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O EMPREENDIMENTO DA TELE-ENTREGA
Uma análise da prática socioespacial a partir da prestação do serviço em
Viçosa, Minas Gerais
O EMPREENDIMENTO DA TELE-ENTREGA
Uma análise da prática socioespacial a partir da prestação do serviço em
Viçosa, Minas Gerais
ii
Esta Monografia foi aprovada como requisito parcial à conclusão do Curso
de Bacharelado em Geografia do Departamento de Geografia da
Universidade Federal de Viçosa – UFV
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________
Professor Ronan Eustáquio Borges- Avaliador
________________________________________
Professor Leandro Dias Cardoso Carvalho – Avaliador
________________________________________
Professor José Augusto Martins Pessoa – Orientador
iii
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe, Manuela, pelo carinho e cuidado e a meu pai, Vítor, que com o
trabalho do dia-a-dia possibilitou que eu chegasse até aqui. Agradeço às minhas irmãs,
Monaliza e Patrícia, pelo carinho e amizade e pela ajuda incondicional.
Agradeço a Darlan pelo incentivo sempre.
Agradeço em especial à minha segunda família, um presente que ganhei ao vir pra
Viçosa: Marli, Tarcísio, D. Maria (Vó), Zé, Lú, Dani e Renatinha, obrigada por me
acolherem com tanto carinho. A convivência com vocês tornou minha estada em Viçosa
mais especial.
Aos colegas da Geo 2004, Amigos do Cores da Terra, do Teia, do Museu de Ciências da
Terra, do GEP e de Nova Viçosa pelo aprendizado, dos livros e da vida.
À Carol (ARQ) pela ajuda nos momentos finais da monografia.
Aos amigos e amigas: Camila, Ana, Patrício, Vanessa, Marcelo, Penha, Pedrinho e
Carol (do Teia).
iv
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS vi
RESUMO vii
INTRODUÇÃO 1
QUESTÃO NORTEADORA 4
UNIVERSO DA PESQUISA 7
OBJETIVOS 11
CONCLUSÃO 43
BIBLIOGRAFIA 46
v
LISTA DE FIGURAS
TABELA 2.2.2 – RELAÇÃO DOS CADASTRADOS NO SINE VIÇOSA, JANEIRO DE 2005 A JULHO
DE 2006 23
vi
RESUMO
Abordamos a prática socioespacial a partir do recorte da atividade de tele-
entrega em Viçosa, Minas Gerais. Apoiados na categoria trabalho desvendamos alguns
aspectos da re-produção do trabalho e do espaço, no atual momento de difusão do
processo de urbanização aqui, na periferia do capitalismo. Para a realização da pesquisa
foram feitas visitas às empresas de tele-entrega, entrevistas semi-estruturadas,
observação não-participante, análise de fontes primárias e secundárias.
Na parte introdutória apresentamos o tema e a maneira como este se mostra à
realidade socioespacial, bem como a delimitação do universo da pesquisa, os objetivos e
os procedimentos teóricos e metodológicos adotados.
No primeiro capítulo abordamos a atividade de tele-entrega a partir de sua
importância para a atual lógica de acumulação dos capitalistas e da re-produção do
trabalho para diversos sujeitos sociais.
No segundo capítulo analisamos atividade de tele-entrega em Viçosa através da
gênese das empresas, das características dos empregadores e dos trabalhadores do
serviço, do modo de inserção dos trabalhadores nesta atividade, da rotina e da
organização do trabalho, das características dos usuários, bem como as principais
mercadorias comercializadas. A espacialização dos dados nos permitiu apreender parte
da realidade socioespacial no atual momento do processo de urbanização em Viçosa.
Ao fim da pesquisa indicamos que a prestação do serviço de tele-entrega
constitui um importante e precário meio de re-produção do trabalho no atual momento
da urbanização em Viçosa, sobretudo para jovens do sexo masculino. A análise da
localização dos usuários e dos trabalhadores deste serviço, no tecido urbano, nos revela
que a “implosão-explosão” das antigas formas da cidade reafirma a segregação
socioespacial, restando aos trabalhadores do serviço de tele-entrega, peças importantes
ao processo de difusão da modernização na periferia do capitalismo, a urbanização
desurbanizada.
vii
Introdução
1
De acordo com informações contidas no Relatório de Auto-Avaliação Institucional da Universidade Federal de Viçosa, de março
de 2007, página 8, Viçosa tem “Sua população permanente de, aproximadamente, 71.624 habitantes (dados 2004) dos quais 92,19%
localizam-se zona urbana e 7,81% na zona rural. Sua população flutuante supera a casa de 12.000 habitantes”. Disponível em
<http://www.cpd.ufv.br/cpa/doc/autoAvaliacao.pdf>. Acesso em: 17 set 2008.
2
A rigor seria mais correto pensar, conforme as diversas faces da dinâmica socioespacial hoje aqui encontradas, há uma
concomitância de experiências oriundas destes diversos modos de vida que se reafirmam a todo instante, recriando conflitos nas, e
entre, os diferentes níveis da prática socioespacial.
1
EIXO ESPAÇO-TEMPORAL DE VIÇOSA
0% Séc. XVIII/ XIX Séc. XIX/XX 1926 (...) 1970 ... 100%
Abastecer as “Minas” Cafeicultura ESAV/UREMG UFV “Zona Crítica”
CARACTERÍSTICAS
FIGURA I
3
Grupo de Estudo e Pesquisa, em consolidação, o qual integra a Linha de Pesquisa Vida Cotidiana e Produção do Espaço Urbano do
2
Viçosa, nos coube indagar sobre as características e implicações do atual processo de
modernização socioespacial em Viçosa, o qual, ao novo ver, decorre em grande parte da
interação (direta ou indireta) da população “de Viçosa” com “os de fora”.
Para atender a estas pessoas: estudantes, professores, prestadores de serviços,
dentre outros, vindas de diversas partes do país e também do exterior, tem surgido e
crescido uma variedade de serviços especializados e não especializados, sobretudo
atividades que envolvem, quase sempre, relações de hospitalidade4 entre trabalhadores
viçosenses e usuários não-viçosenses. Dentre estas atividades destacamos o serviço de
tele-entrega.
Atividade do seguimento de mercado de prestação de serviços, a tele-entrega e o
serviço do motoboy, seu posto de trabalho mais evidente, têm ganhado destaque cada
vez maior em manchetes de jornais e revistas, impressos e eletrônicos, dada a sua
efervescência nos grandes centros urbanos no Brasil. Em uma recente reportagem da
revista “Retrato do Brasil”, edição outubro/novembro de 2008, os motoboys são
classificados como “Exército da Salvação” para o caótico trânsito de São Paulo. Seja
como solução aos problemas do trânsito (para uns), opção de emprego (para outros) ou
nova maneira de comprar mercadorias (para os que vendem e para os que usam o
serviço), o fato é que esta atividade, típica de grandes centos urbanos, também se
encontra difundida aqui. Portanto, ela não nos revelaria elementos à compreensão do
processo de urbanização no qual estamos imersos?
Desta forma, analisamos a prática socioespacial a partir do recorte do serviço de
tele-entrega em Viçosa, Minas Gerais, apreendendo as espacialidades e temporalidades
imbricadas nesta atividade. Através das objetivações de seus sujeitos nos foi revelado
não só como os mandos do capital repercutem nos meios periféricos, mas como se dá a
reprodução do trabalho e do espaço em Viçosa, no atual momento de difusão da
modernização.
GEMAPP/CNPq/UFV: Grupo de Elaboração, Monitoramento e Avaliação de Projetos Sociais. Coordenado pelo prof. Dr. José
Augusto Martins Pessoa e pelo Mr. José Raimundo Silva Costa, o GEP reúne alunos dos cursos de Geografia e Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa.
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Dentro da abordagem teórico-metodológica, adotada pelo GEP, entendemos por relação de hospitalidade as relações de
reciprocidade tanto simétricas quanto assimétricas, ou seja, entre sujeitos sociais “iguais” ou “diferentes”, tendo em vista suas
diversas inserções e condições objetivas de vida quanto ao uso, a troca e ao valor. Neste sentido, podemos indicar a recorrência do
que poderíamos denominar de modos diversos de reciprocidade baseados ora na forma-dádiva, ora na forma-cordial e ora na forma-
mercadoria, hoje presente na vida cotidiana dos, e entre os diferentes segmentos sociais. Estas relações têm se mostrado como
indutores e aceleradores da reprodução do trabalho, do espaço e do tempo neste momento histórico em Viçosa.
