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Os cuidados com a saúde integral da

criança nas creches corporativas

Organizadores:
Damaris Maranhão, Danielle Cristina Wolff, Débora Checchinato, Juliana
Davini e Márcia Fiori.

Autores:
Dra Damaris Maranhão
Dra Juliana Davini
Dra Lucia Amorin
Dra Silvia Marques
Danielle Wolff
Débora Checchinato
Marcia Pires Duarte Fiori
Fabiana Diniz
Fabiana Coimbra
Débora Renata Clemente

Colaboradores:
Dra Julia Kerr Catunda Machado
Cleide Valadas
Gilda Cassiano
Rejane Menezes
Alice Teixeira
Fátima Meneguello
Inspiradores:
Os nossos bebês de ontem, hoje e amanhã.
Os educadores que já cruzaram o nosso caminho.
Os educadores e funcionários que caminham conosco.
Os teóricos que nos ensinaram e ensinam a ver mundo com variadas lentes.
Julho 2012
SUMÁRIO

1- Introdução.

2- Resgate histórico dos conceitos sobre saúde e doença.

3 - Concepção de saúde e doença no CEDUC.

4 - Escolhas por modelos de orientação de condutas e possíveis divergências.

5- A corresponsabilidade da empresa frente aos cuidados de saúde na creche.

6- A promoção da saúde da criança na creche: o acompanhamento do


processo de crescimento e das situações de adoecimento.

7- Crianças com deficiências, com diferenças significativas e as necessidades


singulares na creche.

8- A medicação e a relação entre especialistas da creche e o (a) pediatra da


família.

9- O projeto alimentar: despertar dos sentidos.

10 - Os especialistas na creche e suas funções: enfermeiras, enfermeira


sanitarista, pediatra, nutricionista e psicóloga-psicanalista.

11- Cuidar de si e cuidar do outro: qualidade de vida do profissional CEDUC.

12 - O gênero, a sexualidade e os educadores na creche.

13 – Aprendizagem e desenvolvimento infantil: Piaget, Vygotsky e Wallon.

14- Cuidar, acolher, conhecer e acompanhar: da vida familiar à vida coletiva na


creche.

15- Papel da creche na participação da constituição subjetiva de crianças


pequenas.

16- Outras atuações.

17- Legislação e normas da vigilância sanitária.

18- Considerações finais.

19- Referências bibliográficas.


20- Anexos.
1 - Introdução
Esse texto tem como objetivo apresentar a concepção e as diretrizes que
orientam os cuidados com a saúde das crianças, aqui entendida como saúde
integral: física, emocional e social, atendidas nas creches em empresas e
administradas pelo CEDUC.
Quando os pais procuram um serviço para compartilhar os cuidados e a
educação de seus filhos esperam encontrar, além de uma proposta educativa
compatível com seus princípios e seu projeto de vida, um ambiente que ofereça
afeto, segurança, continuidade em relação aos cuidados prestados em casa e,
ainda, propício ao desenvolvimento das crianças.
Especialistas e educadores infantis, que atuam com a faixa etária de
zero a quatro anos, sabem que os cuidados com o acolhimento inicial contribuem
para uma relação de boa qualidade entre os usuários da creche, as suas famílias
e a equipe educacional. Esse acolhimento acontece através de um processo de
adaptação bem planejado, com o preparo contínuo da rotina e do ambiente e
com um trabalho sensível que atenda as necessidades e os interesses das
crianças pequenas.
Sabem também que episódios de adoecimento, como resfriados e
febres, entre outros agravos à saúde, são frequentes nessa faixa etária. Por meio
da convivência com o outro, as crianças podem ter alterações no sono e na
alimentação, viver pequenos acidentes, dar e receber mordidas, passar por
alguma turbulência emocional, entre outros episódios. Essas experiências
podem suscitar insegurança mesmo em pais com uma relação de confiança
estabelecida com os educadores e com a creche. Essa insegurança manifesta-
se, por exemplo, nas reiteradas recomendações feitas pelas mães relativas aos
cuidados e à proteção de seus filhos durante o dia a dia na creche.
A creche oferece cuidados e educação em ambiente coletivo, o que
implica, necessariamente, em dividir e compartilhar: os objetos, os adultos, as
alegrias, as descobertas, os colos, a atenção, a espera, os brinquedos, os
conflitos e também alguns micro-organismos, entre tantas outras coisas. Por
serem crianças muito pequenas, há certa polêmica, entre os especialistas
estudiosos da infância, sobre a inserção das mesmas no ambiente coletivo.
Alguns deles são favoráveis à ideia de compartilhar o espaço coletivo desde
cedo. Nesse sentido, eles discutem e planejam a melhor forma de cuidar e
educar, além de acompanhar e orientar as famílias nesse momento. Há, porém,
outros estudiosos que não aconselham a frequência dos bebês às creches e,
portanto, vão orientar as famílias para que elas busquem soluções mais
individuais de proteção e cuidado da criança pequena. Há instituições que
incentivam a socialização desde cedo, mas não enfatizam o aspecto do cuidado
em relação à saúde (física e emocional) tanto no planejamento diário das
educadoras como no contexto da creche e da escola de educação infantil como
um todo.
A falta de reflexão sobre o papel da instituição de educação infantil em
relação aos cuidados com a saúde das crianças pode resultar em negação da
importância desse aspecto da prestação de serviço. Pode ocorrer um
comprometimento da qualidade e do direito de todas as crianças a um ambiente
seguro e saudável para crescerem, constituírem-se como sujeitos e
desenvolverem-se (MARANHÃO, 1999; 2000a; 2000b, 2005). Com base na
experiência em creches de empresas, é fundamental explicitar para as famílias
que colocar seus filhos pequenos no ambiente coletivo de uma creche dentro da
empresa na qual trabalham é uma escolha1.
A premissa básica de todo trabalho da creche é que o ato cotidiano de
cuidar e de educar, prestado à criança, contribui para o seu desenvolvimento e
para a promoção da sua saúde física e psicológica, favorecendo processos
fundamentais que fazem parte do crescimento. Dentre eles, são destaques a
comunicação, o controle do corpo, a marcha, a fala, a ampliação da alimentação,
a separação simbólica, a construção da identidade, a socialização, a
compreensão das regras, a construção da independência. O cuidado com a
saúde das crianças é responsabilidade compartilhada entre os profissionais da
creche e os familiares e é traduzido em ações que têm como objetivo: acolher,

1 A questão da escolha é bastante delicada para mães operárias e que resolvem não escolher o uso do
benefício da creche da empresa na qual trabalham. Algumas podem receber auxílio creche ou não (o que
depende da política da empresa, da convenção coletiva e do cumprimento da legislação trabalhista), o que
pode ampliar (ou não) as opções de escolha de creches particulares para estas famílias. Sabemos que em
nosso país, há muitas demandas por creche não atendidas, o que significa que as mães e as famílias da
classe popular, podem encontrar poucas opções de vagas em instituições infantis públicas.
alimentar, confortar, limpar, trocar, proteger, preservar a integridade psíquica e
física, orientar, dar limites, dividir, atender as demandas, ensinar a aguardar e
muitas outras ações.
Os adultos buscam contornar os momentos de desconforto e a tensão
deles resultante ajudando na promoção do equilíbrio como resultado da
conquista do bem-estar. As ações que promovem a saúde na creche são todas
aquelas que garantam o desenvolvimento da criança através da criação de bons
cuidados cotidianos, nos quais a criança possa participar gradativamente,
conforme seu processo de crescimento, aprendendo a expressar-se, a cuidar de
si mesma, do outro e do ambiente.
No projeto do CEDUC, é enfatizada a diferença do papel dos
profissionais de saúde, especialistas que compõem a equipe da creche ou a
supervisionam (enfermeira, psicanalista, psicóloga, nutricionista e médico
pediatra), em relação aos profissionais externos escolhidos pelas famílias
(médicos, terapeutas e outros). O objetivo dos profissionais da creche não está
voltado exclusivamente à assistência individual, mas, prioritariamente, à
promoção da saúde de todos dentro do coletivo infantil.
Faz parte do trabalho, também, o controle e o acompanhamento do
desenvolvimento da parte motora, cognitiva, social e emocional das crianças, da
sua alimentação, das vacinas e dos agravos à saúde (por meio de vigilância
epidemiológica, acompanhamento das intercorrências e tratamentos individuais
informados pelos familiares ou observados e registrados pelos educadores).
A partir disso, os profissionais de saúde da creche, integrados à equipe
pedagógica, desenvolvem um importante suporte aos pais e educadores para
lidar com as intercorrências de saúde das crianças, porque elas podem assumir
um significado que extrapole a dimensão biológica, podendo gerar, em alguns
casos, preocupação, ansiedade, angústia, insegurança e conflitos.
Um aspecto fundamental para que todo esse cuidado possa acontecer
é a formação continuada dos profissionais, tanto daqueles que atuam no
cotidiano diretamente com as crianças e com as famílias (coordenadoras,
enfermeiras, educadores, lactaristas, equipes de limpeza), como da própria
equipe de supervisão. Esta última é composta por profissionais especialistas nos
campos da saúde e da educação que compartilham com as coordenadoras de
cada unidade os processos formativos contínuos das equipes locais.
A qualidade do cuidado com a criança requer controle e revisão
constantes do ambiente, dos processos e das suas operacionalizações e
adequações com os planejamentos, além da avaliação contínua da rotina.
Associada aos cuidados com a infraestrutura e com o planejamento, a reflexão
continuada das atitudes e dos procedimentos dos enfermeiros, educadores e
lactaristas ao atender crianças e familiares aprimora essa ação. A formação da
equipe é feita e compartilhada entre os especialistas da saúde e as
coordenadoras de unidade, e acontecem com participações de diferentes
profissionais e em diferentes momentos. Vamos acompanhar agora o
detalhamento do nosso Projeto Educacional de Saúde.
2 - Resgate histórico dos conceitos
sobre saúde e doença
Desde os primórdios da civilização, os filósofos e cientistas tentaram
explicar os fenômenos vitais relacionados à saúde e à doença. Inicialmente,
atribuíram a doença à ausência ou à supressão de um princípio vital, ou, ainda,
à presença de algo estranho e nocivo. Na Grécia antiga, desenvolveu-se a
compreensão de que a saúde era resultante de um equilíbrio de forças opostas:
úmido-seco, quente-frio, amargo-doce. Por analogia, a doença seria causada
pelo predomínio de um desses polos, e a terapêutica, a tentativa de restaurar o
equilíbrio perdido.
As observações detalhadas de um médico grego aprofundaram e
evidenciaram a complexidade das relações entre o organismo e o ambiente,
entre o corpo e a mente o que, mais tarde, deu origem à medicina ocidental que
se desenvolveu com base em diversos modelos explicativos, predominando o
modelo biomédico.
Muitas das concepções iniciais foram refutadas por pesquisas
posteriores e outras, revistas e reafirmadas com o passar dos tempos. Na
sociedade ocidental, foram elaborados outros modelos explicativos para os
sofrimentos psicológicos ou físicos, tais como (psicanálise, neurociências,
psicossomática, antroposofia, homeopatia, entre outros) ou para explicar porque
a doença se distribui ou é percebida de forma diferente entre diversos grupos
sociais, a saber, (epidemiologia, etnomedicina). Essas diversas concepções
coexistem e podem ser mais ou menos aceitas dependendo da visão de mundo
do indivíduo ou do grupo que busca a explicação e a melhor terapêutica para
seu sofrimento2.
Da mesma forma que a medicina ocidental possui uma trajetória que
resulta no atual modelo biomédico predominante, outras civilizações
desenvolveram seus modelos explicativos e terapêuticos diversos,

2 A ciência que estuda as doenças em medicina é denominada patologia, que deriva do grego antigo
PATHOS, que significa paixão, apelo emocional, sofrimento, dependendo do uso do autor e da área
estudada. Cícero (filósofo romano nascido no ano 106 a.C.) define pathos como os movimentos da alma
que nos afastam da razão, (como ocorre com a tristeza, o medo, a alegria, a raiva e a libido).
complementares ou conflitantes em relação ao modelo ocidental, como é o caso
da medicina chinesa e da indiana (ayurvédica), entre outras.
3 - Concepção de saúde e doença
no CEDUC
A definição do termo saúde é complexa, porque é um estado psicofísico
dinâmico que pode ser percebido ou classificado de forma diferente por cada
pessoa, em cada tempo histórico. Segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), o estado de saúde não corresponde apenas à ausência de doença, mas
compreende o bem-estar físico, psíquico e social das pessoas. Paradoxalmente,
os indicadores de saúde de uma comunidade incluem a descrição da incidência
e a prevalência das doenças – respectivamente o coeficiente de casos novos e
o total de casos de pessoas que adoeceram em um determinado espaço e
tempo.
Definir o termo doença também é uma tarefa complexa, embora
obtenha-se a ajuda de sinônimos, como padecimento, quando de uma
enfermidade, ou sofrimento, em caso patológico, para compreender a sua
amplitude. Alguns estados corpóreos ou mentais causam desconforto ou
sofrimento e, dependendo da intensidade das alterações orgânicas ou psíquicas
percebidas, podem ser classificados pelos especialistas como doença.
A concepção de saúde adotada por nós parte do pressuposto de que
saúde é um estado dinâmico, resultante da interação de dimensões relacionais,
psíquicas e orgânicas e do modo de vida organizado pela sociedade.
Assim sendo, o processo saúde-doença é determinado por diferentes
fatores genéticos, familiares, religiosos e culturais, como também pela interação
entre as escolhas pessoais e coletivas relativas à organização do trabalho. As
condições do meio ambiente, de habitação, de lazer, de alimentação, de
proteção, de conforto, de relacionamentos afetivos e sociais e de acesso aos
bens e serviços, entre outros, são importantes agentes nesse contexto.
Os profissionais do CEDUC compreendem que saúde é uma conquista
contínua e progressiva de responsabilidade de todos os envolvidos com o
cuidado e a educação da criança. A doença é percebida como parte do ciclo vital,
mas que requer observação, registro, análise, cuidados especiais além de
terapêutica personalizada, visando a recuperação, a prevenção de cristalizações
e/ou complicações e, ainda, evitar, quando da doença física, a disseminação
para o coletivo.
Além de cuidar da criança que adoece, é preciso analisar a relação
desse fato com o estado de saúde das outras crianças, da família e até mesmo
dos trabalhadores da empresa. É preciso buscar e identificar outras pessoas que
manifestam o mesmo sintoma, no mesmo tempo e espaço, encontrar o agente
causal, adotar medidas de controle para evitar a disseminação no coletivo ou a
recorrência do problema. No plano da individualidade, a doença pode ser um
sinal para se reavaliar os cuidados compartilhados entre a equipe e a família.
Rever procedimentos de limpeza e prevenção, afinar o olhar e a escuta para a
criança e a mãe e observar as relações interpessoais são possibilidades
interessantes quando a equipe manifesta preocupação com alguma criança em
específico.
No plano coletivo, a doença física pode ser um sinal de problemas nos
procedimentos, na rotina de cuidados com todas as crianças ou com um grupo
etário específico. Assim, a doença pode ser evitada seja na sua frequência como
na sua gravidade ou nas suas formas de manifestação, distribuição e
consequências, reduzindo, desse modo, o sofrimento dos pais, da equipe e,
sobretudo, da criança, evitando que se torne um estigma, um perigo, distinguindo
o falso do verdadeiro risco.
Essa concepção requer negociar valores e crenças, articulando e
ressignificando experiências e conhecimentos das famílias usuárias, bem como
dos profissionais responsáveis pelo cuidado e pela educação das crianças no
contexto da creche situada em cada empresa. Deve-se, entretanto, obedecer a
critérios sanitários e éticos que orientam a ação dos profissionais para o
atendimento e a educação de crianças no espaço coletivo 3.

3 No capítulo 14 trataremos das normas e dos critérios sanitários que orientam nossas ações.
4 - Escolhas por modelos de orientação
de condutas e possíveis divergências
No espaço coletivo, o encontro de diversos modelos de condutas de
saúde é inevitável. Lidar com essas diferenças é tarefa cotidiana dos
responsáveis pela creche.
Algumas famílias usuárias da creche são acompanhadas por
profissionais de saúde que adotam uma concepção diferente daquela adotada
pelo CEDUC, pois a instituição precisa pensá-la do ponto de vista coletivo.
O mais comum é optarem por profissionais que integram um ou dois dos
modelos explicativos mais comuns, por exemplo, homeopatia e alopatia, que
podem ou não ser conflitantes com a conduta de saúde estabelecida pelo
CEDUC. Há situações em que é possível encontrar harmonia e coexistência
entre as diferenças nas condutas e há situações em que isso não ocorrerá.
Ao receber a família com as indicações estabelecidas pelo pediatra, o
primeiro passo será evidenciar a consonância ou a divergência com as condutas
praticadas na creche, buscando sempre esclarecer o que as fundamenta, ou
seja, a saúde coletiva.
Quando as orientações do pediatra de uma determinada criança não
forem compatíveis com o modo de trabalhar do CEDUC, por ferirem as
condições coletivas de atendimento, colocando as demais crianças em risco de
saúde ou impactarem nas condições de trabalho relativas ao tipo e à quantidade
de profissionais existente, por exemplo, algumas crianças poderão precisar de
vigilância individual por todo o período, o que não é possível na creche, será
necessário decidir se a criança permanecerá, ou não, na creche no período em
que necessitará dos cuidados prescritos.
Em alguns casos, essa será uma decisão tomada pelo CEDUC e a
família junto ao representante de RH da empresa cliente. Nos casos em que a
coexistência das condutas entre creche e pediatra da família não for completa,
caberá à mesma avaliar se o que foi definido pela creche satisfaz suas
expectativas e/ou necessidades e se, da mesma forma, é pertinente manter a
criança na creche neste período de saúde mais frágil. Em casos limites, o
CEDUC pode recusar-se a alterar certos procedimentos, pois, para atender uma
criança, pode prejudicar as demais.
Além de casos de agravos à saúde em que se faz necessário adotar
condutas específicas, há situações em que as famílias escolhem paradigmas de
vida diferentes do escolhido pelo CEDUC. Abaixo, alguns casos que elucidam
estas possibilidades:
 Mulher Hindu – não leva a criança ao peito, pois, em sua
cultura, os seios são destinados à relação com o marido. O que é destinado
às crianças é o leite materno extraído por via mecânica e oferecido à criança
em mamadeira ou outro recipiente.
 Família vegetariana – não oferece carne às crianças em sua
alimentação regular.
 Famílias adeptas da medicina oriental (que explica a doença
com base no desequilíbrio da circulação energética), em caso de febre,
viverão conflitos no que diz respeito a agasalhar ou expor a pele, dar ou não
banho, oferecer ou não antitérmico.
 Famílias adeptas de filosofias de vida que sugerem condutas
específicas – (exemplo, a antroposofia, considera inadequado utilizar argila
para atividades com crianças menores de três anos, ou considera muitas
atividades um excesso de excitação, compreendidas como corresponsáveis
em alguns casos de agravos à saúde, por exemplo, nas doenças
respiratórias, entendidas como uma forma do organismo tentar se equilibrar
em relação a tais excessos), também poderão resistir a algumas propostas.
Além das diferentes linhas dos profissionais de saúde escolhidos pelas
famílias para acompanhar seus filhos e de diferentes paradigmas de vida, as
mães e pais interpretam as orientações e condutas prescritas pelos profissionais
que as assistem a partir de seus conhecimentos prévios relativos ao processo
saúde-doença. Esses conhecimentos foram construídos e transmitidos por
várias gerações, ampliados no contato com os diversos meios de comunicação
e com os profissionais de saúde e articulados com suas vivências.
O resultado deste processo de entendimento e apropriação da relação
que a pessoa estabelece com a doença é uma compreensão pessoal sobre os
determinantes dela, sobre os fatores protetores da saúde e sobre o que
influencia suas escolhas cotidianas ao cuidarem de si mesmas e dos seus filhos.
Assim, quando a família recomenda um cuidado orientado pelo pediatra
do seu filho, a mensagem que chega à creche pode estar entremeada com
interpretações e significados dados pela família à informação inicial. As
diferentes interpretações sobre as causas das doenças e dos cuidados
necessários para sua prevenção ou tratamento podem resultar em
estranhamentos por parte da família ou da equipe.
Um cuidado adotado no meio familiar pode ser considerado, pelos
profissionais do CEDUC, insuficiente ou inadequado para a criança que convive
no contexto coletivo. Esse descompasso constitui o eixo central em torno do qual
podem ocorrer divergências na relação entre famílias e profissionais da creche,
demandando clareza da equipe para negociar com cada pai, mãe ou avós, tendo
em vista o bem-estar de todas as crianças (MARANHÃO, 2005). Ter os
documentos por escrito e datados os ajudam a enfrentar alguns ruídos na
comunicação.
No campo subjetivo, algumas complicações também podem ser
evidenciadas. Muitas mães, com o ensejo de proteger seus filhos, discriminam
certas crianças e famílias por seus hábitos, crenças, escolhas ou por certos
episódios vividos. Alguns exemplos são: mordidas, resfriados constantes, troca
de chupetas e paninhos, empurrões, piolho, uso de palavrões, entre outras.
Diante do que consideram inadequado, os pais pedem para separar as crianças
de grupo, fazem “exigências” de expulsão de certas crianças e suas famílias e/ou
comentam intercorrências com outras mães de forma desrespeitosa, entre
outros.
Observa-se, em algumas creches, que algumas mães da área
administrativa sentem-se diferenciadas em relação às mães operárias, trazendo
para o ambiente da creche as relações hierárquicas vividas no ambiente de
trabalho e social. Essa é uma situação na qual as diferenças de classe social
aparecem de forma clara.
Entende-se como função da equipe trazer a discussão às claras quando
tais fatos ocorrerem, pois não há diferença de atendimento entre as crianças nas
creches administradas pelo CEDUC.

Momento inicial da chegada da família à creche


Desde a inscrição e a matrícula da criança, a família deverá ser ouvida
em relação à linha de conduta do pediatra escolhido para acompanhar o
crescimento e desenvolvimento de seu filho. Isso significa escutar, registrar,
acolher e, também, buscar entender os valores da família presentes na escolha
de uma ou de outra linha médica.
O CEDUC sempre valorizou o trabalho em consonância com o pediatra
da criança. Os dados colhidos pelo pediatra nas consultas de rotina são
registrados pela creche para acompanhamento do crescimento (curva pondero
estatural) e, ainda, para maior segurança nos momentos de utilização de
medicação.
Também nesse momento, o profissional responsável pela coordenação
e a enfermeira devem orientar as famílias que estão chegando quanto aos
procedimentos de saúde, de urgência e de emergência adotados. É importante
acordar com as famílias que, em momentos de necessidade de socorro imediato,
o cliente, juntamente com a creche, transportará a criança para o serviço de
saúde mais próximo. A formalização é realizada com o preenchimento, pelos
pais, de documento específico que denominamos ficha amarela (Anexo: Ficha
de atendimento de emergência e consentimento dos pais).
Na conversa inicial, ocorrem os alinhamentos entre a família e a creche
no que tange às condutas a serem adotadas. Dentre elas, o que é, ou não,
possível flexibilizar de acordo com as escolhas da família.

Os limites do CEDUC em relação às demandas das famílias e da empresa


cliente.

Como citado anteriormente, a chegada da criança na creche promove o


encontro ou o confronto entre as condutas de saúde da creche e da família.
A creche possui, em seu projeto educativo, uma linha de conduta que
contempla as necessidades de controle dos processos que promovam a saúde
e o bem-estar no ambiente coletivo.
Algumas condutas de saúde da creche possuem, em sua configuração,
maior ou menor possibilidade de acolhimento das demandas, necessidades,
paradigmas ou indicações pediátricas das famílias, por isso a necessidade de
negociação citada anteriormente. Entretanto, algumas delas não permitem
flexibilização4 em função do impacto que podem causar na saúde da criança ou
do grupo:
 Frequência de uma criança com doença transmissível;
 Atraso vacinal;
 Oferta de medicação sem receita médica;
 Deixar de notificar um surto de doença que requeira
investigação;
 Atender uma criança muito adoentada que requeira uma
atenção individualizada e constante.
Deverá prevalecer o direito à saúde de todas as crianças, em uma
sociedade laica, que prevê cuidados básicos através do Sistema Nacional de
Saúde (SNS) garantidos em lei, pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).
O tempo de permanência da criança na creche pode ser entendido como
mais um aspecto a ser considerado nas condutas de saúde. Embora existam
creches que funcionem de doze a catorze horas por dia, não é considerado
saudável que a criança permaneça todo este período na creche. É importante
considerar que a creche é um dos ambientes sociais que compõe a sua vida e,
portanto, sua permanência precisa ser equilibrada. Quando é detectado que uma
criança permanece doze horas diariamente na creche é agendada uma conversa
com a família para orientá-la quanto a alternativas para a redução do tempo de
permanência diária da criança na creche, por exemplo, na relação dos pais com
o trabalho ou na relação com outros membros da família que possam ajudá-los.
Sabe-se que, cada vez mais, cresce a demanda de trabalho dos pais e,
consequentemente, seu tempo dedicado ao trabalho, mas o olhar deve se voltar
prioritariamente às crianças, buscando sempre uma alternativa que garanta
conforto e bem-estar a elas.
Um caso de demanda diferenciada que pode trazer impactos relevantes
para serem administrados na creche é a solicitação do uso de fraldas de tecido,
as antigas ‘fraldas de pano’. Hoje, existe um movimento de retomada desse
hábito, sobretudo frente ao compromisso ambiental que algumas famílias
desejam assumir para a preservação do planeta e da vida.

4 Este tema será tratado também, ao longo dos cap. 7, 8 e 9.


Do ponto de vista ambiental, há a concordância com a escolha, pois,
realmente, é muito menos poluidor utilizar fraldas de pano. Contudo, na estrutura
operacional de uma creche, com o rigor dos procedimentos de higiene pessoal
e do ambiente para a promoção da saúde coletiva, com suas condições de
instalações físicas, com seus tempos de cumprimento de tarefas ao longo do dia
e com a capacitação de seus profissionais, torna-se inviável assumir a
responsabilidade com os cuidados detalhados e imprescindíveis relativos aos
resíduos da fralda de pano e mesmo à própria fralda.
A fralda de pano exige um processamento de higiene que a creche não
tem condições de assumir, como uma lavadora e uma secadora do tipo
hospitalar-industrial, em uma área especificamente construída para este fim,
com isolamento acústico e com rede de esgoto adequada à operação e tipo de
resíduo. Nos trocadores da creche, é preciso ter uma privada específica para
descarte das fezes, bem como a remoção constante das fraldas para evitar que
o cheiro se espalhe pelo ambiente. Outro aspecto a ser levado em conta em
termos ambientais, é o consumo de energia elétrica que a creche passará a ter
com uma área específica para lavagem de fraldas. Assumir essa operação sem
as condições estruturais acima descritas é correr o risco de promover
contaminações graves.
Entre a situação poluidora do ambiente e a que pode trazer
contaminações à creche e aos seus habitantes, até hoje optou-se pela primeira.
Deseja-se que isso mude em breve através de alternativas que não criem esse
tipo de impacto para a operação e que, ao mesmo tempo, produzam resíduos
biodegradáveis. Tecnicamente, essa solução ainda não foi criada para ser
produzida em larga escala. A alternativa existente de fraldas descartáveis
biodegradáveis não é viável em função do alto custo.
Decorrente do exposto, deve-se expor essas argumentações para a
família explicitando que não será possível flexibilizar esta questão. Portanto,
essa família, se escolher ficar na creche, utilizará a fralda de pano somente
quando a criança estiver em casa, pois, na creche, será preciso utilizar a fralda
descartável.
Nos casos de crianças que apresentam alergias às fraldas descartáveis,
pais, coordenadora e RH da empresa cliente discutirão com o pediatra o que é
melhor para a criança. Pela experiência, algumas famílias e médicos optam pela
frequência dessas crianças na creche, após o desfralde.
Há casos, no entanto, que exigem muita vigilância e não justificam a
permanência da criança na creche, como uma mãe que veio com a seguinte
demanda: a sua criança que, “tendo problemas no coração, não podia chorar”.
Outro caso é uma criança que, sem nenhuma órtese restritiva de movimento,
segundo a mãe, “não poderia mexer uma das pernas”, embora, organicamente,
essa perna se movimentava bem. São situações incontroláveis que não se pode
garantir. O que é recomendado em casos similares é um contato direto com o
médico responsável pela criança e o fornecimento de orientações às famílias
para esclarecimento da situação e discussão dos limites institucionais.
A escolha pelo ambiente coletivo implica em expor a criança a outros
valores além dos familiares e a conhecimentos e práticas culturais que, às vezes,
podem ser diferentes daquelas adotadas pela família.
5 - A corresponsabilidade da empresa
frente aos cuidados de saúde na creche

Compartilhar cuidados da saúde das crianças significa estabelecer, desde


a idealização até a implantação e funcionamento da creche, a
corresponsabilidade entre empresa cliente, profissionais do CEDUC e familiares.
A responsabilidade da empresa inicia-se e define-se desde o projeto
arquitetônico até a inauguração e a operação em si. Com o estabelecimento da
parceria com o CEDUC, empresa contratada para administrar a creche situada
no seu espaço industrial ou comercial, ambos, cliente e terceirizada, vão cuidar
do espaço da creche. Assumindo esse benefício para seus colaboradores, a
empresa contratante do CEDUC compreende a dinâmica de inter-relações de
saúde entre crianças e seus trabalhadores, entre a saúde dos trabalhadores da
terceirizada e a qualidade do trabalho oferecido e, ainda, as especificidades dos
desdobramentos epidemiológicos.
Trazer um bebê para dentro da empresa significa, necessariamente,
responsabilizar-se por ele. Ter uma creche é responsabilizar-se pelos bebês de
seus funcionários. Faz parte desse processo de responsabilização entender as
variáveis que virão com a chegada das crianças ao mundo coorporativo.
Algumas variáveis são:
 A área da creche deve ter prioridade nos momentos de evacuação do
prédio;
 O tempo de tolerância para um serviço de manutenção pendente é
bem pequeno, os reparos precisam ser concluídos com a maior
brevidade possível;
 Para se executar serviços na creche, as crianças precisam estar,
preferencialmente, ausentes. Logo, os serviços deverão ser feitos à
noite ou aos sábados, ou quando as crianças estiverem afastadas ou
isoladas, sem oferecer nenhum risco;
 Nos casos em que houver brigadistas responsáveis pelo apoio à
creche, eles precisam saber lidar com criança e ter um treinamento
específico para apoiar quando da evacuação do prédio;
 A segurança patrimonial deve monitorar as condições de segurança
em torno da creche mais constantemente do que em outros setores;
 A creche deve ser registrada e reconhecida pela ANVISA, Agência
Nacional de Vigilância Sanitária;
 A creche deve estabelecer um diálogo constante com a Vigilância
Epidemiológica;
 O cliente deve estender suas campanhas de vacinação às crianças e,
em casos de vacinas específicas, deve, também, solicitá-las aos
órgãos públicos responsáveis;
 O cliente, via representantes do RH, deve, juntamente com os
profissionais do CEDUC, construir a cultura do afastamento
humanizado e de todas as suas consequências. Isso significa que, em
alguns momentos, bebês pequeninos precisam de suas mães por
perto quando são afastados da creche por motivos de saúde;
 Trabalhar extensamente com todos da empresa as regras dos
afastamentos das crianças que precisam da companhia das mães;
 Trabalhar com o paradigma de que nem sempre afastar as crianças
significará afastar as mães e isso precisa ser compreendido e
praticado;
 Construir a ideia de que a creche é de uso comunitário e, portanto,
tem um atendimento coletivo que garante o bem-estar do grupo de
crianças. Consequentemente, algumas solicitações muito
individualizadas não poderão ser atendidas;
 Construir o entendimento de que a presença da creche na empresa
não visa unicamente a melhoria da produtividade dos pais das
crianças, mas, também, por motivos educacionais, a construção e a
preservação de uma infância saudável. Nesse sentido, há que se
harmonizar a importância da produtividade com as demandas da
infância. Isso significa dizer que haverá momentos em que a empresa
estará funcionando (produzindo) e a creche não estará aberta, como
é o caso dos domingos, dos feriados e, ainda, o caso do turno da
noite.
Quando um bebê chega à creche da empresa, passa a ocupar o mesmo
espaço institucional dos demais colaboradores, com todos os benefícios e riscos
que isso traz. Ele não é um trabalhador, mas uma criança que habita, durante
algumas horas do dia, um espaço que é institucional e corporativo. Um benefício
constatado pela empresa é o dinamismo da cadeia produtiva, que oferece maior
disponibilidade e tranquilidade para a mãe trabalhadora que retorna da licença
maternidade e pode optar por continuar amamentando e convivendo com seu
filho pela proximidade de ambos. Essa possibilidade de conciliar trabalho e
maternidade resulta em melhor qualidade de vida do trabalhador, para sua saúde
e, portanto, maior produção e satisfação no emprego.
Além desse benefício mais palpável e mais concreto, ocorrem muitos
outros menos tangíveis, como por exemplo, o sentimento geral de afeto que
fideliza o funcionário ao perceber que a empresa acolhe seu filho. Outro exemplo
refere-se às mães que planejam seus filhos e que, portanto, passam a contar
com a empresa como parceira nos cuidados e na educação da primeira infância.
A creche corporativa é também um forte fator de atração de mulheres que estão
no mercado e que passam a desejar trabalhar naquela empresa.
Um risco que deve ser assumido pela empresa e por familiares diz
respeito à ciência de que as crianças podem adoecer, pois estão em processo
de crescimento e desenvolvimento intenso, inclusive do seu sistema
imunológico. Como consequência deve ser prevista a possibilidade do pai ou da
mãe disponibilizar um tempo para, ausentando-se do trabalho em alguns
períodos, buscar assistência especializada à saúde do filho.
As famílias e a empresa são informadas, inicialmente, de que a criança
doente, dependendo da gravidade e do tipo de problema, necessitará de um
afastamento temporário da creche para recuperar-se ou para evitar a
disseminação de alguns agravos no coletivo infantil. Para isso, cada família
precisa prever um esquema substitutivo do serviço da creche, para que a criança
seja cuidada por outras pessoas, quais sejam familiares ou babá ou amigos,
nessas situações especiais até que possa retornar à sua rotina cotidiana.
Os profissionais de saúde do CEDUC estabeleceram, com base em
normas de órgãos de saúde nacionais e internacionais, bem como na sua longa
experiência com o cuidado infantil, as condições de saúde da criança que requer
afastamento temporário. Esses critérios são apresentados detalhadamente em
fluxogramas presentes nas unidades e constam em anexos. Cada família e o
setor de recursos humanos da empresa são deles informados no momento em
que é estabelecido o processo de compartilhar os cuidados e a educação das
crianças (Anexo: Fluxograma de doenças transmissíveis e picadas de
escorpião).
Assim, entende-se que o afastamento em casos das viroses mais
comuns, em que o contágio já ocorreu previamente à percepção dos sintomas,
necessita de uma análise quanto ao estado geral da criança. É preciso ponderar
se o tipo de cuidado que aquela criança precisa é passível de ser inserido na
rotina da creche em sua vida coletiva. Sendo possível e tendo condições, a
criança não é afastada.
Quando é analisado que os cuidados necessários são muito individuais,
que o estado geral da criança apresenta prostração, excesso de cansaço, que a
febre é renitente e outros sintomas que a deixam muito fragilizada, há uma
conversa com a família na qual lhe é solicitada que a criança fique em casa até
melhorar. Numa situação como essa, se a criança permanecer na creche, seu
estado tende a se agravar, pois a própria dinâmica da rotina significa um gasto
de energia com a qual ela não conta.
Entender este sistema e validar os afastamentos junto aos gestores das
funcionárias é também corresponsabilidade da empresa cliente. Muitas vezes,
quando as crianças são maiores de dezoito meses, não precisarão
necessariamente da presença da mãe, podendo ficar com um cuidador em casa,
mas, em casos de crianças mais novas, a presença das mães poderá ser uma
necessidade, principalmente devido à amamentação.
Outro risco muito importante que, pouco a pouco, é compreendido pelo
cliente e assumido com a instalação de uma creche, é o de saber que as crianças
se acidentam enquanto descobrem suas potencialidades físicas. O trabalho do
CEDUC é intencionalmente preventivo, possuindo uma ação programada e
planejada para ser segura, mas existe uma pequena parcela de possibilidade de
acidentes da qual não se isola. Esta possibilidade de acidente é da vida do ser
humano e ocorre em qualquer situação que ele vive.
Quedas da própria altura enquanto se aprende a andar, cabeçadas ao
se rolar de um colchonete que está no chão, escorregões enquanto se busca o
sapato e se está de meias, empurrões de colegas que correm por entusiasmo,
encontrões com colegas que também estão aprendendo a andar e outros
similares, sempre serão situações muito presentes na vida das crianças que
estão no espaço coletivo.
Por vezes, esses acidentes, que são comuns, podem gerar resultados
nada comuns, como dentes quebrados, braços deslocados, supercílios cortados
e outros danos ao corpo. Essa situação exige da equipe bastante tato ao falar
com a família, ao mesmo tempo em que exige contato imediato com a empresa
cliente. Nesse momento, empresa cliente e o CEDUC se posicionam com a mãe
relatando o que aconteceu. A corresponsabilidade leva a mãe a escutar do
cliente e do CEDUC detalhes do acontecido. Mesmo que não seja possível a
presença do responsável pela empresa cliente, é muito importante que a mãe
saiba que a informação está alinhada com ele.
Desta forma, os acidentes representam mais um risco que precisa ser
assumido pelo cliente que escolhe ter uma creche.
Os profissionais das unidades CEDUC são orientados pelas enfermeiras
e pela pediatra especialista quanto ao atendimento adequado nas situações de
acidentes. Além disso, em cada unidade existe um documento com explicações
e orientações de atendimento aos acidentes mais comuns na infância chamado
Protocolo de Emergência, sendo a coordenadora e a enfermeira responsáveis
por orientar, periodicamente, a equipe, com base nesse documento. (Anexo:
Protocolo de Emergências)
6 - A promoção da saúde da criança na
creche: o acompanhamento do
processo de crescimento e das
situações de adoecimento.
Os cuidados com o corpo fazem parte dos cuidados com a saúde, mas
não se restringem aos procedimentos em si, como alimentar, limpar, dar o
medicamento à criança. Para uma relação sadia com o corpo, torna-se
fundamental a interação que se estabelece entre a criança, o ambiente, os
colegas e os adultos. Acolher, alimentar, considerar os sons e os movimentos
do bebê como tentativa de comunicação, proteger, confortar, alternar repouso e
brincadeiras são cuidados de quem cuida.
Programar situações de aprendizagens internas e externas de acordo
com as características de cada criança e do grupo etário, bem como associar às
ações educativas as de promoção da saúde, se não houver conflitos entre os
dois objetivos, também é um cuidado básico de quem trabalha com as crianças
pequenas.
O planejamento dos cuidados cotidianos, visando a promoção do
crescimento e do desenvolvimento saudáveis, é indissociável das ações que
visam a educação infantil.
É papel do educador administrar a sua rotina e o seu planejamento de
forma a garantir consonância entre saúde e pedagógico. Faz parte da formação
continuada do educador conhecer os conteúdos de saúde, assim como conhece
os conteúdos pedagógicos e do desenvolvimento infantil.
No processo de crescimento e desenvolvimento da criança, há fases em
que ela pode estar mais vulnerável ao adoecimento. A frequência e a gravidade
do adoecimento devem ser avaliadas para estabelecer com a família e com o
pediatra que a assiste a conduta mais adequada para cada situação em função
do estado geral da criança, sempre considerando a dimensão individual e
coletiva. Nas unidades do CEDUC, é realizado o acompanhamento mensal dos
agravos à saúde, analisando a prevalência do grupo das doenças mais
frequentes. Os registros são feitos pela enfermeira em relatório específico
denominado Relatório de Agravos à Saúde (Anexo: Relatório de Agravos à
Saúde).
A constituição humana requer um acompanhamento regular, permitindo,
assim, evidenciar algumas alterações que demandam observações ou cuidados
especiais. Quem faz o acompanhamento personalizado de cada criança é o
pediatra e/ou outro profissional escolhido pela família. Os profissionais da creche
contribuem ofertando observações, informações relevantes e atendendo as
solicitações, sempre que possível.
Compartilhar os cuidados das crianças significa manter uma
comunicação organizada entre todos os adultos envolvidos no processo para
que haja continuidade e coerência entre os cuidados prescritos e os executados.
Essa comunicação ocorre tanto no contato cotidiano do educador com a pessoa
que leva e busca a criança na creche, como no momento da entrevista e no
processo de acolhimento inicial da família. Posterior à fase de adaptação ao novo
contexto, a comunicação continua por meio de contatos pessoais cotidianos
entre crianças, familiares, educadores e coordenadores do CEDUC. Outros
caminhos de comunicação acontecem por meio de reuniões, telefonemas, e-
mail, registros diários de alimentação, sono e eliminações fisiológicas, registros
diários de agravos à saúde, registros de medicamentos, bilhetes,
encaminhamentos ao serviço de saúde, circulares informativas, entre outros
(Anexos: Registro geral diário, Registro de Sinais e Sintomas, Ficha de
Medicação e Comunicados/circulares).
Em especial nos momentos de adoecimento, é preciso avaliar as
características da doença para que creche e família decidam juntos o que fazer.
Nessa análise, toma-se como base o estado geral da criança. A mesma doença
em outras crianças e em momentos diferentes pode apontar condutas distintas.
Então, o que é avaliado?
São avaliadas as necessidades da criança que está doente, o ritmo de
trabalho da creche e a característica da doença, ou seja, sempre deve ser
questionado se o tipo de cuidado e o repouso que a criança precisa naquele
momento são possíveis no contexto coletivo. Quando não o são, o afastamento
é recomendado. Esse tipo de afastamento é denominado “afastamento
humanizado”, pois o foco está na pessoa, prioritariamente nas suas
necessidades para, depois, dirigir o olhar para o restante do grupo, para o bem
coletivo.
Os momentos de adoecimento precisam ser acompanhados muito de
perto pela equipe, pois além das dificuldades ocorridas com quem adoece, há
também um aumento de procedimentos, tais como: banhos extras, aferição de
temperatura, medicamentos em horários diversos, registro de sintomas e outros.
Essas tarefas específicas são somadas às cotidianas que, juntas, necessitam de
especial atenção, pois qualquer equívoco pode ser muito danoso.
As situações de adoecimento provocam alteração significativa na rotina
da creche no referente à alimentação. Em geral, quem adoece não se sente
disposto para alimentar-se, existindo ocasiões em que há a necessidade de uma
alimentação especial, devendo isso ser articulado entre educadores,
coordenador, nutricionista e lactaristas. É preciso ter atenção e muito cuidado
com a alimentação nos momentos de adoecimento, pois justamente ela
representa uma das possibilidades mais importantes de fortalecimento do
organismo.
Assim, nas situações de adoecimento, recomenda-se redobrar os
cuidados na observação da criança, na comunicação com os pais e com a
própria equipe. Estar muito atento às alterações de comportamento e de
sintomas das crianças ao longo do dia é altamente necessário. As mães devem
ser comunicadas com rapidez quando os sintomas das crianças se alterarem. A
equipe, a coordenadora e a enfermeira devem conversar para sempre decidirem
conjuntamente os encaminhamentos que serão alterados na iminência de um
agravamento.
Desta forma, a posição do CEDUC é a de avaliar quando será possível
ou não assumir todas as variáveis descritas acima na rotina de seus educadores
e também das outras crianças do grupo. Caso exista um número elevado de
crianças doentes na mesma turma, as tarefas extras se avolumam
sobremaneira, tornando, assim, impossível a aceitação das crianças doentes.
No caso da permanência da criança doente na creche, quando essa for
a decisão tomada por toda equipe, pela família e seu pediatra, ocorre uma
situação em que deve ser alterada a conduta da equipe. Além das descritas
anteriormente, deve-se observar e avaliar se a criança pode ou deve participar
dos momentos da rotina e de que forma isso acontecerá. É muito importante não
forçar as crianças que estão indispostas a cumprir a programação do
planejamento. As crianças podem observar, podem escolher ficar mais deitadas,
quietas ou simplesmente repousando.
Há situações em que o afastamento é incontestável e inalterável,
sobretudo em casos de doenças infectocontagiosas e nas situações em que,
como citado acima, os cuidados devem ser completamente individualizados, o
que é impossível na dinâmica de trabalho da creche. Para maior clareza a
respeito de quando e como afastar em casos em que já há uma ação
padronizada a partir de experiências vividas e estudos realizados, deve-se ler
atentamente o capítulo oitavo.
Os afastamentos da creche no CEDUC para os casos não
compreendidos na condição acima não têm uma regra fechada e, portanto,
precisam ser pensados caso a caso, no contexto específico em que ocorre.
Uma das ações planejadas rumo à promoção da saúde nas creches é o
controle da vacinação das crianças e dos adultos. O CEDUC acredita na
imunização por meio das vacinas e incentiva as famílias a manterem em dia as
vacinas de seus filhos e, delas, algumas são obrigatórias para que a criança
possa permanecer na creche. (Leia mais sobre vacina no capítulo oito)
É parte do projeto cotidiano de promoção da saúde das crianças na
creche cuidar também da alimentação de todos. Há um acompanhamento
periódico de uma nutricionista em cada unidade, profissional responsável pelos
cardápios semanais e pelas composições alimentares lá indicadas. Compreende
ainda seu trabalho o treinamento e a formação continuada das lactaristas, dos
educadores e das coordenadoras no que tange à nutrição no currículo do
CEDUC.
A alimentação equilibrada, pensada em suas esferas mais diversas, cor,
sabor, aroma, temperatura, textura e variedade, é uma aliada incontestável na
promoção de saúde na creche, bem como no crescimento sadio das crianças.
Há um acompanhamento frequente da evolução do peso e da altura de nossas
crianças. As mães trazem esses dados colhidos na consulta com o pediatra e é
feito um registro contínuo e crescente.
Há um espaço curricular pensado para a nutrição. Para o CEDUC a
nutrição não é um setor, uma área ou um conhecimento paralelo, mas é parte
integrante do currículo de saúde. A nutrição é fundamental no cuidado com a
saúde, pois ela é um dos caminhos para fortalecer a imunologia das crianças.
No concernente à nutrição e à educação com as crianças que ingressam
em nossas creches e que convivem conosco por 2 ou 3 anos, é que desta
convivência e deste trabalho intencional, resultem a vontade de comer e o gosto
pelos momentos de alimentação. Comer bem e gostar de comer, é ter saúde!
Assim, a alimentação é foco de atenção, é trabalho educacional
intencional e deve estar nas prioridades dos educadores e coordenadores do
CEDUC. (Ver definição e histórico do Projeto Despertar dos Sentidos – Capítulo
nove).
Um ponto valorizado como de alta promoção da saúde nas creches é a
convivência social, a vida em grupo no contexto coletivo das relações. É claro
que, por um lado, já descrito no início desse projeto, é justamente a convivência
em grupo que aumenta as possibilidades de contágio e troca de micro-
organismos, mas, por outro lado, é ela que traz aprendizagens. Nesse sentido,
entende-se que adoecer é também aprender a conhecer os “bichos” do mundo.
Estar em grupo é aprender sobre si. É na vida com os outros que
entende-se que há “os outros” e há um “eu”. Pouco a pouco é construída a ideia
de que o “nós” é composto “dos outros” e também do “eu”. A criança cresce
sentindo-se pertencente a uma instituição, a um grupo e constitui a sua
identidade a partir dessas relações. Com o passar do tempo, sente-se segura e
confortável devido à confiança que passa a permear esse contexto relacional.
A constante interação social na creche pode ser um benefício psíquico
às crianças, pouco perceptível num rápido olhar. Conviver com outras crianças
traz contribuições para o processo de subjetivação da criança5.
Promover a saúde na creche é acompanhar atentamente o crescimento
das crianças, saber enfrentar os momentos de adoecimento entendendo que
são, na verdade, busca por saúde e maior resistência imunológica. E, ainda, não
deixar de registrar dados de agravos à saúde corretamente, oferecer uma
alimentação equilibrada construindo o gosto e o prazer de comer e, sobretudo,

