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Organizadores:
Damaris Maranhão, Danielle Cristina Wolff, Débora Checchinato, Juliana
Davini e Márcia Fiori.
Autores:
Dra Damaris Maranhão
Dra Juliana Davini
Dra Lucia Amorin
Dra Silvia Marques
Danielle Wolff
Débora Checchinato
Marcia Pires Duarte Fiori
Fabiana Diniz
Fabiana Coimbra
Débora Renata Clemente
Colaboradores:
Dra Julia Kerr Catunda Machado
Cleide Valadas
Gilda Cassiano
Rejane Menezes
Alice Teixeira
Fátima Meneguello
Inspiradores:
Os nossos bebês de ontem, hoje e amanhã.
Os educadores que já cruzaram o nosso caminho.
Os educadores e funcionários que caminham conosco.
Os teóricos que nos ensinaram e ensinam a ver mundo com variadas lentes.
Julho 2012
SUMÁRIO
1- Introdução.
1 A questão da escolha é bastante delicada para mães operárias e que resolvem não escolher o uso do
benefício da creche da empresa na qual trabalham. Algumas podem receber auxílio creche ou não (o que
depende da política da empresa, da convenção coletiva e do cumprimento da legislação trabalhista), o que
pode ampliar (ou não) as opções de escolha de creches particulares para estas famílias. Sabemos que em
nosso país, há muitas demandas por creche não atendidas, o que significa que as mães e as famílias da
classe popular, podem encontrar poucas opções de vagas em instituições infantis públicas.
alimentar, confortar, limpar, trocar, proteger, preservar a integridade psíquica e
física, orientar, dar limites, dividir, atender as demandas, ensinar a aguardar e
muitas outras ações.
Os adultos buscam contornar os momentos de desconforto e a tensão
deles resultante ajudando na promoção do equilíbrio como resultado da
conquista do bem-estar. As ações que promovem a saúde na creche são todas
aquelas que garantam o desenvolvimento da criança através da criação de bons
cuidados cotidianos, nos quais a criança possa participar gradativamente,
conforme seu processo de crescimento, aprendendo a expressar-se, a cuidar de
si mesma, do outro e do ambiente.
No projeto do CEDUC, é enfatizada a diferença do papel dos
profissionais de saúde, especialistas que compõem a equipe da creche ou a
supervisionam (enfermeira, psicanalista, psicóloga, nutricionista e médico
pediatra), em relação aos profissionais externos escolhidos pelas famílias
(médicos, terapeutas e outros). O objetivo dos profissionais da creche não está
voltado exclusivamente à assistência individual, mas, prioritariamente, à
promoção da saúde de todos dentro do coletivo infantil.
Faz parte do trabalho, também, o controle e o acompanhamento do
desenvolvimento da parte motora, cognitiva, social e emocional das crianças, da
sua alimentação, das vacinas e dos agravos à saúde (por meio de vigilância
epidemiológica, acompanhamento das intercorrências e tratamentos individuais
informados pelos familiares ou observados e registrados pelos educadores).
A partir disso, os profissionais de saúde da creche, integrados à equipe
pedagógica, desenvolvem um importante suporte aos pais e educadores para
lidar com as intercorrências de saúde das crianças, porque elas podem assumir
um significado que extrapole a dimensão biológica, podendo gerar, em alguns
casos, preocupação, ansiedade, angústia, insegurança e conflitos.
Um aspecto fundamental para que todo esse cuidado possa acontecer
é a formação continuada dos profissionais, tanto daqueles que atuam no
cotidiano diretamente com as crianças e com as famílias (coordenadoras,
enfermeiras, educadores, lactaristas, equipes de limpeza), como da própria
equipe de supervisão. Esta última é composta por profissionais especialistas nos
campos da saúde e da educação que compartilham com as coordenadoras de
cada unidade os processos formativos contínuos das equipes locais.
A qualidade do cuidado com a criança requer controle e revisão
constantes do ambiente, dos processos e das suas operacionalizações e
adequações com os planejamentos, além da avaliação contínua da rotina.
Associada aos cuidados com a infraestrutura e com o planejamento, a reflexão
continuada das atitudes e dos procedimentos dos enfermeiros, educadores e
lactaristas ao atender crianças e familiares aprimora essa ação. A formação da
equipe é feita e compartilhada entre os especialistas da saúde e as
coordenadoras de unidade, e acontecem com participações de diferentes
profissionais e em diferentes momentos. Vamos acompanhar agora o
detalhamento do nosso Projeto Educacional de Saúde.
2 - Resgate histórico dos conceitos
sobre saúde e doença
Desde os primórdios da civilização, os filósofos e cientistas tentaram
explicar os fenômenos vitais relacionados à saúde e à doença. Inicialmente,
atribuíram a doença à ausência ou à supressão de um princípio vital, ou, ainda,
à presença de algo estranho e nocivo. Na Grécia antiga, desenvolveu-se a
compreensão de que a saúde era resultante de um equilíbrio de forças opostas:
úmido-seco, quente-frio, amargo-doce. Por analogia, a doença seria causada
pelo predomínio de um desses polos, e a terapêutica, a tentativa de restaurar o
equilíbrio perdido.
As observações detalhadas de um médico grego aprofundaram e
evidenciaram a complexidade das relações entre o organismo e o ambiente,
entre o corpo e a mente o que, mais tarde, deu origem à medicina ocidental que
se desenvolveu com base em diversos modelos explicativos, predominando o
modelo biomédico.
Muitas das concepções iniciais foram refutadas por pesquisas
posteriores e outras, revistas e reafirmadas com o passar dos tempos. Na
sociedade ocidental, foram elaborados outros modelos explicativos para os
sofrimentos psicológicos ou físicos, tais como (psicanálise, neurociências,
psicossomática, antroposofia, homeopatia, entre outros) ou para explicar porque
a doença se distribui ou é percebida de forma diferente entre diversos grupos
sociais, a saber, (epidemiologia, etnomedicina). Essas diversas concepções
coexistem e podem ser mais ou menos aceitas dependendo da visão de mundo
do indivíduo ou do grupo que busca a explicação e a melhor terapêutica para
seu sofrimento2.
Da mesma forma que a medicina ocidental possui uma trajetória que
resulta no atual modelo biomédico predominante, outras civilizações
desenvolveram seus modelos explicativos e terapêuticos diversos,
2 A ciência que estuda as doenças em medicina é denominada patologia, que deriva do grego antigo
PATHOS, que significa paixão, apelo emocional, sofrimento, dependendo do uso do autor e da área
estudada. Cícero (filósofo romano nascido no ano 106 a.C.) define pathos como os movimentos da alma
que nos afastam da razão, (como ocorre com a tristeza, o medo, a alegria, a raiva e a libido).
complementares ou conflitantes em relação ao modelo ocidental, como é o caso
da medicina chinesa e da indiana (ayurvédica), entre outras.
3 - Concepção de saúde e doença
no CEDUC
A definição do termo saúde é complexa, porque é um estado psicofísico
dinâmico que pode ser percebido ou classificado de forma diferente por cada
pessoa, em cada tempo histórico. Segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), o estado de saúde não corresponde apenas à ausência de doença, mas
compreende o bem-estar físico, psíquico e social das pessoas. Paradoxalmente,
os indicadores de saúde de uma comunidade incluem a descrição da incidência
e a prevalência das doenças – respectivamente o coeficiente de casos novos e
o total de casos de pessoas que adoeceram em um determinado espaço e
tempo.
Definir o termo doença também é uma tarefa complexa, embora
obtenha-se a ajuda de sinônimos, como padecimento, quando de uma
enfermidade, ou sofrimento, em caso patológico, para compreender a sua
amplitude. Alguns estados corpóreos ou mentais causam desconforto ou
sofrimento e, dependendo da intensidade das alterações orgânicas ou psíquicas
percebidas, podem ser classificados pelos especialistas como doença.
A concepção de saúde adotada por nós parte do pressuposto de que
saúde é um estado dinâmico, resultante da interação de dimensões relacionais,
psíquicas e orgânicas e do modo de vida organizado pela sociedade.
Assim sendo, o processo saúde-doença é determinado por diferentes
fatores genéticos, familiares, religiosos e culturais, como também pela interação
entre as escolhas pessoais e coletivas relativas à organização do trabalho. As
condições do meio ambiente, de habitação, de lazer, de alimentação, de
proteção, de conforto, de relacionamentos afetivos e sociais e de acesso aos
bens e serviços, entre outros, são importantes agentes nesse contexto.
Os profissionais do CEDUC compreendem que saúde é uma conquista
contínua e progressiva de responsabilidade de todos os envolvidos com o
cuidado e a educação da criança. A doença é percebida como parte do ciclo vital,
mas que requer observação, registro, análise, cuidados especiais além de
terapêutica personalizada, visando a recuperação, a prevenção de cristalizações
e/ou complicações e, ainda, evitar, quando da doença física, a disseminação
para o coletivo.
Além de cuidar da criança que adoece, é preciso analisar a relação
desse fato com o estado de saúde das outras crianças, da família e até mesmo
dos trabalhadores da empresa. É preciso buscar e identificar outras pessoas que
manifestam o mesmo sintoma, no mesmo tempo e espaço, encontrar o agente
causal, adotar medidas de controle para evitar a disseminação no coletivo ou a
recorrência do problema. No plano da individualidade, a doença pode ser um
sinal para se reavaliar os cuidados compartilhados entre a equipe e a família.
Rever procedimentos de limpeza e prevenção, afinar o olhar e a escuta para a
criança e a mãe e observar as relações interpessoais são possibilidades
interessantes quando a equipe manifesta preocupação com alguma criança em
específico.
No plano coletivo, a doença física pode ser um sinal de problemas nos
procedimentos, na rotina de cuidados com todas as crianças ou com um grupo
etário específico. Assim, a doença pode ser evitada seja na sua frequência como
na sua gravidade ou nas suas formas de manifestação, distribuição e
consequências, reduzindo, desse modo, o sofrimento dos pais, da equipe e,
sobretudo, da criança, evitando que se torne um estigma, um perigo, distinguindo
o falso do verdadeiro risco.
Essa concepção requer negociar valores e crenças, articulando e
ressignificando experiências e conhecimentos das famílias usuárias, bem como
dos profissionais responsáveis pelo cuidado e pela educação das crianças no
contexto da creche situada em cada empresa. Deve-se, entretanto, obedecer a
critérios sanitários e éticos que orientam a ação dos profissionais para o
atendimento e a educação de crianças no espaço coletivo 3.
3 No capítulo 14 trataremos das normas e dos critérios sanitários que orientam nossas ações.
4 - Escolhas por modelos de orientação
de condutas e possíveis divergências
No espaço coletivo, o encontro de diversos modelos de condutas de
saúde é inevitável. Lidar com essas diferenças é tarefa cotidiana dos
responsáveis pela creche.
Algumas famílias usuárias da creche são acompanhadas por
profissionais de saúde que adotam uma concepção diferente daquela adotada
pelo CEDUC, pois a instituição precisa pensá-la do ponto de vista coletivo.
O mais comum é optarem por profissionais que integram um ou dois dos
modelos explicativos mais comuns, por exemplo, homeopatia e alopatia, que
podem ou não ser conflitantes com a conduta de saúde estabelecida pelo
CEDUC. Há situações em que é possível encontrar harmonia e coexistência
entre as diferenças nas condutas e há situações em que isso não ocorrerá.
Ao receber a família com as indicações estabelecidas pelo pediatra, o
primeiro passo será evidenciar a consonância ou a divergência com as condutas
praticadas na creche, buscando sempre esclarecer o que as fundamenta, ou
seja, a saúde coletiva.
Quando as orientações do pediatra de uma determinada criança não
forem compatíveis com o modo de trabalhar do CEDUC, por ferirem as
condições coletivas de atendimento, colocando as demais crianças em risco de
saúde ou impactarem nas condições de trabalho relativas ao tipo e à quantidade
de profissionais existente, por exemplo, algumas crianças poderão precisar de
vigilância individual por todo o período, o que não é possível na creche, será
necessário decidir se a criança permanecerá, ou não, na creche no período em
que necessitará dos cuidados prescritos.
Em alguns casos, essa será uma decisão tomada pelo CEDUC e a
família junto ao representante de RH da empresa cliente. Nos casos em que a
coexistência das condutas entre creche e pediatra da família não for completa,
caberá à mesma avaliar se o que foi definido pela creche satisfaz suas
expectativas e/ou necessidades e se, da mesma forma, é pertinente manter a
criança na creche neste período de saúde mais frágil. Em casos limites, o
CEDUC pode recusar-se a alterar certos procedimentos, pois, para atender uma
criança, pode prejudicar as demais.
Além de casos de agravos à saúde em que se faz necessário adotar
condutas específicas, há situações em que as famílias escolhem paradigmas de
vida diferentes do escolhido pelo CEDUC. Abaixo, alguns casos que elucidam
estas possibilidades:
Mulher Hindu – não leva a criança ao peito, pois, em sua
cultura, os seios são destinados à relação com o marido. O que é destinado
às crianças é o leite materno extraído por via mecânica e oferecido à criança
em mamadeira ou outro recipiente.
Família vegetariana – não oferece carne às crianças em sua
alimentação regular.
Famílias adeptas da medicina oriental (que explica a doença
com base no desequilíbrio da circulação energética), em caso de febre,
viverão conflitos no que diz respeito a agasalhar ou expor a pele, dar ou não
banho, oferecer ou não antitérmico.
Famílias adeptas de filosofias de vida que sugerem condutas
específicas – (exemplo, a antroposofia, considera inadequado utilizar argila
para atividades com crianças menores de três anos, ou considera muitas
atividades um excesso de excitação, compreendidas como corresponsáveis
em alguns casos de agravos à saúde, por exemplo, nas doenças
respiratórias, entendidas como uma forma do organismo tentar se equilibrar
em relação a tais excessos), também poderão resistir a algumas propostas.
Além das diferentes linhas dos profissionais de saúde escolhidos pelas
famílias para acompanhar seus filhos e de diferentes paradigmas de vida, as
mães e pais interpretam as orientações e condutas prescritas pelos profissionais
que as assistem a partir de seus conhecimentos prévios relativos ao processo
saúde-doença. Esses conhecimentos foram construídos e transmitidos por
várias gerações, ampliados no contato com os diversos meios de comunicação
e com os profissionais de saúde e articulados com suas vivências.
O resultado deste processo de entendimento e apropriação da relação
que a pessoa estabelece com a doença é uma compreensão pessoal sobre os
determinantes dela, sobre os fatores protetores da saúde e sobre o que
influencia suas escolhas cotidianas ao cuidarem de si mesmas e dos seus filhos.
Assim, quando a família recomenda um cuidado orientado pelo pediatra
do seu filho, a mensagem que chega à creche pode estar entremeada com
interpretações e significados dados pela família à informação inicial. As
diferentes interpretações sobre as causas das doenças e dos cuidados
necessários para sua prevenção ou tratamento podem resultar em
estranhamentos por parte da família ou da equipe.
Um cuidado adotado no meio familiar pode ser considerado, pelos
profissionais do CEDUC, insuficiente ou inadequado para a criança que convive
no contexto coletivo. Esse descompasso constitui o eixo central em torno do qual
podem ocorrer divergências na relação entre famílias e profissionais da creche,
demandando clareza da equipe para negociar com cada pai, mãe ou avós, tendo
em vista o bem-estar de todas as crianças (MARANHÃO, 2005). Ter os
documentos por escrito e datados os ajudam a enfrentar alguns ruídos na
comunicação.
No campo subjetivo, algumas complicações também podem ser
evidenciadas. Muitas mães, com o ensejo de proteger seus filhos, discriminam
certas crianças e famílias por seus hábitos, crenças, escolhas ou por certos
episódios vividos. Alguns exemplos são: mordidas, resfriados constantes, troca
de chupetas e paninhos, empurrões, piolho, uso de palavrões, entre outras.
Diante do que consideram inadequado, os pais pedem para separar as crianças
de grupo, fazem “exigências” de expulsão de certas crianças e suas famílias e/ou
comentam intercorrências com outras mães de forma desrespeitosa, entre
outros.
Observa-se, em algumas creches, que algumas mães da área
administrativa sentem-se diferenciadas em relação às mães operárias, trazendo
para o ambiente da creche as relações hierárquicas vividas no ambiente de
trabalho e social. Essa é uma situação na qual as diferenças de classe social
aparecem de forma clara.
Entende-se como função da equipe trazer a discussão às claras quando
tais fatos ocorrerem, pois não há diferença de atendimento entre as crianças nas
creches administradas pelo CEDUC.
5Entende-se por subjetivação o processo de constituição do psiquismo da criança, o que envolve a humanização e a
apresentação da cultura humana à criança por quem dela cuida, exercendo as funções simbólicas maternas e
paternas. O sucesso destas operações culmina com a construção da identidade da criança e a fixação de marcas, que
envolvem também a diferenciação em relação aos modelos parentais. Ver o detalhamento deste processo no capítulo
15 do presente trabalho.
articular de forma harmônica com as famílias cada nova necessidade da vida
das crianças.
Comissão de Memorial
6 Zuraimi, MS; Tham, KW; Chew, FT.; Ooi, Pl. 6The effect of ventilation strategies of child care centers on
indoor air quality and respiratory health of children in Singapore. Indoor Air; 2007,17 (4): 317-327.
A Ergonomia
Fluxos de ação
Arquitetura e Educação
7
A “breve retrospectiva histórica” foi retirada do documento construído por vários autores e coordenado
por Juliana Davini e Simone Burse para a Escola Nossa Senhora das Graças em 2011, com o título:
Parâmetros para o trabalho com a Diversidade e com a Inclusão na ENSG. Como autora do presente
capítulo, bem como do texto citado, Davini utilizou-o parcialmente.
8 Escolhemos esta expressão na tentativa de colocar a deficiência na perspectiva da diferença.
Foi somente no século XVII, com o avanço do conhecimento científico,
que as deficiências/doenças ganharam espaço no mundo das pesquisas e dos
experimentos, pois passaram a ser vistas como uma parte da natureza humana
a ser estudada, investigada, classificada e não mais como “aberrações” de cunho
religioso. Tais diferenças passaram a ser tratadas como enigmas que deveriam
ser pesquisados pela ciência: a tese corrente nessa época era a de que as
causas das deficiências eram orgânicas. Os tratamentos propostos, baseados
nessa tese, envolviam a estimulação para o desenvolvimento, o que acabou por
se transformar em programas de ensino no século seguinte.
Os espaços sociais dos deficientes/doentes, porém, ainda eram os
conventos, os hospitais e os asilos, onde ficavam encerrados. Tratava-se da
prática da institucionalização baseada no conceito do confinamento como
tratamento. Essa concepção tem resistido à evolução das ciências biológicas e
humanas perdurando até os dias de hoje, apesar do questionamento de tantos
movimentos internacionais, iniciados nos anos de 1960 com a denúncia dos
efeitos perversos da institucionalização sobre o indivíduo.
Os “outros”, classificados como diferentes do padrão “normal”
hegemônico por sua opção política, sexual, de costumes, de crenças, de religião,
etc., foram também estudados, presos, perseguidos, desvalorizados,
controlados e/ou, em alguns casos, exterminados, práticas que também resistem
no mundo atual.
Nos anos seguintes à década de 1960, observa-se que o movimento
pela desinstitucionalização cresceu, dando espaço para novas ideias de
tratamento. Naquela época, o conceito regente era o de integração do
deficiente/doente na sociedade e, para isso, ele precisava ser trabalhado,
ensinado e adaptado. Nasceram, nesse período, novas práticas, dentre as quais
podem ser citadas: fazer avaliação e diagnóstico, encaminhar para profissionais
especializados, realizar atendimento para treinamento e inserção social,
educacional e no trabalho.
As leis evoluíram muito desde aquela época até os dias de hoje e
começaram a defender os direitos do deficiente/doente, principalmente o doente
mental, que passou a ser visto e tratado como cidadão que porta alguma
necessidade especial e precisa ter acesso às mesmas oportunidades que os
outros cidadãos. O conceito vigente, hoje, é o de que a sociedade precisa mudar
para acolher essas pessoas adaptando-se às suas diferenças denominadas,
agora, de portadoras de necessidades especiais.
Historicamente, no Brasil, a educação para crianças e jovens
diferentes/deficientes foi construída em um jogo de inclusão/exclusão, nascido
na lógica da normatização, que separava os “comuns” e estabelecia os
“anormais”. O atendimento aos “anormais” era feito distinto do sistema regular
de ensino, pois a educação ocorria em centros especializados, como o criado na
época do Império, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854. Esse
modelo perdurou por mais de cem anos, até a década de 1960. No ano seguinte,
em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reconheceu o direito
dos então chamados “excepcionais” à educação, preferencialmente dentro do
sistema de ensino, lei impulsionada, também, pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948.
A partir de então, foi alavancado o processo de reflexão e de crítica sobre
os direitos humanos e a discussão sobre o conceito de igualdade de
oportunidades educacionais e sociais. Os direitos das minorias ganharam força
política suficiente para que algumas práticas no trato dos deficientes fossem
reformuladas e falou-se, pela primeira vez, em integração de “excepcionais" no
sistema geral de educação.
Ocorreu, a partir desse período, o apoio do Estado às escolas privadas
que desenvolviam educação especial. A Lei n. 5.692/71 - art.4º estabeleceu um
currículo comum e outro diversificado para atender às diferenças individuais. Em
1973, o Ministério da Educação (MEC), criou o Centro Nacional de Educação
Especial, responsável pela gerência desta educação no país. E, em 1988, a
Constituição Federal definiu a educação como um direito de todos e estabeleceu
a igualdade de condições, de acesso e de permanência na escola. Tal
reconhecimento foi reforçado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em
1990.
Ainda na década de 1990, documentos como a Declaração de
Salamanca (1994), importante documento responsável por alavancar as ações
inclusivas, corroboraram a determinação das políticas educacionais, definindo
como discriminação toda diferenciação ou exclusão que impeça o exercício dos
direitos humanos.
Em 1994, em Salamanca, na Espanha, delegados da Conferência
Mundial de Educação Especial, representando oitenta e oito governos e vinte e
cinco organizações internacionais, reconheceram a necessidade e a urgência de
uma educação especial dentro de um sistema regular de ensino. Dessa
conferência, surge, então, um documento cujas orientações são detalhadas e
ricas. Trazemos, segundo o interesse do CEDUC, o seguinte recorte:
1. O termo “necessidade educacional especial” refere-se a todas as
crianças e jovens cujas “necessidades diferenciadas dos demais” são
decorrentes de fatores inatos ou adquiridos e se constituem como deficiências,
distúrbios, dificuldades ou impedimentos no processo de desenvolvimento e/ou
aprendizagem, entendendo que essas necessidades podem ser permanentes ou
ocorrer com qualquer criança e em algum momento de sua vida escolar;
2. Deve-se tomar como valor a construção de sociedades mais
acolhedoras, capazes de combater ações discriminatórias; capazes de serem
solidárias e de reconhecerem suas prioridades financeiras e políticas;
3. É necessário combater as desvantagens históricas das minorias;
4. É função de a escola assegurar o ensino e a aprendizagem para
todos;
5. É necessária a identificação precoce das deficiências e dos limites,
bem como o levantamento de potencialidades e necessidades das crianças;
6. Deve ocorrer a preparação de professores; reconhecendo como
indiscutível a necessidade de encorajar a participação das famílias nos
processos de inclusão.
