ( x ) = 0 p a ra x < —1; f ( x ) = 1 p a ra — 1 < x < —1 /2 ;

f ( x ) = 1 + 1 /4 p a ra - 1 /2 < x < - 1 / 3 ;

f ( x ) = 1 + 1 /4 + 1 /9 p a ra - 1 /3 < x < - 1 / 4 ;

e assim p o r d ia n te . C om o se vê, / é c o n tín u a em to d o s os p o n to s x / rn e


c o n tín u a à e sq u e rd a em to d o s os p o n to s x = r n . Seu gráfico te m o asp ecto
in d ic a d o n a F ig. 4.2. D eixam os ao leitor a ta re fa de verificar, com o exercício,
que
OO 1
lim f ( x ) = E
x—*o—
~2 = -f(y)
L \n i
Pa ra y - .
(4 -8 )

O le ito r deve n o ta r que funções com o essa p o d em ser c o n s tru íd a s com q u a l­


q u er se q ü ê n c ia crescen te r n que te n h a lim ite zero ou o u tro q u a lq u e r valor, e
q u a lq u e r série co n vergen te de term o s positivos a n , p o n d o , sim p le sm en te ,

/(■T)= E “»■
rn <x

4 .2 3 . E x e m p l o . S eja (r n ) u m a seqüência d en sa n a re ta , p o r ex em plo, u m a


seq ü ên cia o b tid a p e la enum eração dos n úm ero s racio n ais. V am os c o n s tru ir u m a
120 C a pítu lo 4: Funções, lim ite e c o n tin u id a d e

função crescente e lim itad a , d efin ida em to d a a re ta , e que te n h a saltos em todos


esses n ú m ero s r n . P a ra isso escrevem os

/(*) = rE
n <x
^2 (4-9)
C om o se vê, estam o s so m an d o so b re to d o s os índices n p a ra os qu ais r n é m enor
do que x. C om o a série J ^ l / n 2 é co n v erg en te, é claro que a som a em (4.9) é
convergente. E claro ta m b é m que a fu n ção aq u i definida é crescente, pois

z < V => f { y ) ~ f ( x ) = Y2 \ > °-


x i^ < y n ■

D eixam os p a ra os exercícios a ta re fa d e v erificar que


oo ,
/(-o o ) = lim f ( x ) — 0, /(+<x>) = lim f(x) = V ] — . (4.10)
x— *— oo x— »+oo í ' Ti
n —l ,

bem com o a de pro v ar que a função a q u i defin ida é c o n tín u a em to d o x r n ;


é co n tín u a p ela e sq u erd a e d e sco n tín u a p e la d ire ita em to d o x = rn ,onde seu
sa lto é l / n 2. O leito r deve d eter-se n u m ex am e a te n to dessa função, te n ta r e
verificar á im po ssib idade de c o n stru ir seu gráfico, p a ra b em en ten d e r que e stá
d ia n te de um exem plo de função que é in te re ss a n te e b a s ta n te geral. F in alm en te,
c ab e observar que esse é um exem plo e x tre m o de função m o n ó to n a descontínua,
pois as descon tin u idades d a função j á fo rm a m u m c o n ju n to enum erável e denso
n a re ta , não sendo possível, pelo te o re m a an terio r, am p liá-lo ain d a mais.

E x e rc íc io s
1. Faça as demonstrações do Teorema 4.14 nos casos omitidos.
2. Demonstre o Teorema 4.15.
3. Defina cada uma das quatro expressões contidas em limx—± o o / ( ^ ) = ±oo.
4. Faça a demonstração do Teorema 4.17 nos casos omitidos.
5. Faça a demonstração da segunda parte do Teorema 4.18.
6. Demonstre os Teoremas 4.19 e 4.20.
7. Prove que f ( x ) — x z — 7x + 2x —9 —►-f oo com x —►+ oo.
8. Prove que todo polinômio p(x) = x n + an- i x n~ 1 -+-... -f a ix + ao tende a +oo com x —> ±oo
se n for par; e se n for ímpar, p(x) tende a —oo com x —» —oo e a -f-oo com x —►+ 00 .
9. Estude os limites de um polinômio

p(x) = anx n + an- i x n~ l + • • • + a i x + ao, fln 0,

com x —►oc. Mostre, em particular, no caso n ímpar, que se a n > 0, limp(x) = ± 00 com
x —* ±00 (havendo correspondência de sinais); e se an < 0, lim p(x) = ^00 com x —> ± 00.
C a p ítu lo 4: Funções, lim ite c c o n tin u id a d e 121

.. 6.t2 —dx 4-1 x 2 — x 4- 1


10. Prove que lim — -------------- = 3, lim
x3 4- 5 i —►
—oc x 4* 1
11. Dados os polinômios p(x) = anx n 4- . .. 4- a\ x + «o e q(x) = bmx rn 4- . . . 4- bix 4- 6o,
onde a nbm ^ 0, estude os limites de p(x)fq(x) com x —* +oo e x —►—oo. Prove que esses
limites são iguais a a n/ò m se n = m; são ambos nulos se n < m; ambos iguais a 4-oo se
n > m, n — m é par e anbm > 0. Examine estas e todas as demais possibilidades.
12. Prove que a função f ( x ) = x se x é racional e f(x) = 1 — x se x é irracional é contínua em
x = 1/2 e somente nesse ponto. •
13. Seja / um a função crescente e limitada num intervalo (a, b). Prove que /(a * f) < f(x ) <

14. ( C r ité r io d e c o n v erg ê n cia d e C au ch y ) Prove que uma condição necessária e suficiente
para que uma função / tenha limite finito com x —+ 4-oo é que, dado qualquer e > 0, exista
A; > 0 tal que
x, y>k=> |/(x ) - }{y)\ < e.
Enuncie e prove propriedade análoga com x —►—oo.
15. Prove a relação (4.8).
16. Prove as relações (4.10)
17. Prove que a função (4.9) é contínua em x ^ r n para todo n.
18. Prove que a função (4.9) e contínua pela esquerda em x = tn e descontínua pela direita,
com salto [/(x ,v )] = 1 /N 2.
19. No som atório em (4.9) troque r n < x por r < x e prove que a nova função obtida é contínua
pela direita e descontínua pela esquerda em todo ponto x — r/v. , onde o salto ainda é 1/iV2.
20. Seja f um a função m onótona num intervalo [a, 6], cuja imagem é todo um intervalo [c, d].
Prove que f é contínua.

S u g e s tõ e s e so lu ç õ e s
7. Aplique o Teorema 4.20, notando que f ( x ) = x 3( l —7 / x + 2 / x 2 — 9 /x 3) e que a expressão
entre parênteses tende a 1 com x —* 4-óo, logo, é maior do que qualquer k, 0 < k < 1 para
|x| maior do que um ccrto N .
8. Pode-se usar o mesmo procedimento do exercício anterior. Outro m odo de resolver o
problema é o seguinte:

Tomando x suficientemente grande, podemos fazer |a i/x n l | < l/2 n , 0 < i < n — 1, de
sorte que |p(x)| > |xn |/2. .
14. Transfira o problema para Ç = 0 com a transformação Ç = l / x .
16. Para provar a segunda das relações, referente ao limite com x —> 4-oo, devemos provar que,
dado qualquer e > 0, existe X tal que
122 C a p ítu lo 4: Funções, lim ite e co n tin u id a d e

D a convergência da série J ^ l / n 2 segue-se que existe N tal que essa soma, a partir de
n — N -f-1, é < e. Tomemos X tal que n , . . . ,rjv sejam todos < X . Então, sendo x > X ,
a segunda som a na diferença acima inclui todos os termos correspondentes a n = 1 ,N ,
logo

17. Observe que, sendo h > 0,

í ( x + h) - f ( x) = Y]
Z— / T i"
e f ( x ) ~ f ( x ~ h) = 'V'
^ '
-V
71“
x<rn<x+h x—h<rn<x

18. Com h > 0, /( r ,v + h) — E e /(r-jv) - } ( v n — li) =


Z—/ 71“ ^ ' 71“
r:\<rn<rN+h —h<rn<r^f

O te o r e m a d o v a lo r in te r m e d iá r io

V am os c o n sid e ra r ag o ra um im p o rta n te re s u lta d o q u e te m u m a visualização


g e o m étric a m u ito evidente. E m ling u ag em c o rre n te , ele a firm a que o gráfico
de u m a função ao p assar de u m lado a o u tro do eixo dos x necessariam ente
te m de c o rta r esse eixo. P o r um b om te m p o , a té o final do século XV1IÍ,
esse re s u lta d o foi aceito sem que n in g u ém p en sasse em d em o n strá-lo . A liás, a
te n ta tiv a de B olzano em d em o n strá-lo foi u m dos p rin c ip a is m arcos do início do
rig o r n a A n álise no com eço do século X IX . V am os a p re s e n ta r esse .teorem a em
su a versão m ais geral, com o enunciam os a seguir.

4 .2 4 . T e o r e m a (d o v a lo r i n t e r m e d i á r i o ) . S e ja f u m a fu n ç ã o contínua
n u m in terva lo / = [a, 6], com f ( a ) ^ /(&)• E n tã o , dado qualquer núm ero d
com preendido entre f ( a ) e f ( b) , existe c G (a, b) tal que f ( c ) = d. E m outras
palavras, f ( x ) assum e todos os valores com preendidos en tre f ( a ) e f ( b) , com x
variando em (a, b).
D em onstração. B a sta d e m o n stra r o te o re m a no caso em que d = 0, pois o
caso g eral se red u z a este p a ra a função g( x) = f ( x ) — d.
F arem o s a d em o n straç ã o pelo m é to d o de bisseção, com o n a d em o n stração do
T e o rem a 2.24 (p. 6 6 ). Seja l o co m p rim en to d e [a, 6]. C o m eçam o s div id in do esse
in terv alo ao m eio, o b ten d o dois novos in terv alo s fechados, d igam os, [a, r] e [r, 6].
Se / ( r ) = 0, o te o re m a e sta rá d em o n stra d o . Se f [ r ) > 0, escolhem os o intervalo
[a, r]; e se f ( r ) < 0, escolhem os o in terv alo [r, 6]. E m q u a lq u e r desses dois casos,
te re m o s um novo intervalo, que d en o ta rem o s [aj, 61], d e co m p rim en to 1/ 2 , e ta l
que f i f l y) < 0 e / ( 02 ) > Ü. N ovam ente d iv id im o s e ste in terv alo ao m eio, com
o que, o u en c o n tram o s u m a raiz de } ( x ) = 0 , ou te re m o s um novo intervalo
[0 2 , 62], com f ( a o ) < 0 e f ( bo ) > 0. P ro sseg u in d o assim , sucessivam ente, ou
esse processo te rm in a com o encon tro de u m a raiz de f ( x ) = 0 , ou ob tem os u m a
fam ília ( /„ ) de interv alo s encaixados, I n = [an , 6„], o c o m p rim en to de / „ sendo
C a p ítu lo 4: F unções, lim ite e con tinu ida de 123

l / 2 n . P o rta n to , pelo te o re m a dos in tervalo s e n c a ix a d o s (p. 65), a interseção


desses interv alo s contém um ú nico p o n to c.
O bserve que c é in terio r a I , isto é, é d ifere n te dos e x trem o s de I. Vamos
prov ar qu e /( c ) = 0. Se fosse / ( c ) > 0, p e la p ro p rie d a d e d a p e rm a n ê n c ia do sinal
(p. 108), h av eria u m a v izin h an ça V£(c), n a q u a l / se ria se m p re positiv a. Alas
isto é im possível, pois b a s ta fazer n su ficien tem en te g ra n d e p a ra que I n C V€(c)
e f i a n) < 0. A ssim , concluím os que / ( c ) = 0. O racio cín io é in teiram en te
análogo no caso de suporm os / ( c ) < 0 .

G u iad o s p ela intuição , p od em o s ser levados a p e n s a r qu e to d a função que


goze d a p ro p ried a d e do valor in te rm ed iá rio se ja c o n tín u a . No século XIX chegou-
se m esm o a ac re d ita r, erro n eam en te, nesse fato , com o n o s c o n ta L ebesgue (1875—
1941) n a p. 96 de seu livro I:Leçons su r 1’in té g ra tio n ” , p u b lic ad o em 1903. (A
C h elsea P u b lish in g Co. p u b lica a 3— edição, de 1973.) U m contra-ex em plo é
d a d o p ela função /( x ) = s e n ( l/ a :) se x / 0 , e / ( 0 ) ig u al a q u alq u er valor do in ter­
valo (—1, + 1], A ssim definida, / satisfaz a p ro p rie d a d e do valor interm ediário
em q u a lq u e r intervalo [—a, a], m as não é c o n tín u a em x — 0. N este exem plo a
função só é d escon tínu a num único p o n to ; e n tr e ta n to , ex istem funções descon­
tín u a s em to d o s os p o n to s e que, n ão o b s ta n te , g o zam d a p ro p rie d a d e do valor
in term e d iário em q u alq u er intervalo, com o nos m o s tra L ebesgue.

