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John Gledhill, Maria Gabriela Hita

ATORES EM DISPUTAS URBANAS:

DOSSIÊ
os espaços contenciosos do urbanismo neoliberal

INTRODUÇÃO

John Gledhill*
Maria Gabriela Hita**

Depois da crise dos anos oitenta do sécu- para todos os problemas econômicos e sociais.
lo passado, conhecida como “a década perdi- A revitalização dos centros históricos não so-
da”, o urbanismo das grandes metrópoles lati- mente foi um bom negócio para alguns dos ato-
no-americanas concentrou-se, frequentemente, res sociais envolvidos, mas também foi capaz
no “resgate” de seus centros históricos, que de produzir novos tipos de negócios, criando
entraram em decadência durante a época de um mercado promissor, que passou a comer-
impulso do “alto modernismo” em estados de- cializar como produto o “patrimônio histórico”
senvolvimentistas. Nessa virada, ao se falar de arquitetônico, artístico e cultural, voltando-se
projetos urbanísticos para essas regiões de pa- para servir a um mercado orientado para as ca-
trimônio histórico, se estava fazendo referência madas sociais mais ricas dessas cidades e para
a processos de reabilitação, revitalização, res- turistas nacionais e estrangeiros, o que permi-

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tauração e renovação das cidades. Não é, tam- tiu um maior desenvolvimento de setores de
pouco, um mero acaso que perspectivas nos- serviços complementares, restaurantes, bares,
tálgicas e “pós-modernas”, levantadas em torno hotéis estilo boutique e lugares de produção de
das reformas das cidades, correspondessem à espetáculos e shows. O preço pago pela reabili-
adoção de políticas neoliberais apresentadas tação desses espaços de alto valor histórico, na
como as respostas ideais para a saída da cri- maioria dos casos, não foi apenas o despejo de
se (Klaufus, 2015). Durante os anos noventa, o moradores pobres que neles se tinham assen-
mercado tornou-se uma solução recomendada tado durante a época de “decadência” do lugar
(do ponto de vista das elites), mas também a ex-
*
Universidade de Manchester. Departamento de Antropo-
logia Social. clusão ou perseguição de outros atores sociais,
Oxford Road. Manchester M13 9PL. Reino Unido. john. especialmente aqueles dedicados ao comercio
gledhill@manchester.ac.uk
**
Universidade Federal da Bahia (UFBA). Departamento de rua e ambulantes, cuja presença passou a
de Sociologia. Programas de Pós-graduação em Ciências ser “não desejada” nesses espaços recuperados
Sociais (PPGCS) e em Estudos Interdisciplinares sobre
Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM). e agora mais “respeitáveis” (também do ponto
R. Prof. Aristídes Novis, 197, Federação. Cep: 40210-909.
Salvador – Bahia –Brazil. mghita63@gmail.com de vista das elites). Por esse motivo, tais espa-

http://dx.doi.org/10.1590/S0103-49792018000100001 9
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ços passaram a ser fortemente vigiados pela po- convertido em uma reserva de “dinheiro glo-
lícia e por pessoas contratadas por comercian- bal” (Goldfarb, 2013).
tes como seguranças privados. No caso das grandes urbes latino-ame-
Portanto, o que é considerado “revitali- ricanas, uma lógica especulativa também pre-
zação” – da perspectiva capitalista e de certos valece no atual contexto de valorização imo-
grupos e classes sociais que desse processo se biliária e de requalificação urbana. O Brasil
beneficiaram – carrega também a significação se destaca pela sua elite rentista e os vantajo-
de exclusão social para outro conjunto de cida- sos lucros de seu setor bancário. Seu modelo
dãos. E mais que isso: uma negação da ampla de desenvolvimento urbano atual favorece o
cidadania de alguns deles quando se trata do “consumo” da cidade pela classe média alta
seu restrito acesso ao espaço público. No Bra- doméstica e por turistas estrangeiros, porque
sil, como em muitos outros países, tais como esse modelo oferece um tipo de inversão idô-
os Estados Unidos da América e países euro- neo para o capital financeiro. A privatização
peus, a lógica do modelo neoliberal de desen- do espaço público, a remoção de populações
volvimento urbano continua produzindo no- “inconvenientes e a “gentrificação” das fave-
vas exclusões e despejos de populações pobres las localizadas em zonas centrais constituem o
dos centros em direção às periferias urbanas, outro lado da moeda dessa utopia neoliberal. A
por meio da gentrificação cada vez mais gene- securitização da pobreza – quer dizer, a repre-
ralizada e que não se aplica apenas a casos de sentação dos favelados como uma “ameaça” ao
áreas centrais e históricas. Esses processos de resto da sociedade – é uma condição impres-
gentrificação, hoje, são também resultantes da cindível para levar adiante esse projeto, mas
implantação de centros comerciais e condomí- também é importante indagar um pouco mais
nios fechados e da construção de novas redes sobre o processo de “acumulação por espolia-
de transporte urbano nas cidades, gerando ção” por trás da construção da nova cidade por
novas dinâmicas e processos de redefinição e parte do capital financeiro, já que os bairros
produção geo e socioespacial em cada micror- populares têm sido construídos principalmen-
região do território urbano. te com os esforços de seu próprios moradores.
Há uma relação importante entre o ca- Trata-se de uma verdadeira luta de classes,
pitalismo financeiro rentista e as mudanças na porque o processo desvaloriza o “capital” dos
geografia social das grandes metrópoles (Sas- pobres ao mesmo tempo em que aumenta o va-
sen, 2012). Como demonstra o caso de Lon- lor do capital das elites financeiras.
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dres, sem políticas adequadas de controle de O processo de despejo associado com o


arrendamentos nem programas para fomentar estilo dominante de desenvolvimento urbano
a construção de moradias populares, o que destrói o “capital” do indivíduo e (ou) da família
se produz é, cada vez mais, um processo de despejada, sem necessariamente oferecer-lhes
“limpeza social”. Mas em Londres não se tra- uma recompensa monetária adequada para re-
ta simplesmente da expulsão de trabalhadores parar o dano a seu patrimônio, tampouco, nos
pobres em direção à periferia, pois até os mem- casos de realocações forçadas em outro lugar, há
bros da classe média, que antes moravam em o provimento de um lar adequado a suas neces-
bairros centrais, já estão buscando casas em sidades. Um lar adequado tem de compensar a
zonas mais distantes do centro. Os edifícios perda de valor de uso: por exemplo, a nova casa
onde eles moravam, em épocas anteriores, têm precisa ser de um tamanho adequado para abri-
sido comprados como inversões com fins es- gar a todos os moradores da unidade original, e
peculativos por estrangeiros ricos, muitas das os cálculos de custo-beneficio também devem
vezes ficando sem ocupantes. O centro dessa incluir gastos de transporte e aquisição de ou-
urbe, com 8.63 milhões de habitantes, tem se tros serviços, sem falar de fatores qualitativos