Vinte e cinco anos depois da primeira iniciativa, a Lei de Diretrizes e
Bases, de 1996, estabeleceu o atendimento gratuito, preferencialmente na rede
regular de ensino, a alunos deficientes, chamados em seguida de portadores de
necessidades educacionais especiais.
Este termo “portador de necessidades educacionais especiais” é alvo de
calorosos debates, pois a sua lógica enfatiza menos a diferença/diversidade e
mais a norma estabelecida ao dividir o mundo entre os que têm “necessidades
normais” e os que têm “necessidades especiais”. Além disso, o termo “portador”
é ambíguo, pois, no caso dos deficientes, eles não podem portar o que não têm.
Com a nova lei 13.146/2015 sobre as pessoas com deficiência, muitos autores
estão usando, para pessoas com estas características, o termo “criança com
deficiência”.
É proposto, neste documento, que os adultos utilizem preferencialmente,
o termo “crianças com alguma diferença significativa ou criança com deficiência”
e possam tratar as necessidades delas como “singulares”.
9Ver LDB/96, Salamanca 1994, decreto 6571 de 2008, a convenção sobre o direito das pessoas com
deficiências de 2009 e lei 13.146/2015.
que lidar com a “suposta” fragilidade da criança. Por isso, afirma-se que incluir é
deixar-se modificar pela presença do outro e não somente permitir a sua
presença. Incluir envolve estar preparado para mudanças no ambiente, na rotina,
nos cuidados, no projeto educacional, em si mesmo, olhando para as
necessidades individuais dentro do projeto coletivo.
A creche CEDUC, por seu projeto e natureza, é uma instituição inclusiva,
o que significa que atende a qualquer criança que tenha condição de saúde de
frequentar o ambiente coletivo. A inclusão na creche é uma experiência muito
promissora, pois a convivência entre as crianças não está marcada pelos
preconceitos sociais e as diferenças físicas, emocionais e intelectuais, não está
envolta em rótulos e comparações, ao menos entre as crianças. É sabido
também que o melhor método de combater os preconceitos é através da
convivência e da construção da intimidade com o outro.
10Maranhão D.G., Sarti C.A. Cuidado compartilhado: negociações entre famílias e profissionais em uma
creche. Interface: comunicação, saúde, educação. 2007;11(22):257-270.
Diarreia/vômitos: até o desaparecimento desses sintomas: de 3 (três)
a 5 (cinco) dias. Se possível, fazer a investigação etiológica
(protoparasitológico, pesquisa de rotavírus e coprocultura).
Bronquiolite: considerando a prevalência do Vírus Sincicial
Respiratório como causa mais frequente em menores de dois anos e
a sua transmissibilidade, que ocorre em média de duas a três
semanas, estipulou-se o afastamento de 10 (dez) dias para estes
casos.
A criança doente precisa de cuidados individualizados. Assim, o ideal é
que, nesse período, ela permaneça em casa para receber atenção maior,
acolhimento e cuidados necessários de acordo com sua patologia. Em outras
ocasiões, porém, ela pode estar liberada para frequentar o espaço coletivo da
creche, mas deve receber medicações. Há ainda as situações em que ela
frequentará a creche, mesmo adoentada.
11 Essa parte do trabalho teve a contribuição da Dra. Julia Kerr Catunda Machado.
com a família para pedir a substituição do tipo de medicamento por outro que
não implique em refrigeração. Essa demanda tem sido bastante esporádica nas
creches.
Os dados de peso e altura devem estar atualizados na creche. Para
tanto, as mães devem trazer mensalmente os dados colhidos pelo pediatra na
consulta de rotina.
Sempre que for possível, quando de tratamento medicamentoso, a
família deve comunicar ao médico que a criança frequenta a creche e perguntar
se o tratamento tem condições de ser feito em até duas vezes ao dia.
A administração da medicação na creche será feita pelo educador ou
pela enfermeira da unidade, sempre que ela estiver presente. O educador não
conta com a formação técnica do profissional da área da saúde e também não
acompanhou a família e a criança na consulta médica. A experiência e o
conhecimento do educador sobre medicação são baseados em vivências
pessoais, próprias e/ou de familiares12. Nas creches, esse profissional é
orientado pela enfermeira sobre os cuidados com os medicamentos e
administração correta.
Considerando os aspectos citados acima, a medicação na creche deverá
obedecer a dois princípios básicos:
1)Delegar ao educador o MENOR NÚMERO POSSÍVEL DE
MEDICAÇÕES. Deve-se orientar os pais para que evitem trazer para a creche
os remédios que são dados de uma a duas vezes ao dia (12/12h). Estão nessa
categoria as vitaminas, alguns antibióticos, corticoides, remédios antirrefluxo
gastresofágico, cremes, banhos de assento e etc. (outros “exemplos de
medicações que podem ser dadas até duas vezes ao dia”, estão no anexo um).
Poderá ser administrada na creche a medicação que a criança deva tomar
próximo da refeição ou durante o seu transcurso, caso a criança faça todas as
refeições na instituição. Se, porém, deva ser dada em apenas uma refeição, deve
ser eleita a refeição feita pela criança em casa.
2)Dar apenas os remédios que estejam prescritos em RECEITA
MÉDICA com data e identificação do nome e CRM do médico que os prescreveu.
12Os profissionais do CEDUC recebem um treinamento anual de primeiros socorros e uma formação
semestral dos especialistas da saúde, na qual tiram dúvidas e conhecem os critérios da instituição. Além
disso, contam com a presença dos especialistas nas unidades e podem solicitar reuniões individuais,
sempre que possível.
Nenhuma medicação deverá ser ministrada se não vier acompanhada de receita
médica, cujos horários, doses, nome e concentração recomendada deverão ser
obedecidos. Poderão ser utilizados sem prescrição médica alguns cremes para
prevenção de assadura e produtos à base de soro fisiológico para higiene nasal
ou ocular. Para tanto, precisam apenas da solicitação verbal da mãe ou do
responsável pela criança, sendo discriminados na “lista de medicações
permitidas”13.
Em relação às famílias que optam pela linha da homeopatia e precisam,
em momentos de adoecimento de seus filhos, ser-lhes ministrada a medicação
a cada meia hora ou a cada hora, lhes é prestada ajuda assumindo alguns
horários e pedindo para a mãe assumir outros.
Qualquer produto novo que não conste da lista de produtos permitidos
pelo CEDUC precisará ser aprovado pelos profissionais de saúde da equipe
antes de ser ministrado.
As receitas que não estiverem datadas não serão aceitas pelo CEDUC.
As famílias das crianças devem solicitar ao médico que, no momento da
prescrição, não se esqueça de datá-la, além de especificar o número de dias que
a medicação deve ser usada ou as circunstâncias necessárias ao seu uso, se
será utilizada em caso de febre, se em caso de tosse, se utilizada até o final do
vidro, ou até que idade, quando se tratar de medicação de uso contínuo.
A mãe está autorizada a medicar a criança sempre que desejar, sendo
requisitada para essa função toda vez que o procedimento fugir dos princípios
de medicação definidos acima.
Os medicamentos podem provocar reações adversas principalmente em
crianças, pois elas são mais sensíveis às substâncias químicas. Orientamos,
então, que o início do uso de medicamento desconhecido pelo organismo da
criança aconteça em casa e, na impossibilidade dessa ação, a administração
ocorrerá na creche, mas realizada pela mãe ou pelo pai da criança.
13Lista de medicações permitidas: cremes para assaduras, Hipoglós e outros cremes que associem óxido
de zinco e vitaminas, Bepantol, creme para assaduras Weleda, DermodexPrevent, soluções de soro
fisiológico para o nariz como o Rinosoro 0,9%, Sorine Infantil 0,9% ou Salsep.
A medicação feita pelo educador é assunto de grande importância e
precisa de atenção especial por parte da equipe de saúde e da coordenadora
responsável pela unidade de creche.
Situações que não podem ocorrer:
Esquecimento ou atraso da medicação;
Confusão de medicação (dar o remédio errado);
Erro de dose ou de via de administração;
Medicação em duplicidade.
Para isso, algumas ações preventivas serão muito úteis e imprescindíveis:
Registrar a medicação dada imediatamente após a administração;
Usar despertadores e lembretes para o horário das medicações;
Ligar para a mãe em caso de dúvida.
Antes de medicar, deve-se recordar as “cinco certezas”:
1. O remédio corresponde exatamente ao que está escrito na receita
médica?
2. A receita médica corresponde ao nome completo da criança que irá
tomá-lo?
3. A dose do remédio está correta no recipiente em que será dado?
4. A via de administração do remédio (dar via oral, pingar no nariz,
pingar na orelha, passar na pele, etc.) corresponde ao que está
escrito na receita médica?
5. O horário da medicação corresponde ao que foi prescrito na receita?
Cozinha
Natureza Cultura
Cru Cozido
Definições
Chamamos de “Despertar dos Sentidos” o nosso projeto de educação e
nutrição com as crianças e com os educadores, pois acreditamos que um bom
trabalho de educação alimentar deve estimular todos os sentidos, inclusive a
curiosidade e a imaginação, sendo ele parte importante do projeto curricular do
CEDUC!
Neste trabalho curricular de nutrição e educação, há, pelo menos, três
frentes de investimento de energia: a preparação e organização dos ambientes
voltados à alimentação, o trabalho com a horta e o trabalho com a culinária.
Na culinária, realizada com as crianças a partir de 1 ano e meio são
utilizados recursos que motivem a criança a conhecer e provar novos alimentos:
este momento é ritualizado lavando as mãos, colocando as toucas e sentando
para conversar a respeito do que irá acontecer ali, às vezes, à mesa do refeitório,
às vezes ainda em sala, ou em qualquer outro local que permita organização e
segurança. Os espaços se encontram sempre previamente preparados e os
ingredientes ficam expostos na mesa em que ocorrerá a preparação da receita.
Cada ingrediente é cuidadosamente nomeado e, quando possível, degustado.
Sendo a criança um ser ativo nesse processo, propõe-se um trabalho interativo
de culinária, que conta com a mediação da lactarista e da educadora.
Na experiência da culinária, são trabalhados o ato de cheirar, a
observação das cores, dos tamanhos e das formas; o tato para conhecer as
texturas, os volumes e as temperaturas dos ingredientes; e a experimentação,
pois a criança aprecia cada elemento da receita e, depois, o produto final já
transformado em um alimento, como uma salada de frutas ou um bolo. Há o
cuidado de planejar as culinárias de acordo com a faixa etária do grupo para que
faça sentido para as crianças. Por exemplo, para as crianças de até dois anos
de idade, faz mais sentido preparar o alimento e degustar em seguida. Para as
crianças maiores, são propostos sobremesas, bolos, pães, sequilhos, tortas e
muitos outros pratos, pois para essas faz sentido esperar o tempo de preparo no
forno.
Um detalhe importante a ser observado: o trabalho em pequenos grupos
parece ser a melhor organização para este tipo de atividade. Quando o grupo
tem poucas crianças, a relação entre elas e delas com os adultos ganha mais
detalhamento e se refina.
Na culinária, a proposta é a de que as crianças sejam envolvidas nas
ações que a receita demanda, ou seja, as crianças são as executoras das etapas
da receita com apoio do adulto. Assim, elas misturam os alimentos previstos,
mexem as misturas, utilizam, com supervisão, os eletrodomésticos, degustam,
cortam com facas sem ponta e com o apoio do adulto, enfim... elas atuam nas
receitas como se estivessem em “suas” cozinhas.
Com relação aos alimentos consumidos crus, deve-se redobrar a atenção
devido ao risco de contaminação durante o preparo. Nessas situações, orienta-
se que a culinária aconteça em grupos ainda menores, evitando o excesso de
manipulação, além, é claro, de todos os cuidados com a higienização dos
alimentos e a lavagem das mãos. Sempre que possível, é preparada com as
crianças uma pequena quantidade durante a culinária, e ao servi-la a todo o
grupo, lhe é adicionada outra porção preparada pela equipe da cozinha. Nesse
processo, repetido semanal ou quinzenalmente, as crianças vão percebendo a
transformação dos alimentos, vão aprendendo a relacionar a culinária com a
sobremesa, com a salada ou com o lanche do dia. Elas experimentam novos
alimentos, além de variadas formas de consumi-los. Esses momentos
contribuem para a construção de hábitos alimentares saudáveis, de uma forma
lúdica e prazerosa.
Na culinária, a experiência das crianças recria a experiência do homem
que descobriu o fogo. Embora as crianças nunca sejam colocadas diante do
fogão, elas se unem em torno do preparo do alimento, elas conversam,
interagem, atuam, experimentam e vivenciam a comida em suas mãos. Elas
preparam e aguardam para desfrutar o resultado.
A escolha do alimento, o modo como ele é preparado e modificado
transmite valores familiares, locais e culturais de um povo. Alimentar crianças
pequenas na creche requer pensar nas escolhas dos alimentos para que
representem uma variedade e uma riqueza local e sazonal.
Deve-se considerar que as crianças, na creche, estão sendo introduzidas
em um modo de se alimentar. Nesse sentido, a curiosidade deve ser despertada
para que a criança prove e deguste os diferentes alimentos.
O trabalho de organização prévia do refeitório é muito importante. Os
educadores e as lactaristas devem se organizar para dividir esta tarefa para
garantirem que ela, todos os dias, ocorra satisfatoriamente. Nesta ação, alguns
pontos a serem observados e cuidados. As mesas e cadeiras podem mudar
sempre de posição, sendo importante que as mesas tenham pratos e talheres
arrumados sobre elas. As toalhas são bem recomendadas. É preciso deixar
espaço para as travessas com os alimentos, pois, ver e contemplar o alimento
antes de comer, é parte fundamental do ritual de se alimenta r. As travessas
podem ser colocadas nas próprias mesas das crianças ou em outras mesas
como um buffet por onde as crianças passam quando chegam ao refeitório.
É importante frisar que a organização prévia das áreas de alimentação é
indicada para qualquer situação de alimentação, lanches, cafés, almoços e
jantares. É também recomendada para o atendimento de todas as idades da
creche, de crianças de seis meses aos adultos que ali habitam.
Com a frequência destes cuidados, aos poucos, a comida vai adquirindo
significado social, e enquanto a criança se alimenta, explora o alimento, passa a
conhecê-lo melhor, passa a ter intimidade com ele e mais do que isso, passa a
desejá-lo.
O ato da alimentação é parte integrante do processo educativo, no âmbito
do desenvolvimento infantil, pois observa-se que a criança constitui as suas
escolhas e, frente à melhor definição de seu paladar, descobrirá seu gosto
alimentar. Prevalências são uma recorrência natural, mas, quando se aprende a
gostar de comer desde muito cedo, elas se harmonizam com as práticas diárias
de alimentação e não ganham mais valor do que devem ganhar. Desta forma o
equilíbrio na alimentação fica melhor garantido.
O trabalho com a horta visa colocar as crianças em contato com a terra,
com a vida contida na terra, com o processo de germinação e levá-las a contatar
as transformações contidas no processo de brota de uma semente, ou no
crescimento de uma muda. É um trabalho diário e, mesmo em unidades onde
não há espaço físico, a horta é cultivada em floreiras.
As crianças do grupo 2 em diante, começam a ser aproximadas,
apresentadas à terra como ambiente de experiência, de conhecimento e de
relação.
Alguns pontos preocupantes devem ser sempre cuidados: evitar que as
crianças comam terra, ir ao canteiro sempre com grupos pequenos, evitar tornar
o momento apenas uma execução de tarefas, mas uma ocasião de desfrute, de
experiência polisensorial, de ter tempo....
A ideia é iniciar a ida à “horta” com os pequenos como acompanhantes
dos adultos, ou seja, num primeiro momento, o adulto, que já conhece as tarefas
de quem cultiva, as executa e envolve as crianças na observação e naquilo que
faz sentido para elas. Por exemplo: colocar as mãos na terra, revirá-la com uma
pá, regá-la e aos poucos, na medida em que vive isso como momento do dia
com finalidade social, vai se tornando íntimo do ambiente, dos recursos e de
suas razões. Assim, a partir de 18 meses, são feitos os convites para que as
crianças mais concretamente possam “plantar”.
Há várias formas de iniciar este convite. Entretanto, a experiência obtida
nos anos deste trabalho ensina que é bastante importante, nas primeiras vezes
em que a criança for plantar, que ela tenha em mãos mudas, brotos e não
sementes. Isso se justifica facilmente pelas características de seu pensamento
nesta faixa etária. As crianças pequeninas de 18 meses de idade necessitam
bastante de ver, pegar, sentir, apalpar para conhecer. Portanto, uma sementinha
no interior da terra, cria certas dificuldades para quem funciona desta forma. A
concretude da muda e do broto é mais interessante para a experiência da horta.
As mudas podem ser diretamente compradas, ou feitas também na
creche. Uma das possibilidades é viver a experiência do grão de feijão no
algodão umedecido. Durante duas semanas as crianças e suas educadoras
podem cuidar do grão de feijão, regando-o e observando as suas mudanças.
Germinado o feijão e o broto bastante aparente, eles o colocam na terra e, então,
acompanham a chegada de um novo grão de feijão. Experiências como esta
podem ser vividas com muitos outros grãos e não precisam estar atreladas
somente às crianças que estão iniciando o trabalho de horta, elas podem ocorrer
quando o educador sentir necessidade.
Outra possibilidade é a de iniciar com mudas de ervas, ou de verduras.
Flores também são interessantes embora não levem diretamente à alimentação,
No entanto, elas alimentam a alma, o espírito e são uma presença estética viva
encantadora, podendo estar na organização do ambiente de alimentação.
A horta pode ser estendida para todas as outras idades, com exceção dos
bebês de 0 a 1 ano. Algumas vezes, ela é associada a algum projeto temático
vivido pelo grupo. Com o passar do tempo e a aproximação das crianças, a horta
ganha valor de momento permanente na rotina da creche.
O objetivo final deste trabalho é, ao longo do tempo, concretizar com as
crianças a experiência de que se relacionar com a terra é ação humana e, mais
do que isso, que desta ação humana veem os alimentos. Homens e natureza
são parceiros para que esta relação se mantenha sempre de forma equilibrada
e sustentável.
Neste sentido é bem importante enfatizar que a experiência dos pequenos
na horta, na jardinagem, no plantio, enfim, com a terra é sensorial e pode ser
natural. O adulto tem um papel bastante importante e a ele caberá tornar o
momento com a terra um momento de relações, fluído, orgânico, natural e não
uma atividade cujos objetivos são tarefas operacionais. Esperar, lidar com o
incerto quanto ao sucesso ou não do cultivo são ações importantes e presentes
nesta experiência. São situações presentes na vida humana!
O trabalho com a horta associado ao trabalho de culinária, ao cuidado e
ao equilíbrio na preparação dos pratos e, ainda, ao cuidado com os ambientes
voltados à alimentação, cria um elo de sentido de todo o processo humano na
relação com os alimentos.
O pilar de sustentação
O principal pilar de sustentação do projeto curricular de nutrição e
educação no CEDUC é a formação continuada. O assunto tem espaços nas
pautas dos TREAs, reuniões de estudo de cada unidade, junto às educadoras
por meio das próprias coordenadoras ou diretamente por atuação da
nutricionista.
Há encontros de formação dos lactaristas bimestralmente. Nesses
encontros, muitas discussões abrem reflexões importantes a respeito do papel
educacional do cozinheiro e do quanto ele pode entender e conhecer o
desenvolvimento infantil.
Desta forma, levar os educadores a entender os conceitos da nutrição,
fazer com que articulem o projeto em seus planejamentos e, ainda, construir com
os lactaristas a clareza de sua atuação educacional, é o grande desafio de
sustentação deste espaço curricular.
Abaixo segue breve citação retirada do registro de uma lactarista do
CEDUC:
Operação cotidiana
Trabalhar nas creches vivendo e respeitando os valores deste projeto
coloca as pessoas num lugar atento e delicado de atuação. É preciso sempre
pensar nas ações e questionar a respeito da coerência delas.
Alguns pontos referentes às ações cotidianas que merecem especial
atenção serão elucidadas a seguir.
Manhã Suco coado de maçã, goiaba ou Manter aleitamento a vontade Manter aleitamento a
pera. Suco das frutas permitidas. vontade.
Pão sem margarina, ou biscoito Se necessário oferecer ½ porção Caso a criança aceite
cream craker ou biscoito maisena. da fórmula láctea sem açúcar aumentar a oferta.
(metade do que ela costuma
tomar).
japonesa.
Abrangência
Acredita-se ser impossível pensar um projeto educacional numa
instituição como a creche sem pensar a sua abrangência educativa na
comunidade que a circunda. Desta forma, é importante considerar que as ideias
aqui colocadas se estendem aos pais, aos hábitos familiares e ainda aos adultos
da creche.
Há menos intenção de ensinar algo aos pais e mais vontade de convidá-
los a uma reflexão: como se alimenta sua família hoje?
A pergunta convida para uma análise quanto à forma e quanto ao
conteúdo!
Devido a alguns apelos midiáticos e frente às dificuldades da vida
moderna, existe uma tendência natural a simplificar o momento da refeição e,
com facilidade, se incide na ilusão de que nutrientes quimicamente manipulados
podem substituir alimentos naturais. Esta é uma marca deste tempo histórico. A
comida pronta ou semi pronta é rápida, prática e fácil. E os bebês não foram
poupados pela indústria alimentícia.
Deixar-se levar pelos rótulos milagrosos e pelo marketing pode favorecer
o enfraquecimento do sistema imunológico das crianças, mas, com certeza,
serão levados a uma “desaprendizagem” afetiva, social e familiar. A comida
rápida não permite a reunião em torno dela, os conteúdos dos potes e pacotes
são ingeridos instantaneamente e também instantâneas são suas mensagens
de afeto e saúde, pois se evaporam num piscar de olhos.
Trabalhar a ideia de uma alimentação saudável e mais elaborada é um
grande desafio no mundo adulto. Isto diz respeito aos pais, às educadoras e às
coordenadoras, ou seja, os adultos precisam entender o que o ato de se
alimentar é para eles, para, somente depois disso, pensarem em protagonizar
um projeto desta magnitude.
É indispensável refletir a respeito da alimentação na vida dos adultos, é
fundamental perceber que tipo de modelo têm sido às crianças. Para que o
significado do alimento seja construído com as crianças, seria conveniente que,
antes, ele tivesse sido construído em cada adulto.
