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4.1 Introdução
A pandemia causada pelo novo coronavírus é antes um problema ambien-
tal e ecológico que apenas epidemiológico e humano. Ao redor do mundo, au-
toridades científicas, de saúde pública e epidemiológicas, não por acaso vêm
ressaltando as origens ambientais que levaram à eclosão da poderosa zoonose
Covid-19 em nível alarmante pelo globo. Com esse pano de fundo, o presente
trabalho busca investigar o background da crise ecológica e sua responsabilida-
de pela crise do novo coronavírus, interpretando tal complexidade pelo vértice
da sociedade de risco mundial, que agora age como uma metamorfose para o
mundo, alterando certezas políticas, sociais e jurídicas, de modo a exigir ruptu-
ras cruciais no Direito Ambiental vigente para a prevenção de novas crises cujos
efeitos colaterais são cada vez mais complexos, como a pandemia em curso.
Com este contexto, a primeira parte do trabalho abordará a relação do meio
ambiente com a explosão da pandemia, os entrelaçamentos com a crise ecológica
mundial, mantida pelo paradigma desenvolvimentista degradador e amparada
pelo Direito Ambiental, destacando o relatório “Frontiers 2016 Report: Emerging
Issues of Environmental Concern”, do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), publicado em 2016, que traçou premonitoriamente pers-
pectivas entre problemas ambientais e o surgimento de pandemias de zoonoses
pelo mundo, em paralelo introduzirá os contornos estruturais da sociedade de
risco hodierna, metamorfoseadora da noção de mundo, causadora de inédita
alteração da realidade política, social, econômica e sobretudo jurídica, marcada
pelo desafio da emergência climática e agora pelo novo coronavírus.
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A fim de oferecer alternativas, o que cada vez mais exige uma ruptura
no Direito Ambiental vigente, alinhado a um viés ecologizado e sistematiza-
do de implementação das normas, suficiente aos efeitos das pandemias e da
emergência climática, na segunda e última parte do trabalho serão abordados
os principais instrumentos e definições previstos no recente relatório global
“Environmental Rule of Law First Global Report”, das Nações Unidas, deline-
ando uma perspectiva de inescapável transição para um Direito e também
um Estado de Direito ecologizados, precursores de um Green New Deal glo-
bal, capazes de atuar contra a emergência climática, proteger o meio ambien-
te, cumprir com os objetivos da Agenda 2030 Global e enfrentar pandemias
como as do novo coronavírus.
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548 BBC. Coronavírus: OMS declara pandemia. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/
portuguese/geral-51842518> . Acesso em: 17 abr. 2020.
549 THEGUARDIAN. Coronavirus world map: which countries have the most cases and deaths?,
2020. Disponível em: < https://www.theguardian.com/world/2020/may/13/coronavirus-world-
map-which-countries-have-the-most-cases-and-deaths>. Acesso em 14 maio 2020.
550 FMI, The Great Lockdown: Worst Economic Downturn Since the Great Depression, 2020. Disponível
em: <https://blogs.imf.org/2020/04/14/the-great-lockdown-worst-economic-downturn-since-the-
great-depression/>. Acesso em 25 abr. 2020.
551 THEGUARDIAN. US unemployment rises 6.6m in a week as coronavirus takes its toll, 2020.
Disponível em: <https://www.theguardian.com/business/2020/apr/09/us-unemployment-filings-
coronavirus> Acesso em 26 abr. 2020.
552 OGLOBO, Coronavírus derruba economia chinesa que caminha para primeira contração desde
1976. 2020. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/coronavirus-derruba-economia-
chinesa-que-caminha-para-primeira-contracao-desde-1976-24308515> Acesso em 26 abr. 2020.
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(CO2) foram pelo menos 25% menores do que no início de 2019553, com desta-
que para a melhora da qualidade dos rios da cidade italiana de Veneza, algo
não visto em décadas.