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que são importantes para viver bem em uma compreensão, uma perspectiva de análise in-
comunidade pobre – tais como boas relações completa e insuficiente, porque trata as classes
com vizinhos e conhecidos – e, claro, questões populares simplesmente como se fossem viti-
de segurança física, a qual, muitas vezes, piora mas passivas, sem capacidade de responder ou
nos novos lugares de moradia. reagir aos processos de transformação urbana
No caso do Rio de Janeiro, já desindus- que as afetam, tanto individual como coleti-
trializado e buscando outra forma de competir vamente, nas diversas situações em que estão
no mercado interurbano, os megaeventos espor- inseridas. Tende-se, portanto, a olhar e tratar as
tivos de 2014 e 2016 produziram uma combi- comunidades carentes como se fossem social-
nação especialmente dramática, a qual tem en- mente homogêneas, sem levar na devida conta
contrado ecos e processos similares em outras a variedade de posturas, ideologias e valores
cidades do país, pela implementação de novos que existem dentro delas e sem avaliar as con-
projetos de revitalização de zonas antigas da ci- sequências de mudanças sociais durante o sé-
dade, que vieram acompanhados de processos culo vinte e um no qual nos encontramos. Um
de despejos de famílias pobres do centro (Fau- exemplo dessas mudanças é o impacto positivo
lhaber; Azevedo, 2015). Além disso, vários es- da educação pública nas camadas menos pri-
tudos apontam o intento de se produzir uma in- vilegiadas da sociedade e, sobretudo, uma me-
corporação mais forte das favelas aos mercados lhora em seu acesso à educação superior, tan-
capitalistas, usando, para isso, a estratégia de to privada como pública, em consequência de
implantação de Unidades de Polícia Pacificado- ações afirmativas, por um lado, e, talvez menos
ra (Batista, 2009; Fleury, 2012; Freeman, 2012). positivamente, de um maior individualismo e
O fracasso dessa política de segurança das UPPs da construção de identidades pessoais por meio
no Rio de Janeiro já é reconhecido pela maioria de praticas de consumo, por outro lado.
de pesquisadores do tema, e sua relação com o Além disso, já existe maior heteroge-
projeto mais amplo de conseguir a “governabi- neidade de afiliações religiosas e posiciona-
lidade” dos pobres é um tema primorosamente mentos sobre orientação sexual. Falar de se-
analisado neste dossiê por Cecchetto, Muniz e gregação socioespacial e de cidades divididas
Monteiro. Contudo, apesar da violência desen- apenas como única e total explicação da de-
freada que voltou às favelas cariocas, talvez, em sigualdade e dos fenômenos urbanos atuais
consequência desse fracasso, essa nova estra- parece-nos uma perspectiva reducionista, que
tégia de segurança pública conseguiu produzir só apresenta a realidade em duas cores, em

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certo grau de “gentrificação” dentro das pró- branco e preto, sem reconhecer que as poli-
prias favelas, de modo simultâneo ao de pro- ticas neoliberais que originaram tais resulta-
duzir um aumento do custo de moradia, obri- dos ofereceram oportunidades para alguns, ao
gando muitos de seus moradores mais pobres a mesmo tempo em que produziram espoliação
saírem para regiões menos caras. e empobrecimento para outros. Esse processo
Não é falsa a noção de que o padrão também ocorre ao interior das favelas e mesmo
(global) de desenvolvimento urbano seja, em dentro dos próprios grupos e de regiões vistas
si mesmo, a outra face de um padrão de exclu- como mais empobrecidas. Essa perspectiva
são social e de um processo crescente de priva- tampouco reconhece a possibilidade de a “go-
tização dos espaços públicos, fortalecendo-se vernabilidade neoliberal” nem sempre conse-
a imagem de vivermos em “cidades divididas guir controlar as reivindicações de atores so-
e segregadas” pela expulsão dos mais pobres ciais subalternos, e cooptá-los ou apagar suas
em direção às periferias urbanas, e pela nega- resistências, convertendo-os apenas em “su-
ção do direito à cidade aos “não desejáveis”. jeitos dóceis”. Pelo contrário, as formas como
Contudo ficar apenas nessa leitura é, na nossa os governos neoliberais administram tanto a

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vida política como a vida econômica também petistas implementaram, também, o que Wa-
podem abrir novos espaços para estender o cquant (2009) descreve como as “duas mãos”
complexo campo de disputas que se produzem da governabilidade neoliberal: uma suave e
nas cidades, junto com novos tipos de atores outra repressiva. Contudo as variações entre
sociais, novas lideranças e organizações popu- regimes neoliberais têm consequências sociais
lares que participam dessas disputas (Gledhill, distintas e provocam respostas distintas na so-
2005; Gledhill; Hita; Perelman, 2017). ciedade. Os intelectuais da esquerda podem
Para entender as consequências sociais criticar o “multiculturalismo neoliberal” por
e políticas do neoliberalismo, em um contex- neutralizar as alternativas mais radicais, mas
to e um momento histórico específico, é im- sempre existem atores sociais subalternos,
portante reconhecer suas diferenças. No caso desejosos de abraçar as novas oportunidades
do Brasil, com o golpe de 2016 – apoiado por por ele oferecidas, e por meio das quais, até no
um estado de exceção jurídica, com a compra multiculturalismo e no neoliberalismo mais
de votos num parlamento reacionário, cujos feroz, se podem produzir algumas mudanças
membros representam muito mais os interes- e transformações, como conquistas de gru-
ses do capital e do agronegócio do que os in- pos subalternos, como é o caso das conquis-
teresses do povo, e com a mobilização do apa- tas e reconhecimentos identitários de muitos
relho repressivo do estado –, pretende-se im- dos movimentos sociais das últimas décadas.
por um novo ajuste neoliberal “sem anestesia” Exemplos disso são as transformações que vêm
(para usar uma expressão de Carlos Menem) e se dando no campo das hierarquias raciais
acabar com os direitos dos trabalhadores, para existentes (Hale, 2005). É possível também
que uma oligarquia capitalista rentista, que in- criticar o neoliberalismo, no estilo de “terceira
clui o setor imobiliário financeirizado (Sassen, via” dos governos do PT, por ter promovido o
2012), não precise sacrificar nada para aliviar fortalecimento de uma sociedade de mercado,
a crise econômica. Porém os governos petis- na qual suas relações penetram até as esferas
tas, como outros governos de centro-esquerda mais intimas da vida social e familiar, produ-
e social-democratas fizeram mundialmente, zindo um individualismo que pode minar a
administraram seguindo e promovendo regras solidariedade coletiva, e um consumismo que
tão ou mais neoliberais do que as de governos opera como uma forma de construção do “eu”.
mais conservadores ou apelidados de direitis- Porém é preciso reconhecer que esse processo,
tas, como demostra o artigo de Nuijten, Koster, vindo de cima, encontrou um terreno fértil na
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De Vries e Cabral neste dossiê. Combinaram sociedade, já que também houve movimentos
uma política distributiva que beneficiava os que caminhavam nessa direção, expressos pa-
pobres e produzia certos graus de ascensão radigmaticamente com a expansão das igrejas
social para alguns segmentos da classe traba- neopentecostais nas favelas. Os projetos ide-
lhadora – mesmo que essa política fosse acom- ológicos, promovidos pelas instituições pú-
panhada por outras estratégias econômicas blicas e privadas e pela mídia, somente fun-
que impediam sua sustentabilidade em lon- cionam quando encontram condições sociais
go prazo –, com intervenções burocráticas na que criam certa receptividade popular a suas
vida intima das famílias pobres e politicas de ideias. Portanto, uma nova afiliação religiosa
segurança pública e encarceramentos em mas- pode ser vista como uma forma de conseguir
sa que castigavam e criminalizavam cada vez maior dignidade social e o respeito de vizi-
mais as camadas mais pobres da sociedade. nhos. Pode também ser um modo de tentar
Em outras palavras, apesar de adotarem afastar-se do estigma e do perigo (Goldstein,
políticas distributivas mais favoráveis aos in- 2003), num ambiente social onde o crime ofe-
teresses das classes populares, os governos rece outro caminho para conquistar o “respei-