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QUESTÃO NORTEADORA
A fim de espacializar e desvendar um fragmento do processo que culmina na re-
produção do trabalho e do espaço em Viçosa, partimos do livro de Henri Lefebvre, “A
Revolução Urbana” (1999), no qual o autor levanta a hipótese da “urbanização completa
da sociedade”. Tomamos como objeto teórico de estudo a “sociedade urbana”, uma
virtualidade para o filósofo. “Denominaremos ‘sociedade urbana’ a sociedade que
resulta da urbanização completa, hoje virtual, amanhã real” (LEFEBVRE, 1999, p. 15).
Contudo, a análise de um objeto cujo espaço e tempo ainda estão sendo
gestados, e em parte produzidos, no seio das sociedades que o antecede, requer apoio
em um objeto empírico para que, no movimento do pensamento, seja revelada a
potencialidade do devir. De tal modo, tomando como objeto empírico a prática
socioespacial engendrada pelo serviço de tele-entrega em Viçosa, indicamos como
questão norteadora que esta atividade pode nos revelar elementos que permitem elucidar
como se dá a reprodução do trabalho e do espaço em Viçosa no momento atual do
processo de urbanização.
O filósofo Henri Lefebvre (1999, p. 77), em “A Revolução Urbana”, nos propõe
noções metodológicas que “permitem introduzir certa ordem nos confusos discursos
concernentes à cidade e ao urbano”. Trata-se, pois de pautar a análise tomando os
diversos níveis da prática espacial, a saber: nível Global (G), nível Misto (M) e nível
Próximo (P). Lefebvre sugere e defende, ainda, a necessidade de decodificarmos a
realidade urbana a partir do nível Próximo, do habitar, até então negligenciado.
Contudo, o autor não descarta a importância do nível Misto como um ponto de partida.
Pois, “Se o global quer reger o local, se a generalidade pretende absorver as
particularidades, o nível médio (Misto: M), terreno de defesa e ataque de luta, pode
servir. Porém, ele permanece meio” (LEFEBVRE, 1999, p. 87).
Portanto, neste trabalho, ao abordar o serviço de tele-entrega tomando como
interlocutores os sujeitos que oferecem e prestam este serviço em Viçosa, partimos do
nível Médio, dos aspectos do econômico, o terreno intermediário entre o local e o
global, cientes de que é imprescindível prosseguir na pesquisa (projeto futuro), alcançar
a raiz das coisas, chegar ao habitar, até então negligenciado. Pois, no que diz respeito à
importância dos níveis Global, Médio e Próximo, Lefebvre (1999, p. 88) salienta que o
“Urbano se define pela unidade desses últimos níveis, com predomínio do último
(índice P)”.
No decorrer do trabalho, para melhor elucidação do modo como se dá a
4
propagação acelerada da urbanização no “mundo” contemporâneo, recorremos a David
Harvey (2004), em “Condição Pós-Moderna”, mais precisamente quando ele trata da
transição do fordismo ao modo de acumulação flexível (assim denominado pelo autor),
ocorrida a partir da década de 1970 nos países centrais do capitalismo. Segundo Harvey,
este processo implicou em mudanças de normas, hábitos, atitudes culturais e políticas,
constituindo as bases de um individualismo exacerbado, sem o qual muito dificilmente
ocorreria a transição de uma fase à outra. Entretanto, ele admite ser difícil compreender
a natureza dessas mudanças, pois no geral, não se trata de claras rupturas. A questão
aqui consiste em analisar a prática do serviço de tele-entrega em Viçosa tendo em vista
o nosso contexto de transição, “incompleta” ou derivada, e as implicações do atual
processo de modernização capitalista para a reprodução do trabalho e do espaço neste
lugar, ou local (?), do tecido urbano.
Neste sentido, muito contribui ao desenvolvimento do trabalho os conceitos e
noções desenvolvidas pelo sociólogo José de Souza Martins, principalmente as contidas
em seu livro “A Sociabilidade do Homem Simples: cotidiano e história na modernidade
anômala”, o qual, no âmbito da sociologia, tem nos esclarecido sobre o processo de
difusão da modernização no Brasil, anômalo e desumanizado.
A categoria conceitual trabalho, tida enquanto condição ontológica do homem,
aqui é abordada tendo em vista sua centralidade para a sociabilidade no mundo
contemporâneo. Neste sentido, incluímos as contribuições de Ricardo Antunes, em “Os
Sentidos do Trabalho” (2000), quando este amplia a noção marxiana de classe
trabalhadora e nos esclarece sobre as mutações ocorridas no mundo do trabalho.
Partindo do advento da acumulação flexível, quando muitos autores profetizaram o fim
da centralidade do trabalho, Antunes (2000) vai nos chamar a atenção para a existência
da “classe-que-vive-do-trabalho”.
Ao contrário dos autores que defendem o fim das classes sociais, o fim da
classe trabalhadora, ou até mesmo o fim do trabalho, a expressão classe-que-
vive-do-trabalho pretende dar contemporaneidade e amplitude ao ser social
que trabalha, à classe trabalhadora hoje, apreender sua efetividade sua
processualidade e concretude. (ANTUNES, 2000, p.101).
5
constrangimentos, sem tornar residual o que outrora fora vigente. Desta forma,
admitimos, em acordo com Salgueiro (2001), que todo lugar, por resultar da relação
social, é espacialidade.
Em Viçosa encontramos a coexistência de espaços apropriados por diferentes
usos e ações sociais que se realizam no interior de experiências de ritmos. O ritmo de
trabalho do motoboy é diverso do ritmo do professor universitário da instituição
pública. Também, o ritmo do estudante universitário que vem de uma família nuclear se
diferencia do de outro estudante, também universitário, cuja família tem todas as
características patriarcais. Ainda, em “tempos de globalização”, quando as tecnologias
da informação (informática, telefonia, satélites artificiais) tendem a encurtar as
distâncias, os tempos socialmente produzidos são cada vez mais diversos. Logo, é da
diversidade de apropriações do espaço e de ritmos do tempo que se fazem presentes as
espacialidades e temporalidades contemporâneas, ou seja, desiguais e combinadas.
Contemporâneas porque uma vez analisadas percebe-se que o passado não se anula,
resiste em formas residuais ou plenas, às vezes como resistência, outrora como atraso.
Contemporâneas porque cada sujeito e grupo social trazem em si, consigo, as marcas de
tempos e espaços que os constituem enquanto ser social, e na sociabilidade com outros
sujeitos novos tempos espaços que se formam.
6
condição e possibilidade, por isso, é o campo de onde partem as investigações.
UNIVERSO DA PESQUISA
Se nos ativermos às propagandas dos mais diversos estabelecimentos comerciais
em Viçosa: papelarias, drogarias, supermercados, laboratórios de análises clínicas,
pizzarias, lanchonetes, bares, restaurantes, pet shops, etc., veremos que o serviço de
entrega em domicílio não é disponibilizado somente pelas empresas especializadas nesta
atividade. Contudo, nestes estabelecimentos o serviço de tele-entrega é apenas um
complemento à atividade maior da empresa, qual seja a comercialização “normal” de
produtos, fato que, nesta pesquisa, contribuiu para a não inclusão destas no universo da
pesquisa.
Logo, nesse trabalho foram consideradas apenas as empresas especializadas no
serviço de tele-entrega. Ou seja, aquelas cuja principal forma de contato (inicial) com os
clientes é através do atendimento remoto, por telefone. Outros critérios utilizados para o
levantamento das empresas foram: funcionamento em um local fixo, uma infra-estrutura
mínima de funcionamento (linha telefônica, motos), um nome fantasia, com o qual a
empresa se apresenta aos consumidores e o fato de oferecerem o serviço de motoboy
como um de seus produtos. Não foi usado como critério de seleção o fato destas
empresas serem formais ou informais, legais ou “ilegais”.