5Entende-se por subjetivação o processo de constituição do psiquismo da criança, o que envolve a humanização e a
apresentação da cultura humana à criança por quem dela cuida, exercendo as funções simbólicas maternas e
paternas. O sucesso destas operações culmina com a construção da identidade da criança e a fixação de marcas, que
envolvem também a diferenciação em relação aos modelos parentais. Ver o detalhamento deste processo no capítulo
15 do presente trabalho.
articular de forma harmônica com as famílias cada nova necessidade da vida
das crianças.

A relação entre as construções físicas e a saúde

O tipo de construção utilizada para uma creche pode interferir


diretamente no processo de saúde/doença dos habitantes/ocupantes desse
prédio. Faz parte do projeto educativo do CEDUC voltado à promoção da saúde
dos adultos e das crianças cuidar de articular as características construtivas dos
prédios ocupados com as necessidades reais de quem os habita.

Comissão de Memorial

Ao longo destes anos de existência, foi desenvolvido um Memorial de


obras que descreve as condições físicas necessárias para um prédio sadio. No
Memorial, é detalhado cada acabamento que deve constar em um prédio feito
para crianças, em alguns casos, constam até as medidas, inclusive.
Criou-se um estudo específico a respeito das construções e foi montada
uma equipe coordenada por um engenheiro que trabalha nas plantas dos novos
projetos de creche assumida pelo CEDUC. Esse trabalho procura escutar todas
as vozes, em sistema representativo, das pessoas que utilizam diariamente os
prédios dessas creches. Esse trabalho foi denominado Comissão do Memorial
de Construção de Creches, ou seja, após ficar pronto o desenho das primeiras
plantas do novo cliente, essa comissão se reúne e todos os participantes
analisam a planta e indicam alterações.
Participam da Comissão do Memorial: educadores, coordenadores,
enfermeiros, nutricionistas, lactaristas e convidados em geral, além do
engenheiro responsável. A ideia principal é compor o grupo com as diversas
vozes dos que habitam os prédios.
Para o CEDUC, prédios pensados especialmente para crianças são uma
necessidade para a promoção da saúde de todos. Na realidade, são mais do que
isso. Prédios pensados para crianças são uma condição educativa do projeto da
creche, representam a possibilidade dos educadores contarem com a arquitetura
como parceira nas aprendizagens das crianças. As construções das creches,
com o passar do tempo, na medida em que são habitadas, ganham identidade
e, ao mesmo tempo, geram identificação em quem as utiliza.

Condições de um prédio sadio

Ventilação natural, insolação, iluminação natural, áreas amplas e


acabamento seguro são itens que se procura garantir ao máximo nos prédios
utilizados pelas creches.
Grande parte das vezes, as referências às creches inauguradas há
vários anos, nas décadas de 70, 80 e 90 em empresas no Brasil, mencionam
prédios que não foram feitos especialmente para crianças, mas, adaptados e
readequados para elas. Isso traz sempre impactos que precisam ser
administrados.

Uso do ar condicionado continuamente

Um dos impactos mais comuns enfrentados é o uso contínuo do ar


condicionado. Quando possível, o ar condicionado deve ser utilizado apenas
como auxiliar do conforto térmico em parceria com as janelas da creche, ora
abertas e ora fechadas. Quando o uso do ar condicionado é ininterrupto, como
é o caso dos hospitais, por exemplo, ocorre uma situação que exige maiores
cuidados.
O aparelho de ar condicionado mais indicado em casos em que não é
possível prescindir de seu uso é o modelo utilizado pelos hospitais. Os filtros do
aparelho devem ser limpos mensalmente e seus resíduos devem sofrer,
semestralmente, uma análise microbiológica. O resultado dessa análise deve ser
controlado pela coordenadora e pela enfermeira da unidade. Essa é uma
orientação do CEDUC baseada em sua experiência.
Considerando as unidades do estado de São Paulo, os aparelhos
funcionam com a temperatura de 23 (vinte e três) graus Celsius no verão e de
24 (vinte e quatro) graus Celsius no inverno. Atenção especial é dada às salas
de sono dos bebês de zero a um ano, pois, em geral, essas salas têm menos
luminosidade e, desse modo, ficam mais frias facilmente, sendo preciso
considerar que, enquanto o corpo humano repousa as suas atividades motoras,
é esperado que a pessoa sinta mais frio. As crianças sempre recebem algum
tipo de coberta quando vão para o berço: durante o inverno com cobertores,
mantas e edredons e, no verão, com mantas finas e lençóis.
Ainda nas unidades em que o ar condicionado é a única forma de
ventilação, é fundamental estabelecer um limite de tempo de permanência de
adultos e crianças no prédio, caso ocorra falta de energia. Em caso de falta de
fornecimento de energia elétrica, as crianças poderão ocupar o espaço por uma
hora, no máximo. Após esse tempo, necessariamente, o prédio deverá ser
esvaziado. Se, no dia, a energia não mais for fornecida, a creche interromperá
seu expediente.
Em casos como o relatado acima, o CEDUC entender-se-á com o
representante do cliente responsável pela creche discutindo o procedimento
cabível, criando, assim, um protocolo de ação.
Para as unidades que podem contar com o ar condicionado somente
como coadjuvante na busca de conforto térmico, é muito importante reforçar a
ideia de ser necessário abrir as janelas e as portas várias vezes por dia, pois é
isso que garante a troca efetiva de ar natural.
Diversas pesquisas investigaram fatores ambientais como causa de
agravos variados à saúde das crianças que frequentam creches. Munir,
Einarsson e Dreborg, em 1996, demonstraram que formas diferentes de
renovação do ar ambiental e rotinas de limpeza interferem na qualidade do ar
das creches em relação aos alérgenos presentes na poeira. Para diminuir esse
problema, é recomendada a instalação de ventilação artificial, quando possível,
a limpeza constante das superfícies e o afastamento das crianças, nas creches,
do contato direto com animais.
A contaminação do ar climatizado pode provir do ar externo, como
construções, mobiliário, carpete e, principalmente, dos indivíduos que circulam
pelo ambiente. Podem ocorrer, ainda, contaminações por partículas
microbianas, tais como, algas, fungos, bactérias, esporos e vírus.
Estudos mostram que a transmissão de patógenos por falha na
climatização pode ocorrer, inclusive, por aerossóis e vetores. As principais
manifestações podem ser infecções respiratórias tanto das vias aéreas
superiores, como inferiores, os pulmões.
Ainda sobre a qualidade do ar, alguns autores concluíram que a
prevalência de casos de rinite alérgica, asma e sintomas respiratórios é maior
nas creches que usam exclusivamente sistema de ar condicionado ou
intercalado com ventilação mecânica ou natural, do que em creches que
possuem apenas ventilação natural6.
Na maioria das unidades do CEDUC, a circulação do ar é feita através
de equipamento Fancoin com refrigeração à água e central. Segundo as normas
vigentes, a empresa responsável pelo ar condicionado deve atender as
exigências de órgãos nacionais, tais como:
 Portaria 3.523 de 28/08/98 do Ministério da Saúde e padrões de
qualidade do Ar de interiores do Brasil;
 ANVISA, Padrões referenciais de qualidade do ar Interior em
ambientes climatizados artificialmente de uso público e coletivo. Editor
2003;
 Conselho Nacional do meio ambiente, resolução nº 3 de junho de
1990;
 NR 12 do Ministério do Trabalho.
A manutenção e a análise são da responsabilidade das empresas
contratadas pelo cliente, as quais devem estabelecer cronograma de
manutenção mensal ou quando necessário. Devem abranger a troca de filtro -
principal item para a pureza do ar, pois o modelo deve reter micro-organismos -
limpeza das bandejas e equipamentos, desobstrução do dreno, troca da correia,
ajustes elétricos, entre outros cuidados. Imperioso se faz solicitar o cronograma
de manutenção e as análises do ar condicionado para acompanhamento das
atividades realizadas dentro da creche.
Além das manutenções adequadas e das análises, também são
necessários cuidados com a hidratação de todos que frequentam o espaço
climatizado. Como o ar condicionado resseca as mucosas respiratórias, é
importante que a oferta de líquidos durante o período exposto à climatização seja
maior que o habitual. As saídas diárias para as áreas externas em horários
adequados, com ventilação natural e sol, também são importantíssimas e
garantidas como prioridades nas unidades, exceto em dias chuvosos.

6 Zuraimi, MS; Tham, KW; Chew, FT.; Ooi, Pl. 6The effect of ventilation strategies of child care centers on
indoor air quality and respiratory health of children in Singapore. Indoor Air; 2007,17 (4): 317-327.
A Ergonomia

Outro impacto bastante comum nas atividades é o ergonômico, nesse


caso, para os adultos. A boa ergonomia é bastante observada e recebe muita
atenção. A equipe de saúde, bem como a de coordenadoras, tem sempre
dispensado especial atenção nas correções ergonômicas, para que cada vez
mais sejam encontradas formas de executar o trabalho com as crianças que não
gerem dores e outros sintomas.
Há um material que descreve alongamentos básicos que devem ser
feitos diariamente pelos funcionários. As enfermeiras, em especial, criam
constantes convites aos momentos de alongamento.

Fluxos de ação

Outro ponto observado ao desenhar um prédio para crianças, é a


possibilidade de ele permitir que, futuramente, possam ser desenhados os fluxos
de ação, pois o trabalho pedagógico e de cuidado dependem necessariamente
de bons fluxos de ações detalhadamente descritos e vividos com as equipes de
educadores, de enfermeiros e de lactaristas.
É importante compreender por fluxo de ação a sequência de atitudes que
se deve entender, planejar, dominar e executar para processos e procedimentos
cotidianos na creche como: alimentação das crianças, escovação de dentes,
prática de uma atividade de pintura ou de meleca para, logo em seguida,
encaminhar as crianças para o banho com o menor índice de espera possível,
bons processos de saída e de entrada, entre muitos outros.
A relação entre o prédio e a saúde de seus habitantes é integral. Cabe
a educadores, técnicos e empresários cuidar dessa relação para que sempre
prepondere o respeito ao humano frente à eficiência do trabalho.

Arquitetura e Educação

O CEDUC desenvolveu parcerias para também oferecer projetos


arquitetônicos em seu escopo de atuação. Essa inovação se deu após muitos
anos de convivência com edifícios pensados por arquitetos renomados, mas não
especializados em creche. Todos sofrem quando a creche tem que se organizar
num edifício não adequado. Ergonomicamente o cotidiano pode oferecer riscos
aos que utilizam as suas instalações, gerando constantes afastamentos e muitas
possibilidades de acidentes. Os fluxos de ação ficam comprometidos quando
não foram pensados desde as plantas e as equipes passam a ter que alterar os
fluxos mesmo sabendo que estão agindo contrariamente ao conceito de
prevenção a riscos de contaminações e de acidentes. A consequência disso é
que constantemente ocorrem grandes reformas de adequação que corrigem,
mas não sanam, os problemas estruturais.
Criar edifícios inteligentes e especialmente pensados para serem
edifícios em prol da infância traz tranquilidade, segurança, eficácia e, ainda,
economia financeira e de energia humana. Assim, a indicação técnica do
CEDUC, para quem deseja implantar uma creche ou transferir uma antiga para
um edifício novo, é a de investir num edifício novo para a infância. Numa
proposta como essa, os espaços são cuidadosamente pensados (dimensões,
posicionamento solar, ventilação) e são articulados com as áreas de serviço de
forma a encurtar distâncias para os usuários. Além disso, a dinâmica do edifício
também é responsável pela possibilidade de processos de higiene ambiental
rápidos, seguros e eficazes.
Os edifícios criados pelo CEDUC contam com toda adequação às
normas atuais da ANVISA, às sugestões de metragem do MEC para instituições
de educação infantil e ainda superam estes indicadores, pois contam com os
indicadores do próprio CEDUC, fruto de anos de aprendizagem gerindo modelos
variados de edifícios para creches.
Vale dizer que, para o CEDUC, a criação de plantas não está vinculada
apenas às questões da saúde, mas também às questões pedagógicas práticas
e conceituais de seu projeto. Mas, há uma forma melhor de colocar essa ideia:
como defende e documenta esse currículo, educação e saúde não são
dissociadas, portanto pensar plantas de edifícios para a infância significa, para
o CEDUC, pensar plantas nascidas a partir do binômio: cuidar e educar.
Assim, a maneira como o tempo é dividido na rotina pedagógica do
CEDUC, a importância dada aos campos de experiência, o seu conceito do ato
de brincar, da brincadeira, do brinquedo é definidor dos espaços que são criados.
O lugar que a Arte tem na proposta pedagógica, bem como os espaços físicos
disponíveis para a documentação viva de cada creche entre outros, também
indicam diretrizes na criação dos espaços.
Espaços arquitetônicos são estruturas físicas previamente pensadas
pelo homem para um determinado fim. Ambientes são os espaços preenchidos
pelos seus habitantes que intencionam fazer deles um lugar! Lugar de ser, de
estar, de viver, de crescer e pesquisar! Lugar de chegar, de acolher, de mudar e
de partir. Lugar é o espaço que tem sua história enriquecida pela história de cada
um que o habita.
7 - Crianças com deficiências, com
diferenças significativas e as
necessidades singulares na creche
Breve retrospectiva histórica7

Na Antiguidade, as pessoas diferentes dos culturalmente denominados


“normais”, como os deficientes ou doentes que sofriam de alguma questão física
contagiosa ou mental, eram, em sua maioria, excluídas do convívio social.
Excluídas através de práticas de segregação, de extermínio ou de abandono,
não costumando essas práticas causar constrangimento moral ou ético. Na
Idade Média, a realidade social dessas pessoas tornou-se um pouco diferente,
pois, por razões religiosas, não mais eram exterminadas. As práticas passaram
a ser a proteção familiar, principalmente das que tinham posses econômicas, o
acolhimento nas igrejas, o abandono, deixadas à própria sorte viviam da
caridade e de favores ou, ainda, “aproveitadas” como fonte de diversão em circos
e festas.
No período da Inquisição, ainda na Idade Média, passaram a ser
perseguidas e/ou assassinadas por serem consideradas como “endemoniados”.
Nem mesmo a Reforma Religiosa melhorou essa situação, pois a noção de que
as pessoas diferentes/deficientes8 eram culpadas pelo seu estado persistia na
época e, ainda hoje, muitas vezes, encontramos quem pense assim. A partir dos
interesses de famílias mais abastadas, surgiram as primeiras legislações sobre
cuidados, sobrevivência e, principalmente, sobre a administração dos bens dos
deficientes e dos doentes físicos e mentais.
No século XVI, as causas espirituais associadas às deficiências/doenças
foram questionadas pela medicina nascente e novas áreas do conhecimento
começaram a se interessar criando tratamentos para elas, como ocorreu através
da alquimia, da astrologia, etc.

7
A “breve retrospectiva histórica” foi retirada do documento construído por vários autores e coordenado
por Juliana Davini e Simone Burse para a Escola Nossa Senhora das Graças em 2011, com o título:
Parâmetros para o trabalho com a Diversidade e com a Inclusão na ENSG. Como autora do presente
capítulo, bem como do texto citado, Davini utilizou-o parcialmente.
8 Escolhemos esta expressão na tentativa de colocar a deficiência na perspectiva da diferença.
Foi somente no século XVII, com o avanço do conhecimento científico,
que as deficiências/doenças ganharam espaço no mundo das pesquisas e dos
experimentos, pois passaram a ser vistas como uma parte da natureza humana
a ser estudada, investigada, classificada e não mais como “aberrações” de cunho
religioso. Tais diferenças passaram a ser tratadas como enigmas que deveriam
ser pesquisados pela ciência: a tese corrente nessa época era a de que as
causas das deficiências eram orgânicas. Os tratamentos propostos, baseados
nessa tese, envolviam a estimulação para o desenvolvimento, o que acabou por
se transformar em programas de ensino no século seguinte.
Os espaços sociais dos deficientes/doentes, porém, ainda eram os
conventos, os hospitais e os asilos, onde ficavam encerrados. Tratava-se da
prática da institucionalização baseada no conceito do confinamento como
tratamento. Essa concepção tem resistido à evolução das ciências biológicas e
humanas perdurando até os dias de hoje, apesar do questionamento de tantos
movimentos internacionais, iniciados nos anos de 1960 com a denúncia dos
efeitos perversos da institucionalização sobre o indivíduo.
Os “outros”, classificados como diferentes do padrão “normal”
hegemônico por sua opção política, sexual, de costumes, de crenças, de religião,
etc., foram também estudados, presos, perseguidos, desvalorizados,
controlados e/ou, em alguns casos, exterminados, práticas que também resistem
no mundo atual.
Nos anos seguintes à década de 1960, observa-se que o movimento
pela desinstitucionalização cresceu, dando espaço para novas ideias de
tratamento. Naquela época, o conceito regente era o de integração do
deficiente/doente na sociedade e, para isso, ele precisava ser trabalhado,
ensinado e adaptado. Nasceram, nesse período, novas práticas, dentre as quais
podem ser citadas: fazer avaliação e diagnóstico, encaminhar para profissionais
especializados, realizar atendimento para treinamento e inserção social,
educacional e no trabalho.
As leis evoluíram muito desde aquela época até os dias de hoje e
começaram a defender os direitos do deficiente/doente, principalmente o doente
mental, que passou a ser visto e tratado como cidadão que porta alguma
necessidade especial e precisa ter acesso às mesmas oportunidades que os
outros cidadãos. O conceito vigente, hoje, é o de que a sociedade precisa mudar
para acolher essas pessoas adaptando-se às suas diferenças denominadas,
agora, de portadoras de necessidades especiais.
Historicamente, no Brasil, a educação para crianças e jovens
diferentes/deficientes foi construída em um jogo de inclusão/exclusão, nascido
na lógica da normatização, que separava os “comuns” e estabelecia os
“anormais”. O atendimento aos “anormais” era feito distinto do sistema regular
de ensino, pois a educação ocorria em centros especializados, como o criado na
época do Império, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854. Esse
modelo perdurou por mais de cem anos, até a década de 1960. No ano seguinte,
em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reconheceu o direito
dos então chamados “excepcionais” à educação, preferencialmente dentro do
sistema de ensino, lei impulsionada, também, pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948.
A partir de então, foi alavancado o processo de reflexão e de crítica sobre
os direitos humanos e a discussão sobre o conceito de igualdade de
oportunidades educacionais e sociais. Os direitos das minorias ganharam força
política suficiente para que algumas práticas no trato dos deficientes fossem
reformuladas e falou-se, pela primeira vez, em integração de “excepcionais" no
sistema geral de educação.
Ocorreu, a partir desse período, o apoio do Estado às escolas privadas
que desenvolviam educação especial. A Lei n. 5.692/71 - art.4º estabeleceu um
currículo comum e outro diversificado para atender às diferenças individuais. Em
1973, o Ministério da Educação (MEC), criou o Centro Nacional de Educação
Especial, responsável pela gerência desta educação no país. E, em 1988, a
Constituição Federal definiu a educação como um direito de todos e estabeleceu
a igualdade de condições, de acesso e de permanência na escola. Tal
reconhecimento foi reforçado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em
1990.
Ainda na década de 1990, documentos como a Declaração de
Salamanca (1994), importante documento responsável por alavancar as ações
inclusivas, corroboraram a determinação das políticas educacionais, definindo
como discriminação toda diferenciação ou exclusão que impeça o exercício dos
direitos humanos.
Em 1994, em Salamanca, na Espanha, delegados da Conferência
Mundial de Educação Especial, representando oitenta e oito governos e vinte e
cinco organizações internacionais, reconheceram a necessidade e a urgência de
uma educação especial dentro de um sistema regular de ensino. Dessa
conferência, surge, então, um documento cujas orientações são detalhadas e
ricas. Trazemos, segundo o interesse do CEDUC, o seguinte recorte:
1. O termo “necessidade educacional especial” refere-se a todas as
crianças e jovens cujas “necessidades diferenciadas dos demais” são
decorrentes de fatores inatos ou adquiridos e se constituem como deficiências,
distúrbios, dificuldades ou impedimentos no processo de desenvolvimento e/ou
aprendizagem, entendendo que essas necessidades podem ser permanentes ou
ocorrer com qualquer criança e em algum momento de sua vida escolar;
2. Deve-se tomar como valor a construção de sociedades mais
acolhedoras, capazes de combater ações discriminatórias; capazes de serem
solidárias e de reconhecerem suas prioridades financeiras e políticas;
3. É necessário combater as desvantagens históricas das minorias;
4. É função de a escola assegurar o ensino e a aprendizagem para
todos;
5. É necessária a identificação precoce das deficiências e dos limites,
bem como o levantamento de potencialidades e necessidades das crianças;
6. Deve ocorrer a preparação de professores; reconhecendo como
indiscutível a necessidade de encorajar a participação das famílias nos
processos de inclusão.
Vinte e cinco anos depois da primeira iniciativa, a Lei de Diretrizes e
Bases, de 1996, estabeleceu o atendimento gratuito, preferencialmente na rede
regular de ensino, a alunos deficientes, chamados em seguida de portadores de
necessidades educacionais especiais.
Este termo “portador de necessidades educacionais especiais” é alvo de
calorosos debates, pois a sua lógica enfatiza menos a diferença/diversidade e
mais a norma estabelecida ao dividir o mundo entre os que têm “necessidades
normais” e os que têm “necessidades especiais”. Além disso, o termo “portador”
é ambíguo, pois, no caso dos deficientes, eles não podem portar o que não têm.
Com a nova lei 13.146/2015 sobre as pessoas com deficiência, muitos autores
estão usando, para pessoas com estas características, o termo “criança com
deficiência”.
É proposto, neste documento, que os adultos utilizem preferencialmente,
o termo “crianças com alguma diferença significativa ou criança com deficiência”
e possam tratar as necessidades delas como “singulares”.

O conceito de necessidade singular e diferença significativa

São consideradas diferenças significativas, segundo Ligia Amaral


(1998), desvios ou anomalias diante do padrão estabelecido de normalidade, a
partir de critérios socialmente definidos.
A autora, que tinha uma deficiência física, foi uma defensora do retorno
ao uso do termo “com deficiência”, julgava serem os efeitos de suavização da
“diferença” mais perversos para o psiquismo das pessoas envolvidas. Como, por
exemplo, ao dizer “essa criança tem uma deficiência visual, mas é muito boa no
olfato”, corremos corre-se o risco de lidar mal com as dificuldades ou as
limitações que a falta de visão lhe impõe. Assim, com transparência, aprende-se
a respeitar a singularidade e a diferença de cada um.
A autora considera como diferenças significativas aquelas que são
visíveis, tais como as diferenças físicas, por exemplo, não ter um braço, ter uma
perna mais curta que a outra, entre outros. Mas também estão no rol de
“significativas” outras diferenças: diante de certas pessoas, o grupo social pode
lhes atribuir um lugar simbólico de “estranheza” e, algumas vezes, de “rejeição”
por sua diferença. O tratamento que recebem dos outros carrega marcas de
quem as enxerga como “anormais” ou como “estranhas, bizarras”. Estão neste
grupo crianças com comportamentos atípicos, como as que têm tiques, as que
estão dentro do espectro do autismo, entre outras possibilidades.
A autora defendeu que as crianças e adultos em geral devem saber
abertamente o que cada sociedade entende e define por “normal” ou “típico”,
sendo informadas que tal conceito é uma atribuição social.
Saber disso não evita as marcas negativas atribuídas a quem é
classificado como fora do grupo considerado “normal”. Por isso, a autora fez a
seguinte diferenciação, reconhecendo o perigo que a nomeação “deficiente”
carrega em termos de possibilidades de estigmas e rótulos sociais:
Deficiência – refere-se à perda ou à anormalidade de estrutura ou função,
relativa à alguma alteração do corpo ou da aparência física.

Incapacidade – refere-se à restrição de atividades e desempenho em


decorrência de uma deficiência.

Desvantagem – refere-se à condição social de prejuízo que o indivíduo com


alguma deficiência ou alguma incapacidade experimenta pelo
tratamento recebido.

No CEDUC, pela especificidade da faixa etária atendida, todas as


crianças são consideradas em suas características únicas e, portanto, têm
necessidades singulares que são contempladas nas rotinas e planos de trabalho
da creche nos aspectos relativos à alimentação, ao sono, à locomoção, às
trocas, às brincadeiras, entre outros. Os conceitos de crianças com deficiência
ou com alguma “diferença significativa” se aplicam às crianças que precisam de
ajustes maiores nas rotinas escolares da creche em função da sua diferença.
Estariam nesse grupo, por exemplo, crianças diabéticas, crianças que tenham
alguma alergia alimentar exigindo um cuidado alimentar específico, crianças que
precisem de sono acompanhado em sala por algum agravamento de saúde
consequente a algum acidente e necessitem de reabilitação, bem como crianças
com algum risco psíquico ou com algum atraso no desenvolvimento, entre
outras.
Assim, todas as crianças que precisarem de mudanças ou
adaptações individuais nas práticas educacionais da creche (aquilo que é
pensado para todos), para terem suas características melhor atendidas,
podem entrar neste grupo e receber um atendimento especializado das equipes
da creche, seja permanente ou temporariamente.
Para receber e educar uma criança com deficiência ou com alguma
diferença significativa é preciso cuidar, sobretudo, do processo de inserção dela
e de sua família no ambiente da unidade CEDUC. Para isso, o CEDUC conta
também com uma equipe multidisciplinar que está aberta para discutir e refletir
sobre cada caso com a coordenadora, a enfermeira, as educadoras e as
lactaristas. A discussão de casos possibilita focar o cuidar e o educar de forma
compartilhada com todos os envolvidos no atendimento da criança.
Muitas vezes, a condição de deficiência ou de diferença significativa da
criança pode ser descoberta ou ocorrer ao longo do tempo em que ela está no
CEDUC, pois, matriculadas muito pequenas, vão se desenvolvendo na creche.
Outras vezes, a mãe ou outro familiar são informados pelo médico
pediatra ou algum conhecido de que a criança apresenta uma evolução e/ou um
desenvolvimento que apontam para um cuidado ou uma preocupação. Estes
momentos são muito sensíveis e demandam um trato cuidadoso dos
profissionais da creche, que podem colaborar acolhendo as dúvidas e pensando
em encaminhamentos que possam ajudar.
Sabemos que, em relação ao desenvolvimento e à constituição psíquica,
os profissionais especializados que atendem as crianças e as famílias fora da
creche vão trabalhar com hipóteses diagnósticas, dada a idade da criança. Isso
implica em um acompanhamento e observação cuidadosos ao longo do
processo de cuidar e de educar a criança, ajudando a focar o olhar e a
intervenção buscando contribuir com o seu desenvolvimento e a constituição de
sua subjetividade, o que é feito com todos, mas que, para estas crianças,
precisam ser intensificados. Isso é feito com uma atenção e um planejamento
individualizado sem, contudo, expor ou tratar tais crianças de forma
preconceituosa ou com desigualdade.
Há casos em que a equipe CEDUC precisa conversar sobre as
observações feitas e as preocupações que tem com a família da criança, antes
mesmo da mesma ter trazido o tema ou percebido a questão. Um cenário como
esse se configura como uma situação delicada, pois, enfrentar a condição
diferenciada de um filho, exige muitas elaborações emocionais, o que, para
algumas famílias, pode ser mais ou menos fácil de viver e/ou aceitar.
Um caminho interessante nesta situação é pedir uma avaliação ao
pediatra que acompanha a criança, que, por sua vez, pode identificar a
necessidade de encaminhar criança e família para algum especialista em busca
de construir uma hipótese diagnóstica para a questão observada.
A aceitação no ambiente da creche da criança com alguma necessidade
singular por parte dos educadores e demais pais do grupo, é mais desafiante
quanto menos for conhecida a questão da criança. É comum haver dúvida de
como cuidar e educar a criança, de como estabelecer regras e limites, de como
encaminhar a interação no grupo. Alguns pais temem as influências do convívio,
pois há muita desinformação e preconceito em jogo.
Há, ainda, situações em que a criança apresenta claramente alguma
deficiência ou distúrbio físico, neurológico ou mental e pode necessitar de
acompanhamento de muitos profissionais fora da creche, tais como
fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo, fonoaudiólogo, psicomotricista,
acompanhante terapêutico ou outro. Nesses casos, não se trata de condutas
específicas a serem realizadas por período determinado, mas de uma forma de
alinhar condutas entre a casa, os especialistas fora da creche e a creche e que
estarão presentes por todo o tempo de permanência da criança na creche.
No CEDUC, como a mãe ou o pai trabalha na empresa, é comum que
ela ou ele solicite que alguns atendimentos clínicos sejam feitos na creche, por
exemplo, fisioterapia. Tomando o cuidado de não descaracterizar a creche como
espaço de educação, pode-se encontrar soluções para atender a demanda da
família que precisa oferecer o tratamento clínico ao seu filho ao longo do dia e,
assim, encontrar espaços para estes profissionais utilizarem. Cada unidade
CEDUC, em conjunto com o RH da empresa, definirá a possibilidade de algumas
crianças serem atendidas no ambulatório, em alguma sala da creche ou em outro
espaço acordado.
Mais uma vez será necessário articular o coletivo ao individual. Por lei9,
as crianças com deficiências têm seus direitos garantidos e cada instituição
escolar fará as modificações necessárias para incluir as suas necessidades,
tendo como norte o bem-estar de todos. Em algumas situações, as demandas
familiares por cuidados individualizados podem estar acima da possibilidade da
área educacional e necessitar de apoios da área da saúde, necessitando ser
estudado caso a caso. A decisão de como encaminhar e proceder em tais casos,
no CEDUC, envolve uma conversa com as famílias e com os representantes do
RH da empresa cliente.
Ter uma criança com tais características no grupo é sempre mobilizador
de sentimentos diversos, desde o sentimento de pena, da vontade de
superproteger e de fazer concessões, muitas vezes em aspectos
desnecessários, até o medo do contágio ou da má influência ou, ainda, de ter

9Ver LDB/96, Salamanca 1994, decreto 6571 de 2008, a convenção sobre o direito das pessoas com
deficiências de 2009 e lei 13.146/2015.
que lidar com a “suposta” fragilidade da criança. Por isso, afirma-se que incluir é
deixar-se modificar pela presença do outro e não somente permitir a sua
presença. Incluir envolve estar preparado para mudanças no ambiente, na rotina,
nos cuidados, no projeto educacional, em si mesmo, olhando para as
necessidades individuais dentro do projeto coletivo.
A creche CEDUC, por seu projeto e natureza, é uma instituição inclusiva,
o que significa que atende a qualquer criança que tenha condição de saúde de
frequentar o ambiente coletivo. A inclusão na creche é uma experiência muito
promissora, pois a convivência entre as crianças não está marcada pelos
preconceitos sociais e as diferenças físicas, emocionais e intelectuais, não está
envolta em rótulos e comparações, ao menos entre as crianças. É sabido
também que o melhor método de combater os preconceitos é através da
convivência e da construção da intimidade com o outro.