Esta é uma busca! Este é um foco! Uma necessidade que compõe a
identidade humana. O tema nutrição, com o significado aqui descrito, está
alinhado definitivamente com o conceito de educação do CEDUC. E assim, é
papel de o educador do CEDUC preservar este alinhamento e contribuir para
torná-lo cada vez presente no cotidiano das creches.
Abaixo segue uma citação que reúne as principais ideias referentes às
intenções educacionais ligadas ao projeto curricular de nutrição e educação do
CEDUC:
O ato de alimentar-se revela uma possibilidade de
existência. É um dos primeiros atos na vida de um ser humano
e é incontestável que garante sua sobrevivência. Alimentar-se
pressupõe relação, relação com quem oferece o alimento, com
quem se alimenta, relação com o alimento e todas as suas
características: odor, sabor, textura, consistência... relação com
a cultura. Na cultura brasileira, em torno da comida organizam-
se encontros. A comida está no centro da mesa, mas também
no centro das relações sociais que se estabelecem. Grande
parte das atividades sociais e dos eventos que marcam a vida
das pessoas como aniversários, festas, casamentos, batizados,
dias festivos são acompanhados por pratos especialmente
preparados de acordo com a situação que criam memórias de
sabor.
No jeito de alimentar-se existe um modo de pensar a
comida, as relações entre as pessoas, as relações que se
estabelecem com os alimentos dentro de uma cultura.
Alimentar-se dentro da escola soma a estas questões a
intencionalidade de educar e de contemplar no projeto educativo
esta instância da vida.
O modo de organizar o espaço, de oferecer os pratos e
talheres, de organizar a situação de almoço, de criar um
ambiente agradável, de oferecer os alimentos, de favorecer o
encontro das crianças ao redor da mesa para a alimentação
traduz um modo de pensar e agir, uma intenção educativa.
Enfermeira sanitarista -
supervisão técnica e Pediatra - assessoria e
formação continuada em supervisão técnica em
sistema de assessoria sistema de assessoria
Nutricionistas -
Enfermeiras residentes
supervisão técnica e
nas unidades de creche
formação - em sistema
de assessoria
Psicóloga-psicanalista
(em sistema de
supervisão)
Trabalho corporal
As funcionárias são orientadas a fazer exercícios de alongamento e
movimento ativo nos intervalos do trabalho. Almeja-se que as equipes possam
participar diariamente de sessões corporais orientadas por educadores físicos,
com o objetivo de proporcionar uma pausa no trabalho e favorecer o bem-estar
físico e mental. Algumas unidades se beneficiam de programa de ginástica
laboral cedido pela empresa cliente.
Controle de imunização
A enfermeira da unidade é responsável pelo controle de vacinas das
funcionárias do CEDUC. É recomendado que a equipe receba imunização para
Difteria, Tétano, Hepatite B, Hepatite A, Meningite C, Varicela, Sarampo,
Caxumba e Rubéola. No caso de unidades que ainda não tenham uma
enfermeira residente devido ao baixo número de crianças assistidas, a
coordenadora fica responsável por este controle.
Formação continuada
A formação continuada tem como principal finalidade o constante
aprimoramento do trabalho com as crianças, com suas famílias e, ao mesmo
tempo, a constante evolução profissional. A formação continuada contribui
também para a promoção da saúde do trabalhador, pois ele está em contínuo
processo de desenvolvimento pessoal. Contribui, ainda, para que ele tenha,
cada vez mais, consciência de sua função, aspecto fundamental para prevenir o
estresse.
Em relação aos receios relativos ao possível risco biológico no contato
diário com as crianças que adoecem, está previsto, durante as formações
continuadas, informações e reflexões sobre as técnicas de autoproteção, além
de circulares informativas sobre os agravos frequentes esperados na primeira
infância.
Absenteísmo
Um aspecto importante é a reflexão com a equipe sobre as estratégias
defensivas individuais e coletivas, porque o absenteísmo pode ser um recurso
defensivo para combater o estresse e a pressão do ritmo e das exigências do
trabalho. Os coordenadores e enfermeiras precisam analisar constantemente os
índices de absenteísmo e turn-over, investigar suas causas e propor reflexões
com os trabalhadores na busca de estratégias coletivas de enfrentamento do
problema.
Segurança
Em todas as operações, são garantidas as adequações em relação às
normatizações da CIPA. Bienalmente, é atualizado o curso de CIPA com as
coordenadoras de unidade e alguns representantes das creches.
O curso de Higiene e Saúde é constantemente atualizado, mesmo para
os funcionários mais antigos, e, nessas oportunidades, renovam-se também as
orientações quanto a como lidar com as doenças e, quanto aos procedimentos
de higiene com as crianças e com os adultos, são revistas as normas existentes.
Como atendemos crianças muito pequenas, anualmente são atualizados
os cursos de primeiros socorros para leigos, o que tem ajudado a identificar
situações de maior gravidade e agir prontamente. Isso traz às profissionais a
possibilidade de trabalhar mais tranquilamente. (Leia mais sobre este tema no
item: “Outras atuações”)
Adequações às leis brasileiras
O CEDUC tem em todas as suas Unidades o PPRA - Programa de
Prevenção de Riscos Ambientais. Essa exigência legal surgiu com a Norma
Regulamentadora 09, em 1994, tendo como objetivo fazer com que todos os
empregadores tenham um programa estabelecido anualmente para controle e
prevenção de riscos ambientais. Na prática, o CEDUC já vive esse controle e
essa prevenção e segue todos os trâmites burocráticos exigidos pela legislação
brasileira e renova anualmente seu PPRA em cada unidade.
Para a renovação do PPRA, é contratada uma empresa terceirizada de
serviços de saúde que executa todas as etapas do processo, desde a visita às
unidades até a escrita do programa em si. Cada Unidade mantém sua cópia do
PPRA à disposição para consultas.
Outro programa mantido é o PCMSO – Programa de Controle Médico de
Saúde Ocupacional. Fruto da Norma Regulamentadora 07, também de 1994, ele
tem como objetivo manter sob controle a saúde dos funcionários e, ainda, pensar
precocemente qualquer desvio que possa comprometer a saúde de seus
funcionários.
Desta forma, PPRA e PCMSO são inseparáveis, pois um depende do
outro.
12 - O gênero, a sexualidade e os
educadores na creche
A educadora mulher e seu percurso histórico
As equipes de creches, ao longo dos anos, vêm sendo constituídas
quase que exclusivamente por profissionais do sexo feminino. Os cuidados com
a higiene, com o sono e com a alimentação, e também com o acolhimento
afetuoso, historicamente foram e, hoje em dia, ainda são mais relacionados com
a figura feminina, tanto no ambiente doméstico quanto no profissional.
Assim, a atuação do educador infantil, sendo exercida em grande parte
por mulheres, contribui para que se estabeleça uma vinculação da função
educativa, nessa fase inicial da infância, a um exercício maternal. A figura
masculina esteve mais presente na educação fundamental, média e superior,
criando uma separação de gêneros também na ação educativa.
A isto, adiciona-se a questão do prestígio e da remuneração que, em
cargos considerados femininos, têm sido historicamente menores do que os dos
cargos ocupados por homens. Como são “socialmente incumbidos” do sustento
da família, a profissão de educador infantil se torna pouco atraente para eles. A
sociedade sempre atribuiu aos homens, de forma desproporcional, os seus
recursos materiais e simbólicos, transformando, com isso, certas carreiras em
monopólio masculino. Lentamente, tal situação está se transformando, sendo
reconhecida a competência das mulheres para o exercício dessas carreiras
ditas, até então, “masculinas”.
As creches para crianças pequenas surgem com uma forte característica
assistencialista para atender aos filhos de mulheres de classes sociais
desfavorecidas, ingressantes no mercado de trabalho. Outro objetivo das
creches era a redução, do alto índice de doenças infantis e, consequentemente,
da mortalidade infantil, pois também estaria a serviço de uma guarda que
preserva a saúde.
Algumas creches eram vinculadas à igreja católica. Dos profissionais,
era exigida apenas a habilidade para cuidar de crianças pequenas como trocar,
alimentar, ninar, entre outros, característica entendida como sendo “natural” da
mulher.
Tempos mais tarde, com a LDB/1996, foi assegurado atendimento
escolar às crianças de até seis anos de idade e a creche foi transferida da
Assistência Social para a Secretaria da Educação, sendo mais valorizada
enquanto segmento e percebida como direito fundamental para todas as
crianças no percurso educativo. As mães, por sua vez, partilhando os cuidados
e a educação de seus filhos pequenos, começaram a usufruir da sua própria
remuneração e de maior independência financeira.
O tema do currículo da creche e o da função do educador serem produto
de uma visão feminina de educação, além da revisão histórica dessa função,
podem ser aprofundados pela leitura de vários autores como Rosemberg (1996),
Louro (1997), Del Priori (1997), Catani (1997), Bourdieu (1999), Sayão (2003),
Finco (2003) e Gomes (2006). Estes autores também problematizam questões
de gênero e afirmam que as “verdades” sobre o que é ser homem e mulher na
sociedade são transmitidas através de práticas recheadas de preconceitos
sociais e jogos de saber/poder (Foucault,1999). Esta visão binária, ser homem
ou mulher, o feminismo (o segundo sexo), o terceiro sexo (intersexualidade e
outros), tem sido, também, amplamente discutida por Butler (1999), (Laqueur,
2001).
E, ainda:
Orientação sexual se refere à direção ou à inclinação do desejo afetivo e
erótico. De maneira simplificada, pode-se afirmar que esse desejo, ao
direcionar-se, pode ter como único ou principal objeto pessoas do sexo
oposto (heterossexualidades), pessoas do mesmo sexo
(homossexualidades) ou de ambos os sexos (bissexualidades). Todas no
plural, pois são inúmeras e dinâmicas suas formas de expressão e
representação. A orientação sexual é um conceito que, ao englobar e
reconhecer como legítimo um extremamente diversificado conjunto de
manifestações, sentimentos e práticas sociais, sexuais e afetivas,
desestabiliza concepções reificantes, heterocêntricas, naturalizantes e
medicalizadas. (p.17).
O masculino na creche
Na educação infantil, a presença do homem como educador ainda é
reduzida, apesar de crescente. Obviamente, a construção desse novo ambiente
de trabalho acontece sob as marcas femininas dominantes que estão fortemente
incorporadas. A presença de homens na educação infantil é uma grande
oportunidade de revisão de paradigmas sobre o ato de educar crianças
pequenas e de enfrentamento de preconceitos arraigados socialmente.
Consensualmente, as discussões e os trabalhos de pesquisa sobre o
tema defendem a importância da presença masculina nas instituições de
educação infantil, para que esse ambiente contemple a igualdade de
oportunidades e não a discriminação entre sexos, ou de qualquer outra ordem.
Realmente, sob a perspectiva da igualdade e das tendências sociais
contemporâneas, é importante que a área da educação não seja um obstáculo,
mas, sim, um espaço privilegiado para a formação humana e deve contemplar a
diversidade e as novas características das formações identitárias.
Assim, não podemos desconsiderar as reflexões necessárias sobre o
assunto. Entre elas:
- Como deve ser a inserção do educador homem nas instituições? – Os
cuidados físicos podem ser executados por eles? – A instituição precisa
preparar-se para incorporar o profissional repensando banheiros, vestiários,
currículo ou ele simplesmente se enquadra no modelo atual, mesmo com fortes
características femininas? – Como fica a relação com as famílias? – Como
estimular esse público para essa carreira? - Ter um profissional homem convida
o grupo a repensar brincadeiras, objetos e modos de organizar o espaço da
creche? – A sexualidade se faz presente, de que modo? - Que outras questões
poderiam ser pensadas?
A inserção masculina nas creches deve ser bem trabalhada entre a
equipe e as famílias, principalmente se ela for inaugural. Algumas
reflexões/ações podem ser feitas antes, outras à medida em que as questões
forem aparecendo.
Creches que viveram esta experiência já alteraram o uso de banheiros
e vestiários. Aumentaram e/ou aprimoraram as compras de objetos como bolas,
carrinhos, entre outros objetos que são socialmente mais usados pelos meninos.
Revezando as pessoas que fazem compras para a creche, foram descobertos
novos objetos. Pois, independente do gênero sexual do comprador, cada pessoa
vê e valoriza objetos diferentes, enriquecendo, com isso, as possibilidades de
experiência das crianças. As brincadeiras musicais, corporais e jogos se
diversificaram, pois o repertório masculino trouxe muitas novidades. Como
exemplo, nos grupos maiores, os jogos corporais – as “lutinhas” ou a “capoeira”
– na hora do parque. Os espaços dentro da sala e os “campos de experiência”
montados ganharam novas características, como pistas de carros, marcenarias,
entre outros.
Essa ampliação não é fruto somente da entrada do gênero masculino na
creche, mas de pessoas diversas entrando, pensando, estudando, pesquisando,
observando melhor as pesquisas das crianças, vivendo e produzindo mudanças
nas práticas escolares.
Muitas educadoras e educadores defendem a igualdade, de modo que
todas as atividades na creche deveriam ser compartilhadas, igualmente, entre
todos. Mas, um dos pontos de discussão refere-se aos cuidados físicos. A
maioria dos pais não costuma estranhar que seus filhos, meninos ou meninas,
sejam trocados e banhados por educadoras, mas costumam, ainda, manifestar
algum desconforto se essas ações forem desenvolvidas por homens. O
estranhamento dos pais pode ser motivado por questões culturais, experiências
pessoais na infância ou na família, por histórias divulgadas na mídia, por receios
e fantasias e, ainda, por preconceitos sociais, entre outras motivações.
Aprofundando o tema da higiene íntima, genitais, percebe-se que,
mesmo entre as educadoras, o tema pode ser desafiante. Realizar
procedimentos de higiene como abaixar a pele do pênis do menino ou abrir os
grandes lábios da vagina das meninas é um tema delicado. Algumas pessoas
acreditam que essa limpeza deveria ser papel só da mãe, outras podem ter o
receio de manipular os genitais, entre muitas outras possibilidades.
O fato é que manipular os genitais das crianças pode convocar, mais ou
menos conscientemente, a história da sexualidade do educador. Uma educadora
mais tímida, que tenha tido pouco contato com meninos na infância, ou um
educador com pais mais rígidos, que pouco conversaram com ele e o orientaram
em relação a sexualidade são algumas variáveis, entre tantas outras. Muitas
vezes, as histórias prévias representam um obstáculo ou uma questão que o
educador, seja do sexo feminino ou masculino, deve enfrentar.
Frente a não haver escolha, pois as crianças passam muitas horas na
creche por dia e higienizá-las corretamente é função do educador sob risco de
adoecerem caso isso não ocorra, esse tema sempre deverá receber atenção na
gestão de pessoas, na formação dos educadores e educadoras e nas relações
com os pais.
No quesito convivência na diversidade, o importante é discutir os
estranhamentos e encontrar soluções compartilhadas para os possíveis
problemas, pois, apesar do momento social estar mais aberto para as diferenças,
os jogos de força diante de saberes e verdades produzidas no contexto
relacional/social/histórico serão sempre presentes e produzirão debates,
resistências, e oposições.
PIAGET
Hereditariedade
Para Piaget, os seres humanos herdam estruturas biológicas, a saber,
sensoriais e neurológicas, que predispõem o surgimento de estruturas mentais.
Assim, a inteligência não é herdada, mas é um organismo que vai “amadurecer”
em contato com o meio físico e social. Na relação com o meio, o indivíduo
desenvolve seus recursos intelectuais para solução de problemas.
Tanto o meio físico como o social são responsáveis pela oferta de
inúmeros estímulos que suscitarão a construção de esquemas mentais e/ou de
ações que permitirão uma relação de adaptação e equilibração entre o indivíduo
e o meio.
Esquemas
Como já citado anteriormente, os seres humanos herdam, ao nascer,
estruturas biológicas que determinam o seu modo de reagir aos estímulos do
meio ambiente. Inicialmente, essas reações são reflexas, caóticas. À medida que
o ser humano recebe estímulos do meio ambiente, desenvolverá formas de
reagir a esses estímulos.
Os esquemas podem ser uma sequência de ações como reação aos
estímulos para atingir determinado fim, uma imagem interiorizada de um lugar
frequentado ou estratégias mentais para solução de problemas. São essas
unidades estruturais básicas de pensamento ou de ação que correspondem, de
certa forma, à estrutura biológica herdada que muda e se adapta em contato com
o meio ambiente.
Adaptação
Os estímulos oriundos do meio ambiente afetam o estado de equilíbrio
do organismo. A busca de estratégias de ação ou de estratégias mentais, os
esquemas, para reagir aos estímulos representa uma tentativa do indivíduo de
buscar novas formas de interação com o meio ambiente, proporcionando uma
adaptação cada vez mais completa e eficiente.
O processo de adaptação envolve dois processos complementares:
assimilação e acomodação.
Assimilação se refere ao uso de um esquema já construído para
solucionar um novo problema ou relacionar-se com uma nova situação. O
indivíduo, com uma organização mental estruturada para conhecer o mundo,
diante de um novo objeto, de um novo problema ou de uma nova situação,
recorre aos esquemas já construídos ou a essa organização para retirar do
objeto, da situação ou do problema suas características principais e, ao fazer
isso, as seleciona, escolhe algumas e deixa outras de lado. No contato com o
novo, para dar conta da singularidade que essa situação apresenta, o indivíduo
modifica a organização mental existente, a fim de acomodar as novas
informações.
Os esquemas já construídos permitirão que o indivíduo desenvolva
novas maneiras de agir ou de pensar, os novos esquemas, levando em
consideração as propriedades do objeto ou as características da nova situação.
Esse processo de modificação dos esquemas anteriores e construção
de novos esquemas, Piaget chamou de acomodação.
Exemplo: Um bebê de um ano que ainda não anda, mas apenas
engatinha, deseja pegar um objeto em cima de um móvel. Para alcançar este
objeto que deseja, ele se utilizará dos esquemas já construídos de pegar objetos
e de deslocar-se. Diante da altura do móvel ou de seu formato diferente dos já
conhecidos, terá que modificar uma ou algumas das ações presentes em seus
esquemas já construídos para obter sucesso no seu intento. Para isso, ele
assimilará as diferenças do objeto presente diante de si e alterará, é a
acomodação, a organização de suas ações já construídas, os esquemas, a fim
de alcançá-lo de fato.
Os processos de assimilação e acomodação estão presentes durante
toda a vida do indivíduo e permitem contínua adaptação.
Equilibração
Em cada fase do desenvolvimento, a criança estabelece uma
determinada organização que lhe permita relacionar-se com o meio ambiente.
Cada novo estímulo recebido, como visto anteriormente, “aciona” a
utilização de esquemas de ação e/ou mentais já construídos, a assimilação, que,
na relação com o novo objeto, pessoa ou situação favorecerão uma mudança ou
uma transformação que lhe permitirá uma relação mais eficaz com o meio, a
acomodação, representando um processo contínuo de adaptação.
Na medida em que o indivíduo se relaciona com o meio, constrói novos
esquemas e organiza os diversos esquemas já construídos em sistemas mais
ou menos complexos permitindo-lhe um funcionamento mental harmônico para
estabelecer relações com o meio. Isso, Piaget chamou de equilibração das
estruturas cognitivas. A equilibração é um processo fundamental de organização
das estruturas cognitivas num sistema coerente e interdependente que permite
que o indivíduo desenvolva, cada vez mais, formas eficazes de adaptação à
realidade. O desenvolvimento, portanto, pode ser entendido como um processo
de equilibração sucessiva dessas estruturas, que são continuamente
construídas a cada novo contato ou experiência com o meio físico e social. A
utilização de esquemas já construídos e a transformação destes em novos
podem ser entendidas como um processo de desequilíbrio que tende a se
reorganizar sucessivamente, buscando novamente o equilíbrio, para que o
indivíduo consiga lidar com a realidade, na tentativa de compreendê-la.
Exemplo 1: Um bebê que ainda não anda brinca com um objeto que se encontra
em cima de uma bancada. Ele já construiu esquemas de ação que lhe permitem
pegar o objeto, trazer para perto de si, olhar e perceber suas características,
batê-lo sobre o móvel e perceber o efeito que isto causa, mantendo seu corpo
ereto, desde que apoiado no móvel. De repente, o objeto cai. Ele quer pegar o
objeto e já tem uma série de ações desenvolvidas para fazê-lo. Entretanto, seu
corpo, para manter-se equilibrado e em pé, precisa do apoio do móvel. Ele já
sabe abaixar-se e levantar-se. Ele também sabe pegar o objeto e manipulá-lo.
Entretanto, neste momento, ele precisa sincronizar todos os esquemas já
construídos - tudo que envolve, abaixar, levantar, pegar, manipular, apoiar-se,
manter-se em pé - a fim de pegar o objeto no chão, sem que para isso precise
soltar-se do móvel, o que o levaria a cair. Sincronizar os saberes já construídos,
como abaixar, levantar, pegar, apoiar-se etc., para poder pegar o objeto e
manter-se em pé, que é algo que para acontecer depende do apoio no móvel e
que, ainda, não está sob domínio, é um saber ainda em construção, pode ser
entendido como um processo de equilibração.
Exemplo 2: Crianças entre 2 e 3 anos, brincam juntas numa caixa de areia.
A caixa conta com recipientes que podem ser preenchidos com areia e outros
objetos que permitem a manipulação da areia, tais como funis, peneiras,
colheres, espátulas, escumadeiras, entre outros. Todos já construíram variados
movimentos que lhes permitem encher e esvaziar os recipientes, utilizar os
diversos objetos e perceber o efeito e/ou resultado que o uso de cada um deles
produz em contato com a areia.
São crianças entre 2 e 3 anos que já contam também com a linguagem oral para
manifestar-se e expressar ideias.
À medida que se dedicam a preencher os recipientes, se dão conta que
os potes conservam a areia dentro de si. Os funis, porém, não. Ocorrida esta
percepção, ela se faz cada vez mais presente para as crianças quanto mais elas
vão tendo a oportunidade de preencher os potes de diferentes formatos e
tamanhos com areia, bem como os funis. Estes, por sua vez, trazem a percepção
no que diz respeito à vazão variada, pois cada funil, na variação de tamanho e
diâmetro do tubo, escoa a areia num tempo, num volume e numa velocidade
diferentes. Toda variação e variedade de objetos presentes na caixa, em contato
com a areia, exigem das crianças a construção de gestos, movimentos e uso de
habilidades e estratégias diferentes, os esquemas, a fim de entender e executar
diferentes usos e, consequentemente perceber e compreender os diferentes
efeitos/resultados gerados. A articulação dos esquemas já construídos,
organizados em sistemas mais complexos, a equilibração, ajudam a criança a
relacionar-se com o contexto apresentado, qual seja, uma caixa com areia,
potes, funis e objetos que permitem sua manipulação e que a colocam diante de
questões relativas a preenchimento, volume, vazão, peso ..., e investigar as
relações e seus efeitos. A experiência vai ganhando significados que podem ser
expressados e compartilhados com os amigos por meio do repertório de palavras
já construído até o momento. Dizer ao amigo que a areia não sai do pote porque
“está presa” é compartilhar a compreensão, a atribuição de um significado, por
meio de uma palavra conhecida. Muitas são as articulações simultâneas, as
assimilações e acomodações, e uma consequente organização mental
designada por Piaget como “equilibração das estruturas mentais”.