Compreendemos que tal atividade se situa entre o setor de comércio e de
serviços, pois pode haver venda e entrega de mercadorias ou somente a prestação de
serviços, sendo, em todos os casos, indispensável o trabalho do motociclista
profissional, aqui denominado “motoboy”. De qualquer forma, a principal característica
desta atividade é compra e entregas de mercadorias (produtos ou serviços) sem que haja
o deslocamento físico do usuário, desde que para isso seja utilizado algum aparelho
técnico-informacional (para se solicitar o serviço) e um aparelho técnico de transporte
(para se concretizar a atividade). Nos casos levantados em Viçosa utiliza-se
principalmente o telefone, fixo e móvel, e a motocicleta.
Ainda, no que tange às novas modalidades de trabalho com incorporação de
tecnologia da informação, há o chamado teletrabalho. Entretanto, apesar da tele-entrega
e do teletrabalho se inserirem em um mesmo universo, faz-se necessário uma distinção
entre ambos. “Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) o teletrabalho é
qualquer trabalho realizado num lugar onde, longe dos escritórios ou oficinas centrais, o
7
trabalhador não mantém um contato pessoal com seus colegas, mas pode comunicar-se
com eles por meio das novas tecnologias” (ESTRADA, 2008, p. 4). Já o serviço de tele-
entrega, assim entendido por nós, implica no relacionamento diário de empregadores e
empregados em um local de trabalho estabelecido de maneira fixa, podendo ser até
mesmo a casa do empregador, mas nunca a do empregado.
Definido os critérios que delimitam o objeto, foram levantadas sete empresas de
tele-entrega em Viçosa, as quais serão denominadas “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F” e
“G”, cuja ordem se refere à seqüência em que foram cedidas as entrevistas. A opção
pela adoção de letras, ao invés dos nomes, deve-se ao fato de em duas empresas as
entrevistas terem acontecido com seus funcionários, portanto, não foi possível saber dos
proprietários se poderíamos divulgar os nomes de suas empresas. Exceto nestes dois
caoso, os interlocutores diretos foram os donos dos estabelecimentos visitados. O
universo da pesquisa abarcou diretamente sete sujeitos e indiretamente mais de
cinqüenta sujeitos, empregados das empresas de tele-entrega em Viçosa. Nos sete
estabelecimentos visitados foram contabilizados cinqüenta e quatro pessoas (dentre
empregadores e empregados). Entretanto, devido fortes características do emprego de
tipo familiar, em todas as empresas visitadas, é possível que haja mais sujeitos
envolvidos na atividade, pois nem sempre os trabalhadores familiares são
contabilizados.
8
estratégias do capital em diminuir o tempo de realização e acumulação da mais-valia. Se
isto tem validade, a análise das bases e implicações desta atividade, situada aqui na
periferia do capitalismo, confirma e reforça o fato de no advento do período
denominado por Santos (2006) de “técnico-científico-informacional”, em que se dá a
produção cada vez maior de valores de troca, para o modo de produção capitalista “a
aceleração do tempo de giro na produção teria sido inútil sem a redução do tempo de
giro no consumo” (HARVEY, 2004, p.148).
Assim, através de aproximações sucessivas, poderemos compreender o
fenômeno de reprodução socioespacial em seu movimento, portanto, “Não se trata de
localizar no espaço preexistente uma necessidade ou uma função, sim o contrário, de
espacializar uma atividade social, vinculada a uma prática em seu conjunto, produzindo
um espaço apropriado” (LEFEBVRE, 1976, p.9).
Trata-se, portanto, de nos orientarmos pelo que revela a geógrafa Amélia
Damiani (2003) quando esta em “O urbano no mundo da mercadoria”, nos esclarece que
nos dias atuais “o urbano constitui uma mercadoria primordial e através de sua análise
compreendemos não só o urbano, a urbanização enquanto negócio, mas também os
limites, as características e a potência do movimento do capital no Brasil” (DAMIANI,
2003, P. 369). Para isso, foi preciso uma revisão bibliográfica a respeito das recentes
transformações ocorridas no mundo capitalista, tendo em vista, sobretudo as incidências
destas em nosso país.
Devido à característica do objeto, e em se tratando de uma investigação que se
inscreve nos campos das ciências humanas, optamos pela pesquisa qualitativa. Esta
“parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito,
uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o
mundo objetivo e a subjetividade do sujeito” (CHIZZOTTI, 1995, p. 79). Além disso, a
possibilidade de emprego de técnicas variadas para coleta de dados primários, a
consulta a dados secundários, bem como o contato direto com os interlocutores foram
pontos relevantes à escolha.
O objeto da pesquisa implica relações tangíveis e não-tangíveis que se projetam
fisicamente em lugares diferentes, da bolsa de valores à cozinha de uma casa, por
exemplo, e se apresentam na “unidade característica do ‘real’ social, o agrupamento:
formas-funções-estruturas” (LEFEBVRE, 1999, p. 80). Desta forma, tratou-se de
ultrapassar os limites concernentes à dicotomia campo X cidade e adotar a noção de
tecido urbano.
9
A concentração da população acompanha a dos meios de produção. O tecido
urbano prolifera, estende-se, corrói os resíduos da vida agrária. Estas
palavras, o tecido urbano, não designam, de maneira restrita, o domínio
edificado nas cidades, mas o conjunto das manifestações do predomínio da
cidade sobre o campo (LEFEBVRE, 1999, p.17)
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observação não-participante e anotações em um diário de campo. Os dados foram
espacializados e tratados pela análise de conteúdo.
OBJETIVOS
Gerais
Através da análise da atividade de tele-entrega desejamos apreender os efeitos do
recente processo de difusão da modernização para a reprodução do trabalho e do espaço
em Viçosa.
Específicos
• Identificar a gênese e o desenvolvimento do serviço de tele-entrega em Viçosa,
Minas Gerais;
• Compreender os fatores relacionados à localização das empresas de tele-entrega
no tecido urbano em Viçosa e os principais sujeitos que fazem uso do serviço;
• Identificar os principais tipos de sujeitos que constitui os empresários e os
trabalhadores da tele-entrega, quanto ao gênero, idade, lugar de origem e de
moradia, grau de escolaridade, etc;
• Analisar as principais formas de inserção dos trabalhadores no serviço de tele-
entrega em Viçosa, experiências em trabalhos anteriores, vínculo empregatício,
jornada de trabalho, rendimento mensal, etc;
• Identificar os principais tipos de produtos e/ou mercadorias que são distribuídos
pelo serviço de tele-entrega em Viçosa;
Capítulo 1
UMA ABORDAGEM DO SERVIÇO DE TELE-ENTREGA: A RE-PRODUÇÃO DO TRABALHO
11
“distribuição de instrumentos de produção e [...] distribuição dos membros da sociedade
entre os diferentes gêneros de produção” (MARX, 1974, p. 285). Sendo assim, está
inserida na divisão social e territorial do trabalho, agora pela alargada possibilidade de
exploração da “classe-que-vive-do-trabalho”.
Portanto, o serviço de tele-entrega se torna importante à lógica global de
produção capitalista porque, mesmo sendo uma atividade improdutiva, complementa o
setor industrial ao capilarizar o consumo (direto ou indireto) de produtos
manufaturados. Neste sentido, Viçosa, como um lugar no mundo, insere-se de maneira
marginal na rede global de troca, circulação e consumo. Usando dois conceitos
desenvolvidos por Milton Santos (2006), nesse processo onde “horizontalidade” e
“verticalidade” se encontram é que Viçosa ocupa seu lugar no espaço global.
Contudo, não se trata de um espaço global, homogêneo. É preciso recordar os
antecedentes históricos responsáveis pela assimetria entre o econômico e o social: o
processo de modernização da sociedade capitalista se deu sob um abismo tecnológico,
econômico e social sem precedentes de modo que os países periféricos cumpriram e
continuam a cumprir seu papel de mantenedores do modo de produção capitalista por
meio da “inclusão precária, marginal e instável”, conforme tão bem nos esclarece o
sociólogo José de Souza Martins (1997, p. 30) em “Exclusão Social e a Nova
Desigualdade”.
Neste sentido, longe de se concretizar as potencialidades de uma vida social
mais igualitária, a sociedade gestada no seio das recentes transformações “tecno-
científico-informacionais” acompanha o encurtamento das distâncias e com isso vê
aumentar o fluxo de mercadorias, mas, para grande parcela da população, as
potencialidades da modernização não passam de promessas da modernidade. Como
salienta José de Souza Martins (1997) há uma integração econômica (já que as pessoas
têm que ganhar dinheiro para sobreviver), mas uma desintegração moral e social, dada
as condições de trabalho a qual está submetida grande parte da sociedade.
