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Uma vez me perguntaram o que significava o oficio do ator.

E diante das
muitas possibilidades de resposta eu não soube formular uma, travei
completamente em dizer o que aquele ofício significava para mim. Talvez por
resguardar naquela época um respeito intocável ao ofício ou pela visão
romântica do que seria o trabalho de ator, baseando minhas respostas no sonho
de tornar-me um dia este.
Mas ao longo do tempo e fincado no propósito de trabalhar o meu ator,
assim como mencionado na introdução, trilhei a experimentação da cena, ousei
em adaptações e criações de textos curtos e roteiros para exercitar o estar em
cena aproveitando a estrutura da universidade.
Ao circular com meu espetáculo em uma cidade do interior do Rio
Grande do Sul, me fizeram a mesma pergunta e após inúmeros atravessamentos,
pude responder que o ator é senão um desbravador do outro lado dos gestos,
parafraseando o termo “do lado de lá dos gestos” do autor português Valter Hugo
Mãe em seu livro “A desumanização”.
É por ele que a situação cênica se desenvolve esmiuçando o surgir
através de um motivo não exterior e por isso o outro lado, o lado onde não o
vemos. Esse movimento interno e psicológico como fator crucial e motivador
dos gestos extremados por meio das ações físicas possibilitando a comunhão
entre o que o ator está vendo e fazendo com o que o espectador está vendo e
imaginando.
Especificamente ao ator solo criador, no qual refiro aqui, o corpo
necessita de um jogo direto com a plateia, com o objeto e com o cenário, todos
parceiros de trabalho.
Precisa entender que está sendo visto, e direta ou indiretamente
contracena com o público. Mesmo em espetáculos onde existam a quarta parede
(em que não há relação direta com o espectador), o ator sabe que está diante do
outro, e precisa da escuta aberta para executar seu trabalho, precisa estar atento a
recepção do público.
Para isso o ator necessita de estar em cena, precisa ourivesar 1 seu ofício
por meio do fazer, pois sem o público ele não tem a resposta das questões
colocadas em cena. Um grito no vazio onde não pode ser recebido ecoa até
1
Ourives como aquele que cuida da minuciosidade do trabalho. Este termo foi citado ao referenciarem
o trabalho do ator Julio Adrião em “A Descoberta das américas” no qual tomo emprestado para
exemplificar a minha mesma preocupação.
desaparecer seu significado, um grito ecoado aos ouvintes volta como sensação a
ser apurada pela capacidade de escuta do ator.
Ao me referir escuta, digo não somente o aspecto da audição, mas
também o aspecto sensitivo e intuitivo do ator em contato com o olhar inquieto e
questionador por parte do espectador.

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