A cada etapa da vida, o indivíduo organiza continuamente seus
esquemas construídos, os seus conhecimentos, de formas específicas
relacionadas às características físicas e mentais de cada um, fruto da relação
entre a maturação biológica e o contato do organismo com o meio. Esse é um
processo contínuo. Desde o momento do nascimento, a criança estará em
contato com o meio físico e social e construirá esquemas para estabelecer, de
forma eficaz, essa relação com o mundo.
É um processo que exige tempo. Tempo de experimentar, tempo para
assimilar as características do objeto ou situação, tempo para construir
sequências de ações que permitam que se estabeleça a relação com esse objeto
ou situação, tempo para repetir inúmeras vezes essas sequências de ações para
que elas sejam apropriadas pela criança a fim de servir de base para novas
ações.
Saber que a criança vive constantemente esses processos de
assimilação e acomodação ajuda o educador a compreender o mecanismo pelo
qual a criança vai crescendo e organizando a inteligência. Entretanto, não serve
para “acelerar” o processo, para fomentar o que costuma-se chamar de
“avanços”, que, na realidade, podem representar pressa do adulto em estimular
o “próximo passo”.
O foco do educador deve ser a relação da criança com o objeto ou com
o meio e não apenas a sequência de ações, os esquemas, estabelecida para
determinado fim. Os esquemas construídos têm importância, mas não
isoladamente. Não interessa apenas desenvolver habilidades e fazer a criança
ultrapassar etapas. O que interessa é propor situações nas quais a criança tenha
que lançar mão de seus recursos para poder vivê-las, ou seja, o interesse está
nas possíveis relações a serem estabelecidas e que, na teoria de Piaget, pode-
se considerar a possibilidade de organizar esquemas já construídos em sistemas
gradativamente mais complexos que permitam às crianças responder aos
desafios que se apresentam.
Para Piaget, o desenvolvimento da inteligência não é linear, pois não se
trata do acúmulo de informações, mas de saltos qualitativos e rupturas, que
representam as articulações citadas anteriormente para a construção de
sistemas mais complexos de relações e estruturas mentais. A inteligência muda
de qualidade à medida que o ser humano vive e se desenvolve. Piaget nomeou
de estágios, ou períodos, as etapas de desenvolvimento que apresentam modos
específicos de agir e pensar. Cada estágio representa uma qualidade ou um
conjunto de qualidades da inteligência. Piaget descreveu quatro grandes
estágios:
Sensório motor - entre 0 e 18 ou 24 meses;
Pré-operatório - entre 18 ou 24 meses a 6 ou 7 anos;
Operatório Concreto - dos 6 ou 7 anos até aproximadamente 11 ou 12
anos;
Lógico formal - dos 11 ou 12 anos até ....
Período sensório-motor
Piaget, em seus estudos, faz referência à inteligência do bebê, à
inteligência muito antes da linguagem verbal. Existe uma inteligência pré-verbal,
uma inteligência chamada de inteligência prática, inteligência em ação, embora
ainda não verbal, não representativa.
Nos dois primeiros anos de vida, a criança percorre um caminho de alta
complexidade. É a fase em que o foco principal da criança é realizar a
diferenciação entre os objetos externos e o próprio corpo. A criança trabalha
ativamente para formar uma noção de “eu”, para se distinguir dos demais objetos
do mundo externo e estabelecer uma forma de se relacionar com eles.
Como o próprio nome do período aponta, é uma fase de grande
desenvolvimento sensorial e motor. Por meio dos sentidos e da motricidade, a
criança inicia a construção de seus esquemas de ação para estabelecer relação
com o meio. A criança precisa atuar concretamente sobre os objetos que a
rodeiam para que possa compreender o mundo e diferenciar-se dele.
O início da vida é marcado pela presença de reflexos, que vão se
aperfeiçoando e se apresentando como exercícios que darão passagem à
existência das reações circulares primárias, que são os gestos ou as reações
repetidas sem finalidade aparente.
À medida que o bebê cresce, começa a coordenar visão e preensão, um
dos primeiros reflexos do qual dispõe ao nascer, e aprimorar as reações
circulares, repetindo ações que produziram algum efeito. Evidencia-se aí a
existência de uma finalidade para a ação.
A criança tende a achar que são suas ações que causam efeitos no
universo. À medida que ela percebe os efeitos que causa no meio, ela passa a
associar condutas desenvolvidas, os esquemas, para ampliar suas
possibilidades de relação com ele. Associá-las e hierarquizá-las é uma forma de
organização mental, a acomodação, permitindo-lhe encontrar novas
possibilidades de relação e, portanto, estabelecer novas aprendizagens.
A articulação de esquemas construídos gradativamente os relacionará
aos efeitos produzidos e transformando-os para a obtenção de novos objetivos.
A criança que, inicialmente, alcança a corda do móbile para ver o deslocamento
dos objetos e/ou ouvir o som produzido, procura utilizar-se do mesmo gesto para
alcançar um outro objeto, percebendo a necessidade de fazer ajustes e modificá-
lo para este fim. Entretanto, a modificação ainda é sutil. A criança “empresta” os
meios já conhecidos de assimilação, os esquemas construídos, para obtenção
de novos fins. São as reações circulares secundárias.
Tudo está centrado no corpo da criança, que, ainda, não se percebe
claramente separada dos objetos e do meio. Quando o objeto ou pessoa é
retirado de seu alcance ou seu campo de visão, a criança muitas vezes chora ou
se ressente, dando a entender que, para ela, isso deixou de existir.
Uma maior diferenciação dos esquemas de ação ocorre à medida que a
criança vai percebendo os efeitos de sua ação e a necessidade de maiores
ajustes para a obtenção de um determinado fim. Um mesmo gesto já não atende
a variação de sua intenção. É necessário variar ainda mais os gestos e formas
de contato e contágio para relacionar-se com o meio à sua volta. Ela precisará
lançar mão do que Piaget chamou de reação circular terciária, que é a variação
das condições de exploração e tateamento dirigido.
A criança vai, gradativamente, percebendo-se separada e diferente dos
objetos e do meio e começa a procurar o que é retirado de seu alcance ou campo
de visão. Ela sabe que existem, apesar de não estar diante de si o objeto e/ou
pessoa, e passa a procurá-los porque já possui a capacidade de evocá-los. É o
que Piaget chama de esquema do objeto permanente, lembrando que os
esquemas podem ser uma sequência de ações – reações aos estímulos – para
atingir determinado fim, uma imagem interiorizada de um lugar frequentado, de
uma pessoa ou objeto conhecido ou estratégias mentais para solução de
problemas.
Se o objeto retirado é deslocado diversas vezes, nas primeiras ocasiões
da ocorrência a criança tem dificuldade de acompanhar esses deslocamentos e
pode não conseguir procurá-lo. Com o tempo, vai construindo, cada vez mais,
noções de espaço temporais, que vão contribuindo também para a percepção
das relações de causa e efeito. Diferenciando-se mais do espaço e dos objetos,
consegue perceber que a sua ação gera efeitos no ambiente e passa a
interessar-se cada vez mais por isso, a que Piaget chama de desenvolvimento
da causalidade. A construção dos esquemas, que inicialmente estava centrada
no corpo da criança, passa gradativamente a contemplar também as relações de
espaço e tempo. Os deslocamentos de um objeto, que é retirado de seu alcance,
podem ser acompanhados se estiverem ao alcance de sua vista, permitindo que
ela busque o objeto diretamente na posição final de seu deslocamento.
Conforme cresce, a criança interioriza os esquemas construídos e os
dados do meio circundante, “abandonando” gradativamente os tateios ou
relações por tentativa e erro. Diante de um novo desafio ou problema, a criança
consegue suspender a ação, pensar numa alternativa ou em outra ação que
pareça mais adequada à situação.
Exemplo: uma criança entre 1 e 2 anos brinca com tubos suspensos na parede
e bolas. A criança se dedica a colocar as bolas nos tubos a fim de, ao final da
trajetória estabelecida pelo tubo, verificar sua saída. Tanto os tubos quanto as
bolas têm diâmetros variados. Assim, uma bola pode ter o diâmetro maior que o
diâmetro do tubo e, consequentemente, não passar por dentro dele. Inicialmente,
a criança tenta colocar a bola e não consegue. Por este motivo, pode tentar outro
tubo que acolha a bola com o diâmetro em questão. Esta criança conhece as
bolas e seus tamanhos, já brinca com estes materiais há algum tempo, já
relacionou bolas e tubos várias vezes, já construiu esquemas que permitem
relacionar os objetos entre si. Ela sabe pegar as bolas, abaixa e se levanta,
mantém-se em pé sem necessidade de apoio, desloca-se com um ou mais
objetos nas mãos, consegue pegar um objeto tendo outro objeto na outra mão,
equilibra-se nesta operação de forma a conseguir articular mais de uma ação ao
mesmo tempo, desenvolveu variações de preensão a fim de conseguir segurar
bolas de diferentes tamanhos, vai interiorizando também as propriedades dos
objetos: formas, tamanhos, pesos, temperatura, e a relação entre eles:
quantidade, variedade, variação. A experiência vivida tantas vezes foi permitindo
que os dados resultantes da relação com o meio e os objetos fossem
interiorizados e que ela os evoque na hora de decidir que bola colocar dentro do
tubo. Ou seja, a evocação dos esquemas interiorizados, quais sejam, bola maior,
bola menor, tubo mais largo, tubo mais estreito, movimentos realizados para
brincar com estes materiais, permite a elaboração de uma solução mais
adequada que não estará relacionada a tentativas e erros. Esta evocação
sinaliza o início da representação mental, ou seja, não necessariamente a
criança precisará do objeto concreto ou da experimentação direta sobre o objeto
para considerar suas características e finalidades e articulá-las. Ela passa a
contar com uma representação construída em sua mente, que lhe oferece dados
a serem considerados para o estabelecimento das relações.
Algumas Considerações
Piaget trouxe contribuições importantes para a educação à medida que
mostrou peculiaridades e especificidades do pensamento do indivíduo desde seu
nascimento.
Apresentar a criança como um ser inteligente, mas com uma inteligência
diferente da do adulto, foi determinante para novas práticas educativas que
começaram a se preocupar em organizar situações de aprendizagens
pertinentes aos novos conhecimentos a respeito do modo de pensar e agir das
crianças.
Entretanto, o conhecimento de sua teoria também abriu espaço para a
crença de que as provas realizadas por Piaget para a compreensão do
pensamento infantil poderiam ser transpostas para a sala de aula, como
atividades de ensino-aprendizagem realizadas pelo professor. Foi comum
encontrar professores aplicando as provas para verificar ou comprovar as
características do pensamento identificadas por Piaget e, em seguida, elaborar
atividades que objetivavam o “avanço” da criança, a “superação” daquela
característica entendida como falta, ou como distância do pensamento lógico
mais próximo do pensamento adulto que era o foco desejado.
VYGOTSKY
15Embora outros autores tenham usado o termo Interacionismo, Vygotsky o atribuiu à relação entre
pessoas.
Frente a esses valores tão ressaltados, o brincar recebe destaque, pois
a brincadeira é rica em aprendizagens e mobiliza o desenvolvimento,
trabalhando as zonas potenciais. As brincadeiras acionam as “potências” das
crianças e, então, interferem muito no desenvolvimento.
A brincadeira está muito relacionada ao contexto histórico social e
econômico, sendo um reflexo direto dessas condições. As crianças sempre
brincam. A criança, assim como faz a água enquanto escoa, busca naturalmente
um caminho. O caminho lúdico... ela é lúdica. O brincar é seu idioma. Crianças
que trabalham na infância, por exemplo, encontram pequenas brechas para
brincar durante o trabalho, como pode fazer um menino de sete anos, nos
fundos, de um caixote de feira com um pedaço de pedra, que ele trata como seu
“carrinho”. Outro menino de mesma idade, em um local deserto distante, pode
fazer contas com ossos de animais enquanto brinca. A criança sempre brinca. O
“como ela brinca” é que se refere a um contexto maior que precisa ser conhecido
e analisado também. Isso pode ajudar os educadores a não “didatizar” o brincar.
Ele é um autor que pode apoiar os educadores das crianças da escola de
educação infantil a resgatarem as brincadeiras espontâneas da infância.
Alguns conceitos-chave da teoria de Vygotsky:
Mediação
Para Vygotsky, a relação do homem com o mundo não é uma relação
direta, mas primordialmente mediada. Para ele, entre o sujeito e o mundo sempre
há um elemento mediador, intermediário. A presença de elementos mediadores
introduz um elo a mais na relação organismo/meio, tornando-a mais complexa.
Podemos distinguir dois tipos de elementos mediadores.
Processo de Internalização
A internalização dos signos é um processo fundamental para a relação
do homem com o mundo, pois permite a construção de sistemas simbólicos que
viabilizam essa relação, tomando os conteúdos mentais o lugar dos objetos, das
situações e dos eventos do mundo real. É essa capacidade de lidar com
representações que substitui o real, que liberta o homem das relações com o
espaço e tempo presentes, permitindo que ele imagine, preveja, planeje e pense
em coisas que não necessariamente foram vividas por ele, ou ainda, use as
experiências e seus significados para projetar suas ações futuras.
A organização dos signos internalizados em sistemas simbólicos permite
que seus significados sejam compartilhados por grupos sociais, representando
importante elemento mediador do homem com o mundo, pois consistirá numa
espécie de código de decifração do mundo. O compartilhamento de significados
permite que grupos sociais construam formas comuns de interpretação da
realidade que podem ser transmitidas por várias gerações, sendo isto a
dimensão sociocultural do desenvolvimento humano.
Um exemplo é o valor dado à adolescência por diferentes sociedades.
No Brasil, há certa valorização do momento da puberdade, no sentido de muito
se falar a respeito, do quanto é preciso um tratamento específico para com as
pessoas que vivem esta fase. Muitas são as orientações de diversos
profissionais visando apoiar os adultos que convivem com os adolescentes. Tal
situação termina por criar um lugar simbólico para o assunto, no caso, para o
próprio adolescente em que todos já esperam que ele será mesmo difícil. Em
outras palavras há uma valorização deste momento.
Pois bem, há tribos indígenas em que o momento da puberdade é
entendido como um momento extremamente confuso e pouco definido do
homem. É pensado como um momento de resguardo e espera para a chegada
do homem definitivo. É comum encontrar práticas em que, por segurança, o
adolescente é isolado do convívio social, precisa passar por situações de tensão
e dor, como, por exemplo, deitar-se sobre um formigueiro, ou arranhar todo o
corpo com espinhas de peixe.
Em ambos os casos acima, há razões para as escolhas, não sendo aqui
o momento de discuti-las, apenas notar que os valores culturais, as crenças, as
práticas humanas, os hábitos e os costumes definem um conjunto de sentidos,
de signos que são vividos pelos grupos sociais, sendo por eles perpetuados e
constituindo um código de entendimento do mundo, interpretação da realidade,
e das relações comuns a todos daquele lugar.
O compartilhamento de significados se dá nas relações interpessoais. A
relação face a face entre os indivíduos, portanto, é de fundamental importância
na construção do ser humano, pois é por meio dela que o indivíduo internalizará
as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico.
Vygotsky é mais um teórico interacionista, e, para ele, a aprendizagem
não deriva somente do aparelho humano inato e nem somente do ambiente,
mas da confluência dos dois campos. No entanto, em suas postulações, a
responsabilidade do ambiente parece ser mais enfatizada do que a da genética,
embora, a segunda atue. Logo, a interação com o outro é premissa de
aprendizagem e desenvolvimento.
No início da vida, o ser humano tem suas ações e seus gestos
interpretados pelo adulto de acordo com a rede de significados construída
culturalmente. São essas interpretações que permitirão atribuir significados às
suas ações e internalizá-los, construindo seus sistemas simbólicos.
Assim, para Vygotsky, o desenvolvimento humano que se dá “de fora
para dentro” é muito valorizado, porque são as pessoas com as quais o sujeito
se relaciona que oferecem as interpretações de suas ações e de eventos da
realidade, de acordo com os significados culturalmente construídos. São essas
interpretações, esses significados atribuídos socialmente que serão
internalizados.
Um exemplo é o conjunto de ideias, sentimentos, práticas e crenças que
cada família (microcultura) atribui, na educação de suas meninas, ao momento
da menstruação. Há diversas maneiras, entonações psicológicas, ênfases, que
podem ser colocadas, a respeito deste assunto, na relação com as meninas que
se tornam mulheres. Encontramos famílias que acreditam em vários cuidados
físicos necessários para este momento, tais como, não colocar os pés descalços
no chão devido à friagem provocar cólicas, evitar lavar a cabeça devido à perda
de temperatura do corpo, não comer determinados tipos de alimentos mais
gordurosos. E, de outro lado, podemos encontrar famílias que vão ensinar às
suas meninas que nada se altera enquanto elas estão menstruadas.
Em ambos os casos acima mencionados, as razões sócio emocionais
culturais ditam essas escolhas e definem o tratamento dado à questão, contudo
isto definirá reações muito distintas nas meninas.
Nesses casos, são mencionados dados distintos na microcultura, que é
a família, mas poder-se-ia citar dados da macrocultura como, por exemplo, um
país ou uma religião em que as mulheres precisam cobrir os rostos para sair à
rua e, em outros, que elas podem sair com muitas partes do corpo desnudas.
Neste sentido, o sujeito e sua aprendizagem precisam ser sempre
considerados em um contexto maior. E isso ressalta o papel do educador, bem
como dá valor à sua responsabilidade.
Pensar em situações significativas de interação e, portanto, de
atribuição/internalização de significados evidencia-se na organização de
contextos de aprendizagem que sejam compatíveis com as características de
relação da criança com o mundo.
Assim, utilizar essas ideias como inspiração para o trabalho prático
cotidiano do educador envolve:
1. Muito cuidado do adulto ao interpretar as ações das crianças, ou seja,
é preciso atenção para dar um valor, uma conotação, um sentido às ações delas.
É fundamental não julgar moralmente seus atos. Em resumo alguma
interpretação sempre deve ser feita, contudo ela deve possibilitar crescimento.
Um exemplo disso pode ser uma criança numa fase em que está mordendo os
amigos e batendo em todos que se aproximam. Ela não pode receber a
interpretação do adulto que cuida dela de que é uma criança má ou agressiva,
pois, se isso ocorrer, há risco de que essa mensagem se torne uma marca
determinante da criança.
2. Muito cuidado do adulto para gerar interpretações a partir das ações
de um grupo de crianças que igualmente precisa corresponder às necessidades
das suas faixas etárias. Um exemplo pode ser um educador que crie regras de
convivência e de comportamento, pelas quais as crianças devem permanecer
silenciosas e contidas fisicamente na maior parte do tempo. Necessariamente
ele estabelecerá um código de conduta que valoriza essas reações e, assim,
estabelecerá com aquele grupo um único modo “correto” de ser que poderá
dificultar aprendizagens significativas.
3. Atenção especial do adulto para os momentos de propostas coletivas,
incluindo os espaços do brincar, de forma que ele possa prever um cuidado
detalhado com a maneira como dispõe cada objeto na sala, com a maneira como
emposta sua voz ao encaminhar a proposta, com o tempo que propicia que a
proposta dure, que não pode ser rápido demais e nem demasiado longo, com as
propostas pedagógicas que faz diariamente a partir do que viu que as crianças
fizeram e falaram até aquele momento.
4. Lembrar-se de que o desenvolvimento é singular e que depende das
experiências vividas e que as crianças não são iguais e não devem dar respostas
iguais.
Pensamento e Linguagem
Brinquedo e Desenvolvimento
Vygotsky, em sua obra, discute a importância da brincadeira no
desenvolvimento humano. Para ele, a brincadeira de faz de conta é importante
criadora de zonas de desenvolvimento proximal, porque a criança, ao viver os
papéis que a brincadeira de médico, de mamãe, de bombeiro... propõe, realizará
ações que são “mais avançadas” do que aquelas que realizaria cotidianamente.
Uma observação importante é a de que, para Vygotsky, a palavra
brinquedo evidencia a brincadeira simbólica: “a criança (...) envolve-se num mundo
ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, e esse
HENRI WALLON
16 “Para conhecer Wallon: uma psicologia dialética”. Pedro Silva Dantas. 1983
constituem a maioria – como naqueles em que discute assuntos
específicos da pedagogia. (1995, p.12).
17Dialética: concepção e postura diante do mundo e da realidade; propõe pensar a realidade como
essencialmente contraditória e em permanente transformação. Pressupõe o conflito e o movimento,
apresenta a ideia da consciência da inevitabilidade da mudança e da impossibilidade de negar ou driblar
as contradições.
Materialismo dialético: significa abordar os fenômenos e a realidade por meio da compreensão das
condições materiais de existência - biológicas e sociais.
do real e conhecimento do mundo. Esse movimento ocorre desde o nascimento
até a morte (questão da temporalidade), não se tratando de um processo gradual
e linear, mas descontínuo e instável. É um processo de reestruturação que prevê
reversão (questão do ritmo) e acontece do social para o individual, do sincretismo
para diferenciação (questão do direcionamento).
A partir dessas leis, podemos entender que em cada fase do
desenvolvimento a criança estabelece um tipo de relação com o meio social de:
Cooperação e solidariedade - o outro é representante legítimo da
cultura e constitui a identidade do indivíduo influenciando o conhecimento que
ele vai adquirir sobre o mundo e a maneira com que a criança vai responder a
ele. São os chamados ‘Estágios de preponderância cognitiva’.
Oposição: o outro constitui a identidade do indivíduo no
conhecimento que ele vai adquirir de si mesmo e na maneira dele ser e estar no
mundo. Conhecidos como ‘Estágios de preponderância afetiva’.
Cada fase constitui uma nova configuração, que cria novas
possibilidades a partir de novos recursos cognitivos, motores e afetivos
adquiridos naquele momento. Cada estágio carrega em si diferentes
possibilidades de relacionamento com o meio, com o outro e, também, consigo
próprio. Existem comportamentos e reações típicas de cada momento, sistemas
de relações entre a criança e o meio que resultam do equilíbrio entre as
possibilidades funcionais, condições neurológicas próprias a cada idade, e as
condições suscitadas pelo ambiente.