12
entrega, devido à diversidade de prescrições quanto ao uso e ao transporte de
medicamentos, os autores, em um estudo bem específico, dentro das ciências
farmacêuticas, buscaram avaliar o grau de cumprimento da legislação cabível ao caso.
De acordo com os autores as dificuldades em se avaliar o comportamento das empresas
farmacêuticas que disponibilizam aos seus clientes o “atendimento remoto” são
agravadas pela inexistência de uma normatização específica para a prestação deste
serviço no ramo farmacêutico.
Francisco da Silva (2004) explicita como funciona o “teletrabalho” na cidade de
Natal por meio de uma abordagem descritiva das redes de farmácias, dos serviços de
telemensagem e agências de turismo. Em seu trabalho o autor parece depositar extrema
confiança no desenvolvimento tecnológico, chegando a declarar que “o mundo do
futuro será o mundo da integração de forças, o qual será proveitoso a quem souber
interagir e tirar proveito das interfaces. Esse mundo exigirá novas instituições para
articular os seres humanos com o conhecimento e as tecnologias”. Neste caso, parece
que para o autor, a propagação da demanda e da oferta dos serviços de tele-entrega,
assim como os tele-trabalhos, revelaria a face positiva do processo de modernização.
Contudo, se levarmos em conta o fato de que a modernização, aqui, não se dá de forma
homogênea, não é na mesma perspectiva de um otimismo “tecnológico” que se encara o
fato neste trabalho.
Entre dados estatísticos e prospectivas do mercado evidencia-se, conforme
apontado por Diniz (2003) em “Entre as Exigências de Tempo e os Constrangimentos
do Espaço: as condições acidentogênicas e as estratégias de regulação dos motociclistas
profissionais”, que a tele-entrega, e seu posto de trabalho mais evidente, a atividade do
motoboy, parece ser reflexo de um salve-se quem puder, no atual momento histórico do
desenvolvimento do capitalismo. Entretanto, apesar da crescente importância desta
atividade para a circulação de pequenas cargas e documentos nos grandes centros
urbanos, são poucos os estudos, científicos, que abordam o caso:
13
entrega vitima trabalhadores, os quais, uma vez possuindo somente o corpo como
oferta, se submetem aos desígnios do capital, arriscando suas vidas e engrossando as
estatísticas dos acidentes de trânsito nos centros urbanos. Hatem Diniz (2003) no âmbito
de seu trabalho de mestrado na Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas
Gerais, concluído em 2003, estudou o caso dos trabalhadores motoboys em Belo
Horizonte e Uberlândia e identificou, dentre outros fatores, que a pontualidade exigida
pelos clientes da tele-entrega é um agravante da precarização das condições de trabalho
dos motoboys. A partir dos estudos de Diniz uma tentativa de melhorar as condições de
trabalho dos motociclistas do estado surgiu em 2005 com a assinatura de uma
Convenção Coletiva5 que deverá “garantir condições adequadas de trabalho aos
motociclistas de Minas Gerais” (MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, 2005).
Contudo, apesar desta importante conquista, o desenvolvimento da atividade de
tele-entrega tende a se intensificar fazendo necessário o desenvolvimento de políticas
públicas que abarquem os motociclistas profissionais de todo o país.
Em época de grande crise econômica, a facilidade em se adquirir uma
motocicleta veio a calhar para muitos trabalhadores, principalmente jovens, que sob a
ameaça do desemprego vêem na prestação do serviço de motoboy uma grande
oportunidade de geração de renda. Em declaração à Diniz (2006), o gerente nacional de
vendas da empresa Sundown, uma das maiores fabricantes de motocilcetas do país,
alega que o baixo preço e o maior número de parcelas são atrativos indiscutíveis para
quem quer entrar no “ramo”. Em contraposição, a ABRAMET – Associação Brasileira
de Medicina de Tráfego- em declaração a Borges (2005), acusa as montadoras de terem
usado “um artifício, que é o desemprego, para alavancar as vendas, reforçando a idéia
da moto como ferramenta de trabalho”.
No Brasil, de acordo com informações da Câmara dos Deputados (2007), há
cerca de três milhões de trabalhadores motociclistas (motoboys e mototaxistas). Mas,
por falta de informações oficiais sobre a atividade, o Projeto de Lei 6302/02, que
regulamenta a profissão, ainda não foi aprovado. Neste caso, as normas e leis que
regulamentam a atividade deveriam ficar a cargo dos municípios. Entretanto,
5
Convenção Coletiva de Trabalho – CCT é um acordo normativo firmado entre os sindicatos de empregados e de empregadores e
visa complementar a CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas.
14
tem caráter essencial’. Apesar disso, em resposta a uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade impetrada pela Confederação Nacional de Transportes,
o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o assunto é de competência
exclusiva da União, o que invalida as leis municipais que regulamentam os
serviços profissionais de moto (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2007)
15
acréscimo no número de usuários.
Em Viçosa, segundo Ribeiro Filho (1997), na década de 1925 a rede telefônica,
a cargo da Companhia Telefônica Viçosense, era incipiente se comparada ao número
das edificações. Quase três décadas depois, em 1950, Viçosa contava com uma
população de 36588 habitantes e tinha apenas trinta e duas linhas telefônicas para
atender a toda a cidade. Já em 2007, segundo a Teletime (2008), Viçosa, com população
de 76145 habitantes6 possuía 20574 acessos fixos de telefone instalados.
Como é típico do processo de modernização nos países periféricos, a partir do
ano 2000 aumentou consideravelmente o número de assinantes residenciais em todo
Brasil. Contudo, demorou pouco até que a onerosa taxa da assinatura do fixo levasse
cada vez mais usuários a optarem pelo pré-pago (celulares), conforme ilustra o gráfico a
seguir.
6
Dados contidos no Atlas Brasileiro de telecomunicações, elaborado pela Teletime, 2008, p. 166.
16
Mais de 80% dos brasileiros dispõem de uma renda inferior a cinco salários
mínimos e a metade nem sequer chega a dois. Se for considerado que, em
abril de 2002, o salário mínimo estava em torno de R$ 200 e um computador
pessoal podia custar cerca de R$ 2000, chega-se à conclusão de que mais da
metade da populaçãp teria sérias restrições para comprar um PC.
(TELEFÔNICA, 2002, p. 25).
17
para aquisição de motocicletas parecem ter sido condições essenciais à emergência e
difusão da atividade da tele-entrega no Brasil. Deste modo, o empreendimento da tele-
entrega parece refletir o que se presencia em outras partes do país. Atividade ligada à
circulação no tecido urbano, se espalha impulsionada por trabalhadores “invisíveis”,
criando e recriando um espaço-tempo parodoxal, quase indecifrável. E, mesmo que
ainda não inteiramente descoberta e decifrada, pode, em parte revelar como no atual
momento histórico do modo de produção capitalista a dominação no espaço e no tempo,
através da reprodução do espaço e do tempo se faz fundamental no viver de vastos
segmentos sociais em nossa sociedade, e na produção contemporânea do urbano no
Brasil.
Capítulo 2
ANÁLISE DA ATIVIDADE DE TELE-ENTREGA EM VIÇOSA, MINAS GERAIS
18
dos dados possibilitaram apreender as espacialidades resultantes desta prática.
19
próprio em um bairro próximo ao centro, resolveu se empreender em um negócio junto
com seus dois filhos. Além do trabalho destes, três rapazes fazem o serviço de motoboy.
A empresa “C” surgiu da iniciativa de um ex-auxiliar de escritório que
trabalhava na UFV. Conforme declarou o interlocutor: “duas pessoas informais bolaram
o negócio e resolveram investir no disk-cerveja, daí eu entrei como sócio”. Hoje, a
empresa que se localiza na entrada de um bairro situado próximo ao centro tem
sociedade com seu irmão e conta com dois motoboys, sendo um deles seu primo.
As empresas “A” e “G” surgiram há quatro anos, em 2004. A primeira
desmembrada de um tele-gás, após o rompimento da sociedade entre irmãos; e a
segunda da iniciativa de um ex-carteiro que resolveu abrir um tele-água e gás em um
cômodo geminado à sua casa, localizada em um bairro bem próximo ao centro. A
empresa “A” conta com apenas dois funcionários, uma atendente e um motoboy; seu
proprietário não ocupa nenhum posto de trabalho na empresa, pois desempenha outras
atividades do ramo de comércio. Já na empresa “G” seu proprietário desempenha a
função de atendente e emprega quatro motoboys.