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to”, mesmo que isso seja cada vez mais difícil exclusão de certas categorias de pessoas, este-
num ambiente de securitização que reforça a reotipadas em termos de indicadores de classe
criminalização generalizada dos moradores e preconceitos étnico-raciais – na “sociedade
das favelas (Cecchetto; Muniz; Monteiro, neste de controle” que caracteriza a cidade neolibe-
dossiê; Gledhill, 2015). ral securitizada e militarizada – têm provocado
Portanto, o modelo macroestrutural da contramovimentos organizados de resistência
“cidade dividida” peca por um simplismo ana- e protesto, cujas metas incluem tentativas de
lítico que pode não nos animar a indagar sobre mudar a realidade existente por meio de esta-
a complexidade e a sutileza de variações das belecimento ou restabelecimento dos comuns
relações entre os cidadãos mais privilegiados urbanos, zonas nas quais existem regimes de
e os subalternos ou marginalizados, tampouco propriedade e posse coletivos, as quais podem
questionar sobre o papel de diferentes segmen- ser administradas mais democraticamente por
tos das classes medias e as relações complexas seus moradores e usuários (Harvey, 2012).
entre os trabalhadores favelados e não favela- Um objetivo central deste dossiê é inda-
dos. Ou ainda nos impele a não perguntar so- gar mais detidamente sobre alguns desses pro-
bre os modos específicos como o espaço urba- cessos e aqueles novos movimentos de contes-
no e seus microbairros vão sendo produzidos, tação ao modelo atual de urbanismo que estão
expressando tanto os modos de habitar, usar e emergindo neste momento histórico, tal como
apropriar por parte de diferentes agentes que Frúgoli o faz no seu artigo sobre ativismos ur-
neles interatuam e disputam – pelo seu acesso banos em São Paulo. O artigo dos organizadores
restrito a esses espaços nas distintas metrópo- do dossiê também indaga sobre essa questão
les – como pelas próprias transformações es- em dois contextos diferentes da cidade de Sal-
paciais que vão sendo impressas no tempo e vador, considerando o papel de organizações
afetam essas relações. comunitárias e suas relações com os governos
O trabalho de Perelman, incluído neste municipais e estaduais e outros atores externos,
dossiê, mostra a complexidade das formas de mas também envolvendo as diferentes reações e
negociação por meio das quais os catadores de posturas que existem dentro das comunidades e
lixo e os vendedores ambulantes da cidade de a diferença entre ações coletivas e “as armas dos
Buenos Aires navegam e negociam sua presen- mais fracos”, utilizadas pelos indivíduos para
ça nos espaços públicos, buscando evitar rejei- melhorar sua situação e, às vezes, subverter a
ção e perseguição e gerando formas de estabi- ordem que táticas de governabilidade neolibe-

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lizar suas relações com os outros atores sociais ral pretendem impor mediante campanhas de
em seu espaço de trabalho. Nesse caso, trata-se higienização e promoção de “autorresponsabi-
de uma comparação entre essas duas formas lidade” e “empreendedorismo social”. Contudo,
diferentes de ganhar a vida, incorporando outra vez mais, precisamos reconhecer que até
tanto as construções simbólicas oficiais como mesmo um estado “neoliberalizado” é capaz de
aquelas outras construídas por parte dos mes- garantir um nível de renda básico para todas as
mos atores em torno da “legalidade” ou “ilega- famílias do país e também patrocinar formas de
lidade”, assim como pelos argumentos sobre a empreendedorismo econômico coletivo, como
moralidade e funções sociais do trabalho rea- as cooperativas. Os “golpistas” brasileiros vêm
lizado. Precisamos, também, pensar nos con- mostrando não ter a mesma visão de como se
tramovimentos mais radicais produzidos pelas deve construir uma sociedade de mercado mais
formas de exclusão social do modelo neoliberal inclusiva, com espaços para territórios indíge-
do urbanismo. A falta de habitação social e de nas e quilombolas, e uma economia social fun-
valores de aluguel accessíveis nos centros das damentada na cooperação e organizações sem
cidades, a privatização do espaço público e a fins lucrativos.

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Nesse sentido, é interessante comparar cadas do século atual, é o aumento da violên-


as situações atuais que ocorrem no Brasil e na cia e da criminalidade. Não cabe aqui discutir
Espanha. Apesar de ter um governo nacional as causas profundas desse fenômeno, que são
de direita, as duas principais metrópoles da transnacionais e, em parte, consequências das
Espanha, Madri e Barcelona, junto com alguns relações de poder nacionais, condições sociais
outros municípios importantes, são governa- e de efeitos perversos de “estados delinquen-
das por coalizões da esquerda, inclusive pela tes” (Gaio, 2006). Mas uma consequência des-
ala da nova esquerda produzida e consolida- ses processos, nas metrópoles brasileiras, tem
da a partir de grandes manifestações realiza- sido o aumento adicional da estigmatização
das nas praças urbanas principais pelo movi- territorial de periferias urbanas e a crimina-
mento dos “indignados” (15M) e o movimento lização de todos seus moradores sob suspeita
antiausteridade. Mesmo que a nova esquerda de serem ou estarem “envolvidos”, conforme
espanhola, representada no campo eleitoral o tema analisado no artigo de Cecchetto, Mu-
nacional pelo novo partido político “Pode- niz e Monteiro, neste dossiê. Precisamos partir
mos”, ainda não tenha conquistado o poder no de perspectivas de análise que deem conta da
âmbito do governo central – apesar de aliar-se complexidade e da riqueza de processos em
com a coalizão de partidos mais tradicionais curso e que sejam menos dualistas na interpre-
de esquerda, formando a “Esquerda Unida” tação das dinâmicas e dos processos em curso
nas eleições de junho de 20161 – a oposição à em “cidades que são também divididas”. Mas
privatização dos espaços públicos e os despe- não podemos esquecer a violência simbólica e
jos de famílias que surgiu durante a crise di- física que acompanha a defesa de suas frontei-
namizou a busca de alternativas democráticas ras sociais, tampouco minimizar o efeito po-
no âmbito municipal. É possível dizer que, na lítico e social do ressentimento e do ódio que
Espanha a rejeição da politica partidária eleito- caracteriza a postura de alguns integrantes da
ral estabelecida nas grandes cidades está pro- classe média alta numa sociedade cada vez
duzindo um movimento cidadão novo basea- mais polarizada.
do numa nova força e numa unidade popular Ódio e violência produzem mais reações
(Taveira, 2017). Lamentavelmente, a decepção de ódio e violência de alguns “outros” vitima-
com a classe política no Brasil, nas eleições dos pelo ressentimento e pelo preconceito, es-
municipais de 2016, levou a resultados bem pecialmente jovens negros de classes popula-
diferentes e quase opostos: uma alta proporção res, mesmo quando essas reações nem sempre
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de votos nulos e brancos, e a eleição, em São são tão explícitas e estão longe de ser genera-
Paulo, de João Doria, o autodenominado “ad- lizáveis. Apesar dos impactos negativos da in-
ministrador”, cuja visão urbanística, associada dividualização neoliberal, o problema urbano
a processos de gentrificação mais virulentos, ainda não é visto como um problema de de-
apoia-se numa concepção que defende a am- composição social, mas uma situação em que o
pliação de processos de privatização extrema, tecido social já se encontra ferido. O valor das
despejos dos trabalhadores pobres do centro perspectivas e das visões que são oferecidas
urbano e estratégias de higienização e limpeza principalmente pelas pesquisas etnográficas
social do território central. deste dossiê se propõem a questionar e colocar
A outra face do desenvolvimento urba- esses problemas em perspectiva, identificando
no latino-americano, durante as primeiras dé- as mudanças que as pessoas consideram posi-
tivas e as avaliadas como negativas pelos sujei-
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Uma dificuldade para a esquerda espanhola é que o sis- tos que as experimentam e os espaços que ain-
tema eleitoral pós-franquista sobrevaloriza o peso do voto
rural, mais conservador. Porém, em 2016, a nova coalizão da existem para a negociação de convivência e
“Unidos Podemos” perdeu votos como consequência de
um alto nível de abstencionismo. o direito à cidade para todos.

