Você está na página 1de 4

PUBLICIDADE

Seja Cliente Vivo Fibra


Venha Para Vivo Fibra! Assine Até
300 Mega de Banda Larga com
Smart Wi-Fi Grátis.
Vivo

A influência da filosofia de Heidegger


sobre o cinema de Terrence Malick
Diretor de 'Uma Vida Oculta' se encontrou com o filósofo nos anos 1960 por intermédio de Hannah
Arendt

Martim Vasques da Cunha*, Especial para o Estado


14 de março de 2020 | 16h00

Diz a lenda que Terrence Malick, antes de ser o cineasta recluso de A Árvore da Vida (2011),
encontrou-se nos anos 1960 com ninguém menos que o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-
1976) na famosa cabana da Floresta Negra. A intermediária desta reunião teria sido Hannah Arendt
(1906-1975), sua ex-aluna e quem melhor dissecou as “origens do totalitarismo” para o século 20.

LEIA TAMBÉM > O amor entre a judia Hannah Arendt e o nazista Martin Heidegger

Mais de 16 mil matérias por mês! Oferta Exclusiva! 61% OFF

Notícias, entrevistas e análises Digital completa


exclusivas para você entender R$ 262,80 R$ 99,90 ASSINAR
os últimos acontecimentos no
Assinatura por 1 ano +
Brasil e no mundo.
smartwatch
Cena de 'A Vida Oculta', de Terrence Malick Foto: 20th Century Fox

Heidegger não só foi o responsável por Ser e Tempo (1929), um tomo revolucionário no pensamento
europeu que chocou as cabeças pensantes, mas infelizmente também contribuiu para a sedimentação
do nazismo na cena intelectual alemã. Sem nenhum demérito da riqueza filosófica da sua obra, o fato é
que Heidegger, no dia 21 de abril de 1933, fez uma enorme política de bastidores acadêmicos para
conseguir a vaga de reitor na Universidade de Freiburg; no dia 1 de maio, filiou-se ao partido nazista. Já
Arendt, com a força moral que lhe era peculiar, não aceitou a postura do antigo mestre – e cortou
relações com ele de imediato.

Ainda assim, ela ajudou o jovem Terrence Malick a entrar em contato com Heidegger. Naquela época,
ele estudava filosofia em Harvard, era considerado um dos melhores alunos do professor Stanley Cavell
e seu objeto de pesquisa era justamente os escritos do ermitão ansioso para apagar do currículo o
momento tenebroso na década de 1930. Nada ficou registrado desta conversa; o que temos como
documento daqueles anos é uma introdução de dez páginas, redigida por Malick, para uma tradução
que ele fez de Sobre a Essência do Fundamento – e a chave para compreender os mistérios do novo
filme do agora celebrado diretor, Uma Vida Oculta.

Não seria um exagero afirmar que esta película é um acerto de contas de Terrence Malick com a
filosofia (e a presença) de Heidegger. Ele já fez isso antes, a começar com A Árvore da Vida, no qual
meditava sobre a perda familiar e a criação do universo, passando por Amor Pleno (2013) e Cavaleiro
de Copas (2016), cujos temas eram seus relacionamentos amorosos e profissionais, até De Canção em
Canção (2017), o qual refletia obliquamente sobre o período em que Malick desapareceu do mundo de
Hollywood após ter feito dois filmes de sucesso – Badlands (1973) e Cinzas do Paraíso (1978). Essa
sequência forma também uma espécie de autobiografia inspirada nas Confissões de Santo Agostinho,
um mergulho na consciência ferida do seu autor para que ele enfim descubra uma luz a resplandecer
nas trevas.

Uma Vida Oculta – título extraído de um trecho do romance Middlemarch (1872), de George Eliot –
está mais próximo de outro tratado teológico de Agostinho: A Cidade de Deus. Baseado na história de
Franz Jägerstätter (August Diehl), um austríaco católico que decidiu não jurar lealdade a Hitler durante
a 2.ª Guerra Mundial, e, portanto, foi preso e condenado à morte pelo governo nazista, Malick vai além
das habituais (e necessárias) denúncias contra o totalitarismo – ou até mesmo dos elogios sobre os
santos de consciência (o caso célebre aqui é o de Sir Thomas More) – para retornar a um antigo tema
seu: o de que o mundo em que vivemos está em permanente estado de agonia.
Foi Heidegger quem o apresentou a essa obsessão, ao lermos a introdução escrita por Malick no
passado. No texto, ele comenta que o mundo teria “exatamente a mesma natureza do Dasein [conceito
fundamental na obra heideggeriana]”, o que tornaria impossível distinguir uma coisa da outra,
transformando ambos em um conceito que nos impediria descobrir a “totalidade das coisas”.
Consequentemente, ficaríamos abandonados nos termos os quais deveríamos entendê-los. Na prática,
isso significa que o mundo não é apenas enigmático; é impenetrável, incapaz de se encontrar um
sentido objetivo nele, pois a sua concretude dolorosa é tamanha que cada um tem a própria versão do
que ele seria, criando uma confusão com um método todo peculiar que seria resolvida somente com a
descoberta de um “fundamento”.