Sem dúvidas, a pandemia do novo coronavírus está denotando uma ver-
dadeira mudança de época para a humanidade, com alterações abruptas nas
relações humanas em sentido amplo, como trabalho, ensino, pesquisa, logísti-
ca, produção e serviços, entre outros. Essa mudança traz a reboque constata-
ções muito caras à crise ecológica mundial. Por essa razão, na lição do filósofo
francês Bruno Latour, “ficou provado que é possível, em questão de semanas,
suspender, em todo o mundo e ao mesmo tempo, um sistema econômico que até
agora nos diziam ser impossível desacelerar ou redirecionar”554 , uma relação
peculiar com o meio ambiente planetário, o que por sua vez acende alerta para
a crise ecológica mundial – outra pandemia global que se aproxima - e suas
causas principais, ou seja, o modelo de desenvolvimento econômico e indus-
trial, além dos objetivos políticos e jurídicos alinhavados e estruturados pelas
nações mundiais555 .
Por esse vértice, ficam evidenciadas as estreitas relações entre o meio
ambiente e a pandemia do novo coronavírus, especialmente pelas falhas na
gestão da natureza nos âmbitos político, econômico e sobretudo jurídico, uma
vez que, embora sejam – por razões justas e necessárias – priorizados os fa-
tores de saúde humana e epidemiológica, vem crescendo consenso entre as
autoridades mundiais no sentido de que a pandemia da Covid-19 seja causada
por uma série de falhas e lacunas ligadas à atividade humana sobre o meio
ambiente e suas consequências, cujos contornos o direito ambiental vigente
não as combate e tampouco considera, muito em razão de suas próprias limi-
tações, que neste trabalho serão debatidas.
Diante de tal correlação de fatores, investigando a explosão da pandemia
em curso, autoridades públicas de saúde vêm alertando para as relações ori-
553 NASA, How the Coronavirus Is (and Is Not) Affecting the Environment, 2020. Disponível em:
<https://earthobservatory.nasa.gov/blogs/earthmatters/2020/03/05/how-the-coronavirus-is-and-
is-not-affecting-the-environment/> Acesso em 26 abr. 2020.
554 LATOUR, B. Imaginar gestos que barrem o retorno da produção pré-crise. Tradução: Déborah
Danowski e Eduardo Viveiros de Castro, 2020. Disponível em: <https://n-1edicoes.org/008-1>
Acesso em: 26 abr. 2020.
555 LATOUR, op. cit..
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556 CNN, Bats are not to blame for coronavirus. Humans are, 2020. Disponível em: <https://edition.
cnn.com/2020/03/19/health/coronavirus-human-actions-intl/index.html>. Acesso em 26 abr. 2020.
557 ONU. Mais de 60% dos organismos causadores de doenças chegam aos humanos por animais
vertebrados, 2018. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/mais-de-60-dos-organismos-
causadores-de-doencas-chegam-aos-humanos-por-animais-vertebrados/>. Acesso em 25 abr. 2020.
558 TUMPEY, T.M.; GARCÍA-SASTRE, A.; MIKULASOVA, A.; TAUBENBERGER, J.K.; SWAYNE, D.E.;
PALESE, P.; BASLER, C.F. Existing antivirals are effective against influenza viruses with genes from
the 1918 pandemic virus. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of
America. Disponível em: <https://www.pnas.org/content/99/21/13849> Acesso em 26 abr. 2020.
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559 UNEP, Frontiers 2016 Report: Emerging Issues of Environmental Concern, 2016, p. 18,
tradução livre. Disponível em: <http://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/7664/
Frontiers_2016.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 25. abr. 2020.
560 UNEP, op. cit., p. 18.
561 Idem. p. 22.
562 ECOHEALTHALLIANCE, Disease X: The Next Pandemic. 2020. Tradução livre. Disponível em:
<https://www.ecohealthalliance.org/2018/03/disease-x>. Acesso em 26 abr.2020.
563 ECOHEALTHALLIANCE, op. cit.
564 PANAFTOSA, Preliminary Report A Survey of Zoonoses Programmes in the Americas, 2016.
Disponível em: <https://www.paho.org/panaftosa/index.php?option=com_docman&view=downl
oad&slug=preliminar-report-zoonosis-080716-8&Itemid=518> Acesso em 26 abr. 2020.
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565 ONU. PNUMA lista 6 fatos sobre coronavírus e meio ambiente. 2020. Disponível em: <https://
nacoesunidas.org/pnuma-lista-6-fatos-sobre-coronavirus-e-meio-ambiente/>. Acesso em 26 abr. 2020.
566 ONU, 2020, op. cit.
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para a crise ecológica, a qual, por sua vez, como visto, possui estreita relação
na expansão das zoonoses, como a do novo coronavírus.