20
burocrático ou racional e é, segundo alguns autores, uma forma de
precarização do trabalho e das condições de vida dos despossuídos de formas
de produção e de emprego (LELIS ; BORGES, 2008, p. 14).
Para David Harvey (2004, p.145), que analisou as diferentes formas de processo
de trabalho e organização da produção nos Estados Unidos após a década de 1980, o
trabalho familiar retorna como uma característica do atual momento de flexibilização do
modo de produção capitalista e representa um retrocesso em relação aos direitos
trabalhistas alcançados pela classe trabalhadora. Na atividade da tele-entrega em Viçosa
o trabalho de familiares é relevante mesmo onde o número de funcionários não-
familiares é maior. São irmãos, filhos, esposas e primos. Os primeiros desempenhando,
quase sempre, tarefas complementares à “gerência” da empresa e os últimos a atividade
de motoboy. Contudo, nem sempre o dispêndio da força de trabalho do membro da
família é levado em conta, principalmente em se tratando das mulheres. A fala do
interlocutor da empresa “D” ilustra bem o fato: “minha mãe dá uma mãozinha quando
estou apertado”. Este “dar uma mãozinha” na maioria das vezes não leva em conta as
demais atividades desempenhadas pelas mulheres. Para estas, no caso da empresa
doméstica ou daquelas cuja localização é próxima à casa do empregador, ao trabalho na
empresa se somam aos afazeres do lar.
Para Harvey (2004), o maior problema do retorno de antigos modos de trabalho
se deve ao fato da dificuldade de, no âmbito familiar, haver possibilidade de
organização dos trabalhadores. Se no âmbito da fábrica havia possibilidade de
organização da classe, em sindicatos, por exemplo, isto se torna quase impossível em
casos de trabalhos familiares e domésticos: “Os sistemas paternalistas são territórios
perigosos para a organização dos trabalhadores [...] a consciência de classe já não deriva
da clara relação de classe entre capital e trabalho, passando para um terreno mais
confuso dos conflitos interfamiliares” (HARVEY, 2004, p. 145). Aliado a estas
características, soma-se, no caso da tele-entrega em Viçosa, o desconhecimento ou até
mesmo a negligência do empregador em relação aos direitos trabalhistas de seus
empregados. Fato que aqui é agravado, além da presença do trabalho familiar, pela
relação de pessoalidade, que impera na relação entre empregadores e empregados.
Quanto aos funcionários, suas idades compreendem 19 a 38 anos. A maioria
ingressou na atividade sem experiência profissional ou advindos de empregos que
exigem baixa qualificação. Dentre as atividades já desenvolvidas por eles foi possível
identificar: ajudantes da construção civil, ajudantes em oficina mecânica, ajudantes em
21
loja de antenas, trabalhadores do comércio varejista. Dois dos quarenta e sete
funcionários, das sete empresas abordadas, desenvolvem outra atividade concomitante
ao trabalho na tele-entrega, ambos em supermercados. A maioria desses trabalhadores
só concluiu o Ensino Fundamental e todos nasceram em Viçosa.
22
TABELA 2. 2. 2
Relação dos Cadastrados no SINE Viçosa, Janeiro de 2005 a
Julho de 2006
FAIXA ETÁRIA
Nascido em nº % Nascido em nº %
1986 114 8,33% 1966 17 1,24%
1985 95 6,94% 1962 15 1,10%
1982 91 6,65% 1968 14 1,02%
1987 89 6,51% 1959 14 1,02%
1984 86 6,29% 1965 13 0,95%
1981 81 5,92% 1960 13 0,95%
1983 75 5,48% 1961 10 0,73%
1980 72 5,26% 1958 10 0,73%
1978 58 4,24% 1957 10 0,73%
1979 53 3,87% 1952 10 0,73%
1977 45 3,29% 1954 9 0,66%
1988 41 3,00% 1956 8 0,58%
1976 40 2,92% 1949 8 0,58%
1974 38 2,78% 1955 7 0,51%
1973 33 2,41% 1989 5 0,37%
1975 31 2,27% 1951 4 0,29%
1971 31 2,27% 1950 4 0,29%
1972 26 1,90% 1953 3 0,22%
1970 26 1,90% 1946 2 0,15%
1964 23 1,68% 1943 1 0,07%
1969 20 1,46% 1936 1 0,07%
1967 20 1,46% ND 1 0,07%
1963 18 1,32%
TOTAL 1385 100,00%
Fonte: SINE Viçosa (2008). Disponibilizada à autora durante pesquisa de campo.
2.3. “Tem que ter boa procedência e ser honesto” - a inserção dos trabalhadores
na atividade de tele-entrega
23
que uma nova vaga se abre esta é preenchida por algum trabalhador indicado por um
motoboy da empresa. Segundo declaração dos empregadores, a atividade desempenhada
pelos motoboys exige contato direto com clientes, quase sempre em ambientes
residenciais, tal fato exige que os funcionários escolhidos tenham “boa procedência” e
sejam “honestos”. Ainda, conforme alega um dos interlocutores, proprietário da
empresa “C”: “aparecem muitos se oferecendo pra trabalhar, mas poucos são de
confiança”. No que tange ainda às exigências para com os empregados, a “boa
aparência” e “a educação no trato com os clientes” foram requisitos citados por cinco
entrevistados, ao lado da exigência da Carteira Nacional de Habitação.
Ainda em relação à relevância das redes de sociabilidade dentro das relações
estabelecidas na atividade de tele-entrega, o mesmo se verifica entre empregadores e
clientes jurídicos. A antiga profissão exercida pelo atual empregador da tele-entrega
funciona como porta de entrada para este ampliar sua clientela. Por exemplo, o
proprietário da empresa “D”, um ex-bancário, presta serviços a bancos e a filiais de
algumas empresas sediadas em Viçosa. O ex-garçom, dentre todos os entrevistados, é o
que mais presta serviços a restaurantes, bares e lanchonetes. Já o empresário que
trabalhou na UFV hoje presta serviços a diversas áreas desta Instituição. Associado a
isso, o conhecimento para executar uma tarefa, adquirido no emprego anterior, parece
implicar não só na forma de relacionamento da empresa com seus clientes, mas também
na própria organização da rotina de trabalho.
Aqui, mais uma vez, cabe ressaltar a diferença do empregador da empresa “D”,
um ex-bancário, em relação aos demais proprietários das empresas analisadas. Este,
diferente dos outros, durante a entrevista utilizou vários termos que indicam maior
inserção no mundo modernizado: “software”, “back up de arquivos”, além de falar com
desenvoltura sobre os procedimentos legais para se abrir uma empresa prestadora do
serviço de tele-entrega e sobre as taxas e os impostos que lhes é cobrado.
A prestação de serviços a pessoas jurídicas (empresas, bancos e instituições)
dentro e fora de Viçosa é outro diferencial da empresa “D” e se explica pelo fato desta
ser a única a possuir a nota fiscal “Série A”, exigida a empresas prestadoras de serviço.
Além de transportar documentos para diversas empresas da cidade, é a única que presta
serviço para os hospitais de Viçosa quando, em caso de urgência e emergência, é
preciso buscar sangue para transfusão. Neste caso, a empresa possui uma moto mais
potente reservada para viagens longas. A caixa térmica onde são transportadas as bolsas
de sangue é cedida pelo hospital.
24
Entretanto, até mesmo a empresa “D”, com todos estes atributos que a diferencia
das demais, ainda se prende às redes de sociabilidade quando da contratação de um
novo funcionário. Interrogado sobre a forma como contrata seus trabalhadores, o dono
da empresa respondeu: “Tenho uma agenda onde anoto pedidos de emprego. A pessoa
tira a carteira e pede emprego, aí quando abre uma vaga eu chamo pra fazer um teste”.
Prática comum não só na contratação de trabalhadores da tele-entrega, um
funcionário do SINE Viçosa afirmou que as “redes de sociabilidade” são comuns no
ramo de serviços em Viçosa. Segundo este, além de pesar o fator “confiança”, pois a
prestação de serviços quase sempre implica no contato direto do empregado com o
cliente, a situação de ilegalidade da maioria das empresas ou de profissionais
prestadores de serviços, neste ramo de atividade, os inibem de procurarem funcionários
no balcão do Sistema. Pois, como este é ligado ao Ministério do Trabalho e do
Emprego, estes estariam vulneráveis à fiscalização acaso entrassem para os cadastros.