4 .2 5 . E x e m p l o . O te o rem a do valo r in te rm e d iá rio tem im p o rta n te s aplica­


ções, ta n to de n a tu re z a teó rica com o p rá tic a . P o r exem plo, ele p e rm ite provar
que to d o polinôm io p( x) = x n + a n _ \ x n ~ l x + . . . + a i x + ao, de g rau ím p ar, tem
p elo m enos u m a raiz real. P a ra isso lem b ram o s o E x erc. 8 d a p . 120, segundo o
q u al p ( x ) m u d a de sinal com x p assan d o d e u m a c e rta v izin h a n ç a de —oo a u m a
v izin h a n ç a dc + o o . M ais p recisam en te, ex istem v izin h an ç as V_ de - o o e V+ de
+ 0 0 , ta is que p( x) é negativo em V_ e p o sitiv o em V+ . E m conseqüência, existem
n ú m ero s a 6 V_, b e V+, a < b, ta is q u e p( a) < 0 < p{b). D aq u i e do teorem a
do valor in term ed iário segue-se que ex iste c, a < c < b, ta l que p(c) = 0 . (E
claro que p od e haver m ais de u m n ú m ero c n essas condições; o que podem os
g a ra n tir, em geral, é a ex istên cia de p elo m en o s u m .) E m c o n tra p a rtid a , um
polinôm io de g rau par, com o p ( x ) = x 2 + 1 , p o d e n u n c a se an u lar.

O te o re m a seg u in te é m ais u m a ap licação d o te o re m a do v alor in term ediário.

4 .2 6 . T e o r e m a . Toda fu n ç ã o f , co n tín u a e in jetiva n u m intervalo I, é


crescente ou decrescente.

D em onstração. Se f não fosse e s trita m e n te crescen te ou decrescente, exis­


tiria m n úm eros x i , X 2 e 23 em I ta is que n < 12 < 13 e f ( x 1) < / ( 1 2 ) > f { x 3 )i
ou f ( x 1) > f ( x 2 ) < f { x 3 ). N a h ip ó te se de ser f ( x 1) < f ( x 2 ) > / ( x 3), se
f{ x 'i) > f ( x i ) (faça um gráfico p a ra a c o m p a n h a r o racio cín io ), pelo teorem a
do valor in term ed iário , deveria ex istir u m n ú m e ro x ' e n tre x j e 12 ta l que
124 C a p ítu lo 4: F unções, lim ite e contin u id a d e

f ( x ' ) = f ( x 3 ), c o n tra d iz en d o a in jetiv id ad e de / ; e se fosse f ( x 3 ) < f ( x 1), pelo


m esm o te o re m a , d ev eria e x istir x ' en tre X 2 e £3 ta l que f ( x \ ) = n o v am en te
co n tra d iz e n d o a in je tiv id a d e de / . O raciocínio, no caso f ( x 1) > f ( x 2 ) < f ( x 3 ),
é análo go . C oncluím os, e n tã o , que / é e strita m e n te cresc en te o u d ecrescen te,
com o q u e ríam o s provar.

O te o re m a que ac a b am o s de d e m o n stra r é m u ito in te re ss a n te , p o is nos diz


que as funções crescen tes e as decrescentes são as ú n icas fu n çõ es co n tín u a s
defin idas em in terv alo s que são invertíveis. Isso nos leva, n a tu r a lm e n te , a p e r­
g u n ta r: se rá qu e são essas as ú n icas funções (definidas em in te rv alo s) inv ertív eis?
A re s p o sta é n eg ativ a, com o vem os pelo seg u in te c o n tra-ex em p lo : se ja / assim
d efinid a no in te rv alo I = [0 , 1 ] : f ( x ) = x se x for ra cio n a l e / ( x ) = 1 — a;
se x for irra c io n a l. F a ça o gráfico dessa função e verifique q u e ela é invertível,
m as n ão é m o n ó to n a em q u a lq u er su b in terv alo de / ; em co n se q ü ê n c ia , não é
c o n tín u a e m seu do m ínio, ap en as no p o n to x = 1 /2 (E x erc. 13 a d ia n te ).

O m é to d o de bisseção u tilizad o n a d em o n straç ão do T e o re m a 4.24 é m u ito


ú til p a ra im p le m e n ta r esquem as num éricos de co m p u taçã o . C o m u m a sim ples
c a lc u lad o ra cien tífica é possível calcu lar raízes polin o m iais com b o a s a p ro x im a ­
ções. (V eja o E x erc. 2 a d ia n te .)

E x e rc íc io s
1. Faça a dem onstração do Teorema 2.24 no caso f( a ) > f(b ).
2. Prove que a equação x 4 + lOx — 8 = 0 tem pelo menos duas raízes reais. U se uma
calculadora científica para determinar uma dessas raízes com aproximação de duas casas
decimais.
3. Prove que um polinômio de grau ímpar tem um número ímpar de raízes (reais), contando
as multiplicidades.
4. Prove que se n é par, p ( x ) = x n + + . . . + a i x + ao assume um valor mínimo m.
Em conseqüência, prove que p[x) = a tem pelo menos duas soluções distintas se a > m e
nenhuma se a < rn,
5. Prove que se um polinômio de grau n tiver r raizes reais, contando as m ultiplicidades, então
11 — r é par.

6. Prove que todo número a > 0 possui raizes quadradas, uma positiva e outra negativa.
7. Prove que todo número a > 0 possui uma raiz n-ésima positiva; e se n for par, possuirá
também um a raiz n-ésim a negativa.
8. Seja / uma função contínua num intervalo, onde ela é sempre diferente de zero. Prove que
/ é sempre positiva ou sempre negativa.
9. Sejam / e g funções contínuas num intervalo [a, 6], tais que f ( a ) < g(a) e f( b ) > g(b).
Prove que existe um número c entre a e b, tal que f ( c ) — g{c). Faça um gráfico para
entender bem o que se passa.
10. Seja / um a função contínua no intervalo [0, 1], com valores nesse mesmo intervalo. Prove
que existe c G [0, 1] tal que /( c ) = c. Interprete este resultado geometricamente.
C a p ítu lo 4: Funções, lim ite e contin u id a d e 125

11. Nas mesmas hipóteses do exercício anterior, prove que existe c £ [0, 1] tal que / ( c ) = 1 —c.
Interprete este resultado geom etricamente.
12. Seja / uma função contínua no intervalo [0, 1], com /(O) = /( 1 ) . Prove que existe um
número c £ [0, 1/2] tal que f ( c ) = / ( c -f- 1 /2 ). Este exercício tem uma interpretação física
muito interessante: se / representa a tem peratura num determinado instante, ao longo
de qualquer curva fechada simples sobre a superfície terrestre — em particular o equador
terrestre — , e x representa a distância ao longo dessa curva a partir de um c erto ponto,
o resultado anunciado significa que existem dois pontos, c e c'+ 1/2, onde a temperatura
tem o mesmo valor.
13. Prove que f ( x ) = x se x for racional e f ( x ) = 1 — x se x for irracional é contínua em
x = 1 /2 e somente nesse ponto.
14. Considere a função / assim definida: f ( x ) = —x se x for racional e f ( x ) = \ / x se x for
irracional. Faça o gráfico dessa função e m ostre que ela é uma bijeção descontínua em todos
os pontos.

S u g e s tõ e s
2. Lembre-se de que quando um polinômio com coeficientes reais tiver uma raiz complexa, ele
terá também .a com plexa conjugada como raiz. Verifique que há uma raiz entre zero e l e
determine esta raiz pelo m étodo de bisseção.
6. Suponhamos a ^ 1, já que o caso a — 1 é trivial. Se a > 1, f ( x ) = x 2 é tal que /( 1 ) < /( a );
logo. pelo teorema do valor intermediário, existe um número entre 1 e a, designado por \fã ,
tal que f( \J a ) = a. Se a < 1 ,./( 1 ) > a > f { a ) , e novamente existe um número y/ã entre a
-e 1 tal que f{ y /ã ) — a. E o caso de raiz negativa?
10. Considere a função g (x) = f ( x ) —x , se já não for /(O ) = 0 ou / ( 1 ) = 1.
11. Use o Exerc. 9 com g (x ) = 1 — x .
12. Considere a função g (x) = f ( x ) — f ( x + 1 /2 ) no intervalo [1, 1/2).

N o ta s h istó rica s e c o m p le m e n ta r e s

O in ício d o rig o r n a A n á lis e M a t e m á t i c a


O desenvolvimento da teoria das funções que com eçam os a apresentar neste capítulo é obra
do século XIX. E só foi possível depois de um longo período, de cerca deséculo e meio, de
desenvolvimento dos m étodos e técnicas do Cálculo, desde o início dessa disciplina no século
XVII.
As idéias fundamentais do Cálculo, sobretudo o conceito de derivada, careciam, desde o
início, de uma fundamentação lógica adequada. Os m atem áticos sabiam disso e até foram
m uito criticados em seu trabalho. A m ais contundente e bem fundamentada dessas críticas
partiu do conhecido bispo e filósofo inglês George Berkeley (1685-1753), numa publicação de
1734. Houve também respostas a essas críticas, bem como, durante todo o século XVIII,
tentativas de encontrar uma fundamentação adequada para o Cálculo, embora sem maiores
conseqüências. A mais importante dessas tentativas foi a que empreendeu Lagrange, e que está
associada às séries de funções.
Nessa época ainda não havia m uita m otivação para o trato de questões de fundamentos.
Os matemáticos desse século tinham muito m ais do que se ocupar em termos de explorar as
idéias do Cálculo, desenvolver novas técnicas e usá-las na formulação e solução de problemas
126 C a p ítulo 4: Funções, lim ite e co n tin u id a d e

aplicados, em Mecânica, Hidrodinâmica, Elasticidade, A cústica, Balística, Ótica, Transmissão


do Calor e M ecânica Celeste. Em conseqüência disso, não havia um a separação nítida en­
tre o Cálculo e suas aplicações, entre a Análise M atem ática e a Física Matemática; e ficava
diminuída, ao menos em parte, a importância do rigor na formulação dos m étodos, pois muitas
vezes os resultados empíricos já eram um teste do valor desses m étodos. Assim, por exem­
plo, um problema físico que se traduzia numa equação diferencial, com o o movimento de um
pêndulo ou as vibrações de uma corda esticada, já tinha garantidas, por razões físicas, a e­
xistência e a unicidade da solução. Isso está exemplificado na produção científica dos mais
importantes m atem áticos do século, dentre os quais destacam -se Leonhard Euler (1707-1783)
e Joseph-Louis Lagrange (1736-1813).
Não obstante o pouco que se fez, durante todo o século XV III, em termos de rigor na
Análise M atem ática, foi em meados desse século que surgiu um dos problemas que se tornou
o m ais fértil no desenvolvimento da Análise no século seguinte, e que consiste em expressar
um a dada função em série infinita de senos e cossenos. Mais especificam ente, dada uma função
periódica / , de período 2n, determinar os coeficientes a n e bn de forma que

f(x ) = ^ + ^ ( o n c o s m + b n .sen n x ). (4.11)


n=l
Esse problema surgiu primeiro em 1753, em situação particular, num trabalho de Daniel
Bernoulli (1700-1782), em seu estudo da corda vibrante, em que se punha a questão de expres­
sar a função que dava o perfil inicial da corda como série de senos. As vibrações de uma corda
esticada foram estudadas pela primeira vez por Jean le Rond d ’Alem bert (1717-1783) em 1747;
e logo em seguida por Euler, depois por Bernoulli. Tratava-se de determinar uma função de
duas variáveis satisfazendo uma equação diferencial parcial, a cham ada equação das ondas. Eu­
ler achava que o perfil inicial da corda pudesse ser inteiramente arbitrário. d ’Alem bert achava
que só podiam ser admitidas funções dadas por um a expressão analítica, como um polinômio
ou mesmo uma série de potências; ou em termos das funções transcendentes familiares, como
as funções trigonométricas, a exponencial ou o logaritmo. Isso porque ele entendia a derivação
com o operação que transformava as funções umas nas outras segundo um formalismo algébrico
bem determinado: x n em n x n~ , sen a: em cosrc, etc. Como derivar f ( x ) se ela fosse dada por
um a lei qualquer?
O modo como Bernoulli ataca o problema difere bastante dos pontos de vista adotados por
d ’Alembert e Euler. O importante a notar aqui é que essas investigações acabaram envolvendo
seus autores numa controvérsia inconclusiva. Cada um m anteve sua própria opinião, nada
puderam decidir, justam ente porque lhes faltavam idéias precisas dos conceitos de função e
derivada. (Analisamos esse episódio em artigo na R evista M a tem ática U niversitária, N - 1,
Junho de 1985.)
Vimos, no início do capítulo, como o conceito de função foi evoluindo gradualmente.
Também o conceito de continuidade teve um a evolução gradual. D e começo significava a per­
m anência da m esm a expressão analítica que definia a função, ao passo que “descontinuidade”
significava, não a “ruptura” do gráfico da função, mas da expressão analítica ou lei que definisse
a correspondência entre a variável dependente e a variável independente (ou variáveis indepen­
dentes).' Como a derivada era concebida como uma operador algébrico, as funções admitidas
numa equação diferencial, como a da corda vibrante, só poderiam ser aquelas dotadas de “ex­
pressões analíticas” , como insistia d’Alembert. Isso excluía a possibilidade de um perfil mais
geral, do tipo ilustrado na Fig. 4.3, como pretendia Euler, adotando assim um conceito de
função que ia além da simples idéia de uma variável dada em termos de outra (ou outras)
m ediante um a fórmula ou expressão analítica. E ambos, d ’Alem bert e Euler, não concordavam
com a possibilidade sugerida por Bernoulli de que um a função arbitrária pudesse admitir um
desenvolvim ento do tipo (4.11), em termos de funções periódicas tão particulares como os ter­
C a p ítu lo 4: Funções, lim ite c co n tin u id a d e 127

mos da série. A questão posta por Bernoulli permaneceu dorm ente por cerca de meio século até
que fosse retom ada pelo eminente físico-matem ático Jean-Baptiste Joseph Fourier (1768-1830)
em seus estudos sobre a propagação do calor. Nesses estudos surge várias vezes a necessidade
de desenvolvim entos do tipo (4.11). E a possibilidade desse desenvolvim ento, em toda a sua
generalidade, apresenta-se, no início do século XIX, como um problema central da Análise
M atem ática.