Segundo Wallon, o ser humano é “geneticamente social” (1995), assim,
a criança desenvolve-se na e pela interação com o meio físico, humano e
cultural. Os fatores biológicos e culturais exercem influência mútua, sendo,
dessa forma, indissociáveis. O ser humano nasce com uma carga genética que
se “atualiza” através da relação com o meio.
Feita essa introdução, serão destacados os principais aspectos da teoria
walloniana e as suas principais contribuições para a prática pedagógica. Em
seguida, serão apresentadas as principais características do estágio do
desenvolvimento e as possíveis articulações com a ação do professor.
Contribuições da teoria de Wallon para a prática pedagógica:
Integra as dimensões motora, afetiva e cognitiva. O educador deve
conhecer a criança como uma pessoa completa e contextualizada.
Apresenta a noção de estágio enquanto descontínuo e sujeito a saltos
e retrocessos. Desse modo, promove a compreensão real do desenvolvimento
da criança, adequando o papel do professor às necessidades específicas em
cada estágio do desenvolvimento na busca de um atendimento de boa
qualidade.
Recoloca o movimento dentro do espaço escolar. Desde o início da
vida, o movimento é uma das principais formas de comunicação da existência
psíquica com o ambiente externo. Ele é uma das grandes possibilidades de
tradução do mundo interno da criança, porque ela se faz entender por gestos
que representam suas necessidades e seu humor. O educador precisa
compreender as relações entre o desenvolvimento motor e o pensamento. O ato
motor é condição para o ato mental.
Apresenta a diferença entre o pensamento da criança e o pensamento
do adulto. Não se pode falar do pensamento infantil considerando o pensamento
do adulto como referência. A atividade mental da criança é qualitativamente
diferente do pensamento adulto, que opera por análise-síntese. Assim, para ele,
o objeto tem uma só imagem, constante e estável, não importando a
variabilidade de seus aspectos. Para a criança, porém, existe uma
descontinuidade entre as diferentes imagens de uma mesma realidade. O
pensamento da criança é global e pessoal, o sincretismo é marcado pela
predominância da afetividade sobre a objetividade, do existencial sobre o
pensável, supondo, desse modo, incapacidade de ultrapassar a impressão
presente. Portanto, a representação dos objetos e situações pela criança está
impregnada de experiências sensoriais e afetivas. A criança irá superar o
pensamento sincrético a partir das suas experiências e das suas maturações
mentais. Portanto, cabe aos educadores respeitar as características e o ritmo do
desenvolvimento de cada criança, oferecendo-lhes propostas que melhor
atendam essas necessidades;
Recoloca as emoções dentro do espaço escolar. O educador deve
observar os indicadores da emoção para tomar distância da emoção da criança,
acompanhando e atendendo suas necessidades nas situações de imperícia.
Restabelece a importância do professor enquanto representante
legítimo do conhecimento e da cultura. A escola é um meio indispensável à
formação do ser humano e o professor deve ter uma formação adequada para
atuar nesse meio e reconhecer a sua atuação.
Impulsivo emocional.
Nesta fase, a criança está voltada predominantemente para a
construção do ‘eu’. É uma fase de preponderância afetiva, centrípeta, de
acúmulo de energia. A relação estabelecida pela criança com o meio, nesta fase,
é de complementaridade, ou seja, o ‘outro’ é recurso de sobrevivência,
conhecimento e aprendizagem.
Esse estágio deve ser compreendido em dois momentos distintos:
impulsividade motora e a emocional.
Esse estágio também deve ser conhecido por duas etapas: a primeira é
a sensório motora propriamente dita e, a segunda, é a projetiva.
As relações estabelecidas com o meio e com os adultos no estágio
anterior ampliam os horizontes sociais da criança e as suas manifestações ficam
cada vez mais intencionais. A criança responde aos estímulos do meio exterior
tomando-o como instrumento de seu interesse a ser manipulado e explorado.
Prepondera a atividade relacional, de manipulação e de exploração do meio
externo. É uma fase centrífuga e objetiva, ou seja, é um momento em que a
inteligência dedica-se à construção da realidade.
Nesse momento, a criança irá reconhecer e distinguir as diferentes
partes do seu corpo, ocorrendo, assim, a construção da consciência corporal.
Inclusive é uma fase na qual, com certa facilidade, a criança fará disso uma
grande brincadeira, sempre repetirá o nome das partes do corpo que conhece e
fará muitas perguntas a respeito das partes cujo nome ainda não conhece.
Frequentemente, os adultos proporão, como brincadeira, que as
crianças procurem e apontem algumas destas partes.
A criança demonstra grande interesse em manipular e explorar, o que
promove a investigação e a exploração da realidade exterior. Ela apresenta uma
enorme curiosidade por tudo que está ao seu redor, manipula e explora
diferentes objetos, procura experimentar e conhecer suas diferentes
possibilidades, buscando, sempre, o adulto para ajudá-la nessa exploração.
As possibilidades de exploração prática e as habilidades instrumentais
são bastante ampliadas neste estágio pela aquisição da marcha e pelo
desenvolvimento da linguagem. O andar e a linguagem dão oportunidade à
criança de ingressar em um mundo novo: o mundo dos símbolos. Ao adquirir a
marcha, a criança pode se deslocar pelo ambiente, explorando-o e relacionando-
se com tudo que está ao seu redor e, através da linguagem, nomeia, diferencia
e caracteriza o meio, atribuindo-lhe diferentes significados. Segundo Wallon,
com o desenvolvimento da linguagem, aparece a possibilidade de objetivação
dos desejos. A permanência e a objetividade da palavra permitem à criança
separar-se de suas motivações momentâneas, prolongar na lembrança uma
experiência, antecipar, combinar, calcular, imaginar e sonhar (no sentido de
antecipar).
Os exercícios sensórios motores iniciados no estágio anterior e a
atividade circular ampliam-se nesta fase. Ao manipular um objeto, percebendo
suas características e propriedades, a criança busca repetir o gesto para obter o
mesmo efeito e, também, exercitar possibilidades de variação dos efeitos. A
repetição desse ato em cadeia permite que a criança vivencie as diferentes
reações que a sua ação produz. Nesta fase, essa atitude permite a coordenação
dos campos sensoriais e motores, possibilitando um ajustamento do gesto ao
seu efeito, provocando um refinamento das ações da criança.
A segunda etapa desse estágio é chamada de projetiva, que nada mais
é do que o modo de funcionamento do pensamento infantil no qual o ato mental
projeta-se em atos motores. A criança necessita dos gestos para exteriorizar,
expressar os seus pensamentos, assim, os gestos expressam pensamentos, o
gesto antecede a palavra.
É nesse momento do desenvolvimento que as crianças apontam algo
quando o desejam, mexem os dedos com os braços esticados quando querem
colo e fazem ações semelhantes. Frequentemente, esses atos já vêm
acompanhados de sonorizações monossilábicas, que, em breve, se tornarão
palavras bem pronunciadas.
Nesta etapa, a organização do pensamento se dá a partir dos
acontecimentos concretos e presentes. A criança compreende e pensa o mundo
a partir das experiências vividas por ela, sua forma de pensar o mundo é
impregnada pela sua subjetividade.
Apresentadas as características gerais do estágio, pode-se pensar como
principais focos da ação pedagógica os pontos tratados nos próximos
parágrafos.
Para a criança que está com a energia voltada para o conhecimento do
mundo externo e para a exploração dos objetos, estes precisam estar
organizados e disponíveis para atender essa necessidade.
O adulto precisa estar disponível à investigação da criança do mundo
exterior. É necessário, ainda, que o adulto esteja atento para promover e permitir
o reconhecimento espacial, para provocar e incentivar a atividade exploratória,
ampliando o repertório de ações da criança, a fim de que, dessa forma, a
inteligência da criança possa dedicar-se à construção da realidade a partir da
interação com o ambiente.
O professor deve promover uma organização do espaço e deve escolher
os objetos que atendam a necessidade de exploração e de independência da
criança. O espaço deve gerar demandas, ou seja, deve possibilitar a pesquisa,
a brincadeira e a investigação.
Organizar o espaço com o intuito de viabilizar essa interação, implica em
pensar em objetos que, ao serem manipulados, possam gerar efeitos na criança
e no ambiente de modo a despertar o interesse e o desejo de repeti-los, testá-
los, modificá-los e produzir novos. Objetos que instiguem a criança a levantar
hipóteses, como invólucros que possuam tampas oferecidos com pequenos
objetos que podem ser guardados e despejados para fora inúmeras vezes;
cestos profundos; caixas que, nelas, se possa entrar; objetos que se
sobreponham possibilitando torres que podem despencar ao menor toque são
alguns exemplos de objetos propícios ao jeito de pensar e agir da criança dessa
idade.
É interessante não escolher objetos que tenham em sua estrutura pouca
possibilidade de utilização ou uma utilização restrita, condição comum em
brinquedos à pilha ou eletrônicos com os quais a criança tem pouca condição de
intervenção e de ação sobre o mesmo. É interessante que os objetos acolham
várias possibilidades de uso.
Além disso, é importante propor brincadeiras e experiências de
aprendizagem que permitam à criança perceber e reconhecer as diferentes
partes do seu corpo e suas possibilidades na relação com o meio, com as
pessoas e com os objetos, pois, nesta fase, a criança irá construir uma
consciência corporal, vivendo diferentes possibilidades. Espaços muito
apertados, que não permitam deslocamento ou amplitude de gestos, são
incompatíveis com esse momento da vida em que a maneira pela qual a criança
entende e desenvolve percepções a respeito do mundo que a circunda está
diretamente relacionada à sua capacidade de agir sobre o meio e os objetos.
O professor precisa desenvolver e aprimorar cada vez mais a
capacidade de observação da atividade da criança. Precisa utilizá-la como ponto
de partida para a ação pedagógica, pois é através da interação da criança com
o mundo, das ações e das manifestações observadas que o adulto deve balizar
os passos a serem propostos em seu planejamento. Através da observação de
como a criança brinca, que objetos ou brinquedos escolhe, a sequência de suas
ações, as repetições ou interrupções, a criação ou não de algum enredo com
esses objetos, a escolha de parceiros para suas brincadeiras ou a preferência
por brincar só, o adulto é capaz de identificar aspectos que o ajudem a planejar
sua ação voltada à aprendizagem da criança. O registro de suas observações
pode auxiliá-lo na continuidade ou mudança de determinados aspectos
relacionados à organização do espaço, escolha de materiais a serem propostos
à criança, possibilidade de conexão entre esses materiais para produção de
novas experiências, proposição de projetos ou definição de pequenos grupos de
trabalho.
Outro aspecto importante a ser cuidado e acompanhado pelo adulto é o
desenvolvimento da linguagem como fator decisivo para o desenvolvimento
psíquico da criança, pois permite outra forma de exploração e conhecimento do
mundo. O professor, através de conversas, histórias e músicas, pode oferecer
uma série de oportunidades favoráveis à aquisição e ampliação do repertório
linguístico da criança.
Como já foi explicitado, compreender a forma de pensar da criança nesta
fase é uma poderosa ferramenta de trabalho para o educador. Entender que a
criança explica o mundo a partir das experiências que ela vive, que percebe a
realidade com seus próprios recursos, utilizando como base de percepção sua
condição afetiva e ainda seu modo de pensar, é muito importante para o
educador não fazer prevalecer sua forma de leitura da realidade. Existe uma
diferença entre o pensamento infantil e o pensamento do adulto que não é
quantitativa, mas qualitativa. Eles são de natureza diferente e, por isso, o adulto
não pode querer entender o pensamento da criança tomando como referência
seu modo de pensar.
Muitas vezes, por exemplo, observa-se uma criança querendo entrar em
uma caixa que os adultos sabem que, nela, não irá caber. Por que os adultos
sabem? Porque eles estabelecem uma série de relações mentais entre as
características da caixa e as características da criança. Mas, para a criança, será
necessário viver essas relações com o próprio corpo, tentando por diversas
vezes entrar na caixa, até se convencer de que isso não será possível. É preciso
permitir que ela faça isso! É através dessa experiência corporal que a criança
construirá noções e relações mentais de espaço, volume, tamanho, peso, etc.
Para Wallon, “A criança não sabe se não viver sua infância. Conhecê-la
pertence ao adulto. Mas o que vai prevalecer nesse conhecimento: o ponto de
vista do adulto ou o da criança”? (Wallon, 1995, p.11). Esse é um grande desafio
para qualquer profissional que se proponha a trabalhar com crianças: entender
a ação da criança e o que ela representa de acordo com as particularidades do
universo infantil.
Personalismo
Este estágio é voltado para o enriquecimento do eu e para a construção
da personalidade. Pela alternância funcional ocorre a subordinação da função
da inteligência para o predomínio da afetividade. A consciência corporal,
adquirida gradualmente durante os três primeiros anos, associada ao
desenvolvimento da capacidade simbólica são fundamentais para a entrada no
estágio do personalismo.
Esse estágio é marcado por três fases distintas: oposição, sedução e
imitação.
Na primeira fase, ao buscar afirmar-se como indivíduo autônomo, a
criança toma consciência de si, o que é constatado pelo emprego dos pronomes
eu e meu e demonstração de atitudes de recusa, o uso do não. Seu ponto de
vista diante do mundo se torna único e exclusivo e suas crises de oposição
apresentam-se como confronto com as pessoas do meio próximo a fim de
imperar a sua vontade. Os sentimentos de ciúme, a posse extensiva dos objetos
e as cenas para chamar a atenção dos que estão ao seu redor são
características essenciais para se distinguir dos outros.
É preciso compreender que essa oposição é uma busca da criança de
afirmar-se, de constituir-se como uma pessoa única e diferenciada das pessoas
que estão ao seu redor. O movimento de oposição deve ser entendido como um
movimento que dá muito prazer à criança, pois permite que ela experimente e
viva sua independência.
Em um segundo momento, surge a fase da sedução ou idade da graça.
Nessa fase, é marcante o movimento da criança pela busca de admiração e
satisfação pessoal. Sentindo a necessidade de ser admirada pelo adulto,
expressa-se de forma sedutora, elegante e suave, a fim de ser aceita pelo outro.
Existe uma exuberância dos movimentos tentando atrair a atenção e a
admiração dos adultos que a cercam.
E, por fim, o último período do estágio do personalismo representa o
esforço da criança em substituir o outro por meio da imitação. Assim, é através
dela que a criança busca ampliar e enriquecer as possibilidades de sua pessoa
pelo movimento de incorporação do outro.
Para a criança, essas diferentes fases - oposição, sedução e imitação -
têm como objetivo principal promover a individualização de sua pessoa em
relação a seu ambiente.
Wallon caracteriza nesse estágio um intenso trabalho afetivo e moral. A
criança vive intensamente as relações com o meio, utiliza-se de diferentes
recursos para diferenciar-se do outro, inclusive naquilo que diz respeito ao seu
papel e lugar dentro da constituição familiar.
Ao mesmo tempo em que se sente muito ligada à família, a criança
busca sua independência, o que gera conflito e, muitas vezes, alguma
insegurança. As relações são marcadas por atitudes de oposição e de
necessidade de afirmação de si perante o outro.
O espaço escolar passa a ser outra possibilidade de relação com o meio
e, portanto, uma oportunidade de viver relações diferentes daquelas vividas no
espaço familiar. A escola é fundamental para o desenvolvimento da criança por
ser um espaço diversificado e por oferecer novas oportunidades de convivência.
Quais relações pode-se, então, estabelecer com a ação pedagógica?
Em primeiro lugar, reconhecer a importância da oposição no
desenvolvimento. Quando o professor entende que a birra tem uma função no
processo de diferenciação, consegue administrar melhor estes momentos não
entrando em confronto direto com a criança e nem tão pouco tomando a
oposição como algo pessoal em relação a si. Desta forma, ele não entra no clima
emocional da birra, conseguindo, inclusive, baixar a temperatura emocional que
este momento traz para a relação dele com a criança.
O professor deve permitir o exercício da oposição na relação
pedagógica. A criança sente prazer em contradizer e confrontar-se com as
pessoas de seu ambiente pela razão de experimentar a sua independência,
impondo-a. É para afirmar o eu e tornar dominante e exclusivo o seu ponto de
vista que o movimento de oposição ao outro assume características de confronto
e de negatividade. Assim, o adulto deve ter claro que a criança irá fazer este
movimento de oposição e que, por isso, deve criar espaços e propostas de
diferentes naturezas para que a criança possa fazer suas escolhas, sem
necessariamente ter que atender a uma única opção oferecida pelo professor.
A oferta de várias possibilidades de experiências com o espaço e com
os objetos deve estar presente no planejamento, configurando-se como um dos
focos orientadores da ação pedagógica do professor.
Frente à importância da imitação, ele deve procurar oferecer objetos
próximos à realidade para a representação de situações e de papéis. O espaço
da casinha, as bonecas, as panelas, os telefones, são objetos que, nessa fase,
a criança gosta muito porque apoiam sua imitação.
O professor deve promover atividades que permitam o livre exercício no
plano motor e que desenvolvam o sentimento de solidariedade. Wallon destaca
a influência dos grupos na evolução do sujeito, pois ressalta que, além de serem
importantes para a aprendizagem social da criança, também são fundamentais
para a constituição de sua pessoa e para o conhecimento que dela pode ter.
O adulto precisa ajudar a criança a administrar as situações de disputa
de objetos, além de entender que o sentimento de propriedade, bastante
presente nessa fase, significa não só a não apropriação do que é do outro, mas
configura-se como afirmação de si próprio. Nesses momentos, é muito
importante que o adulto compreenda o que mobiliza a criança a entrar em tais
disputas, sem correr o risco de um julgamento da ação pelo viés da moral.
Para finalizar, pode-se dar destaque para algumas ideias pedagógicas a
partir de sua obra:
A escola não deve se limitar à instrução formal, mas deve se dirigir ao
aluno como uma pessoa completa e contextualizada, preocupando-se em ser
um instrumento para o desenvolvimento, que pressupõe a integração entre as
diferentes dimensões: afetiva, cognitiva e motora.
Um trabalho de boa qualidade da escola se fundamenta no
conhecimento do desenvolvimento da criança, de suas capacidades e
necessidades.
A ação da criança encontra as mais diferentes alternativas de
realização no meio físico e social. Por consequência, o saber escolar não pode
estar isolado desses meios, mas deve nutrir-se deles, ampliando suas
possibilidades de atuação.
A partir da obra de Wallon, conclui-se que esse psicólogo e educador
deixou aos educadores muitas lições e inspirações. De acordo com Almeida
(2009),
A nós professores, duas são particularmente importantes.
Somos pessoas completas: com afeto, cognição e movimento, e
nos relacionamos com um aluno também pessoa completa,
integral, com afeto, cognição e movimento. Somos componentes
privilegiados do meio de nosso aluno. Torná-lo mais propício ao
desenvolvimento é nossa responsabilidade. (p.95).
Nascimento
Nascido o bebê, a família e, principalmente, a mãe viverão experiências
ricas e intensas. Conhecer seu bebê e reconhecer-se como ser humano, agora
mãe ou novamente mãe, despertará sentimentos intensos e muitas
aprendizagens: completude, descoberta de saberes intuitivos, dúvidas,
inseguranças, capacidade de compreensão da linguagem de seu bebê, não
saberes, medos, a potência e/ou a dificuldade de acalmar e dar contorno aos
sofrimentos dele, como atendê-lo carregando-o, amamentando-o, trocando-o,
banhando-o, ninando-o e, também, um sentimento de alívio após um longo
período de nove meses de espera.
Sabe-se que a presença de um bebê muda completamente a vida de
uma família. Lidar com isso, respeitando um período de adaptação para todos
os envolvidos, é muito importante. Para o bebê, é uma realidade completamente
diferente daquela que ele viveu nos últimos nove meses. Ele passa, após o
nascimento, a ter que lidar com sensações novas, prazerosas ou não, e cabe ao
adulto acompanhar e reagir a essas sensações, para saber quando intervir. Isso
é uma construção, pois a mãe também precisa de um tempo para, aos poucos,
compreender melhor as solicitações do bebê.
A mãe conta com seu psiquismo nos aspectos conscientes e
inconscientes para apoiar o seu bebê que nasce extremamente dependente e
incompleto em suas funções físicas e psicológicas. Por isso, a importância do
pai ou de alguma companhia para a mãe para agir como “a placenta”, como um
invólucro, ajudando a dar um contorno para a dupla mãe-bebê: alimentar,
proteger e enlaçar. Desse modo, também o pai contará com seu psiquismo para
fazer esta função, banhando mãe e criança com seus significados conscientes e
inconscientes. Vale lembrar, então, que sempre que se fala de pai e mãe, pode-
se entender que se refere a funções e papéis que são exercidos pelos adultos
que se ocupam da criança.
Nascer, então, é intervir e alterar a realidade ao mesmo tempo em que
se é alterado e formado por ela. É “Ser” na e pela relação com tudo e todos,
influenciando os seres que se relacionam com quem nasceu.
Amamentação
A amamentação é uma experiência única entre mãe e filho e
fundamental para o desenvolvimento psíquico do bebê, pois, através dela, é
possível viver uma relação muito próxima. A mãe tem um papel essencial no
desenvolvimento da subjetividade do seu filho. Falar de amamentação é tratar
fundamentalmente de questões relacionadas à construção do vínculo entre mãe
e bebê, assim como, ao tratar de questões relacionadas à nutrição, exaltar a
importância do leite materno como alimentação exclusiva ao longo dos seis
primeiros meses de vida do bebê.
Amamentar não deve ser entendido somente como a oferta do leite
materno, mas também como a garantia da presença materna no ato de alimentar
o bebê. Os cuidados que a mãe dedica ao filho no ato da alimentação são
maiores do que exclusivamente a satisfação de necessidades fisiológicas e,
portanto, da garantia da sobrevivência. Durante a alimentação, o bebê vive
experiências muito intensas, tais como os sentimentos de segurança, conforto e
completude.
O ato de alimentar propicia uma relação íntima entre a mãe e seu
bebê através do olhar, do toque, do modo de carregar e de conversar com ele,
que são manifestações do cuidado. Através dessas atitudes, a mãe exercita e
expõe o seu desejo de ser mãe desse bebê. O rol de significados maternos
participa ativamente da constituição desse bebê como um sujeito. É muito
importante entender que não é o peito ou a mamadeira que carrega em si todas
essas possibilidades, mas o “ato de cuidar” e as relações estabelecidas ali,
através do olhar e do investimento do adulto ao reconhecer a importância do
bebê. Por tudo isso, afirma-se que a relação mãe-bebê se produz também na
dimensão inconsciente, em uma ordem para além da racional ou consciente.
Para o bebê, a mãe é seu primeiro objeto de interesse, assim como a
principal transmissora de conhecimentos sobre o mundo e sobre ele mesmo. A
interação que acontece, através do olhar mútuo, é uma interação recíproca muito
forte. Mãe e bebê estabelecem uma relação única que envolve todos os
cuidados, entre eles, a alimentação, o carinho, a atenção e a significação
materna do que se passa com ele, do que ele precisa e quer.