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Este dossiê é um produto complementar aceitação dos governos petistas desse paradig-
de um colóquio internacional que se realizou ma, e a recusa de alguns favelados a se torna-
na Universidade Federal da Bahia em novem- rem “sujeitos dóceis”, adaptando-se às visões
bro de 2014. O evento reuniu investigadores modernistas sobre o uso do espaço urbano.
locais, nacionais e internacionais de distintos Em seu artigo republicado neste dos-
campos disciplinares que têm contribuído, siê, Collins nos oferece uma antecipação de
de modo original, no campo de estudos ur- alguns pontos centrais desenvolvidos no seu
banos, e a maior parte dessas contribuições livro Revolt of the Saints (Collins, 2015) sobre
foram publicadas em 2017 pela Edufba num o processo de transformação do Pelourinho,
livro intitulado Disputas em torno do espaço coração do centro histórico da primeira capi-
urbano: processos de [re]produção/construção tal do Brasil, declarado patrimônio cultural
e apropriação da cidade, organizado por John da humanidade pela UNESCO em 1985, cuja
Gledhill, Maria Gabriela Hita e Mariano Perel- conservação se iniciou nos anos sessenta, com
man. Convidamos alguns dos participantes do a criação do IPAC (Instituto do Patrimônio Ar-
colóquio a contribuírem com novos e inéditos tístico e Cultural da Bahia). O Pelourinho foi
trabalhos para este dossiê, dirigidos a alguns abandonado pelas elites soteropolitanas ao fi-
temas específicos desse projeto original. Todos nal do século dezenove, quando elas se muda-
os artigos reunidos aqui são originais, exceto o ram para novos bairros “nobres”, deixando a
texto apresentado pelo professor John Collins, administração de seus casarões coloniais nas
que foi publicado originalmente em inglês na mãos de parentes empobrecidos e servidores
revista Radical History Review, e o de por Mo- domésticos e depois permitindo sua divisão
nique Nuijten, Martijn Koster, Pieter de Vries interna para abrigar novos moradores pobres.
e Augusto Antonio Campelo Cabral, que foi O Pelourinho, tal como existia entre o momen-
publicado originalmente na revista Singapore to da saída das elites até os grandes despejos
Journal of Tropical Geography, também em in- de moradores provocados pela sua restauração
glês. Agradecemos a Duke University Press e arquitetônica na década de 90, está definido
John Wiley & Sons, Inc. por nos fazer o favor por Collins como um “comum urbano de fato”,
de outorgar o direito de publicar traduções des- que foi repovoado por residentes pobres e,
tes trabalhos. Publicamos o artigo do professor principalmente, por negros que estabeleceram
Collins, que escreveu um prefacio ao livro do seus lares dentro da armação arruinada dos ca-
nosso colóquio, como reconhecimento da im- sarões em decadência. Dessa situação resulta

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portância de seu trabalho sobre a “revitaliza- uma serie de paradoxos que o autor explora de
ção” do Centro Histórico de Salvador, e para uma maneira muito original nesse artigo, com
que os leitores falantes do português conhe- base numa ampla revisão da literatura antro-
çam um pouco mais da sua contribuição nesse pológica sobre o patrimônio cultural. Apresen-
âmbito de discussões, tanto conceitualmente, ta as perspectivas multiculturais de Marilyn
como etnograficamente, com sua análise an- Strathern sobre a propriedade, analisada em
tropológica critica em torno da produção do termos das relações entre coisas e pessoas, e
patrimônio cultural, tangível e intangível, no também com apoio em resultados de seu pró-
contexto baiano. O artigo de Nuijten, Koster, prio trabalho etnográfico sobre os processos
De Vries e Cabral nos oferece uma perspectiva da transformação social do Pelourinho, lugar
comparativa sobre outra metrópole do Nordes- onde morava antes de iniciar sua carreira aca-
te do Brasil dotada de um patrimônio cultural dêmica atual como antropólogo.
importante, Recife, indagando sobre temas já A priori, o patrimônio histórico deve-
identificados como centrais nesta introdução: ria ser de todos os cidadãos, um bem público,
a governamentalidade neoliberal dos pobres, a não privado, propriedade do coletivo sotero-

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politano, encarnado no Estado, que aceita a para o bem comum, mas que, na realidade,
responsabilidade de conservá-lo para a nação. abre espaço para transformar as propriedades
Além disso, no caso do Pelourinho, fala-se de humanas inalienáveis em mercadorias. Con-
patrimônio universal, de toda a humanidade. tudo esse processo pode produzir um “duplo
Porém, argumenta Collins, o patrimônio histó- movimento” (no sentido de Karl Polanyi). Por
rico é uma nova forma de propriedade que per- um lado, alguns dos antigos donos dos casa-
mite ao capital colonizar a vida cotidiana de rões do Pelourinho foram beneficiados pela re-
maneira insólita por meio da gerência do patri- construção do espaço que suas famílias aban-
mônio cultural. No caso do Pelourinho, não só donaram e pela sua transformação num espaço
foram reconstruídos os edifícios antigos para turístico de importância mundial. Por outro
serem transformados em patrimônio conserva- lado, Collins insiste, os processos de transfor-
do, mas o mesmo Estado, apoiado por bancos mação do patrimônio cultural tangível e intan-
de desenvolvimento internacionais e interes- gível num novo tipo de “propriedade” também
ses privados, também se propôs a resgatar um podem produzir espaços para os atores sociais
patrimônio cultural intangível, resultante de subalternos negociarem a melhoria de sua situ-
tradições e de uma matriz cultural enraizada ação individual (algo bem ilustrado pelas ricas
desde a sociedade colonial, erguida na base da narrativas etnográficos de seu livro monográ-
escravidão africana – a cultura afro-brasilei- fico), o que tem motivado lutas de resistência
ra. Como sujeitos sociais considerados pouco coletiva a esses processos de gentrificação do
aptos para encarnar a nobreza dessa cultura, Centro por parte de organizações da sociedade
os moradores originais não só foram, em sua civil. Tais organizações continuam sendo mui-
maioria, despejados de seus lares, mas também to importantes no contexto dos novos projetos
submetidos a intervenções de higienização so- em curso para implantar a “revitalização” do
cial e invasões coercitivas em sua vida íntima, centro histórico de Salvador, sob a direção atu-
apesar de constituírem parte da “comunidade” al de um neto do comandante político do “res-
étnica dentro da qual tem ocorrido a transmis- gate” original do Pelourinho, o político baiano
são, entre gerações, das praticas, representa- Antônio Carlos Magalhães.
ções, saberes e habilidades que o Estado e as O artigo dos organizadores deste dossiê,
organizações internacionais classificaram e de- Requalificação urbana e despejos em centros
finiram como o patrimônio cultural intangível novo e antigo de Salvador, oferece uma dis-
da Bahia. Um morador pobre, portanto, poderia cussão sobre os acontecimentos mais recentes
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se sentir, ironizando, ter sido “tombado”, uma no Centro Histórico de Salvador na adminis-
vez que ele e seus vizinhos foram igualmente tração do prefeito ACM Neto, junto com uma
vítimas de uma desapropriação, cujos efeitos exposição de alguns dos resultados das pesqui-
Collins compara aos da apropriação dos terre- sas de Collins e outros especialistas sobre as
nos comuns dos campesinos, processo perpe- transformações ocorridas no Pelourinho e as
tuado pelos fazendeiros nos séculos décimo resistências e contestações que provocaram no
sexto e sétimo na Inglaterra. passado. Empreendem um olhar comparativo
Como consequência da extensão da dirigido à grande favela do Bairro da Paz, lo-
noção de “propriedade” do terreno onde os calizada no que antes era tido como a periferia
monumentos estão erguidos até os “estados espacial do noroeste da cidade, perto do ae-
interiores e hábitos privados de uma popula- roporto internacional, atualmente uma região
ção afrodescendente”, Collins argumenta que de alto valor imobiliário, próxima ao segundo
o patrimônio cultural intangível produz um centro da cidade de Salvador. O Bairro da Paz
cerceamento da vida cotidiana desses sujeitos está localizado na margem direita da avenida
sociais, que se pretende classificar como algo que conecta o aeroporto ao centro da cidade