A equipe da creche e a inclusão

A equipe do CEDUC é multidisciplinar e composta por pedagogas,


psicólogas, psicanalista, enfermeiras, nutricionista, arte-educadora, médica
pediatra e lactaristas. A equipe de educadoras que está diretamente na ação do
cuidar e educar participa de cursos periódicos de saúde e educação, possui
tempo para estudo, para registro e para pesquisa. As lactaristas também
recebem supervisão e formação continuada da nutricionista e de suas
coordenadoras. Assim, o cuidado com a saúde é responsabilidade de todos os
profissionais.
Nas unidades, a presença diária de uma enfermeira dá suporte a toda
equipe, aos familiares e às crianças e pode contribuir para o cuidado direto, ou
mais complexo, que alguma criança requeira.
No período de inserção da criança na unidade, nominado adaptação, a
enfermeira participa com os pais da coleta dos dados registrados na ficha da
criança para obter todas as informações relativas às necessidades de cada
criança. São solicitadas, se necessário, informações sobre as avaliações dos
profissionais que acompanham a criança, como pediatra, fisioterapeuta,
nutricionista, fonoaudióloga, psicóloga ou outros, para que a coordenação, a
enfermeira e os educadores possam planejar e adequar a rotina e os
procedimentos para atender a criança que chega.
Após o período de adaptação, as equipes dão prosseguimento às
observações cotidianas que envolvem a saúde integral das crianças: o sono, a
alimentação, as trocas sociais e emocionais, a brincadeira, a parte cognitiva, o
funcionamento da bexiga e dos intestinos, os agravos da saúde física e o estado
geral das mesmas. Nessas observações, as educadoras levantam interesses,
necessidades, conquistas e preocupações, e, de posse destes dados, montam
os seus planejamentos. Um exemplo vivido e que pode ilustrar o trabalho foi o
acolhimento de uma criança com diagnóstico de laringomalácia, uma condição
que implica em ruídos respiratórios e outros, além de riscos de engasgo ou
aspiração, associados ou não a possíveis alterações neurológicas e de
desenvolvimento. Essa criança chegou à creche com aproximadamente 6 meses
e a equipe que a acompanhava fora da creche trocou informações e saberes
com a equipe da creche. Juntamente com a mãe, foram planejados o cuidado e
a educação dela no ambiente da creche, incluindo, em nossa rotina, as propostas
de cuidados e brincadeiras sugeridas pela fisioterapeuta. É bastante
interessante quando as brincadeiras pensadas para uma criança podem ser
oferecidas a todas. Esse momento é denominado “abertura curricular”, ou seja,
algo entra no currículo da escola e o amplia, tornando-o cada vez mais inclusivo.
A socialização no espaço coletivo de crianças com necessidades
singulares que tenham as condições mínimas para o convívio é muito importante
para contribuir para o seu desenvolvimento e à sua constituição psíquica, pois
ambientes protegidos ou isolados demais podem cercear potencialidades.
O trabalho da equipe é de forma inclusiva e a proposta é a atender,
sempre que possível, todas as crianças, lembrando sempre que uma inclusão
responsável é aquela que é boa para todos os envolvidos.
8 - A medicação e a relação entre os
especialistas da creche e o (a) pediatra
da família
A visão do pediatra da família, em relação à criança que vive num espaço
coletivo, é recortada, considerando a sua formação essencialmente clínica, com
ênfase na assistência daquela criança, o que acaba constituindo-se como uma
prática individualizada. Seu trabalho é olhar e proteger apenas uma criança,
individualmente pensada e observada em seu contexto familiar. De um modo
geral, a formação dos profissionais de saúde não favorece uma atuação
interdisciplinar, pois sua formação acadêmica é direcionada para a proteção
individual.
O pediatra da creche, quando houver, acaba construindo uma visão mais
coletiva da inter-relação entre a saúde individual e a do grupo, através de sua
prática cotidiana. Nesse sentido, ele deve manter uma interlocução com o
pediatra da criança, com a família e com os profissionais da creche de forma a
lidar com os possíveis conflitos que possam surgir em determinadas situações.
Precisa levar em conta que, além das diferentes condutas dos profissionais que
assistem às crianças, os familiares podem interpretar as orientações que
recebem de acordo com os seus conhecimentos prévios relativos ao processo
saúde-doença.
Um dos conflitos frequentes diz respeito à vacinação. A decisão acerca
da imunização de crianças que frequentam um espaço coletivo não deveria ser
uma escolha somente dos pais. A proteção oferecida pelas vacinas contra
doenças consideradas transmissíveis é fundamental no controle da saúde
coletiva. No entanto, caso os pais optem pela homeopatia, por exemplo, pela
qual alguns médicos contraindicam a vacinação, esse profissional deverá
encaminhar um relatório para a creche sobre sua conduta. Assim, o serviço
poderá cientificar-se dos riscos assumidos pela família e pelo pediatra perante a
criança e a creche, se ocorrer algum caso de doença imunoprevenível.
Outra questão, muitas vezes conflitante, refere-se aos afastamentos das
crianças por doenças com potencial de transmissão num espaço coletivo, porque
não há consenso dos pediatras assistenciais em relação ao afastamento das
crianças com infecções. Da parte da autoridade sanitária não há uma definição
elaborada padronizando essa questão. Dessa forma, não havendo um protocolo
a priori para o total de dias de afastamento em cada doença, as solicitações de
dias de afastamento da creche, muitas vezes, não correspondem às solicitações
dos pediatras.
Essas dissonâncias, em geral, se referem ao tempo de
transmissibilidade e às medidas de controle de moléstias como: conjuntivites,
gengivoestomatites, influenzas, bronquiolites, gastroenterites e outras não
evitáveis por vacinação.
Com base nessas observações, considera-se fundamental que sejam
estabelecidos com o serviço de saúde local critérios de afastamento temporário,
considerados tanto o risco de transmissibilidade potencial para outras crianças,
para possíveis gestantes, para profissionais e familiares, como o conforto e o
bem-estar da criança doente. Ao ponderar e escolher critérios objetivos não se
pode desconsiderar a realidade das famílias e sua acessibilidade aos serviços
de saúde10.
Quando a criança apresenta uma intercorrência clínica, entre outros a
febre em repetição, o vômito e a diarreia, fora ou durante o seu período na
creche, a orientação é encaminhá-la para o atendimento médico e para a
avaliação que determinará se poderá ou não continuar frequentando a creche.
Necessita-se do retorno por escrito, constando o diagnóstico e período de
afastamento, para posterior reintegração da criança. (Anexo: Encaminhamento
Médico)
De acordo com normas técnicas de creches, algumas doenças
infecciosas requerem período de afastamentos determinados:
 Varicela: até o desaparecimento da última vesícula e formação das
crostas: de 7 (sete) a 10 (dez) dias.
 Conjuntivite: de 5 (cinco) a 7 (sete) dias contados do início dos
sintomas.

10Maranhão D.G., Sarti C.A. Cuidado compartilhado: negociações entre famílias e profissionais em uma
creche. Interface: comunicação, saúde, educação. 2007;11(22):257-270.
 Diarreia/vômitos: até o desaparecimento desses sintomas: de 3 (três)
a 5 (cinco) dias. Se possível, fazer a investigação etiológica
(protoparasitológico, pesquisa de rotavírus e coprocultura).
 Bronquiolite: considerando a prevalência do Vírus Sincicial
Respiratório como causa mais frequente em menores de dois anos e
a sua transmissibilidade, que ocorre em média de duas a três
semanas, estipulou-se o afastamento de 10 (dez) dias para estes
casos.
A criança doente precisa de cuidados individualizados. Assim, o ideal é
que, nesse período, ela permaneça em casa para receber atenção maior,
acolhimento e cuidados necessários de acordo com sua patologia. Em outras
ocasiões, porém, ela pode estar liberada para frequentar o espaço coletivo da
creche, mas deve receber medicações. Há ainda as situações em que ela
frequentará a creche, mesmo adoentada.

Orientação em relação à medicação administrada na creche11

Quanto ao uso de medicações, orienta-se, se possível, que elas sejam


administradas a cada doze horas. Dessa forma, a criança não necessitará
recebê-las no período em que estiver na creche, evitando o transporte do
remédio e mantendo o compromisso da mãe no cuidado com seu(a) filho (a)
doente. Se houver necessidade de administração no espaço da creche, é
importante que as especificações medicamentosas contidas na receita, estejam
bem claras: nome da criança, nome do medicamento, via de administração (oral,
tópica, etc.), horários, período de uso, forma de administração, atualização da
dose dos sintomáticos (antitérmicos, antieméticos, entre outros) de acordo com
o peso da criança, data da prescrição, nome, CRM e assinatura do pediatra.
O único tipo de medicamento que não conseguimos administrar nas
creches é aquele que exige refrigeração. Devido a uma norma da vigilância
sanitária, o medicamento resfriado demanda um refrigerador especial, não
podendo dividir espaço com outros elementos, tais como alimentos sólidos e
mamadeiras. Caso esse tipo de medicamento seja prescrito, o CEDUC conversa

11 Essa parte do trabalho teve a contribuição da Dra. Julia Kerr Catunda Machado.
com a família para pedir a substituição do tipo de medicamento por outro que
não implique em refrigeração. Essa demanda tem sido bastante esporádica nas
creches.
Os dados de peso e altura devem estar atualizados na creche. Para
tanto, as mães devem trazer mensalmente os dados colhidos pelo pediatra na
consulta de rotina.
Sempre que for possível, quando de tratamento medicamentoso, a
família deve comunicar ao médico que a criança frequenta a creche e perguntar
se o tratamento tem condições de ser feito em até duas vezes ao dia.
A administração da medicação na creche será feita pelo educador ou
pela enfermeira da unidade, sempre que ela estiver presente. O educador não
conta com a formação técnica do profissional da área da saúde e também não
acompanhou a família e a criança na consulta médica. A experiência e o
conhecimento do educador sobre medicação são baseados em vivências
pessoais, próprias e/ou de familiares12. Nas creches, esse profissional é
orientado pela enfermeira sobre os cuidados com os medicamentos e
administração correta.
Considerando os aspectos citados acima, a medicação na creche deverá
obedecer a dois princípios básicos:
1)Delegar ao educador o MENOR NÚMERO POSSÍVEL DE
MEDICAÇÕES. Deve-se orientar os pais para que evitem trazer para a creche
os remédios que são dados de uma a duas vezes ao dia (12/12h). Estão nessa
categoria as vitaminas, alguns antibióticos, corticoides, remédios antirrefluxo
gastresofágico, cremes, banhos de assento e etc. (outros “exemplos de
medicações que podem ser dadas até duas vezes ao dia”, estão no anexo um).
Poderá ser administrada na creche a medicação que a criança deva tomar
próximo da refeição ou durante o seu transcurso, caso a criança faça todas as
refeições na instituição. Se, porém, deva ser dada em apenas uma refeição, deve
ser eleita a refeição feita pela criança em casa.
2)Dar apenas os remédios que estejam prescritos em RECEITA
MÉDICA com data e identificação do nome e CRM do médico que os prescreveu.

12Os profissionais do CEDUC recebem um treinamento anual de primeiros socorros e uma formação
semestral dos especialistas da saúde, na qual tiram dúvidas e conhecem os critérios da instituição. Além
disso, contam com a presença dos especialistas nas unidades e podem solicitar reuniões individuais,
sempre que possível.
Nenhuma medicação deverá ser ministrada se não vier acompanhada de receita
médica, cujos horários, doses, nome e concentração recomendada deverão ser
obedecidos. Poderão ser utilizados sem prescrição médica alguns cremes para
prevenção de assadura e produtos à base de soro fisiológico para higiene nasal
ou ocular. Para tanto, precisam apenas da solicitação verbal da mãe ou do
responsável pela criança, sendo discriminados na “lista de medicações
permitidas”13.
Em relação às famílias que optam pela linha da homeopatia e precisam,
em momentos de adoecimento de seus filhos, ser-lhes ministrada a medicação
a cada meia hora ou a cada hora, lhes é prestada ajuda assumindo alguns
horários e pedindo para a mãe assumir outros.
Qualquer produto novo que não conste da lista de produtos permitidos
pelo CEDUC precisará ser aprovado pelos profissionais de saúde da equipe
antes de ser ministrado.
As receitas que não estiverem datadas não serão aceitas pelo CEDUC.
As famílias das crianças devem solicitar ao médico que, no momento da
prescrição, não se esqueça de datá-la, além de especificar o número de dias que
a medicação deve ser usada ou as circunstâncias necessárias ao seu uso, se
será utilizada em caso de febre, se em caso de tosse, se utilizada até o final do
vidro, ou até que idade, quando se tratar de medicação de uso contínuo.
A mãe está autorizada a medicar a criança sempre que desejar, sendo
requisitada para essa função toda vez que o procedimento fugir dos princípios
de medicação definidos acima.
Os medicamentos podem provocar reações adversas principalmente em
crianças, pois elas são mais sensíveis às substâncias químicas. Orientamos,
então, que o início do uso de medicamento desconhecido pelo organismo da
criança aconteça em casa e, na impossibilidade dessa ação, a administração
ocorrerá na creche, mas realizada pela mãe ou pelo pai da criança.

13Lista de medicações permitidas: cremes para assaduras, Hipoglós e outros cremes que associem óxido
de zinco e vitaminas, Bepantol, creme para assaduras Weleda, DermodexPrevent, soluções de soro
fisiológico para o nariz como o Rinosoro 0,9%, Sorine Infantil 0,9% ou Salsep.
A medicação feita pelo educador é assunto de grande importância e
precisa de atenção especial por parte da equipe de saúde e da coordenadora
responsável pela unidade de creche.
Situações que não podem ocorrer:
 Esquecimento ou atraso da medicação;
 Confusão de medicação (dar o remédio errado);
 Erro de dose ou de via de administração;
 Medicação em duplicidade.
Para isso, algumas ações preventivas serão muito úteis e imprescindíveis:
 Registrar a medicação dada imediatamente após a administração;
 Usar despertadores e lembretes para o horário das medicações;
 Ligar para a mãe em caso de dúvida.
Antes de medicar, deve-se recordar as “cinco certezas”:
1. O remédio corresponde exatamente ao que está escrito na receita
médica?
2. A receita médica corresponde ao nome completo da criança que irá
tomá-lo?
3. A dose do remédio está correta no recipiente em que será dado?
4. A via de administração do remédio (dar via oral, pingar no nariz,
pingar na orelha, passar na pele, etc.) corresponde ao que está
escrito na receita médica?
5. O horário da medicação corresponde ao que foi prescrito na receita?

Considerando que toda medicação que será utilizada deverá constar do


registro diário de medicações, pode-se substituir a palavra “receita médica”
por “registro” na recordação das cinco certezas. Assim, é preciso ter muita
atenção e cuidado ao registrar a medicação, evitando confusões entre o escrito
na receita médica e o constante no registro de medicações da creche. No registro
diário de medicação, existem campos previstos para a transcrição de todos os
dados da receita e isso precisa ser feito com muita atenção. (Anexo: Ficha de
Medicação)
Após medicar, deve-se observar e informar a enfermeira ou a
coordenadora da unidade sobre qualquer reação ou alteração do estado geral
da criança. É preciso ficar atento para a ocorrência de vômitos nos primeiros
trinta minutos após a medicação.
A partir dessas informações, a coordenadora, na ausência da
enfermeira, juntamente com a equipe, considerará a necessidade de conversar
com a mãe para os próximos encaminhamentos. Caso a criança tenha vomitado,
avaliarão a possibilidade de uma nova dose de medicação; caso a criança tenha
apresentado alguma reação anormal, decidirão o que fazer e como encaminhar
ao ambulatório do cliente.
Qualquer erro de medicação precisa ser notificado assim que for
percebido. A notificação do ocorrido é fundamental para:
 Promover uma ação reparadora imediata e o contato com o Centro de
Controle de Intoxicações (CCI): 11 - 5012-5311, para informar o ocorrido e saber
que providências devem ser tomadas;
 Aprender sobre o contexto que gerou o erro;
 Gerar uma rede de comunicação entre os envolvidos para esclarecer
o ocorrido e as providencias necessárias.
O erro, no caso do educador, deve ser tratado como falta grave. A
pessoa responsável pela falta recebe advertência escrita na primeira e
segunda ocorrências. Na terceira, é demitida.
Para o CEDUC, não contar que errou é muito mais grave e, por isso,
tal fato gera demissão na primeira ocorrência. Quanto à regra do erro de
medicação aplicada às enfermeiras, entendemos que elas não podem errar
nem mesmo uma única vez, pois essa ação é compreendida como básica
em sua função
9 - O projeto alimentar: despertar dos
sentidos
Histórico
O ser humano construiu vários símbolos e práticas em torno da
alimentação ao longo dos anos. Envolvido pela necessidade de nutrir o corpo e
a mente, criou vários rituais de alimentação presentes em diversas culturas, nos
atos religiosos, nos momentos de diversão ou nas reuniões de negócios.
O alimento foi ao longo da vida do homem, mais do que somente algo
para lhe sanar a fome física. O alimento é um elemento de ligação do homem
com a natureza, do corpo com a vida, uma ligação do homem com o outro
homem, o alimento é cultura.
Num esquema rápido, Alex Atala, cozinheiro renomado, nos apresenta um
esquema que posiciona a cozinha e, portanto, o que acontece nela, como um
espaço de ligação entre a natureza e a cultura:

Cozinha

Natureza Cultura

Cru Cozido

Com a descoberta do fogo, o homem pôde deixar de se alimentar com


elementos crus, e, ao assá-los ou cozinhá-los, aguardando que ficassem
prontos, manteve-se presente durante o ato de cuidar do alimento. Esse tempo
em torno do alimento colocou o homem ao lado do outro homem em nome da
alimentação. Isso trouxe ao ato de se alimentar uma marca social.
Assim a construção de costumes e práticas de alimentação, ao longo da
história do homem, está relacionada ao contexto social. Pode-se afirmar que os
momentos de alimentação são recheados de sabor e sentido, estando neles
presentes as interações sociais, a intimidade, as trocas afetivas, as mensagens
de cuidado e o carinho.
Tendo em vista o contexto social e cultural da creche, a alimentação é
uma experiência que nutre o corpo e desperta os sentidos da criança, sendo
mais um veículo do afeto que permeia as relações de quem educa crianças tão
pequenas. Também na creche o momento da alimentação é social, é uma
experiência em grupo, e pode ser prazeroso.
Ainda segundo os sentidos e significados que a alimentação pode ter,
pode-se interpretá-la como um ato relacional e comunicacional. Essa afirmação
pode ser bem compreendida quando observamos a amamentação, pois, através
dela a mãe alimenta seu bebê e deixa marcas de afeto. Alimentar-se é se
relacionar.

Definições
Chamamos de “Despertar dos Sentidos” o nosso projeto de educação e
nutrição com as crianças e com os educadores, pois acreditamos que um bom
trabalho de educação alimentar deve estimular todos os sentidos, inclusive a
curiosidade e a imaginação, sendo ele parte importante do projeto curricular do
CEDUC!
Neste trabalho curricular de nutrição e educação, há, pelo menos, três
frentes de investimento de energia: a preparação e organização dos ambientes
voltados à alimentação, o trabalho com a horta e o trabalho com a culinária.
Na culinária, realizada com as crianças a partir de 1 ano e meio são
utilizados recursos que motivem a criança a conhecer e provar novos alimentos:
este momento é ritualizado lavando as mãos, colocando as toucas e sentando
para conversar a respeito do que irá acontecer ali, às vezes, à mesa do refeitório,
às vezes ainda em sala, ou em qualquer outro local que permita organização e
segurança. Os espaços se encontram sempre previamente preparados e os
ingredientes ficam expostos na mesa em que ocorrerá a preparação da receita.
Cada ingrediente é cuidadosamente nomeado e, quando possível, degustado.
Sendo a criança um ser ativo nesse processo, propõe-se um trabalho interativo
de culinária, que conta com a mediação da lactarista e da educadora.
Na experiência da culinária, são trabalhados o ato de cheirar, a
observação das cores, dos tamanhos e das formas; o tato para conhecer as
texturas, os volumes e as temperaturas dos ingredientes; e a experimentação,
pois a criança aprecia cada elemento da receita e, depois, o produto final já
transformado em um alimento, como uma salada de frutas ou um bolo. Há o
cuidado de planejar as culinárias de acordo com a faixa etária do grupo para que
faça sentido para as crianças. Por exemplo, para as crianças de até dois anos
de idade, faz mais sentido preparar o alimento e degustar em seguida. Para as
crianças maiores, são propostos sobremesas, bolos, pães, sequilhos, tortas e
muitos outros pratos, pois para essas faz sentido esperar o tempo de preparo no
forno.
Um detalhe importante a ser observado: o trabalho em pequenos grupos
parece ser a melhor organização para este tipo de atividade. Quando o grupo
tem poucas crianças, a relação entre elas e delas com os adultos ganha mais
detalhamento e se refina.
Na culinária, a proposta é a de que as crianças sejam envolvidas nas
ações que a receita demanda, ou seja, as crianças são as executoras das etapas
da receita com apoio do adulto. Assim, elas misturam os alimentos previstos,
mexem as misturas, utilizam, com supervisão, os eletrodomésticos, degustam,
cortam com facas sem ponta e com o apoio do adulto, enfim... elas atuam nas
receitas como se estivessem em “suas” cozinhas.
Com relação aos alimentos consumidos crus, deve-se redobrar a atenção
devido ao risco de contaminação durante o preparo. Nessas situações, orienta-
se que a culinária aconteça em grupos ainda menores, evitando o excesso de
manipulação, além, é claro, de todos os cuidados com a higienização dos
alimentos e a lavagem das mãos. Sempre que possível, é preparada com as
crianças uma pequena quantidade durante a culinária, e ao servi-la a todo o
grupo, lhe é adicionada outra porção preparada pela equipe da cozinha. Nesse
processo, repetido semanal ou quinzenalmente, as crianças vão percebendo a
transformação dos alimentos, vão aprendendo a relacionar a culinária com a
sobremesa, com a salada ou com o lanche do dia. Elas experimentam novos
alimentos, além de variadas formas de consumi-los. Esses momentos
contribuem para a construção de hábitos alimentares saudáveis, de uma forma
lúdica e prazerosa.
Na culinária, a experiência das crianças recria a experiência do homem
que descobriu o fogo. Embora as crianças nunca sejam colocadas diante do
fogão, elas se unem em torno do preparo do alimento, elas conversam,
interagem, atuam, experimentam e vivenciam a comida em suas mãos. Elas
preparam e aguardam para desfrutar o resultado.
A escolha do alimento, o modo como ele é preparado e modificado
transmite valores familiares, locais e culturais de um povo. Alimentar crianças
pequenas na creche requer pensar nas escolhas dos alimentos para que
representem uma variedade e uma riqueza local e sazonal.
Deve-se considerar que as crianças, na creche, estão sendo introduzidas
em um modo de se alimentar. Nesse sentido, a curiosidade deve ser despertada
para que a criança prove e deguste os diferentes alimentos.
O trabalho de organização prévia do refeitório é muito importante. Os
educadores e as lactaristas devem se organizar para dividir esta tarefa para
garantirem que ela, todos os dias, ocorra satisfatoriamente. Nesta ação, alguns
pontos a serem observados e cuidados. As mesas e cadeiras podem mudar
sempre de posição, sendo importante que as mesas tenham pratos e talheres
arrumados sobre elas. As toalhas são bem recomendadas. É preciso deixar
espaço para as travessas com os alimentos, pois, ver e contemplar o alimento
antes de comer, é parte fundamental do ritual de se alimenta r. As travessas
podem ser colocadas nas próprias mesas das crianças ou em outras mesas
como um buffet por onde as crianças passam quando chegam ao refeitório.
É importante frisar que a organização prévia das áreas de alimentação é
indicada para qualquer situação de alimentação, lanches, cafés, almoços e
jantares. É também recomendada para o atendimento de todas as idades da
creche, de crianças de seis meses aos adultos que ali habitam.
Com a frequência destes cuidados, aos poucos, a comida vai adquirindo
significado social, e enquanto a criança se alimenta, explora o alimento, passa a
conhecê-lo melhor, passa a ter intimidade com ele e mais do que isso, passa a
desejá-lo.
O ato da alimentação é parte integrante do processo educativo, no âmbito
do desenvolvimento infantil, pois observa-se que a criança constitui as suas
escolhas e, frente à melhor definição de seu paladar, descobrirá seu gosto
alimentar. Prevalências são uma recorrência natural, mas, quando se aprende a
gostar de comer desde muito cedo, elas se harmonizam com as práticas diárias
de alimentação e não ganham mais valor do que devem ganhar. Desta forma o
equilíbrio na alimentação fica melhor garantido.
O trabalho com a horta visa colocar as crianças em contato com a terra,
com a vida contida na terra, com o processo de germinação e levá-las a contatar
as transformações contidas no processo de brota de uma semente, ou no
crescimento de uma muda. É um trabalho diário e, mesmo em unidades onde
não há espaço físico, a horta é cultivada em floreiras.
As crianças do grupo 2 em diante, começam a ser aproximadas,
apresentadas à terra como ambiente de experiência, de conhecimento e de
relação.
Alguns pontos preocupantes devem ser sempre cuidados: evitar que as
crianças comam terra, ir ao canteiro sempre com grupos pequenos, evitar tornar
o momento apenas uma execução de tarefas, mas uma ocasião de desfrute, de
experiência polisensorial, de ter tempo....
A ideia é iniciar a ida à “horta” com os pequenos como acompanhantes
dos adultos, ou seja, num primeiro momento, o adulto, que já conhece as tarefas
de quem cultiva, as executa e envolve as crianças na observação e naquilo que
faz sentido para elas. Por exemplo: colocar as mãos na terra, revirá-la com uma
pá, regá-la e aos poucos, na medida em que vive isso como momento do dia
com finalidade social, vai se tornando íntimo do ambiente, dos recursos e de
suas razões. Assim, a partir de 18 meses, são feitos os convites para que as
crianças mais concretamente possam “plantar”.
Há várias formas de iniciar este convite. Entretanto, a experiência obtida
nos anos deste trabalho ensina que é bastante importante, nas primeiras vezes
em que a criança for plantar, que ela tenha em mãos mudas, brotos e não
sementes. Isso se justifica facilmente pelas características de seu pensamento
nesta faixa etária. As crianças pequeninas de 18 meses de idade necessitam
bastante de ver, pegar, sentir, apalpar para conhecer. Portanto, uma sementinha
no interior da terra, cria certas dificuldades para quem funciona desta forma. A
concretude da muda e do broto é mais interessante para a experiência da horta.
As mudas podem ser diretamente compradas, ou feitas também na
creche. Uma das possibilidades é viver a experiência do grão de feijão no
algodão umedecido. Durante duas semanas as crianças e suas educadoras
podem cuidar do grão de feijão, regando-o e observando as suas mudanças.
Germinado o feijão e o broto bastante aparente, eles o colocam na terra e, então,
acompanham a chegada de um novo grão de feijão. Experiências como esta
podem ser vividas com muitos outros grãos e não precisam estar atreladas
somente às crianças que estão iniciando o trabalho de horta, elas podem ocorrer
quando o educador sentir necessidade.
Outra possibilidade é a de iniciar com mudas de ervas, ou de verduras.
Flores também são interessantes embora não levem diretamente à alimentação,
No entanto, elas alimentam a alma, o espírito e são uma presença estética viva
encantadora, podendo estar na organização do ambiente de alimentação.
A horta pode ser estendida para todas as outras idades, com exceção dos
bebês de 0 a 1 ano. Algumas vezes, ela é associada a algum projeto temático
vivido pelo grupo. Com o passar do tempo e a aproximação das crianças, a horta
ganha valor de momento permanente na rotina da creche.
O objetivo final deste trabalho é, ao longo do tempo, concretizar com as
crianças a experiência de que se relacionar com a terra é ação humana e, mais
do que isso, que desta ação humana veem os alimentos. Homens e natureza
são parceiros para que esta relação se mantenha sempre de forma equilibrada
e sustentável.
Neste sentido é bem importante enfatizar que a experiência dos pequenos
na horta, na jardinagem, no plantio, enfim, com a terra é sensorial e pode ser
natural. O adulto tem um papel bastante importante e a ele caberá tornar o
momento com a terra um momento de relações, fluído, orgânico, natural e não
uma atividade cujos objetivos são tarefas operacionais. Esperar, lidar com o
incerto quanto ao sucesso ou não do cultivo são ações importantes e presentes
nesta experiência. São situações presentes na vida humana!
O trabalho com a horta associado ao trabalho de culinária, ao cuidado e
ao equilíbrio na preparação dos pratos e, ainda, ao cuidado com os ambientes
voltados à alimentação, cria um elo de sentido de todo o processo humano na
relação com os alimentos.

O pilar de sustentação
O principal pilar de sustentação do projeto curricular de nutrição e
educação no CEDUC é a formação continuada. O assunto tem espaços nas
pautas dos TREAs, reuniões de estudo de cada unidade, junto às educadoras
por meio das próprias coordenadoras ou diretamente por atuação da
nutricionista.
Há encontros de formação dos lactaristas bimestralmente. Nesses
encontros, muitas discussões abrem reflexões importantes a respeito do papel
educacional do cozinheiro e do quanto ele pode entender e conhecer o
desenvolvimento infantil.
Desta forma, levar os educadores a entender os conceitos da nutrição,
fazer com que articulem o projeto em seus planejamentos e, ainda, construir com
os lactaristas a clareza de sua atuação educacional, é o grande desafio de
sustentação deste espaço curricular.
Abaixo segue breve citação retirada do registro de uma lactarista do
CEDUC:

Em nosso trabalho como lactaristas, preparamos toda a


alimentação do dia, e essa ação de preparar os alimentos tem
estreita relação com o educacional, pois observamos a
aceitação das crianças e, com nosso olhar, ajudamos a fazer
mudanças dos ingredientes, no modo de apresentar e oferecer
o alimento, e, também, mudanças nos horários da rotina para
certas crianças que precisam de um ambiente mais calmo para
comer e experimentar novos alimentos.
As mães vêm sempre conversar conosco e com nossa
nutricionista sobre as preferências, as dificuldades e, juntas,
encontramos composições ou substituições para auxiliar a
criança a se alimentar melhor e com prazer. Acompanhamos,
ainda, a transição entre as papas e da papa para a comida.

Maria das Dores L. Souza (Dora)


Lactarista - 2011.

Operação cotidiana
Trabalhar nas creches vivendo e respeitando os valores deste projeto
coloca as pessoas num lugar atento e delicado de atuação. É preciso sempre
pensar nas ações e questionar a respeito da coerência delas.
Alguns pontos referentes às ações cotidianas que merecem especial
atenção serão elucidadas a seguir.

Conduta alimentar – Há uma conduta alimentar específica que contempla


as condições físicas, fisiológicas e orgânicas de cada faixa etária. É preconizada
a amamentação exclusiva até os seis meses de idade. Abaixo, segue a tabela
demonstrativa da composição da alimentação das crianças de 4 a 12 meses:
Idade Fruta Papa salgada Leite Observações
Uma vez ao dia. Somente legumes Aleitamento materno em Quando o
4 e 5 meses Iniciar com 1 1 vez ao dia. livre demanda ou leite aleitamento
colher de sopa. (sem carne, folhas ou industrializado conforme materno for
somente grãos) solicitação da mãe com exclusivo,
quando o Iniciar com 1 colher de orientação do pediatra. somente
aleitamento sopa e aumentar introduzir
não for conforme a tolerância. qualquer outro
exclusivo. Papa 1: Inicial alimento após os
(sopa creme rala) 6 meses.

2 vezes ao dia, Legumes, carne e verdura. Aleitamento materno ou Quando a criança


6 e 7 meses ½ fruta, ou meia (sem grãos) leite industrializado iniciar a papa
fatia amassada. 2 vezes ao dia. conforme solicitação da nesta idade,
(manhã e tarde) mãe com orientação do começar com
Papa 2: pediatra. Papa 1, após uma
Intermediária semana, se a
(papa cremosa) tolerância for boa,
passar para Papa
2

.4 vezes ao dia, Legumes, carne verdura, e Aleitamento em livre Introduzir


8, 9 e 10 ½ fruta, ou meia grão. demanda ou leite alimentos que
meses fatia amassada industrializado conforme possam ser pegos
2 vezes ao dia solicitação da mãe com com a mão.
(manhã, tarde, orientação do pediatra.
almoço e jantar) Papa 3: Eventualmente a
Completa criança já come
(papa cremosa com uma fruta inteira.
alguns pedaços)

4 vezes ao dia, Legumes, carne verdura, e Aleitamento em livre Iniciar


11 e 12 1 fruta ou grão. demanda ou leite gradativamente a
meses ½ fruta, industrializado conforme transição para
amassada 2 vezes ao dia solicitação da mãe com alimentos sólidos.
orientação do pediatra.
(manhã, tarde, Papa 4:
almoço e jantar) Transição
(Papa com pedaços de
legumes e carne)

Recomenda-se que, sempre antes do início da alimentação, os


educadores conversem com as crianças, avisando que ocorrerá a refeição, e,
sempre que possível, anunciando o cardápio e falando com o objetivo de
valorizar este momento de troca, conversa, convivência e nutrição.
Recomenda-se, ainda, que a primeira oferta de comida sólida seja feita
pela mãe da criança em casa. O início da aventura de comer algo sólido é
sempre pela fruta. Em geral, o bebê, que apenas se alimentava de leite materno,
experimenta o suco de frutas, depois de alguns dias experimenta as primeiras
frutas, sempre amassadas ou raspadas, e, depois do primeiro mês com leite
materno, frutas e sucos, inicia-se então a papa salgada a que denominamos
“sopa 1”.
A sopa 1, com três legumes cozidos e muito pouco tempero, não tem
grande valor nutricional, mas trata-se do primeiro alimento salgado que o
organismo da criança vai conhecer. Tem uma consistência bem fina e é oferecida
na quantidade de uma concha. Na sequência da sopa, recomenda-se que ocorra
a amamentação. Se a criança comer até a metade da quantidade oferecida, isso
é considerada uma refeição ótima.
As crianças que iniciaram sua alimentação sólida precisam ser
observadas de perto, pois é importante que os educadores conheçam sua
maneira de se alimentar, aprendam sobre o ritmo de cada bebê. Essa
observação também precisa contemplar o aparecimento de sinais atípicos caso
haja algum tipo de alergia a algum alimento.
A passagem da sopa 1 para a sopa 2 é rápida, porque o bebê tomará
sopa 1 por uma semana ou no máximo 10 dias. A sopa 2 terá os legumes e
verduras cozidos no caldo de carne magra. O melhor indício de que já podemos
oferecer a sopa 2 é justamente a aceitação de mais da metade da quantidade
oferecida de sopa 1 (uma concha).
Para oferecermos estas sopas utilizamos as colheres pequeninas de
silicone com tamanho similar à de café ou as colheres de mesmo tamanho de
aço inox com o cabo longo.
É importante mencionar que a criança que inicia a sua experiência com o
alimento sólido terá a tendência natural de utilizar seus recursos mais aptos.
Nesse momento, a mastigação e a deglutição não estão disponíveis como
aprendizagens reais, são apenas aprendizagens em potencial, logo, diante da
sopa, o bebê irá praticar a sucção, como sempre fez com o leite. O resultado
deste primeiro contato com o elemento sopa, poderá ser, aos olhos do adulto,
no mínimo, desajeitado.
Com frequência o que se observa é que ao ser sugada, a sopa, muitas
vezes, sai da boca do bebê, ilustrando o que, na interpretação do adulto, é uma
rejeição do alimento. Será muito importante para o caminho de aprendizagem
deste bebê que o adulto não interprete desta forma, pois trata-se apenas de uma
aprendizagem que, primeiro, é mecânica, está aprendendo a engolir aquela nova
substancia, para, logo em seguida, ganhar contornos sociais e afetivos.
Assim, elucida-se aqui que este momento de vida e de experiência do
bebê e de seus educadores trará um importante desafio a estes últimos. Será
função cotidiana de quem educa oferecer apoio verbal a esta experiência
passando a mensagem de que não há problemas com o fato da comida sair da
boca do bebê e, ainda, que isso é apenas uma etapa passageira. É fundamental
ter persistência e tranquilidade, não desistindo frente às tentativas iniciais sem
muito sucesso do bebê. Tampouco, nomeá-las com valores negativos, tais
como: dizer que ele está cuspindo, ou que ele não gosta da comida.
A necessidade de apoio verbal será igualmente importante na medida em
que o bebê passa a ter sucesso na deglutição e na mastigação. Os educadores
poderão dizer que ele aprendeu a comer e que outras novidades virão, assim
como ganhar uma colher e futuramente trocar de cadeira para se alimentar.
Para que a criança possa se integrar ao ato cultural de se alimentar e para
que ela possa ter chance de se reconhecer fazendo isso, possibilita-se que ela
explore sua própria alimentação. É preciso que a criança tenha um contato
verdadeiro com a comida. A criança deve poder sentir a textura do alimento,
deve poder observar sua cor, sua temperatura e seu sabor.
É importante que o momento alimentação não seja muito corrido, ele tem
sem dúvidas, um ritmo, certa velocidade, mas não deve ser atropelado, não deve
ser imperceptível, ele precisa ser notado, percebido e sentido por todos que
passam por ele. Claro que isso coloca os adultos numa posição de mais
vigilância e atenção, pois como eles têm um número grande de crianças para
acompanhar, têm a tendência de acelerar e, com isso, tornar este momento
esvaziado de sentido à criança e a ele mesmo também.
Os momentos de alimentação precisam ser muito mais do que tarefas
bem cumpridas, precisam ser uma experiência que valha a pena, tanto para os
adultos como para as crianças.
Planejar os momentos de alimentação envolve conhecer previamente o
fluxo de ações que ocorre quando se vivencia as refeições e estabelecer que
tipo de organização deve estar prevista antes de se chegar ao refeitório com as
crianças.
Bebês com até 6 ou 7 meses utilizam bebê conforto para receber as
refeições. A partir dos 8 meses, os bebês podem ir para os cadeirões ou mesas
especiais com cadeirinhas suspensas. É importante saber analisar cada situação
e cada caso, pois as crianças não são iguais, e podem ter entre elas importantes
diferenças de tônus muscular e sustentação da coluna. Logo, avaliar em qual
tipo de suporte a criança vai receber a alimentação deve ser uma tarefa cotidiana
de educadores, enfermeiros e coordenadores.
Ao longo do sétimo e do oitavo mês a criança vai refinar sua deglutição e
sua mastigação. O reflexo de sucção tão acionado passa a se modificar,
enquanto ela caminha do leite materno para o alimento sólido, e, então, será
muito menos utilizado.
Quando as crianças utilizam o cadeirão, ou cadeira similar, devem poder
alcançar seus pratos de sopa. É indicado que o prato seja colocado diante da
criança a partir do oferecimento da sopa 3, assim é possível comentar com ela
do que é feita a sopa daquele dia e, por exemplo, dizer que foi feita para ela.
Dizer algo não é uma obrigação, mas a interação pode pedir um recheio verbal
e conversar a respeito do que está sendo vivido pela dupla educador e criança,
será uma boa ideia. A palavra traz sentidos que conhecemos e muitos outros
que sequer imaginamos. Ela é uma das pontes mais ricas para a consolidação
da construção de conceitos nos cérebros. Além disso, ela é afetiva!
Sem dúvida, esta escolha de apresentar o prato à criança dará mais
trabalho ao educador, mas esta é uma escolha que precisa ser fundamentada,
pois, para gostar de comer, é preciso antes entender o que é a comida e como
ela se apresenta. Com o tempo e com o devido contorno verbal, os pratos vão
sendo pouco a pouco menos um brinquedo e vão se tornando mais um ritual
respeitado.
Ao final do oitavo mês o bebê estará comendo a sopa 3 que contém mais
pedaços e é menos cremosa do que a sopa 2, e ainda, aos ingredientes antigos
são acrescentados os grãos semitriturados. A carne tem uma presença mais
definida, mas não pode ser fibrosa e nem em pedaços grandes.
Por volta dos 9 meses, é apresentada a colher como instrumento do ritual
de alimentação de nossa cultura. A criança ganha uma colher pequena, de
sobremesa, e a educadora segue com a colher dela. Esta fase é marcada por
uma orquestra de mãos sobre o tampo do cadeirão. É preciso que o educador
tenha um pouco de tranquilidade para aceitar os ensaios que as crianças fazem
ante a novidade que esta experiência oferece.
Quando as crianças utilizam as mesas e cadeiras diariamente, a partir de
1 ano de idade, acontece outra novidade. Elas ganham autonomia de
movimentação, ganham a possibilidade de sair do lugar por escolha própria,
passam a enxergar os colegas e os adultos de outro ponto de vista, além, é claro,
de passarem a dominar o acesso irrestrito ao prato que fica totalmente ao
alcance delas.
Assim, é esperado que a chegada ao grupo 2, traga consigo dias mais
agitados quanto aos momentos de alimentação, pois os primeiros meses na
mesinha serão um convite à exploração dos objetos e dos novos espaços.
É um procedimento importante, para que a criança inicie sua alimentação
sólida, bem como inicie a ingestão de leite industrializado, solicitar uma
autorização por escrito do pediatra que a acompanha.
Os educadores do CEDUC devem conhecer bem a conduta alimentar.
Devem entender como ela é pensada. Ela fica afixada nas unidades em local
visível sempre próxima ao refeitório. Saber comunicá-la aos pais também é muito
necessário. Maiores detalhes estão nos materiais complementares deste projeto.