A forma mais com pleta dos trabalhos de Fourier sobre propagação do calor encontra-se
em seu livro Théorie Analytique de la Chaleur, publicado em 1822 (traduzido em inglês pela
Editora Dover). Fourier acreditava que funções “arbitrárias” pudessem ser desenvolvidas em
séries do tipo (4.11); e pensou haver demonstrado esse resultado. Eis um exemplo concreto, já
apresentado no início do capítulo:

oo \n + l
f ( x ) = V"' — --------sen tix, (4.12)
£—' n
n=l

onde a função / , soma da série, resulta ser

f(x) —\ se ~ *r < x < 7r; / ( - 7r) = /(7r) = 0; (4-13)

e / é definida em toda a reta como função periódica de período 2~. Esse é um exemplo que
contrasta com os pontos de vista tanto de Euler como de d'Alem bert, pois vista em sua re­
presentação (4.12) ela seria, para ambos, analítica\ ao passo que, para eles, (4.13) seria outra
função, obtida p'ela junção das translações de f ( x ) = x / 2 com domínio ( —n , tt)!
Exemplos como esse deixavam clara a insuficiência dos antigos conceitos de função e
continuidade de meados do século XVIII para lidar com os problemas trazidos ao cenário
m atem ático pelos estudos de Fourier. O próprio Fourier já tem um a idéia bem mais ampla
desse conceito. Eis como ele o descreve no Art. 417 da p. 430 de seu livro:

E m geral a fu n çã o f ( x ) representa um a sucessão de valores ou ordenadas arbitrárias. (...)


N ão supom os essas ordenadas sujeitas a um a lei com um ; elas sucedem um as às outras de
qualquer m aneira, e cada uma é dada como se fosse um a grandeza única.

Isso eqüivale praticamente à definição que adotam os hoje em dia, segundo a qual uma
fu n çã o f é um a correspondência que atribui, segundo um a lei qualquer, um valor y a cada
valor x da variável independente.
Situações novas como as apresentadas por Fourier evidenciavam a necessidade de uma
adequada fundamentação dos m étodos usados no trato dos problemas. Era preciso agora
aclarar de vez o significado de “derivar” ou “integrar” uma função, fosse ela dada por uma
“fórmula” ou não. “Derivar" não podia significar apenas aplicar uma “lei algébrica” a uma
“fórmula” , assim como “integrar” não podia mais ser apenas “achar uma primitiva” . Essas
maneiras de encarar as operações do Cálculo eram, a partir de então, insuficientes.
Como já dissemos, no final do capítulo anterior, Cauchy foi o protagonista principal do
novo programa de tornar rigorosos os m étodos da Análise. Ele certam ente estava a par do
128 C a p ítu lo 4: Funções, lim ite e contin u id ad e

trabalho de FouFier e dos novos problemas que tinham de ser atacados. No prefácio de seu
Cours d ’A n a ly se Cauchy enuncia claramente seus altos padrões de rigòr:
Q uanto aos m étodos, procurei dar-lhes todo o rigor que se exige em G eom etria, de m aneira
a ja m a is recorrer a razões tiradas da generalidade da álgebra. Tais razões, embora m uito
freqü entem en te adm itidas, sobretudo na passagem das séries convergentes às séries diver­
gentes e de grandezas reais a expressões imaginárias, a m eu ver só podem s e r consideradas
como induções próprias a sugerir a verdade, m as que pouco têm a ver com a tão festejada
exatidão as ciências m atem áticas. Deve-se m esm o observar que elas ten d em a atribuir às
fó rm u la s algébricas validade universal, quando a m aior parte dessas fó rm u la s só valem sob
certas condições e para certos valores das grandezas envolvidas. D eterm inando essas condições
e esses valores, e fixando de m aneira precisa o sentido da notação de que m e sirvo, faço desa­
parecer toda incerteza.

O ponto de partida de Cauchy em sua fundamentação da Análise foi a definição de con­


tinuidade: “...a fu n çã o f( x ) será contínua em x n u m intervalo (estam os usando a palavra
“intervalo” para simplificar o enunciado de Cauchy) de valores dessa variável se, para cada
valor de x nesse intervalo, o valor num érico da diferença f ( x + oc) —f ( x ) decresce indefinida­
m en te com a . E m outras palavras, f ( x ) é contínua se u m acréscim o in fin ita m e n te pequeno de
x produz u m acréscim o in fin ita m en te pequeno de f ( x ) . ”
Essa definição está muito próxima da que usamos hoje em dia, em termos de c e 6. Aliás,
essa sim bologia tam bém é devida a Cauchy, que a usa em várias dem onstrações, embora ela
só se universalize a partir da década de sessenta, com as preleções de W eierstrass em Berlim.
Devem os m encionar ainda o trabalho de Bolzano, já citado no Capítulo 2 (p. 74). Pu­
blicado em 1817, ele traz praticamente a mesma definição de continuidade de Cauchy, num
enunciado.até mais próxim o de nossa definição atual. Ei-la: “u m a fun çã o : f(x ) varia segundo
a lei da continuidade para todos os valores de x situados nu m intervalo (novam ente usamos a
palavra “intervalo” para simplificar) se a diferença f ( x + u;) — f ( x ) pode tornar-se m en o r que
qualquer valor dado, se se pode sem pre tom ar u> tão pequeno quanto se queira. ”
O objetivo de Bolzano era provar o teorema do valor intermediário. De m om ento cabe
ressaltar o m érito desse seu trabalho, onde ele revela as mesmas preocupações com o rigor
que vim os em Cauchv, e que estavam na ordem do dia. Aliás, na introdução ele menciona
que no ano anterior (1816) Gauss publicara duas demonstrações do Teorema Fundam ental da
Álgebra, quando sua demonstração do mesmo teorema, dada em 1799, continha um a falha de
rigor, como ele m esm o (Gauss) reconhecia, por fundamentar um a verdade puram ente analítica
num fato geom étrico, falha essa que está ausente nas duas novas demonstrações mencionadas.
Devem os observar que Cauchy, não obstante seus inegáveis méritos e influência que teve
no desenvolvim ento da Análise Matemática, nisso foi muito beneficiado pelas posições que ocu­
pava, pela prolixidade com que publicava e, particularmente, por trabalhar no m ais importante
centro europeu da época, que era Paris. Outros m atemáticos seus contem porâneos havia, de
maior visão que ele, e Gauss certamente era um desses, indubitavelmente o m aior m atem ático
do século. Mas tinha um estilo todo diferente, antes recolhido em si, publicava pouco ( “pauca
sed matura”); e G õttingen, o centro a que pertencia, ainda não rivalizava com Paris.

O t e o r e m a d o valor in te rm e d iá rio
Já tivemos oportunidade de mencionar que o objetivo principal de Bolzano, com seu trabalho
de 1817, foi dem onstrar o teorema do valor intermediário por meios puramente analíticos.
Cauchy, após enunciar o teorema do valor intermediário no texto de seu C ours d ’A nalyse
oferece, com o “dem onstração” , o que não passa de uma sim ples ‘justificativa” , baseada na
“visualização geom étrica” . De fato, supondo que 6 seja um valor compreendido entre f { x o) e
/ ( X ) , para m ostrar que existe x entre xo e X tal que f { x ) — ò, ele sim plesm ente argum enta que
C a p ítu lo 4: F unções, lim ite e co n tin u id a d e 129

“a curva que tem por equação y = f ( x ) deve encontrar u m a ou várias vezes a reta que tem por
equação y = b no intervalo compreendido entre as ordenadas que correspondem às abscissas
xo e X ”, apelando simplesmente para o fato de que o gráfico d e f é uma curva contínua...
Todavia, um a verdadeira “demonstração analítica” é dada na “N ota III” no final de seu livro.
Como já observamos, o teorema do valor intermediário é evidente, quando interpretado
geom etricamente. E por isso mesmo era aceito e usado no século XVIII, sem questionamento.
As duas argumentações de Cauchy, mencionadas acim a — a “justificativa” e a “demonstração
analítica” — refletem muito bem a utilização do teorem a no cálculo aproximado de raizes
de polinômios. E revelam também a familiaridade que Cauchy certam ente possuía com os
trabalhos desses m atemáticos do século XVIII.

W e ie rstr a ss e os fu n d a m e n to s d a A n á lis e
Karl Weierstrass (1815-1897) estudou direito por quatro, anos na Universidade de Bonn, pas­
sando em seguida para a Matemática. Abandonou os estudos antes de se doutorar, tornando-se
professor do ensino secundário (Gymnasium) em Braunsberg, de 1841 a 1854. Durante todo
esse tem po, isolado do mundo científico, trabalhou intensam ente e produziu importantes tra­
balhos de pesquisa que o tornaram conhecido de alguns dos m ais em inentes matemáticos da
época. Um desses trabalhos, publicado em 1854, tanto impressionou Richelot, professor em
Kõnigsberg, que este conseguiu persuadir sua Universidade a conferir a Weierstrass um título
honorário de doutor. 0 próprio Richelot foi pessoalm ente à pequena cidade de Braunsberg para
a apresentação do título a Weierstrass, saudando-o com o “o m estre de todos nós”. Weierstrass
deixou Braunsberg e passou por vários postos do ensino superior, terminando professor titular
da Universidade de Berlim, de onde sua fama se espalhou por toda a Europa. Tornou- se um
professor m uito procura.do, que mais transm itia suas idéias através dos cursos que ministrava
do que por trabalhos publicados; e dessa maneira exerceu grande influência sobre dezenas de
m atem áticos que freqüentavam suas preleções.
A partir de 1856 Weierstrass ministrou diversos cursos sobre teoria das funções, às vezes o
mesmo curso repetidas vezes, e vários de seus alunos, que m ais tarde se tornariam matemáticos
famosos, fizeram notas desses cursos, como A. Hurwitz, M. Pasch e H. A. Schwarz. E muitas
das idéias e resultados obtidos por Weierstrass estão contidos nessas notas ou simplesmente
foram divulgados por esses seus alunos, por cartas ou em seus próprios trabalhos científicos.
Nas N otas dos cursos de Weierstrass aparecem as primeiras noções topológicas, em particular a
definição de “vizinhança” de um ponto, a definição de continuidade em termos de desigualdade
envolvendo e e S, e vários resultados sobre funções contínuas cm intervalos fechados. Em
particular, o chamado “Teorema de Bolzano-W eierstrass” está entre esses resultados, o qual
Weierstrass formulou originalmente para conjuntos infinitos e lim itados, e não para seqüências,
com o vimos no Capítulo 2 (p. 66). O teorem a diz que todo conjunto num érico infinito e
lim itado possui ao m enos um ponto de acumulação. O leitor não terá dificuldades em provar
o teorema nesta versão com os mesmos argumentos usados na dem onstração da outra versão
dada na p. 67. Weierstrass, através de seus cursos, exerceu decisiva influência na modernização
da Análise.

C arl F ried rich G a u ss (1 7 7 7 -1 8 5 5 )

Gauss nasceu em Brunswick, de pais pobres; e teve suas qualidades de gênio reconhecidas bem
cedo. Graças à proteção do duque de Brunswick pôde estudar e cursar a Universidade de
G õttingen, onde, a partir de 1807 e pelo resto de sua vida, seria Professor de Astronomia e
Diretor do Observatório.
Ao lado de Arquimedes e Newton, Gauss é considerado um dos três maiores matemáticos
de todos os tempos. Sua produção científica se espalha por todos os domínios da Matemática
130 C a p ítu lo 4: F unções , lim ite e c o n tin u id a d e

e da Ciência Aplicada, como Astronomia, Geodésia, e m esm o Eletricidade e Magnetismo.


As preocupações de Gauss com os fundamentos da Análise, e com o rigor na Matemática
de um modo geral, são anteriores às de Cauchy, e revelam m esm o um a sensibilidade mais
apurada. Sua primeira demonstração do Teorema Fundamental da Álgebra, de 1799, não
satisfez a si próprio, por apoiar-se na intuição geométrica, por isso mesmo ele daria várias
outras demonstrações do mesmo teorema. E nessa m esm a época, vinte anos antes de Cauchy,
Gauss já define corretamente o limite superior de um a seqüência e demonstra que a série
Y ^ a -n c o sn x converge se an tende a zero. Em 1813 ele publica um alentado trabalho sobre a
série hipergeométrica,

onde o símbolo (r)n significa r(r + l)(r + 2 ) . . . (r + n — 1). Juntam ente com Legendre, Abel e
Jacobi, deixou marcantes contribuições à teoria das funções elípticas.
Por várias razões Gauss não teve em sua época tanta influência como Cauchy. Como
já dissemos, só publicava trabalhos muito bem acabados, que nada deixassem por fazer; e
encontrava-se afastado de Paris, que era a meca científica da época. A isso deve-se acrescentar
que não tinha pendores para o ensino. Confessava mesmo que não gostava de ensinar, e teve
poucos alunos.
Capítulo 5

SEQUENCIA S E

S ÉR IES D E F U N Ç Õ E S

In trod u ção

N um prim eiro curso de C álcu lo , o e s tu d a n te ap ren d e a calcular ce rtas in teg rais


de funções d a d a s em te rm o s d e funções b em conhecidas. E xem plos: .

M as são m u ito p o u c as as funções q ue p o d em ser efetivam ente in teg rad as.


As integrais d a g ra n d e m a io ria d a s funções ficam a p en as indicadas, v isto não
p od erem ser e fetu ad a s em te rm o s d e funções conhecidas. Exem plos:

C ad a u m a d e stas in teg ra is define u m a nova função. A funçao ch a m a d a logaritm o


natural, p o r exem plo, c o stu m a ser defin id a assim :

Ioga: = -dt p a ra to d o x > 0.

