Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Convergencias Entre o Romance Incidente
Convergencias Entre o Romance Incidente
Trabalho integrador
sobre a
intertextualidade
1
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
Convergências entre
Intertextualidade
2
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
Para uma melhor compreensão desse conceito, Iván Villalobos (Cf. 2003, p. 137)
explica que o termo intertextual faz referencia a uma relação de reciprocidade entre
os textos, isto é, uma relação entre eles, num espaço que transcende o texto como
unidade fechada:
El texto no existe por sí mismo, sino en cuanto forma parte de otros textos,
en tanto es el entre texto de otros textos. En este punto, citamos a Barthes:
“La intertextualidad en la que está inserto todo texto, ya que él mismo es el
entretexto de otro texto…”
[…]
No sólo todos los textos anteriores forman parte del intertexto latente de
todo texto, sino también el conjunto de los códigos y sistemas que operan
esos textos, es decir, su dimensión estructural y estructurante.
(VILLALOBOS, 2003, p. 138)
Por sua vez, para Julia Kristeva (1984, p. 12) a intertextualidade está baseada na
noção de ideologema, termo definido por ela como:
[...] aquela função intertextual que podemos ler “materializada” nos vários
níveis da estrutura de cada texto, e que se estende ao longo de todo o seu
trajeto, dando-lhe as suas coordenadas históricas e sociais [...] A aceitação
de um texto como ideologema determina a própria atitude de uma semiologia
que, estudando o texto como intertextualidade, o pensa, pois, na (nos textos
da) sociedade e na história.
Com esse critério, todo texto literário está constituído por ideologemas que se
evidenciam na forma em que são caraterizados os personagens, seu falar, suas
atitudes, deste modo dão conta do modelo de vida e da sociedade que representam.
Esse conceito é esclarecido por Carlos Altamirano e Beatriz Sarlo [CITATION ALT93 \p
54 \n \t \l 11274 ] da seguinte maneira:
3
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
Sinopses
O incidente em questão se origina, como uma consequência não esperada, por uma
greve geral declarada pelos trabalhadores de Antares. Entre eles os coveiros que se
recusam a enterrar os mortos. Por isso, sete defuntos insepultos reclamam pela sua
situação e ameaçam ficar apodrecendo na praça principal até serem enterrados.
Por sua vez, o filme A casa dos espíritos (1993), cujo título original é The House of
the Spirits, está baseado no primeiro romance da escritora chilena (1982).
Assentado no seu domínio, Esteban decide casar-se com Clara del Valle, quem tem
dons sobrenaturais de clarividência e telecinesia, a par de poder comunicar-se com
espíritos.
Do casal nasce Blanca, quem enfrenta o pai por manter um relacionamento com
Pedro, um camponês com ideias socialistas.
4
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
Como foi adiantado nas sinopses, nas duas obras se mistura ficção com fatos
históricos reais.
É assim como, ao longo do livro, é possível ver como se foram encadeando os elos
que definiram a história brasileira até chegar ao golpe de estado de março de 1964,
que depôs o presidente João Goulart e instaura a ditadura militar, assim como suas
sequelas.
1
VERÍSSIMO, 1995, p. 60-61
2
Ibid., p. 66
3
Ibid., p. 82-83
4
Ibid., p. 139
5
Ibid., p. 186-187
5
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
Lucas Lesma [...] compôs para o seu jornal um artigo [...] no qual, entre
elogios à revolução vitoriosa, escreveu: “Agora que as greves estão
felizmente proibidas por lei, reina a maior harmonia entre patrões e
empregados, e os sindicatos e os trabalhadores não vão mais ser usados,
como acontecia no governo deposto, como instrumentos de política
partidária, nem como fatores de desordem social” 6.
[...] o Prof. Martim Francisco Terra que, expurgado com vários outros
colegas da sua universidade, emigrara para o Chile 8.