Conduta alimentar de diarreia – A diarreia é bastante comum na infância,


e na creche ela também ocorre com certa frequência. Consideramos diarreia
uma alteração na consistência e na frequência das fezes.
Há uma conduta alimentar especial para os casos de diarreia e ela deve
ser aplicada após a comprovação de que a frequência e as texturas das fezes
da criança estão realmente alteradas. Esta decisão é tomada em conjunto com
a enfermeira e a coordenadora da creche. As lactaristas precisam ser avisadas
com certa antecedência a respeito da alteração da dieta da criança que vive essa
situação.
A comunicação entre todas as pessoas que estão cuidando da criança
com diarreia precisa ser mais detalhada ainda do que a comunicação habitual.
Os educadores do segundo turno precisam ter segurança e, para isto, contar
com as informações da manhã. As lactaristas da tarde também precisam saber,
na sua entrada, quando há casos de dietas especiais naquele dia.
Para conhecê-la melhor, ela segue abaixo.
14Unidade de Alimentação e Nutrição.

I - Conduta alimentar para crianças com diarreia:


Refeições no Crianças com mais de 1 ano. Crianças abaixo de 1 ano com Crianças com aleitamento
Berçário/ Creche. aleitamento misto materno exclusivo

Manhã Suco coado de maçã, goiaba ou Manter aleitamento a vontade Manter aleitamento a
pera. Suco das frutas permitidas. vontade.
Pão sem margarina, ou biscoito Se necessário oferecer ½ porção Caso a criança aceite
cream craker ou biscoito maisena. da fórmula láctea sem açúcar aumentar a oferta.
(metade do que ela costuma
tomar).

Almoço Arroz, legumes cozidos ou purê s/ Sopa Um Manter aleitamento a


leite, carne cozida ou moída ou vontade.
desfiada sem molho, caldo de
feijão. Sopa cremosa de legumes com
Frutas permitidas sem casca, ou
gelatina. caldo de carne.
Ovo cozido ou pochê (quebrar o
ovo na água) Usar: Batata, cenoura, chuchu,

cará, mandioquinha ou abóbora

japonesa.

Não usar: vagem, berinjela,


beterraba, cebola, tomate com
pele, legumes com casca e
semente
Leite tarde ½ porção ou substituir por suco a Manter o aleitamento materno a Manter aleitamento a
critério do pediatra vontade. vontade.
Se necessário oferecer ½ porção
de fórmula láctea.
ou substituir por suco a critério do
pediatra
Lanche Igual ao lanche da manhã. 1 das frutas permitidas Manter aleitamento a
vontade
Jantar Igual ao almoço Igual ao almoço. Manter aleitamento a
Sopa Um vontade.
Sucos Das frutas permitidas sem açúcar Das frutas permitidas sem açúcar Não oferecer
e coado. e coado
Frutas SEM CASCA: Maçã, banana SEM CASCA: Maçã, banana Não oferecer
maçã ou prata, pera, goiaba (sem maçã ou prata, pêra, goiaba (sem
semente.) semente).
Água A vontade A vontade Não oferecer
Água de coco No lugar do suco No lugar do suco Não oferecer
Retirar temporariamente da alimentação: Açúcar, feijão e outros grãos, margarina, creme de leite, mamão, abacate,
frutas com casca, salada crua, verduras (folhas), preparações com creme (ex. strogonoff, molho branco)

Criança com Vômito:


 Nos primeiros 30 minutos após o vomito não oferecer alimentos, nem leite.
 Após 30 minutos oferecer em pequenas porções os permitidos.
 Oferecer sucos e água quase gelados, em pequenos volumes.

Condutas alimentares especiais – Quando são recebidas crianças que


têm limitações e ou indicações específicas quanto a algum alimento, a equipe se
organiza para atender as suas necessidades. Casos mais frequentes recebidos
são: crianças portadoras de doença celíaca, que é a intolerância ao glúten, casos
de alergia ou intolerância à lactose, intolerância a corantes ou conservantes,
diabéticos e alergias em geral. Para cada caso é desenvolvida uma conduta

14 Documento atualizado em 17.06.11


específica de acordo com as indicações médicas. A nova indicação é
amplamente distribuída por escrito por toda a creche.
Quando os pais optam por dietas sem sal ou sem açúcar, não tendo um
laudo médico que comprove alguma doença da criança, são convidados, aos
poucos, a ir se adequando aos procedimentos institucionais, que são muito
seguros em relação a estas quantidades.
As demandas que dizem respeito a problemas de saúde das crianças
são atendidas. As que dizem respeito a escolhas ou preferências da família
quanto ao tipo de alimentação a ser oferecida não são. Nestes casos, apresenta-
se os fundamentos da conduta alimentar do CEDUC e, possibilita-se escolher a
pertinência da presença da criança na creche, uma vez que a vida no coletivo
não consegue acolher determinadas variações.
Segundo os valores educativos do CEDUC, escrever e determinar
restrições são passos fundamentais, mas não bastam, pois é preciso esculpir a
ação educativa. Esta parte é bastante trabalhosa e exige constância,
investimento e frequentes retomadas.
A criança que tem uma restrição pode ter recebido esta marca, em geral,
antes de chegar ao berçário e algumas vão descobrir durante a estadia na
creche. Independentemente da idade e do desenvolvimento da fala, as crianças
entendem, desde muito cedo, que elas têm alguma diferença em relação às
outras.
Frente a isso a postura adotada é a de enfrentar a questão tal como a
realidade se apresenta, ou seja, não supervalorizar a limitação, exagerando na
sua nomeação e na repetição insistente que gera um problema simbolicamente
maior do que ele é. E, por outro lado, também não ignorar a limitação. Não se
pode fazer de conta que ela não existe, nunca adotar atitudes para disfarçar a
diferença que, de fato, existe para aquela criança.
Viver isso é bastante importante, ou seja, é no dia a dia que, pouco a
pouco aprende-se a equilibrar este jeito de fazer. A ação tem que ganhar
dosagem, a fala tem que ganhar equilíbrio. É formador para o grupo saber que
todos irão respeitar a limitação do colega, e, ao mesmo tempo, é confortante à
criança saber que está num grupo que a acolhe.
Haverá momentos em que o grupo poderá comer um lanche feito de
acordo com as limitações daquele colega e haverá outros momentos em que
somente o lanche dele será diferente dos outros. Aqui vale uma indicação. É
muito importante que haja um equilíbrio entre o número de vezes em que o
lanche da criança é diferente do lanche do grupo e número de vezes em que o
grupo come o lanche dela.

Abrangência
Acredita-se ser impossível pensar um projeto educacional numa
instituição como a creche sem pensar a sua abrangência educativa na
comunidade que a circunda. Desta forma, é importante considerar que as ideias
aqui colocadas se estendem aos pais, aos hábitos familiares e ainda aos adultos
da creche.
Há menos intenção de ensinar algo aos pais e mais vontade de convidá-
los a uma reflexão: como se alimenta sua família hoje?
A pergunta convida para uma análise quanto à forma e quanto ao
conteúdo!
Devido a alguns apelos midiáticos e frente às dificuldades da vida
moderna, existe uma tendência natural a simplificar o momento da refeição e,
com facilidade, se incide na ilusão de que nutrientes quimicamente manipulados
podem substituir alimentos naturais. Esta é uma marca deste tempo histórico. A
comida pronta ou semi pronta é rápida, prática e fácil. E os bebês não foram
poupados pela indústria alimentícia.
Deixar-se levar pelos rótulos milagrosos e pelo marketing pode favorecer
o enfraquecimento do sistema imunológico das crianças, mas, com certeza,
serão levados a uma “desaprendizagem” afetiva, social e familiar. A comida
rápida não permite a reunião em torno dela, os conteúdos dos potes e pacotes
são ingeridos instantaneamente e também instantâneas são suas mensagens
de afeto e saúde, pois se evaporam num piscar de olhos.
Trabalhar a ideia de uma alimentação saudável e mais elaborada é um
grande desafio no mundo adulto. Isto diz respeito aos pais, às educadoras e às
coordenadoras, ou seja, os adultos precisam entender o que o ato de se
alimentar é para eles, para, somente depois disso, pensarem em protagonizar
um projeto desta magnitude.
É indispensável refletir a respeito da alimentação na vida dos adultos, é
fundamental perceber que tipo de modelo têm sido às crianças. Para que o
significado do alimento seja construído com as crianças, seria conveniente que,
antes, ele tivesse sido construído em cada adulto.
Esta é uma busca! Este é um foco! Uma necessidade que compõe a
identidade humana. O tema nutrição, com o significado aqui descrito, está
alinhado definitivamente com o conceito de educação do CEDUC. E assim, é
papel de o educador do CEDUC preservar este alinhamento e contribuir para
torná-lo cada vez presente no cotidiano das creches.
Abaixo segue uma citação que reúne as principais ideias referentes às
intenções educacionais ligadas ao projeto curricular de nutrição e educação do
CEDUC:
O ato de alimentar-se revela uma possibilidade de
existência. É um dos primeiros atos na vida de um ser humano
e é incontestável que garante sua sobrevivência. Alimentar-se
pressupõe relação, relação com quem oferece o alimento, com
quem se alimenta, relação com o alimento e todas as suas
características: odor, sabor, textura, consistência... relação com
a cultura. Na cultura brasileira, em torno da comida organizam-
se encontros. A comida está no centro da mesa, mas também
no centro das relações sociais que se estabelecem. Grande
parte das atividades sociais e dos eventos que marcam a vida
das pessoas como aniversários, festas, casamentos, batizados,
dias festivos são acompanhados por pratos especialmente
preparados de acordo com a situação que criam memórias de
sabor.
No jeito de alimentar-se existe um modo de pensar a
comida, as relações entre as pessoas, as relações que se
estabelecem com os alimentos dentro de uma cultura.
Alimentar-se dentro da escola soma a estas questões a
intencionalidade de educar e de contemplar no projeto educativo
esta instância da vida.
O modo de organizar o espaço, de oferecer os pratos e
talheres, de organizar a situação de almoço, de criar um
ambiente agradável, de oferecer os alimentos, de favorecer o
encontro das crianças ao redor da mesa para a alimentação
traduz um modo de pensar e agir, uma intenção educativa.

Danielle Cristina Wolff


Sócia proprietária - 2008
10 - Os especialistas na creche e
suas funções: enfermeiras,
enfermeira sanitarista, pediatra,
nutricionista e psicóloga-
psicanalista.
A modelagem da equipe de profissionais da saúde de cada unidade e da
supervisão do conjunto da rede CEDUC foi se constituindo ao longo do tempo e
conforme as características de cada empresa cliente.
Desde a inauguração do CEDUC, em 1998, até o ano de 2003, a
entidade contou com um sistema de assessoria que garantiu a presença
bimestral, nas creches, de alguns especialistas de saúde. A enfermeira
sanitarista e a nutricionista eram as especialistas que davam esse suporte. Nas
unidades da Natura de Cajamar e de Santo Amaro, uma pediatra comparecia,
na creche, uma vez por semana, para atendimentos individualizados das
crianças com suas mães. Esses atendimentos eram, naquela época, uma
demanda do ambulatório da Natura e em nada se alinhavam com a creche em
si.
As demandas do cotidiano da creche referentes à saúde eram, naquele
período, cuidadas e tratadas pelas próprias coordenadoras de unidade e,
embora não fossem especialistas em saúde, estudavam com as assessoras e
solicitavam apoio do ambulatório da empresa cliente em casos mais complexos.
A partir de 2004, teve início, de forma progressiva, a contratação de
profissionais da saúde para as creches. Dessa forma, foi formado um grupo de
enfermeiras residentes supervisionado pela enfermeira sanitarista, e presente no
CEDUC até os dias de hoje.
A equipe de saúde atual do CEDUC é composta por uma pediatra, uma
enfermeira sanitarista e uma nutricionista em sistema de assessoria e supervisão
técnica; enfermeiras e nutricionistas residentes, e ainda, uma psicóloga-
psicanalista em caráter de consultoria técnica eventual.
Em 2012, era a seguinte a característica do quadro de especialistas da
área da saúde.

Equipe gestora do tema saúde


(composta por coordenadoras de
unidade - TRIO de coordenadoras )

Enfermeira sanitarista -
supervisão técnica e Pediatra - assessoria e
formação continuada em supervisão técnica em
sistema de assessoria sistema de assessoria

Nutricionistas -
Enfermeiras residentes
supervisão técnica e
nas unidades de creche
formação - em sistema
de assessoria

Psicóloga-psicanalista
(em sistema de
supervisão)

A inclusão de uma enfermeira graduada em cada unidade atendeu a


demanda que extrapolava, de certa forma, as funções específicas do campo da
educação e ainda trouxe mais segurança a todos que trabalham na creche.
A parceria entre a enfermeira de cada unidade, o médico pediatra, a
nutricionista e a coordenadora possibilita um olhar interdisciplinar no
acompanhamento de todas as crianças e equipe, sempre em parceria com as
famílias.
A enfermeira local integra-se com outros componentes da equipe geral
de saúde, conforme o diagrama acima, e, juntos, analisam os dados
epidemiológicos de todas as unidades e discutem os casos mais complexos.
Desta forma, contribuem para o planejamento, a avaliação, o acompanhamento
e a formação do trabalho de todas as unidades, através de um encontro mensal
para discussões e para formação continuada.

Especificidades dos especialistas


Enfermeira residente: acompanha diariamente os cuidados de
conforto, higiene pessoal e ambiental, alimentação, banho de sol, sono,
ressaltando-se tanto a integração com as atividades educativas como as
precauções padrão para prevenção de doenças e acidentes. Acompanha as
crianças que apresentam alterações clínicas que demandam assistência
específica de enfermagem, orientando a equipe e os pais sobre a continuidade
dos cuidados e discutindo os casos com o médico pediatra, com a nutricionista
e com o psicólogo. Compete ainda à enfermeira, a execução do sistema de
informação em saúde da unidade: controle de imunização, registro de sinais e
sintomas, relatório mensal de agravos, controle de surtos e análise
epidemiológica. Participa da formação continuada de toda a equipe da unidade
e da equipe geral de saúde do CEDUC, com foco na sua área específica.

Nutricionista: cria os cardápios semanais das unidades adequando as


preparações às compras de insumos dos clientes, acompanha processos e
procedimentos das unidades de alimentação, faz formações continuadas com os
lactaristas através de encontros bimestrais de estudo e discussão, atende pais
mediante solicitação, faz formação continuada com equipes pedagógicas.
Participa da reunião mensal da equipe geral de saúde do CEDUC. Faz formação
continuada junto às coordenadoras. Nas unidades: Natura Lapa e Avon Bahia,
há uma nutricionista residente, presente todos os dias.

Psicóloga-psicanalista: - com presença pontual e por demanda –


acompanha, por um tempo determinado, algumas crianças indicadas pela
equipe. Faz observações sobre a criança e sobre as suas relações na creche,
escuta as preocupações e dúvidas dos educadores, orienta e traz apoio teórico-
prático para ações específicas.

Enfermeira sanitarista - com presença mensal nas reuniões do


coletivo das unidades - supervisiona direta e indiretamente as enfermeiras,
oferece formação continuada para enfermeiras residentes e equipe, discute
casos com a equipe multidisciplinar, elabora e analisa documentos, apresenta
parecer técnico e análise epidemiológica dos agravos de todas as unidades em
parceria com as enfermeiras. Orienta as coordenadoras em situações
específicas.

Pediatra especialista em infectologia - com presença mensal nas


reuniões do coletivo das unidades e quinzenal na creche Avon-Interlagos -
elabora protocolo de cuidados especiais com crianças que apresentem
alterações no estado de saúde durante o período em que se encontram na
creche; prepara formação para prevenção de acidentes, protocolo para
emergências, fluxograma em relação a acidentes e agravos a saúde. Orienta
educadores, coordenadores, familiares e empresa.
Os especialistas participam da formação da equipe e da orientação aos
familiares em relação aos cuidados com a saúde, promoção do crescimento e
desenvolvimento saudável em contexto educativo.
É muito importante mencionar que há a possibilidade de ocorrerem
situações em que as esferas de atuação de dois ou mais profissionais podem se
misturar. Nesses casos, será de suma importância a atuação da coordenadora
da unidade que precisará mediar o diálogo e a participação de cada profissional
envolvido.
11- Cuidar de si e cuidar do outro:
qualidade de vida do profissional
CEDUC
Cuidar é uma forma de relacionar-se com o outro, uma atitude que exige
desprendimento das próprias necessidades para perceber, através das diversas
linguagens das crianças, as manifestações das suas necessidades. As atitudes
do adulto se desdobram em procedimentos para acolher, alimentar, confortar,
proteger e ensinar a fim de proporcionar um ambiente rico e adequado para
interações que promovam o desenvolvimento humano.
Para cuidar, é preciso conhecer a criança, identificar seus anseios e
saber como atendê-los, reconhecer suas potencialidades, seus limites e saber
como ensiná-la a cuidar de si e também do outro.
No processo de cuidado da criança, é preciso estar disponível, centrado
nela para interagir, observar, escutar e perceber suas expressões e
comportamentos. Na interação que se estabelece com as crianças e com os
seus familiares, o profissional de educação infantil torna-se uma referência de
como cuidar de si, do outro e do ambiente. Assim, seu bem-estar, além de direito
de todos os trabalhadores, é também uma ferramenta de trabalho.
Refletindo sobre o significado do termo “cuidado” e aprofundando os
estudos sobre o embasamento filosófico dessa atitude humana e sua interface
com o processo de educar, sobrevém a oportunidade de avaliar o cuidado com
o bem-estar dos educadores e com a sua qualidade de vida.
A qualidade de vida é definida pela Organização Mundial de Saúde como
a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e no
sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações. Esse é um conceito multidimensional
dependente de uma percepção pessoal a respeito do bem-estar psicofísico
possibilitado pelas condições ambientais, pela organização dos serviços e
instituições, pelos modos de vida e práticas culturais de cuidado com as pessoas.
A saúde é uma das dimensões da qualidade de vida e, ao mesmo tempo,
se configura como um estado dinâmico resultante da qualidade de vida de um
povo. Segundo a Carta de Otawa, documento de intenções resultante da I
Conferência Internacional de Saúde no Canadá:

A saúde é o maior recurso para o desenvolvimento social,


econômico e pessoal, assim como uma importante dimensão da
qualidade de vida. Fatores políticos, econômicos, sociais,
culturais, ambientais, comportamentais e biológicos podem tanto
favorecer, como prejudicar a saúde. As ações de promoção da
saúde objetivam, através da defesa da saúde, fazer com que as
condições descritas sejam cada vez mais favoráveis. (1986).

A saúde é um meio para a vida e envolve um esforço conjunto de


transformar o conceito negativo de “ausência de doença” em conceito positivo,
obter “qualidade de vida”. Com base nesse conceito, a saúde é um direito de
todos os cidadãos nos quais se incluem os educadores, as lactaristas, os
auxiliares de limpeza, as enfermeiras e as coordenadoras das unidades do
CEDUC.
É preciso planejamento e manutenção de condições de trabalho
adequadas que reduzam os riscos físicos, químicos, biológicos, de acidentes,
ou, ainda, os riscos ergonômicos, prevenindo as denominadas “doenças do
trabalho”. Além disso, é preciso preocupar-se com a especificidade do cuidado
com a ocupação humana. Esse cuidado requer a escuta qualificada de todos os
trabalhadores da equipe, ouvindo a enunciação de seus conflitos e sofrimentos
relativos à atividade desenvolvida.
As exigências relativas ao cuidado e à educação das crianças, o ritmo
do trabalho e as relações deste com os demais compromissos da vida pessoal
de cada profissional podem influenciar na saúde de cada um ou, até mesmo,
aperceber-se doente. Segundo Berlinguer “estar doente pode ser experimentado
como um privilégio, pois o doente, pela sua posição preferencial, está liberado
de muitos deveres” (1998, p. 123). O adulto “doente” pode ser liberado do
trabalho e ficar livre de muitas obrigações que a sociedade exige dos seus
membros sadios. Há casos em que alguns ganhos secundários da doença são
supervalorizados, até de forma inconsciente, levando a pessoa refugiar-se na
condição de doente.
Assim, o trabalhador pode gozar de um dia de repouso ou da atenção
de todos, por exemplo. Ao contrário, ser obrigado a fazer as atividades cotidianas
estando doente, ser pressionado por sua produtividade ou até ameaçado de ser
despedido são condições institucionais que podem ocorrer e, também,
complicadas de serem vividas.
Em algumas situações extremas, a doença pode ser “negada e
encoberta” até o limite do possível, e o conflito entre as exigências de tratamento
e a necessidade de “ser forte e não parar o trabalho” coloca o profissional em
situação de muito desconforto.
Tudo isso dependerá, também, do tipo de doença, das relações de
trabalho, de ser mais ou menos indispensável na sua função ou podendo ser
mais ou menos substituível, do momento que a equipe estiver vivendo na relação
com as tarefas, da proteção sindical ou jurídica.
Um dos conceitos do CEDUC é a transparência, ou seja, os profissionais
são incentivados a manifestar a sua condição de saúde física, psicológica ou
social, para que possam ser ajudados tanto na promoção da saúde, como na
recuperação da mesma. Muitas vezes, pode ser necessária a retomada de
reflexões sobre situações incômodas entre a própria equipe ou entre a equipe e
os familiares. O foco desse recurso é minimizar o sofrimento psíquico das
trabalhadoras que atuam diretamente no processo de aprendizagem, que, por
sua vez, irá refletir sobre o objeto de seu trabalho, que é acompanhar e incentivar
o desenvolvimento das crianças. (CAMPOS e LOPEZ, 2009).
Para promover a qualidade de vida dos seus trabalhadores, o CEDUC
prevê um programa de promoção à saúde e de prevenção de riscos que se inicia
no processo seletivo. Os exames admissionais visam um diagnóstico inicial e, a
partir dele, estabelecem-se exames periódicos para controle do estado de saúde
geral dos trabalhadores da empresa.
A formação inicial inclui a reflexão sobre os cuidados com a saúde e sua
promoção e, também, a orientação dos benefícios que a empresa oferece, como:
Alimentação
As empresas contratantes do CEDUC disponibilizam uma alimentação
saudável e variável nos cardápios, pois seguem os critérios da vigilância
sanitária. Na unidade onde não há restaurante, o funcionário recebe vale-
refeição.
Para cargos com turno de 6 horas, é servido um lanche no meio do
período. Essa pausa permite não apenas repor energias e nutrientes, mas
significa, também, um tempo de relaxamento e interação com as colegas.
Para as funcionárias que precisam de alimentação específica, com
diagnóstico de intolerância a lactose e seus derivados, a glúten e outros, são
elaboradas, pela equipe de lactaristas e nutricionista, receitas para atender
essas necessidades.

Trabalho corporal
As funcionárias são orientadas a fazer exercícios de alongamento e
movimento ativo nos intervalos do trabalho. Almeja-se que as equipes possam
participar diariamente de sessões corporais orientadas por educadores físicos,
com o objetivo de proporcionar uma pausa no trabalho e favorecer o bem-estar
físico e mental. Algumas unidades se beneficiam de programa de ginástica
laboral cedido pela empresa cliente.

Uniforme e equipamentos de proteção individual


O uniforme é composto de camiseta, casaco, bermuda e calça
identificadas com o logo da empresa. A quantidade entregue ao funcionário,
duas calças, três camisetas, uma bermuda e um casaco, é adequada para troca
diária. Para as lactaristas é entregue, além do uniforme, equipamentos de
proteção individual: luvas para alta temperatura, luvas de corte, óculos, sapato
antiderrapante, avental para lavagem de louças e avental para altas
temperaturas, entre outros.

Procedimentos padronizados para proteção coletiva


Periodicamente, a equipe recebe treinamentos sobre procedimentos de
higiene, quais sejam, troca de fraldas, banho, higienização de
superfícies/brinquedos, lavagem de mãos e outras, e, diariamente, contam com
o apoio da enfermeira da unidade e da coordenadora que a orientam na
prevenção de riscos de contaminação no espaço coletivo.

Sistema de informação sobre agravos prevalentes das crianças e dos


trabalhadores
Através do relatório mensal de agravos e monitoramento de doenças
prevalentes e surtos que incidem nas crianças, é possível monitorar as doenças
que podem estar relacionadas ao trabalho. Assim são aprimoradas as
precauções padronizadas e outras medidas de controle com vistas a reduzir sua
incidência.
Circulares informativas são disponibilizadas à equipe a fim de orientá-la
sobre medidas preventivas individuais e coletivas.

Controle de imunização
A enfermeira da unidade é responsável pelo controle de vacinas das
funcionárias do CEDUC. É recomendado que a equipe receba imunização para
Difteria, Tétano, Hepatite B, Hepatite A, Meningite C, Varicela, Sarampo,
Caxumba e Rubéola. No caso de unidades que ainda não tenham uma
enfermeira residente devido ao baixo número de crianças assistidas, a
coordenadora fica responsável por este controle.

Assistência para saúde


O funcionário recebe planos de assistências médica e odontológica para
eventualidades ou acompanhamentos frequentes com especialistas. Em casos
emergenciais, o funcionário é encaminhado para o serviço ambulatorial da
empresa contratante.
O CEDUC preocupa-se tanto em refletir com o funcionário sobre sua
saúde e seus hábitos, como em rever a infraestrutura, a ergonomia, a saúde
ocupacional e a construção da consciência sanitária.
Em caso de ocorrência de acidentes de trabalho, existe uma assistência
médica específica para isso.

Formação continuada
A formação continuada tem como principal finalidade o constante
aprimoramento do trabalho com as crianças, com suas famílias e, ao mesmo
tempo, a constante evolução profissional. A formação continuada contribui
também para a promoção da saúde do trabalhador, pois ele está em contínuo
processo de desenvolvimento pessoal. Contribui, ainda, para que ele tenha,
cada vez mais, consciência de sua função, aspecto fundamental para prevenir o
estresse.
Em relação aos receios relativos ao possível risco biológico no contato
diário com as crianças que adoecem, está previsto, durante as formações
continuadas, informações e reflexões sobre as técnicas de autoproteção, além
de circulares informativas sobre os agravos frequentes esperados na primeira
infância.

Absenteísmo
Um aspecto importante é a reflexão com a equipe sobre as estratégias
defensivas individuais e coletivas, porque o absenteísmo pode ser um recurso
defensivo para combater o estresse e a pressão do ritmo e das exigências do
trabalho. Os coordenadores e enfermeiras precisam analisar constantemente os
índices de absenteísmo e turn-over, investigar suas causas e propor reflexões
com os trabalhadores na busca de estratégias coletivas de enfrentamento do
problema.

Segurança
Em todas as operações, são garantidas as adequações em relação às
normatizações da CIPA. Bienalmente, é atualizado o curso de CIPA com as
coordenadoras de unidade e alguns representantes das creches.
O curso de Higiene e Saúde é constantemente atualizado, mesmo para
os funcionários mais antigos, e, nessas oportunidades, renovam-se também as
orientações quanto a como lidar com as doenças e, quanto aos procedimentos
de higiene com as crianças e com os adultos, são revistas as normas existentes.
Como atendemos crianças muito pequenas, anualmente são atualizados
os cursos de primeiros socorros para leigos, o que tem ajudado a identificar
situações de maior gravidade e agir prontamente. Isso traz às profissionais a
possibilidade de trabalhar mais tranquilamente. (Leia mais sobre este tema no
item: “Outras atuações”)
Adequações às leis brasileiras
O CEDUC tem em todas as suas Unidades o PPRA - Programa de
Prevenção de Riscos Ambientais. Essa exigência legal surgiu com a Norma
Regulamentadora 09, em 1994, tendo como objetivo fazer com que todos os
empregadores tenham um programa estabelecido anualmente para controle e
prevenção de riscos ambientais. Na prática, o CEDUC já vive esse controle e
essa prevenção e segue todos os trâmites burocráticos exigidos pela legislação
brasileira e renova anualmente seu PPRA em cada unidade.
Para a renovação do PPRA, é contratada uma empresa terceirizada de
serviços de saúde que executa todas as etapas do processo, desde a visita às
unidades até a escrita do programa em si. Cada Unidade mantém sua cópia do
PPRA à disposição para consultas.
Outro programa mantido é o PCMSO – Programa de Controle Médico de
Saúde Ocupacional. Fruto da Norma Regulamentadora 07, também de 1994, ele
tem como objetivo manter sob controle a saúde dos funcionários e, ainda, pensar
precocemente qualquer desvio que possa comprometer a saúde de seus
funcionários.
Desta forma, PPRA e PCMSO são inseparáveis, pois um depende do
outro.
12 - O gênero, a sexualidade e os
educadores na creche
A educadora mulher e seu percurso histórico
As equipes de creches, ao longo dos anos, vêm sendo constituídas
quase que exclusivamente por profissionais do sexo feminino. Os cuidados com
a higiene, com o sono e com a alimentação, e também com o acolhimento
afetuoso, historicamente foram e, hoje em dia, ainda são mais relacionados com
a figura feminina, tanto no ambiente doméstico quanto no profissional.
Assim, a atuação do educador infantil, sendo exercida em grande parte
por mulheres, contribui para que se estabeleça uma vinculação da função
educativa, nessa fase inicial da infância, a um exercício maternal. A figura
masculina esteve mais presente na educação fundamental, média e superior,
criando uma separação de gêneros também na ação educativa.
A isto, adiciona-se a questão do prestígio e da remuneração que, em
cargos considerados femininos, têm sido historicamente menores do que os dos
cargos ocupados por homens. Como são “socialmente incumbidos” do sustento
da família, a profissão de educador infantil se torna pouco atraente para eles. A
sociedade sempre atribuiu aos homens, de forma desproporcional, os seus
recursos materiais e simbólicos, transformando, com isso, certas carreiras em
monopólio masculino. Lentamente, tal situação está se transformando, sendo
reconhecida a competência das mulheres para o exercício dessas carreiras
ditas, até então, “masculinas”.
As creches para crianças pequenas surgem com uma forte característica
assistencialista para atender aos filhos de mulheres de classes sociais
desfavorecidas, ingressantes no mercado de trabalho. Outro objetivo das
creches era a redução, do alto índice de doenças infantis e, consequentemente,
da mortalidade infantil, pois também estaria a serviço de uma guarda que
preserva a saúde.
Algumas creches eram vinculadas à igreja católica. Dos profissionais,
era exigida apenas a habilidade para cuidar de crianças pequenas como trocar,
alimentar, ninar, entre outros, característica entendida como sendo “natural” da
mulher.
Tempos mais tarde, com a LDB/1996, foi assegurado atendimento
escolar às crianças de até seis anos de idade e a creche foi transferida da
Assistência Social para a Secretaria da Educação, sendo mais valorizada
enquanto segmento e percebida como direito fundamental para todas as
crianças no percurso educativo. As mães, por sua vez, partilhando os cuidados
e a educação de seus filhos pequenos, começaram a usufruir da sua própria
remuneração e de maior independência financeira.
O tema do currículo da creche e o da função do educador serem produto
de uma visão feminina de educação, além da revisão histórica dessa função,
podem ser aprofundados pela leitura de vários autores como Rosemberg (1996),
Louro (1997), Del Priori (1997), Catani (1997), Bourdieu (1999), Sayão (2003),
Finco (2003) e Gomes (2006). Estes autores também problematizam questões
de gênero e afirmam que as “verdades” sobre o que é ser homem e mulher na
sociedade são transmitidas através de práticas recheadas de preconceitos
sociais e jogos de saber/poder (Foucault,1999). Esta visão binária, ser homem
ou mulher, o feminismo (o segundo sexo), o terceiro sexo (intersexualidade e
outros), tem sido, também, amplamente discutida por Butler (1999), (Laqueur,
2001).

Gênero e sexualidade dos adultos


Atualmente, a questão do gênero na sociedade, aspecto socialmente
construído no processo de identificação social, vem sendo muito debatida e
novas composições sexuais e de identidade estão sendo vividas, construídas e
pleiteadas como um direito. Tais mudanças englobam também as carreiras e os
perfis profissionais. Cargos até então exclusivamente masculinos estão sendo
ocupados por mulheres, cada vez mais, ou, ao contrário, observamos homens
executando funções culturalmente “destinadas” à figura feminina.
A nova tendência não é restrita ao ambiente profissional. Hoje, muitos
homens participam das atividades domésticas e cuidam dos filhos tanto quanto
as mulheres ou até o seu retorno do trabalho “fora de casa”. Ou seja, muitos
casais heterossexuais estão alterando a forma, até então dominante, de dividir
o trabalho fora de casa e o trabalho dentro de casa, entre eles.
Estamos, culturalmente falando, começando a ampliar a aceitação de
novas formações familiares. E, com isto, desenvolvendo leis e direitos que
defendem os cidadãos em suas escolhas amorosas e formas de manifestar suas
identidades. Assim, observamos uma dupla de mulheres ou de homens
constituindo família e tendo filhos juntos, pais ou mães solteiros com ajuda de
banco de esperma ou barrigas de aluguel, pais ou mães bissexuais ou
transexuais, entre tantas outras possibilidades.
Como a educação reflete, reproduz e transforma a sociedade, os temas
do gênero e da sexualidade – tão debatidos atualmente – vão, de uma forma ou
de outra, aparecer nas práticas escolares.
Muitas são as discussões sobre o nascimento de um terceiro sexo ou
vários sexos. Assim, existiriam várias categorias a serem contempladas na
classificação sexual: a heterossexualidade, orientação sexual para o sexo
oposto; a homossexualidade, orientação sexual para o mesmo sexo; a
transexualidade, pessoas que se identificam com sexo diferente do sexo
biológico; a intersexualidade, sexo ambíguo no nascimento; a bissexualidade,
orientação sexual para ambos os sexos a travestilidade, identidade de gênero
diferente do sexo biológico e orientação sexual com variadas práticas.
Para lidar com tantas novidades, dentro das escolas brasileiras, existem
muitas informações e orientações em documentos nacionais de formação de
educadores. Segundo (MEC, 2009), a identidade sexual engloba duas questões
diferenciadas. Por um lado, é o modo como a pessoa se percebe em termos de
orientação sexual; por outro lado, é o modo como ela torna pública, ou não, essa
percepção de si em determinados ambientes ou situações. A sexualidade diz
respeito às elaborações culturais sobre os prazeres e os intercâmbios sociais e
corporais que compreendem desde o erotismo, o desejo e o afeto, até noções
relativas à saúde, à reprodução, ao uso de tecnologias e ao exercício do poder
na sociedade.
As definições atuais da identidade sexual e da sexualidade abarcam, nas
ciências sociais, significados, ideais, desejos, sensações, emoções,
experiências, condutas, proibições, modelos e fantasias que são configurados
de modos diversos em diferentes contextos sociais e períodos históricos. Trata-
se, portanto, de um conceito dinâmico que vai evolucionando e que está sujeito
a diversos usos, múltiplas e contraditórias interpretações, e que se encontra
sujeito a debates e a disputas políticas.
Em um outro documento de 2007, o MEC traz as seguintes ideias:
Ao se falar em gênero, não se fala apenas de macho ou fêmea, mas de
masculino e feminino, em diversas e dinâmicas masculinidades e
feminilidades. Gênero, portanto, remete a construções sociais, históricas,
culturais e políticas que dizem respeito a disputas materiais e simbólicas que
envolvem processos de configuração de identidades, definições de papéis e
funções sociais, construções e desconstruções de representações e
imagens, diferentes distribuições de recursos e de poder e estabelecimento
e alteração de hierarquias entre os que são socialmente definidos como
homens e mulheres e o que é – e o que não é - considerado de homem ou
de mulher, nas diferentes sociedades e ao longo do tempo. (p.16).