U m a o u tra função, de im p o rtâ n c ia fu n d a m e n ta l em estu d o s de P ro b a b ilid a d e e


E sta tístic a , ch a m a d a d istribuição norm a l, é definida p o r u m a integ ral, assim :

0 fato de to d a s essas in teg ra is n ão p o d e rem ser calculad as em term o s de


funções “e lem en ta res” b em c o n h ecid as n ão tra z m aiores inconvenientes, pois
ta is integrais tê m sido e x a u stiv a m e n te e stu d a d a s, com valores num éricos calc u ­
lados e ta b ela d o s, m u ito a n te s m esm o de c o n tarm o s com os poderosos recursos
m odernos dos co m p u tad o res.

As séries de funções são u m o u tro processo infinito m u ito im p o rta n te p a ra a


definição e o e stu d o das p ro p rie d a d e s de funções. P o r exem plo, o leito r já viu,
132 C a p itu lo 5: Seqüências e séries de funções

em seu c u rso d e C álculo, que funções com o sen a; e cosa;, p o ssu e m as seguintes
séries de M acL au rin :

i 3 x 5 ^ í - l ) n x 2n+l

“ » * - * - ã + 5 T - - „ Ç 0T s r r !

( - l ) n x 2n
2! 4! ^ (2 „ )! •

E s ta s séries p o d e m ser u sa d as com o p o n to de p a rtid a p a r a a d efin ição de sen x e


cos x de m a n e ira p u ra m e n te an alític a, sem a n ecessidade de re c o rre r à m otiv ação
g eo m étrica, com o se c o stu m a fazer em T rigo no m etria.

S e q ü ên cia s d e fu n ções

V am os in ic ia r e ste nosso e stu d o com as seqüências de funções / n , to d a s com o


m esm o d o m ín io D . A ssim , p a ra c ad a valor de x em D , tem o s u m a seq üên cia
n u m é ric a f n {x), à q u al se ap licam tod os os conceitos e re s u lta d o s d o C a p ítu lo
2, em p a rtic u la r o conceito de lim ite. A qui, e n tre ta n to , esse lim ite , em geral,
d e p en d e do v alo r x consid erad o — é fu n ção de x; d a í d esig n a rm o s o lim ite de
u m a se q ü ên cia d e funções f n ( x ) p o r f ( x ) , ju s ta m e n te p a ra e v id e n c iar qu e esse
lim ite é fu n çã o d e x.

C o n v e r g ê n c ia s im p le s e c o n v e r g ê n c ia u n ifo r m e

Q u an d o lid am o s com seqüências de funções, h á que se d is tin g u ir dois tip o s de


co nvergência, um dos quais é o de convergência sim p les ou convergência pontual.
D iz-se que u m a seq ü ên cia de funções /„ , com o m esm o d om ín io D , converge
sim p le sm e n te o u p o n tu a lm en te p a ra u m a função / se, d a d o q u a lq u e r e > 0,
p a ra c a d a x e D ex iste N ta l que

n > N => | / n (x) - f { x ) | < e. ,

O bserve, e n tre ta n to , que o N que é d e te rm in ad o n essa definição p o d e não


ser o m esm o p a ra d iferentes valores de x.
5 .1 . E x e m p l o . U m exem plo sim ples e b a s ta n te esclareced o r do conceito
de con v ergência u n ifo rm e é o d a seqüência f n (x) = x / n , o d o m ín io d e x sendo
to d a a re ta . E claro que f n ( x ) —» 0, pois, d ad o q u alq u er e > 0,

■ |x I
\x /n \ < e n > N = — .
£

V emos assim q ue, p a ra c ad a x fixado, en co n tram o s u m N \ m as esse N varia


com o v a ria r de x: e q u a n to m aio r for |x |, ta n to m aio r será o N , o q u al ten d e
C a p ítu lo 5: Seqüências e séries de fu n çõ es 133

a in finito com |rc| —> oo. E m co n seq ü ên cia disso, a co nvergência d e x / n p a ra


zero não se d á de m a n e ira “u n ifo rm e” p a ra diferentes valores de x. A Fig. 5.1
ilu s tra m u ito b e m o q u e se p assa: o gráfico d as funções y = x / n são re ta s, q ue
se to rn a m ta n to m ais p ró x im a s do eixo dos x q u a n to m aio r for o índ ice n. M as,
n ão im p o rta q u ã o g ra n d e se ja esse índice, h á sem p re valores de x p a ra os q u a is
\ f n { x ) \ su p e ra q u a lq u e r n ú m e ro p ositiv o , digam os, | / n (x )| > 1. D ito d e o u tr a
m an eira , os gráficos n ã o a p ro x im a m o eixo dos x de m a n e ira “u nifo rm e em x ”.

Fig. 5.1 Fig. 5.2

P o rém , com o a p ró p r ia fig u ra sugere, restrin g in d o o dom ínio das funções f n


a um in terv alo do tip o |x | < c, o n de c é q u alq u er nú m ero positivo, consegu im o s
d e te rm in a r u m ín d ice N , v álid o p a ra to d o s os valores x desse in terv alo . C om
efeito, n este caso, \ x / n \ < c / n , de fo rm a que b a sta fazer c / n < e p a ra te rm o s
ta m b é m \x /n \ < e\ o ra , fazer c /n < e é o m esm o que fazer n > c /e . A ssim ,

n > N = - => \ f n{x)\ = — < e.


e n

Dizem os e n tã o que a co n v erg ên cia é “u niform e em x ”, visto q ue conseg uim os


e n c o n tra r u m N ( = c / e ) v álid o p a ra to d o x £ [—c, c]. E in te re ssa n te o b serv a r
ta m b ém que, se a u m e n ta rm o s o c, terem o s de a u m e n ta r o N , e m b o ra a c o n ­
v ergência c o n tin u e u n ifo rm e em q u a lq u e r interv alo |x | < c. M as observe: e la
não é uniform e n a u n iã o desses in terv alo s, q u e é to d o o eixo real!

5.2. D e f i n i ç ã o . D iz-se que u m a seqüência de fu n ç õ e s / „ converge u n i­


fo r m e m e n te para u m a fu n ç ã o f num, d om ín io D se, dado qualquer e > 0, e xiste
N tal que, para todo x £ D ,

n > N => | f n {x) - f ( x ) j < e.

E co stu m e referir-se à co nvergência de u m a seqüência de funções f n p a ra


u m a função / , sem q u a lq u e r q ualificativo; n este caso deve-se e n te n d e r qu e se
134 C a p ítu lo 5: Seqüências e séries de fu n çõ es

t r a t a de con v erg ên cia sim ples ou p o n tu al. E claro que e ste tip o de convergência é
con seq ü ên cia d a convergência uniform e, m a s a co n v erg ên cia p o n tu a l não im plica
a convergência uniform e.
A convergência uniform e ad m ite u m a in te rp re ta ç ã o g e ò m é tric a sim ples e
sug estiva: ela significa que, q u alq uer que seja e > 0, e x iste u m índice N a p a rtir
d o q u a l os gráficos de to d a s as funções f n ficam n a faix a d e lim ita d a pelos gráficos
d a s funções f ( x ) + e e f ( x ) — e (Fig. 5.2). A o c o n trá rio , a convergência não
sen d o uniform e, ex iste u m e > 0 ta l que, p a ra u m a in fin id a d e de valores n, o
gráfico de / a c a b a saind o d a faixa (—e, e ), c e n tra d a n o g ráfico de / . É esse o
caso d a seq ü ên cia f n (x) = x / n , que converge p a ra / ( x ) = 0 (x real), m as não
un ifo rm e m e n te. E n tã o , q u alq u er que seja e > 0, o gráfico de q u a lq u e r f n a c ab a
sain d o d a faix a ( —e, e), c e n tra d a no eixo dos x , com o se v ê n a Fig. 5.1.
P a r a n e g a r a convergência uniform e, n ão é p reciso q u e a desig u ald ad e
\ f n ( x ) — f { x ) \ < e se ja v io lad a qualquer qu e seja e e p a r a to d o n , com o aconteceu
no exem plo a n terio r. B a s ta que essa v iolação o c o rra p a r a a lg u m e > 0 e p a ra
u m a infin id ade de índices n, como ilu stra o exem p lo a seguir.

Fig. 5.3

O n
5 . 3 . E x e m p l o . C onsiderem os a função f ( x ) = e ~ x2, cu jo gráfico é sim étrico
em relação ao eixo O y e que te n d e a zero com x —> ±cx>. S eja / „ a seqüência
d a d a p o r f n ( x ) = f ( x — n) . C om o se vê, o gráfico d e / „ é o d e / tra n sla d a d o
n u n id ad es p a ra a d ire ita (Fig. 5.3). É fácil ver, e n tã o , q u e f n [x) —> 0 p o n tu a l­
m e n te . M as essa convergência não é un iform e, pois / n (« ) = 1, de so rte que a
c o n diçã o | f n ( x) — f ( x ) \ < e e sta rá v io lad a em x = n com q u a lq u e r e < 1. E n ­
tr e ta n to , se nos restrin g irm o s a q u alq u er sem i-eixo x < c, te re m o s u n ifo rm id ad e
d a convergência, v isto que, a p a rtir de n > c, f n {x) < f n (c) < e x p [ - ( c — n ) 2];
o ra , e s ta ú ltim a ex pressão p o d e ser feita m e n o r do q u e q u a lq u e r e > 0 a p a rtir
d e u m c e rto índice N , in d ep en d e n tem en te d e x , d esd e q u e x < c.

5 .4 . T e o r e m a (C r ité r io d e c o n v e r g ê n c ia d e C a u c h y ). Uma con­


dição necessária e su ficien te para que u m a seqüência de fu n ç õ e s f n convirja
u n ifo rm e m e n te para um a fu n çã o f n u m d o m ín io D é que, dado qualquer e > 0,
exista N tal que, qualquer que seja x 6 D , se tenha:

n > N e m > N =» |/„ ( x ) - / m (x )| < e. (5.1)

D em o nstração . P a ra provar que a con d ição é su ficien te, observam os que


(5.1) e o crité rio de C auchy p a ra seqüências n u m éricas g a ra n te m que, p a ra cad a
x fixado, a seq ü ên cia num érica f n (x) converge p a ra u m c e rto nú m ero f { x ) , de
C a p ítu lo 5: Seqüências e séries de funções 135

so rte que fn(%) f m (x ) te n d e a f n ( x ) — f { x ) com m —►oo; p o rta n to , p assan d o


ao lim ite em (5.1) com m —►oo, o b te m o s

n > N => \ f n ( x) - / ( z ) | < £, .

q u alq u er que seja x E D, e isso p ro v a a co nvergência u niform e de / n p a ra / .


(O fato de haverm os p e rd id o a d esig u a ld a d e e s trita n ão im p o rta ; se quiséssem os
te rm in a r com | f n ( x) — f ( x )| < e, b a s ta r ia co m eçar com e /2 em (5,1), o que nos
levaria a |f n (x) - f ( x ) \ < s / 2 < e.)
D eixam os ao leito r a ta re fa de p ro v a r q u e a con dição é necessária.

E x e rc íc io s

1. Prove que, qualquer que seja x , cos n x não tende a zero.


2. Mostre que f n {x) = 1/ n x —►0 pontualm ente em i / 0, mas não uniformemente. Prove
que a convergência é uniforme em qualquer domínio do tipo |x| > c > 0. Faça os gráficos
das f n (x ) para entender o que acontece.
3. Prove que } n {x) = 1 /(1 4 - n x ) tende a zero em i / 0 , mas não uniformemente.
4. Mostre que as seqüências

, , . cos n x , . . se n (n x 4- cos nx)


fn(x) = c u{x) = ,* + „ + r
tendem a zero uniformemente em x , para todo x real.
5. Mostre que a seqüência f n {x) = x n tende a zero pontualm ente no intervalo [0, 1), mas
não uniformemente. Prove que a convergência é uniforme em qualquer intervalo [0, c],
com c < 1. Faça o mesmo no caso dos intervalos ( —1, 1) e [—c, c]. Interprete sua análise
geometricamente nos gráficos das funções f n .
6. Faça os gráficos das funções da seqüência

f / \ _ / (1 “ n )x + l se 0 < x < l/n


^ l / n 2x se x > l/n

Mostre que essa seqüência tende a zero pontualm ente em x > 0, mas não uniformemente.
Prove quea convergência é uniforme em qualquer semi-eixo x > c > 0.
7. Prove que f n (x) = x 2/ ( l + n x 2) tende a zero uniformemente em toda a reta.
8. Prove que a seqüência f n (x) = x / ( l + n x ) tende a zero uniformemente em x > 0. Analise
o comportamento dessa seqüência em x < 0.
9. Estude a seqüência f n {x) = n x / ( 1 4- n x ) quanto à convergência simples e uniforme.
10. Determine o limite da seqüência f n (x) = n x 2/ ( l + n x ) e prove que a convergência é uniforme
em x > 0. Analise a situação em x < 0.
11. Mostre que a seqüência f n (x) = ex^n tende a 1 pontualm ente para todo x real, mas não
uniformemente. Prove que a convergência é uniforme em qualquer intervalo [—c, c].
12. Mostre que a seqüência f n(x) = n x e ~ n i . considerada em x > 0, tende a zero pontualmente,
mas não uniformemente. Prove que a convergência é uniforme em qualquer semi-eixo
x > c > 0.
136 C a p ítu lo 5: S eq ü ên cia s e séries de funções

13. Faça o m esm o que no exercício anterior para a seqüência f n {x) = n2xe n x .
14. Estude a seqüência f n {x) = x / ( l + n x ) quanto à convergência simples e uniforme em toda
a reta.
15. Considere a seqüência f n (x) = x n (l — x n ) no intervalo [0, 1]. Faça o gráfico de f n ,
determ inando, inclusive, seu valor máximo e o ponto x n onde ele é assumido. Mostre que
f n ( x ) tende a zero pontualm ente, mas não uniformemente. Prove que a convergência é
uniforme em qualquer intervalo [0, c], c < 1.
16. Faça o gráfico de f n [x) = x n/ ( l- f - x n) para todo x > 0 e mostre que essa seqüência converge
para a função ,
í 0 se 0 < x< 1
f ( x ) — < 1/2 se x = 1
[ 1 se x > 1
mas não uniformemente. Prove que a convergência é uniforme em qualquer domínio do
tipo R+ — Vfc(l), com <5 > 0. (Aqui, como de costume, R+ denota o conjunto dos números
reais positivos.
17. Mostre que f n {x) = n x / ( 1 + n 2x 2) —►0 qualquer que seja x real, mas não uniformemente.
Prove que a convergência é uniforme em qualquer domínio |x| > c > 0.
18. Prove que a seqüência
c / \
Jn\X) — Z :
nx
2 21
1 + n*x* logn
tende a zero uniformemente, para todo x real.

