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07/08/2017 Gramsci

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O Lenin que poderia ter acertado


Michel Zaidan Filho - Agosto 2006

Octavio Brandão. Agrarismo versus industrialismo. A guerra de São Paulo e a luta de classes no Brasil. São
Paulo: Ed. Anita Garibaldi, 2006.

Acabo de receber a boa notícia de que a editora Anita Garibaldi, ligada ao Partido Comunista do Brasil, reeditou
um dos primeiros clássicos das ciências sociais brasileiras: o opúsculo de Octavio Brandão, Agrarismo versus
industrialismo.

Só se conhece uma edição precária dessa brochura, feita em 1926, para servir de base para a política de alianças
do então Partido Comunista. De lá para cá, o historiador das idéias políticas ou socialistas no Brasil só podia se
valer de exemplares fotocopiados guardados a sete chaves nos arquivos do movimento operário brasileiro. Anos
atrás, me encontrei com o Valter Pomar no Aeroporto do Recife (PE), que naquela ocasião manifestou o interesse
da editora Anita Garibaldi em reeditá-lo. Eu disse que concordava inteiramente com o interesse dele e da editora,
porque considero desde muito tempo o livrinho de Octávio Brandão "um clássico do marxismo brasileiro", apesar
da discordância de amigos e camaradas, como, por exemplo, Leandro Konder, com quem troquei amistosas
cartas em torno do assunto, quando ele estava terminando sua tese de doutorado.

De fato, há muitos anos que tive o trabalho de recuperar ou "garimpar", como dizia o Marco Aurélio Garcia, essas
idéias seminais sobre o revolução brasileira. E a originalidade do pensamento de nosso líder comunista é
incontestável, nos quadros da política revolucionária da Internacional Comunista, sobretudo pela relação com a
conjuntura interna no Brasil: as revoltas tenentistas de 1922 e 1924. A adaptação da questão pequeno-burguesa
para o movimento tenentista é valiosa (heurística, mesmo), em comparação com a situação do campesinato
russo. E a idéia da revolução democrática pequeno-burguesa é um achado da mais alta importância.

Nos idos de 1980, Gildo Marçal Brandão – então editor da revista Temas de Ciências Humanas e hoje professor
de Ciência Política da USP – teve a gentileza de ler um pequeno ensaio meu sobre as relações entre anarquistas
e comunistas no Brasil, durante a década de vinte. A recepção de Gildo foi boa, mas ele recomendou que se
reescrevesse o texto para que servisse de introdução a uma coletânea de artigos de Astrojildo Pereira sobre a
fundação do PCB (Construindo o PCB: 1922-1924). O pequeno ensaio que resultou daí levantava uma tese
importante: o Partido Comunista Brasileiro foi, sim, um partido nacional – não nacionalista – e seus erros não
estavam ligados a nenhuma determinação estrangeira ou estalinista.

Faltava concretizar a tese com estudos e pesquisa empíricas sobre a trajetória política do partido. Este trabalho
de garimpagem foi feito ao longo de cinco anos, com documentos, panfletos, jornais, cartas, entrevistas, etc.
Dele resultou uma tese de doutorado: O Partido Comunista e a Internacional Comunista. E a base foi exatamente
a contribuição teórica e estratégica do camarada Octavio Brandão.

O primeiro grande esforço de análise marxista-leninista da conjuntura brasileira nos anos vinte foi
este Agrarismo versus industrialismo. Ele serviu com justificação para política de alianças do PCB com os
"tenentes" e a pequena burguesia urbana. A influência do documento é patente nas teses do II Congresso do
PCB (1925), onde a contradição básica é entre nação e imperialismo. Torna-se ainda maior no artigo "As tarefas
do proletariado diante da revolução pequeno-burguesa" (1926), publicado no boletim Autocrítica. E é derrotada
no VI Congresso da Internacional Comunista (1928), já desaparecendo nas teses do III Congresso do PCB
(1929). Em 1930, há uma reunião ampliada, com membros da IC, onde Brandão é obrigado a renegar
solenemente a sua criação e aceitar a tese da revolução democrático-burguesa antiimperialista.

De lá para cá, muita água correu debaixo da ponte. E o PCB tornou-se muito mais suscetível às influências de
Moscou e de Prestes. Mas nada disso ofusca ou tira os méritos daquele que poderia ter sido o Lenin
brasileiro, depois de ter dado uma excelente contribuição – através de seus escritos – à teoria da revolução
brasileira. Está na hora de resgatar a figura – sempre polêmica, mas muito injustiçada – de Octavio Brandão.

Por tudo isso, esse trabalho deve ser lido e muito valorizado em qualquer arqueologia do pensamento político
socialista brasileiro. É um pena que o livro tenha sido prejudicado pela personalidade forte e polêmica do autor.
Não é a primeira nem a única vez.

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07/08/2017 Gramsci

Michel Zaidan Filho é professor da Universidade Federal de Pernambuco. Este texto também foi publicado em La
Insignia.

Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=537

http://www.acessa.com/gramsci/texto_impressao.php?id=537 2/2

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