E, ainda:
Orientação sexual se refere à direção ou à inclinação do desejo afetivo e
erótico. De maneira simplificada, pode-se afirmar que esse desejo, ao
direcionar-se, pode ter como único ou principal objeto pessoas do sexo
oposto (heterossexualidades), pessoas do mesmo sexo
(homossexualidades) ou de ambos os sexos (bissexualidades). Todas no
plural, pois são inúmeras e dinâmicas suas formas de expressão e
representação. A orientação sexual é um conceito que, ao englobar e
reconhecer como legítimo um extremamente diversificado conjunto de
manifestações, sentimentos e práticas sociais, sexuais e afetivas,
desestabiliza concepções reificantes, heterocêntricas, naturalizantes e
medicalizadas. (p.17).

Podemos compreender então, que o termo:


Orientação sexual veio substituir a noção de opção sexual, pois o objeto do
desejo sexual não é uma opção ou escolha consciente da pessoa, uma vez
que é resultado de um processo profundo, contraditório e extremamente
complexo de constituição, no decorrer do qual cada indivíduo é levado a lidar
com uma infinidade de fatores sociais, vivenciando-os, interpretando-os,
(re)produzindo e alterando significados e representações, a partir de sua
inserção e trajetória social específica” (MEC, 2007, p.18).

A pluralidade, a multiplicidade e a dinamicidade das identidades de


gênero e das expressões afetivo-sexuais são próprias dos processos de
construção de sujeitos e identidades nas sociedades contemporâneas e,
também por isso, devem ser tratadas como direito de todas as pessoas.
Por isso, fala-se também em identidade de gênero para se referir à maneira
como alguém se sente e se apresenta para si e para os demais como
masculino ou feminino, ou ainda uma mescla de ambos, independente
tanto do sexo biológico quanto da orientação sexual. Por exemplo, uma
pessoa pode ter uma identidade de gênero – masculina, feminina, ambas ou
nenhuma –, apresentar características fisiológicas do sexo oposto ao seu e,
ainda assim, ter uma prática hetero, homo ou bissexual. Ao contrário do que
comumente se tende a crer, pessoas transgêneros (travestis ou transexuais)
não são necessariamente homossexuais, assim como homens
homossexuais não são forçosamente femininos ou afeminados e tampouco
mulheres lésbicas são necessariamente masculinas ou masculinizadas.
(MEC, 2007, p.19).

O masculino na creche
Na educação infantil, a presença do homem como educador ainda é
reduzida, apesar de crescente. Obviamente, a construção desse novo ambiente
de trabalho acontece sob as marcas femininas dominantes que estão fortemente
incorporadas. A presença de homens na educação infantil é uma grande
oportunidade de revisão de paradigmas sobre o ato de educar crianças
pequenas e de enfrentamento de preconceitos arraigados socialmente.
Consensualmente, as discussões e os trabalhos de pesquisa sobre o
tema defendem a importância da presença masculina nas instituições de
educação infantil, para que esse ambiente contemple a igualdade de
oportunidades e não a discriminação entre sexos, ou de qualquer outra ordem.
Realmente, sob a perspectiva da igualdade e das tendências sociais
contemporâneas, é importante que a área da educação não seja um obstáculo,
mas, sim, um espaço privilegiado para a formação humana e deve contemplar a
diversidade e as novas características das formações identitárias.
Assim, não podemos desconsiderar as reflexões necessárias sobre o
assunto. Entre elas:
- Como deve ser a inserção do educador homem nas instituições? – Os
cuidados físicos podem ser executados por eles? – A instituição precisa
preparar-se para incorporar o profissional repensando banheiros, vestiários,
currículo ou ele simplesmente se enquadra no modelo atual, mesmo com fortes
características femininas? – Como fica a relação com as famílias? – Como
estimular esse público para essa carreira? - Ter um profissional homem convida
o grupo a repensar brincadeiras, objetos e modos de organizar o espaço da
creche? – A sexualidade se faz presente, de que modo? - Que outras questões
poderiam ser pensadas?
A inserção masculina nas creches deve ser bem trabalhada entre a
equipe e as famílias, principalmente se ela for inaugural. Algumas
reflexões/ações podem ser feitas antes, outras à medida em que as questões
forem aparecendo.
Creches que viveram esta experiência já alteraram o uso de banheiros
e vestiários. Aumentaram e/ou aprimoraram as compras de objetos como bolas,
carrinhos, entre outros objetos que são socialmente mais usados pelos meninos.
Revezando as pessoas que fazem compras para a creche, foram descobertos
novos objetos. Pois, independente do gênero sexual do comprador, cada pessoa
vê e valoriza objetos diferentes, enriquecendo, com isso, as possibilidades de
experiência das crianças. As brincadeiras musicais, corporais e jogos se
diversificaram, pois o repertório masculino trouxe muitas novidades. Como
exemplo, nos grupos maiores, os jogos corporais – as “lutinhas” ou a “capoeira”
– na hora do parque. Os espaços dentro da sala e os “campos de experiência”
montados ganharam novas características, como pistas de carros, marcenarias,
entre outros.
Essa ampliação não é fruto somente da entrada do gênero masculino na
creche, mas de pessoas diversas entrando, pensando, estudando, pesquisando,
observando melhor as pesquisas das crianças, vivendo e produzindo mudanças
nas práticas escolares.
Muitas educadoras e educadores defendem a igualdade, de modo que
todas as atividades na creche deveriam ser compartilhadas, igualmente, entre
todos. Mas, um dos pontos de discussão refere-se aos cuidados físicos. A
maioria dos pais não costuma estranhar que seus filhos, meninos ou meninas,
sejam trocados e banhados por educadoras, mas costumam, ainda, manifestar
algum desconforto se essas ações forem desenvolvidas por homens. O
estranhamento dos pais pode ser motivado por questões culturais, experiências
pessoais na infância ou na família, por histórias divulgadas na mídia, por receios
e fantasias e, ainda, por preconceitos sociais, entre outras motivações.
Aprofundando o tema da higiene íntima, genitais, percebe-se que,
mesmo entre as educadoras, o tema pode ser desafiante. Realizar
procedimentos de higiene como abaixar a pele do pênis do menino ou abrir os
grandes lábios da vagina das meninas é um tema delicado. Algumas pessoas
acreditam que essa limpeza deveria ser papel só da mãe, outras podem ter o
receio de manipular os genitais, entre muitas outras possibilidades.
O fato é que manipular os genitais das crianças pode convocar, mais ou
menos conscientemente, a história da sexualidade do educador. Uma educadora
mais tímida, que tenha tido pouco contato com meninos na infância, ou um
educador com pais mais rígidos, que pouco conversaram com ele e o orientaram
em relação a sexualidade são algumas variáveis, entre tantas outras. Muitas
vezes, as histórias prévias representam um obstáculo ou uma questão que o
educador, seja do sexo feminino ou masculino, deve enfrentar.
Frente a não haver escolha, pois as crianças passam muitas horas na
creche por dia e higienizá-las corretamente é função do educador sob risco de
adoecerem caso isso não ocorra, esse tema sempre deverá receber atenção na
gestão de pessoas, na formação dos educadores e educadoras e nas relações
com os pais.
No quesito convivência na diversidade, o importante é discutir os
estranhamentos e encontrar soluções compartilhadas para os possíveis
problemas, pois, apesar do momento social estar mais aberto para as diferenças,
os jogos de força diante de saberes e verdades produzidas no contexto
relacional/social/histórico serão sempre presentes e produzirão debates,
resistências, e oposições.

Educador e sua sexualidade


Outro tema polêmico e muito abordado refere-se ao modelo que o
educador representa para a criança. As crianças pequenas vinculam-se
fortemente aos seus educadores e, com o crescimento, passam a imitar seus
gestos, falas e atitudes, algumas, inclusive, declaram-se futuros “professores”.
A presença do educador ou educadora que deixa clara a sua orientação
sexual e/ou identidade de gênero, quando diferente do seu sexo biológico,
através de fala, de modos, vestimentas, e de trejeitos, pode causar inquietação
aos pais e aos educadores. As expectativas sociais de que as crianças
desenvolvam suas identidades culturais de acordo com seus determinantes
biológicos é, ainda, majoritária e, nesse sentido, há muita dúvida e polêmica em
relação à influência dos pais, dos educadores e dos outros alunos no processo
de construção sexual das crianças.
Entende-se que a orientação sexual e a identidade de gênero são
determinadas por muitos fatores e devem ser respeitadas. As influências
culturais e institucionais funcionam como ofertas simbólicas e ficam à disposição
das perguntas e desejos das crianças. Falar abertamente e objetivamente, com
as crianças que nos questionam, sobre os percursos de cada um é uma atitude
positiva, sempre lembrando que a imposição de escolhas e pensamentos é uma
atitude que, além de desrespeitosa, pode ser geradora de angústia e despertar
mais interesse e/ou resistência.
Acredita-se que, tanto a heterossexualidade como a homossexualidade
ou bissexualidade, entre outros, são realidades subjetivas e políticas,
entendidas como uma posição de intimidade (foro íntimo) e pública, no sentido
de uma luta pelo direito a existir, se expressar e ser respeitado na sua escolha e
diferença. Esse debate pode e deve ser contemplado nas reuniões da creche,
com os pais e empresa, sempre que necessário.
Casos que despertarem muita preocupação devem ser levados para
supervisão e discutidos pela equipe multidisciplinar. O CEDUC não considera a
orientação sexual e a identidade de gênero dos educadores de creche um
impedimento do trabalho com crianças pequenas. Independente das
singularidades, a postura do profissional não deve trazer nenhum tipo de
constrangimento aos seus companheiros de trabalho, nem aos pais e, muito
menos ainda, às crianças.

Por uma educação que exercite a diferença e diversidade como um valor


A creche é influenciada pelos modos de pensar e de se relacionar da/na
sociedade ao mesmo tempo em que a influencia, contribuindo para sua
transformação.

Ao ser identificado o cenário de discriminações e preconceitos, percebe-


se, no espaço da creche, possibilidades de contribuição para alteração desse
processo. Por trabalhar com crianças muito pequenas, o trabalho acima é feito
muito mais com os pais, educadores e comunidade geral da empresa sede do
que com as crianças.

A creche, acolhendo qualquer criança desde tenra idade, é um espaço


privilegiado para o aprendizado da convivência na diferença, seja ela de origem
étnica, religiosa, linguística, cultural, sexual, corporal, entre tantas outras. Como
já é sabido, as diferenças são marcas simbólicas, impressas de modos
específicos em cada tempo histórico e contexto social. Assim, um grupo de
pessoas pode ser caracterizado como sendo “normal ou diferente” de acordo
com a cultura daquele povo/instituição.

As creches CEDUC procuram, em seu currículo, praticar a riqueza da


pluralidade e o acolhimento da singularidade, exercitando – sempre que
consegue ter uma clareza dessa necessidade – uma análise de suas práticas,
tanto do currículo professado, como o praticado ou o “currículo oculto”. Sabe-se
que as práticas e os saberes de tanto serem feitos e repetidos do mesmo modo,
acabam por instituir-se como verdades e precisam, de tempos em tempos, ser
suspensos e revisitados, para que os equívocos possam ser corrigidos e os
novos debates inseridos.

É interessante comentar que este trabalho nasceu de um movimento


assim: nos anos de 2005 a 2008 a equipe de coordenadoras do CEDUC se
reuniu para olhar para os documentos produzidos e analisar os saberes
produzidos naquelas práticas. Deste estudo, nasceu a necessidade de escrever
novas diretrizes de trabalho e de incluir novas vozes, desde estudiosos e
especialistas, até as vozes dos atores institucionais.

Um projeto educacional que contemple a diversidade precisa ser


construído por muitas mãos e é isso que se objetiva fazer. Mãos que traçam
rumos acreditando em um ambiente rico em relações, formando pessoas
comprometidas não apenas com um futuro, mas com um presente melhor.
13 – Aprendizagem e desenvolvimento
infantil: Piaget, Vygotsky e Wallon
A aprendizagem é entendida como a busca da construção e atribuição
de significados, de hipóteses, de interpretações e de teorias sobre os
fenômenos, os acontecimentos e os fatos da vida, como a construção de
habilidades e estratégias de relação, fruto das inúmeras relações que o homem
estabelece com o meio físico e social. É um percurso fortemente determinado
pelas interações socioculturais em que o homem está imerso, relacionado à
maturação do organismo.
Se as relações são, em grande parte, responsáveis pelas aprendizagens
humanas, pois, desde o nascimento, as relações com os adultos são essenciais
para a sobrevivência da espécie, e o universo sociocultural é um produto das
relações humanas, deduz-se que a aprendizagem jamais se dá sozinha. Mesmo
na relação direta do homem com o objeto existe uma mediação de significados
construídos socialmente, fruto da cultura da qual ele faz parte. Além desses
significados, interpretações e teorias, as relações da pessoa com o meio físico e
social estão geralmente mediadas por um ”outro”, adulto ou criança, que lhe
apresenta os seus próprios significados e a “convida” a construir e ampliar os
seus. Esse “convite” põe em ação o repertório já construído pela pessoa para
que ocorra um avanço na direção de novas construções e/ou na reformulação
das anteriores.
Na educação infantil, a equipe tem se dedicado a conhecer teorias de
desenvolvimento para compreender o modo próprio de aprender das crianças e,
desta forma, produzir propostas de aprendizagem que lhe pareçam pertinentes.
O desenvolvimento é um processo que vai do nascimento à morte e se
constitui através do entrelaçamento das questões biológicas, psicológicas e
sociais, fatores indissociáveis. Assim, o desenvolvimento se dá na integração
dos fatores orgânicos e sociais. A cada momento da vida, estarão presentes
diferentes necessidades e interesses e, por isso, o processo de desenvolvimento
não é linear e gradual, mas,descontínuo.
Este processo está sujeito a conflitos, oposições e mudanças de acordo
com as características individuais e o meio sociocultural circundante. Dessa
forma, a existência individual e a existência social estão em constante diálogo e
transformação. É na interação que isso acontece.
O Interacionismo:
Assume que todos os aspectos do desenvolvimento
surgem da interação de predisposições geneticamente
determinadas e características da espécie com uma grande
variedade de fatores ambientais. Em outras palavras, o
desenvolvimento da criança se constitui no encontro, no
entrelaçamento de suas condições orgânicas e de suas
condições de existência cotidiana, encravada numa dada
sociedade, numa dada cultura. (ALMEIDA E MAHONEY, 2009,
p. 82).

Ao longo dos anos de atuação do CEDUC, estudou-se três teóricos do


desenvolvimento considerados fundamentais no cenário da educação infantil.
São eles: Piaget, Vygotsky e Wallon.
É importante apresentar resumidamente os conceitos centrais das
teorias desses três autores que trouxeram contribuições para o trabalho da
equipe e que acompanham-na até hoje como acervo e repertório profissional.

PIAGET

Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, Suíça, em 1896, e morreu em


Genebra, em 1980. Foi estudioso da Biologia, da Filosofia, da Sociologia, da
Matemática e da Psicologia. Realizou seus estudos experimentais sobre a mente
humana e pesquisou também o desenvolvimento das habilidades cognitivas.
Seu conhecimento de Biologia levou-o a enxergar o desenvolvimento cognitivo
de uma criança como uma evolução gradativa. Revolucionou as concepções de
inteligência e de desenvolvimento cognitivo partindo de pesquisas baseadas na
observação e em entrevistas que realizou com crianças. Interessou-se
fundamentalmente pelas relações que se estabelecem entre o sujeito que
conhece e o mundo que tenta conhecer. Considerou-se um epistemólogo
genético porque investigou a natureza e a gênese do conhecimento nos seus
processos e estágios de desenvolvimento.
A preocupação central na teoria de Piaget foi o estudo dos processos de
pensamento desde a infância inicial até a idade adulta, a elaboração de uma
teoria do conhecimento que pudesse explicar como o sujeito conhece o mundo,
ou seja, explicar quais processos mentais estão envolvidos numa dada situação
de resolução de problemas. Assim, em geral, quando cita aspectos relacionados
ao desenvolvimento, está tratando predominantemente de uma preocupação
com o desenvolvimento mental, com o desenvolvimento da inteligência, com o
desenvolvimento do conhecimento.
Para Piaget, a inteligência diz respeito à capacidade de adaptar-se ao
meio para sobreviver. Essa adaptação exige a organização de processos
mentais que permitam a construção de um determinado nível de conhecimento.
O nível de conhecimento construído está relacionado ao grau de complexidade
dessa organização.
Crescer e conhecer não se dão tanto pelo acúmulo de informações, mas
pela organização e reorganização delas. Piaget desenvolveu o que se chamou
de epistemologia genética, entendendo-se genética não no sentido biológico,
dos genes, mas no sentido de gênese, de evolução.
Estudou a evolução da inteligência humana ao longo da vida.
A pergunta que desde o início Piaget se fez foi “como se origina e como
evolui o conhecimento”, dado que o conhecimento não vem nem do sujeito, nem
do objeto, mas da relação entre eles.
Para um melhor conhecimento de seu pensamento, seguem alguns
conceitos chaves da teoria de Piaget.

Hereditariedade
Para Piaget, os seres humanos herdam estruturas biológicas, a saber,
sensoriais e neurológicas, que predispõem o surgimento de estruturas mentais.
Assim, a inteligência não é herdada, mas é um organismo que vai “amadurecer”
em contato com o meio físico e social. Na relação com o meio, o indivíduo
desenvolve seus recursos intelectuais para solução de problemas.
Tanto o meio físico como o social são responsáveis pela oferta de
inúmeros estímulos que suscitarão a construção de esquemas mentais e/ou de
ações que permitirão uma relação de adaptação e equilibração entre o indivíduo
e o meio.

Esquemas
Como já citado anteriormente, os seres humanos herdam, ao nascer,
estruturas biológicas que determinam o seu modo de reagir aos estímulos do
meio ambiente. Inicialmente, essas reações são reflexas, caóticas. À medida que
o ser humano recebe estímulos do meio ambiente, desenvolverá formas de
reagir a esses estímulos.
Os esquemas podem ser uma sequência de ações como reação aos
estímulos para atingir determinado fim, uma imagem interiorizada de um lugar
frequentado ou estratégias mentais para solução de problemas. São essas
unidades estruturais básicas de pensamento ou de ação que correspondem, de
certa forma, à estrutura biológica herdada que muda e se adapta em contato com
o meio ambiente.

Adaptação
Os estímulos oriundos do meio ambiente afetam o estado de equilíbrio
do organismo. A busca de estratégias de ação ou de estratégias mentais, os
esquemas, para reagir aos estímulos representa uma tentativa do indivíduo de
buscar novas formas de interação com o meio ambiente, proporcionando uma
adaptação cada vez mais completa e eficiente.
O processo de adaptação envolve dois processos complementares:
assimilação e acomodação.
Assimilação se refere ao uso de um esquema já construído para
solucionar um novo problema ou relacionar-se com uma nova situação. O
indivíduo, com uma organização mental estruturada para conhecer o mundo,
diante de um novo objeto, de um novo problema ou de uma nova situação,
recorre aos esquemas já construídos ou a essa organização para retirar do
objeto, da situação ou do problema suas características principais e, ao fazer
isso, as seleciona, escolhe algumas e deixa outras de lado. No contato com o
novo, para dar conta da singularidade que essa situação apresenta, o indivíduo
modifica a organização mental existente, a fim de acomodar as novas
informações.
Os esquemas já construídos permitirão que o indivíduo desenvolva
novas maneiras de agir ou de pensar, os novos esquemas, levando em
consideração as propriedades do objeto ou as características da nova situação.
Esse processo de modificação dos esquemas anteriores e construção
de novos esquemas, Piaget chamou de acomodação.
Exemplo: Um bebê de um ano que ainda não anda, mas apenas
engatinha, deseja pegar um objeto em cima de um móvel. Para alcançar este
objeto que deseja, ele se utilizará dos esquemas já construídos de pegar objetos
e de deslocar-se. Diante da altura do móvel ou de seu formato diferente dos já
conhecidos, terá que modificar uma ou algumas das ações presentes em seus
esquemas já construídos para obter sucesso no seu intento. Para isso, ele
assimilará as diferenças do objeto presente diante de si e alterará, é a
acomodação, a organização de suas ações já construídas, os esquemas, a fim
de alcançá-lo de fato.
Os processos de assimilação e acomodação estão presentes durante
toda a vida do indivíduo e permitem contínua adaptação.

Equilibração
Em cada fase do desenvolvimento, a criança estabelece uma
determinada organização que lhe permita relacionar-se com o meio ambiente.
Cada novo estímulo recebido, como visto anteriormente, “aciona” a
utilização de esquemas de ação e/ou mentais já construídos, a assimilação, que,
na relação com o novo objeto, pessoa ou situação favorecerão uma mudança ou
uma transformação que lhe permitirá uma relação mais eficaz com o meio, a
acomodação, representando um processo contínuo de adaptação.
Na medida em que o indivíduo se relaciona com o meio, constrói novos
esquemas e organiza os diversos esquemas já construídos em sistemas mais
ou menos complexos permitindo-lhe um funcionamento mental harmônico para
estabelecer relações com o meio. Isso, Piaget chamou de equilibração das
estruturas cognitivas. A equilibração é um processo fundamental de organização
das estruturas cognitivas num sistema coerente e interdependente que permite
que o indivíduo desenvolva, cada vez mais, formas eficazes de adaptação à
realidade. O desenvolvimento, portanto, pode ser entendido como um processo
de equilibração sucessiva dessas estruturas, que são continuamente
construídas a cada novo contato ou experiência com o meio físico e social. A
utilização de esquemas já construídos e a transformação destes em novos
podem ser entendidas como um processo de desequilíbrio que tende a se
reorganizar sucessivamente, buscando novamente o equilíbrio, para que o
indivíduo consiga lidar com a realidade, na tentativa de compreendê-la.
Exemplo 1: Um bebê que ainda não anda brinca com um objeto que se encontra
em cima de uma bancada. Ele já construiu esquemas de ação que lhe permitem
pegar o objeto, trazer para perto de si, olhar e perceber suas características,
batê-lo sobre o móvel e perceber o efeito que isto causa, mantendo seu corpo
ereto, desde que apoiado no móvel. De repente, o objeto cai. Ele quer pegar o
objeto e já tem uma série de ações desenvolvidas para fazê-lo. Entretanto, seu
corpo, para manter-se equilibrado e em pé, precisa do apoio do móvel. Ele já
sabe abaixar-se e levantar-se. Ele também sabe pegar o objeto e manipulá-lo.
Entretanto, neste momento, ele precisa sincronizar todos os esquemas já
construídos - tudo que envolve, abaixar, levantar, pegar, manipular, apoiar-se,
manter-se em pé - a fim de pegar o objeto no chão, sem que para isso precise
soltar-se do móvel, o que o levaria a cair. Sincronizar os saberes já construídos,
como abaixar, levantar, pegar, apoiar-se etc., para poder pegar o objeto e
manter-se em pé, que é algo que para acontecer depende do apoio no móvel e
que, ainda, não está sob domínio, é um saber ainda em construção, pode ser
entendido como um processo de equilibração.
Exemplo 2: Crianças entre 2 e 3 anos, brincam juntas numa caixa de areia.

A caixa conta com recipientes que podem ser preenchidos com areia e outros
objetos que permitem a manipulação da areia, tais como funis, peneiras,
colheres, espátulas, escumadeiras, entre outros. Todos já construíram variados
movimentos que lhes permitem encher e esvaziar os recipientes, utilizar os
diversos objetos e perceber o efeito e/ou resultado que o uso de cada um deles
produz em contato com a areia.
São crianças entre 2 e 3 anos que já contam também com a linguagem oral para
manifestar-se e expressar ideias.
À medida que se dedicam a preencher os recipientes, se dão conta que
os potes conservam a areia dentro de si. Os funis, porém, não. Ocorrida esta
percepção, ela se faz cada vez mais presente para as crianças quanto mais elas
vão tendo a oportunidade de preencher os potes de diferentes formatos e
tamanhos com areia, bem como os funis. Estes, por sua vez, trazem a percepção
no que diz respeito à vazão variada, pois cada funil, na variação de tamanho e
diâmetro do tubo, escoa a areia num tempo, num volume e numa velocidade
diferentes. Toda variação e variedade de objetos presentes na caixa, em contato
com a areia, exigem das crianças a construção de gestos, movimentos e uso de
habilidades e estratégias diferentes, os esquemas, a fim de entender e executar
diferentes usos e, consequentemente perceber e compreender os diferentes
efeitos/resultados gerados. A articulação dos esquemas já construídos,
organizados em sistemas mais complexos, a equilibração, ajudam a criança a
relacionar-se com o contexto apresentado, qual seja, uma caixa com areia,
potes, funis e objetos que permitem sua manipulação e que a colocam diante de
questões relativas a preenchimento, volume, vazão, peso ..., e investigar as
relações e seus efeitos. A experiência vai ganhando significados que podem ser
expressados e compartilhados com os amigos por meio do repertório de palavras
já construído até o momento. Dizer ao amigo que a areia não sai do pote porque
“está presa” é compartilhar a compreensão, a atribuição de um significado, por
meio de uma palavra conhecida. Muitas são as articulações simultâneas, as
assimilações e acomodações, e uma consequente organização mental
designada por Piaget como “equilibração das estruturas mentais”.
A cada etapa da vida, o indivíduo organiza continuamente seus
esquemas construídos, os seus conhecimentos, de formas específicas
relacionadas às características físicas e mentais de cada um, fruto da relação
entre a maturação biológica e o contato do organismo com o meio. Esse é um
processo contínuo. Desde o momento do nascimento, a criança estará em
contato com o meio físico e social e construirá esquemas para estabelecer, de
forma eficaz, essa relação com o mundo.
É um processo que exige tempo. Tempo de experimentar, tempo para
assimilar as características do objeto ou situação, tempo para construir
sequências de ações que permitam que se estabeleça a relação com esse objeto
ou situação, tempo para repetir inúmeras vezes essas sequências de ações para
que elas sejam apropriadas pela criança a fim de servir de base para novas
ações.
Saber que a criança vive constantemente esses processos de
assimilação e acomodação ajuda o educador a compreender o mecanismo pelo
qual a criança vai crescendo e organizando a inteligência. Entretanto, não serve
para “acelerar” o processo, para fomentar o que costuma-se chamar de
“avanços”, que, na realidade, podem representar pressa do adulto em estimular
o “próximo passo”.
O foco do educador deve ser a relação da criança com o objeto ou com
o meio e não apenas a sequência de ações, os esquemas, estabelecida para
determinado fim. Os esquemas construídos têm importância, mas não
isoladamente. Não interessa apenas desenvolver habilidades e fazer a criança
ultrapassar etapas. O que interessa é propor situações nas quais a criança tenha
que lançar mão de seus recursos para poder vivê-las, ou seja, o interesse está
nas possíveis relações a serem estabelecidas e que, na teoria de Piaget, pode-
se considerar a possibilidade de organizar esquemas já construídos em sistemas
gradativamente mais complexos que permitam às crianças responder aos
desafios que se apresentam.
Para Piaget, o desenvolvimento da inteligência não é linear, pois não se
trata do acúmulo de informações, mas de saltos qualitativos e rupturas, que
representam as articulações citadas anteriormente para a construção de
sistemas mais complexos de relações e estruturas mentais. A inteligência muda
de qualidade à medida que o ser humano vive e se desenvolve. Piaget nomeou
de estágios, ou períodos, as etapas de desenvolvimento que apresentam modos
específicos de agir e pensar. Cada estágio representa uma qualidade ou um
conjunto de qualidades da inteligência. Piaget descreveu quatro grandes
estágios:
 Sensório motor - entre 0 e 18 ou 24 meses;
 Pré-operatório - entre 18 ou 24 meses a 6 ou 7 anos;
 Operatório Concreto - dos 6 ou 7 anos até aproximadamente 11 ou 12
anos;
 Lógico formal - dos 11 ou 12 anos até ....

Neste documento, apenas os dois primeiros estágios serão abordados,


em função da faixa etária atendida no CEDUC.

Período sensório-motor
Piaget, em seus estudos, faz referência à inteligência do bebê, à
inteligência muito antes da linguagem verbal. Existe uma inteligência pré-verbal,
uma inteligência chamada de inteligência prática, inteligência em ação, embora
ainda não verbal, não representativa.
Nos dois primeiros anos de vida, a criança percorre um caminho de alta
complexidade. É a fase em que o foco principal da criança é realizar a
diferenciação entre os objetos externos e o próprio corpo. A criança trabalha
ativamente para formar uma noção de “eu”, para se distinguir dos demais objetos
do mundo externo e estabelecer uma forma de se relacionar com eles.
Como o próprio nome do período aponta, é uma fase de grande
desenvolvimento sensorial e motor. Por meio dos sentidos e da motricidade, a
criança inicia a construção de seus esquemas de ação para estabelecer relação
com o meio. A criança precisa atuar concretamente sobre os objetos que a
rodeiam para que possa compreender o mundo e diferenciar-se dele.
O início da vida é marcado pela presença de reflexos, que vão se
aperfeiçoando e se apresentando como exercícios que darão passagem à
existência das reações circulares primárias, que são os gestos ou as reações
repetidas sem finalidade aparente.
À medida que o bebê cresce, começa a coordenar visão e preensão, um
dos primeiros reflexos do qual dispõe ao nascer, e aprimorar as reações
circulares, repetindo ações que produziram algum efeito. Evidencia-se aí a
existência de uma finalidade para a ação.
A criança tende a achar que são suas ações que causam efeitos no
universo. À medida que ela percebe os efeitos que causa no meio, ela passa a
associar condutas desenvolvidas, os esquemas, para ampliar suas
possibilidades de relação com ele. Associá-las e hierarquizá-las é uma forma de
organização mental, a acomodação, permitindo-lhe encontrar novas
possibilidades de relação e, portanto, estabelecer novas aprendizagens.
A articulação de esquemas construídos gradativamente os relacionará
aos efeitos produzidos e transformando-os para a obtenção de novos objetivos.
A criança que, inicialmente, alcança a corda do móbile para ver o deslocamento
dos objetos e/ou ouvir o som produzido, procura utilizar-se do mesmo gesto para
alcançar um outro objeto, percebendo a necessidade de fazer ajustes e modificá-
lo para este fim. Entretanto, a modificação ainda é sutil. A criança “empresta” os
meios já conhecidos de assimilação, os esquemas construídos, para obtenção
de novos fins. São as reações circulares secundárias.
Tudo está centrado no corpo da criança, que, ainda, não se percebe
claramente separada dos objetos e do meio. Quando o objeto ou pessoa é
retirado de seu alcance ou seu campo de visão, a criança muitas vezes chora ou
se ressente, dando a entender que, para ela, isso deixou de existir.
Uma maior diferenciação dos esquemas de ação ocorre à medida que a
criança vai percebendo os efeitos de sua ação e a necessidade de maiores
ajustes para a obtenção de um determinado fim. Um mesmo gesto já não atende
a variação de sua intenção. É necessário variar ainda mais os gestos e formas
de contato e contágio para relacionar-se com o meio à sua volta. Ela precisará
lançar mão do que Piaget chamou de reação circular terciária, que é a variação
das condições de exploração e tateamento dirigido.
A criança vai, gradativamente, percebendo-se separada e diferente dos
objetos e do meio e começa a procurar o que é retirado de seu alcance ou campo
de visão. Ela sabe que existem, apesar de não estar diante de si o objeto e/ou
pessoa, e passa a procurá-los porque já possui a capacidade de evocá-los. É o
que Piaget chama de esquema do objeto permanente, lembrando que os
esquemas podem ser uma sequência de ações – reações aos estímulos – para
atingir determinado fim, uma imagem interiorizada de um lugar frequentado, de
uma pessoa ou objeto conhecido ou estratégias mentais para solução de
problemas.
Se o objeto retirado é deslocado diversas vezes, nas primeiras ocasiões
da ocorrência a criança tem dificuldade de acompanhar esses deslocamentos e
pode não conseguir procurá-lo. Com o tempo, vai construindo, cada vez mais,
noções de espaço temporais, que vão contribuindo também para a percepção
das relações de causa e efeito. Diferenciando-se mais do espaço e dos objetos,
consegue perceber que a sua ação gera efeitos no ambiente e passa a
interessar-se cada vez mais por isso, a que Piaget chama de desenvolvimento
da causalidade. A construção dos esquemas, que inicialmente estava centrada
no corpo da criança, passa gradativamente a contemplar também as relações de
espaço e tempo. Os deslocamentos de um objeto, que é retirado de seu alcance,
podem ser acompanhados se estiverem ao alcance de sua vista, permitindo que
ela busque o objeto diretamente na posição final de seu deslocamento.
Conforme cresce, a criança interioriza os esquemas construídos e os
dados do meio circundante, “abandonando” gradativamente os tateios ou
relações por tentativa e erro. Diante de um novo desafio ou problema, a criança
consegue suspender a ação, pensar numa alternativa ou em outra ação que
pareça mais adequada à situação.
Exemplo: uma criança entre 1 e 2 anos brinca com tubos suspensos na parede
e bolas. A criança se dedica a colocar as bolas nos tubos a fim de, ao final da
trajetória estabelecida pelo tubo, verificar sua saída. Tanto os tubos quanto as
bolas têm diâmetros variados. Assim, uma bola pode ter o diâmetro maior que o
diâmetro do tubo e, consequentemente, não passar por dentro dele. Inicialmente,
a criança tenta colocar a bola e não consegue. Por este motivo, pode tentar outro
tubo que acolha a bola com o diâmetro em questão. Esta criança conhece as
bolas e seus tamanhos, já brinca com estes materiais há algum tempo, já
relacionou bolas e tubos várias vezes, já construiu esquemas que permitem
relacionar os objetos entre si. Ela sabe pegar as bolas, abaixa e se levanta,
mantém-se em pé sem necessidade de apoio, desloca-se com um ou mais
objetos nas mãos, consegue pegar um objeto tendo outro objeto na outra mão,
equilibra-se nesta operação de forma a conseguir articular mais de uma ação ao
mesmo tempo, desenvolveu variações de preensão a fim de conseguir segurar
bolas de diferentes tamanhos, vai interiorizando também as propriedades dos
objetos: formas, tamanhos, pesos, temperatura, e a relação entre eles:
quantidade, variedade, variação. A experiência vivida tantas vezes foi permitindo
que os dados resultantes da relação com o meio e os objetos fossem
interiorizados e que ela os evoque na hora de decidir que bola colocar dentro do
tubo. Ou seja, a evocação dos esquemas interiorizados, quais sejam, bola maior,
bola menor, tubo mais largo, tubo mais estreito, movimentos realizados para
brincar com estes materiais, permite a elaboração de uma solução mais
adequada que não estará relacionada a tentativas e erros. Esta evocação
sinaliza o início da representação mental, ou seja, não necessariamente a
criança precisará do objeto concreto ou da experimentação direta sobre o objeto
para considerar suas características e finalidades e articulá-las. Ela passa a
contar com uma representação construída em sua mente, que lhe oferece dados
a serem considerados para o estabelecimento das relações.