6
VERÍSSIMO, 1995, p. 724
7
Ibid., p. 724
8
Ibid., p. 727
9
Ibid., p. 729
10
A CASA…, 1993, 1:33:55
6
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
Em alguns trechos do filme aparecem situações que dão conta desses fatos:
Finalmente, toda essa estratégia planejada pela direita chilena deriva no golpe que
derroca o governo socialista [CITATION lav13 \l 3082 ]. Os militares dominam a cena,
tanques, aviões de combate e soldados invadem a cidade, o exercito toma posse da
situação, enquanto milhares de civis são apanhados e privados da liberdade 13.
11
Ibid., 1:39:30
12
Ibid., 1:56:00
13
Ibid., 1:45:10
14
Ibid., 1:47:03
15
Ibid., 2:03:00
16
Ibid., 1:58:00 e 2:06:00
7
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
Nas sinopses estão descritos os elementos sobrenaturais das duas estórias. Embora
sejam de diferente natureza, a presença do fantástico é assumida com total
naturalidade e se situa no mesmo plano da realidade cotidiana. De forma tal, que o
conceito do real se amplia para dar lugar a uma realidade mágica, assumida como
normal: os espíritos passeiam pelos quartos e os mortos se despedem de seus
seres queridos, enquanto convivem com os vivos influindo suas existências.
[...] tão fantásticos foram esses acontecimentos, que o Pe. Gerôncio chegou
a exclamar, dentro de seu templo, que aquilo era o começo do Juízo Final. 18
17
As noções de fantástico, mágico e maravilhoso não se restringem ao universo artístico e são usadas
indiscriminadamente na comunicação cotidiana, como se fossem sinônimos. Por outro lado, no campo da
literatura, ainda que se tenha tentado, não se conseguiu estabelecer um critério demarcatório objetivo que
permitisse identificar e catalogar as obras segundo cada uma dessas denominações. [CITATION FOL131 \p 24 \t
\l 11274 ]
18
VERÍSSIMO, 1995, p. 7-8
8
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
Esse fato extraordinário irrompe no cotidiano, como parte do mundo natural, de tal
sorte que um dos defuntos:
[...] Pedi a palavra e sugeri que metessem os coveiros na greve geral e que
não permitissem nenhum sepultamento no cemitério enquanto os patrões
não dessem ganho de causa aos operários. Agora tudo está explicado! 21
E com igual naturalidade, cada um dos mortos terá conversas com diferentes
pessoas com quem mantinham algum tipo de relacionamento em vida – filhos,
esposa, amigos, conhecidos etc. Até mesmo, alguns deles ficaram esperando o
encontro, como é o caso da Rosinha que se arruma especialmente para a ocasião:
– Como vais?
– Mais ou menos. E tu?
19
VERÍSSIMO, 1995, p. 344-345
20
Ibid., p. 361
21
Ibid., p. 362
22
Ibid., p 426-427
9
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
– Morta.
– Como foi que voltaste?
– Não sei. Mas o Dr. Cícero está providenciando pra enterrar a gente. O
advogado, te lembras? E tu sabes quem está no nosso grupo? Uma grã-
fina, a D. Quitéria Campo-largo. Imagina só que chique!
Rosinha sacode a cabeça lentamente, imaginando... Depois baixa os olhos
e murmura:
– Tu me desculpas por eu ter ficado com o teu vestido, as tuas meias, o teu
sapato... e as outras bugigangas?
– Ora, que bobagem! Defunto não precisa mais dessas coisas.
– Tu não te ofendes se eu espalhar um pouco de perfume?
– Ora! Não me importo. Sei que estou fedendo. Mas que é que tu queres?