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John Gledhill, Maria Gabriela Hita

de Salvador, e também é o caminho da nova Paz, como no Centro Histórico, é possível falar
Linha 2 do metrô. Portanto, também ocupa de indivíduos que fazem tudo o que esteja a
um lugar estratégico na modernização da rede seu alcance para resgatar o que seja possível de
urbana de transportes e nos debates sobre as uma situação de expropriação, usando as “ar-
questões sociais implicadas no melhoramento mas dos fracos” consideradas ilegítimas pelos
da mobilidade urbana. grupos mais poderosos. Entretanto, em ambos
Como Heitor Frúgoli, nosso ponto de os contextos analisados neste artigo, identifi-
partida é o trabalho de David Harvey, quer cam-se resistências individuais e coletivas por
dizer, o da reformulação para a situação con- parte dos moradores, que deveriam ser conver-
temporânea do conceito do direito à cidade tidos em “sujeitos dóceis da governabilidade
de Henri Lefebvre e seu próprio conceito da neoliberal”, individualizados e formados para
“acumulação por espoliação”. Como Collins e ocupar, na sociedade de mercado, o lugar que
Frúgoli, também insistimos na necessidade de as elites consideram “adequado” para as pes-
partir de pesquisas etnográficas para melhor soas de sua classe e raça. Mesmo que o pre-
entender esses processos “desde abaixo” e en- feito ACM Neto venha promovendo um novo,
tender tanto a complexidade, a heterogeneida- embora aparente, programa de regularização
de e as ambivalências das reações “populares” fundiária e titulação residencial no Bairro da
como o papel das organizações comunitárias e Paz e em outras comunidades da periferia ur-
dos movimentos socais em sua contestação ao bana, as lideranças desse bairro continuam se
modelo neoliberal de desenvolvimento urbano queixando de promessas não cumpridas pela
e aos processos de “limpeza social” que esse Prefeitura com respeito a suas próprias priori-
modelo normalmente produz. dades e demandas: melhoras na infraestrutura
No caso do Bairro da Paz, trata-se de uma da comunidade, escolas e serviços médicos.
comunidade com uma longa tradição de “re- As promessas não cumpridas também
sistência” e organização coletiva relativamente estão no centro das disputas pelo futuro do
forte, apesar de uma importante diferenciação Centro Histórico de Salvador. Tem sido difícil
interna de natureza socioeconômica, religiosa mudar o modelo oficial de “revitalização” do
e política. O artigo faz uma comparação entre Centro Histórico, que produz uma zona mor-
a mobilização contra a possibilidade de expro- ta, sem movimento à noite e sem sociabilidade
priação de terras em 2010 e as reações mais suficiente durante o dia, como consequência
recentes contra expropriações ligadas às obras de seu desenvolvimento como uma região não

Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 82, p. 9-23, Jan./Abr. 2018


do metrô. Num contexto caracterizado pela fal- habitada, dominada pelo consumo de merca-
ta de transparência, existem divisões entre a dorias e da cultura como espetáculo. Nas zo-
maioria dos moradores do bairro, e muitas pes- nas para além do Pelourinho, a gentrificação
soas são acusadas de se aproveitar das indeni- e a limpeza social estão na ordem do dia dos
zações e, ao mesmo tempo, são críticas da lógi- interesses imobiliários, que buscam coloni-
ca neoliberal dos programas sociais igualmen- zar novos espaços e provocar resistências por
te oferecidos como contrapartidas pelas expro- parte de artistas e intelectuais que querem de-
priações, financiados pela construtora OAS. fender os atuais espaços de convivência social
Esses programas correspondem ao modelo de entre diferentes camadas da sociedade baiana
empreendedorismo social, também discutido que continuam presentes nessas zonas. Con-
neste dossiê por Cecchetto, Muniz e Montei- cluímos o artigo com idéia de que pode existir
ro, no contexto das favelas cariocas. Mas, no um modelo de reabilitação ou revitalização ur-
caso de nosso estudo, eles são dirigidos por bana capaz de produzir espaços públicos que
uma ONG comandada pela mãe do atual pre- sejam também espaços de encontro entre “di-
feito da cidade, ACM Neto. Tanto no Bairro da ferenças” e distintos grupos de interesses que

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ATORES EM DISPUTAS URBANAS...

possam vir a estender o “direito à cidade” a to- tantes do projeto acusaram-nos de transformar
dos, em lugar de reservá-lo a uns poucos, como o local novamente em uma favela.
espaço de exclusão. Historias desse tipo são bastante comuns
O artigo de Nuijten, Koster, De Vries e nos processos de reabilitação urbana, mas,
Cabral, Regimes de ordenação espacial no Bra- como os autores enfatizam, os fracassos des-
sil: a fusão do neoliberalismo, populismo de ses intentos dos burocratas – de impor “uma
esquerda e visões modernistas na urbanização visão de ordenação espacial ‘civilizada’” sobre
de favelas no Recife, analisa um programa de pessoas consideradas “culturalmente atrasa-
urbanização de favelas, PROMETRÓPOLE, fi- das” – são decorrentes de não se abordarem as
nanciado pelo Banco Mundial, no qual o po- verdadeiras causas da pobreza e da exclusão,
pulismo da esquerda e a bandeira da “partici- e de não se atentar para as principais preocu-
pação cidadã” combinaram com as logicas da pações da população-alvo no planejamento e
governamentalidade neoliberal. No caso dis- desenvolvimento dos projetos. O trabalho de
cutido, os moradores dos barracos demolidos Nuijten, Koster, De Vries e Cabral oferece uma
foram reassentados perto de onde viviam ante- analise critica exemplar das dimensões políti-
riormente. O novo conjunto habitacional ofe- cas da gestão das parcerias público-privadas
receu casas de dois pavimentos em estilo du- que levam a cabo esse tipo de projetos, obser-
plex, residências para idosos e portadores de vando que, para os moradores, havia pouca
necessidades especiais, e o projeto também in- distinção entre o Estado e a empresa privada, e
cluiu a modernização da infraestrutura urbana que a imagem do grande “mutirão” entre o pú-
do bairro. Nesse e em outros aspectos, inclusi- blico e o privado foi reforçada pelo fato de que
ve no que refere às indenizações financeiras, o quase todos os envolvidos no projeto vestiam
projeto poderia ser considerado relativamente camisetas da cor vermelha. Os representantes
favorável aos moradores removidos, e os pes- do PT insistiram numa participação mais dire-
quisadores mostram que o modelo urbanístico ta da população local no desenvolvimento dos
do PROMETRÓPOLE conseguiu estabelecer- projetos, como cidadãos individuais, mas os
-se “como uma manifestação de modernidade, resultados dessa estratégia neoliberal não fo-
algo a desejar” a partir da perspectiva de mui- ram mais “democráticos” na pratica, nem eli-
tos favelados que sonhariam em poder morar minaram a possibilidade de indivíduos rece-
numa casa digna e própria. No entanto, fica- berem tratamento preferencial ou de estabele-
ram bastante decepcionados com as casas que cerem boas relações com os representantes do
Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 82, p. 9-23, Jan./Abr. 2018