Período pré-operatório ou objetivo-simbólico


Piaget considera esse o período, ou estágio da representação, porque a
criança passa a lidar com o objeto por meio de um substituto desse objeto. A
palavra é o grande substituto que passa a fazer parte das experiências do ser
humano. Ao falar a palavra bola, a criança evoca a representação do objeto
construída em sua mente. A palavra substitui o objeto, permitindo, porém, que
ele esteja presente por meio de seu uso.
É, portanto, a fase em que a criança desenvolverá ativamente a
linguagem oral, que permitirá junto dos esquemas sensório-motores construídos
no período anterior, serem construídos também esquemas simbólicos.
O período pré-operatório se inicia com a capacidade de representação
mental, de uso de um objeto por outro, de uma situação por outra, ou, ainda, de
um objeto, uma situação ou uma pessoa por uma palavra. A criança que pega
uma boneca e a embala para faze-la dormir, reproduzindo gestos ou ações que
geralmente fazem parte do momento em que a mesma é levada ao sono, está
evocando os elementos presentes em sua vida de ações de cuidado a si dirigidas
e os reproduzindo na relação de brincadeira com a boneca.
No estágio anterior, com pouco mais de um ano, a criança reproduz
ações ou gestos que acontecem à sua frente ou acontecidos pouco tempo antes.
No período objetivo simbólico, ela é capaz de imitar um gesto, uma ação ou um
conjunto de ações muito tempo depois de ter acontecido.
A imitação, que ganha maior alcance neste período, já estava presente
no período sensório-motor, mas muito ligada à reprodução de ações percebidas
dos sujeitos à sua volta. Muitas vezes ocorre uma assimilação automática dos
gestos ou das ações ao seu redor aos esquemas já construídos pela criança. É
o caso do contágio entre os bebês, em caso de choro. Tão logo uma criança
começa a chorar, outras rapidamente começam a chorar também.
A imitação de gestos, que começa muitas vezes como uma forma de
contágio, passa depois a um interesse pela repetição da ação pelo prazer de
repeti-la e não mais por assimilação automática. Entretanto, como no período
sensório-motor, a construção dos esquemas está predominantemente vinculada
ao corpo da criança, ficando os processos imitativos voltados a partes visíveis
de seu corpo. A imitação de expressões, por exemplo, realizadas por outra
criança ou pelo adulto não acontece ainda da mesma forma, pois a criança não
vê diretamente seu próprio rosto.
A imitação, como função de representação, ainda aparece muito ligada
a atos materiais, gestos e movimentos. À medida que, gradualmente, a
construção dos esquemas se descentra do corpo da criança e passa a
contemplar o espaço, as pessoas e o tempo, a imitação deixa de se apresentar
como uma reprodução perceptiva direta e passa a se apresentar como um ato
desligado do contexto imediato. A criança que embala a boneca para dormir,
pode fazê-lo em qualquer momento, não dependendo que isto tenha acontecido
imediatamente antes ou há mais tempo de sua imitação. As ações que a criança
articula nesse momento representam e apresentam os significados atribuídos a
eles nas ações de cuidado recebidas. Desta forma, as ações são chamadas de
significantes, porque apresentam ou representam significados.
A criança que imita um animal, articula gestos, faz mímicas e emite sons
sem precisar, para tal, da presença do animal. Sua imitação revela a presença
de uma imagem internalizada do animal e dos significados associados a ele no
contexto em que vive, que é apresentada em atos e que podem ser
compreendidos pelas outras crianças e adultos, funcionando, portanto, como um
símbolo generalizável.
Por isso, este estágio é chamado de objetivo-simbólico. Objetivo, porque
a criança passa a se interessar pelo ambiente externo, pelos efeitos que causa
no ambiente e, portanto, pelas relações de causa e efeito, diferente do estágio
anterior, no qual o interesse da criança é predominantemente voltado ao próprio
corpo, portanto, subjetivo. Simbólico, porque passa a operar com símbolos
generalizáveis que vão de atos à fala, passando também pelo desenho.
Os símbolos generalizáveis contribuem intensamente para a
comunicação e para a socialização das crianças. A imitação associada à fala
exerce papel importante nas relações das crianças entre si e delas com os
adultos. O uso cada vez mais articulado de palavras para expressar desejos,
ideias e intenções ampliam as possibilidades de relações e de compartilhamento
de significados, bem como de relações de espaço temporais. É possível evocar
acontecimentos passados, pessoas ou objetos ausentes. Na evocação dos
acontecimentos passados poderá não ocorrer, inicialmente, uma precisão de
ordem ou sequência cronológica, sendo confundida, inicialmente, a sequência
do ontem, do hoje e do amanhã. O interesse pelo mundo externo não se
restringe apenas aos objetos ou aos acontecimentos, mas também às pessoas.
Embora se trate de um período em que a criança volta o interesse para o mundo
externo, ela, ainda, está muito focada nos efeitos que ela mesma causa no
ambiente e nas pessoas e nos impactos que o ambiente causa nela.
Assim, embora o interesse, do ponto de vista corporal, não esteja mais
tão voltado a si, ela ainda é o centro do interesse no que diz respeito às relações
de causalidade. Contemplar o ponto de vista, o interesse e a intencionalidade do
outro não é tarefa fácil. Da mesma forma o é, contemplar mais de um aspecto
de um mesmo objeto ou situação. No que diz respeito aos objetos, as crianças
se fixam na característica ou propriedade predominante, mais marcante ou
visível e não tanto na função ou uso, ou propriedades relacionais. Isto é
percebido nas provas de conservação propostas por Piaget. Diante de dois
recipientes de mesma capacidade em volume, mas com formatos diferentes, a
criança, ao ser questionada a respeito de onde cabe mais liquido, dirá que é no
copo mais alto e estreito do que no copo mais largo e raso. A altura, aspecto do
objeto que predominantemente recebe sua atenção, é usado como critério de
avaliação.
Se a relação de causalidade está centrada na criança, também os
fenômenos, objetos ou pessoas são vistas com finalidades e intencionalidades
dirigidas a ela. Diante da pergunta “o que é uma cama”? é comum ouvir as
crianças responderem “é para eu dormir”. A existência dos objetos e/ou dados
do mundo externo são incorporados ao seu eu. Assim, o conceito de
egocentrismo tão difundido na teoria de Piaget, refere-se a esta característica
marcante deste estágio do desenvolvimento, no qual ela, a criança, se assume
como o ponto de referência para a leitura do mundo à sua volta. A inteligência
ainda é uma inteligência prática. A construção de conhecimento se dá por meio
das ações e manipulações, o que implica contato direto com o real. O processo
de interiorização das ações, convertidos em esquemas e representações
mentais, acontecerá ao longo dos 5 anos imediatamente sucessivos ao período
sensório motor, dando lugar a um pensamento que passa a considerar não
apenas o próprio ponto de vista ganhando, também, reversibilidade, que é a
possibilidade de seguir uma trajetória e voltar ao seu ponto de partida. Neste
ponto, inicia-se um novo período do desenvolvimento denominado por Piaget de
estágio operatório concreto.

Algumas Considerações
Piaget trouxe contribuições importantes para a educação à medida que
mostrou peculiaridades e especificidades do pensamento do indivíduo desde seu
nascimento.
Apresentar a criança como um ser inteligente, mas com uma inteligência
diferente da do adulto, foi determinante para novas práticas educativas que
começaram a se preocupar em organizar situações de aprendizagens
pertinentes aos novos conhecimentos a respeito do modo de pensar e agir das
crianças.
Entretanto, o conhecimento de sua teoria também abriu espaço para a
crença de que as provas realizadas por Piaget para a compreensão do
pensamento infantil poderiam ser transpostas para a sala de aula, como
atividades de ensino-aprendizagem realizadas pelo professor. Foi comum
encontrar professores aplicando as provas para verificar ou comprovar as
características do pensamento identificadas por Piaget e, em seguida, elaborar
atividades que objetivavam o “avanço” da criança, a “superação” daquela
característica entendida como falta, ou como distância do pensamento lógico
mais próximo do pensamento adulto que era o foco desejado.

Prova de Inclusão Hierárquica de Classes.


Exemplo 1:
Apresenta-se à criança um maço de margaridas e um maço de rosas vermelhas
com menor quantidade. Diante dos dois agrupamentos lança-se a pergunta à
criança: aqui, há mais flores ou mais margaridas? A criança entre 2 e 6 anos
aproximadamente responde que tem mais margaridas. Ela ainda não inclui numa
mesma classe os dois tipos de flores. A criança ainda não domina as relações
entre um conjunto de objetos e seus subconjuntos. Elas analisam o que tem
diante de si, fazendo recortes que consideram os subconjuntos em relação a
eles mesmos e não em relação a categorias mais amplas e mais complexas.
Exemplo 2:
Apresenta-se à criança 3 cartões com imagens de pato, 5 cartões com imagens
de passarinhos e 5 cartões com imagens de borboletas.
Pergunta-se a criança:
 Há mais aves ou passarinhos?
 Há mais aves ou animais?
 Das figuras apresentadas, mostre as que não são aves.
Era comum encontrar escolas que faziam a prova para verificar a condição do
pensamento da criança e propor provas que a fizessem entender que existe uma
classe ou categoria de objetos – flores – e que tanto margaridas quanto rosas
pertenciam à mesma categoria, que passarinhos são aves e que aves são
animais.
Assim, as diferenças ou peculiaridades do pensamento infantil passaram a ser
vistas e entendidas como etapas anteriores à construção do pensamento adulto,
objetivo final da aprendizagem. A proposta escolar era ajudar a criança a
avançar, a superar essas etapas a fim de, cada vez mais e melhor, construir esse
pensamento.
Outro aspecto de sua teoria que ganhou relevância dentro da educação
infantil foi a relação entre aprendizagem e estímulo. O fato de afirmar que tanto
o meio físico como o meio social são responsáveis pela oferta de inúmeros
estímulos, suscitando a construção de esquemas mentais e/ou de ação que
permitirão uma relação de adaptação e equilíbrio entre o indivíduo e o meio,
trouxe para os ambientes educativos a interpretação de que a escola seria o
lugar que deveria, então, estimular a criança. Não há dúvidas que a criança é
estimulada ao lhe serem oferecidas situações de aprendizagem, mas isto deve
ser entendido como parte de algo mais amplo e complexo e não como um fim
em si mesmo.
Seguindo esse raciocínio, existe, na história da educação infantil, uma
tendência pedagógica que utilizou, e ainda utiliza, esse termo para indicar um
momento específico na rotina de trabalho cotidiano com os pequenos.
Há, em prédios escolares Salas de Estimulação destinadas a propiciar
momentos dedicados a buscar, como resultados, ações que evidenciem algum
tipo especifico de aprendizagem, ou seja, a hora da estimulação passou a ser
entendida e planejada como o momento dirigido de ensino-aprendizagem. As
crianças são levadas para a sala, geralmente equipada com brinquedos, objetos
para movimento, espelhos e coisas afins, destinadas ao trabalho individualizado
de estimulação. Observa-se, inclusive, em sua maioria, não serem tão
“atraentes” ou equipadas as que não são salas de estimulação.
Assim, o momento de estimular é isolado de todo o restante, é pontual e
visa a obtenção de habilidades específicas.
No CEDUC, os estudos da teoria piagetiana ajudam a compor o acervo
teórico utilizado para lançar o olhar sobre a infância e sobre as possibilidades de
aprendizagem das crianças.
A ambientação das salas de referência conta com a presença e
organização de diversos materiais, objetos e móveis, que, disponibilizados
permanentemente, constituem campos de experiências. Eles oferecem variadas
possibilidades de relações e de aprendizagem que ocorrem diariamente,
continuamente, em parceria com colegas ou individualmente, conforme for a
preferência. Crianças e adultos passam grande parte do tempo nessas salas e
têm a oportunidade de definir que experiências lhes interessam, quais lhes são
compatíveis em dado momento, quais os desafiam, quais lhes agradam, quais
os provocam e, por consequência, constroem conhecimentos de natureza
variada, constroem habilidades também variadas, sendo apoiados por adultos,
colegas de mesma ou de diferente faixa etária.
São também propostas em grupos, pequenos ou grandes, algumas
situações dirigidas de acordo com o planejamento dos adultos, em alguns
momentos do dia, articuladas às situações vividas nos campos de experiência e
aos tempos de cuidados.
A organização dos tempos e dos espaços de permanência objetivam a
oferta de um ambiente de aprendizagem em que a criança coloque em jogo o rol
de estratégias das quais pode lançar mão, os esquemas de ação, os esquemas
mentais construídos e os em construção, para relacionar-se e construir
conhecimento.
Um espaço com estrutura permanente, que oferece diariamente campos
de experiências variadas, leva em consideração as repetições inerentes à
aprendizagem, a necessidade de afastar-se e reaproximar-se de uma mesma
experiência em momentos diferentes, de exercitar e “maturar” uma determinada
habilidade a fim de “afrontar” determinado desafio, de solicitar ajuda, de perceber
como o outro faz, de mostrar a superação, de construir um novo caminho para
um mesmo ponto de interrogação.
Assim, considera-se a multiplicidade de fatores presentes nas situações
de aprendizagem e procura-se contemplá-la no cotidiano das crianças nas
creches.

VYGOTSKY

Considerando a relevância do contexto social, cultural e psicológico dá-


se visibilidade à importância da relação entre o biológico e o sociocultural para a
constituição das características consideradas tipicamente humanas e à
permanente evolução dos processos psíquicos.
Assim, passa-se a “conversar” com dois teóricos do desenvolvimento,
autores de grandes contribuições: Vygotsky e Wallon.
Lev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, pequena cidade
perto de Minsk, a capital da Bielo-Rússia. Aos 18 anos, matriculou-se no curso
de medicina em Moscou, mas acabou cursando a faculdade de direito. Lecionou
literatura, estética e história da arte e fundou um laboratório de psicologia - área
em que rapidamente ganhou destaque, graças ao seu amplo repertório cultural.
Participou intensamente dos questionamentos do contexto sociocultural de sua
época, pois viveu os períodos anterior e posterior à Revolução na União
Soviética (Rússia). Dedicou seus estudos à compreensão de como o contexto
sociocultural pode influenciar e determinar o desenvolvimento humano. Faleceu
em 1934.
Vygotsky desenvolveu uma abordagem sóciointeracionista15 do
desenvolvimento humano com a qual buscava “caracterizar os aspectos
tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como estas
características se formaram ao longo da história humana, filogênese, e de como
se desenvolvem durante a vida de um indivíduo, ontogênese. (Rego, 1994,
p.38)”.
Dedicou-se ao estudo das então chamadas funções psicológicas
superiores que são mecanismos intencionais, ações conscientemente
controladas, processos voluntários, como capacidade de planejamento, previsão
de futuro, memória voluntária, imaginação, entre outros; processos que dão
independência ao homem em relação às características de tempo e espaço
presentes. Estas funções são constituídas e se organizam a partir da fala, e,
neste sentido, estão muito relacionadas ao desenvolvimento da linguagem como
um todo.
Para Vygotsky, os processos psicológicos superiores “se originam na
relação entre os indivíduos humanos e se desenvolvem ao longo do processo de
internalização de formas culturais de comportamento” (Rego, 1994, p.39).
Assim, ele atribui enorme importância à interação social no
desenvolvimento. As características individuais dependem da interação do ser
humano com o meio físico e social. É nas e pelas interações sociais que o sujeito
constrói seu entendimento de tudo: dele próprio, do outro e do mundo físico.
Esse autor enfatiza a mediação nos processos de desenvolvimento da
cognição, relaciona o grupo cultural ao plano histórico, o que inclui
características regionais e datadas num dado tempo histórico, fazendo suas
observações sempre móveis e contextualizadas, ou seja, evita certezas
estruturais. Isso articula cognição, emoção e sociabilidade. O indivíduo aparece
mais inteiro em sua teoria. Em outras palavras, para Vygotsky não existe
possibilidade de pensarmos o desenvolvimento humano sem que o
consideremos imerso na cultura e, portanto, afetado por ela.
Assim, ao avaliarmos e ao estudarmos o desenvolvimento humano é
preciso faze-los considerando o momento histórico, seus acontecimentos, suas
forças políticas, características econômicas, hábitos e costumes do grupo em
que se está inserido, crenças, comportamentos, enfim, é preciso considerar tudo
que está a e em volta do sujeito.

15Embora outros autores tenham usado o termo Interacionismo, Vygotsky o atribuiu à relação entre
pessoas.
Frente a esses valores tão ressaltados, o brincar recebe destaque, pois
a brincadeira é rica em aprendizagens e mobiliza o desenvolvimento,
trabalhando as zonas potenciais. As brincadeiras acionam as “potências” das
crianças e, então, interferem muito no desenvolvimento.
A brincadeira está muito relacionada ao contexto histórico social e
econômico, sendo um reflexo direto dessas condições. As crianças sempre
brincam. A criança, assim como faz a água enquanto escoa, busca naturalmente
um caminho. O caminho lúdico... ela é lúdica. O brincar é seu idioma. Crianças
que trabalham na infância, por exemplo, encontram pequenas brechas para
brincar durante o trabalho, como pode fazer um menino de sete anos, nos
fundos, de um caixote de feira com um pedaço de pedra, que ele trata como seu
“carrinho”. Outro menino de mesma idade, em um local deserto distante, pode
fazer contas com ossos de animais enquanto brinca. A criança sempre brinca. O
“como ela brinca” é que se refere a um contexto maior que precisa ser conhecido
e analisado também. Isso pode ajudar os educadores a não “didatizar” o brincar.
Ele é um autor que pode apoiar os educadores das crianças da escola de
educação infantil a resgatarem as brincadeiras espontâneas da infância.
Alguns conceitos-chave da teoria de Vygotsky:

Mediação
Para Vygotsky, a relação do homem com o mundo não é uma relação
direta, mas primordialmente mediada. Para ele, entre o sujeito e o mundo sempre
há um elemento mediador, intermediário. A presença de elementos mediadores
introduz um elo a mais na relação organismo/meio, tornando-a mais complexa.
Podemos distinguir dois tipos de elementos mediadores.

Instrumentos (mediação concreta)


O surgimento do trabalho e a formação da sociedade foram as bases do
estudo de Vygotsky para compreender o desenvolvimento do homem como
espécie diferenciada. Por meio do trabalho e, portanto, da ação transformadora
do homem sobre o meio em função do trabalho, foi possível entender e
evidenciar a importância do uso de instrumentos no desenvolvimento da espécie
humana.
Dentre tantas questões que impulsionaram Vygotsky e seus
pesquisadores a investigar a inteligência humana, uma delas foi bastante
norteadora: “quais as formas novas de atividade que fizeram com que o trabalho
fosse o meio fundamental de relacionamento entre o homem e a natureza e quais são

as consequências psicológicas dessas formas de atividade? ” (Vygotsky, 1991, p.21).

O instrumento, objeto externo ao homem, criado ou desenvolvido


especialmente para determinado objetivo, qual seja, provocar mudanças nos
objetos ou controlar processos da natureza, se interpõe entre o trabalhador e o
objeto de seu trabalho. É um elemento que amplia as possibilidades de relação
com o meio físico, porque gera transformação da natureza, mas também com o
meio social, pois o trabalho cria condições de interação entre os homens.
Os instrumentos são ferramentas, são recursos, são “apoios” sem os
quais o homem teria uma dificuldade muito maior para resolver alguns
problemas, podendo até não ter condições de resolvê-los.
O instrumento, à medida que carrega consigo a função para a qual foi
criado e seu modo de utilização, carrega também os dados sócio históricos de
sua origem, utilização, adaptações e transformações ao longo do tempo,
representando, portanto, um elemento cultural de grande relevância.
Para cortar objetos densos, o homem pode utilizar facas, tesouras, raios
de laser. Estes, então, são instrumentos dos quais o homem lança mão para
solucionar seus problemas com cortes. Utilizando exemplos da tecnologia. Se
houver necessidade de falar imediatamente com alguém, o homem não tem a
possibilidade genética de se telecomunicar, mas, com o apoio da tecnologia, de
forma bastante natural e quase sem consciência da própria escolha, ele pode
telefonar. Neste caso, o telefone é um eficiente instrumento que leva o homem
a resolver este problema de forma rápida e eficaz. Ao longo do tempo, o homem
busca criar instrumentos cada vez mais eficazes para o estabelecimento de suas
relações com o meio físico e social, característica permanente de relação do
homem com o meio.
Isso significa que ele age na direção de buscar mediadores entre sua
ação para a resolução de problemas e o mundo. Usa sua inteligência a seu favor
para alcançar objetivos. Comportamento que, muito frequentemente,
encontramos nos bebês desde muito cedo.

Signos (mediação simbólica)


Também chamados por Vygotsky de “instrumentos psicológicos”, são
elementos externos, mas voltados para o próprio sujeito, voltados ao controle de
ações psicológicas como, por exemplo, memória ou atenção. Assim, podemos
dizer que são externos e internos. São recursos de mediação entre o homem e
o mundo, posteriores aos instrumentos, ou seja, vieram depois dos instrumentos
no desenrolar do desenvolvimento humano.
O ser humano desenvolveu, ao longo da história, uma variedade de
signos que funcionam também como recursos que o auxiliam no desempenho
de atividades psicológicas: placas de trânsito, mapas, diagramas que orientam
a construção de um objeto.
Há dois tipos de signos: um, ligado a uma existência mais concreta das
ideias e outro mais complexo, ligado a representação mental superior. Um
exemplo clássico desse primeiro tipo pode ser o sistema de sinalização dos
banheiros públicos. Eles têm imagens rapidamente reconhecidas pela mente
humana como indicativas de gêneros e, por isso mesmo, de separação dos
banheiros. Pode-se ver, afixada na porta, uma saia e um chapéu, ou rostos
femininos, ou, ainda, a silhueta de um vestido, indicando o banheiro feminino e,
na outra porta, um terno, um charuto ou uma bengala como imagens que indicam
o banheiro masculino. Não importa que não mais sejam usados chapéus e nem
que a bengala possa ser usada por homens e mulheres, importa que,
culturalmente, é internalizada uma mensagem imediata dessas imagens e o
cérebro compreende o comportamento esperado a partir de sua visualização.
No exemplo acima, há uma comunicação imediata feita com bastante
base concreta, ou seja, esses signos são símbolos que se interligam com uma
ideia de diferenciação de gêneros diretamente, e é a cultura que se encarrega
de deixá-los cada vez mais reforçados ao homem.
O mesmo ocorre, por exemplo, com a foto de uma enfermeira
sustentando o dedo indicador em riste frente à boca. Imediatamente o
interlocutor compreende que precisa falar baixo ou não falar.
Pode-se dizer que, nos dois exemplos acima, o nível de representação
mental é pouco profundo, não há muita elaboração, há uma compreensão
imediata do sistema de comunicação.
O outro tipo de signo é aquele que perdura ao longo do desenvolvimento,
compondo nosso sistema psicológico e, portanto, criando um grande repertório
de significados fruto de nossas experiências com o sentido daquela ideia. Eles é
que vão possibilitar o ser humano ter sua representação mental mais elaborada.
Para Vygotsky, quando se pensa em um signo, em uma ideia, como, por
exemplo, em “cadeira”, é acionada na mente, se não for a primeira vez em que
se toma contato com a palavra e/ou com o objeto, uma gama de sentidos
atrelados à cadeira, originados nas experiências pregressas com aquela ideia.
Cada leitor deste texto, pôde, no instante em que leu “cadeira”, trazer uma
imagem deste objeto. Esta habilidade é a representação mental, ou, pelo menos,
uma de suas facetas, é a possibilidade de evocar mentalmente um objeto, uma
ideia, uma situação, um sentimento, que não estão presentes concretamente no
momento de sua evocação.
A representação mental é esta fantástica possibilidade totalmente
singular de cada sujeito de evocar uma imagem de algo, ou seja, de concretizar
em pensamento o que não está concreto na situação. No entanto, isso não é
possível sem o signo, pois é ele que aciona a representação mental. Estando
esta habilidade vinculada às experiências de cada um, ao mesmo tempo em que
um leitor “faz” em seu cérebro a imagem da cadeira de balanço da avó, onde
muitas vezes, na infância, brincou em sua companhia, outro leitor pode ter “feito”
a imagem de uma cadeira elétrica de um documentário americano que ele viu na
semana passada.
Complexo, diverso, inusitado e, ao mesmo tempo, ambas são cadeiras.
Ao longo do desenvolvimento humano, acontecem duas grandes
mudanças qualitativas no uso dos signos. Na primeira, as marcas externas vão
sendo internalizadas, formando sistemas simbólicos que organizam os signos
em estruturas complexas e articuladas. Na segunda, as marcas externas vão se
tornando menos necessárias, dando lugar à utilização de signos internos,
representações mentais que substituem os objetos da realidade.

Processo de Internalização
A internalização dos signos é um processo fundamental para a relação
do homem com o mundo, pois permite a construção de sistemas simbólicos que
viabilizam essa relação, tomando os conteúdos mentais o lugar dos objetos, das
situações e dos eventos do mundo real. É essa capacidade de lidar com
representações que substitui o real, que liberta o homem das relações com o
espaço e tempo presentes, permitindo que ele imagine, preveja, planeje e pense
em coisas que não necessariamente foram vividas por ele, ou ainda, use as
experiências e seus significados para projetar suas ações futuras.
A organização dos signos internalizados em sistemas simbólicos permite
que seus significados sejam compartilhados por grupos sociais, representando
importante elemento mediador do homem com o mundo, pois consistirá numa
espécie de código de decifração do mundo. O compartilhamento de significados
permite que grupos sociais construam formas comuns de interpretação da
realidade que podem ser transmitidas por várias gerações, sendo isto a
dimensão sociocultural do desenvolvimento humano.
Um exemplo é o valor dado à adolescência por diferentes sociedades.
No Brasil, há certa valorização do momento da puberdade, no sentido de muito
se falar a respeito, do quanto é preciso um tratamento específico para com as
pessoas que vivem esta fase. Muitas são as orientações de diversos
profissionais visando apoiar os adultos que convivem com os adolescentes. Tal
situação termina por criar um lugar simbólico para o assunto, no caso, para o
próprio adolescente em que todos já esperam que ele será mesmo difícil. Em
outras palavras há uma valorização deste momento.
Pois bem, há tribos indígenas em que o momento da puberdade é
entendido como um momento extremamente confuso e pouco definido do
homem. É pensado como um momento de resguardo e espera para a chegada
do homem definitivo. É comum encontrar práticas em que, por segurança, o
adolescente é isolado do convívio social, precisa passar por situações de tensão
e dor, como, por exemplo, deitar-se sobre um formigueiro, ou arranhar todo o
corpo com espinhas de peixe.
Em ambos os casos acima, há razões para as escolhas, não sendo aqui
o momento de discuti-las, apenas notar que os valores culturais, as crenças, as
práticas humanas, os hábitos e os costumes definem um conjunto de sentidos,
de signos que são vividos pelos grupos sociais, sendo por eles perpetuados e
constituindo um código de entendimento do mundo, interpretação da realidade,
e das relações comuns a todos daquele lugar.
O compartilhamento de significados se dá nas relações interpessoais. A
relação face a face entre os indivíduos, portanto, é de fundamental importância
na construção do ser humano, pois é por meio dela que o indivíduo internalizará
as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico.
Vygotsky é mais um teórico interacionista, e, para ele, a aprendizagem
não deriva somente do aparelho humano inato e nem somente do ambiente,
mas da confluência dos dois campos. No entanto, em suas postulações, a
responsabilidade do ambiente parece ser mais enfatizada do que a da genética,
embora, a segunda atue. Logo, a interação com o outro é premissa de
aprendizagem e desenvolvimento.
No início da vida, o ser humano tem suas ações e seus gestos
interpretados pelo adulto de acordo com a rede de significados construída
culturalmente. São essas interpretações que permitirão atribuir significados às
suas ações e internalizá-los, construindo seus sistemas simbólicos.
Assim, para Vygotsky, o desenvolvimento humano que se dá “de fora
para dentro” é muito valorizado, porque são as pessoas com as quais o sujeito
se relaciona que oferecem as interpretações de suas ações e de eventos da
realidade, de acordo com os significados culturalmente construídos. São essas
interpretações, esses significados atribuídos socialmente que serão
internalizados.
Um exemplo é o conjunto de ideias, sentimentos, práticas e crenças que
cada família (microcultura) atribui, na educação de suas meninas, ao momento
da menstruação. Há diversas maneiras, entonações psicológicas, ênfases, que
podem ser colocadas, a respeito deste assunto, na relação com as meninas que
se tornam mulheres. Encontramos famílias que acreditam em vários cuidados
físicos necessários para este momento, tais como, não colocar os pés descalços
no chão devido à friagem provocar cólicas, evitar lavar a cabeça devido à perda
de temperatura do corpo, não comer determinados tipos de alimentos mais
gordurosos. E, de outro lado, podemos encontrar famílias que vão ensinar às
suas meninas que nada se altera enquanto elas estão menstruadas.
Em ambos os casos acima mencionados, as razões sócio emocionais
culturais ditam essas escolhas e definem o tratamento dado à questão, contudo
isto definirá reações muito distintas nas meninas.
Nesses casos, são mencionados dados distintos na microcultura, que é
a família, mas poder-se-ia citar dados da macrocultura como, por exemplo, um
país ou uma religião em que as mulheres precisam cobrir os rostos para sair à
rua e, em outros, que elas podem sair com muitas partes do corpo desnudas.
Neste sentido, o sujeito e sua aprendizagem precisam ser sempre
considerados em um contexto maior. E isso ressalta o papel do educador, bem
como dá valor à sua responsabilidade.
Pensar em situações significativas de interação e, portanto, de
atribuição/internalização de significados evidencia-se na organização de
contextos de aprendizagem que sejam compatíveis com as características de
relação da criança com o mundo.
Assim, utilizar essas ideias como inspiração para o trabalho prático
cotidiano do educador envolve:
1. Muito cuidado do adulto ao interpretar as ações das crianças, ou seja,
é preciso atenção para dar um valor, uma conotação, um sentido às ações delas.
É fundamental não julgar moralmente seus atos. Em resumo alguma
interpretação sempre deve ser feita, contudo ela deve possibilitar crescimento.
Um exemplo disso pode ser uma criança numa fase em que está mordendo os
amigos e batendo em todos que se aproximam. Ela não pode receber a
interpretação do adulto que cuida dela de que é uma criança má ou agressiva,
pois, se isso ocorrer, há risco de que essa mensagem se torne uma marca
determinante da criança.
2. Muito cuidado do adulto para gerar interpretações a partir das ações
de um grupo de crianças que igualmente precisa corresponder às necessidades
das suas faixas etárias. Um exemplo pode ser um educador que crie regras de
convivência e de comportamento, pelas quais as crianças devem permanecer
silenciosas e contidas fisicamente na maior parte do tempo. Necessariamente
ele estabelecerá um código de conduta que valoriza essas reações e, assim,
estabelecerá com aquele grupo um único modo “correto” de ser que poderá
dificultar aprendizagens significativas.
3. Atenção especial do adulto para os momentos de propostas coletivas,
incluindo os espaços do brincar, de forma que ele possa prever um cuidado
detalhado com a maneira como dispõe cada objeto na sala, com a maneira como
emposta sua voz ao encaminhar a proposta, com o tempo que propicia que a
proposta dure, que não pode ser rápido demais e nem demasiado longo, com as
propostas pedagógicas que faz diariamente a partir do que viu que as crianças
fizeram e falaram até aquele momento.
4. Lembrar-se de que o desenvolvimento é singular e que depende das
experiências vividas e que as crianças não são iguais e não devem dar respostas
iguais.

Língua – sistema simbólico básico de todos os grupos humanos

Boa parte das mediações realizadas pelos adultos na relação com a


criança se dá na e por meio da palavra. A língua, sistema simbólico básico de
todos os grupos humanos, oferece, por meio de palavras, a possibilidade de
perceber e organizar o real ao atribuir significados a objetos, eventos e situações
que não ficam restritos a um grupo específico, mas podem ser compartilhados
por muitos grupos humanos. Por esse motivo, o desenvolvimento da língua e do
pensamento ocupa lugar central na obra de Vygotsky.
A palavra ganha grande valorização. A fala e a atividade prática têm para
ele a mesma importância na constituição da inteligência.

A fala da criança é tão importante quanto a ação para atingir um


objetivo. As crianças não ficam simplesmente falando o que
estão fazendo, sua fala e ação fazem parte de uma mesma
função psicológica complexa, dirigida para a solução do
problema em questão. Quanto mais complexa a ação exigida
pela situação e menos direta a solução, maior a importância que
a fala adquire na operação como um todo. Às vezes, a fala
adquire uma importância tão vital que, se não for permitido seu
uso, as crianças pequenas não são capazes de resolver a
situação. (Vygotsky, 1991, p.28).

Pensamento e Linguagem

Os sistemas de linguagem foram criados pelo homem para permitir a


comunicação. Até hoje, é a necessidade de comunicação que impulsiona o
desenvolvimento da linguagem. O bebê, no início da vida, se utiliza de vários
recursos de comunicação como sons, gestos, expressões que não são ainda
verbais, não são constituídos por palavras, mas que têm a função de comunicar
aos adultos, meio social suas sensações de desconforto como dor, fome, sede,
sono, seus mal e bem-estares.
Entretanto, uma comunicação mais eficaz e sofisticada exige o uso de
signos cujos significados possam ser compreendidos por mais pessoas e
traduzam ideias, sentimentos e pensamentos de forma mais precisa. Assim, a
língua se apresenta como um sistema simbólico mais eficaz para a comunicação.
A língua tem duas funções elementares:
 Intercâmbio Social
 Pensamento Generalizante

A língua “ordena o real, agrupando todas as ocorrências de uma mesma


classe de objetos, eventos, situações, sob uma mesma categoria conceitual”
(Oliveira,1997, p. 43), permitindo, assim, que muitas pessoas compreendam o
que se deseja comunicar. Essa característica torna a língua um instrumento de
pensamento e, ao mesmo tempo, o pensamento é afetado pela língua, havendo,
neste sentido, uma inter-relação de mutualidade sem fim.
A língua é o lugar dos códigos comuns, é o conjunto de signos
construídos culturalmente que visa facilitar a comunicação.
Entretanto, pensamento e língua, que é, para Vygotsky a melhor
tradução de “linguagem”, não estão interligados desde o nascimento. Para
Vygotsky, a criança apresenta um período da vida em que sua comunicação e
seu funcionamento intelectual existem mesmo sem o uso da língua.
Aqui reside a fundamentação para a ação educativa intencional de
conversar com os bebês desde a chegada deles à creche. O tom sempre ganha
pausa na fala e enquanto o educador fala, sempre deve olhar nos olhos dos
bebês. Um exemplo da prática desse conceito se dá quando uma criança chega
à creche e escuta de uma coordenadora no momento em que entra pelo
corredor:
-“Olá, Fulano, que bom que você chegou. Estávamos esperando por
você e sua mãe! Você vai gostar daqui! A creche foi feita para você”!
Numa situação como essa, não importa saber o que exatamente ele
entendeu do ponto de vista do significado das palavras. O que é mais
significativo é que o tom adotado, o olho no olho, o nome dele enunciado, levarão
a mensagem de que ele está sendo acolhido naquele momento.
Após este período inicial da vida humana em que a relação pensamento
e língua parece ainda pouco articulada, ocorre um entrecruzamento entre ambos
e o registro mental disto se encarrega de nunca mais os desatrelar. Em outras
palavras, língua e pensamento vão se unir de forma definitiva na vida humana e,
embora não se saiba com precisão quando isso acontece, que para Vygotsky
seria por volta de 12 meses, em muito se colabora com este acontecimento
quando se conversa com os bebês. Com esta escolha, o educador serve como
modelo, cria teias de repertório de vocabulários e inclui o bebê em um contexto
falado de afeto.
Nesse período da vida, é dito que a criança apresenta uma inteligência
prática pela qual utiliza recursos e instrumentos para solução de problemas, mas
ainda não conta com a internalização dos significados presentes nas palavras,
bem como o uso delas para comunicar- se. Na medida em que vai vivendo
experiências e estas vão sendo nomeadas pelos adultos, os significados
atribuídos vão sendo internalizados de forma a unir a língua e o pensamento,
tornando a fala mais intelectual e simbólica enquanto o pensamento fica mais
verbal, mediado pelos significados presentes na língua.
Vale mencionar que quando uma criança pequena está se organizando
corporal e mentalmente para aprender a pegar algum objeto, ela não sabe o
sentido que isso tem no plano das palavras, ela simplesmente vai explorando
possibilidades diversas até conseguir seu objetivo final. É o adulto que,
presenciando essa atitude, atribui sentido às ações das crianças e utiliza
palavras para “explicar” seus atos. Quando isso acontece repetidas vezes, cria-
se um ambiente de construção de conceitos comuns entre crianças e adultos,
pois as nomeações destes imprimem uma marca na ação daquelas.
Com o tempo, crianças e educadores têm um vocabulário comum que
rege as trocas linguísticas entre eles, criando, assim, uma língua própria daquele
pequeno universo de relações.
A organização que Vygotsky faz entre fala e pensamento articula os
campos interpsíquicos com os intrapsíquicos e isso ajuda a observar
movimentos internos sendo modificados por relações sociais e vice-versa.
Desenvolvimento e Aprendizagem
Pensando que a aprendizagem se dá de fora para dentro por causa da
imersão do sujeito na cultura, ela se torna importante na definição dos rumos do
desenvolvimento.
O sujeito se desenvolve porque age sobre o mundo e sua ação,
nominada pelo outro e sempre mediada, faz com que ele aprenda. Nesse caso,
o caminho do desenvolvimento está aberto a muitas possibilidades, porque é na
relação com o meio social e cultural, nas ações em que acontecem as
aprendizagens, que o desenvolvimento será “provocado”.
Nesse sentido, Vygotsky inspira para ser fundamentado um dos valores
mais importantes no CEDUC: acreditar que todo ser humano pode aprender!
Todo ser humano tem potencial de crescer, conhecer e se desenvolver e o faz
na relação com o outro.
Essa forma de entender a relação entre desenvolvimento e
aprendizagem apresenta a interdependência entre o sujeito que aprende e se
desenvolve e o meio em que vive; e entre o sujeito e o “outro social”.
Vygotsky apresenta um conceito que explicita essa ideia quando trata
das relações de aprendizagem.