Como antípoda dessas catástrofes está o direito ambiental vigente, instru-
mento da sociedade e do Estado democrático de direito, incumbido de regular
comportamentos ecologicamente prejudiciais e ilegais, punindo as ações ou
omissões degradadoras. Todavia, por um olhar retroativo da história moder-
na, segundo Fritjof Capra e Ugo Mattei, a Ciência Jurídica mostrou-se eminen-
temente linear, mecanicista, distante das relações complexas do meio natural,
com o afã intuito de instrumentalizar a natureza e seus recursos, considerando-
-a como uma máquina, paradigma que precisa ser superado por uma ordem
sistêmica e holística, em harmonia com a natureza e com a vida na Terra570.
É chegado o momento para um direito ambiental desafiado em suas ba-
ses hermenêuticas e epistemológicas, como assevera Germana Belchior571, em
que a tutela jurídica da natureza e dos seres não-humanos esteja alçada ao
nível dos direitos dos seres humanos, confirmando um fundo ético da respon-
sabilidade como um princípio, como denota Hans Jonas572, uma vez que, se o
dever em relação ao homem se apresenta como prioritário, ele deve incluir o
dever em relação à natureza, como condição da sua própria continuidade e
como um dos elementos da sua própria integridade existencial, alcançando a
proteção dos direitos das gerações futuras573.
Com efeito, os reflexos desastrosos sobre o mundo natural de nossas leis
e nossa economia restam bastante evidentes a esta altura, e tal entendimento,
contudo, não exerceu até o momento influência sobre a formulação de políticas
públicas pelo mundo, de modo que o desenvolvimento não reconhece – mesmo
face à catástrofe - que o extrativismo do modelo capitalista entre em conflito
com os princípios fundamentais da ecologia, e a violação desses princípios é tão
letal quanto ignorar a lei da gravidade no escalar de uma montanha574.
570 CAPRA, F; MATTEI, U. A Revolução ecojurídica: O direito sistêmico em sintonia com a natureza
e a comunidade. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. 1 ed. São Paulo: Cultrix, 2018.
571 BELCHIOR, G. Fundamentos epistemológicos do direito ambiental. 1 ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2017.
572 JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.
Tradução: Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. 2 ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2015.
573 JONAS, op. cit., 2015, p. 230.
574 CAPRA, F.; MATTEI, U., op. cit., p. 37.
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579 KLEIN, N.. On fire: the burning case for a green new deal. New York: Simon & Schuster, 2019.
580 KLEIN; op.cit., p. 22.
581 BECK, U., Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução: Sebastião Nascimento.
São Paulo: Editora 34, 2010.
582 BECK, op. cit.
583 BECK, U. A metamorfose do mundo: novos conceitos para uma nova realidade. Tradução Maria
Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Maria Claudia Coelho. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
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por parte do Presidente da República que adota uma postura pouca cautelosa
quando o assunto é novo coronavírus587.
Não bastassem os retrocessos em áreas sociais e na política ambiental,
o atual governo brasileiro alça o país a um nível vulnerável sem precedentes,
de obscurantismo frente à ciência e às medidas indicadas pelas autoridades
de saúde pública, vindo a ser considerado o país do mundo que demonstrou a
pior resposta política e institucional à pandemia entre os 53 países mais afe-
tados pela Covid-19588.
Somada à crise da pandemia no Brasil, outro fator que acelera a meta-
morfose política no exemplo brasileiro está na crise democrática e política no
país causada pelo governo vigente, que vem sendo destacada com similitudes
a episódios históricos de autoritarismo589, de modo a ser observada corrosão de
instituições e de valores democráticos, em direção a uma ditadura em pleno
século XXI, exigindo, como nunca, o papel de efetividade do Estado de direito
como pilar da democracia.
Para além das evidentes afrontas ao regime democrático e constitucio-
nal brasileiro, o governo atual subverte a ordem institucional da política am-
biental, cenário exposto pelas intenções nada republicanas do Ministério do
Meio Ambiente pela utilização do momentum crítico da pandemia a fim de
dar cabo a retrocessos e desenhos normativos nocivos e desregulamentadores
da ordem político-jurídica ambiental brasileira590.
587 VEJA. OMS dá recado a Bolsonaro: ‘Esta é uma doença muito séria’, 2020. Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/mundo/oms-da-recado-a-bolsonaro-esta-e-uma-doenca-muito-seria/>
Acesso em 20 abr. 2020.