O lugar do pai – ao longo da fase da amamentação - é relevante na
medida em que ele provisiona o bom ambiente e apoia a sua companheira para
que ela possa desempenhar a sua função com segurança e tranquilidade.
Os profissionais de creche devem estar cientes da importância de
provisionarem, como o pai fez e faz em casa, um bom ambiente para que a
amamentação, na creche, possa ocorrer a contento. Apoiar, acolher e orientar,
em relação à amamentação, as mães que frequentam o espaço coletivo é uma
ação importante e comum nas creches administradas pelo CEDUC. Existe um
documento, que é entregue às mães, com orientações sobre como conciliar a
amamentação e o trabalho18.
Muitas mães trazem dúvidas e angústias sobre a amamentação. Cabe
ao profissional lidar com tranquilidade e ajudar as mães em suas reflexões e
encaminhamentos. É importante destacar que o profissional é aquele que possui
um conhecimento obtido da experiência de acompanhar bebês e suas famílias.
Ele acolhe, então, as questões e se compromete com as famílias, nas
orientações quanto aos pontos que precisam ser cuidados e considerados em
relação à amamentação. Não se pode esquecer, porém, que as orientações,
verdades técnicas provindas do saber de um especialista, devem ser um apoio
para as famílias e não uma imposição. O papel do profissional é ajudar a pensar
e potencializar o saber materno/familiar para que a mãe/família possa encontrar
seus caminhos e fazer as suas escolhas.
Amamentar envolve muitas questões anteriores à amamentação
propriamente dita: a história pessoal, as experiências alimentares maternas, as
O documento: “Orientações para a mãe que deseja conciliar as atividades profissionais com a
18
maternidade”, encontra-se no anexo e deve ser entregue às famílias assim que forem sair de licença
maternidade.
fantasias durante a gestação, assim como, a experiência de cada mãe com a
maternidade, com a filiação e a relação dela com seu parceiro. Entender a
complexidade que envolve esse tema é de fundamental importância para
qualquer profissional que esteja envolvido no atendimento de mães e bebês no
primeiro ano de vida.
Muitas vezes, é necessário escutar as questões abordadas pelas mães
para que, conversando com um profissional da creche, elas tenham a
oportunidade de organizar seus pensamentos e seus sentimentos, reorientando
suas escolhas. Contudo, não se pode esquecer que, embora a amamentação
seja muito valorizada e a sua ocorrência sempre defendida, há situações em que
não será possível para aquela dupla, mãe-bebê, sustentá-la. Nesses casos, não
caberá à creche problematizar profundamente as causas, mas apoiar para que
o aleitamento, ainda que artificial, siga com sucesso. Os profissionais da creche
não poderão julgar esse fato e deverão, mais do que nunca, apoiar os
encaminhamentos tomados. O foco em uma situação como esta é ler qual
aparenta ser o melhor caminho para o bem-estar e o crescimento sadio daquele
bebê.
As mães costumam trazer para as coordenadoras das creches as
angústias vividas no retorno ao trabalho ao término da licença maternidade.
Como as creches CEDUC funcionam dentro de empresas e são elas que
oferecem este benefício aos seus funcionários, recorrentemente se lida com
questões organizacionais/políticas das mesmas. Entre os temas que apresentam
singularidades na fase da amamentação com a empresa, estão a dificuldade das
mães em conciliar reuniões do trabalho com a amamentação, a extensa carga
horária, os horários de entrada ou saída de seu turno de trabalho ou a dificuldade
de sair da linha de produção para amamentar. Os anseios decorrentes que têm
sido trazidos são: o receio da criança passar fome na creche, pois em casa
oferecem o seio sob demanda, o receio de tirar o seio e passar a alimentação
para mamadeira, mesmo usando o leite materno, e a recusa da mamadeira pela
criança ou o abandono definitivo do seio. É sabido que tais sentimentos serão
enfrentados, necessariamente, no período de desmame, mas não significa que
a mãe deva antecipar os processos. A entrada na creche não significa desmame,
mas, ao contrário, ela existe para garantir a continuidade da amamentação e da
proximidade entre mães e bebês.
Essas afirmações precisam ser lembradas, não somente para as mães,
mas também para os chefes de linha de produção, para os gerentes, para o RH
da empresa, pois amamentar é um valor básico acordado entre CEDUC e a
empresa contratante dos serviços de creche. Também é sabido que muitas mães
antecipam o desmame em casa em seus últimos dias de licença com receio de
não conseguir administrar carreira e filhos pequenos e precisam ser orientadas
e encorajadas. O CEDUC tem alguns procedimentos para defender
politicamente esse direito materno: conversa com as famílias sobre esse direito
no momento em que elas fazem contato com a creche, conversa no
preenchimento da ficha de intenção de vagas, nos telefonemas ou nas visitas,
no curso de gestante, nas entrevistas de pré-adaptação e na adaptação.
Quando os trabalhos desenvolvidos pelos profissionais da creche não
conseguem solucionar as situações causadas pelas dificuldades com a
amamentação, a atitude mais apropriada desses profissionais pode ser o
encaminhamento terapêutico, se for uma questão singular, ou, se for uma
questão organizacional, o encaminhamento para o RH da empresa.
O Sono
O sono da criança merece atenção especial porque dormir tem grande
importância para o desenvolvimento humano. Dormir não é uma opção, mas uma
necessidade.
“É durante as fases mais profundas do sono que o
organismo libera importantes substâncias reguladoras da saúde
e do sistema nervoso, tais como o hormônio do crescimento
(somatotrófico), que estimula o desenvolvimento da massa
muscular, promove o alongamento dos ossos, evita o acúmulo
de gordura, melhora o desempenho físico, melhora o apetite
(leptina), que regula a fome e também as proteínas, que ativam
o sistema imunológico”. (Secretaria de Educação de
Florianópolis, 2011).
O choro
O choro é um importante recurso de pedido de ajuda da criança
pequena, pois mobiliza emocionalmente os adultos e especialmente a mãe, que,
quanto mais conhece o seu bebê, melhor consegue identificar o tipo de ajuda
necessária para acalmá-lo.
Winnicott (2000) fala em quatro tipos de choro: satisfação, dor, raiva e
pesar. Uma das contribuições da psicanálise é a observação do quanto de prazer
está envolvido em situações aparentemente angustiantes. Com relação ao choro
também podemos levantar essa questão: quando exercita os pulmões, o bebê
experimenta um prazer que é o mesmo que vivencia em relação a qualquer outra
ação corporal e física. O choro também funciona como descarga e pode trazer
tranquilidade no sentido de possibilitar a expressão de um mal-estar. Mais tarde
a criança descobrirá outros prazeres no ato de chorar, como por exemplo, o de
mobilizar a atenção e o carinho dos adultos.
Há muita interpretação do adulto sobre a criança que chora muito ou
chora pouco, mas isso não deve ser necessariamente preocupante ou sinal de
problemas de saúde. A tendência é a função se equilibrar com o tempo e,
algumas vezes, para que isso ocorra, é preciso ajudar o adulto que se ocupa do
bebê, pois choro é comunicação e, portanto, relação.
O choro de dor costuma ser agudo e alto e pode-se tentar identificar o
local do corpo que dói com apalpadelas, tentativas e erros de alteração de
algumas condições externas, como luz demais, barulhos muito altos, calor
demais, coceiras etc. A fome é também entendida como dor, devido aos
movimentos intensos que provoca na criança. A partir do crescimento do bebê,
percebe-se um choro de apreensão ligado à experiência de dor, como se a
criança identificasse indícios de que deve esperar a dor ou a chegada de um
desconforto, como a perda de calor ao ser trocado. Mais tarde ainda, começa o
choro do medo da dor, pois o bebê recorda sensações ou imagina coisas
assustadoras e as relaciona com certas sensações que, voltando a acontecer,
desencadeiam o choro.
O choro de raiva é a manifestação furiosa do bebê decepcionado com
sua mãe ou adulto/cuidador, que, de alguma maneira, o frustrou. O bebê acredita
fielmente que sua mãe poderia não fazer isso, ou seja, crê na onipotência do
adulto que dele se ocupa. Os bebês quando estão furiosos usam seu corpo para
se expressar e têm o poder de assustar um adulto, quando, além de gritar e
espernear, experimentam morder, vomitar, cuspir, arranhar ou prender a própria
respiração. Deixam clara a intenção de destruir ou danificar e sentem-se, de fato,
bebês muito perigosos. Pensar no papel do adulto nessas situações é muito
importante, pois é possível confirmar as fantasias do bebê ou acalmá-lo,
ajudando-o a separar a realidade da fantasia. Quanto maior o bebê mais chance
teve de aprender a usar seus ataques coléricos, sua arma, e a fazer a
manipulação emocional dos adultos. Ao mesmo tempo, há uma dificuldade que
permeia tais reações extremas: a de abandonar a esperança de conseguir o que
quer.
O choro de tristeza em crianças em condições normais de cuidado é
melodioso e rico em lágrimas e envolve complexas operações psíquicas. Por
isso o identificamos em bebês mais velhos com cinco ou seis meses de idade.
Neste tipo de choro, a criança tem que reconhecer o seu objeto de apego,
inicialmente a mãe, e experimentar a separação, o que implica em fantasias de
culpa e insegurança quanto ao seu valor. Chorar com tristeza pode ser a
expressão do bebê em relação a situações que ele não controla e o início da
elaboração e da aceitação da experiência de perda ou limite, o que pode ser
considerado um bom sinal de amadurecimento emocional da criança. Mais tarde,
o choro de tristeza vai ocupando diversos papéis na vida de uma criança.
Um quinto tipo de choro pode ainda ser lembrado, segundo o autor, o
choro de desamparo ou desintegração, no qual o bebê é invadido por um
sentimento quase insuportável. Esse choro se assemelha a um resmungo ou a
um grito sem melodia, a uma expressão da situação de privação ou desistência
do bebê em relação ao outro. Esse choro é raramente observado, já que está
diretamente ligado à situação de recorrente abandono de um bebê, muitas
vezes, em instituições de acolhimento superlotadas.
Na creche, os choros dos bebês precisam ser escutados e interpretados
pelo adulto responsável, pois ele é considerado um tipo de
comunicação. Quanto menor o bebê, mais se torna imprescindível a ajuda.
Tentar identificar o que diz o choro pode ajudar no tipo de ajuda necessária a ser
feita pelo adulto, pois satisfação, dor, raiva e tristeza implicam em diferentes
ações do adulto.
Quando a criança chega à creche, o profissional conta com o apoio da
mãe e/ou do pai para “legendar” os choros. Além disso, ocorrerá também um
tateio inicial, um ensaio com alguns erros de interpretações, mas, em pouco
tempo, o educador conhecerá o que quer comunicar cada choro daquele bebê.
Vale lembrar que as leituras familiares sobre o que quer dizer cada choro
têm grande valor para o educador da creche, mas não podem significar uma
verdade absoluta, pois, algumas vezes, as famílias têm interpretações que
podem não corresponder às necessidades dos bebês, na visão dos profissionais
que agora dividem os cuidados com os pais. Um exemplo comum é o “choro de
birra”, que para muitos pais é sinal de “grande sofrimento”.
Colo
É sabido que as crianças nascem com uma rica experiência fetal
sensorial. Ao nascer, estranham algumas novas sensações corporais, como o
frio ou o calor, e se acalmam em certas posições ou situações, no colo em
contato com o coração materno ou em banhos mornos. Enquanto vão sendo
cuidados, os bebês expressam suas preferências e estranhezas e isso deve ir
moldando as ações de quem cuida deles. Muitas vezes, esquece-se de observar
com cuidado cada bebê e não se compreende os motivos do choro ou
desconforto.
Ao entrar na creche, observar o modo como os familiares carregam seus
filhos é fonte de informação para o período de adaptação. É possível fazer uma
leitura da relação mãe/bebê naquele momento e contexto, que deve ser sempre
uma hipótese aberta para ajudar a melhor conduzir esse momento da entrada
da criança na creche.
Os bebês identificam sensorialmente os “tipos de colo” que lhes são
oferecidos: os que lhes dão segurança, alegria e conforto de outros que lhes
causam desconforto, medo ou falta de contorno. Assim, relacionar-se com bebês
implica pensar no tipo de acolhimento, de toque e no ato de carregar que está
sendo propiciando. Há questões mais sensoriais como: calor, frio, dureza,
aperto, aspereza, contorno ou falta de contorno, força, moleza, entre outros. Mas
há também questões emocionais: há toques e colos que mostram
agressividade, falta de paciência, descuido como carregar de qualquer jeito ou
puxar ou suspender pelo braço, desatenção, pressa, recusa, nojo, medo,
insegurança, entre outros.
Todas as experiências, tanto as agradáveis quanto as desafiantes,
fazem parte da vida de qualquer criança, e, por isso, não se quer colocá-las em
um ambiente “perfeito ou idealizado” sem dor e sem desafios. Mas os
responsáveis pela educação delas em um ambiente coletivo devem se manter
alertas para as relações corporais e para o que é comunicado e ofertado de
experiências para as crianças. Mesmo porque, trabalha-se com crianças muito
pequenas, que estão construindo a sua noção corporal através da relação
estabelecida com elas. O papel do educador, nessa construção, é muito
significativo, mesmo que permaneça na lembrança sensorial e inconsciente de
cada bebê. O objetivo é que as relações corporais sejam fonte de bem-estar e
aprendizado sobre si e sobre o outro.
No CEDUC, é muito importante aprender a oferecer um colo bem
dosado, sem excessos ou faltas, e é fundamental saber a medida entre acolher
com segurança e tranquilidade e incentivar a independência criativa do bebê do
corpo do adulto. A construção desse conhecimento, dessa medida, não ocorre
de uma hora para outra, mas é fruto da observação detalhada da experiência e
da forma de fazer de educadores mais experientes. Desse modo, os educadores
menos experientes podem partir para suas próprias tentativas e, aos poucos,
criar um jeito seu de acolher. Saber dosar o colo, principalmente para bebê de
zero a um ano é uma arte, contudo também é uma grande necessidade. O
equilíbrio na dosagem do colo trará a possibilidade do bebê se entender
respeitado, acolhido, protegido e, ao mesmo tempo, forte o bastante para brincar
sozinho, arriscar aprendizagens e explorar o mundo. A dosagem e o tipo de colo
oferecido podem ser problematizados, sempre que necessário, a partir da
utilização da metodologia de trabalho, com filmagens, fotografias, reflexões e
observações.
Chupeta
O uso da chupeta é um tema que precisa ser discutido com cuidado,
porque muitos profissionais são radicalmente contra a chupeta em função de
questões estudadas sobre a relação do uso da chupeta com a amamentação e
o desmame precoce e também sobre as consequências fonoarticulatórias e
odontológicas.
Cabe aqui uma pequena reflexão que deve versar sobre o
papel/importância que a chupeta tem na relação da família com o bebê. A
escolha de oferecer ou não a chupeta é feita na família e, como consequência,
a proibição do seu uso pelos profissionais de saúde precisa ser repensada. Se
a família opta por usar a chupeta, ao proibir o seu uso na creche, o profissional
gera um problema para as famílias e para as crianças que receberão dupla
orientação. Alguns pais podem concordar com a creche e, em casa, não
sustentarem a ação, o que também complica a compreensão da criança sobre a
regra do uso desse objeto.
A chupeta e o seu uso estão associados à ideia de aconchego e
proteção. Os pais oferecem a chupeta para acalmar as crianças, para
aconchegá-las. Portanto, mais do que usar ou não a chupeta, seria importante
entender o como e quando usar.
Objetos transicionais
Esse conceito foi desenvolvido por Winnicott (2000) para marcar uma
passagem no desenvolvimento infantil compreendida como uma importante
experiência para a construção da noção de realidade interna e externa, bem
como a noção do eu e não-eu. Essa passagem é considerada um momento de
descanso psíquico, um “estar na fronteira”, pois a criança faz a escolha de um
objeto real que a ajuda na difícil tarefa de se separar simbolicamente da mãe, de
reconhecer e aceitar a realidade externa e a interna e de lidar com seus desejos
e impulsos.
Os objetos transicionais seriam aqueles objetos de escolha da criança,
como paninhos, chupetas, bonecas, pedaços de lã, entre outros, que manteriam
ligadas as realidades interna e externa e propiciariam à criança uma experiência
de ilusão, criar e imaginar, com a qual os adultos concordam. Muitas vezes as
crianças nomeiam seus objetos, “meu dodô”, por exemplo. Os adultos costumam
contar com a ajuda de tais objetos no trato com seus filhos e, por isso, é possível
observar falas como: “filhinho, pegue seu amigo “dodô” para vocês irem dormir
juntos”! Tais objetos não fazem parte do corpo do bebê, como seria o caso do
dedo que é chupado ou do cabelo que é enrolado, e por isso significam que a
criança já é capaz de eleger um objeto externo para obtenção de prazer e para
servir de apoio em situações de desprazer.
Os objetos escolhidos pela criança representam a relação dela com a
mãe, que quer ser revisitada e reeditada, começando pela amamentação e a
relação com o seio, e que, de certa forma, a substituem. Pode-se perceber isso
quando a mãe precisa sair para trabalhar e a criança chora, mas recebe dela o
paninho “escolhido” e rapidamente se acalma. Os objetos ajudam a criança no
processo que Winnicott (2000) chama de “ansiedade depressiva” 19, que é
considerado um movimento positivo de amadurecimento psíquico, pois a criança
Sentimento de segurança
O sentimento de segurança necessário para o desenvolvimento da
criança deve existir no íntimo de cada uma para que ela possa construir uma
crença nas pessoas e no mundo. O mundo precisa ser apresentado pelos
adultos como um lugar confiável no qual os afetos são duradouros, a ponto de
poderem ser recuperados no caso de alguma mágoa.
No início da vida, a criança precisa de cuidados contínuos e rotineiros
para armazenar uma quantidade de boas experiências de assistência e
confiança nas pessoas ao seu redor e no mundo. Essa é uma construção que a
acompanha a vida toda e que tem, como base fundamental, o que acontece no
primeiro ano de vida do bebê. Levando isso em consideração, o meio ambiente
deve ser previsível e adaptado às necessidades do bebê e as relações devem
ser também priorizadas.
Falar disso em creches que funcionam em empresas é bastante
desafiante, pois, muitas vezes, a rotina da criança será balizada pelas
necessidades do horário de trabalho da mãe, entrando muito cedo na creche ou
dela saindo tarde da noite. Por isso, os horários devem ser muito bem pensados
e adaptados sempre que necessário, para atender as necessidades dos bebês.
Cada criança vai, ao longo do seu desenvolvimento, apresentar
necessidades específicas que precisam ser observadas e incluídas em relação
ao que as pessoas e os ambientes lhe oferecem. A criança pequena precisa de
estabilidade e repetição de ações para sentir-se segura, sem a sensação de viver
algo inusitado a cada momento. Assim, dosar o quanto de repetição e quando
fazer mudanças, exercitar a flexibilidade e a coerência para fazer alterações que
equilibrem o momento e a quantidade de mudanças que cada criança pode
suportar, deve ser um processo pensado pelo grupo de profissionais da creche.
Esses cuidados “salvam” a criança do inesperado, das intrusões indesejáveis de
um mundo que ela não conhece ou não entende ainda. Assim, ela é protegida
dos efeitos negativos que o novo em excesso pode produzir.
Para progredir na construção do sentimento de segurança, as crianças
precisam de toda a assistência emocional do adulto, pois, além dos cuidados
com a saúde física e com a sua proteção, é preciso que o adulto possa satisfazer
e lidar com os impulsos da criança, como amor, ódio, fome, sono entre outros e
orientar a sua espontaneidade. Assim, as dificuldades vividas serão as que a
criança pode lidar, amparadas sempre pelo adulto, que sabe acolher e orientar,
dosando as interferências do mundo na vida da criança.
Apesar dos cuidados do adulto, as experiências ruins serão também
vividas sempre, sendo elas muito importantes. São elas que vão começar a
impor frustrações ao bebê, ajudando-o a crescer e ambientar-se em um mundo
feito de limites e regras. Observar o que cada bebê já aguenta e o que é ainda
muito duro para suportar, é uma experiência muito rica para acompanhar a
inserção da criança no mundo social, no qual existem outras pessoas e outros
desejos a serem atendidos. Frustrar é, porém, muito diferente de abandonar.
O conflito entre o desejo de estar totalmente seguro e as
imprevisibilidades que a vida traz, gerando insegurança, é um desafio que a
criança levará para toda a vida. A responsabilidade do educador é que a
experiência inicial do bebê na creche em relação à proteção se constitua em uma
base importante para a criança enfrentar tais momentos no futuro.
Os medos também fazem parte da vida do bebê e começam quando a
criança separa seu “eu”, do “eu materno”. Há medos de natureza primitiva, como
o dos impulsos agressivos e destrutivos, das retaliações, em relação à excitação
amorosa ou raivosa. É na relação com seus pais e com seus cuidadores que a
criança vai aprender a lidar e abrandar/limitar tais imagens, fantasias e
sensações.
O educador não escapa, em sua tarefa educacional, de acolher e
orientar os impulsos da criança, ajudando-a a lidar com a sua ansiedade e a sua
agressividade. Ele também oferecerá oportunidades para a criança viver
momentos de reparação e reconstrução da relação ameaçada em função de
algum conflito vivido. Assim, a criança vai aos poucos internalizando a noção do
que é certo ou errado e as regras da vida social. Se o adulto é alguém confiável
nessa fase formativa, a criança vai conseguir se organizar e viver os desafios da
vida, tendo como base o sentimento de que não está sozinha e que tem
condições de enfrentar desafios, pois a sua segurança básica foi construída.
Desmame
Da mesma maneira que a amamentação/aleitamento é de suma
importância, o desmame, entendido como o processo de sair e/ou espaçar o leite
materno ou substituto, precisa ser cuidado com atenção. Basta pensar que,
sendo a amamentação/aleitamento fundamental para o desenvolvimento do
psiquismo, o desmame terá igual importância para esse processo de
desenvolvimento.
Para o bebê, o processo de desmame é um momento de separação, de
quebra de parte da intimidade até então vivida por ele e sua mãe. Ele será
afastado de algo que foi fundamental para a sua sobrevivência no início da vida,
porém será a ele ofertado um leque de novas e múltiplas experiências.
O momento para que o desmame seja iniciado está relacionado à
orientação médica juntamente com as experiências e decisões familiares.
Normalmente, a indicação ocorre quando o bebê completa seis meses, pois ele
já se desenvolveu adequadamente para começar a substituir as mamadas do
meio da manhã e da hora do almoço por suco de frutas e papa de legumes. Há
também situações em que, em função de alguma questão familiar ou da relação
mãe-bebê ou em relação à saúde dos dois, o esquema básico pode ser alterado.