Zona de desenvolvimento proximal


De maneira geral, quando se avalia a aprendizagem de uma criança faz-
se referência àquilo que ela sabe, àquilo que ela consegue fazer sozinha sem a
ajuda de outra pessoa. Quando se fala que a criança sabe andar, refere-se à
habilidade de andar sem a necessidade de ajuda. Quando se fala que sabe
amarrar os sapatos, a mesma coisa.
Entretanto, quando se pensa nas possibilidades de aprendizagem e nas
relações responsáveis por estas aprendizagens não se pode esquecer que o já
conquistado pela criança é fruto de relações vividas anteriormente, de um
percurso vivido até ali que não estava dado à priori.
Em sua contínua relação com o mundo, a criança manterá inúmeras
relações com objetos e sujeitos, oferecendo, essas relações, recursos para que
novas aprendizagens sejam construídas. Porém, até que sejam concretizadas,
as novas aprendizagens serão possibilidades de ação e de pensamento
somente através da ajuda de outra pessoa. Ou seja, em outras palavras, a
criança resolverá determinado problema a partir do apoio, da intervenção, da
ajuda do outro.
Mas não é qualquer ação ou pensamento que pode se efetivar como
aprendizagem com a ajuda de outro. Não é qualquer pessoa, em qualquer
situação, que, com a ajuda de outro, construirá uma determinada aprendizagem.
É necessário que algo já tenha sido conquistado pelo sujeito, que ele já tenha
atingido certo nível de desenvolvimento e aprendizagem para que, com a ajuda
de outro, realize avanços, resolva os problemas, conquiste suas soluções.
Vygotsky denomina nível de desenvolvimento real aquilo que a criança
consegue realizar sozinha e nível de desenvolvimento potencial aquilo que ela
consegue realizar com ajuda de outro.
Assim, as aprendizagens acontecem no que Vygotsky chama de zona
de desenvolvimento proximal, que seria a distância entre o nível de
desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. Zona de
desenvolvimento proximal diz respeito ao caminho que a criança percorrerá
entre aquilo que já está conquistado e aquilo que se tornará uma nova conquista,
na e pela intervenção do outro.
A zona de desenvolvimento proximal, portanto, está em constante
transformação, pois aquilo que a criança pode fazer com ajuda do ‘outro’ hoje,
amanhã poderá fazer sozinha, sem auxilio, abrindo possibilidade para outra nova
aprendizagem, ou seja, o que hoje é nível de desenvolvimento potencial se
tornará nível de desenvolvimento real e esta é uma sequência ininterrupta.
Exemplos. Quando um bebê é ajudado a se levantar com segurança com
o apoio do braço de quem o auxilia ou criando apoios seguros de diferentes
alturas em sua sala, atua-se na ZDP, zona de desenvolvimento proximal. Isto,
porém, é confirmado se o bebê estiver quase andando, pois se ele ainda não
aprendeu a se sentar e não tem força muscular para sustentar sua coluna e seu
pescoço, então não há desenvolvimento que embase a conquiste de ficar em pé.
Neste caso, seria uma estimulação vazia, intensa e desnecessária, cujo foco é,
apenas, acelerar o desenvolvimento do bebê sem respeitar seu processo de
construção de habilidades.
Quando se percebe que uma berçarista ou uma auxiliar age
intuitivamente ao propor uma atividade para um determinado grupo, ou seja, que,
sem se fundamentar, faz uma boa proposta, acerta na qualidade, nas
intervenções e as crianças ficam muito bem, pesquisa e cria caminhos de
aprendizagens, procura-se recursos para mostrar o quanto suas escolhas
estiveram o tempo todo consonantes com as necessidades daquelas crianças.
O quanto suas ações pareciam vir de uma leitura de grupo, que, na verdade, ela
não fez, mas poderia fazer se assim estivesse com esta aprendizagem
construída. No debate com ela, lhe são mostrados indícios do comportamento
das crianças que ela poderia ter lido anteriormente para que, nas situações
apresentadas, pensasse nas propostas.
Caso ela já saiba que as crianças têm necessidades específicas a cada
idade e, ainda, caso ela já saiba que o projeto educacional leva isso em conta,
há grande chance de ela atuar na ZDP. Isto acontecerá quando lhe for mostrado
que há indícios a serem lidos previamente e que ela poderá percebê-los com
nossa ajuda, até que, depois de repetir algumas vezes este exercício com a
ajuda da equipe, em um dado momento será capaz de fazer a leitura sozinha.
O entendimento claro do conceito de “zona real” do desenvolvimento e
“zona potencial” torna-se um conhecimento organizador da ação do adulto, pois
aprimora o olhar e a observação e, portanto, melhora a intervenção e o
planejamento do educador. Embora seja muito importante não utilizar esse
conceito para criar uma prática que busca acelerar o desenvolvimento das
crianças, ou seja, pensar programas pedagógicos que exaurem as crianças com
estímulos exagerados, ele pode fundamentar uma proposta que proponha
provocações e desafios para favorecer a interação social. Dessa forma,
conhecer bem e saber lidar com essa ideia pode levar o educador a criar um
ambiente no qual seja propiciado o encontro entre as crianças e seja diminuída
a dependência delas em relação aos adultos. A proposta de desafios e
problemas também fará parte dessa ação pedagógica.
O CEDUC, busca inspirações nessas ideias quando propõe que a “zona
real” do desenvolvimento seja também muito observada e valorizada, ou seja, a
criança deve poder ter condições de fazer, refazer, apreciar, relacionar e ter
tempo para viver e reviver as suas experiências. Ela precisa poder viver
inúmeras vezes o que sabe fazer sozinha e viver momentos de parcerias com
outras crianças e/ou adultos que a façam conhecer mais ou de outros ângulos.
Na prática das creches, inspirado por este conceito, o CEDUC valoriza
muito as situações em que crianças de mesma faixa etária possam se relacionar
entre si. Portanto, criar momentos de interação entre as crianças e apoiar as
interações, tanto as planejadas quanto as inesperadas, é função do professor de
educação infantil. Para que isso ocorra, em alguns momentos, é preciso ter uma
atitude de recuo quando se sente um ímpeto de separar as crianças que
aparentemente entrarão em conflito. Há de se ter muito equilíbrio! Não se deve
deixar a criança em risco de ter machucados indesejáveis, mas é preciso apostar
que elas podem se resolver sem a intervenção direta dos adultos.
Situações de crianças disputando brinquedos ou “conversando” entre si
ou crianças que se interessam por estar no mesmo lugar que outras são
situações reais cotidianas que precisam ser permitidas, possibilitadas,
provocadas e ainda, necessariamente, registradas, pois podem fornecer
informações importantes a respeito de como as crianças se relacionam, de como
aprendem e o que fazem sozinhas e com a ajuda do outro.
Interações entre crianças de idades diferentes, porém próximas, também
podem e devem ser incentivadas. Contudo, neste caso, é preciso redobrar a
atenção quanto às condições organizadas para que os encontros aconteçam
com segurança para todos.

Brinquedo e Desenvolvimento
Vygotsky, em sua obra, discute a importância da brincadeira no
desenvolvimento humano. Para ele, a brincadeira de faz de conta é importante
criadora de zonas de desenvolvimento proximal, porque a criança, ao viver os
papéis que a brincadeira de médico, de mamãe, de bombeiro... propõe, realizará
ações que são “mais avançadas” do que aquelas que realizaria cotidianamente.
Uma observação importante é a de que, para Vygotsky, a palavra
brinquedo evidencia a brincadeira simbólica: “a criança (...) envolve-se num mundo
ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, e esse

mundo é que chamamos brinquedo”. (Vygotsky 1991, p.28).

A criança pequena tem suas ações fortemente determinadas pelas


características das situações concretas em que está envolvida. Antes mesmo de
desenvolver uma relação simbólica com pessoas e objetos, ela relaciona-se com
o objeto em si e busca conhecer suas características e possibilidades de uso. A
brincadeira existe e consiste na relação entre os objetos e na experimentação
dessas possibilidades. É o tempo da inteligência prática, da relação com o meio,
com os objetos e com as pessoas de forma mais direta, experimental.
Na medida em que tem a possibilidade de encenar mentalmente esses
processos e, portanto, utilizar-se de representações simbólicas, consegue
desprender-se dos elementos concretos presentes no tempo e no espaço. A
criança passa, então, a relacionar-se com os significados que definem as
brincadeiras e não somente com os objetos presentes nela. Ao utilizar um toco
de madeira para representar um carrinho, a criança relaciona-se com o
significado de carro e não especificamente com o objeto que o representa
naquele momento.
A condição para esta alteração no formato da brincadeira é o contato
com a palavra. É a relação refinada com a língua e seus significados que abre
as portas desta possibilidade da brincadeira se requintar.
A brincadeira é lugar de desenvolvimento, porque na representação de
papéis a criança transita pelo mundo do imaginário. Ao mesmo tempo, os papéis
estão sendo regidos por regras relativas ao que regula seu “funcionamento”. O
“faz de conta” traz para dentro da brincadeira da criança as regras de
funcionamento do mundo adulto. É um jeito de realizar uma atividade tipicamente
infantil que envolve aprendizagem e promove desenvolvimento, como se a
criança fosse puxada para adiante daquilo que ela consegue fazer no momento
da brincadeira.
Ao brincar de médico, por exemplo, a criança toma como modelo os
médicos reais que conhece e extrai deles um significado mais geral e abstrato
para a categoria médico. Para brincar, precisa submeter-se e comportar-se de
acordo com as regras que definem o comportamento semelhante ao dos
médicos, algo que está além de seu comportamento de criança.
Assim, na brincadeira, a criança lida predominantemente com os
significados dos objetos ou papéis que a compõem, o que contribui fortemente
para a construção das funções psicológicas superiores.
O empréstimo de papeis do mundo real, que a criança faz enquanto
brinca no jogo simbólico, é bastante importante para seu desenvolvimento rumo
às narrativas, é organizador do seu pensamento e, portanto, de sua ação, além
de ser um alimento muito fecundo à sua capacidade de produzir textos, pois este
exercício de empréstimo de “com textos” dos outros, a coloca na posição de
autora do seu próprio texto enquanto brinca.
Ao abordar a teoria de Vygotsky, está se falando predominantemente de
um olhar para o desenvolvimento humano que explicita a importância das
relações sociais, das interações entre os sujeitos e entre os sujeitos e o mundo
que os circunda. Está se falando, portanto, de uma abordagem que apresenta a
indissociável relação entre o biológico e o social no desenvolvimento humano e,
consequentemente, de uma abordagem que nos convida a abandonar a ideia de
priorizar um ou outro campo do desenvolvimento e pensar sempre na
interdependência que produz aprendizagens.
Conceitos como esses levam o educador a pensar na importância das
interações para a aprendizagem das crianças pequenas. Essa teoria incentiva-
o a valorizar as inúmeras relações com adultos, com outras crianças e com o
ambiente; fundamenta seu olhar e cuidado com a organização dos espaços, a
fim de permitir e propor que a criança brinque em diversos momentos do dia,
acreditando que assim estará vivendo inúmeras situações significativas de
aprendizagem.
São os adultos que, inicialmente, oferecerão às crianças suas
interpretações a respeito do mundo. A possibilidade de interagir com eles e com
outras crianças abre muitas oportunidades de apropriar-se dos elementos da
cultura e de atribuir significados aos objetos e às experiências vividas.
A intencionalidade do adulto está presente na forma de organizar o
ambiente em que as crianças vivem diariamente, na escolha de objetos que
possam ser manipulados e conhecidos por elas, nos momentos em que o adulto
cuida diretamente da criança, no auxílio em alguma ação ou tarefa, nas
conversas com ela, que nomeia suas ações e expressões e é, justamente nesse
contexto, que residem situações importantes de relação mediada com o mundo
e de internalização dos significados construídos nele. Não há apenas uma forma
válida de encaminhar situações de aprendizagem, nem mesmo um único
responsável direto por ela.
A criança aprende por meio da interação com o ambiente, com os
objetos e com as outras pessoas, sejam adultos ou crianças. A importância da
relação com os adultos se revela no “acervo” que o adulto construiu em sua
história de vida que ele oferece por meio de diversas ações dirigidas à criança
para ajudá-la a interpretar o mundo, e na sua capacidade de cuidar da criança
para que ela possa se desenvolver, crescer e aprender em segurança. Sua
intencionalidade, voltada à aprendizagem, gera contextos que contemplam o
desenvolvimento. A importância da relação com outras crianças se revela na
oportunidade de viver interações em que outras modalidades de relação com o
meio lhe sirvam de “modelo” ou referência e, portanto, ampliem os seus próprios
recursos de relação.
A aprendizagem, desta forma, conta com a multiplicidade de fatores
presentes na vida humana. A criança interage com os objetos, recebe a
nomeação do adulto a respeito dessa interação, vê outras crianças interagindo
com os mesmos e com outros objetos e pessoas e, assim, constrói uma rede de
significações, habilidades e saberes. É a possibilidade de viver inúmeras
experiências que desenvolve o organismo. Querendo que a criança aprenda,
portanto, pensa-se nas possibilidades de aprendizagem e não exclusivamente
no curso do desenvolvimento. Pensa-se nas relações possíveis da criança com
o meio e, para isso, leva-se em conta as suas possibilidades e os seus limites
na interação.
Pensar em situações significativas de interação e, portanto, de
atribuição/internalização de significados evidencia-se na organização de
contextos de aprendizagem que sejam compatíveis com as características de
relação da criança com o mundo. Isso exige que o adulto esteja atento àquilo
que a criança já tem como conquista, como habilidade ou como saber construído
e aquilo que ela está próxima de conquistar. O adulto precisa, constantemente,
identificar o que Vygotsky chama de zona de desenvolvimento proximal, pois,
assim, conseguirá identificar possibilidades que, de fato, “instiguem” o
desenvolvimento, a fim de que a aprendizagem aconteça.
A observação e a compreensão daquilo que acontece com a criança é
fundamental. Pensar que a construção de significados se dá na e pela interação
coloca os seres humanos em relação. O educador precisa ser um permanente
estudioso, observador das crianças e da forma como elas interagem, bem como
do “resultado” de suas interações. Ele também sendo parte importante dessas
interações, precisa estar atento à sua contribuição e à sua participação na vida
diária das crianças, estar atento à sua posição de elo dessas relações, estar
atento à multiplicidade de interações que se apresentam na vida humana e que,
por conseguinte, devem também estar presentes na escola.

HENRI WALLON

Henri Wallon nasceu e viveu na França entre 1879 e 1962. Formado


inicialmente em medicina, dedicou-se posteriormente aos estudos da psicologia,
desdobrando sua obra também aos estudos pedagógicos. Foi um autor que não
se contentou com as pesquisas em laboratório, voltando suas reflexões para o
humano no seu sentido mais amplo, transformando em ação os resultados de
suas investigações. Dessa forma, seus estudos sobre o desenvolvimento,
também se voltaram para a educação, culminando em uma proposta construída
para a reforma completa do sistema educacional francês (1947).
Dentro das referências teóricas que sustentam o trabalho com crianças
pequenas, a teoria do desenvolvimento de Henri Wallon é muito importante e
está presente no dia a dia das creches. Já foram apresentadas duas referências
teóricas, de dois diferentes autores, sendo que cada um deles se propôs a
explicar e compreender diferentes aspectos do desenvolvimento humano. Então,
por que Wallon?
Segundo Zazzo, no prefácio do livro de Pedro Dantas16, “a renovação
trazida por Wallon à Psicologia, nós a devemos ao seu não-conformismo, à
conjunção de sua cultura humanista, de sua formação biológica, de sua
generosa abertura aos problemas sociais de sua época, mas também a uma
espécie de genialidade que só a ele pertence”. (1983, p.6).
A teoria de Wallon permite não só a compreensão do desenvolvimento
da criança, como também traz uma grande contribuição para a educação. No
texto de introdução do livro Henri Wallon: uma concepção dialética do
desenvolvimento infantil, Galvão (1995) ao apresentar o teórico, diz que ele:

Considerava a infância como uma idade única e fecunda, cujo


atendimento é tarefa da educação. A preocupação pedagógica
é presença forte na psicologia de Wallon, tanto nos escritos em
que trata de questões mais propriamente psicológicas – que

16 “Para conhecer Wallon: uma psicologia dialética”. Pedro Silva Dantas. 1983
constituem a maioria – como naqueles em que discute assuntos
específicos da pedagogia. (1995, p.12).

A teoria walloniana apresenta um olhar dialético17 para a criança e


abrange diferentes planos: afetivo, cognitivo e motor. É uma teoria que propõe
um estudo integrado desses vários campos funcionais nas relações com o meio.
Para entender como se dão estas relações das crianças com o meio,
Wallon organiza sua teoria a partir de algumas leis do desenvolvimento. Ele vê
o desenvolvimento como uma construção progressiva em que se sucedem fases
com predominância alternada entre afetividade e cognição: “Cada fase tem um
colorido próprio, uma unidade solidária, que é dada pelo predomínio de um tipo
de atividade. As atividades predominantes correspondem aos recursos que a
criança dispõe, no momento, para interagir com o ambiente”. (Galvão, 1995,
p.43).

Leis do desenvolvimento segundo Wallon:

 Preponderância Funcional - momentos de preponderância afetiva


com acúmulo de energia voltados para o interior e para a construção do EU, e
momentos de preponderância cognitiva, com maior dispêndio de energia,
voltados para o exterior e para o conhecimento de mundo.
 Alternância Funcional - inversão da orientação e do interesse em
cada fase na sucessão dos estágios: ora voltado para a progressiva construção
do EU (energia centrípeta, voltada para dentro), ora voltado para a exploração
do mundo exterior (energia centrífuga, voltada para fora);
 Integração Funcional - princípio extraído do processo de maturação
do sistema nervoso. Nele, as funções elementares, que são as condutas
primárias reflexas, mais arcaicas, serão integradas pelas funções mais
elaboradas. Enquanto não se consolida essa integração, as funções anteriores
são sujeitas a aparecimentos intermitentes e retrocessos.
Assim, em cada estágio existe uma predominância funcional, ou seja,
uma alternância entre o afetivo, a construção do eu, e o cognitivo, a elaboração

17Dialética: concepção e postura diante do mundo e da realidade; propõe pensar a realidade como
essencialmente contraditória e em permanente transformação. Pressupõe o conflito e o movimento,
apresenta a ideia da consciência da inevitabilidade da mudança e da impossibilidade de negar ou driblar
as contradições.
Materialismo dialético: significa abordar os fenômenos e a realidade por meio da compreensão das
condições materiais de existência - biológicas e sociais.
do real e conhecimento do mundo. Esse movimento ocorre desde o nascimento
até a morte (questão da temporalidade), não se tratando de um processo gradual
e linear, mas descontínuo e instável. É um processo de reestruturação que prevê
reversão (questão do ritmo) e acontece do social para o individual, do sincretismo
para diferenciação (questão do direcionamento).
A partir dessas leis, podemos entender que em cada fase do
desenvolvimento a criança estabelece um tipo de relação com o meio social de:
 Cooperação e solidariedade - o outro é representante legítimo da
cultura e constitui a identidade do indivíduo influenciando o conhecimento que
ele vai adquirir sobre o mundo e a maneira com que a criança vai responder a
ele. São os chamados ‘Estágios de preponderância cognitiva’.
 Oposição: o outro constitui a identidade do indivíduo no
conhecimento que ele vai adquirir de si mesmo e na maneira dele ser e estar no
mundo. Conhecidos como ‘Estágios de preponderância afetiva’.
Cada fase constitui uma nova configuração, que cria novas
possibilidades a partir de novos recursos cognitivos, motores e afetivos
adquiridos naquele momento. Cada estágio carrega em si diferentes
possibilidades de relacionamento com o meio, com o outro e, também, consigo
próprio. Existem comportamentos e reações típicas de cada momento, sistemas
de relações entre a criança e o meio que resultam do equilíbrio entre as
possibilidades funcionais, condições neurológicas próprias a cada idade, e as
condições suscitadas pelo ambiente.
Segundo Wallon, o ser humano é “geneticamente social” (1995), assim,
a criança desenvolve-se na e pela interação com o meio físico, humano e
cultural. Os fatores biológicos e culturais exercem influência mútua, sendo,
dessa forma, indissociáveis. O ser humano nasce com uma carga genética que
se “atualiza” através da relação com o meio.
Feita essa introdução, serão destacados os principais aspectos da teoria
walloniana e as suas principais contribuições para a prática pedagógica. Em
seguida, serão apresentadas as principais características do estágio do
desenvolvimento e as possíveis articulações com a ação do professor.
Contribuições da teoria de Wallon para a prática pedagógica:
 Integra as dimensões motora, afetiva e cognitiva. O educador deve
conhecer a criança como uma pessoa completa e contextualizada.
 Apresenta a noção de estágio enquanto descontínuo e sujeito a saltos
e retrocessos. Desse modo, promove a compreensão real do desenvolvimento
da criança, adequando o papel do professor às necessidades específicas em
cada estágio do desenvolvimento na busca de um atendimento de boa
qualidade.
 Recoloca o movimento dentro do espaço escolar. Desde o início da
vida, o movimento é uma das principais formas de comunicação da existência
psíquica com o ambiente externo. Ele é uma das grandes possibilidades de
tradução do mundo interno da criança, porque ela se faz entender por gestos
que representam suas necessidades e seu humor. O educador precisa
compreender as relações entre o desenvolvimento motor e o pensamento. O ato
motor é condição para o ato mental.
 Apresenta a diferença entre o pensamento da criança e o pensamento
do adulto. Não se pode falar do pensamento infantil considerando o pensamento
do adulto como referência. A atividade mental da criança é qualitativamente
diferente do pensamento adulto, que opera por análise-síntese. Assim, para ele,
o objeto tem uma só imagem, constante e estável, não importando a
variabilidade de seus aspectos. Para a criança, porém, existe uma
descontinuidade entre as diferentes imagens de uma mesma realidade. O
pensamento da criança é global e pessoal, o sincretismo é marcado pela
predominância da afetividade sobre a objetividade, do existencial sobre o
pensável, supondo, desse modo, incapacidade de ultrapassar a impressão
presente. Portanto, a representação dos objetos e situações pela criança está
impregnada de experiências sensoriais e afetivas. A criança irá superar o
pensamento sincrético a partir das suas experiências e das suas maturações
mentais. Portanto, cabe aos educadores respeitar as características e o ritmo do
desenvolvimento de cada criança, oferecendo-lhes propostas que melhor
atendam essas necessidades;
 Recoloca as emoções dentro do espaço escolar. O educador deve
observar os indicadores da emoção para tomar distância da emoção da criança,
acompanhando e atendendo suas necessidades nas situações de imperícia.
 Restabelece a importância do professor enquanto representante
legítimo do conhecimento e da cultura. A escola é um meio indispensável à
formação do ser humano e o professor deve ter uma formação adequada para
atuar nesse meio e reconhecer a sua atuação.

Sequência dos estágios do desenvolvimento segundo Wallon:


 Impulsivo emocional (de zero a um ano).
 Sensório motor e projetivo (de um a três anos).
 Personalismo (três a seis anos).
 Categorial (seis a onze anos).
 Puberdade e adolescência (onze anos em diante).

Impulsivo emocional.
Nesta fase, a criança está voltada predominantemente para a
construção do ‘eu’. É uma fase de preponderância afetiva, centrípeta, de
acúmulo de energia. A relação estabelecida pela criança com o meio, nesta fase,
é de complementaridade, ou seja, o ‘outro’ é recurso de sobrevivência,
conhecimento e aprendizagem.
Esse estágio deve ser compreendido em dois momentos distintos:
impulsividade motora e a emocional.

Primeiro momento: impulsividade motora


Ao nascer, o bebê já não é automaticamente satisfeito, vive
intensamente situações de privação/mal-estar ou de tranquilidade/bem-estar.
Possui uma dependência total do adulto, total imperícia, para a satisfação de
suas necessidades. Esta fase perdura por 3 (três) meses. A criança não
distingue as suas necessidades nem a forma de satisfazê-las, por isso depende
totalmente do adulto para a sua sobrevivência. O bebê não distingue o que é
interno do que é externo. Sua pessoa vive uma relação de total simbiose
fisiológica e psicológica com a mãe.
O bebê manifesta-se por movimentos impulsivos, descargas musculares
automáticas, reflexas, aparentemente sem finalidade externa. Esses
movimentos têm a função de mobilizar o entorno, contagiando o meio humano
para responder às suas necessidades de sobrevivência: necessidades primárias
fisiológicas, necessidades tônico-posturais, alimentares ou de sono. Esse
contágio, sem relação intelectual, que leva o adulto a interpretar e a dar
respostas que atendam aos apelos da criança é conhecida como Simbiose
afetiva.
Entenda-se o termo “afetivo” como a capacidade de afetar o outro,
contagiando-o para o atendimento de uma solicitação. O bebê afeta o meio que
o circunda, obtendo respostas deste para as suas necessidades.
Através dessa comunicação estabelecida entre a criança e o meio,
surgirão conexões e associações entre as manifestações espontâneas e as
respostas desejáveis, prenunciando um processo de expressão, compreensão e
intencionalidade, que dará origem ao campo das relações individuais. É o social
interpretando o orgânico e dando origem ao psiquismo.

Segundo momento: emocional

Na segunda parte do estágio, as descargas motoras assumem o status


de meios de expressão e de comunicação, pois ocorrem trocas intensas entre a
criança e o adulto, criando, essa intensidade, um verdadeiro campo emocional
quando gestos, atitudes, vocalizações e mímicas vão adquirindo mais
diversificação, podendo ser, então, traduzidos pelo adulto por dor, tristeza,
alegria, cólera. É a linguagem primitiva constituída de emotividade pura. É a
primeira forma de sociabilidade.
As trocas com o meio possibilitarão à criança diversificar e concretizar
suas ações de forma cada vez mais elaborada, ficando mais atenta, antecipando
situações e tornando suas ações cada vez mais intencionais. Surgem os
primeiros sinais da cognição.
A presença de estímulos externos, auditivos e visuais, nesta fase,
provoca respostas preponderantemente afetivas, de alegria, de surpresa ou de
medo, mais do que a exploração do mundo físico. A presença, a voz e os
movimentos humanos são sempre mais estimulantes para o bebê que os
objetos, adquirindo estes maior interesse quando apresentados pelas pessoas.
Por volta dos 6 (seis) meses, inicia-se o que Wallon chamou de atividade
circular, que se configura como a ação que permite a organização dos exercícios
sensório-motores realizados até então pelo bebê. Como acontece? O efeito
auditivo e/ou visual de um gesto origina a repetição desse gesto, com o objetivo
de reproduzir o efeito provocado. No início, são gestos fortuitos, sem
intencionalidade, por exemplo, quando ele estica o braço e sua mão esbarra no
móbile produzindo um movimento e um som: é através da repetição que a
criança busca o objetivo de variar o efeito ao variar o gesto.
Apresentadas as principais características desse primeiro estágio do
desenvolvimento, quais as possíveis relações que se pode estabelecer para
auxiliar a prática pedagógica? A seguir, algumas possibilidades de ponte entre
esse campo teórico e a realidade do atendimento dos bebês nas creches do
CEDUC.
Ao responder às manifestações e às reações do bebê, o adulto passa a
compreendê-lo e a assisti-lo cada vez mais adequadamente e a construir com
ele um repertório de significados comuns. Tal tipo de relação exige
disponibilidade do “cuidador”, que precisa estar muito atento aos sinais do bebê.
Um ponto importante a ser considerado refere-se à afirmação de que o
olhar do outro irá constituir a imagem que a criança terá de si. Para isso, os
momentos voltados para os cuidados como alimentação e higiene devem ser
compreendidos como possíveis exercícios para discriminação das sensibilidades
e diminuição da simbiose e do sincretismo.
O momento do banho, por exemplo, é uma oportunidade em que a
educadora pode relacionar-se de uma forma mais individualizada e estabelecer
maior proximidade através do toque, do olhar e da fala. Outro momento frequente
na creche é aquele em que o bebê se mostra inseguro e choroso. É a partir do
exercício do acolhimento sensível da educadora no atendimento da demanda
afetiva do bebê que é dado o apoio, contorno, necessário para que ele se sinta
seguro no espaço coletivo e na troca com os pares.
Um adulto que acolhe a insegurança do bebê transmite a ele a
mensagem de que ali existe um ambiente com pessoas que podem ajudá-lo e,
portanto, ele pode manifestar suas dificuldades e/ou inseguranças. O bebê
entende também que, com ajuda, pode encontrar recursos para enfrentar as
dificuldades ou inseguranças. Acolher, sobretudo um bebê de até um ano,
deverá envolver contato físico, colo, um tempo de afago e oferta de objetos que
o acalmem como chupetas ou paninhos. O adulto deverá estar tranquilo e com
foco naquele acolhimento. Essas são ações muito presentes na prática diária
das creches e, portanto, devem ser cuidadas e entendidas como momentos
importantes para o desenvolvimento do bebê.
O meio humano é o mediador entre o fator fisiológico, interno e orgânico,
e o fator social, externo e não eu, no início da constituição do fator psíquico. Essa
ideia traz o papel da importância do adulto na fase inicial da vida da criança.
A organização dos espaços e a escolha dos objetos também são ações
que precisam ser pensadas pelo adulto. Organizar um espaço que acolha, dê
segurança e ofereça diferentes possibilidades de movimento e exploração
precisa ser o foco fundamental do trabalho do educador de crianças pequenas.
Promover espaços aconchegantes e que ofereçam segurança na questão do
desenvolvimento tônico postural, oferecer objetos, móbiles, mordedores,
brinquedos, deve ser outro foco permanente na ação pedagógica.
Outra questão muito importante e presente no trabalho da creche em
relação ao desenvolvimento tônico postural é o acolhimento dado pelo adulto
nas diferentes situações em que precisa trazer a criança para seu colo,
embalando-a de forma delicada e cuidadosa para que ela se sinta segura e
confortável.

Sensório motor e projetivo

Esse estágio também deve ser conhecido por duas etapas: a primeira é
a sensório motora propriamente dita e, a segunda, é a projetiva.
As relações estabelecidas com o meio e com os adultos no estágio
anterior ampliam os horizontes sociais da criança e as suas manifestações ficam
cada vez mais intencionais. A criança responde aos estímulos do meio exterior
tomando-o como instrumento de seu interesse a ser manipulado e explorado.
Prepondera a atividade relacional, de manipulação e de exploração do meio
externo. É uma fase centrífuga e objetiva, ou seja, é um momento em que a
inteligência dedica-se à construção da realidade.
Nesse momento, a criança irá reconhecer e distinguir as diferentes
partes do seu corpo, ocorrendo, assim, a construção da consciência corporal.
Inclusive é uma fase na qual, com certa facilidade, a criança fará disso uma
grande brincadeira, sempre repetirá o nome das partes do corpo que conhece e
fará muitas perguntas a respeito das partes cujo nome ainda não conhece.
Frequentemente, os adultos proporão, como brincadeira, que as
crianças procurem e apontem algumas destas partes.
A criança demonstra grande interesse em manipular e explorar, o que
promove a investigação e a exploração da realidade exterior. Ela apresenta uma
enorme curiosidade por tudo que está ao seu redor, manipula e explora
diferentes objetos, procura experimentar e conhecer suas diferentes
possibilidades, buscando, sempre, o adulto para ajudá-la nessa exploração.
As possibilidades de exploração prática e as habilidades instrumentais
são bastante ampliadas neste estágio pela aquisição da marcha e pelo
desenvolvimento da linguagem. O andar e a linguagem dão oportunidade à
criança de ingressar em um mundo novo: o mundo dos símbolos. Ao adquirir a
marcha, a criança pode se deslocar pelo ambiente, explorando-o e relacionando-
se com tudo que está ao seu redor e, através da linguagem, nomeia, diferencia
e caracteriza o meio, atribuindo-lhe diferentes significados. Segundo Wallon,
com o desenvolvimento da linguagem, aparece a possibilidade de objetivação
dos desejos. A permanência e a objetividade da palavra permitem à criança
separar-se de suas motivações momentâneas, prolongar na lembrança uma
experiência, antecipar, combinar, calcular, imaginar e sonhar (no sentido de
antecipar).
Os exercícios sensórios motores iniciados no estágio anterior e a
atividade circular ampliam-se nesta fase. Ao manipular um objeto, percebendo
suas características e propriedades, a criança busca repetir o gesto para obter o
mesmo efeito e, também, exercitar possibilidades de variação dos efeitos. A
repetição desse ato em cadeia permite que a criança vivencie as diferentes
reações que a sua ação produz. Nesta fase, essa atitude permite a coordenação
dos campos sensoriais e motores, possibilitando um ajustamento do gesto ao
seu efeito, provocando um refinamento das ações da criança.
A segunda etapa desse estágio é chamada de projetiva, que nada mais
é do que o modo de funcionamento do pensamento infantil no qual o ato mental
projeta-se em atos motores. A criança necessita dos gestos para exteriorizar,
expressar os seus pensamentos, assim, os gestos expressam pensamentos, o
gesto antecede a palavra.
É nesse momento do desenvolvimento que as crianças apontam algo
quando o desejam, mexem os dedos com os braços esticados quando querem
colo e fazem ações semelhantes. Frequentemente, esses atos já vêm
acompanhados de sonorizações monossilábicas, que, em breve, se tornarão
palavras bem pronunciadas.
Nesta etapa, a organização do pensamento se dá a partir dos
acontecimentos concretos e presentes. A criança compreende e pensa o mundo
a partir das experiências vividas por ela, sua forma de pensar o mundo é
impregnada pela sua subjetividade.
Apresentadas as características gerais do estágio, pode-se pensar como
principais focos da ação pedagógica os pontos tratados nos próximos
parágrafos.
Para a criança que está com a energia voltada para o conhecimento do
mundo externo e para a exploração dos objetos, estes precisam estar
organizados e disponíveis para atender essa necessidade.
O adulto precisa estar disponível à investigação da criança do mundo
exterior. É necessário, ainda, que o adulto esteja atento para promover e permitir
o reconhecimento espacial, para provocar e incentivar a atividade exploratória,
ampliando o repertório de ações da criança, a fim de que, dessa forma, a
inteligência da criança possa dedicar-se à construção da realidade a partir da
interação com o ambiente.
O professor deve promover uma organização do espaço e deve escolher
os objetos que atendam a necessidade de exploração e de independência da
criança. O espaço deve gerar demandas, ou seja, deve possibilitar a pesquisa,
a brincadeira e a investigação.
Organizar o espaço com o intuito de viabilizar essa interação, implica em
pensar em objetos que, ao serem manipulados, possam gerar efeitos na criança
e no ambiente de modo a despertar o interesse e o desejo de repeti-los, testá-
los, modificá-los e produzir novos. Objetos que instiguem a criança a levantar
hipóteses, como invólucros que possuam tampas oferecidos com pequenos
objetos que podem ser guardados e despejados para fora inúmeras vezes;
cestos profundos; caixas que, nelas, se possa entrar; objetos que se
sobreponham possibilitando torres que podem despencar ao menor toque são
alguns exemplos de objetos propícios ao jeito de pensar e agir da criança dessa
idade.
É interessante não escolher objetos que tenham em sua estrutura pouca
possibilidade de utilização ou uma utilização restrita, condição comum em
brinquedos à pilha ou eletrônicos com os quais a criança tem pouca condição de
intervenção e de ação sobre o mesmo. É interessante que os objetos acolham
várias possibilidades de uso.
Além disso, é importante propor brincadeiras e experiências de
aprendizagem que permitam à criança perceber e reconhecer as diferentes
partes do seu corpo e suas possibilidades na relação com o meio, com as
pessoas e com os objetos, pois, nesta fase, a criança irá construir uma
consciência corporal, vivendo diferentes possibilidades. Espaços muito
apertados, que não permitam deslocamento ou amplitude de gestos, são
incompatíveis com esse momento da vida em que a maneira pela qual a criança
entende e desenvolve percepções a respeito do mundo que a circunda está
diretamente relacionada à sua capacidade de agir sobre o meio e os objetos.
O professor precisa desenvolver e aprimorar cada vez mais a
capacidade de observação da atividade da criança. Precisa utilizá-la como ponto
de partida para a ação pedagógica, pois é através da interação da criança com
o mundo, das ações e das manifestações observadas que o adulto deve balizar
os passos a serem propostos em seu planejamento. Através da observação de
como a criança brinca, que objetos ou brinquedos escolhe, a sequência de suas
ações, as repetições ou interrupções, a criação ou não de algum enredo com
esses objetos, a escolha de parceiros para suas brincadeiras ou a preferência
por brincar só, o adulto é capaz de identificar aspectos que o ajudem a planejar
sua ação voltada à aprendizagem da criança. O registro de suas observações
pode auxiliá-lo na continuidade ou mudança de determinados aspectos
relacionados à organização do espaço, escolha de materiais a serem propostos
à criança, possibilidade de conexão entre esses materiais para produção de
novas experiências, proposição de projetos ou definição de pequenos grupos de
trabalho.
Outro aspecto importante a ser cuidado e acompanhado pelo adulto é o
desenvolvimento da linguagem como fator decisivo para o desenvolvimento
psíquico da criança, pois permite outra forma de exploração e conhecimento do
mundo. O professor, através de conversas, histórias e músicas, pode oferecer
uma série de oportunidades favoráveis à aquisição e ampliação do repertório
linguístico da criança.
Como já foi explicitado, compreender a forma de pensar da criança nesta
fase é uma poderosa ferramenta de trabalho para o educador. Entender que a
criança explica o mundo a partir das experiências que ela vive, que percebe a
realidade com seus próprios recursos, utilizando como base de percepção sua
condição afetiva e ainda seu modo de pensar, é muito importante para o
educador não fazer prevalecer sua forma de leitura da realidade. Existe uma
diferença entre o pensamento infantil e o pensamento do adulto que não é
quantitativa, mas qualitativa. Eles são de natureza diferente e, por isso, o adulto
não pode querer entender o pensamento da criança tomando como referência
seu modo de pensar.
Muitas vezes, por exemplo, observa-se uma criança querendo entrar em
uma caixa que os adultos sabem que, nela, não irá caber. Por que os adultos
sabem? Porque eles estabelecem uma série de relações mentais entre as
características da caixa e as características da criança. Mas, para a criança, será
necessário viver essas relações com o próprio corpo, tentando por diversas
vezes entrar na caixa, até se convencer de que isso não será possível. É preciso
permitir que ela faça isso! É através dessa experiência corporal que a criança
construirá noções e relações mentais de espaço, volume, tamanho, peso, etc.
Para Wallon, “A criança não sabe se não viver sua infância. Conhecê-la
pertence ao adulto. Mas o que vai prevalecer nesse conhecimento: o ponto de
vista do adulto ou o da criança”? (Wallon, 1995, p.11). Esse é um grande desafio
para qualquer profissional que se proponha a trabalhar com crianças: entender
a ação da criança e o que ela representa de acordo com as particularidades do
universo infantil.

Personalismo
Este estágio é voltado para o enriquecimento do eu e para a construção
da personalidade. Pela alternância funcional ocorre a subordinação da função
da inteligência para o predomínio da afetividade. A consciência corporal,
adquirida gradualmente durante os três primeiros anos, associada ao
desenvolvimento da capacidade simbólica são fundamentais para a entrada no
estágio do personalismo.
Esse estágio é marcado por três fases distintas: oposição, sedução e
imitação.
Na primeira fase, ao buscar afirmar-se como indivíduo autônomo, a
criança toma consciência de si, o que é constatado pelo emprego dos pronomes
eu e meu e demonstração de atitudes de recusa, o uso do não. Seu ponto de
vista diante do mundo se torna único e exclusivo e suas crises de oposição
apresentam-se como confronto com as pessoas do meio próximo a fim de
imperar a sua vontade. Os sentimentos de ciúme, a posse extensiva dos objetos
e as cenas para chamar a atenção dos que estão ao seu redor são
características essenciais para se distinguir dos outros.
É preciso compreender que essa oposição é uma busca da criança de
afirmar-se, de constituir-se como uma pessoa única e diferenciada das pessoas
que estão ao seu redor. O movimento de oposição deve ser entendido como um
movimento que dá muito prazer à criança, pois permite que ela experimente e
viva sua independência.
Em um segundo momento, surge a fase da sedução ou idade da graça.
Nessa fase, é marcante o movimento da criança pela busca de admiração e
satisfação pessoal. Sentindo a necessidade de ser admirada pelo adulto,
expressa-se de forma sedutora, elegante e suave, a fim de ser aceita pelo outro.
Existe uma exuberância dos movimentos tentando atrair a atenção e a
admiração dos adultos que a cercam.
E, por fim, o último período do estágio do personalismo representa o
esforço da criança em substituir o outro por meio da imitação. Assim, é através
dela que a criança busca ampliar e enriquecer as possibilidades de sua pessoa
pelo movimento de incorporação do outro.
Para a criança, essas diferentes fases - oposição, sedução e imitação -
têm como objetivo principal promover a individualização de sua pessoa em
relação a seu ambiente.
Wallon caracteriza nesse estágio um intenso trabalho afetivo e moral. A
criança vive intensamente as relações com o meio, utiliza-se de diferentes
recursos para diferenciar-se do outro, inclusive naquilo que diz respeito ao seu
papel e lugar dentro da constituição familiar.
Ao mesmo tempo em que se sente muito ligada à família, a criança
busca sua independência, o que gera conflito e, muitas vezes, alguma
insegurança. As relações são marcadas por atitudes de oposição e de
necessidade de afirmação de si perante o outro.
O espaço escolar passa a ser outra possibilidade de relação com o meio
e, portanto, uma oportunidade de viver relações diferentes daquelas vividas no
espaço familiar. A escola é fundamental para o desenvolvimento da criança por
ser um espaço diversificado e por oferecer novas oportunidades de convivência.
Quais relações pode-se, então, estabelecer com a ação pedagógica?
Em primeiro lugar, reconhecer a importância da oposição no
desenvolvimento. Quando o professor entende que a birra tem uma função no
processo de diferenciação, consegue administrar melhor estes momentos não
entrando em confronto direto com a criança e nem tão pouco tomando a
oposição como algo pessoal em relação a si. Desta forma, ele não entra no clima
emocional da birra, conseguindo, inclusive, baixar a temperatura emocional que
este momento traz para a relação dele com a criança.
O professor deve permitir o exercício da oposição na relação
pedagógica. A criança sente prazer em contradizer e confrontar-se com as
pessoas de seu ambiente pela razão de experimentar a sua independência,
impondo-a. É para afirmar o eu e tornar dominante e exclusivo o seu ponto de
vista que o movimento de oposição ao outro assume características de confronto
e de negatividade. Assim, o adulto deve ter claro que a criança irá fazer este
movimento de oposição e que, por isso, deve criar espaços e propostas de
diferentes naturezas para que a criança possa fazer suas escolhas, sem
necessariamente ter que atender a uma única opção oferecida pelo professor.
A oferta de várias possibilidades de experiências com o espaço e com
os objetos deve estar presente no planejamento, configurando-se como um dos
focos orientadores da ação pedagógica do professor.
Frente à importância da imitação, ele deve procurar oferecer objetos
próximos à realidade para a representação de situações e de papéis. O espaço
da casinha, as bonecas, as panelas, os telefones, são objetos que, nessa fase,
a criança gosta muito porque apoiam sua imitação.
O professor deve promover atividades que permitam o livre exercício no
plano motor e que desenvolvam o sentimento de solidariedade. Wallon destaca
a influência dos grupos na evolução do sujeito, pois ressalta que, além de serem
importantes para a aprendizagem social da criança, também são fundamentais
para a constituição de sua pessoa e para o conhecimento que dela pode ter.
O adulto precisa ajudar a criança a administrar as situações de disputa
de objetos, além de entender que o sentimento de propriedade, bastante
presente nessa fase, significa não só a não apropriação do que é do outro, mas
configura-se como afirmação de si próprio. Nesses momentos, é muito
importante que o adulto compreenda o que mobiliza a criança a entrar em tais
disputas, sem correr o risco de um julgamento da ação pelo viés da moral.
Para finalizar, pode-se dar destaque para algumas ideias pedagógicas a
partir de sua obra:
 A escola não deve se limitar à instrução formal, mas deve se dirigir ao
aluno como uma pessoa completa e contextualizada, preocupando-se em ser
um instrumento para o desenvolvimento, que pressupõe a integração entre as
diferentes dimensões: afetiva, cognitiva e motora.
 Um trabalho de boa qualidade da escola se fundamenta no
conhecimento do desenvolvimento da criança, de suas capacidades e
necessidades.
 A ação da criança encontra as mais diferentes alternativas de
realização no meio físico e social. Por consequência, o saber escolar não pode
estar isolado desses meios, mas deve nutrir-se deles, ampliando suas
possibilidades de atuação.
A partir da obra de Wallon, conclui-se que esse psicólogo e educador
deixou aos educadores muitas lições e inspirações. De acordo com Almeida
(2009),
A nós professores, duas são particularmente importantes.
Somos pessoas completas: com afeto, cognição e movimento, e
nos relacionamos com um aluno também pessoa completa,
integral, com afeto, cognição e movimento. Somos componentes
privilegiados do meio de nosso aluno. Torná-lo mais propício ao
desenvolvimento é nossa responsabilidade. (p.95).