S u g e stõ e s e so lu ç õ e s

1. Se cos na; —* 0, o mesmo seria verdade de cos2nx. Como cos 2n x = cos2 n x — sen2m , sen n x
também tenderia a zero, o que é absurdo, pois sen n i 4- cos2 n x = 1.
2. Observe que / n( l / n ) = 1/2.
5. Observe que
x n < e <=> n logrr < logc <=> n > N = .
log x
Vemos assim que para cada x fixado encontramos um N , mas esse N varia com o variar
de ar,-tendendo a infinito com x —►1 (estamos supondo 0 < £ < 1); logo, a convergência é
pontual, m as não uniforme. Com a restrição 0 < x < c < 1,

loge < logg ;


logx - lo g c ’

de forma que basta tomar N = lo g e / logc, para que tenhamos

n > N =J> x n < £.

7. Observe que f n (x) < l / n .


8. O caso x > 0 é análogo ao exercício anterior. No caso x < 0 não podem os permitir
x = —l / n em f n ( x ). Mas, qualquer que seja c > 0, com n > 2 /c e x < —c, teremos:

|1 + n x | = n |x | - 1 > n |x | - n |x |/2 = n |x |/2 > n c /2,

donde segue a convergência uniforme.


C a p ítu lo 5: S eqüências c series de funções 137

9. A convergência é uniforme em qualquer domínio do tipo jx| > c > 0. como se vê analisando
a diferença 1 — / n(x ). Observe que f n ( l / n ) = 1 /2 , donde se vê que a convergência não
pode ser uniforme em toda a reta.
x2 x 1
10. f n ( z ) = ------ -------- * |f n ( x ) — xl = I-- 1 < — se x > 0, o que prova que a c
x -f l / n 1 -f- nx n
vergência é uniforme nesse domínio. Se x < 0, como x não pode ser igual a - l / n , pelo
menos a partir de um certo n, podem os nos restringir a x < c < 0, onde, novamente, a
convergência é uniforme, como o leitor deve provar.
14. f n , que é função ímpar, assume valor m áximo 1 /2 y /n em x n = 1/y /n . Faça o gráfico de f n
para diferentes valores de n.
15. f n assume seu valor m áxim o 1 /4 em x n = 1 / y/2, que tende a 1 crescentemente. Compare
os gráficos das diferentes funções f n para valores crescentes de n.
16. Calcule as derivadas primeira e segunda de /n (x ); verifique que a derivada primeira é
sempre positiva e a derivada segunda se anula em x n — [(n — l ) /( n 4 -l) ) 1 , que tende a 1
crescentemente. Compare os gráficos das diferentes funções f n, para valores crescentes de
n.
17. Observe que / n( ± l / n ) = ± 1 /2 . Se |x | > c > 0, |/n (x )| < l/n |x j < 1/nc.
18. Observe que f n é funcão ímpar e ache seu valor máximo.

C o n s e q ü ê n c ia s d a c o n v e r g ê n c ia u n if o rm e

A convergência u n iform e, com o se vê, é m ais re s tritiv a q u e a convergência sim ­


ples, p or isso m esm o te m v á ria s co nseq üências im p o rta n te s, com o verem os a
seguir. ■ ''‘ .

5 .5 . T e o r e m a . Se f n é u m a seqüência de fu n ç õ e s contínuas n u m m esm o


dom ínio D , que converge u n ifo rm e m e n te para u m a fu n ç ã o f , então f é contínua
cm D .

D em onstração. S ejam x , x ' 6 D . A d esig u ald ad e do triân g u lo p e rm ite


escrever:

\f(x)-f(x')\ = \ U i x ) - f n ( x ) ) + ( f n { x ) - f n { x ’)) + { f n { x ) - f ( x ' ) ) \

< | / ( l ) - f n { x ) | + | f n ( x ) ~ f n { x ) I + If n { x ' ) ~ f ( x ' )\


D ado q u alq u er e > 0, a co n v erg ên cia u n ifo rm e p e rm ite d e te rm in a r N ta l que,
p a ra n > N , o p rim eiro e o ú ltim o te rm o d e sta ú ltim a expressão sejam c a d a
um m enor do que e /3 , q u a isq u e r q u e sejam x, x ' € D . Feito isso,fixam os o
índice n e u sam o s a c o n tin u id a d e de f n p a ra d e te rm in a r <5 > 0 ta l que x, x' 6
D , |x — x'\ < S => | f n { x ) — f n (x ')\ < e /3 . A ssim , o b tem o s

x, x € D , |x — x \ < 6 => |/ ( x ) — / ( x ') | < £,

e isso co m p leta a d e m o n stra ç ã o .


De acordo com o te o re m a q u e a cab am o s de d e m o n stra r, se o lim ite de u m a
seqüência de funções c o n tín u a s n u m d o m ín io D não é u m a função co n tín u a
138 C a p ítu lo 5: Seqüências e séries de fu n çõ es

nesse d om ínio, e n tã o a convergência c e rta m e n te n ão é unifo rm e. É esse o caso


d a se q ü ên cia x n / ( l + x n ) que, com o v im os no E x erc. 16 a trá s , converge p a ra a
função
í 0 se 0 < a: < 1
f ( x ) = < 1 /2 se x = 1
I 1 se x > 1

que é d esco n tín u a; logo, a convergência n ão p o d e ser u n ifo rm e em q u alq u er


in te rv a lo que in c lu a o p o n to x — 1. Do m esm o m o d o , a seq ü ên cia x n não
converge u n ifo rm em en te no intervalo [0, 1], pois a fu n ção lim ite é 1 em i = l e
zero em x < 1 .
D eve-se n o ta r ta m b é m que u m a seq ü ên cia de funções c o n tín u as p o d e con­
v erg ir p a ra u m a função contínua, sem q u e a co n v erg ên cia seja u niform e, como
nos E xercs. 3 e 4 a trá s, d en tre o u tro s.

5 .6 . T e o r e m a . N as m esm as hipóteses do teorem a a n terio r, sendo D um


in tervalo [a, 6], tem os:

lim í
Ja
f n (x )d x = í
Ja
[lim f n ( x) ]dx = í
Ja
}(x)dx. (5.2)

D em onstração. D a convergência u n ifo rm e segue-se que, d a d o q u alq u er e > 0,


e x iste N ta l que n > N => jf ( x ) — f n {x)\ < e; logo, n > N im plica

f
Ja
fn { x )d x - í
Ja
f (x )d x = í
Ja
[ fn (x ) - f{ x )] d

donde
rb rb rb
f n (x)dx - f(x)dx < \ f n ( x) - f ( x ) \ d x < s( b - a).
Ja Ja Ja

Is to p ro v a o re su lta d o desejado.

O te o re m a que acabam os de p ro v ar nos diz que p o d em o s tro c a r a ordem


d a s o p eraçõ es de in teg ração e de to m a r o lim ite com n —> oo, desde que a con­
v erg ên cia seja u niform e. Ele foi d e m o n stra d o no p re ssu p o sto de que as funções
f n fossem to d a s co n tín u as no intervalo [a, b]. M as ta l h ip ó te se nem é necessária;
b a s ta , além d a convergência uniform e, que as funções / „ sejam in teg ráv eis em
[a, è], m as n ão vem os tr a ta r este caso aqui.

5 .7 . T e o r e m a . S eja f n um a seqüência de fu n ç õ e s com derivadas contínuas


n u m intervalo [a, 6], tal que f'n converge u n ifo rm e m e n te para u m a fu n ç ã o g.
S u p o n h a m o s ainda que n u m ponto c G [a, 6] a seqüência n u m érica f n {c) con­
verge. E n tã o , f n converge u n ifo rm em en te para u m a fu n ç ã o f , que é derivável,
C a p ítu lo 5: Sccjiiências c séries d e fu n ç õ es 139

com f ' — g. E s ta ú ltim a relaçao tam b ém se escreve

(5.3)

D em on stra çã o. 0 te o re m a fu n d am en tal do C álculo p e rm ite escrever

f n ( x ) = fn {c ) + j f h( t ) dt ; (5.4)

e com o a co n v erg ên cia f'n —* g ê u niform e, podem os p a ssa r ao lim ite so b o sin al
de in teg ração , o q u e prova que f n ( x ) tem p o r lim ite u m a função f ( x ) , d a d a p o r

(5.5)

D aq ui segue q u e / ' = g.
F a lta a p e n a s 'p ro v a r que / „ —> / uniform em ente. D e (5.4) e (5.5),

If n ( x ) - f { x ) | < |/„ ( c ) - / ( c ) | + J [fn(t) - g {t)]dt . (5.6)

D ado q u alq u e r e > 0, ex iste N ta l que, p a ra tod o t e [a, 6],

n > N => |f n (c) - / ( c ) | < e e |f'n(t) - s ( í) l < e.

D aq u i e d e (5.6) o b tem o s: n > N => \ f n (x) — /(a r)| < e [l + (6 — a )], o que
c o m p le ta a d e m o n stra ç ã o .

O leito r deve n o ta r que a h ip ó tese de convergência un iform e, n ão d a


seqüência o rig in al / „ , m as d a seq üên cia de derivadas f'n , foi decisiva n a d em o n s­
tra ç ã o d e ste ú ltim o teo rem a ; e sem ela n ão podem os ch eg ar à m esm a co nclusão .
P o r exem plo, a seq ü ê n c ia f n {x) = sen n x / n converge u n ifo rm em e n te p a r a zero,
m as f'n {x) = cos m n em seq u er converge, como vim os no E xerc. 1 a tr á s .

S é rie s d e fu n ç õ e s

O s conceitos de co n v ergência sim ples e uniform e d e seq ü ências tra n sfe re m -se
n a tu ra lm e n te p a r a séries, in te rp re ta d a s esta s com o seq üências d e reduzidas ou
som as parciais. A ssim , a convergência u n ifo rm e de u m a série de funções,
OO

n= 1

significa a co n v erg ên cia unifo rm e d a seqüência de som as p arciais ou re d u z id a s


de ord em n,
140 C a p ítu lo 5: S eqüências c séries de funções

P o rta n to , diz-se q u e u m a série de funções, X ) /n ( x') > converge u n ifo rm em en te


n u m d o m ín io D p a ra u m a so m a f ( x ) se, d a d o q u alq u er e > 0, e x is te N ta l que,
q u alq u er q u e seja x € D,
■ n oo
n > N => |f ( x ) - ^ f j ( x ) \ = | f j ( x ) \ < e.
j= 1 j = n +1

O s T eo rem as 5.5 a 5.6 e 5.7, aplicam -se às séries, re s u lta n d o , com o é fácil
ver, nos te o re m a s seguintes, sem necessidade de novas d em o n straç õ e s.

5 .8 . T e o r e m a ( C r i t é r i o d e C a u c h y ) . Uma condição necessária e sufi­


ciente para que u m a série Y l f n { x )> onde os term o s f n são fu n ç õ e s com o m esm o
dom ínio D , co n virja u n ifo rm e m e n te é que, dado qualquer e > 0, exista N tal
que
n > N => | f n+i( x ) + f n+2(x) + . . . + f n+ p(x) | < e,
qualquer que seja p in teiro p o sitivo ;

5 .9 . T e o r e m a . Uma série de fu n çõ es contínuas, que converge u n ifo rm e ­


m e n te n u m in terva lo , tem por so m a um a fu n çã o contínua; e pode se r integrada
term o a term o.
9 .1 0 . T e o r e m a . Se u m a dada série de fu n ç õ e s J 2 f n (x ) é tal que a série de
derivadas f n ( x ) converge u n ifo rm em en te n u m intervalo, e se a série original
converge n u m po n to desse intervalo, então sua som a f é derivável n esse intervalo
e a derivação de f pode ser fe ita derivando term o a term o a série dada.

O te o re m a seg u in te, conhecido com o teste M de W eierstrass, é u m critério


m u ito ú til p a r a v erificar se u m a d a d a série de funções converge u n ifo rm em en te.

5 .1 1 . T e o r e m a ( t e s t e M d e W e i e r s t r a s s ) . S e ja f n u m a seqüência de
fu n ç õ e s com o m e sm o d o m ín io D , satisfazendo a condição | / n (* )| < M n para
todo x € D , onde Y .]M n é u m a série n u m érica convergeiite. E n tã o a série
Y2 f n ( x ) converge absoluta e u n ifo rm e m en te em D .