receberam, de menor tamanho que os barracos projeto. A analise mostra que a ironia da “neo-
onde moravam antes e sem cercas e grades nas liberalização” do PT, nesse caso, foi o fracasso
janelas. Não havia quintais para realizar ativi- das tecnologias da governabilidade neoliberal,
dades tanto profissionais quanto domésticas e, por causa da recusa dos moradores das favelas
em consequência disso e de outras inconveni- a se tornarem sujeitos dóceis, conforme a ima-
ências das suas novas condições de habitação, gem do “cidadão decente”, apto para habitar o
uma parte da população deslocada partiu para espaço modernista “ordenado”, como era espe-
morar em outro lugar. Já as pessoas que perma- rado por esse tipo de projeto, e desde o ponto
neceram nas novas casas recusaram a ordem de vista de membros de outras classes sociais.
espacial urbana que lhes havia sido imposta, O artigo seguinte deste dossiê traz um
personalizando e estendendo suas casas, er- olhar diferente sobre novas formas de resistên-
guendo cercas, apropriando-se de partes de cia coletiva ao modelo do urbanismo neolibe-
calçadas e das ruas, e fazendo outras modifica- ral. A partir de uma análise etnográfica focada
ções ao modelo de casas projetado pelos arqui- em construir uma recente genealogia dos mo-
tetos e burocratas. Horrorizados, os represen- vimentos de rua crescentes no Brasil – que vão

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John Gledhill, Maria Gabriela Hita

desde as volumosas manifestações das jornadas do numa variação de tipos de ativismos acom-
de junho de 2013 até as do presente –, Frúgoli, panhados e registrados diretamente pelo autor,
em seu artigo Ativismos urbanos em São Paulo, alguns deles nacionais e outros internacionais,
parte da premissa de ser preciso, mais reflexiva entre os quais cabe destacar a importância que
e criticamente, repensar os atuais significados ele dá ao cicloativismo (de defesa do uso de bi-
adotados para o ativismo a partir de um olhar cicletas), caracterizado por seu movimento de
da Antropologia Urbana. Esse tipo de olhar é, clara resistência e contraponto ao modelo cen-
na visão do autor, ainda incipiente no tratamen- trado no automóvel, nas cidades. Dentro dele,
to sistemático de tais temas. são mencionadas facções, como as do ciclismo
Mobilizações de multidões nas ruas, como feminista e transgênero, que exigem maior se-
o das Jornadas de 2013, teriam sido as primeiras gurança no uso e ocupação do espaço público
de um novo tipo de ativismo sobre o qual Frú- para esses grupos mais discriminados. Outros
goli busca pensar. Ele teria sido iniciado com as ativismos destacados são os da mais recente
lutas em defesa do passe livre e de reformas es- ocupação pelo carnaval de rua em São Paulo,
truturais de mobilidade urbana, seguido de ma- como tradicionalmente ocorre em cidades nor-
nifestações contra impactos de megaeventos que destinas, que estaria chegando e sinalizando
Brasil receberia em 2014 e 2016. O autor observa para um novo tipo de ocupação e uso dos es-
como essas “explosões” nas ruas, movidas e con- paços públicos, ou o da Virada Cultural, uma
vocadas também no Brasil pela força e impacto ocupação artística de regiões centrais, entre
das redes digitais na cotidianidade, expressam outros que vão sendo citados. Muitos de seus
uma variedade de formas, orientações de filia- exemplos aludem à tradicional questão sobre a
ções políticas, tipos de associativismos (e não as- tensão existente em novas disputas pelo uso e
sociativismos, ou posicionamentos apartidários) pela ocupação do espaço publico que ocorrem
dos envolvidos, que participam desses agrupa- entre a tendência à sua privatização e a contra-
mentos clamando por uma ampla, múltipla e va- corrente de defesa da maior comunalização de
riada gama de bandeiras diferentes, mostrando ruas, avenidas, parques, e também dos “não lu-
a diversidade e a polifonia que vêm marcando o gares”, como os shoppings centers, na defesa do
ativismo emergente. direito à cidade e à vida cotidiana das pessoas
Trata-se de um processo que vem ga- nas cidades. Entre alguns dos aspectos elenca-
nhando novos contornos e marcas, e dife- dos, o autor ressalta a importância de atentar
rencia posturas mais à esquerda de posições para as “redes de articulações envolvidas” em

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mais conservadoras, como as dos batizados relações com poderes públicos, entre outros.
de “coxinhas”, ou de ativismo golpista, cujas Em diálogo próximo com representantes
mobilizações nas ruas a favor do impeachment do movimento do Ocupar Estelita no Recife,
da Presidenta Dilma Rousseff mostraram sua Frúgoli reflete, desde 2014, sobre o papel que
força em 2016. De modo similar e igualmente cabe ao antropólogo que pensa sobre esses pro-
representativas, são citadas as mobilizações de cessos e cuja observação participante tem um
defensores da democracia, que protestam con- quê de engajamento e compromisso com esses
tra o golpe de estado em curso, constituídas modos de ativismo. Reflete ainda sobre o pa-
por diferentes grupos de esquerda que o autor pel da proximidade ou da distância que seria
divide e classifica em autonomistas e socialis- própria do etnografar, o que nos leva a indagar
tas. Com um rigoroso e preciso levantamento se existe uma posição privilegiada e uma lupa
de fontes, seu artigo oferece ao leitor relevan- especial para observar, pensar e refletir sobre
tes referências sobre outras pesquisas em cur- esse tipo de ativismo.
so relacionadas ao tema tratado. Perelman aborda, em seu artigo Disputas
O leitor vai sendo suavemente introduzi- en torno al uso del espacio público en Buenos