Essa introdução de novos alimentos é a possibilidade de oferecer algo
novo que dará a oportunidade ao bebê de viver novas experiências tanto no
campo fisiológico, paladar, experimentos sensoriais, processos digestivos, como
nos campos afetivo e relacional. Quando se oferece à criança novas
oportunidades, sejam elas quais forem, propicia-se o seu desenvolvimento ao
viver novas relações e experiências, gerando novas aprendizagens e
conhecimento.
A partir do oitavo mês de vida, ela ampliará cada vez mais o seu cardápio
enriquecido com novas texturas e sabores. Nessa fase, a tendência é mamar
menos, o que não significa deixar totalmente de mamar, mas depender menos
do leite e, ao mesmo tempo, um processo psicológico acontece, pois a criança
começa a perceber-se como uma pessoa que ama a mãe, mas que é diferente
dela.
Desmamar é um processo que significa muito mais que espaçar
gradativamente as mamadas substituindo-a por frutas, legumes e outros
alimentos. Trata-se de um bebê que começou a vida dependente da mãe e que,
crescendo, começa a se aventurar de forma mais independente dela. Como todo
processo de mudança, o desmame também deverá ser gradativo, evitando a
interrupção brusca da lactação. Para isso, é muito importante a sintonia entre a
mãe e o bebê, porque eles poderão, juntos, descobrir o melhor tempo e a melhor
forma para que o desmame aconteça.
O papel da creche é muito importante nesse processo, pois a criança
que frequenta o espaço coletivo desde pequenina, certamente viverá o processo
de introdução de novos alimentos e de desmame acompanhada também pelos
profissionais da creche. Auxiliar e apoiar as famílias nesse momento,
observando as reações da criança, a evolução do processo e o seu
desenvolvimento é uma das funções exercidas pela equipe do CEDUC que
trabalha na creche.
Ao receber a criança de seis ou sete meses, o educador deve estar
preparado para acolher uma série de questões que cercam este momento da
adaptação. As questões alimentares, certamente, são um dos principais focos
de atenção do profissional neste período.
Muitas vezes, a mãe, quando volta a trabalhar, já iniciou o processo de
desmame, mas é muito comum que o bebê demonstre, no primeiro mês de
frequência na creche, uma forte solicitação em manter o leite materno como
principal fonte de alimentação. É necessário entender que esta é uma nova
experiência para o bebê e ser amamentado é muito mais do que receber o leite
materno, como já observado anteriormente. Continuar mamando é manter-se
próximo à mãe, é mantê-la por mais tempo por perto. Este desejo é muito fácil
de entender quando se pensa em um bebê que está entrando no espaço coletivo
após seis ou sete meses de uma vivência muito íntima e próxima à sua mãe.
Compreendendo que esse comportamento faz parte do processo de
desenvolvimento humano saudável, no primeiro mês do bebê na creche a mãe
deve ser orientada a programar-se para vir mais vezes à creche para aleitá-lo ou
apenas para pegá-lo no colo, brincar com ele, conversar e compartilhar o novo
ambiente cheio de novidades e de outros bebês.
Logo, mãe e bebê estarão muito bem na nova vida. A mãe voltará à sua
rotina de trabalho e o bebê aceitará bem outros alimentos, ampliará os intervalos
das mamadas, dormirá melhor e fará novos amigos.
Em casa, o pai pode ajudar muito nesse processo sendo suporte para a
mãe nos momentos em que ela se sentir incapaz de frustrar e limitar o seu bebê.
Em relação ao bebê, pode reafirmar a sua potencialidade de mudar de fase,
abandonando um comportamento anterior para encontrar, no mundo, novas
fontes de prazer.
Mordida
Um momento que é sempre muito polêmico e mobilizador de fortes
emoções no dia a dia das creches é quando uma criança começa a morder a
outra. Esse momento, embora tenso, é esperado, porque faz parte da vida das
crianças pequenas e mais ainda daquelas que vivem juntas em uma creche.
Sabemos que a boca é um orifício muito estimulado na vida de um bebê.
Mamar, sugar, chupar, regurgitar, arrotar, beijar, cantarolar, chorar, lamber,
respirar e soltar o ar, morder... tudo isso faz parte das ações corriqueiras na vida
do bebê e sua mãe. Nas brincadeiras maternas, a boca da mãe também é muito
presente, pois ela beija, morde o pezinho, canta, conversa, faz brincadeiras com
a boca na barriguinha, entre tantas outras.
À medida que o bebê cresce, tem possibilidades cada vez maiores de
usar a boca para conhecer os objetos do mundo, que podem ser partes do seu
corpo, como chupar o dedo, do corpo do adulto, como sugar a mão da mãe, ou
objetos-coisas do mundo externo, brinquedos, etc. Assim, o bebê conhece
gostos, texturas, temperaturas, entre tantas características dos objetos.
Ninguém duvida de que a amamentação seja também fonte de muito
prazer para o bebê, pois além de sair do mal-estar da fome, ele também é
alimentado pelo carinho e pela atenção materna. A boca passa a ser um órgão
extremamente sensível na obtenção do prazer. Quando os dentes despontam,
os bebês conseguem fazer outras ações que permitem-lhes ampliar sua relação
com os objetos, sejam eles partes do corpo, alimentos ou brinquedos: prendem,
rasgam, trituram, furam, mordem!
As mães, nessa fase, muitas vezes, colocam limites para seus bebês ao
longo da amamentação, entendido aqui como um “não” bem firme, pois muitas
crianças mordem o mamilo e acabam machucando suas mães. Assim, as
crianças vivem alguns conflitos: ter que parar de fazer algo que lhes dá prazer e
enfrentar a reação materna, que pode ser de dor, de decepção, de braveza, entre
tantas outras. Até que entendam e façam as melhores escolhas, as crianças
repetirão tais cenas muitas vezes.
Essa situação do seio, junto com tantas outras, nas quais os familiares
começam a colocar pequenas regras aos seus filhos, pode ser entendida como
uma oportunidade de orientação da criança em relação ao uso da sua boca,
como, por exemplo, não colocar lixo na boca, não comer certos objetos etc., e
vai ajudar a criança a usar a sua boca de um modo socialmente aceito.
Em relação às vivencias inconscientes infantis, é de novo a clínica
psicanalítica que nos mostra que o uso da boca na relação com o outro e com o
mundo é muito rico em prazeres, fantasias e angústias. Assim, morder e ser
mordido envolve, além dos aspectos corporais, entendidos tanto como os
prazeres físicos quanto a necessidade de coçar as gengivas, os aspectos
intelectuais, curiosidade epistemofílica, impulso de conhecer as coisas, e
também os aspectos emocionais, como expressão de tensões amorosas e
raivosas, como ciúmes, raiva, excitação, possessividade, entre outros.
Nas práticas da creche, observa-se que as mordidas começam no grupo
1 (um), bebês de zero a um ano, com o nascimento dos dentes, prolongam-se
até o grupo 2 (dois), crianças de um a dois anos, e 3 (três), de dois a três anos.
Toda mordida envolve uma dose de ansiedade, tanto para a criança que morde,
como para a que é mordida e, também, para o educador que fica se perguntando
se poderia ter evitado. Há, ainda, a tensão das mães das respectivas crianças
envolvidas.
Algumas mordidas deixam marcas muito feias na pele da criança, pois
incham, ficam roxas e doem muito. Assim, nenhuma mãe fica confortável em
receber seu bebê “mordido” e, muitas vezes, solicita que o educador indique o
“culpado”, para, em seguida, pedir que seu filho seja separado do “vilão” do
grupo.
Por outro lado, a mãe da criança que mordeu precisa ser comunicada
quando esse comportamento de seu filho tornar-se recorrente, para que possa
pensar sobre certos aspectos que serão tratados em casa e também na escola,
como a exposição da criança à ansiedade, à falta de rotina, à quantidade de
sono, entre outros.
Essas situações podem ser muito constrangedoras, pois a cena
delineada pelas mães envolvidas pode diferir muito de como a cena é entendida
e vista pelo profissional da creche. Nesse sentido, as mães precisam ser
comunicadas do modo do CEDUC compreender e encaminhar tais conflitos.
Os profissionais sabem que estes comportamentos não são aberrações,
mas sabem também que precisam de contorno, limite e orientação. O fato é que
construir tudo isso com a criança e sua família, pode ser mais demorado do que
a mãe desejaria e a recorrência da cena da mordida pode acontecer, tornando a
relação ainda mais tensa. Fica esclarecido que as rotinas devem ser repensadas
para identificar se a excitação e os tempos entre brincadeira e repouso, entre
intimidade e expansão estão bem dosados. É necessário avaliar como está a
alimentação, o sono e os interesses da criança que está mordendo ou da que
está sendo mordida. Por outro lado, há que se rever a organização do espaço,
para identificar se a proximidade corporal entre as crianças está exagerada, se
a quantidade e a qualidade dos brinquedos e objetos na sala estão ajudando ou
atrapalhando.
As dinâmicas relacionais também devem ser analisadas através de
algumas perguntas: será que poderiam ser montados subgrupos mais
equilibrados entre as crianças? Separar um pouco o que está mordendo muito
do que está sendo muito mordido? Equilibrar a presença de crianças mais
calmas com outras mais agitadas? Seria interessante conduzir com maior
cuidado a orientação da agressividade da criança, ficando mais próximo dela?
Vai depender das reflexões, da criatividade e da leitura do adulto
responsável pelas crianças, mas ele pode rechear a sala com mais brinquedos
do tipo mordedores, encontrar histórias e músicas que possam ser orientadoras
das crianças, encontrar objetos gostosos de abraçar e morder, bonecos que
possam ser ofertados para brincadeiras, culinárias que trabalhem a função dos
dentes, entre outras.
Os encaminhamentos dependerão também das idades das crianças
envolvidas, pois entre os pequenos que ainda não têm a noção do “eu”
constituída, crianças dos seis aos dezoito meses, ao morder e ver o outro chorar,
ele fica tão assustado que chora junto. Ou seja, ele não relaciona seu ato às
consequências e precisa ser ajudado de outro jeito: não adianta falar para ele
que o amigo não gostou e que tem que pedir desculpas. Seria mais interessante
sinalizar o “não” no momento da mordida, com o tom de voz firme, seguro e baixo
para deixar claro que há algo de errado com o que ele fez. O cuidado é sempre
não exagerar no tom, pois a criança pode entender que aquilo é muito importante
e passar a repetir a ação para ver a reação dos adultos. A intervenção do adulto
nessa idade é colocar limite, fazer uma interdição.
Para as crianças que estão caminhando na construção da sua
separação do outro, mostrar as partes do corpo do outro e dizer que são do outro
e separadas das suas, brincar no espelho, criar músicas de ‘cadê–achou’ para
as partes do corpo, podem ajudar no desenvolvimento, junto com a colocação
do limite. Para essa idade, pode-se começar a falar que a boca não pode morder
o amigo, mas que ele pode fazer um carinho no amigo, inclusive ensinar como
esse carinho pode ser feito.
As crianças mais velhas, a partir de dois anos e meio, já conseguem
compreender que são pessoas que têm um nome diferente dos demais, que têm
um corpo que é seu, que há coisas que não podem ser feitas e outras que são
desejáveis. Nesse sentido, o profissional da creche pode começar a trabalhar na
seara da atribuição do juízo moral, ajudando a criança a se envergonhar frente
ao que é errado e ajudando-a a encontrar modos de reparar o que fez. Com o
tempo, o maior objetivo é que a criança não queira mais viver situações como
aquelas.
Uma prática comum no CEDUC é a de não serem falados os nomes das
crianças que mordem às famílias envolvidas em episódios de mordidas. Claro
que esta é uma estratégia que funciona somente no caso de salas de crianças
bem novas, pois quando são mais velhas, elas mesmas comentam com suas
mães os nomes das que morderam o colega.
Essa estratégia deve-se ao fato de se entender que o assunto precisa
ser tratado na creche e pela creche. Contar quem mordeu pode criar situações
constrangedoras entre as mães que podem entender que devem resolver a
situação entre elas, como se fossem tirar satisfações e/ou pedir desculpas.
Entende-se, então, que morder pode estar relacionado a querer
conhecer melhor o que se morde, a tentar resolver com a boca algo que não se
está resolvendo de outra forma, a se defender, e, até, às tentativas de se dar
carinho. Não há uma única interpretação possível para a mordida e não se pode
ensinar como trabalhar nessa situação. A opção é deixar bem claro que cada
situação deve disparar uma série de análises e, ainda, dizer que recorrer à
família não é o primeiro passo, pois antes de tudo devem ser obedecidas as
diretrizes citadas acima para, somente depois, conversar com as famílias, se o
caso demandar.
Conclui-se, então, que a mordida é uma forma de comunicação que
precisa ser escutada e trabalhada. Ela tem um contexto que precisa ser estudado
pela creche.
Abaixo seguem os procedimentos operacionais indicados para serem
feitos nos momentos em que a mordida ocorrer.
1. Lavar o local com água e sabão.
2. Verificar o grau de gravidade: se está sangrando, pois se houve
ruptura da pele deverá ser tratado como ferimento com sangue. No caso da pele
rompida é preciso uma análise médica no mesmo dia.
3. Colocar uma pedra de gelo em um saquinho com água ajuda a
prevenir inchaço, hematoma e ameniza a dor. Entretanto, deve-se ficar atentos,
pois a colocação do gelo não pode ser contínua porque esfriar demais também
traz dor e por isso é preciso alternar a colocação do saquinho com gelo com
pausas sem colocar nada.
4. O indicado é que não se utilize nenhum tipo de medicamento.
Quando uma criança se machuca na creche, a mãe é sempre avisada
antes do horário da saída, pois, nesse momento, em geral, a mãe dispõe de
pouco tempo, e encontrar, sem aviso prévio, seu filho machucado pode gerar
muita insegurança, além, é claro, de desconfiança se a opção tenha sido de não
avisá-la antes. Outro problema bem comum quando a mãe não foi previamente
avisada acontece quando ela pretende resolver suas dúvidas e seu
aborrecimento no momento de saída, diante de todas as outras mães do grupo.
Desfraldamento
Este tema trata de um aspecto muito importante no desenvolvimento das
crianças: deixar de usar a fralda e aprender a usar o banheiro é um momento
marcante para todos os envolvidos: famílias, educadores e, claro, crianças.
O momento de iniciar a retirada de fralda deve ser avaliado pelos adultos
que acompanham a criança diariamente. Isso acontece por volta dos dois anos
de idade, quando a criança começa a dar alguns sinais de que está pronta para
o desfraldamento. Para que este processo ocorra da maneira mais tranquila
possível, é importante que haja conhecimento de todos os pontos envolvidos,
pois é um processo que integra fatores biológicos, emocionais e cognitivos.
A criança de dois anos tem maior controle motor, sendo capaz de andar,
saltar, rolar, correr e parar com certa desenvoltura, assim como, também,
apresenta maior consciência e interesse pelas sensações vividas em seu corpo,
o que lhe permite maior controle sobre os esfíncteres. Lembrando que
esfíncteres são músculos compostos por fibras circulares concêntricas,
dispostas em forma de anel, que controlam o grau de amplitude de um
determinado orifício, por exemplo, esfíncteres anal e vesical, que controlam a
saída das fezes e da urina.
Outra conquista muito importante é o desenvolvimento da linguagem. A
criança passa a falar e descrever suas experiências e, também, contar o que
acontece com seu corpo. Desta forma, ela começa a avisar que fez xixi ou fez
cocô.
Estas são questões muito importantes para o início do processo de
retirada da fralda, pois são indicativos de um desenvolvimento potencial para a
aprendizagem da mudança da utilização de fraldas para a utilização do sanitário.
Como se deve proceder nesse momento? Os profissionais do CEDUC
têm como uma das principais ações do trabalho a observação das crianças em
seu desenvolvimento, hábitos e preferências, sua forma de se relacionar com o
mundo e com as pessoas, para que, a partir dessa observação, possam avaliar,
junto à família, se é o momento para dar início ao desfralde.
Quais são os sinais que se pode observar:
Se a criança já está avisando que fez ou que vai fazer
xixi/cocô.
Horários que a criança faz xixi e cocô durante o dia.
Observar se a fralda está ficando seca por mais tempo, o que
demonstra maior controle dos esfíncteres.
Movimentos de locomoção: independência e
segurança.
Se a criança se incomoda com a fralda “cheia”.
A partir destas observações, creche e família devem conversar a
respeito do significado e do processo de retirada das fraldas quanto à sua
importância para o desenvolvimento psíquico e social, os passos a serem
seguidos e os cuidados que precisam ser tomados.
Para a família e para a criança, o desfraldamento é vivido como um ritual
de crescimento porque o bebê deixa de ser bebê e passa a ser um(a) menino(a)
grande. Deixar de usar fralda para usar cueca/calcinha é uma grande conquista,
ao mesmo tempo em que dá orgulho, dá também insegurança e sentimento de
perda da fase de bebê. Pode, portanto, ser um momento que gere sentimentos
ambíguos.
O profissional da creche precisa estar atento e consciente para isso, pois
falar desses sentimentos é muito importante para que o processo de retirada
seja o mais tranquilo possível.
Outra questão importante que precisa ser cuidada diz respeito às
expectativas de tempo e sucesso. É necessário ter calma, tranquilidade e
paciência para lidar com possíveis angústias, medos, assim como tolerância
quando o xixi ou o cocô “escapam”.
O mais importante de ser compreendido nesse assunto é que esse
processo ocorre a partir de um amadurecimento físico, fisiológico e psicológico,
pois não se escolhe tirar as fraldas de uma criança porque os adultos assim o
desejam. Esse é um momento importante na vida da criança e precisa ser vivido
a partir da percepção e da reflexão a respeito dos indícios de que essa hora
chegou.
Para o processo em si, é ofertado às famílias um material por escrito
com as principais orientações e o passo a passo. A entrega desse material está
atrelada a uma conversa da professora e da coordenadora com a família, e,
nessa conversa, todos os pontos são esclarecidos e alinhados os combinados.
É muito importante que as ações sejam as mesmas na creche e em casa. Isso
facilitará o processo de retirada de fraldas, pois quando as condutas são as
mesmas a criança possui uma referência segura sobre como agir, sobre o que
está acontecendo com seu corpo e, principalmente, sobre a aprendizagem que
ela está vivendo. O documento em questão encontra-se anexo.
Birra
Vistos ao longo deste texto, muitos são os desafios das crianças para
aprender a viver no mundo. Nesse caminho, elas contam primeiramente com a
ajuda e orientação de seus pais e familiares, e, a partir dos cinco ou seis meses,
com os profissionais da creche, se as suas famílias fizeram esta opção.
Os desafios também são muito expressivos para todos aqueles que se
ocupam das crianças, sejam eles os familiares ou os profissionais da creche.
Acompanhar cada criança em seu processo de crescimento envolve
observar para conhecer, estudar para ampliar sua capacidade de observação e
refletir a respeito do lugar ocupado na relação com aquela criança.
O bebê começa sua vida com uma capacidade instintiva genético-
corporal de expressar suas necessidades, dificuldades e desejos. Ao longo de
seu crescimento, essa capacidade fica cada vez mais complexa. O choro e os
movimentos corporais vão se especializando na relação com o adulto e se
ampliam enormemente com o acesso da criança à linguagem oral.
A birra pode ser entendida como uma necessidade “apaixonada” da
criança em expressar seu desejo e sua frustração. Lidar com a agressividade de
uma criança pode ser muito desgastante, pois algumas crianças colocam a sua
“vida em jogo”, em uma reação de “tudo ou nada”, ou seja, chegam a arriscar
sua segurança jogando-se, gritando, correndo sem rumo, vomitando, fazendo
uma febre, etc. Algumas descobrem em si uma capacidade para manter-se na
crise por longos períodos de tempo e outras fazem as cenas de modo recorrente
e insistente até que consigam mobilizar o adulto e/ou conseguir o que querem.
Os comportamentos birrentos falam de um saber infantil a respeito de
sua força e de seu poder na relação com o outro. Nessas cenas, medem e testam
o limite do poder dos adultos e desenvolvem uma forte resistência. A
destrutividade e a raiva presentes em uma cena de birra podem confundir e
amedrontar os adultos, deixando-os, muitas vezes, inseguros no modo de agir.
É importante lembrar que as crianças vivem, em relação à cena da birra,
emoções contraditórias de prazer, desconforto e medo, pois se assustam com a
carga emocional e com as fantasias de destruição envolvidas. Não raramente,
as crianças precisam de ajuda para controlar seus impulsos, de limite. Os pais
precisam ter tranquilidade em sustentar o que acreditam ser melhor para seu
filho e as crianças, apoio para superar as fortes emoções a que ficam
submetidas, como a culpa e o receio de não serem mais amadas.
As crianças também testam os adultos para saber se podem mesmo
confiar neles, para averiguar a sua coerência e para ver como lidam com os
limites. Derrubar o controle do adulto é algo que dá muito prazer e muita
insegurança, pois os sentimentos dessa experiência são fortes e, muitas vezes,
assustadores. Testam para se separar, para serem pessoas diferentes, para
descobrir sua força e suas escolhas, para competir e desconstruir a força do
adulto. O adulto precisa poder ser amado e/ou odiado pela criança, para ela
poder fazer esse ciclo. A relação tem que ser viva e estimulante para ambos,
para que a liberdade necessária para o crescimento possa ser construída.
A birra pode estar presente em diferentes tipos de comportamentos,
desde os mais agressivos, como os que descrevemos acima, até os mais
sedutores ou teimosos. Os adultos que se ocupam das crianças precisam
observar e conhecer cada uma delas, para aprender a melhor forma de reagir às
cenas birrentas, ajudando-as a tentar comportamentos mais construtivos.
Lidar com crianças mobiliza a criança que o adulto foi, bem como
lembranças conscientes e inconscientes de como foi tratado por seus pais. Por
isso, alguns adultos podem confundir os sentimentos vividos nessas cenas pelas
crianças como algo insuportável e, nesse sentido, permitir que a criança faça
tudo o que quer. Outros podem reagir violentamente e agredir a criança com a
mesma intensidade.
No caso das famílias, há alguns, ainda, que não conseguem frustrar as
crianças e, em fusão identificatória, realizam-se a partir deles, atendendo todos
os seus pedidos.
Disto pode-se deduzir que a birra nunca é só da criança. Ela fala de uma
relação entre uma criança e um adulto ou grupo de adultos ou outra criança que
enfrentam situações de jogos de força, nas quais testam seu poder e sua
resistência.
Na creche, as crianças costumam ficar bem, pois desde pequenas são
ensinadas a esperar, dividir e conviver com certa dose de frustração. Sabem, no
entanto, por boas experiências de gratificação, que serão atendidas e
acompanhadas. Devagar reconhecem os amigos e observam que todos passam
por isso e sobrevivem. As relações mais imperativas estão mais presentes nas
relações amorosas com as famílias, pois nestas relações estão em jogo a posse
e a perda do objeto amoroso.