Morta há quase três dias... Ou dois? Nem me lembro. 23
Clarividência
Clara sempre esteve em contato com os espíritos do além 27. Numa ocasião,
Clara começa a sentir frio e certo desconforto, para surpresa de todos os
presentes, Férula, a irmã de Esteban, apresenta-se, sem falar beija a testa de
Clara e vai embora tão silenciosamente como apareceu. Clara diz, entre
23
VERÍSSIMO, 1995, p. 428
24
A CASA…, 1993, 00:05:29
25
Ibid., 00:06:28
26
Ibid., 00:37:00
27
Ibid., 01:41:19
10
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
Telecinesia
Quando Esteban se apresenta para pedir a mão de Rosa, Clara, ainda uma
criança, se entretém movendo com a sua mente um vaso com flores. Sem
demostrar estranheza alguma, Esteban pega o vaso em movimento para
evitar sua caída ao chão. 29
Muitos anos depois e em plena lua de mel, Clara eleva uma mesinha só com
olha-la, nesse momento seu marido a retorna a seu lugar, como quem
concerta a travessura de uma criança.30
28
Ibid., 01:05:20
29
A CASA…, 1993, 00:03:54
30
Ibid., 00:29:30
31
VERÍSSIMO, 1995, p. 8-14
32
Ibid., p. 14-15
33
Ibid., p. 197; 438-444; 657-664
34
Ibid., p. 223-284
35
Ibid., p. 388-396; 492-494; 518-519
36
Ibid., p. 187; 205-213
11
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
de viagem :
24 de abril. – Cruzamos esta manhã o Rio Uruguai, numa balsa, e entramos
em território do Brasil. [...]37
Essa marcha dos mortos [...] seria descrita [...] por Lucas Faia: Foi na última
sexta-feira 13 deste cálido e, já agora, trágico dezembro. O dia amanheceu
luminoso, de céu limpo e translúcido [...]38
De modo similar, no filme, a narradora, Blanca, se baseia no diário de sua mãe para
contar a história da sua família.
No princípio, Blanca explica que a sua mãe escreveu seus cadernos “de guardar a
vida” para poder seguir o transcurso do tempo 40.
Desde criança, Clara escrevia tudo, segundo ela para poder ver as coisas em sua
dimensão real. E é escrevendo no seu caderno como a menina aparece na cena em
que Esteban vá a pedir a mão da sua irmã Rosa 41.
Em outra ocasião, Clara, já adulta, está escrevendo seu diário quando o marido a
interrompe para tentar congraçar-se depois de brigar com ela 42.
É importante ressaltar o papel que joga a escritura nas duas obras como ferramenta
para manter viva a memória e contrapesar a intenção, própria dos regímenes
autoritários, de silenciar a verdade crítica.
É por isso mesmo que o professor Martim Francisco disse a seus amigos quando se
37
Ibid., p. 8
38
VERÍSSIMO, 1995,, p. 388
39
Ibid., p. 438-439
40
A CASA…, 1993, 0:02:00
41
Ibid., 0:03:02
42
Ibid., 0:56:20
43
Ibid., 2:15:39
12
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
despedia:
E assim, como Martim Francisco redige seus diários íntimos, Clara escreve seus
cadernos de vida, Com a mesma intenção com que de que sirvam para resgatar as
coisas do passado e ajudem a sobreviver ao próprio espanto 46.
Atravessadas por um forte conteúdo político e crítica social, cada uma das obras
encerra um grande leque de ideologemas que caracterizam diversas posições
ideológicas.
44
VERÍSSIMO, 1995, p. 715
45
VERÍSSIMO, 1995, p. 695
46
A CASA…, 1993, 2:15:30
47
"conservadorismo", in iDicionário Aulete: online, 2008. Disponível em
<http://aulete.uol.com.br/conservadorismo > Acesso em: 28 jun. 2014.
48
VERÍSSIMO, 1995, p. 88
49
Ibid., p. 71
13
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
Os dois fazendeiros não duvidam em usar a força das armas para impor seu poder:
[O] Cel. Vacariano [...] propôs voltar para a cidade, reunir os seus
“caboclos”, armá-los, tornar à esplanada e romper as fileiras proletárias
usando da maior violência possível, “pra que isso sirva de escarmento a
esses bandidos comunistas”.52
Também Trueba se mostra disposto a utilizar a força para manter sua autoridade.