Contudo, enquanto vivermos nesta terra peregrina, o próprio “fundamento” continua oculto, tanto por
causa da linguagem que usamos como por causa do conceito a ser utilizado para interpretar o lugar
habitado por nós. Aqui, Malick incorpora Agostinho – um pensador igualmente caro a Heidegger – no
drama de Franz Jägerstätter: o dilema de consciência do austríaco é a arena do combate entre a cidade
dos Homens e a cidade de Deus, um combate que também molda a história humana em seus momentos
mais terríveis, cujo resultado parece ser a aniquilação da dignidade do ser humano diante da máquina
do Estado moderno, mas que no final revela ser justamente a vida oculta a iluminar a agonia do mundo.

O “fundamento”, se há algum, é o mistério dolorido da graça que se torna a única maneira para
combater a tirania moderna que deseja sufocar a consciência individual. Em Uma Vida Oculta, ela é
representada pela mulher de Franz, Fani (Valerie Pachner), que suporta todas as iniquidades do povo
da vila onde moram, Radegund, completamente cooptada pelo nazismo – entre elas ser tratada como
uma traidora da pátria a chutes, pontapés e cusparadas, enquanto seu marido tenta manter a sanidade
do espírito na prisão em Berlim. A graça espera, anseia, sofre e, quando o irremediável acontece, não há
outra escolha a fazer exceto perguntar às montanhas se algum dia ela se encontrará com o esposo em
um lugar onde “não há mais mistérios”.

É neste ponto que Terrence Malick rompe definitivamente com seu antigo mestre, Martin Heidegger.
Para o cineasta, mesmo com o mundo à míngua, ainda é possível encontrar um sentido, um
“fundamento” objetivo nele. Apresenta-se uma divisão clara entre o professor e o discípulo,
especialmente no modo como ambos percebem a antiga tensão entre filosofia e tirania. Apesar do
filósofo alemão jamais ter se dito algo explícito sobre o assunto em sua obra, os seus atos biográficos
mostraram que, de alguma forma, o eros filosófico tinha uma íntima conexão com o eros tirânico. Quem
percebeu isso como poucos foi justamente um dos antigos alunos de Heidegger, Leo Strauss, que, em
uma resposta cifrada a outro contemporâneo também fascinado pelas ideias de Ser e Tempo, Alexandre
Kojève, escreveu que “aparentemente afastamo-nos do Ser e aproximamo-nos da Tirania porque vimos
que aqueles que não têm coragem para enfrentar a questão da Tirania, e que portanto ‘eles próprios
servindo obsequiosamente enquanto dominam arrogantemente sobre os outros’, também foram
forçados a se desviar da questão do ser, precisamente porque nada mais fizeram que falar do Ser”.

Ao pensar sobre o conceito do mundo, Heidegger esqueceu-se da verdadeira agonia que o totalitarismo
causou no Ocidente. Malick restaura isso ao relembrar que a imitação do Cristo praticada por Franz e
Fani Jägerstätter ilumina o segredo que o ser fundamentou nessas vidas interrompidas pelo trem feroz
da abstração o qual uma vítima dessa mesma época, Etty Hillesum, definiu como o verdadeiro mal de
todos nós. Para ela, apreendemos a vida “em fórmulas pessoais, abraçando todos os fenômenos com
nossas mentes, em vez de se deixar abraçar pela vida. Você sempre quer recriar o mundo, em lugar de
aproveitar o mundo como ele é. Há algo de despótico nisso”.

Claro que há, querida Etty. Não compreender que tanto a tirania como a liberdade interior que se abre
para a transcendência estão nas vidas ocultas das nossas consciências, e jamais no ruído do tempo
histórico, é o mesmo que permitir o nascimento de um poder a nos dominar por completo. Trata-se
daquilo que o ensaísta Simon Leys chamava de “falha da imaginação” porque evitamos perceber que há
outras maneiras de se mudar o curso de uma nação, mesmo quando tudo parece desabar. A resistência
de Franz Jägerstätter, filmada com maestria por Terrence Malick, é a prova de que precisamos somente
vislumbrar que, conforme diz Kierkegaard (não à toa citado na epígrafe do roteiro de Uma Vida
Oculta), quando “o tirano morre, o seu reinado acaba; o mártir morre, e o seu reino apenas começou”.
Se guardarmos isso no coração, o mundo se iluminará por completo diante dos nossos olhos, por mais
que as tiranias do passado, do presente e do futuro façam de tudo para que aconteça o contrário.

*MARTIM VASQUES DA CUNHA É AUTOR DE ‘A TIRANIA DOS ESPECIALISTAS’ (CIVILIZAÇÃO


BRASILEIRA, 2019)

NOTÍCIAS RELACIONADAS

‘Uma Vida Oculta’, um Malick essencial


Malick, Uma Vida Escondida
Livro narra vidas de Walter Benjamin, Wittgenstein, Heidegger e Cassirer

Tudo o que sabemos sobre: Terrence Malick Hannah Arendt Martin Heidegger

Encontrou algum erro? Entre em contato

PUBLICIDADE

MAIS NA WEB

São Paulo: Novo Divorciado? O melhor site de Extensão permite


supercomputador de R$143 encontros para pessoas com economizar até 80% em
que está deixando o Brasil mais de 40 anos em São compras no dia do
maluco Paulo consumidor
SmartWatchTech www.solteiros50.com.br www.cuponomia.com.br

RECOMENDADAS PARA VOCÊ

Brasileiro ganhador da Palma As estratégias dos editores Um tour musical para


de Ouro, Anselmo Duarte contemporâneos contra a descobrir Beethoven nas
tem obra ofuscada em seu crise do livro cidades em que ele viveu
centenário

Você também pode gostar