588 ESTADÃO, Brasileiros consideram que país tem a pior resposta à pandemia, diz pesquisa. 2020.
Disponível em: <https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,brasileiros-consideram-que-pais-
tem-a-pior-resposta-a-pandemia-diz-pesquisa,70003335740>.Acesso em 20 jun. 2020;
589 FINANCIALTIMES, Jair Bolsonaro’s populism is leading Brazil to disaster. 2020. Disponível em:
<https://www.ft.com/content/c39fadfe-9e60-11ea-b65d-489c67b0d85d >.Acesso em 20 jun. 2020;
590 Durante a reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, alertou os ministros sobre o que considerava ser uma oportunidade trazida pela pandemia da
Covid-19: para ele, o governo deveria aproveitar o momento em que o foco da sociedade e da mídia
está voltada para o novo coronavírus para passar “a boiada” e “mudar” regras enquanto atenção
da mídia está voltada para Covid-19. G1. Ministro do Meio Ambiente defende passar ‘a boiada’
e ‘mudar’ regras enquanto atenção da mídia está voltada para a Covid-19. Disponível em: <
<https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/ministro-do-meio-ambiente-defende-passar-a-
boiada-e-mudar-regramento-e-simplificar-normas.ghtml>. Acesso em: 1 jul. 2020.
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595 De acordo com a descrição da OMS, uma pandemia se caracteriza quando está se espalhando uma
doença entre seres humanos em uma série de países. Ela acontece quando há o aparecimento de
surtos localizados em diversas regiões do mundo ao mesmo tempo (BBC, 2020).
596 BBC. Coronavírus: OMS declara pandemia. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/
portuguese/geral-51842518> . Acesso em: 17 abr. 2020.
597 BECK, Ulrich. op. cit., 2018. p. 57.
598 Idem. p. 84.
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financeiro, radiação nuclear), que não estão confinados no tempo nem por
fronteiras territoriais de uma única sociedade601. Quanto maior o sucesso do
desenvolvimento na sociedade de risco mundial, maiores os males comuns
criados por tal evolução, que atingem cada vez mais níveis desiguais.
Assim, Beck indica que “na era da mudança climática, a noção de ‘classe
social’ torna-se classe antropocena, isto é, os riscos dessa nova condição huma-
na indiferem os conceitos de bens materiais ou nacionalidades. Há a distribui-
ção desigual de bens, mas em contramão há a geração igualitária dos males
incutidos na produção de tais bens602. É o que Beck chama de efeito bumeran-
gue, em sua obra “Sociedade de Risco”, ao mencionar que os riscos da segunda
modernidade afetam, mais cedo ou mais tarde, também aqueles que o produ-
ziram ou se beneficiaram deles, ou seja, contêm um efeito bumerangue que
rompe o esquema da sociedade de classes. Isso significa que nem mesmo os
ricos e poderosos estão fora de perigo603. Entretanto, é necessário lembrar que
os mais vulneráveis acabam sendo atingidos com maior intensidade604, como
se verificou em Nova York, cidade em que se constatou que o vírus é duas ve-
zes mais mortal para pessoas negras e latinas do que brancos605.
No Brasil, de acordo come estudo feito por pesquisadores de uma rede
articulada por várias instituições acadêmicas para monitorar o impacto da
pandemia no país, a crise provocada pelo coronavírus deverá acentuar as
desigualdades existentes no mercado de trabalho brasileiro, entre homens e
mulheres, brancos e negros606. Ainda pensando nas populações mais vulne-
ráveis, é possível verificar essa questão quando se pensa nas favelas é possível
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verificar essa questão quando se pensa nas favelas, locais em que muitas vezes
não há água potável, impedindo que uma medida precaucional tão simples
consistente no ato de lavar as mãos se torne inviável. Nesse sentido, Pinho,
ensina que a falta de água é uma preocupação constante, que também dificulta
o trabalho de conscientização da população – como convencer pessoas de que
suas vidas importam se elas não podem sequer lavar as mãos frequentemente 607.