25
remuneração, chamados por ele de “a nova aristocracia do trabalho”, e a “sub-classe
mal remunerada”, maior parte a quem só resta a venda (barata) da força de trabalho.
Neste sentido, parece que a prestação de serviços se apresenta como a nova, e talvez a
única forma dos trabalhadores sobreviverem no atual momento histórico do processo da
acumulação do capitalismo.
Ainda de acordo com o economista Manuel Malaguti (2000), o ideário de que
trabalhar por conta própria é o melhor negócio, sinônimo de liberdade e realização
pessoal, não passa de falsos valores difundidos pela mídia (como exemplo o autor cita o
programa Pequenas Empresa e Grandes Negócios, exibido pela rede Globo de Televisão
nas manhãs de domingo) de modo a legitimar a política neoliberal e autoritária criadora
do Plano Real e do desmonte do trabalho formal no Brasil. Para o autor, a pequena e a
micro empresa desempenham hoje um papel social que lhes foram delegadas pelas
elites, tratando-se, portanto, de uma opção política.
Neste sentido, a grande rotatividade dos motoboys nas empresas, em média dois
anos, nos indica que a atividade da tele-entrega em Viçosa é, hoje em dia, uma porta de
entrada para jovens do sexo masculino se inserir no mercado de trabalho, revelando não
apenas a precariedade do trabalho desenvolvida por estes sujeitos, mas reforçando o fato
do “sonho do empreendedor” ser ponto marcante do atual momento de reprodução do
trabalho em Viçosa.
Segundo interlocutores das empresas “C”, “D” e “G”, a atividade é buscada por
jovens com baixa escolaridade que procuram o primeiro emprego ou por aqueles que
querem migrar para um serviço “menos pesado”, como uma alternativa à construção
civil, por exemplo. Também, para quem perdeu o emprego, ingressar nesta atividade
parece ser uma crescente tendência.
Depois de adquirirem experiência, muitos trabalhadores da tele-entrega passam a
trabalhar por conta própria, utilizando telefone celular ou residencial, prestando o
serviço a pessoas físicas ou aos diversos estabelecimentos comerciais em Viçosa. A
partir daí, evidencia-se claramente o cenário de informalidade, sendo difícil contabilizar
quantos trabalhadores em Viçosa estão desempenhando esta atividade atualmente.
Esta forma precária e periférica de empreender se dá meio a conflitos que
parecem escamotear a situação precária de trabalho na qual estão submetidos tanto os
que se empreenderam quanto os que querem se empreender. Para os entrevistados, a
facilidade em se adquirir uma motocicleta e a falta de controle por parte do poder
público municipal são fatores que contribuem ao aumento do número de “motoboys
26
clandestinos”, como assim os intitularam alguns dos interlocutores, dono de empresas
que também se encontram às margens da legislação. Segundo o proprietário da empresa
“F”: “Todo mundo que perde o emprego coloca a moto na rua e fala que é motoboy”; já
a interlocutora (funcionária) da empresa “A” vê na facilidade de ingresso na atividade o
maior desafio aos empresários: “qualquer um pode ser motoboy, só tem que ter carteira
e moto”.
A possibilidade do funcionário de hoje se tornar o concorrente de amanhã
ameaça os empresários e contribui para o reforço da precarização das condições de
trabalho na atividade de tele-entrega em Viçosa. Tal fato evidencia-se na situação
relatada pelo proprietário da empresa “C”, segundo declarações deste, no ano de 2007
houve uma movimentação de alguns trabalhadores da tele-entrega, funcionários de
empresas e autônomos, cobrando maior atenção do poder público. Contrário ao
movimento, o interlocutor disse que não os apoiou porque havia “trabalhadores ilegais”
que não mereciam a mesma atenção que “os legalizados”.
Para o empregador da empresa “D”, os motoboys “clandestinos” disputam o
mercado em condições de desigualdade. Por não arcarem com as obrigações legais,
podem cobrar menos pela taxa de serviço, de R$ 2,00 (dois reais) a R$2,50 (dois reais e
cinqüenta centavos), enquanto as empresas “legalizadas” cobram R$ 3,00 (três reais).
Entretanto, para compensar a menor margem de lucro, esses têm que “rodar mais e saem
correndo pelo trânsito, colocando em risco a vida de outras pessoas e contribuindo pra
fama de mal educado que os motoboys levam”, assim declara o empresário. Este, ao
mostrar comprovante de registro de sua empresa, opina sobre os motivos da proliferação
da ilegalidade nesta atividade culpando o poder público, em suas várias instâncias, por
colocar um encargo maior sobre os trabalhadores que mesmo pagando todos os
impostos não vêem retorno. Em contrapartida, o interlocutor gostaria de ver os impostos
pagos serem empregados em cursos de capacitação para os motociclistas profissionais e
melhoria do trânsito. Acreditando na expansão desta atividade em Viçosa e se dizendo
preocupado com o que poderá se tornar esta atividade, o mesmo declara: “Eu ganho
dinheiro com isso e eles também, agora legalizar o negócio poucos fazem”.
No que diz respeito ao salário dos motoboys, em apenas um caso, na empresa
“D”, o empregador disse que seus funcionários são registrados de acordo com a
categoria que lhes cabe, motociclista profissional, com piso salarial de R$ 600,00. Na
empresa “C” o empregador não soube responder a respeito dos direitos concernentes aos
motoboys e alegou pagar um salário mínimo e meio por mês a seus funcionários, que
27
antes recebiam por entrega.
Na empresa “B” a empregadora não soube dizer sobre a categoria na qual se
enquadram seus funcionários e, em relação ao salário mensal que paga a eles, esta
declarou: “Só sei que o salário é diferenciado, acho que é um salário e pouco, mas
entrego tudo nas mãos da contadora e deixo ela resolver essas coisas”.
Nas empresas “A” e “E” os interlocutores, funcionários, não souberam informar
detalhes sobre o cumprimento das leis trabalhistas por parte das empresas nas quais
trabalham. Na empresa “A” a funcionária disse apenas que ela e o outro funcionário
possuem carteira assinada e recebem um pagamento mensal de “um salário e pouco”.
Na empresa “E” os funcionários também possuem carteira assinada, mas recebem por
entrega. Os proprietários das empresas “F” e “G”, as únicas que não possuem nenhum
registro formal, não assinam a carteira de seus empregados e os pagam por entrega.
Em relação à segurança no trabalho, apesar de em algumas empresas os
motoboys trabalharem uniformizados, com camisas que identificam a empresa, em
nenhuma delas foi verificado o uso de roupas próprias (de couro), nem antenas de
segurança nas motos, só para citar dois dos itens de segurança exigidos aos condutores
de motocicleta.
Em relação à jornada de trabalho, em todas as empresas há empregados com
jornada diária superior a oito horas, conforme pode ser visto a seguir (Tabela: 2.4.1).
Quase todos os empregadores das empresas de tele-entrega encontradas (exceto o da
empresa “A”, que segundo sua funcionária não ocupa nenhum posto de trabalho na
empresa,) trabalham mais de oito horas por dia. O caso extremo é do empregador da
empresa “F” que trabalha dezesseis horas por dia, de segunda a segunda.
7
Não inclui jornada dos patrões.
28
2.5. Rotina e organização do trabalho
29
Em relação ao horário de funcionamento, na maioria dos estabelecimentos, “C”,
“D”, “E”, “F”, “G”, o expediente de trabalho vai das sete ou oito horas da manhã até as
vinte e quatro horas. Na empresa “B” o expediente começa às oito da manhã e termina
por volta das vinte e duas horas; na empresa “A” o trabalho começa às oito horas da
manhã e termina às dezenove horas. Exceto esta última, que funciona de segunda a
sábado, todas as demais funcionam de segunda a segunda.
O número de linhas telefônicas está relacionado diretamente à capacidade de as
empresas atenderem a mais clientes em um curto período de tempo. As empresas com
maior disponibilidade de linhas telefônicas possuem mais funcionários e disponibilizam
mais produtos para entrega. Nestas, o registro digital do pedido, potencializa o trabalho
do atendente. Na empresa “D” ainda há um software que permite localizar o endereço
de onde estão sendo geradas as chamadas. Com isso, é potencializado o contato entre
atendente e motoboy; além de poder controlar o estoque de produtos e o tempo de
espera do cliente, entre uma chamada e outra.