D em o n stra çã o . E claro que a série de funções converge p a ra u m a c e rta


função f ( x ) , e converge a b so lu ta m e n te , devido à d o m in ação | / n (x )l ^ e do
fa to d e ser co n v erg en te a série A convergência d e s ta série g a ra n te que,
d a d o q u a lq u e r e > 0, ex iste N ta l que
OO

n > N => ^ M j < e.


j= n + 1

E n tã o , p a ra to d o x em D,
n oo oo
n > N => | / ( x ) - ] T / , ( x ) | = | /jM I < M j < e ,
j=1 j=n+l j —n+1
C a p ítu lo 5: Seqüências e séries de fu n çõ es 141

o q ue p ro v a a u n ifo rm id ad e d a convergência e conclui a d e m o n s tra ç ã o d o te o ­


rem a.
O u tra d e m o n s tra ç ã o p o d e ser feita com base no crité rio de C au ch y : d a d o
q u a lq u e r e > 0, ex iste N ta l que, p a ra to d o x € D,

n > N =>■ jf n+ i(x ) + . . . H~ f n+ p(x)j < A/n+ l + .. • + Mn+p < -•

N a a p licaç ão do te s te de W eierstrass, b a sta , ev id en te m e n te , q u e a série d a d a


seja d o m in a d a p e la série n u m érica a p a rtir de um certo índice N , n ã o n ecessa­
ria m e n te N = 1.
SGfl TIX
5 .1 2 . E x e m p lo . A série Y1 7-------- r~ í converge u n ifo rm e m e n te em to d a
(n +- ljn !
a re ta , p ois é d o m in a d a p e la série n u m érica convergente Y1 V ri- P o rta n to , ela
define u m a fu n ção c o n tín u a / . A lém disso, a série de d eriv a d a s ta m b é m converge
u n ifo rm e m e n te , com o é fácil ver, donde concluím os que / é d e riv á v e l e
OO

/'H = J2 (n + l) ( n - 1)!'

C om o se vê, te m o s aq u i u m exem plo de função d efin id a p o r u m a série.


M u ita s fun çõ es im p o rta n te s n as aplicações são assim d efin id as, p o r m eio de
séries de funções. Isso aco n tece tip ica m e n te n a solução de eq u açõ es diferen ciais
p o r m eio d e séries.

E x e r c íc io s
1. Prove que a seqüência f n (x) = n x e ~ nx não converge uniformemente em [0, 1], verificando
que

lim f n (x )d x ^ [lim f n (x)]dx.


J0 J0
Nos Exercs. 2 a 5, prove que a série dada converge absoluta e uniformemente no domínio
indicado.
2.
' n2+ x2 t n 2 -f- cos n x
=1 n=0
s e m ix _ „ v—\ n _ r,_
E —
\/v? {2 ^ c o s x )>
em R; 5. > x e ' em x > 0.

n=l V ' n=0

6. Prove que a série x n/(l-\-x n) converge absoluta e uniformemente em qualquer intervalo


1^1 5-í c < 1, mas não em ( —1, 1). Prove que ela define uma função contínua em todo o
intervalo ( —1, 1).
7. Prove que a função f ( x ) = J ^ x n/(1 + x n), definida no intervalo ( —1, 1), tende a oo com
x —> 1 e a —oo com x —> —1.
8. Prove que 1 /(1 + n 2x) define uma função contínua em R , excetuados x = 0 e os pontos
da forma —l / n 2, com n inteiro. Prove também que essa função é derivável, com derivada
dada pela série obtida por derivação termo a termo da série original.
142 C a p ítu lo 5: Seqüências e séries d e funções

9. Faça o mesmo que no exercício anterior no caso da série ^ l / ( n 2 —z 2), os pontos omitidos
neste caso sendo os inteiros.
10. Estude a função definida pela série

n=l X

quanto à continuidade e derivabilidade termo a termo.


11. Faça o mesmo que no exercício anterior no caso da série

E V(-----
n
x
sen —
n
x

12. Seja Y2 /n ( x ) uma série de funções positivas, contínuas e não decrescentes num intervalo
[a, 6], tal que ^ fn{b) converge. Prove que a série dada converge uniformemente e que sua
som a é integrável, logo,
oo oo çb
^ 2 f n (x )d x - ^ fn ( x )d x .
/
J aa n=0 n=0 a

13. Prove que nx I n converge uniformemente em qualquer sem i-eixo do tipo x > c > 0,
logo, é uma função contínua em x > 0. Prove que essa função tende, a infinito com x —* 0.

S u g e s tõ e s e so lu ç õ e s

5. Aplique o teste M de Weierstrass, notando que x Me “ rix = e “ n(x-lo« x) < e ~ n, pois x — logx
atinge seu mínimo em x = 1.
6. Observe que |xn/ ( l + x n)| < cn/ ( l —c) e aplique o teste M de Weierstrass. Se a convergência
fosse uniforme em |x| < 1, pelo critério de Cauchy, dado qualquer e > 0, existiria N tal
que n > N implicaria

i r r ^ 1= - Sn_1^< e
para todo x 6 ( —1, 1)- Ora, com n par, suficientemente grande, existe x nesse intervalo,
muito próximo de 1 ou de —1 (x = x n = 1 / \/2 ), fazendo o primeiro membro da expressão
acim a igual a 1/3. Que a série define uma função contínua em |x| < 1 é evidente, pois
qualquer elemento desse intervalo está em algum [—c, c], com c < 1.
7. Fixado x £ (0, 1), f n(x) = x n/ ( l + x n ) é uma seqüência numérica decrescente; logo,
N
S n {x ) = T V / ( l + x") > N i * / ( l + x N ). Isso perm ite mostrar que existe uma vizinhança
n=l .
de x = 1, onde 5yv(x) > N /3 . Para provar que lim / ( x ) = —oo, considere —S 2 n ( x ) , em
X —♦ — 1
x = —y, com y —* 1:

n=1

Isto pode ser feito maior do que N /2 com y numa vizinhança de 1.


C a p ítu lo 5: S eq ü ên cia s e séries de funções 143

8. Considere primeiro x positivo. Em qualquer sem i-eixo x > c > 0,

1 l/c f 1 \ -n 2 -l/c 2
1 4- n 2x ^ n 2 Y l + n2;r/ ( l - f - n 2x ) 2 n2 ’

donde se prova, com o teste M de Weierstras, a convergência uniforme da série original e


da série de derivadas. Qualquer x > 0 está em algum semi-eixo x > c > 0, o que prova
a continuidade da som a da série e sua derivabilidade termo a. termo. Se x < —c < 0,
tomamos n grande o suficiente para que 1 < n 2c / 2, donde

[— i— | = — I — < — l— < H/s .


1 -f- n 2x n 2|x| — 1 n 2c — 1 n2

9. Considere x restrito a um intervalo [a, 6] que não contenha número inteiro e prove que aí
a convergência é uniforme, tanto da série original como da série de derivadas.
10. Observe que
1 —cosa: sen2rc 1 _
-----x *2-----= x z [ "T
\ Jr /cos
r ',-----
x ) \ õ com
2 x °*
Então, sendo |x| < M e n suficientemente grande, a série dada é dominada pela série
/ n 2. A série de derivadas, ^ (l/n )se n (a :/n ) também converge absoluta ^uniforme­
mente no mesmo intervalo |x| < M , pois, a partir de um certo índice N , a correspondente
série de módulos é dominada por 2 A //n 2.
x — sen x
11. Como no exercício anterior, estude lim i—o ------ rr—— .

S é rie s d e p o tê n c ia s

D en tre as séries de funções d ese m p e n h a m p a p e l esp ecial as ch am a d as séries de


;p otências, que são séries do tip o Y l a n {x — ^ o )n i o n d e xo e os coeficientes an são
co n sta n te s. C om o se vê, elas são séries d e p o tê n c ia s de x — a-o- D izem os que
elas são centradas em xo, têm centro e m xo , o u que são séries de p o tên cias com
referência a xo-
Sem n en h u m a p e rd a de g en eralid ad e , n o e stu d o dessas séries podem os fazer
xo = 0, considerando en tã o séries do tip o J 2 a n x n . E v id e n te m e n te , to d o s os
re su ltad o s estabelecidos p a ra esta s séries p o d e m ser facilm en te trad u zid o s p a ra
aquelas com a su b stitu iç ã o de x p o r x — xo-

5 .1 3 . L e m a . Se a série de p o tên cia s J 2 a n x n converge n u m certo valor


x = xo 7^ 0 ,- e^a converge a b so lu ta m en te em todo ponto x do intervalo |x | < |x o |;
e se a série diverge em x = xo, ela diverge em todo x fo ra desse intervalo, isto
é, em |x | > |xo|.

D em onstração. Se a série converge em xo , seu term o g eral, a nXQ, te n d e a


zero; p o rta n to , é lim ita d o p o r u m a c o n s ta n te M . E m conseqüência,
144 C a p ítu lo 5: S eqüências e séries de funções

Isso m o s tra q u e a série (1 /M ) \a nx7l\ é d o m in ad a p e la série g e o m é tric a de


te rm o g era l |x / x o |n , Que é convergente se \x\ < |xo|; logo, WnXn \ converge no
in terv alo |x | < |xo|-
Se a série Y l a nXn diverge em x = xo, ela não p o d e co n v erg ir q u a n d o |.x| >
|:ro|, senão, p elo q u e ac ab am o s de provar, te ria de convergir em x = xo , o que
c o m p le ta a d e m o n stra ç ã o .

U m a série d e p o tê n c ia s J ^ a „ x n p o d e convergir so m en te em x = 0, com o é o


caso d a série J ] n ! x n ; o u p o d e convergir em q u alq u er v alo r x , co m o se d á com a
série X ]x n /n ! E x clu íd o s esses dois casos extrem os, é fácil p ro v ar, com o farem os
no te o re m a se g u in te, que e x iste u m nú m ero p ositivo r ta l q u e a série converge
se |x | < r e div erge se |x | > r.

5 .1 4 . T e o r e m a . A toda série de potências Y^,an x n , que converge em algum


valor x ' j í O e diverge em algum outro valor x " , corresponde u m n ú m ero positivo
r tal que a sé rie converge a b solutam ente se \x\ < r e diverge se |x | > r .

D em on stração . S eja r o su p rem o dos n úm eros |x |, x v aria n d o e n tre os va­


lores o n de a série converge. E claro q u e r é u m n ú m ero p o sitiv o , co m \x'\ < r;
e r < \x"\ (pois, se |x "| < r , h av eria x e n tre |x "| e r, o nde a série convergiria;
e, pelo lem a a n te rio r, ela te ria de convergir ta m b ém em x " , o q u e é a b su rd o ).
Se x é ta l q u e |x | < r , ex iste xo onde a série converge, com \x \ < |xo| < r.
E n tã o , pelo lem a an te rio r, a série converge a b so lu tam e n te em x . A série diverge
em x com |x | > r , sen ão , pelo m esm o lem a, te ria de convergir e m to d o y com
|x | > \y \ > r e r n ão seria o su p rem o anunciado. ;

R a io d e c o n v e rg ê n c ia

O n ú m ero r in tro d u z id o no te o re m a a n te rio r é ch am ad o o ra io d e convergência


d a série. E ssa d en o m in a ç ã o se ju stifica p o rq u e o d om ínio n a tu r a l d e e stu d o d as
séries de p o tê n c ia s é o p lan o com plexo, e q u an d o x v aria no p lan o com plexo, o
c o n ju n to |x | < r é u m círculo d e cen tro n a origem e raio r . D e m ò n stra -s e en tão
q ue a série conv erge no in te rio r do círculo e diverge em seu e x te rio r. T o d av ia,
em nosso e stu d o só vam os c o n sid erar x real; m as, m esm o assim , p e la s razões
e x p o sta s, c h a m a re m o s r de “raio de convergência” .
O T e o re m a 5.14 g a ra n te a convergência a b so lu ta 110 in terv alo a b e rto \x\ < r,
n a d a afirm a n d o so b re os e x trem o s —r e + r. É fácil d a r exem plos ilu s tra tiv o s de
to d a s as p o ssib ilid a d e s. A ssim , as séries
.n n
e

têm to d a s o m esm o raio de convergência, r = 1, com o se c o n s ta ta facilm ente,


verificando q ue elas convergem q u a n d o .|x | < 1 e d iv erg em q u a n d o |x | > 1. A
C a p ítu lo 5: S eq ü ên cia s e séries d e funções 145

p rim e ira converge em —1 e + 1 , a s e g u n d a converge em —1 e diverge em + 1 , e


a te rc e ira diverge nos d ois e x tre m o s x — ± 1 .
A definição de “raio de co n v erg ên cia" com o su p rem o dos n úm eros |x |, x
v arian d o e n tre os valores onde a série converge, se esten d e a to d a s as séries,
p o d en d o ser zero ou infinito, com o é o caso d as séries '£ n \ x n e £ ] x n /n ! resp ec­
tiv am en te. E fácil ver, nestes d ois casos, q u e as afirm ações do T eorem a 5.14
p erm an ecem válidas, com as d ev id as a d a p ta ç õ e s: se r — 0, a série diverge p a ra
to d o i / 0; e se r = oo, a série converge p a r a to d o x.
O raio de convergência p o d e se r facilm en te ca lc u lad o q u a n d o existe o lim ite
de |a n+ i / a n |. D e fato , n e ste caso, p elo c rité rio d a razão , a série J 2 a n%n é
a b so lu ta m e n te convergente se .

lim

for m eno r do que 1; e d iv erg en te se esse lim ite for m aio r do que 1. R e su lta d aí
que o raio de convergência d a série c o n sid e ra d a é

r = lim
a n+ 1

(m esm o que esse lim ite se ja zero o u in fin ito ), p o is a série converge se |x | < r e
diverge se |x| > r . .