Riscos da mudança climática, Organismos Geneticamente Modificados
(OGMs), nanotecnologia, entre outros, são cada vez mais complexos e o que
agrava a situação, segundo BECK, está na ocultação de informação estrutu-
rada, como no choque antropológico de Chernobyl em 1986. Mesmo após tal
acidente e outros, permanece, contudo, uma política de invisibilidade na me-
tamorfose mundial, cuja estratégia “é importante para estabilizar a autoridade
do Estado e a reprodução da ordem social e política pela negação da existência
de riscos globais e seus efeitos de ‘apropriação ecológica e de risco’”608 .
Tal invisibilidade dos riscos globais se dá principalmente em razão do
desvio dos custos, da saúde social e do planeta, para os custos econômicos e
problemas econômicos-administrativos. Por essa razão, a partir da metamor-
fose, surge o conceito das relações de dominação no poder político, de modo
a evitar a “racionalidade superficial da avaliação e determinação do risco e
incluir em sua perspectiva as estruturas e agências de poder subjacentes à defi-
nição social de risco global”.609
Para Beck, nesse sentido, as relações de produção devem ser lidas pelo
espectro da definição e domínio na política atual, pois padrões e regras de-
terminam a construção social e a avaliação do que é um risco global e do que
não é, o poder político ligado aos riscos é metamorfoseado pelas relações de
domínio no conhecimento sobre os riscos e seus desdobramentos, pois o po-
der de “definição interliga-se ao de produção dos riscos”610.
607 PINHO, J. É difícil falar sobre perigo quando há naturalização do risco de vida. Disponível em:
<https://www.abrasco.org.br/site/noticias/saude-da-populacao/coronavirus-nas-favelas-e-dificil-
falar-sobre-perigo-quando-ha-naturalizacao-do-risco-de-vida/46098/> . Acesso em: 27 abr..2020.
608 BECK, op. cit., 2018. p. 133.
609 Op. cit. p. 129.
610 Idem. p. 130.
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612 PNUMA - PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE. Environmental
Rule of Law. First Global Report, 2019. Disponível em:< https://wedocs.unep.org/bitstream/
handle/20.500.11822/27279/Environmental_rule_of_law.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso
em: 27 de abr. 2020.
613 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. O Estado teatral e a implementação do Direito
Ambiental. In: Congresso Internacional de Direito Ambiental, 7., 2003, Direito, água e vida, Anais.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003. v. 1. p. 335-366. Disponível em: <https://
bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/30604> . Acesso em: 17 de ago. 2020.
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619 Os quatro objetivos atingidos consistem na supressão de chumbo na gasolina, na melhoria do acesso
ao abastecimento de água; na eliminação de substâncias que prejudiquem a camada de ozônio e na
promoção de pesquisas para reduzir a contaminação do ecossistema marinho (PNUMA, 2012).
620 PNUMA. GEO5: Global Environment Outlook. Nairobi, Kenya, 2012. Disponível em:
<ht t ps://wedoc s.u nep.org / bit st rea m / ha nd le/20. 50 0.11822/8 021/GEO5 _ repor t _ f u l l _
en.pdf?sequence=5&isAllowed=y>. Acesso em: 27 de ab. 2020.
621 WWF, World Wild Found. Como a biodiversidade afeta a mim e as outras pessoas? Disponível
em: <https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/especiais/biodiversidade/consequencias_perda_
biodiversidade/.> Acesso em: 27 abr. 2020.
622 PNUMA - PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE. Environmental
Rule of Law. First Global Report, 2019. Disponível em:< https://wedocs.unep.org/bitstream/
handle/20.500.11822/27279/Environmental_rule_of_law.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso
em: 27 abr. 2020.
623 Op. cit. p. 25.
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642 IUCN, World Declaration on the Environmental Rule of Law. World Congress on Environmental
Law, having met in Rio de Janeiro (Brazil). 2016. Disponível em: <https://www.iucn.org/sites/dev/
files/content/documents/english_world_declaration_on_the_environmental_rule_of_law_final.
pdf>. Acesso em 13 jul. 2020. p. 4.
643 IUCN, op. cit., p. 5.
644 WORKER, J. and Lalanath De Silva. 2015. “The Environmental Democracy Index.” Technical Note.
Washington, D.C.: World Resources Institute. Disponível em: <www.environmentaldemocracyindex.
org.>.Acesso em: 5 mai. 2020.
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648 BENJAMIN, A. Herman. Princípio da proibição de retrocesso ambiental. In: SENADO FEDERAL.