Nas empresas de maior grau de modernização o ritmo de trabalho é mais
intenso. Nestas, durante as entrevistas, por várias vezes os interlocutores tiveram que
parar para atender aos clientes ou solucionar algum problema.
Nas empresas aqui classificadas como sendo de médio grau de modernização há
computadores, mas seus proprietários demonstraram preferência em não usá-los, mesmo
sendo possível tirar as notas de pedidos por via digital, eles preferiram fazê-lo à mão.
Ao falar sobre a rotina de trabalho, a proprietária da empresa “B” declarou: “o
computador eu uso pouco, demora muito”.
Nas empresas de baixo grau de modernização os pedidos nunca são anotados em
via digital e cada uma delas possui uma única linha telefônica para fazer o atendimento
aos clientes. Em todas as empresas o celular é usado na comunicação entre patrão e
funcionários. Fato que na empresa “D” evita que os motoboys tenham sempre que
retornar à empresa a cada prestação de serviço. Ao receber a solicitação da prestação de
um serviço, quando este não é acompanhado da comercialização de mercadorias da
empresa, imediatamente o atendente o passa para o motoboy que está na rua, evitando
que este tenha que se deslocar novamente até a empresa.
De todas as empresas, a “D” é na qual o tempo do relógio parece ser calculado
de forma mais sistemática e as ações dentro da empresa pensadas de forma a minimizar
o tempo de espera dos clientes. Contudo há elementos comuns a todas as empresas,
independente do grau de modernização ao qual foram classificadas.
30
A atenção à toponímia dos lugares e ao modo como os interlocutores
referenciam os bairros nos fornece elementos que dá indícios de que em todas as
empresas a relação socioespacial se baseia no lugar da experiência, tendo como
referência o espaço de vizinhança, o familiar. Ao serem indagados sobre o local de
moradia de seus funcionários ao invés dos nomes instituídos legalmente foram citados
os nomes antigos: “Laranjal” (São Geraldo), “Amoras” (Arduino Bolívar), “Grota dos
Camilos” (Inácio Martins). Para a localização do endereço dos clientes na malha
urbana, em nenhuma empresa são usados mapas cartográficos ou guias de rua. Análise
do texto de algumas comandas fornecidas pela empresa “D” revelam, em suas anotações
adicionais, que pontos referenciais familiares, como a casa de pessoas ou uso de
apelidos na identificação de clientes, são recursos usados pelos trabalhadores da tele-
entrega quando da localização de algum endereço.
31
graduação na Universidade (no campus Viçosa), cada um responsável, em média, pelo
incremento de cinqüenta alunos ao ano. Ou seja, podemos contar pelo menos
quinhentos e cinqüenta alunos a mais só na UFV. Sendo preciso incluir aqui os demais
alunos ingressos nos cursos recém-criados pela FDV, ESUV, UNIVIÇOSA e que vivem
em Viçosa nas mesmas condições que a maioria dos estudantes a UFV.
Estudos desenvolvidos por Lessa et al (2008), indicam que o mercado da festa
em Viçosa vem crescendo e se tornando cada vez mais capitalizado, potencializado pela
população jovem que, submetida ao tempo programado dos lazeres, procura cada vez
mais por essas atividades. Por outro lado, o momento de não trabalho de muitos é a
condição de trabalho de outros que encontram na prestação destes serviços uma
maneira de sobrevivência. Garçons, seguranças, cozinheiras, catadores de material
reciclável e, também, podemos acrescentar, empresários e trabalhadores da tele-entrega
parecem ter neste tipo de consumidores, jovens universitários, o alvo para a venda de
produtos para festa.
Poderíamos ainda, de acordo com o calendário universitário, traçar a
periodicidade das mercadorias vendidas por essas empresas em Viçosa. Segundo os
interlocutores, nos fins de semana de períodos letivos é maior a comercialização de
bebidas, ao passo que nos dias de semana e períodos sem aula ganha maior relevância o
serviço de motoboy, mais demandado pela população com domicílio fixo e empresas
locais.
A figura mostrada a seguir sintetiza a análise de quase duzentas comandas8 da
empresa “D”, referentes a um período em que não havia aulas nas Instituições de Ensino
em Viçosa, julho de 2005 e janeiro-fevereiro de 2006. Vemos, se levarmos em conta o
que fora apontado pelos interlocutores e apresentado anteriormente, uma pequena
variação nos tipos de produtos solicitados, tendo sido a venda do serviço do motoboy
ligeiramente maior que a comercialização de cerveja, água e gás, para citar os quatro
produtos mais solicitados pelos usuários da tele-entrega.
8
Tratam-se de fontes secundárias trabalhadas pelo GEP em 2008 quando da pesquisa do serviço do motoboy.
32
FIGURA 2.6.1.
PRODUTOS COMERCIALIZADOS PELA EMPRESA DE TELE-
ENTREGA “D”, JULHO DE 2005 E JANEIRO A FEVEREIRO DE 2006
4% Gás
1% Carne
7% Lanche
28%
Serviço
Leite
29% Cachaça
1% Água
1% Refrigerante
7% 1% Carvão
20%
1% Gelo
Cerveja
Fonte: Dados cedidos pela empresa “D” em 2006. Tratamento dos Dados PINHEIRO, Carolina e HONÓRIO, Letícia de Melo
(2008). Elaboração HONÒRIO, Letícia (2008).
33
As mudanças nos hábitos de consumo dos brasileiros, ocorreram em um
ambiente de redução significativa no crescimento populacional. Contudo,
essa dinâmica populacional verificada em quase todo o país não ocorreu em
Viçosa. Segundo dados dos últimos Censos Demográficos realizados pelo
IBGE, a população de Viçosa vem crescendo, nos últimos anos, a uma taxa
de 3,08% ao ano (RODRIGUES et al, 2007, p.3).
34
incompleta” e “marginal”.
35
Desta maneira, a análise dos dados da pesquisa sobre o empreendimento da tele-
entrega em Viçosa, novo campo que se abre como possibilidade de trabalho para recém
ingressos no mercado de trabalho, para desempregados ou para aqueles que querem
migrar de uma atividade “mais pesada” (como é o caso dos ajudantes da construção
civil), nos revela elementos importantes para decifrarmos os modos e as condições nas
quais o trabalho tem sido re-produzido em Viçosa: por detrás de atividades que
oferecem o que de mais moderno o consumidor poderia requerer, comprar sem sair de
casa, estão trabalhadores em situações não ta cômodas assim.
36
o supermercado que se aproxima da casa) a rua se reafirma como local primordial do
fluxo de mercadorias vindas direto do distribuidor a varejo. Fazendo a ligação entre a
casa e o supermercado está a mais nova mercadoria, o serviço do motoboy:
37
FIGURA 2.8.2
38
Conforme pode ser visto na figura 2.8.2, na área central em Viçosa estão
concentrados maior parte dos usuários do serviço da tele-entrega. Também, exceto as
empresas “B” e “D”, localizadas no bairro Nova Era, as demais empresas de tele-
entrega em Viçosa estão localizadas no centro ou na área central - Centro, Lourdes,
Ramos e Fátima . Apesar da fala da maioria dos interlocutores não fazer referência a
este fator, quando perguntados sobre os motivos da localização das respectivas
empresas9, todas elas estão próximas a vias estruturais, responsáveis por coletar e
distribuir maior parte dos fluxos da malha urbana em Viçosa, a saber: Avenida Santa
Rita, Bueno Brandão, Rua dos Passos, Gomes Barbosa, Milton Bandeira e Jacob Lopes
de Castro. Tal posição na malha urbana confere a estas empresas uma posição
privilegiada. Estas áreas, de maior fluxo de pessoas, maior concentração de comércio,
maior verticalização, é caracteristicamente onde há maior densidade de equipamentos
urbanos e, de acordo com dados da pesquisa, onde reside a maioria dos usuários deste
serviço.