19
ATORES EM DISPUTAS URBANAS...

Aires, as opacas fronteiras existentes entre os mediários), o que afetará o tipo de relação e
pares legal e ilegal, legitimidade e ilegitimi- interação no espaço público compartilhado,
dade, considerando atividades como as dos ora com maior tolerância, ora com maior en-
vendedores ambulantes e coletores de lixo que frentamento, conflitos e expulsão desses novos
atuam em espaços públicos (especialmente atores das ruas dessas zonas mais ricas, negan-
em trens e ônibus no primeiro caso, e nas ruas do-se a eles, em muitos dos casos, o simples
de vizinhanças ricas, no segundo). Esse autor direito de circular por essas regiões da cidade,
explora uma variedade muito rica de perspec- como se fossem de grupos e classes perigosas.
tivas que vão desde o próprio modo como o De um modo articulado e crescente, a
espaço público é construído e disputado, pas- análise vai agregando outros níveis de comple-
sando pela trama de relações de poder envol- xidade, marcando a diferenciação entre formas
vidas nesses encontros e interações de atores e de trabalho formal e informal, no cruzamen-
territórios espaciais, até a detalhada descrição to com os dois pares dicotômicos anteriores.
de uma ampla, variada e matizada quantidade Nessa direção, Perelman aponta como as for-
de exemplos diferentes sobre os efeitos espe- mas rituais de interagir e se mover no espaço
cíficos desses processos sobre a construção ou público, assim como as negociações e jogos de
constituição das identidades, relações e espa- poder diferenciados entre os distintos atores
ços analisados, ocupados e produzidos. Des- envolvidos, podem contribuir para a produção
taca exemplos de argumentos morais que são da própria seguridade social das pessoas da re-
dirigidos a essas atividades por distintos atores gião, pois alguns desses atores operam como
(policiais, vizinhos, ou os sujeitos que as prati- guardiões e controladores da ordem no espaço
cam), clamando ora pela sua legitimidade, ora em que atuam. Diversos serão os fatores que le-
contestando-a, a depender de quem fala na de- vam, por exemplo, ao modo pelo qual algumas
fesa ou no ataque: ou se trata de modos dignos práticas são aceitas e toleradas, mesmo consi-
de se ganhar a vida, uma modalidade de traba- deradas ilegais (atitude que varia a depender
lho, ou se trata de atividades dúbias e ilegais, do ator que tolera ou rejeita), enquanto outras,
que ameaçam a segurança do meio ambiente mesmo informais e crescentemente aceitas e
ou de outros grupos da cidade. legitimadas, são mais fortemente reprimidas e
Esse autor também aborda as mudanças perseguidas. Esse é o caso dos cirujas (catado-
recentes das leis sobre o modo como se passou res de lixos), quando comparados aos vende-
a estocar e a queimar o lixo na cidade de Bue- dores ambulantes em transportes públicos.
Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 82, p. 9-23, Jan./Abr. 2018

nos Aires, produzindo transformações que afe- Outro aspecto que merece ser destacado
tam o modo de coleta dos resíduos por catado- nesse artigo são as tensões e modalidades de
res de lixo (ou os cirujas de Perelman), que, an- conflitos nessas situações e atividades, quando
tes, consistia na busca de resíduos em grandes se leva em conta o enfrentamento e o relacio-
lixões periféricos e passou a ser uma procura namento dessas atividades e dos sujeitos que
nos lixos de vizinhanças mais ricas de áreas as praticam com os policiais. Partindo da no-
centrais. Esse fenômeno vem produzindo uma ção de Pita (2012) sobre “territórios morais de
reconfiguração nas relações e interações entre controle”, Perelman se expressa sobre a cons-
classes diferentes nesses espaços, gerando no- trução de uma geografia moral que nos permita
vos conflitos e também, simpatias expressas identificar e diferenciar como se constituem e
na variedade de relações que Perelman vai et- quais são os lugares mais aceitos ou disputa-
nograficamente desentranhando e elucidando. dos em diferentes regiões da cidade. Através
Novas dinâmicas e rotinas também resultarão do entrelaçamento de diferentes temporalida-
desse processo, com o aparecimento de ativi- des e espacialidades como as que foram ana-
dades, mercados e atores novos (alguns inter- lisadas em seu artigo, o autor vai elucidando

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John Gledhill, Maria Gabriela Hita

a complexidade dessas dinâmicas e processos, a partir das narrativas coletadas em pesquisa


buscando dar maior visibilidade a alguns dos empírica – conduziu à reflexão dos autores
significados e dilemas que ficam opacos quan- sobre seus usos e as manobras dos moradores
do não se usa essa lupa do olhar desde dentro de favela, através do tipo de posição que ocu-
e mais perto (Magnani, 2002) para esse mundo pam como jovens pobres, muitos deles negros.
de relações, espaços e atores envolvidos. Afirmam tratar-se de uma categoria que fabrica
O dossiê é concluído com o artigo de fronteiras móveis, desiguala desiguais e é usa-
autoria de Fatima Cechetto, Jackeline Muniz da seletivamente para vigiar e punir juventu-
e Rodrigo Monteiro, que, segundo as próprias des de periferia. Entre suas funções está a de
palavras dos autores, visa a fornecer “pistas so- regular as identidades, rotulando como bandi-
bre as dinâmicas de inclusão ou exclusão, as dos e vulneráveis os jovens de periferia, nas
funcionalidades dos dispositivos de controle engrenagens dos processos de controle social e
e seus efeitos nas trajetórias e subjetividades vigilância, onde os criminosos comuns, e não
daqueles que vivenciam mobilidades reversas os de colarinho branco, são mais aptos a “se-
na estratificação social.” rem matáveis” e vítimas desse tipo de controle
O título “Basta tá do lado”. A constru- discriminatório e humilhante.
ção social do envolvido com o crime revela o Esse artigo é dividido em duas partes.
peso do estigma que jovens de favela carregam Na primeira, com o subtítulo: Sorria você está
e precisam superar por morar em áreas sob tu- sendo filmado: controles itinerantes, vigilâncias
tela extensiva e continuada de agentes estatais ampliadas e desconfianças recíprocas, parte-se
e grupos criminosos (Op. cit.). de um relato mais etnográfico, destacando-se
Fundamentados em pesquisa empírica, as dificuldades iniciais de chegar nesse tipo
observação participante e entrevistas com 15 de campo: desde as reações de taxistas que
jovens que participaram de projetos sociais se negam a chegar ao ponto final de destino
entre os anos de 2016 e 2017 em duas fave- no interior dessas duas favelas, até as diferen-
las cariocas – Complexo do Alemão (na Zona tes reações e experiências que vão ocorrendo
Norte, mais empobrecida) e Morro Falet (na nessa travessia. Nesse item “se problematiza o
Zona Central da cidade) –, os autores proble- caráter multidimensional, itinerante e difuso
matizam teórica e discursivamente, com base dos controles e vigilâncias”, “as representa-
no paradigma de pensamento foucaultiano, ções do medo sobre o território-favela” e “são
com distintos significados, fronteiras móveis, escrutinadas as engrenagens que movimentam

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funções, usos e dilemas que vão sendo trazi- as dinâmicas de suspeição nas narrativas dos
dos a partir da variedade de nuances analisa- jovens favelados”. Como resultado da própria
das sobre a categoria “envolvido com”, quan- proximidade física, espacial e moral, assim
do pensada na interação de jovens de favelas como pelo tipo de sociabilidade característica
com agentes policiais. Mencionam-se, entre das favelas, concluem que não há como não es-
outras, por exemplo, as ideias do estar (esta- tar, de algum modo, envolvido com a vida dos
do provisório), ficar (estado momentâneo) ou outros nesse ambiente. E todos, a partir do uso
ser (estado permanente) do “envolvido com”, cauteloso e relativizado da categoria “depen-
que podem ser pensadas como um paralelo da de”, estão aptos e dispostos a “revelar sem se
vulnerabilidade de todo jovem de favela. Ele comprometer”, verdades compartilhadas so-
pode estar envolvido com suspeitos, ou ficar bre esses assuntos: dependendo de com quem,
envolvido com bandidos, ou ainda ser envolvi- quem, sobre quem e quando se fale desses ou-
do de modo perene. O rendimento da categoria tros. Até a fiscalização das conversas através
envolvido com – finamente discursiva e teóri- do WhatsApp parece estar passando a ser uma
ca, sofisticadamente explorada pelos autores nova modalidade de vigilância sobre o que, com