P r o p r ie d a d e s d a s s é r ie s d e p o tê n c i a s

5 .1 5 . T e o r e m a . Toda série de p o tên cia s J 2 a nxTl, com raio de convergência


r > 0 (r podendo ser in fin ito ), converge u n ifo rm e m e n te em todo intervalo
[—c, c], onde 0 < c < r.

D em onstração. F ix a d o c < r , se ja xo u m n ú m ero co m p reen d id o e n tre c e r.


C om o a série converge a b so lu ta m e n te em xo, ex iste M ta l que |a„ x o l é lim itad o
p o r u m a c o n stan te M \ logo, sen d o |x | < c,

. |a nxn | = |a „ x j || — P < M | - | n
xo xo
Isso m o s tra que a série ^ | a n x n | é d o m in a d a p e la série n u m é ric a convergente
5 3 A í|c /x o |n . E n tã o , pelo te s te d e W eie rstra ss, Y ^ \a nXn \ converge uniform e­
m e n te em |x | < c, com o q u eríam o s p ro v ar.

O bserve que o te o re m a a n te rio r g a ra n te a co nvergência u niform e em q u alq u er


in terv alo |x | < c co n tid o no in terv alo |x | < r, m as n ão n e ste últim o , que é a
u n ião daqueles. C om o exem plo, co n sid ere a série g eo m étrica
146 C a p ítu lo 5: S eq ü ên cia s e séries de funções

cujo raio de co n verg ên cia é r = 1. M as a convergência não é uniform e em to d o


o intervalo |.t| < 1. C om efeito, po nd o

1 —x n
S n ( x) = l + x + x ‘2 + . . . + x n = —---------- ,
1 —x

tem os:
n -t-i

1 — X

É claro que, d ad o s > 0, n ã o e x iste N ta l que p a ra n > N e s ta ú ltim a exp ressão


seja m enor q u e e p a r a to d o x em ( —1, 1); b a s ta p e n sa r n u m a seq üência x n
te n d en d o a 1, com |x n |n+1 m a n te n d o -se m a io r ou igual a um n ú m ero c ta l que
0 < c < 1. P o r exem plo, x n =

5 .1 6 . T e o r e m a d a u n i c i d a d e d e s é r ie s d e p o t ê n c i a s . Se u m a fu n çã o
f a dm ite d e se n vo lvim en to em série de p otências n um ponto xo , esse desenvo lvi­
m ento é único.

D em onstração. S u p o n h a m o s que f te n h a dois desenvolvim entos n u m a vizi­


n h a n ça d a origem , |x | < r:

/(xO =

E ssas séries p o d e m se r d e riv a d a s re p e tid a m e n te , term o a te rm o , n a referid a vi­


zinh an ça, em p a rtic u la r, em x = 0, d o nd e segue que an = bn p a r a to d o n , o que
prova o teo rem a.

Se u m a função te m série d e p o tê n cia s relativ am en te a u m c en tro xo> não


im p o rta que m é to d o e m p re g u e m o s p a ra o b te r essa série, j á que ela é ú n ic a pelo
teo rem a que ac ab a m o s d e d e m o n s tra r. M u itas séries são o b tid a s a p a r tir de seus
polinôm ios de T aylor, com o n o exem plo a seguir. O u tro m odo eficaz de o b te r
séries de p o tê n cia s c o n siste em in te g ra r séries já conhecidas; assim p o d e m ser
o b tid as as séries em p o tê n c ia s d e x de lo g (l + a:), arctga: e a rc s e n x , con siderado s
nos exercícios p ro p o sto s a d ia n te .
5 .1 7 . E x e m p l o . O s desen v o lvim en to s de várias funções em séries de
p o tên cias são fre q ü e n te m e n te o b tid o s de seus desenvolvim entos de T ay lo r ou
M acL au rin, b a sta n d o p a r a isso verificar que o resto R n ( x ) te n d e a zero com
n —> oo. P o r exem plo, sa b e m o s do C álculo que a função ex te m desenvolvi­
m ento de M ac L a u rin d a d o po r:
C a p ítu lo 5: S e q ü ên c ia s e séries d e fu nçõ es 147
e c+ lx n+l
o n d e R n (x) = —-------- — e c é um n ú m ero c o m p reen d id o e n tre zero e x. E n tão ,
(n + 1)!

!* » (* )! <
(n + l)!

E sta estim ativa de R n ( x) nos m ostra que tal resto tende a zero com n —*■ oo,
qualquer que seja x , donde concluirmos que

x 1 x~ x'3 xU v - ' X'1

71--0 ‘

desenvolvimento este que é válido p ara todo x real.


De modo inteiram ente análogo obtem os os desenvolvim entos de seno e
cosseno dados na p. 132.

E x e rc íc io s '
Calcule o raio de convergência de cada um a das séries dadas nos Exercs. 1 a 6.

o° oo . oo

t ^ (2 n + l) /. 2. ] T '^ 7 ; 3. ]T(v/3)2n(.r f 2 ) \
n=0 ' n= l n=0
oo 03 oo

4 »• £ e - , » V .
n=l n=l n=l

7. A chamada série hipergeométrica, dada por F ( a , b, c; x) = \ '' — ^-— ~ ^ - x n , onde o símbolo


-f n l(c )n
n=l ’
(r)n significa r(r + l) ( r 4 - 2 ) ... ( 7* + n — 1), engloba várias funções im portantes da Física
M atem ática. Supondo que nenhum dos números a, 6, c seja um inteiro negativo, prove
que o raio de convergência dessa série é 1.
Obtenha os desenvolvimentos dados nos Exercs. 15 a 21, indicando, em cada caso, o
domínio de convergência da série.

o
8. se n x — x — -
z3 +, s5
- - ... = ^
v, (-l)Vn+1 .
n=0 '
„ , z2 *4 ( - l ) " x 2n
9. c o sx = l - - + - - . . . = £ - .
2! 4! (2 n)
=0
n= 0

X
o X
fj 00
V > 2n+l
10. se n h x = ^ "or — ••• = / y
3! 5! Z - f ( 2 n + l)! *
n=0
Xx X•. 00 X2rt
11. cosh x = 1 4- —T + -7:----. . . = > TT— r r .
2! 4! (2ti)!
148 C apítulo 5: S eqüência s e séries d e fu nçõ es

1i -2. ki >/ig ( l +\ x ) = x - yx + xy - • • ■ = V2 '^ (— x)


----------- -
~ n=l

13. Série binomial: (1 + x ) r = 1 + r x + ( 2) x 2 + . .. = ^ ' ( \ x n.


7
1—0V /

3 5 00 / \n
X X V—^ (— I) onj-i .
14. arctga: = x — — H----------------------------------------------------------------------------------------------- . . . = >—-x" . Faca i = l e obtenha o seguinte r
0 3 5 Z -^ 2 n + l s 6 ’
n=0
1 - 1 - • » r M . 7T , ' 1 1
c o n h ec id o co m o serie de Leibniz: — = 1 — — + — — — + . . .
1
4 3 5 /
, 1 3 , 1 - 3 5 , 1 • 3 • 5 . . . ( 2n
22.arcsena, = x + — x + _ -x + . .. = ^ _ — -j-
n=0

S u gestões

dri \fn n \ l >n V nT l 1


4.
Gn+1 n+\/n+ 1 e
íln
3 l n )
5.

A s fu n çõ es tr ig o n o m étr ic a s

N os Exercs. 8 e 9 a trá s o b tiv em o s as funções seno e cosseno em séries de


p o tên cias de x. O bserv e q u e p a ra se o b te r ta is séries b a s ta su p o r que ex istam
d u a s funções s( x) e c ( x ), d e classe C'1 em to d a a re ta , e tais que

s ( x ) = c(x), c '(x ) = —s ( x ) , s(0) = 0, c(0) = 1. (5-7)

D e fato, se ex istirem d u as tais funções, é claro que elas serão de classe C'°°
em to d a a re ta ; e q ue s"(a;) + c2(x) = 1 (E xerc. 1 a d ia n te ), d o n d e |s (x )| < 1 e
|c (x )| < 1. E m conseqüência, essas funções tê m d esenvolvim entos d e M acL aurin,
com rèstos que ten d em a zero com n —> oo, q u a lq u e r que seja x . Fazendo n —* co
nesses desenvolvim entos, o b te m o s as séries j á m en cio n ad as e aqu i rep etid as:

, \ ^ ( - l ) n x 2n+1 . . ^ 2 , ( - l ) " * 2"

E facil verificar qu e essas séries co n v erg em q u a lq u e r q ue seja x , p o rta n to , real­


m e n te definem funções de classe C °° em to d a a re ta , p o d e m ser derivadas term o
a te rm o e satisfazem as p ro p rie d a d e s (5.7). E las são a g o ra usad as com o nosso
p o n to de p a rtid a p a ra defin ir as funções seno e cosseno.
E in te re ssa n te n o ta r qu e as funções d a d a s em (5.8) são o único p a r de funções
satisfazen d o (5.7) (Exerc. 2 ad ia n te ). P o rta n to , a p a rtir d e ago ra escreverem os
sen a- em lugar de s( x ) e cosa: em lu g a r d e c(s).
C a p ítu lo 5: S eq ü ê n c ia s e séries de funções 149

D as fórm ulas (5.8) segue im e d ia ta m e n te q u e c o s x é u m a função p a r e sen x


é ím p ar. P ro v am -se ta m b ém as seg u in tes “fó rm u las d e adição d e arcos” :

sen (a + b) = sen a cos b + cos a sen b,

(5.9)

cos(a + 6) = cos a cos 6 — sen a sen b

T odos as fórm ulas e resu ltad o s d a trig o n o m e tria seguem d a s identidades


fu n d a m e n ta is o b tid a s acim a. . ■
V am os provar que ex iste u m n u m ero c > 0 ta l que, à m e d id a que x cresce
d e zero a c, sen x cresce de zero a l e cos x d ecre sc e d e 1 a zero. D efinirem os o
n ú m e ro v com o sendo igual a 2c, d o n d e c = i r / ’2 .
C om eçam os o bservando que cosa: > 0 em to d a u m a v izin h a n ça d a origem ,
pois é função c o n tín u a e p o sitiv a em x = 0; e com o (sen a:)7 = cosa:, vem os que
sen x é crescente logo à d ire ita d a origem , p o rta n to , p o sitiv a, já q u e sen 0 = 0 .
E com o (cosa:)7 = —sena:, cosa: é d ecre sc en te logo à d ire ita d a origem .
V am os prov ar q ue cos x so an u la em a lg u m p o n to à d ire ita d a origem.
S u p o n d o o c o n trário , pelo teo rem a do valor in te rm e d iá rio , c o sx > 0 p a ra x > 0;
p o rta n to , sen x é e strita m e n te crescen te e cosa: e s trita m e n te decrescente em
x > 0. F ix ad o q u alq u er a > 0, teríam o s:

0 < cos ‘2 o = cos" a — se n “a < co s2 a;

e, p o r indu ção, c o s2 n a < (c o s a )2 p a ra to d o n in teiro p ositivo. C oncluím os


q u e c o s2 n a —*■ 0, já qu e c o sa < 1. E m co n seq ü ên cia, ex iste b > 0 ta l que
cosJ b < 1 /2 e sen2fe > 1 /2; logo,

cos 2 b = cos2 b — se n ~b < 0,

q u e c o n tra d iz a suposição inicial de q u e c o s x n ã o se a n u la em x > 0.


E x iste m , pois, raízes de c o s x = 0 em x > 0. S eja c o ínfim o dessas raizes.
É claro q u e c > 0; e c o sc = 0 p ela c o n tin u id a d e d e c o sx . C om o esta função
é p o sitiv a em 0 < x < c, s e n x é crescen te n esse in terv alo , p o rta n to , se n c = 1.
P o m o s a g o ra tt = 2c. E m resum o, q u a n d o x v a ria d e zero a tt/2 , s e n x cresce de
zero a l e c o sx decresce de 1 a zero.
U m a vez definidas as funções seno e cosseno, as d em ais funções
trig o n o m é trica s, b e m com o to d a s as in v ersas, são defin idas e e stu d a d a s de
m a n e ira óbvia, com o o leitor deve reco n h ecer sem dificuldades. A lgum as dessas
q u estões são p ro p o stas nos exercícios.
150 C a pítu lo 5: S eq ü ê n c ia s e séries d e funções

E x e rc íc io s
1. Prove que se s (x ) e c(x) são duas funções de classe C 1 satisfazendo (5.9), então
s2(x) + c2(x) = 1.
2. Prove que (5.8) é o único par de funções s(x ) e c(x) de classe C 1 satisfazendo (5.7).
3. Prove as fórmulas (5.9).
4. Prove que sen7r = 0, cos7r = —1, sen37r/2 = —1, cos37r/2 = 0, sen27r = 0, c o s ‘2 tt — 1,
sen(x —7r/2) = c o sx e cos(x — 7r/2) = se n x .
5. Prove que se n x e c o s x são funções periódicas de período 27T. Prove também que 2n é o
menor período positivo dessas funções. Faça os gráficos dessas funções.

6. Prove que lim = 1.


x->Q X
7. Mostre que a função se n x , restrita ao intervalo |x| < r / 2 , é invertível; e que sua inversa
tem derivada (1 — x 2) -1 ^2. R epita o exercício restringindo a função se n x ao intervalo
[tt/ 2, 37r/2]; agora a derivada deverá ser —(1 — x 2) -1 ^2.
8. Mostre que a função c o s x , restrita ao intervalo 0 < x < 7r, é invertível; e que sua inversa
tem derivada —(1 —x 2) -1 ^2. Como no exercício anterior, repita a questão, começando com
a função co sx restrita ao intervalo [7r, 2it\.
9. Defina t g x = s e n x / c o s x e faça o gráfico dessa função. Prove que, restrita ao intervalo
|x | < 7T, ela é invertível; e que sua inversa, arctgx, tem derivada (1 + x 2) - 1 . O número 7r
pode ser calculado por integração numérica dessa derivada entre x = 0 e x = -foo.