Em relação à posição dos usuários, as recentes transformações na paisagem
urbana da área central em Viçosa e dos bairros adjacentes a ela, com a crescente
verticalização, os revelam como sendo locais de novos agregados familiares,
demandadores de novos modos de consumo. Neste sentido, a área onde há maior
densidade “técnico-científico-informacional”, usando um conceito de Santos (2006),
nos indica em qual parte do tecido urbano em Viçosa a reprodução capitalista do espaço
se dá de forma mais intensa.
O contrário pode ser observado na figura mostrada a seguir (2.8.3) onde se
ilustrou o local de moradia dos usuários e dos trabalhadores da tele-entrega em Viçosa.
À medida que nos afastamos da área central aumenta o número de bairros onde residem
os trabalhadores da tele-entrega e, de maneira inversa, diminui o número de bairros
onde residem usuários deste serviço.
9
A exceção apareceu na empresa “C, que já funcionara em outro local em Viçosa, também no centro. Perguntado sobre o motivo da
mudança de endereço, o empresário “C” declarou: “aqui o espaço é mais amplo, não tinha nenhum tele-entrega nessa área e ela
ainda continua no centro”. Nos demais casos, a localização do empreendimento pareceu estar relacionada à proximidade destas com
a residência de seus proprietários.
39
FIGURA 2.8.
40
Poderíamos dizer que estas áreas onde residem os trabalhadores da tele-entrega
em Viçosa se caracterizam pela urbanização desurbanizada? Neste sentido, recorrer à
geógrafa Amélia Damiani (1999), que analisou o processo de urbanização na metrópole
de São Paulo, nos ajuda a compreender aqui em Viçosa parte do processo de segregação
espacial, cujo principal motor é a urbanização como negócio. Neste sentido, um espaço-
tempo indecifrável é re-produzido impulsionado por trabalhadores “invisíveis”, situação
na qual os trabalhadores da tele-entrega se enquadram.
Deste modo, não só nas cidades maiores, mas aqui também, na periferia do
modo de produção capitalista, onde as atividades produtivas se encontram na ponta do
processo da produção de mercadorias, a reprodução do espaço se evidencia na re-
produção do perto e do longe, na metamorfose das centralidades tradicionais, na
segregação socioespacial.
Á medida que nos afastamos do centro da cidade vemos a outra face – ou seria a
mesma?- da modernização anômala, que marginaliza demarcando nitidamente o local
privilegiado dos que consomem e dos que “produzem” a cidade. Levando em conta a
taxa cobrada pelas empresas de tele-entrega em Viçosa foi possível identificar alguns
bairros considerados “fora da cidade”, em contraposição aos bairros “de dentro”. A taxa
de entrega cobrada pela maioria das empresas é de R$ 3,00 (três reais) para as áreas
“dentro da cidade” e R$ 6,00 (seis reais) para as áreas “fora da cidade”, assim
distinguido pelos interlocutores.
Neste sentido, podemos representar a cidade a partir da localização daqueles que
consomem o serviço e daqueles que o presta.
41
FIGURA 2.8.4
42
Se comparados com a figura 2.8.3, veremos que alguns bairros onde residem os
moradores da tele-entrega são, também, bairros considerados “fora da cidade”. Além
disso, a proximidade do bairro Rua Nova com o Acamari, apesar de o primeiro ser
considerado “fora da cidade” e o segundo “dentro da cidade”, e conhecendo os padrões
habitacionais dos dois bairros, temos indícios de que o perto e o longe, o dento e o fora,
o periférico e o central não têm a ver somente com a localização física entre
consumidores e empresa. Neste sentido, uma investigação mais detalhada, partindo do
lugar, do nível do vivido, seria necessária para desvendar o que há por detrás desta
diferenciação. Por ora, o que podemos afirmar com vistas no que nos foi dito pelos
interlocutores, quando perguntados sobre os motivos da diferenciação da taxa de serviço
prestado por eles, é que por causa da distância, pelo “risco” que se corre ao transitar em
alguns bairros da cidade, principalmente à noite, “fora da cidade é mais caro”!
Neste sentido, os “de fora” são também os “de longe”, re-produção do trabalho e
do espaço caminham “par e passo” em Viçosa.
CONCLUSÃO
43
entanto, apagar por completo o conteúdo histórico, o espaço familiar, os tempos
pretéritos. Tal fato pôde ser constatado na rotina dos trabalhadores da tele-entrega, no
modo como estes se relacionam entre eles, com e no espaço urbano. A subutilização do
computador por aqueles que o acham “demorado”, o modo como localizam o endereço
dos clientes, na malha urbana, o emprego da mão-de-obra familiar, o trabalho doméstico
(desempenhado em casa), revelam várias temporalidades imbricadas na atividade de
tele-entrega em Viçosa confirmando o caráter heterogêneo do nosso processo de
urbanização.
Neste sentido, analisar a prática socioespacial em Viçosa a partir da atividade de
tele-entrega nos forneceu elementos para a compreensão de como a modernização
repercutem na periferia do capitalismo. Periferia porque aqui a modernização não se
realiza de maneira completa. A alta jornada de trabalho, o desconhecimento das leis
trabalhistas, o não-cumprimento das condições de segurança no trabalho precarizam a
condição de trabalho destes sujeitos, prevalecendo o econômico sobre o social.
Mesmo nestas condições, os empreendedores da tele-entrega em Viçosa,
valendo-se de uma posição estratégica, próximos aos consumidores, forneceram
condições para que mais trabalhadores se inserissem neste ramo de atividade, que hoje
em dia passa a ser desempenhada também pelos chamados “clandestinos”.
Demanda ascendente em Viçosa, dado as características de seus usuários, o
trabalho de motoboy parece ser hoje a “melhor opção possível” para inúmeros sujeitos
sociais (invisíveis) que à margem da periferia ficam ocultados por detrás da falsa
promessa daquilo de bom que a modernização poderia nos oferecer: comodidade (no
consumo de mercadorias), rapidez (no consumo de mercadorias), facilidade (na
aquisição e uma mercadoria)10.
Se aos empresários, pioneiros da tele-entrega em Viçosa, foi possível
estabelecer em uma sede, o solo cada vez mais fragmentado, privado e raro,
principalmente na área central, indica que cada vez mais trabalhadores, subempregados,
desempenharão atividades de maneira autônoma, sem um local fixo de trabalho ou, no
máximo, terão a unidade habitacional como sede. No que se referem às empresas já
consolidadas, estas terão que disputar com os “clandestinos” o vasto mercado que se
anuncia (devido a expansão dos cursos de graduação na UFV e nas faculdades
particulares em Viçosa). Contudo, o fato destas empresas investirem na “indústria da
10
Comodidade, rapidez e facilidade são tríades que apareceram na fala de todos os interlocutores, quando
estes foram indagados sobre os motivos que levam os usuários a demandarem este serviço.
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festa” (outro tema cuja análise muito pode esclarecer sobre o processo de urbanização
em Viçosa), investindo em produtos como: cerveja, gelo, carvão, aluguel de mesas,
cadeiras, etc., não deixa de ser uma estratégia de sobrevivência, pois aos denominados
“clandestinos”, descapitalizados, sem uma unidade sede, só lhes restam vender sua força
de trabalho, para outras empresas do ramo de comércio ou prestando serviço de
motoboy a pessoas físicas.
Assim, no atual momento do processo de urbanização em Viçosa, a reprodução
do trabalho se faz de forma precária, sendo o setor de serviços seu grande impulsor. Já a
reprodução do espaço, não de forma diferente, se dá do encontro de diversas
espacialidades e temporalidades, apesar da “urbanização mercadoria” deixar marcas
mais visíveis no espaço físico.
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BIBLIOGRAFIA
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no Fim do Século – a nova raridade. São Paulo: Contexto, 1999.
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THOMAZ JÚNIOR, Antônio. Por uma Geografia do Trabalho. In. Scripta Nova:
Revista Eletrônica de Geografia e Ciências Sociais, Barcelona, v. 6, n. 119, ago. 2002.
Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-5.htm>. Acesso em: 12 set. 2008.
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– ROTEIRO GUIA PARA ENTREVISTA
ANEXO I - SERVIÇO DE TELE-ENTREGA EM VIÇOSA,
MINAS GERAIS.
DO ENTREVISTADO
2. Endereço de moradia:____________________________________________________________.
DA EMPRESA
DO TRABALHADOR
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_______________________________, ____________________________________.
COMPLEMENTO: Postos de Trabalho de cada funcionário, idade, gênero, lugar onde nasceu e dizer se
tem outro emprego:
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51