O princípio da proibição de retrocesso ambiental. Brasília: Senado Federal, 2011. p. 56.
649 PNUMA, op. cit., p. 143.
650 Idem. p. 152.
651 Ibidem. p. 154.
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minhos para o futuro do planeta, pois se chega ao fim das certezas, restando
o império das probabilidades, no qual a incerteza prevalece, como delineou
outro Nobel de química Ilya Prigogine665.
Por essas razões, falar na extinção do mundo é falar da necessidade de
imaginar, antes que um novo mundo em lugar deste mundo presente, um
novo povo, o povo que falta, um povo que creia no mundo que ele deverá criar
com o que de mundo seja deixado para ele666 , um novo povo com um novo
Estado, política e direito, pensados ecologicamente, conexos com a natureza,
mantendo-se um mundo com um povo existente.
O mundo presente, que agoniza existência, agora está em metamorfo-
se, consistente nos efeitos colaterais incontroláveis do alegado progresso da
humanidade, produzidos de maneira não intencional e que o conceito de Es-
tados-nação e do próprio direito vigente não os compreende e tampouco as re-
gula satisfatoriamente667. Os riscos globais são, assim, o agente da metamorfose
do mundo, porquanto só podem ser compreendidos pela soma dos problemas
para os quais não há resposta institucional668. É o que se observa no caso do
novo coronavírus e da crise ecológica e climática mundial, cujos efeitos adver-
sos cada vez mais são descontrolados, gerando perdas irreparáveis para toda a
sociedade, senão sua extinção.
Com tais elementos postos, o desafio que se sobressalta exige a redefini-
ção das estratégias políticas e econômicas de Estado e o seu fundamento no
direito e nas leis, que, face à crise ecológica e climática, deverão ser considera-
dos pelo critério sustentável e ecológico, como no caso do Green New Deal em
vários países, em especial Coreia do Sul e a União Europeia. É momento em
que o Direito Ambiental vigente necessita ser revisto sob pena de não atingi-
mento dos objetivos almejados e agravamento das crises vivenciadas.
As crises ecológica e pandêmica definem o desafio para o Direito Am-
biental vigente, qual seja, possibilitar a efetiva regulação e tutela de um desen-
665 PRIGOGINE, I. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: Edunesp, 1999.
666 DANOWSKI, Deborah. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins / Deborah Danowski, Eduardo
Viveiros de Castro. – Florianópolis: Cultura e Barbárie: Instituto Socioambiental, 2014. p. 159.
667 BECK, U. A metamorfose do mundo: novos conceitos para uma nova realidade. Tradução Maria
Luiza X. de A. Borges; revisão técnica Maria Claudia Coelho. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
668 Op. cit. p. 93.
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669 KLEIN, N. On fire: the burning case for a green new deal. New York: Simon & Schuster, 2019. p. 29.
670 KLEIN, N. op. cit., p. 31.
671 Idem. p. 29.
672 Ibidem. p. 29.
673 Ibidem. p. 30.
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684 LEITE, J. R. M.; SILVEIRA, P. G. A ecologização do Estado de Direito: uma ruptura ao Direito
Ambiental e ao Antropocentrismo vigentes. In: A Ecologização do Direito Ambiental vigente:
rupturas necessárias. Orgs. CAVEDON-CAPEDEVILLE, F.; LEITE, J. R. M. 1. Ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2018. p. 101.
685 LATOUR, op. cit.
686 DAROS, L F. Delineando uma compreensão da Justiça Ecológica para perspectiva do direito
ambiental ecologizado. p. 67-100. In: A Ecologização do Direito Ambiental vigente: rupturas
necessárias. Orgs. CAVEDON-CAPEDEVILLE, F.. LEITE, J. R. M. 1. Ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2018. p. 89.
687 DAROS, op. cit., p. 93.
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688 SCHLOSBERG, D. Defining Environmental Justice: Theories, movements and Nature. United
Kingdom: Oxford University Press, 2007. p. 142.
689 KLEIN, op. cit., p. 80.
690 Idem. p. 80.
691 SCHLOSBERG, op. cit., p. 75.
692 KOTZÉ, Louis J. Earth System Law for the Anthropocene. In: Sustainability, 2019. Disponível em:
<https://www.mdpi.com/2071-1050/11/23/6796#cite>. Acesso em 20 jun. 2020.
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