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ATORES EM DISPUTAS URBANAS...

quem e quando se fala nas listas desses jovens, alertas para nem estar perto, nem longe demais do
por parte de traficantes e policiais. Afirmarão lado em que precisam ficar, numa gestão cotidiana
de si que pondera as sujeições de uns e as tiranias
que a categoria envolvido com (no seu modo de
de outros que estão à sua volta.
estar, ficar ou ser) opera como formas de repro-
duzir cercas e pedágios sociais móveis, que são
dispositivos itinerantes de incriminação. Recebido para publicação em 17 de outubro de 2017
Aceito em 13 de dezembro de 2017
Na segunda parte do artigo: “Sorria você
está sendo envolvido: manobras de uma socia-
bilidade sob suspeita”, explora-se a noção do REFERÊNCIAS
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essa engrenagem classificatória opera moral e complexo. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba, v.
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COLLINS, John F. Revolt of the Saints: Memory and
jovens ainda mais vulneráveis, trata-se de uma redemption in the twilight of Brazilian racial democracy,
categoria acusatória a serviço da reprodução de Durham, NC, e Londres: Duke University Press. 2015.
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controles estendidos de vigilâncias difusas. Ela FAULHABER, Lucas; AZEVEDO, Lena. SMH 2016:
não se restringe apenas a rotular indivíduos, remoções no Rio de Janeiro olímpico. Rio de Janeiro:
Mórula Editorial, 2015. 124 p.
mas incorpora também suas relações, num tipo
FLEURY, Sonia. Militarização do social como estratégia
de engrenagem que visa a criminalizar víncu- de integração: o caso da UPP do Santa Marta. Sociologias,
Porto Alegre, v. 14, n. 30, p. 194-222, 2012.
los sociais, reciclando ideologias sobre “classes
FREEMAN, James. Neoliberal accumulation strategies and
perigosas”, inventariando e reinventando posi- the visible hand of police pacification in Rio de Janeiro.
Revista de Estudos Universitários, São Paulo, v. 38 n.1, p.
ções. Citam-se, nesse item, as diversas forças 95-126, 2012.
repressoras e corporações policiais com suas GAIO, André Moysés. O estado delinquente: uma nova
diferentes funções, as quais são simplesmente modalidade de crime? Especiaria: cadernos de ciências
humanas, Ilhéus, v. 9, n. 15, p. 137-157, 2006.
confundidas por muitos ou tratadas como uma
GLEDHILL, John. Citizenship and the social geography of
difusa unidade. Entre elas, são mencionadas a deep neo-liberalization. Anthropologica, Toronto, v. 47 n.1
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Polícia Militar da operação, a do choque, a do
GLEDHILL, John. The new war on the poor: the production
caveirão, a da ronda, a do forjado e a da UPP. of insecurity in Latin America, Londres: Zed Books, 2015.
248p.
Essa última é reconhecida como a “PM da de-
GLEDHILL, John; HITA, Maria Gabriela; PERELMAN,
cepção”, já que nela se colocou a esperança de Mariano (Eds.) Disputas em torno do espaço urbano:
uma melhoria para a segurança nas favelas. Mas processos de [re]produção/construção e apropriação da
cidade. Salvador: EDUFBA, 2017. 433p.
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Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 82, p. 9-23, Jan./Abr. 2018

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University of California Press, 2003. 349p.
cial e racialmente jovens de periferias. Poder-
GOLDFARB, Michael. London’s great exodus. The New
-se-ia dizer que é a partir dessa perspectiva que York Times, Oct 2013. [Disponível em: http://www.nytimes.
com/2013/10/13/opinion/sunday/londons-great-exodus.
se privilegia o diálogo com teorias do desvio, do html?_r=1#story-continues-2, acesso 15 de outubro,
2013, 2013. Acesso em: 15 Oct. 2013.
crime e da violência, as quais podem se consti-
HALE, Charles R. Neoliberal multiculturalism: the
tuir numa nova sociologia da policia, embasada remaking of cultural rights and racial dominance in
em narrativas de entrevistados, como os desse Central America. PoLAR, Malden, MA, v. 28. n.1, p. 10-28,
2005.
artigo. E, para concluir, citamos o iluminado
HARVEY, David. Rebel cities: from the right to the city to the
trecho final com o qual os autores concluem urban revolution. London, New York: Verso Books, 2012.
208 p.
seu texto, indicando o tipo de análise pretendi-
KLAUFUS, Christian. Taking up residency: spatial
do e alcançado por eles: reconfigurations and the struggle to belong in urban Latin
America. In: KLAUFUS, Christian; OUWENEEL, Arij
Os jovens seguem abrindo brechas nas variadas cer- (Eds.) Housing and belonging in Latin America. New York
and Oxford, Berghahn Books, 2015. p. 1-20.
cas existentes por meio do lazer, da arte, da religião,
MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro:
da educação formal, da tecnologia e da inserção em notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de
projetos sociais. Constroem seus caminhos, sempre Ciências Sociais, São Paulo, v.17, n. 49, p. 11-29, 2002.

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PITA, Maria Victoria. Mitologías porteñas en torno al poder TAVEIRA, Vitor. Cidades sem medo. Caros Amigos, n. 244,
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en la Ciudad de Buenos Aires. La Biblioteca, v.12, p.182-
209, 2012. WACQUANT, Loïc. Punishing the poor: the neoliberal
government of social insecurity. Durham and London:
SASSEN, Saskia. Expanding the terrain for global capital. Duke University Press, 2009. 408 p.
In: AALBERS, Manuel; SASSEN, Saskia (Eds.) Subprime
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96.

Caderno CRH, Salvador, v. 31, n. 82, p. 9-23, Jan./Abr. 2018


John Gledhill – Professor Emérito da Universidade de Manchester, editor da revista internacional Critique
of Anthropology, e membro da Academia de Ciências Sociais do Reino Unido e da Academia Britânica.
Tem realizado pesquisas etnográficas e históricas no México e no Brasil sobre uma variedade de temas e
populações indígenas e mestiças, tanto em zonas rurais quanto urbanas, e sobre migração internacional
e relações transnacionais. Seus livros monográficos mais recentes são: The New War Against the Poor:
the production of insecurity in Latin America (Zed Books, 2015) e La cara oculta de la inseguridad en
México (Paidós, 2017).
Maria Gabriela Hita – Doutora em Antropologia pela UNICAMP. Professora do Departamento
de Sociologia e dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) e o de Estudos
Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (PPGNEIM) da Universidade Federal da Bahia.
PQ-2 do CNPq no Núcleo de Estudos em Ciências Sociais, Ambiente e Saúde (ECSAS/PPGCS). Fez
visitas acadêmicas Pós-doutorais na Universidade de Manchester – Reino Unido (em 2008, 2013 e 2018).
Desenvolve pesquisas sobre temas urbanos e pobreza, género, família, parentesco, saúde e raça. Entre seus
principais livros publicados estão: A casa de mulheres n’outro terreiro: famílias matriarcais em Salvador
(2014); Disputas em torno do Espaço Urbano: processos de [re]produção/construção e apropriação da
cidade (2017), co-organizado com Gledhill e Perlman; Raça, racismo e genética em debates científicos e
controvérsias sociais (Org.) (2017)

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