Como na cena em que ele se topa com o Pedro exortando aos camponeses para
lutar pelos seus direitos. Perante semelhante situação, o patrão os ameaça com um
rifle para que voltarem ao trabalho e termina açoitando o Pedro por seu desaforo 53.
[...] enquanto eu estiver vivo, hei de espernear, gritar, queimar até o último
cartucho defendendo o que me pertence, o que herdei de meu pai (tanto
terras e títulos e gado, como tradições) [...] Ninguém põe a mão no que é
meu sem a minha licença. Não aceito essas idéias modernas de socialismo,
comunismo e sei lá quê mais55.
Por sua vez, Trueba receia que o governo socialista aproprie sua fazenda e a
entregue ao povo, para prevenir isso acha conveniente fazer alguma coisa e
depressa. Ao igual que o coronel gaúcho, o senador não dispensa o uso a força para
defender sua propriedade, mas ele reclama a intervenção dos militares para que
instaurem a ordem no país56.
50
Ibid., p. 74
51
A CASA…, 1993, 1:04:30
52
VERÍSSIMO, 1995, p. 336
53
A CASA…, 1993, 1:01:56
54
Ibid., 1:04:22
55
VERÍSSIMO, 1995, p. 155-156
56
A CASA…, 1993, 1:39:30
14
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
Esse mesmo tipo de ordem imposta pelos militares é a reclamada pelo Cnel.
Vacariano quando diz:
Como podemos avaliar, tudo isso traz à colação a propensão desses grupos
conservadores para aliar-se com as forças armadas para derrocar os governos
populares:
De fato, tanto o fazendeiro chileno como seu colega brasileiro aderem à desejada
intervenção militar:
Conclusão
A análise comparativa destas obras nos permite observar uma série de traços
comuns, tanto no formato narrativo quanto na maneira de retratar a sociedade, como
ser a inclusão de fatos históricos para encenar a ficção, elementos sobrenaturais
para recriar uma realidade maravilhosa e, finalmente, a estratégia narrativa da
metaliteratura a modo de moral. Tudo isso põe em destaque as relações
intertextuais que se estabelecem entre os dois discursos examinados.
57
VERÍSSIMO, 1995, p. 710-711
58
VERÍSSIMO, 1995, p. 280
59
Ibid., p. 144
60
A CASA..., 1:47:03
15
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
16
Marcelo Levit
Literatura Brasileira
REFERENCIAS
A CASA dos espíritos. Diretor: Bille August. Produção: Intérpretes: Jeremy Irons, Meryl Streep,
Antonio Banderas, Wynona Rider e outros. [S.l.]: 1993 online (143 min). Dublado ao português.
Baseado no romance “La casa de los espíritus" de Isabel Allende. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=IMLSe0h1LOc> Acesso em: 7 jun. 2014
BIBLIOTECA NACIONAL DE CHILE. Salvador Allende Gossens (1908-1973) (s.f.). Memoria chilena.
Disponível em: < http://www.memoriachilena.cl/602/w3-article-799.html> Acesso em: 28 jun. 2014.
ALENCAR, M. A magia da América Latina. Caderno Globo Universidade, Ed. Globo, n. 3, p. 50-55,
2013. Disponível em:
<http://especial.globouniversidade.redeglobo.globo.com/livros/CadernoGUSaramandaia.pdf> Acesso
em: 30 jun. 2014.
______. Realismo Maravilhoso: o realismo de outra realidade. Caderno Globo Universidade. Ed.
Globo, n. 3, p. 12-22, 2013b. Disponível em:
<http://especial.globouniversidade.redeglobo.globo.com/livros/CadernoGUSaramandaia.pdf> Acesso
em: 30 jun. 2014.
GASPARETTO Jr., A. Causas do Golpe Militar de 1964. História brasileira: 17 fev. 2010. Disponível
em: <http://www.historiabrasileira.com/brasil-republica/causas-do-golpe-militar-de-1964/ > Acesso em:
28 jun. 2014.
17