S u g e s tõ e s
1. Derive f ( x ) — s 2(x) + c2(x) e note que /(O) = 1.
2. Suponha que existisse outro par de funções. S e C \ nas mesmas condições de s e c,
respectivamente. Mostre que sC — S c = a e s S - \ - c C = 6 são constantes; a = 0, b — 1.
Tendo em conta que s 2 -|- c2 = 1, obtenha as -J- bc — C e bs — ac — S . Daqui segue, com
x = 0, que 5'(x) = s(x ) e C ( x ) = c(x).
3. Ponha
f ( x ) = sen(x + b) — sen x cos b — cos x sen 6,
ff(x ) = cos(x + b) — cos x cos 6 + sen x sen 6;
e verifique que f ' = g e g ' — —f , e que f 2 + g 2 — 0. Conclua, pela continuidade, que
f s g = 0. ' ” - '
5. Se p e p ' são períodos, tam bém o são —p e p + p . Mostre que se p é um período entre zero
e 27r, então existe uni período menor do que 7r e outro menor do que tt/2.

N o ta s h is tó ric a s e c o m p le m e n ta re s

A s s é r ie s d e p o t ê n c i a s
As séries de potências com eçaram a surgir logo no início do Cálculo, no século XVII. Assim,
Newton obteve a série geom étrica

——— = 1 4- x + x 2 -f x 3 + . . .
1 —x
C a pítulo 5: Seqüências e séries d e fu n ç õ e s 151

por divisão direta do nuinerador 1 pelo denominador 1 —a*. E obteve a série do logaritmo,

.3
■(-
3
• n=1

integrando term o a termo a série anterior. Isso aconteceu por volta de 1665, no contexto
de calcular áreas sob a hipérbole, m as tais resultados só foram publicados posteriorm ente.
Nicolaus Mercator (1620-1687), apoiando-se nos resultados de Gregorius Saint V incent, obteve
a mesm a série do logaritmo em 1668, daí essa série ser às vezes chamada “série de Newton-
Mercator”.
Newton obteve m uitas outras séries de potências por esse mesmo m étodo de expandir
certas funções sim ples e integrar termo a termo. Por exemplo, aplicando esse procedim ento à
série
1 = 1l — x 2 +. 4x —x 6 +. . . . ,
1+ x
obtem os a série de arctgx:

x 3 X5 ^ ( - l) n
arctg x = x --------------------- —• + —------------- . . . = > ---------------
3 5 ' 2n + 1
n=o

Nesse domínio das séries, o m ais importante dos resultados de Newton foi sua d escoberta da
série binomial (Exerc. 13 da p. 148).
A descoberta das séries de potências das funções elementares deu grande im pulso ao desen­
volvim ento do Cálculo. Bastava agora saber derivar e. integrar potências de x para. ser possível
derivar e integrar um a função qualquer. Foi até providencial que as séries de potências fossem
descobertas antes que outros tipos de séries de funções, já que elas definem funções m uito bem
com portadas — as cham adas Junções analíticas. Por causa disso elas podem ser derivadas
e integradas termo a termo, operações essas que eram executadas desde o início do Cálculo,
sem maiores preocupações com questões de convergência. Mas isso não é sempre possível com
outras séries de funções, como as séries trigonométricas. E interessante notar tam bém que o
surgimento dessas outras séries nas aplicações, sobretudo as séries de Fourier no final do século
XVIII, foi um fator decisivo no desenvolvimento da teoria da convergência.

L a g r a n g e e a s fu n ç õ e s a n a lític a s
Joseph-Louis Lagrange (1736-1813) nasceu em Torino, onde tornou-se professor de M atem ática
na Escola Real de Artilharia aos 19 anos. E aos 25 anos já era reconhecido com o um dos maiores
m atem áticos do século. Em 1776 Lagrange aceitou o convite para substituir Euler em Berlim,
já que este transferia-se de volta para São Petersburgo. Ele satisfazia assim o expresso desejo
de Frederico II, segundo o qual “era preciso que o maior geômetra da Europa vivesse junto ao
maior dos reis”. Com a m orte de Frederico em 1787, Lagrange transferiu-se para Paris, onde
permaneceu pelo resto de sua vida.
Lagrange produziu um a série de trabalhos da maior importância, nos m ais variados
domínios da M atem ática e da ciência aplicada. Sua obra mais famosa é a M écanique A na-
lytique, concebida em sua juventude, mas só publicada em 1788, e com a qual a Mecânica
ficava definitivamente estabelecida como um ramo da Análise Matemática.
Em 1797 Lagrange publicou um livro intitulado Théorie des fo n ctio n s analytiques, no qual
ele procura resolver o problem a da fundamentação do Cálculo em bases puramente algébricas,
sem a necessidade de considerar grandezas infinitesimais. Para isso ele serve-se da série de
Taylor, num processo inverso: partindo da série de Taylor de um a dada função, ele introduz
as sucessivas derivadas da função em termos dos coeficientes de sua série. Essa construção
152 C apítulo 5: Seqüências e séries d e fu n ç õ es

se assentava na premissa de que toda função possui desenvolvim ento em série de Taylor, mas
isto é falso. Embora falho em seu intento principal, o livro de Lagrange traz importantes
contribuições ao Cálculo, além de representar o esforço m ais significativo do século XVIII para
os fundamentos dessa disciplina, bem como o prenúncio do rigor definitivo que iria logo se
desenvolver 110 século seguinte.

A c o n v e r g ê n c i a u n if o r m e
A s questões de convergência, derivabilidade e integrabilidade de séries de funções só puderam
ser equacionadas e resolvidas depois que o trabalho de Fourier, devidamente apreciado, deixou
bem evidentes as peculiaridades das séries trigonométricas.
Em seu Cours d ’A nalyse de 1821 Cauchy dá um tratam ento bastante completo e sa­
tisfatório à convergência das séries. Mas não está totalm ente livre das idéias antigas de in-
finitésiraos e do hábito de conceber variáveis com o abscissas de pontos móveis ao longo de
eixos. Sua própria definição de continuidade revela esse aspecto dinâmico em seu modo de
conceber limites. Por causa disso e por não perceber que a convergência das séries de funções
tem aspectos que não estão presentes na convergência das séries numéricas, cometeu erros em
afirmações que exigiam o conceito de “convergência uniforme” ou de “continuidade uniforme” .
Assim é que ele prova o (falso) teorema, segundo o qual “a som a de um a série de funções
contínuas é uma função contínua” . E também ao provar a integrabilidade de qualquer função
contínua, a interveniência da continuidade uniform e passa despercebida a Cauchy.
Um outro matemático brilhante dessa ép oca foi o norueguês Niels Henrik Abel (1802­
1829). Ele era filho de um pastor pobre e teve um professor à altura de seu gênio, Bernt
Holmboe. Quando Abel tinha 17 anos, H olm boe predisse que ele seria o maior matemático
do mundo, e procurou encaminhá-lo adequadam ente. Com uma bolsa de estudos, Abel viajou
para Paris, onde encontrou os maiores m atem áticos da época, inclusive Cauchy. Mas não foi
devidamente reconhecido. Viajou para Berlim, ònde teve o apoio de Crelle, mas também aí a
sorte não esteve a seu lado. Logo ficou tuberculoso e morreu muito cedo. O destino, portanto,
não permitiu que se cumprisse a previsão de Holmboe.
Num trabalho de 1826 sobre séries, particularmente sobre a série binomial, Abel usou a
série trigonométrica ^ ( —l ) n+1s e n n x /n para m ostrar a falsidade da afirmação de Cauchy. De
fato, a soma dessa série é a função periódica de período 277, que é igual a x / 2 no intervalo
( —7r, 7r). Como se vê, é uma função com saltos em todos os pontos da forma (2k + 1)7T.
Sabemos que a condição que faltava a Cauchy para que seu teorema fosse verdadeiro é a da
“convergência uniforme” . Mas A bel também não a identificou; e em seu trabalho ele incorre
nos mesmos erros que embaraçaram Cauchy: su a concepção dinâmicp. de continuidade é a
mesma de Cauchy e o trato com infm itésim os também segue o mesmo estilo de Cauchy.
O primeiro matemático a identificar o conceito de convergência uniforme parece ter sido
Christof Gudermann (1798-1852) num trabalho de 1838. E Weierstrass, que preparou sua
tese (sobre funções elípticas) para a obtenção do diploma de "professor de 2— grau” com
Gudermann, assimilou bem o novo conceito, dele tirando todas as implicações importantes na
teoria das séries de funções. Em suas preleções em Berlim ele sempre enfatizou a importância
da convergência uniforme, particularmente para a integração termo a termo de uma série
convergente de funções contínuas. .

A a r i t m e t i z a ç ã o d a A n á lis e
Logo no início do desenvolvimento racional da M atem ática, há cêrca de 25 séculos, surgiu a
crença, atribuída a Pitágoras, de que o número é a chave da explicação dos fenômenos. Mas
não tardaria muito para que essa crença fosse seriam ente abalada com a primeira grande crise
de fundamentos da Matemática, de que já falamos no Capítulo 1. Essa crise foi contornada por
C a p itu lo 5: S eqüências e séries de fu n çõ es 153

üJudoxo, ligado à escola de Platão, com sua “teoria das proporções” , descrita 110 Livro V dos
Elementos de Euclides. Isso deslocou o eixo dos fundamentos, da Aritmética para a Geometria.
3 Platão exprime m uito bem essa nova convicção quando ensina que “Deus geometriza sempre”
2 manda escrever, 110 pórtico da Academia, “quem não for geômetra não entre”. Desde então,
2 por muitos séculos a M atem ática identifica-se com a Geometria, tanto assim que ate uns cem
anos atrás os m atem áticos eram conhecidos como "gcômetras” .
Por isso mesmo, os m atem áticos do século XVII, que tanto inovaram e deram origem
à nova disciplina do Cálculo, foram, todavia, buscar inspiração era Euclides e Arquimedes,
cujas obras eram então estudadas e admiradas como modelo mais acabado de rigor. E essa
crença numa possibilidade de fundamentação geométrica do Cálculo perdurou até o início do
século XIX. Os conceitos de derivada e integral, que tiveram origem nos conceitos de reta
tangente e área, preservaram por m uito tempo suas feições geométricas. Por um a curiosa
coincidência, foi 110 momento m esm o em que a Geometria começou a revelar suas falhas çle
fundamentos, nas primeiras décadas do século, foi então que também tiveram início esforços
bem-sucedidos para fundamentar o Cálculo fora da Geometria. Todos os conceitos básicos de
função, limite, derivada, integral e convergência seriam agora definidos em termos dos números.
Mas percebe-se então que os próprios números reais carecem de uma adequada fundamentação,
a qual, entretanto, não tarda em ser encontrada. Até aquela definição de limite de Cauchy
— correta, porém, ainda eivada da noção espúria de movimento — é agora substituída pela
definição puramente numérica de Weierstrass: f ( x ) tem lim ite L c o m x tendendo a x 0 significa:
dado qualquer e > 0 existe 6 > 0 tal que

0 < |x —xo| < 6 =i> | f ( x ) — L\ < £.

Completava-se assim um m ovim ento que veio a ser chamado de A ritm etízação da A nálise
por Felix Klein. Agora a própria G eom etria teria de buscar na Aritmética elementos mais
seguros para sua fundamentação. Era, de certo modo, uma volta a Pitágoras.
Bibliografia recom endada

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b lic a d a p e la S ociedade B rasileira de M a te m á tic a . L iv ro excelente, escrito p or
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se r m u ito e x te n so e de fazer u m a seleção de tópicos' os m ais im p o rta n te s e
in te re ss a n te s d a M a te m á tic a d a an tig ü id a d e.

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titu la d a E lé m e n ts de M athém atique. U m a d as v irtu d e s do livro co n siste nas
fre q ü e n te s referên cias a u m a rica b ib lio g rafia de 345 títu lo s , d ire ta m e n te ligados
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dos m ais ab alizad o s livros do gênero, escrito p o r e m in e n te a u to rid a d e no assu n to ,
p rin c ip a lm e n te no que diz resp eito à fidelidade às fo n tes h istó ric a s originais.

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te m p o : não é m u ito longo, faz u m a c rite rio sa seleção d o s ep isódios que ap re se n ta ,
é fiel aos fato s, u sa a linguagem m o d e rn a p a ra e x p lica r e to r n a r inteligíveis os
racio cín io s a n tig o s, sem co n tu d o d efo rm ar esses racio cín io s, o que n ão é fácil,
m as to r n a a a p rese n ta ç ã o b a sta n te d id á tic a .

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T ra d u z id o do inglês e com m ais de 800 p ágin as, é u m dos m elhores e mais
c o m p leto s te x to s de H istó ria d a M a te m á tic a a tu a lm e n te em uso nos E sta d o s
U nid os. D e le itu ra ag rad áv el e am en a , é e n riq u ecid o com seções in titu la d a s
"p a n o ra m a s c u ltu ra is ” , que dão valiosos a p a n h a d o s h is tó ric o -c u ltu ra is dos vários
p e río d o s de desenvolvim ento d a M a te m á tic a .
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m u ito bem escrito e que inclui vário s tó p ic o s típ ico s d e u m curso de A nálise.
A lta m e n te recom endável. O original, em inglês, é d a E d ito ra W . A. B enjam in,
Inc.

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