Assim, a creche constitui-se em um terreno rico de oportunidades para
que os adultos aprendam a lidar com a birra das crianças. Não há uma receita
pronta sobre o que fazer nessas situações, pois cada adulto percorrerá o seu
caminho na compreensão da sua relação com as crianças. Mas há algumas
diretrizes que podem ajudar, pois, pela experiência, são identificadas questões
recorrentes em relação a esse tema, sabendo o que ajuda e também o que deve
ser evitado.
Evitar confrontos diretos com a criança, nos quais o adulto, ao firmar
sua posição contrária, entra em uma disputa de poder para ver “quem
ganha a briga”.
Evitar discutir de “igual para igual” com a criança, pois
o motivo da birra não deve ser debatido calorosamente entre ela
e o adulto na busca de quem tem razão.
Não negociar longamente com ela para que cesse a
cena de birra.
É interessante garantir sua integridade física e deixá-
la se acalmar sozinha, mas, às vezes, precisará de ajuda,
preferencialmente sem público à sua volta, evitando a situação de
exibição que tanto alimenta a própria birra.
Mostrar-lhe as escolhas que permanecem, mesmo
depois dela ter recebido um “não”.
Se o adulto perceber que suas condições emocionais
não são suficientes para conseguir conduzir a situação com
tranquilidade naquele momento, deve pedir ajuda a alguma
colega de sala.
Pelo exposto, lidar com cenas de birra exige do adulto força de vontade,
disposição para passar por tais situações e, principalmente, capacidade e
flexibilidade para avaliar a sua atuação, propondo-se a melhorar em uma
próxima vez. Deve pensar se o limite colocado foi justo, coerente e se está
tranquilo com a sua decisão. Um bom começo é estabelecer parcerias com
educadores mais experientes e convidá-los para serem modelos e suportes para
avaliação da situação.
Considerações
Nesse capítulo o CEDUC apresenta a sua visão conceitual de cada
acontecimento aqui listado. Estes acontecimentos são peculiares a qualquer ser
humano, o que os diferencia é o jeito que cada um passa por eles. Contudo, a
maneira como estão relatados aqui aponta uma escolha. Não é a única forma de
explicá-los ou explorá-los, mas é a nossa.
Será uma tarefa inevitável ao gestor do CEDUC estudar e conhecer
possibilidades de encaminhar tais situações, encontrando maneiras singulares e
próprias de praticá-las, pois ele é um mediador fundamental na relação do
CEDUC com a empresa cliente e com as famílias. Ele é também responsável
por construir e manter uma cultura de formação continuada em sua unidade,
articulando esses conhecimentos/experiências com toda equipe.
Frequentemente voltar ao debate, manter conversas e o estudo desses
conceitos com as equipes de trabalho é muito indicado, pois é dessa forma que
é sustentada a prática fundamentada.
15 - Papel da creche na participação da
constituição subjetiva de crianças
pequenas
20 Pulsão é um termo psicanalítico que nos ensina que, na vida humana, corpo e psiquismo estão
interligados e são totalmente interdependentes. Do mesmo modo, o conceito de pulsão engloba e enreda
os instintos humanos e a cultura. Segundo Chemama (1995), é “a energia fundamental do sujeito, força
necessária ao seu funcionamento, exercida em sua maior profundidade” (p.177).
marcas que ela vai reconhecendo e “sabendo” o que vem depois. Entre sentir
um mal-estar, expressar e ser atendida, códigos vão sendo criados. O mesmo
com as sensações prazerosas. Deste modo, as rotinas são importantes, pois
criam regularidades e certas previsões diante do enorme imprevisível que é a
vivência do bebê.
É o adulto que ajuda a criança a armar um cotidiano, uma continuidade
que o unifica, que o organiza, que mostra que o mundo pode ser confiável,
fazendo isso a partir de uma fusão com o bebê, na qual empresta–se a ele corpo,
psiquismo, significados e sentidos.
Os jogos que começam a aparecer em seguida nascem da necessidade
de extrair materiais do mundo para “fabricar um corpo” no seu psiquismo e
construir a noção da superfície do corpo, pois esta é a primeira noção que
constrói: a linha do corpo, a película, a continuidade desse corpo ainda misturado
no outro, no tempo e no espaço.
Segundo Rodulfo (1990), trata-se de: “esburacar e fazer superfícies”
(p.95). Exemplos deste brincar de perfurar podem ser encontrados nos jogos de
puxar fios de cabelo, fios em geral, perfurar papel, tecido, fruta, colocar os dedos
em buracos como olho, boca, umbigo, tomada. E, ainda, em brincadeiras de
recortar papel, rasgar revistas, fazer franjas no papel, etc. No quesito fazer
superfícies, observa-se como os bebês gostam de se lambuzar, untar, mexer
com areia, água, papinha, tinta, gelatina e com seu próprio muco. Também
gostam de se enrolar em tecidos, papeis, entrar em caixas e sentir as laterais da
mesma, tentando se encaixar, cobrir-se fazendo-se de envelope, criando
envoltórios para seu corpo. Encostam seu corpo em superfícies, deitam no chão,
arrastam-se pelas paredes, procuram o calor, o frio, gostam de sentir as
máquinas funcionando e suas trepidações, seus mecanismos. Algumas crianças
se apegam a objetos que são como “elas mesmas”, como paninhos, bonecos de
pelúcia, por isso quando retirados para higienização, causam desconforto, pois
elas perdem sua continuidade, sua superfície, experimentam um vazio do
contorno.
Logo em seguida vão construir a noção de volume do corpo, do dentro
e fora do corpo, da parte e do todo, o que vai desembocar, mais tarde, no
conceito de interno e externo, do ego/não ego, do sujeito/objeto. Para isso,
envolvem-se em jogos do tipo continente/conteúdo como colocar e tirar objetos
uns de dentro dos outros, como de bolsas, de caixas, de panelas, de cestos.
Interessam-se por jogos com túneis, com mangueiras onde objetos são
colocados e escorregam para fora, água e areia entrando e saindo de
recipientes. Há também jogos de jogar-se, dependurar-se, equilibrar-se, nos
quais estudam as dimensões e o peso do corpo no espaço.
Depois, segundo Rodulfo (1990), é que viria, já ao final do 1 a ano de
vida, o jogo do aparecer/desaparecer, citado acima como o jogo do Fort-Da e
que se prolonga, com variações, até os dois anos e meio ou mais. Segundo
Kupfer (2015):
Naquele texto, Freud relacionou o jogo ou brincadeira do menino, em que ele
fazia aparecer e desaparecer um carretel, com as saídas e retornos de sua mãe.
O menino de um ano e meio tinha um carretel de madeira com um pedaço de
cordão amarrado em volta dele. Nunca lhe ocorrera puxá-lo pelo chão atrás de
si, por exemplo, e brincar com o carretel como se fosse um carro. O que ele fazia
era segurar o carretel pelo cordão e com muita perícia arremessá-lo por sobre a
borda de sua caminha encortinada, de maneira que aquele desaparecia por entre
as cortinas, ao mesmo tempo que o menino proferia seu expressivo “o-o-ó”.
Puxava então o carretel para dentro da cama novamente, por meio do cordão, e
saudava o seu reaparecimento com um alegre “da”.
Nesse jogo do Fort-da, chama a atenção de Freud o fato de que a criança
mais jogava o carretel do que o fazia retornar. Entretanto, era o retorno do
carretel o que causava prazer à criança. Junto ao jogo, associa-se a verbalização
da criança: “o-o-ó”, uma expressão que se referia à palavra em alemão fort (ir,
partir) quando ela jogava o carretel e o alegre ―”da” (ali) quando o carretel
reaparecia. Freud nos diz que o jogo do Fort-da de aparecimento e
desaparecimento é uma simbolização da ausência materna, e, nessa ausência,
a mãe se presentifica na palavra e no objeto.
Está em consideração o trabalho que a criança faz de transformar as
situações desprazerosas em prazerosas. É um trabalho no sentido duplo: a
criança coloca-se como ativa na situação (de sujeito), domina a ausência
materna e inverte a situação em seu proveito. O fort-da exemplifica o brincar
precoce que culmina com o brincar como uma forma de expressão de um sujeito
constituído. (p.3 e 4)
21No currículo do CEDUC, ainda no prelo e denominado carinhosamente, por enquanto, como a “Cabeça
do dragão”, haverá um aprofundamento do trabalho com as brincadeiras dentro do cotidiano e do espaço
da creche.
contribuição das intervenções psicanalíticas. Assim, autores como Freud, Klein,
Lacan, Winnicott, Dolto, entre outros, se destacaram no estudo clínico e
conceitual, indo buscar na infância as raízes dos problemas vividos.
Se, nesta fase tão inicial, do zero aos três anos, bebê, mãe, pai ou os
adultos que fazem a função parental vivem dificuldades maiores na relação,
podem precisar da ajuda de um psicanalista. De acordo com Kupfer e a equipe
do Lugar de Vida (2015), a psicanálise se especializou em questões de
constituição subjetiva e tem importantes contribuições no trabalho com essas
crianças. Segundo a autora, as crianças que apresentam riscos psíquicos de não
se subjetivar, podem apresentar prejuízos nas seguintes áreas:
- Organização e imagem corporais.
- Brincadeiras e fantasias.
- Fala e linguagem.
- Construção da ordem simbólica.
Todos os itens estão interligados e, quando constituídos, organizam a
inteligência, o corpo, a separação entre eu e outro, o registro do imaginário, a
compreensão de regras - os permitidos e os proibidos em cada cultura - e a
instauração da lei simbólica.
Crianças com prejuízos no eixo da construção da imagem corporal
podem apresentar uma relação de fragmentação, de não unidade com seu
corpo. É possível observar que esta construção não vai bem através de alguns
sinais corporais e/ou na relação vivida com a criança.
- Dificuldade de sustentar o olhar e buscar ativamente as trocas
prazerosas com os outros.
- Agressividade - autoagressão e agressão defensiva com medo do
outro.
- Agitação - descargas motoras, tiques, estereotipias e movimentos
repetitivos.
- Dificuldades motoras - falta de coordenação, atrasos, desorganização
corporal.
- Dificuldades alimentares - recusa, seletividade, compulsão.
- Dificuldades com o sono - falta de rotina, dificuldade acentuada para
dormir e para acordar.
- Dificuldades de localização espacial, expressas através de errância no
andar, em se colocar em risco apesar das orientações dos adultos, no
andar nas pontas dos pés, sendo que esse item só se aplica a partir
dos dois anos.
- Dificuldades com o controle dos esfíncteres, recusa de ir ao vaso,
medo, uso das fezes para se melecar, sendo que esse item não se
aplica a crianças muito pequenas, pois o processo de controle dos
esfíncteres se dá entre os dois e três anos.
Crianças com prejuízos no eixo da construção do brincar e da fantasia
apresentam um brincar característico de bebês bem novinhos e não
desenvolvem as etapas subsequentes22. Mais uma vez, os sinais de problemas
podem ser buscados no modo e no enredo do brincar, lembrando sempre que,
na creche, trata-se de crianças muito pequenas que estão constituindo, ainda,
as funções do brincar:
- Não tem o brincar - inibição, isolamento, recusa.
- Brincar mecânico, estereotipado, repetitivo e incessante, fixado em
objetos e seus movimentos, por exemplo, acender e apagar a luz.
- Violência, inconstância, passividade excessiva.
- Emergência de angústia e medo.
- Falta de imaginação, de jogo simbólico, brincar sem enredo, sem
narrativa, pobreza simbólica, para crianças a partir dos 18 meses.
- Brincar sem indicação de presença de regras e proibições, sem
significação, para crianças a partir dos 18 meses.
Crianças com prejuízos no eixo da construção da linguagem e da fala terão
dificuldades para “se situar em relação às significações do mundo, sua possibilidade
de sustentar as relações com os outros, de reconhecer na linguagem a demanda e o
desejo dos outros, e de produzir, por sua vez, significações novas”. Kupfer (2015, p. 6).
Assim, podem apresentar uma fala “infantilizada”, incompreensível, que
precise de tradução de quem cuida, pobreza expressiva e de vocabulário,
repetição ecolálica caracterizada por sons e balbucios, uso de palavras e não de
frases, uso do seu nome na terceira pessoa. Na creche, etapa da vida da criança
22 Ver explicação desenvolvida neste capítulo no item: “A constituição e a elaboração psíquica através do
brincar infantil”.
na qual a fala está sendo construída, esse eixo se torna mais delicado de ser
acompanhado, pois essa fala “infantilizada” é a fala esperada do bebê e pode se
estender até os 18/30 meses ou até um pouco mais.
Crianças com prejuízos no eixo da construção das normas e na
posição frente à lei podem apresentar submissão ou desobediência excessiva
o que pode mostrar problemas nesta aquisição. A mesma observação feita em
relação ao eixo da linguagem, vale aqui para este eixo, pois as crianças da
creche sairão da instituição em pleno exercício desta função simbólica adquirida
entre os 18 e 36 meses.
Segundo Kuper (2015), “A relação com as normas e com a lei é uma
importante indicação da inscrição ou da dificuldade de inscrição da criança na
cultura e na organização social” (p.8). É da ciência de todos que aprender as
regras sociais e regular seus impulsos é um grande desafio para todas as
crianças, o que significa que viverão tal processo com alguma tensão e alguma
dificuldade, podendo viver momentos de raiva, choro, submissão e rebeldia.
Ao longo desta construção, há pontos de atenção.
- Há crianças que precisam ser continuamente lembradas das regras e,
apesar de sofrerem as sanções a cada situação, mostram não entender o sentido
do “não”. Tem crises de choro, confusão e angústia a cada negativa que
recebem, se desorganizando, mostrando que falta a elas o sentido do que está
acontecendo. Como faltam “chaves de leitura” da situação, elas não conseguem
“se conduzir” nessas vivências. Algumas vezes, tais situações podem ser
confundidas com as famosas “birras”, mas, nesses casos, as crianças entendem
que receberam um limite e brigam com a situação, se opõem, ficam indignadas.
- Apatia diante das negativas/orientações que recebem do ambiente
sócio relacional.
Estabelece-se como pressuposto que as funções acima, desenvolvidas
nos 4 eixos da constituição subjetiva, têm a sua construção iniciada a partir do
nascimento e, entre 18 a 36 meses, estão com as bases alicerçadas. Algumas
crianças precisam de mais tempo e isso não se constitui necessariamente uma
preocupação, pois os dados cronológicos servem como parâmetros.
Nas creches CEDUC, em algumas unidades, a criança permanece até
os dois anos completos (24 meses), em outras, até os três anos (36 meses) ou
um pouco mais, o que significa que as funções acima estão em curso, e, assim,
localizar atrasos, falhas na constituição ou preocupações é uma ação muito
delicada e deve ser feita com equipe multidisciplinar e com o apoio da família e
de especialistas de sua confiança (ver Kupfer, Bernardino, Mariotto, 2014).
Torna-se imperioso, para finalizar, lembrar que há alguns riscos ao se
trabalhar com Indicadores para o psiquismo, na educação.
- Pautar-se em comportamentos observáveis e não na relação
interpessoal, que contém elementos inconscientes e, portanto, de difícil
acesso e manejo na creche.
- Esquecer que as crianças dependem dos adultos que delas cuidam
para se subjetivar
- Criar uma “norma” idealizada de desenvolvimento “saudável”.
- Estabelecer sequências “fixas”, criando amarras para o caminho
singular de cada um.
- Tratar as “diferenças de cada um” como patologia.
- Buscar a homogeneização.
- Estabelecer um olhar “que estigmatiza” a criança em acompanhamento
mais pontual da equipe.
- Julgamento moral das famílias.
- Confundir trabalho educacional no contexto coletivo com o clínico.
16- Outras atuações
Primeiros socorros
Esse treinamento, denominado: “Primeiros socorros para profissionais
de educação que atuam com crianças de zero a oito anos”, foi criado pelo
CEDUC em 2005. Foi pensado com uma linguagem adaptada para equipes
educacionais. Seu maior objetivo é criar a cultura da prevenção.
Um profissional bem orientado consegue perceber os sinais de
agravamento à vida e, com isso, consegue, se souber o que fazer, tomar
decisões importantes que impeçam a ocorrência de situações de emergência ou
lhe permitam agir prontamente quando inevitáveis.
Esse treinamento é composto por aulas teóricas e práticas. Ao final do
treinamento, os alunos deverão estar aptos a agir, sabendo, muito rapidamente,
o que fazer frente a uma situação grave de agravo à vida.
A indicação do CEDUC de que este treinamento deva ser renovado
constantemente em nossas creches e também ser proposto ao mercado é
absolutamente inovadora na história da educação infantil, pois o Instituto
defende que os profissionais das instituições de educação precisam ter este
conhecimento sempre muito ativo. Os currículos universitários não focam este
duplo conhecimento muito necessário ao educador e as instituições nem sempre
se lembram de, nesta área, capacitar seus funcionários, ficando, esse assunto,
restrito aos especialistas de saúde, embora não sejam eles os presentes quando
a situação grave da criança se apresenta.
Sala de amamentação
As salas de amamentação sempre fazem parte da arquitetura de nossas
creches, primeiramente porque revelam um valor: aleitamento materno é direito
do bebê! Além de revelarem um valor as salas atendem uma norma da Vigilância
Sanitária que preconiza que as salas de amamentação também possam estar
estruturadas para serem salas de coleta de leite materno.
Conceitualmente elas têm diferenças fundamentais. A sala de
amamentação, como o próprio nome diz, se destina à mãe e ao seu bebê para
que o aleitamento natural ocorra e a sala de coleta de leite materno se destina à
mãe que não está com seu bebê por perto. Essa mãe terá a oportunidade de
coletar seu leite e armazená-lo até que possa levá-lo para o seu filho.
Aparelhar essas salas para que sejam também de coleta possibilita que
as funcionárias da creche possam coletar seus leites e levá-los aos seus bebês,
pois eles não frequentam as creches do CEDUC.
Essas salas recebem iluminação reduzida, poltronas confortáveis, uma
jarra de água e, em geral, há um grande esforço para mantê-las em silêncio. Elas
são reservadas e acessíveis somente a mulheres.
O CEDUC oferece assessoria para montagem de salas de coleta de
leite materno em empresas.
Atendimento Pós-Natal
Foi criado em 2006 um trabalho de acompanhamento de mães de
recém-nascidos. Esse trabalho foi concebido e executado por Silvia Pinheiro
Ambrósio Machado, psicóloga que atuou na Natura durante os anos anteriores
ao CEDUC se estabelecer como gestor dos encontros de gestantes. Boa parte
conceitual dos encontros com gestantes também foi pensada por ela. Seu
trabalho acompanhando gestantes e fazendo visitas pós-natais é bastante
reconhecido e, após 2009, passou a acontecer numa empresa fundada por ela
chamada “Primeiro Movimento”.
O CEDUC trabalha em parceria com a Primeiro Movimento dando apoio
operacional às visitas e articulando a prática de viagens. As profissionais que
atuam na Primeiro Movimento fazem as visitas, mantendo-se em consonância
com as coordenadoras das creches que receberão as mulheres e os bebês
visitados.
Esse trabalho acontece entre os dois momentos que as mulheres estão
sendo acompanhadas de perto pelo CEDUC, o encontro com gestantes e a
chegada à creche, o momento da licença em que a mulher se encontra recolhida
em casa para viver as experiências da maternidade com seu filho.
Encontrar-se com um bebê concretiza a chegada de um filho. Concretiza
o nascimento de uma mãe e de um pai. Relacionar-se com esse novo ser da
família e encontrar caminhos para conhecê-lo, permitindo que ele conheça os
que ali chegaram antes dele, é uma tarefa cheia de sutilezas nesse momento da
vida dos casais e de seus bebês.
O atendimento é oferecido à família (pai, mãe, irmãos), com uma
atenção especial para a mãe. Não tem caráter terapêutico, pois não se propõe a
tratar. Propõe-se a cuidar desse período sensível, crítico e, por vezes,
carregado de angústias. É uma conversa a partir daquilo que emergir, das
colocações do pai, da mãe ou de outro membro da família, seja uma pergunta,
um sentimento, uma lembrança, um pedido de orientação, um sonho, um relato
da experiência do parto. Importam menos as “regras” e mais as descobertas e
aprendizagens construídas na intimidade com o bebê.
17- Legislação e normas da vigilância
sanitária
O CEDUC tem primado pelo cumprimento das normas sanitárias
vigentes23. Em 2010, reviu com os profissionais atuantes nas creches e com seus
consultores de saúde e de educação o memorial para planejamento dos
espaços, do mobiliário, dos brinquedos e dos utensílios. Todos os procedimentos
são registrados e estão disponíveis para consulta nas unidades, constituindo os
manuais de boas práticas e os planos operacionais de operação (POPs)
conforme exige a legislação sanitária.
Frente a uma nova inauguração num cliente, o CEDUC entra em contato
com a Vigilância Sanitária local responsável pela região da creche, notifica–a
sobre a chegada da creche, indica o responsável técnico e o responsável legal,
e, ainda, convida-a para uma visita às instalações da nova creche. A Vigilância
é uma parceira de trabalho, muito contribuindo para apoiar o CEDUC e ensinar
a equipe a operar cada vez melhor.
As normas de funcionamento das unidades CEDUC e a
operacionalização dos cuidados buscam promover a segurança sanitária das
crianças, trabalhadores e familiares sem tolher as interações e brincadeiras
essenciais para o desenvolvimento humano.
Além das normas sanitárias previstas pelo Ministério da Saúde, o
CEDUC contempla as dimensões de qualidade da educação infantil, previstas
pelo Ministério da Educação, como segue:
1. Planejamento institucional;
2. Multiplicidade de experiências e linguagens;
3. Interações;
4. Promoção da saúde;
23 Até junho de 2010, a Portaria 321 de 26 de maio de 1988 do Ministério da Saúde, regulava as normas
para construção e funcionamento de creches e instituições similares para o atendimento diário de crianças
menores de seis anos. O processo de revisão desse documento foi iniciado em junho de 2010, por meio da
Portaria 794, que integrou profissionais de saúde e de educação para contemplar normas sanitárias e as
demandas do projeto educacional. Com base nesse documento, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria
N° 1.476/ANVISA, de 3 de outubro de 2011, deu início ao processo de elaboração de atos normativos para
estabelecer os requisitos de segurança sanitária para funcionamento dos estabelecimentos de educação
infantil – creches e pré-escolas – a ser posteriormente submetido à consulta pública, iniciado no primeiro
semestre de 2012.
5. Espaços, materiais e mobiliários;
6. Formação e condições de trabalho dos professores e demais
profissionais;
7. Cooperação, troca com as famílias e participação na rede de proteção
social.
Junho de 2016.