Atualmente, é de se acreditar que a teoria de Henry Wallon seja a que


mais baliza a compreensão a respeito das peculiaridades e particularidades
presentes na forma como as crianças aprendem e se relacionam com o mundo.
Todas essas teorias do desenvolvimento permitem que os educadores
lancem o seu olhar para as possibilidades de aprendizagem da criança à luz de
seus conceitos e ideais. Não lhes cabe, no dia a dia, confirmá-las, comprová-las
ou reeditá-las dentro da escola, mas utilizá-las como alimento para as reflexões
a respeito daquilo que veem, pensam, planejam e propõem às crianças.
Aos educadores cabe a tarefa de, a partir delas, somadas a tantas outras
referências teóricas a respeito da educação de crianças pequenas, lançar luz à
cena pedagógica para melhor compreendê-la e tornar-se, a cada dia, autor de
um caminho repleto de possibilidades.
14- Cuidar, acolher, conhecer e
acompanhar: da vida familiar
à vida coletiva na creche
“Para que os bebês se convertam, finalmente, em adultos
saudáveis, em indivíduos independentes, mas socialmente
preocupados, dependem totalmente de que lhes seja dado um
bom princípio, o qual está assegurado, na natureza, pela
existência de um vínculo entre a mãe e o seu bebê: amor é o
nome desse vínculo” (Winnicott, 2008, p.17).

A escrita deste capítulo está assentada na articulação do conhecimento


prático da Instituição adquirido ao longo de quinze anos cuidando e educando
crianças pequenas, muitas delas desde a gestação, e acompanhando as suas
famílias com os estudos desenvolvidos ao longo desse tempo para compreender
os desafios desta fase tão delicada da vida familiar e de suas crianças. Dois
autores bastante consultados para a escrita sobre os cuidados, especialmente
da parte psíquica, foram Freud (1856 - 1939) e Donald Winnicott (1896-1971),
por suas preciosas contribuições sobre o inconsciente, o desenvolvimento
humano e os conflitos da vida psíquica.
Freud, médico e criador da psicanálise, nasceu em Freiberg, que foi
anexada pela Tchecoslováquia, migrando, ainda criança, para Viena. Tem vasta
obra sobre o mundo inconsciente e a sua relação com os sintomas e o sofrimento
mental. Investigou, entre outros temas, as relações entre o organismo e o
psiquismo, a construção da personalidade e da sexualidade, as defesas e os
mecanismos inconscientes, o sonho como representação do inconsciente, os
conflitos relacionais humanos.
Winnicott, pediatra, psiquiatra e psicanalista inglês, se dedicou à
construção de uma teoria do amadurecimento pessoal, especializando-se nas
relação mãe-bebê e na compreensão dos distúrbios psíquicos.
O resultado da articulação entre práticas e inspirações teóricas, a partir
dos estudos, é um conhecimento singular que pretende-se, agora, compartilhar.
Gestação
A gestação é uma experiência saudável e alegre que faz parte da vida
e, por isso, a chegada da gestante no trabalho da equipe é sempre celebrada. O
nascimento da criança é um momento que causa um aumento da crença na vida
por causa da ideia de continuidade, de transformação e, assim, fortalece o
projeto de educação para crianças pequenas que é o atendimento acolhedor e
responsável: objetivo central do trabalho da equipe.
É importante ressaltar que a gestação pode ser vivida com alguma
ambivalência e, por isso, pode envolver momentos de conflitos. A notícia da
gravidez traz uma série de sensações e emoções: enjoos, prazer, alegria,
angústia, idealização, mal-estar, medo, entre outros. Viver a gestação é viver a
ideia do desconhecido.
Para a mulher, esse é um período de muitas mudanças, que vão desde
as questões hormonais às transformações físicas e emocionais.
Cada gestação é única, pois as condições familiares são diferentes e
também variam de acordo com o momento em que ela ocorre. Condições
financeiras e físicas, expectativas e desejos são questões que influenciam a
vivência de cada gestação.
As fantasias, elaboradas antes do nascimento, se fazem presentes em
todas as gestações ao longo do período da concepção, do parto e do
desenvolvimento do bebê.
Um filho sendo gestado é uma realidade concreta, ao mesmo tempo em
que abre um campo para muitas dúvidas. Como será o bebê? Como será o
parto? Ele será saudável? Ele será parecido com quem? Saberei ser mãe? E
tantas outras perguntas...
As creches administradas pelo CEDUC oferecem às suas empresas-
clientes um contato da gestante com a creche ainda durante a gestação.
O primeiro contato ocorre, em geral, no preenchimento da declaração de
intenção de vagas. Aqui, as perguntas, as angústias, as alegrias e as dúvidas
podem ser trazidas. É um dos momentos de conhecer a creche, observar os
espaços e, também, as pessoas que estão nele, crianças e adultos.
Outra oportunidade de partilhar as muitas questões que envolvem esse
período acontece durante os encontros de gestantes, que também é oferecido
às empresas. Esses encontros proporcionam, através de diferentes momentos,
reflexões e vivências com vários profissionais, a saber, médicos, psicólogos,
nutricionistas, enfermeiros, pedagogos. Nesses momentos, são esclarecidas
muitas questões e formuladas outras tantas. É um espaço em que as gestantes
podem falar de suas expectativas e, principalmente, compartilhá-las com outras
mulheres que estão vivendo a mesma experiência.
Por isso, deve-se cuidar dessas diferentes oportunidades de contato
com as gestantes, pois é importante acolhê-las e apoiá-las nesse momento tão
especial. Esses primeiros contatos são muito importantes também para o
momento em que a família passar a frequentar a creche, pois já teve início o
estabelecimento do vínculo e da confiança, fundamentais para o período de
adaptação.

Nascimento
Nascido o bebê, a família e, principalmente, a mãe viverão experiências
ricas e intensas. Conhecer seu bebê e reconhecer-se como ser humano, agora
mãe ou novamente mãe, despertará sentimentos intensos e muitas
aprendizagens: completude, descoberta de saberes intuitivos, dúvidas,
inseguranças, capacidade de compreensão da linguagem de seu bebê, não
saberes, medos, a potência e/ou a dificuldade de acalmar e dar contorno aos
sofrimentos dele, como atendê-lo carregando-o, amamentando-o, trocando-o,
banhando-o, ninando-o e, também, um sentimento de alívio após um longo
período de nove meses de espera.
Sabe-se que a presença de um bebê muda completamente a vida de
uma família. Lidar com isso, respeitando um período de adaptação para todos
os envolvidos, é muito importante. Para o bebê, é uma realidade completamente
diferente daquela que ele viveu nos últimos nove meses. Ele passa, após o
nascimento, a ter que lidar com sensações novas, prazerosas ou não, e cabe ao
adulto acompanhar e reagir a essas sensações, para saber quando intervir. Isso
é uma construção, pois a mãe também precisa de um tempo para, aos poucos,
compreender melhor as solicitações do bebê.
A mãe conta com seu psiquismo nos aspectos conscientes e
inconscientes para apoiar o seu bebê que nasce extremamente dependente e
incompleto em suas funções físicas e psicológicas. Por isso, a importância do
pai ou de alguma companhia para a mãe para agir como “a placenta”, como um
invólucro, ajudando a dar um contorno para a dupla mãe-bebê: alimentar,
proteger e enlaçar. Desse modo, também o pai contará com seu psiquismo para
fazer esta função, banhando mãe e criança com seus significados conscientes e
inconscientes. Vale lembrar, então, que sempre que se fala de pai e mãe, pode-
se entender que se refere a funções e papéis que são exercidos pelos adultos
que se ocupam da criança.
Nascer, então, é intervir e alterar a realidade ao mesmo tempo em que
se é alterado e formado por ela. É “Ser” na e pela relação com tudo e todos,
influenciando os seres que se relacionam com quem nasceu.

Amamentação
A amamentação é uma experiência única entre mãe e filho e
fundamental para o desenvolvimento psíquico do bebê, pois, através dela, é
possível viver uma relação muito próxima. A mãe tem um papel essencial no
desenvolvimento da subjetividade do seu filho. Falar de amamentação é tratar
fundamentalmente de questões relacionadas à construção do vínculo entre mãe
e bebê, assim como, ao tratar de questões relacionadas à nutrição, exaltar a
importância do leite materno como alimentação exclusiva ao longo dos seis
primeiros meses de vida do bebê.
Amamentar não deve ser entendido somente como a oferta do leite
materno, mas também como a garantia da presença materna no ato de alimentar
o bebê. Os cuidados que a mãe dedica ao filho no ato da alimentação são
maiores do que exclusivamente a satisfação de necessidades fisiológicas e,
portanto, da garantia da sobrevivência. Durante a alimentação, o bebê vive
experiências muito intensas, tais como os sentimentos de segurança, conforto e
completude.
O ato de alimentar propicia uma relação íntima entre a mãe e seu
bebê através do olhar, do toque, do modo de carregar e de conversar com ele,
que são manifestações do cuidado. Através dessas atitudes, a mãe exercita e
expõe o seu desejo de ser mãe desse bebê. O rol de significados maternos
participa ativamente da constituição desse bebê como um sujeito. É muito
importante entender que não é o peito ou a mamadeira que carrega em si todas
essas possibilidades, mas o “ato de cuidar” e as relações estabelecidas ali,
através do olhar e do investimento do adulto ao reconhecer a importância do
bebê. Por tudo isso, afirma-se que a relação mãe-bebê se produz também na
dimensão inconsciente, em uma ordem para além da racional ou consciente.
Para o bebê, a mãe é seu primeiro objeto de interesse, assim como a
principal transmissora de conhecimentos sobre o mundo e sobre ele mesmo. A
interação que acontece, através do olhar mútuo, é uma interação recíproca muito
forte. Mãe e bebê estabelecem uma relação única que envolve todos os
cuidados, entre eles, a alimentação, o carinho, a atenção e a significação
materna do que se passa com ele, do que ele precisa e quer.
O lugar do pai – ao longo da fase da amamentação - é relevante na
medida em que ele provisiona o bom ambiente e apoia a sua companheira para
que ela possa desempenhar a sua função com segurança e tranquilidade.
Os profissionais de creche devem estar cientes da importância de
provisionarem, como o pai fez e faz em casa, um bom ambiente para que a
amamentação, na creche, possa ocorrer a contento. Apoiar, acolher e orientar,
em relação à amamentação, as mães que frequentam o espaço coletivo é uma
ação importante e comum nas creches administradas pelo CEDUC. Existe um
documento, que é entregue às mães, com orientações sobre como conciliar a
amamentação e o trabalho18.
Muitas mães trazem dúvidas e angústias sobre a amamentação. Cabe
ao profissional lidar com tranquilidade e ajudar as mães em suas reflexões e
encaminhamentos. É importante destacar que o profissional é aquele que possui
um conhecimento obtido da experiência de acompanhar bebês e suas famílias.
Ele acolhe, então, as questões e se compromete com as famílias, nas
orientações quanto aos pontos que precisam ser cuidados e considerados em
relação à amamentação. Não se pode esquecer, porém, que as orientações,
verdades técnicas provindas do saber de um especialista, devem ser um apoio
para as famílias e não uma imposição. O papel do profissional é ajudar a pensar
e potencializar o saber materno/familiar para que a mãe/família possa encontrar
seus caminhos e fazer as suas escolhas.
Amamentar envolve muitas questões anteriores à amamentação
propriamente dita: a história pessoal, as experiências alimentares maternas, as

O documento: “Orientações para a mãe que deseja conciliar as atividades profissionais com a
18

maternidade”, encontra-se no anexo e deve ser entregue às famílias assim que forem sair de licença
maternidade.
fantasias durante a gestação, assim como, a experiência de cada mãe com a
maternidade, com a filiação e a relação dela com seu parceiro. Entender a
complexidade que envolve esse tema é de fundamental importância para
qualquer profissional que esteja envolvido no atendimento de mães e bebês no
primeiro ano de vida.
Muitas vezes, é necessário escutar as questões abordadas pelas mães
para que, conversando com um profissional da creche, elas tenham a
oportunidade de organizar seus pensamentos e seus sentimentos, reorientando
suas escolhas. Contudo, não se pode esquecer que, embora a amamentação
seja muito valorizada e a sua ocorrência sempre defendida, há situações em que
não será possível para aquela dupla, mãe-bebê, sustentá-la. Nesses casos, não
caberá à creche problematizar profundamente as causas, mas apoiar para que
o aleitamento, ainda que artificial, siga com sucesso. Os profissionais da creche
não poderão julgar esse fato e deverão, mais do que nunca, apoiar os
encaminhamentos tomados. O foco em uma situação como esta é ler qual
aparenta ser o melhor caminho para o bem-estar e o crescimento sadio daquele
bebê.
As mães costumam trazer para as coordenadoras das creches as
angústias vividas no retorno ao trabalho ao término da licença maternidade.
Como as creches CEDUC funcionam dentro de empresas e são elas que
oferecem este benefício aos seus funcionários, recorrentemente se lida com
questões organizacionais/políticas das mesmas. Entre os temas que apresentam
singularidades na fase da amamentação com a empresa, estão a dificuldade das
mães em conciliar reuniões do trabalho com a amamentação, a extensa carga
horária, os horários de entrada ou saída de seu turno de trabalho ou a dificuldade
de sair da linha de produção para amamentar. Os anseios decorrentes que têm
sido trazidos são: o receio da criança passar fome na creche, pois em casa
oferecem o seio sob demanda, o receio de tirar o seio e passar a alimentação
para mamadeira, mesmo usando o leite materno, e a recusa da mamadeira pela
criança ou o abandono definitivo do seio. É sabido que tais sentimentos serão
enfrentados, necessariamente, no período de desmame, mas não significa que
a mãe deva antecipar os processos. A entrada na creche não significa desmame,
mas, ao contrário, ela existe para garantir a continuidade da amamentação e da
proximidade entre mães e bebês.
Essas afirmações precisam ser lembradas, não somente para as mães,
mas também para os chefes de linha de produção, para os gerentes, para o RH
da empresa, pois amamentar é um valor básico acordado entre CEDUC e a
empresa contratante dos serviços de creche. Também é sabido que muitas mães
antecipam o desmame em casa em seus últimos dias de licença com receio de
não conseguir administrar carreira e filhos pequenos e precisam ser orientadas
e encorajadas. O CEDUC tem alguns procedimentos para defender
politicamente esse direito materno: conversa com as famílias sobre esse direito
no momento em que elas fazem contato com a creche, conversa no
preenchimento da ficha de intenção de vagas, nos telefonemas ou nas visitas,
no curso de gestante, nas entrevistas de pré-adaptação e na adaptação.
Quando os trabalhos desenvolvidos pelos profissionais da creche não
conseguem solucionar as situações causadas pelas dificuldades com a
amamentação, a atitude mais apropriada desses profissionais pode ser o
encaminhamento terapêutico, se for uma questão singular, ou, se for uma
questão organizacional, o encaminhamento para o RH da empresa.

Aleitamento artificial e diferentes formações familiares


O CEDUC acompanha, tanto na sociedade quanto nas creches por ele
administradas, as alterações que ocorrem nas formações familiares. Entre
muitas alterações, podem ser citadas desde mães, pais ou avós que cuidam e
educam sozinhos seus filhos e/ou netos até casais formados por pessoas do
mesmo sexo. Em muitos destes casos, a amamentação é substituída pelo
aleitamento que é feito por um ou mais adultos que cuidam da criança.
É notório que a experiência da mãe que carrega o filho na barriga, que
vive as mudanças em seu corpo, o parto, a fabricação do leite no contato direto
da boca da criança ao seio, produz marcas na mãe e no bebê.
Todas as crianças para existir passam por uma barriga que as carrega e
onde se desenvolvem, nascem de um parto e são alimentadas direto no seio ou
através de seu substituto, a mamadeira. Tudo isso é acompanhado por adultos
que alimentam a importância desses momentos com suas subjetividades e
essas marcas são essenciais para que as crianças entrem no mundo humano.
O fato de umas – no meio do caminho - terem sido colocadas para adoção ou
perdido em algum momento os pais biológicos ou, ainda, terem nascido em
barrigas de aluguel ou terem dois pais ou duas mães, entre outras tantas
possibilidades, em nada diminui a riqueza das marcas que a criança e seus
cuidadores construirão na relação do cuidar e educar. São diferenças de
percursos. E as diferenças, para se tornarem negativas ou positivas, dependem,
dos significados que aquela família e cultura darão aos fatos concretos vividos
em cada relação.
O que foi tratado acima – no item amamentação – continua válido para
essa dupla formada pelo bebê e seu cuidador, sendo que os lugares e as funções
psíquicas maternas e paternas podem ser ocupadas por diferentes pessoas e,
em alguns casos, a sua ocupação revezada entre as pessoas da família que se
ocupam da criança.
As características desta relação de intimidade, nela inclusos aspectos de
prazer-desprazer sensoriais, corporais, relacionais, simbólicos e imaginários,
ocorrerão com todos, com maior ou menor ênfase para um aspecto ou outro, o
que implica que cada um vai construir a sua experiência, que, é claro, será única.

O Sono
O sono da criança merece atenção especial porque dormir tem grande
importância para o desenvolvimento humano. Dormir não é uma opção, mas uma
necessidade.
“É durante as fases mais profundas do sono que o
organismo libera importantes substâncias reguladoras da saúde
e do sistema nervoso, tais como o hormônio do crescimento
(somatotrófico), que estimula o desenvolvimento da massa
muscular, promove o alongamento dos ossos, evita o acúmulo
de gordura, melhora o desempenho físico, melhora o apetite
(leptina), que regula a fome e também as proteínas, que ativam
o sistema imunológico”. (Secretaria de Educação de
Florianópolis, 2011).

Também durante o sono são formadas proteínas fundamentais para a


construção da memória, da capacidade de aprendizado e do crescimento
corporal.
O descanso é importante para o estabelecimento de um ritmo que
alterna atividade e pausa, que contribui para a construção da noção de espaço
e tempo, para a regulação dos ritmos físico e mental, porque, durante o sono, o
corpo se recupera dos desgastes do dia e produz novas energias para enfrentar
os desafios de viver e crescer.
Desde o nascimento, a criança passa por inúmeras transformações
físicas e psíquicas que consomem muita energia. O sono é fundamental para
equilibrar as excitações, as aprendizagens do dia e para sonhar, pois, através
dos sonhos, os bebês rememoram sensações, acomodam vivências, prolongam
o sono e, ao crescerem, conseguem elaborar situações dolorosas e prazerosas.
A relação entre sono e vigília no início da vida é predominantemente
regulada por fatores fisiológicos. Na medida em que a criança é atendida pelo
adulto, vai tendo seus sinais identificados e interpretados. Aspectos definidos
pela família a partir da cultura em que vivem, tais como local de descanso,
luminosidade do ambiente, presença ou ausência de ruídos, objetos de apoio ou
acalanto, são gradativamente introduzidos no dia a dia, compondo o rol de
elementos presentes em seu ritmo de sono.
À medida que a criança cresce, o adulto vai sinalizando e dizendo que o
desconforto que está vivendo ou sentindo é relativo ao sono e vai ensinando a
desligar-se do entorno para entregar-se à necessidade de descanso. Assim, a
criança passa a aprender a reconhecer seus sinais fisiológicos e a encontrar
recursos para viver os períodos de repouso.
A entrada da criança na creche traz novos elementos ao ritmo de sono
e de vigília da criança. Questões relativas à diferença de ambiente como sons,
luzes, movimentos, cores, cheiros e temperaturas e de pessoas como tom de
voz, temperatura da pele, jeito de carregar, disponibilidade de acolhimento físico
passam a ser vividos e precisam ser identificados e compreendidos pela criança.
Os pais, que entregam seus filhos aos cuidados de um profissional que não faz
parte da família ou de seu convívio diário construído até o momento, precisam
apresentar o rol de conhecimentos já construídos em família para auxiliá-lo em
suas ações com a criança. É importante para as famílias, que querem ver
garantido o reconhecimento do que é necessidade singular de cada criança,
entender o espaço dos cuidados no dia a dia da creche, que precisa equilibrar a
vida coletiva com o atendimento mais individualizado.
A vida diária na creche, em sua organização de tempo e espaço, precisa
levar em consideração a possibilidade de momentos de pausa, descanso/ócio,
articulados às propostas com foco pedagógico e/ou outras propostas
permanentes, como aquelas que diariamente estão contempladas dentro da
creche e que fazem parte do rol de vivências da criança como brincar, ler livros,
desenhar livremente, fazer composições com materiais diversos, entre outros,
para estabelecer um ritmo no qual a criança use sua energia para realizar essas
propostas para, depois, ter a oportunidade de recuperá-la por meio do
sono/descanso.
Muitas crianças e educadoras usam algum tipo de ritual de passagem
do estado de vigília para o sono, o que é interessante, pois sinaliza para a criança
o que virá depois. Então, quando recebe a chupeta ou um paninho ou um colo
em certa posição ou um acalanto ou uma canção, a criança sabe que será
convidada a adormecer. Manter algum tipo de regularidade no espaço, no tempo
ou nos objetos para a criança dormir auxilia no estabelecimento de um ritmo
próprio para se entregar ao descanso.
No que diz respeito à organização do tempo e do espaço, para o
descanso na creche é interessante que a criança tenha seu lugar reservado para
o sono, seu berço, sua cama ou seu colchão utilizado apenas por ela, com
roupas de cama limpas e adequadas para esse momento. Que tenha um
ambiente definido para o descanso, como uma sala de sono – como ocorre com
os grupos G1 do CEDUC - ou a própria sala organizada para deixar claro que
aquele é o momento e o local para repousar – como ocorre nos grupos 2 e 3 do
CEDUC. Que identifique os sinais de que aquele momento pede que ela se
desligue do entorno para descansar, os quais podem ser a redução de ruídos, a
iluminação diferente da habitual, a redução de quantidade de objetos que podem
despertar atenção ou interesse, a presença de algum objeto de apoio ou
acalanto, como chupeta, paninho ou algum outro objeto relacionado a este
momento.
Precisam estar contemplados nos momentos de sono dentro da creche
os aspectos relacionados à nossa cultura. Vale levantar alguns:
 Tirar os sapatos das crianças, pois em nossa cultura não dormimos
de sapatos.
 Tirar elásticos de cabelo ou outros apetrechos que causem
desconforto.
 Manter a criança com uma roupa confortável. Não é necessário
colocar pijama, que seria relativo ao ritual de sono noturno vivido em
casa, mas é necessário dar atenção à presença de ferragens ou
acessórios presentes nas roupas das crianças que sejam
incompatíveis com o conforto necessário ao descanso.
 Dormir deitado. Em geral, dormimos deitados, pois, assim,
efetivamente descansamos. Dormir sentado deve ser reservado a
casos de refluxo, vômito ou outra indicação médica que assim exija,
por motivos de segurança, nestes casos, é utilizada a almofada-perna
ou o berço é levantado.
 Verificar a temperatura do ambiente e a necessidade de coberta.
 Reduzir a iluminação do ambiente. Não deixar o ambiente escuro
demais, pois é necessário que a criança diferencie o sono noturno do
sono diurno.
 Reduzir os ruídos do ambiente.
 Manter a babá eletrônica sempre ligada.
 Observar se as crianças estão ofegantes, se tossem muito, se
precisam de alguma ajuda específica.
Quando as crianças dormem na sala de brincar, no colo ou no
colchonete, o uso do bebê conforto não é indicado para este fim, é importante
que a organização deste espaço contemple esse aspecto. A sala é, então,
reorganizada com esta finalidade.
O uso do bebê conforto é restrito a momentos de aguardar a troca para
a alimentação, para a escovação de dentes e em caso de prescrição médica.
Algumas crianças com agravo respiratório ou de saúde em geral, que estejam
usando corticoides ou bronco dilatadores, entre outros, podem precisar dormir
na sala de brincar, para que sejam monitoradas o tempo todo.
Se as crianças dormem em uma sala de sono é importante que esse
ambiente seja definido em um local que receba pouco ou nenhum ruído externo
a fim de ser mantida a tranquilidade para o sono das crianças.
Sempre que houver sala de sono, é importante que as crianças sejam
transferidas para esta sala, após adormecerem na sala de brincar.
Na prática diária, percebe-se que muitas crianças precisam “aprender” e
se adaptar ao modo dos profissionais do CEDUC de conduzir o sono no espaço
da creche, pois essas escolhas estão baseadas em todo o conhecimento
adquirido pela equipe a respeito desse tema.
As educadoras relatam, principalmente nos grupos 1 com bebês de seis
meses a um ano, que preferem colocar as crianças para dormir na sala de
brincar, pois, lá, as crianças “dormem melhor”. Elas relatam que algumas
crianças preferem dormir em meio ao ruído e que outras, quando transferidas
para o berço, acordam e têm dificuldade em voltar a adormecer dando
continuidade ao sono. De fato, tais dificuldades são observadas, mas deve-se
fiar na capacidade da criança em aprender um modo entendido como o melhor
para ela e, para isso, se conta com a persistência e sensibilidade do profissional
em perseguir essa meta e ajudar a criança a aproveitar o repouso que a sala de
sono oferece.
Alguns cuidados podem auxiliar nesse processo de ajudar a criança a
adormecer, de como levá-la para o berço quando já estiver relaxada ou de deixá-
la dormir já no berço oferecendo o que ela gosta nesse momento e que a ajude
a adormecer. Se a criança dormiu na sala de brincar e precisa ser removida para
o berço na sala de sono, alguns procedimentos podem ajudar para que ela não
desperte quando for colocada no berço: aguardar que o sono mais pesado tenha
chegado; garantir um modo de carregar que não dê sustos ou solavancos; baixar
a grade do berço antes - para que a altura do colo seja próxima àquela do
colchão, quando isso for possível; cuidar do contorno corporal da criança com
almofada ou coberta, para que, ao ser colocada no berço, ela não se sinta solta
e assuste-se; subir o colchão dos berços que não têm grade removível para que
a altura do colo não seja tão diferente da altura do colchão, cuidando para não
deixar a criança em situação de risco quando ela fica de pé no berço, entre
outros.
Além das indicações acima que derivam dos estudos feitos e das
práticas realizadas, é bastante indicado que os educadores, ao transferirem para
o berço as crianças que adormecem nas salas, estejam convictos de que estão
fazendo o melhor para as crianças e, ainda, de que, se insistirem, as crianças
aprenderão a dormir nos seus berços. Isso posto, vão dormir muito melhor
gerando um dia mais tranquilo e uma convivência mais harmônica com outras
crianças e adultos.
Outro cuidado que o educador deve ter é com o seu modo de ninar a
criança. Não deve ocorrer o “balançar” de modo efusivo, pois, além de não ser
bom para a área vestibular responsável pelo equilíbrio localizada no aparelho
auditivo, gera tontura na criança e a acostuma a uma prática que não é a melhor
para ela. A criança pode adormecer em função da tontura sentida e o adulto pode
interpretar equivocadamente de que “ela gosta”, “ela relaxa”. Também é
desaconselhada a ação de bater efusivamente no bumbum ou nas costas da
criança, pois isto acaba se tornando um ato mecânico do adulto que pode torná-
la dependente desse ato para adormecer. Outro problema derivado do hábito de
dar “batidas” nas costas ou no bumbum é que, com o tempo e em dias mais
agitados, os educadores podem exagerar na força física e gerar ainda mais
excitação em quem precisa adormecer.
Como cada criança tem o seu modo de adormecer, compete ao adulto
observar e respeitar a singularidade de cada uma, não padronizando um modo
como o único. Por outro lado, é necessário ir da heteronomia para a autonomia,
ou seja, aqueles que precisam de ajuda hoje podem não precisar amanhã,
contanto que o educador o incentive e o ajude a crescer. Alguns pediatras e
especialistas em sono indicam que a criança seja ensinada a dormir sozinha sem
o auxílio do adulto, mas a dosagem do quanto ela ainda precisa de ajuda, e se
precisa, é o adulto que faz. As experiências vividas mostram que os adultos que
conduzem o sono da criança na creche podem precisar, em algum momento, de
uma conversa com uma colega ou com os pais para saber como está o processo
em casa, ou com as coordenadoras das creches, pois podem proteger demais
gerando dependência ou podem deixar de acolher crianças com choros
prolongados ou persistentes. Conversar sobre seus sentimentos e suas
percepções na relação com cada criança pode ser fundamental para identificar
ajustes necessários na leitura da situação e nos encaminhamentos práticos.
Assim, adormecer será uma bela e imprescindível aprendizagem para todos!
No que diz respeito aos cuidados com higiene, é fundamental que a
roupa de cama utilizada pela criança esteja sempre limpa, organizada, em bom
estado de uso e seja individual, ou seja, que seja utilizada apenas por aquela
criança. Quando é a creche que oferece a roupa de cama para as crianças, é
fundamental que haja alguma sinalização de que determinada roupa de cama é
utilizada por determinada criança. Assim, é importante considerar que, quando
não existirem camas ou berços específicos para uso das crianças, substituídos
por colchonetes colocados no chão da sala de aula para o horário do sono, a
roupa de cama deve estar identificada com o nome de cada criança para que
não haja trocas ou uso indiscriminado. Esse aspecto é de grande importância
para reduzir níveis de contaminação e proliferação de doenças.
Abaixo estão transcritas algumas indicações da Sociedade de Pediatria
do Neurodesenvolvimento de Portugal (2011). Embora esteja mais voltado ao
sono noturno e orientações às famílias, “endossa” algumas das indicações
levantadas anteriormente. Para eles é fundamental que a criança adquira desde
cedo, autonomia para adormecer.
Durante a noite a criança passa por 5 (cinco) a 8 (oito) ciclos de sono
REM e sono não-REM. Na transição do sono não-REM, o mais profundo, para o
sono REM, o mais leve, como durante o sono REM, a criança pode acordar e
readormecer imediatamente.
Se a criança estiver habituada à presença do adulto para o primeiro
adormecer (sono REM), irá necessitar dessa presença várias vezes ao longo da
noite em cada situação em que tiver que readormecer.
A partir dos oito/nove meses, a criança já tem capacidade para adquirir
essa autonomia. Será esta a idade ideal para que se habitue a dormir no seu
próprio quarto e na sua própria cama.
Para que adormeça de forma autônoma a criança deve ser deitada na
sua cama acordada e não já quase dormindo.
O ritual que antecede o ir para a cama deve ser sempre parecido, calmo,
não precedido de brincadeiras violentas. O ritual pode ser, por exemplo, escovar
os dentes, ouvir uma história que não contenha elementos assustadores ou
excitantes para aquela criança e, em seguida, diminuir ou apagar a luz.
Para criança muito jovem recomenda-se o uso de um “objeto de
transição”, que pode ser um boneco, a chupeta ou uma fralda. Estes objetos
podem ter um efeito tranquilizador e devem ser usados exclusivamente para
adormecer, para que o bebê possa associá-lo ao dormir. No CEDUC, avalia-se,
além do conforto psicológico, a segurança e a saúde da criança na escolha de
tais objetos, evitando aqueles que possam sufocar, restringir movimentos ou que
possam conter resíduos como secreção, ácaros, entre outros.
Algumas crianças, mesmo com todo o cuidado do adulto em relação ao
sono, apresentam dificuldades persistentes para dormir. Essas crianças e suas
famílias podem precisar de uma ajuda especializada que as apoie para
compreender o que se passa e para encaminhar mudanças necessárias na
rotina e no modo de se relacionar com a criança. Muitas vezes, esse profissional
especializado pode contribuir com orientações também para os profissionais da
creche, propondo algumas alterações. Distúrbios do sono são sintomas que
precisam de atenção e acompanhamento.
No CEDUC há situações nas quais os adultos podem interromper o sono
das crianças:
- No caso de crianças de até um ano (G1) que estejam com baixo peso
e há mais de 3 horas sem se alimentar; para as maiores de um ano (G2 e G3),
também com baixo peso e que estejam dormindo há mais de 4 horas.
- No G1, as demais crianças que fazem intervalos de mais de três horas
sem se alimentar são também avaliadas em relação à necessidade de serem
acordadas para comer. Em alguns casos, há a necessidade de revisão da rotina,
pois podem adormecer antes e bem perto do horário da alimentação sem ter
conseguido comer, ampliando, assim, o seu tempo em jejum, o que não é
recomendável.
- No G1, algumas crianças podem precisar serem acordadas para
almoçar ou jantar, em função do horário de saída de seus pais do trabalho.
Alguns pais contam com um tempo restrito entre sair do seu posto e buscar seu
filho na creche e dependem de condução coletiva para irem para suas casas,
não podendo aguardar o ritmo individual de sono de seus filhos. Nestes casos,
a criança acabará “sendo acordada” para ir para a casa com seus pais e é melhor
que acorde um pouco antes para ser alimentada, pois o percurso até a residência
pode ser longo.
- No G1, quando as crianças, ao serem transportadas para a sala de
sono, apresentam a fralda suja de fezes. No G2 e no G3, as trocas são feitas
levando em conta o histórico de assaduras da criança.
- No caso de crianças que precisam tomar alguma medicação importante
e de horário restrito. Nestes casos, aguarda-se até 2 horas de atraso da
medicação.
O sono no G1 é por livre demanda. A instituição e a rotina devem
priorizar as necessidades das crianças, sempre que possível. Nos demais
grupos a rotina vai ser desenhada em função dos ritmos das crianças em relação
ao ritmo institucional, que delimita horários mais rígidos para entrada, saída e
alimentação. Assim, o sono é oferecido para todos após o almoço, sendo que
aqueles que precisem dormir ou cochilar em outros horários serão contemplados
e trabalhados no sentido de conseguirem aproveitar o momento de sono
institucional, no qual toda a creche está mais calma e voltada ao repouso dos
pequenos. Nestes momentos, um dos educadores costuma permanecer no
grupo para acompanhar o sono das crianças e oferecer pequenas ajudas que
garantam a boa qualidade do sono de todos. Quando o grupo está calmo, esta
é uma boa hora para o educador dar prosseguimento a registros ou
planejamentos. Em alguns casos, é usada a babá eletrônica, como ocorre no
G1, que tem uma sala especial para o sono.
Nos momentos de transição do grupo 1 ao grupo 2, o sono é pensado
com cuidado no planejamento, para que o convite institucional ao horário comum
de sono seja uma construção respeitosa com cada criança. O mesmo ocorre na
transição do G2 ao G3.

O choro
O choro é um importante recurso de pedido de ajuda da criança
pequena, pois mobiliza emocionalmente os adultos e especialmente a mãe, que,
quanto mais conhece o seu bebê, melhor consegue identificar o tipo de ajuda
necessária para acalmá-lo.
Winnicott (2000) fala em quatro tipos de choro: satisfação, dor, raiva e
pesar. Uma das contribuições da psicanálise é a observação do quanto de prazer
está envolvido em situações aparentemente angustiantes. Com relação ao choro
também podemos levantar essa questão: quando exercita os pulmões, o bebê
experimenta um prazer que é o mesmo que vivencia em relação a qualquer outra
ação corporal e física. O choro também funciona como descarga e pode trazer
tranquilidade no sentido de possibilitar a expressão de um mal-estar. Mais tarde
a criança descobrirá outros prazeres no ato de chorar, como por exemplo, o de
mobilizar a atenção e o carinho dos adultos.
Há muita interpretação do adulto sobre a criança que chora muito ou
chora pouco, mas isso não deve ser necessariamente preocupante ou sinal de
problemas de saúde. A tendência é a função se equilibrar com o tempo e,
algumas vezes, para que isso ocorra, é preciso ajudar o adulto que se ocupa do
bebê, pois choro é comunicação e, portanto, relação.
O choro de dor costuma ser agudo e alto e pode-se tentar identificar o
local do corpo que dói com apalpadelas, tentativas e erros de alteração de
algumas condições externas, como luz demais, barulhos muito altos, calor
demais, coceiras etc. A fome é também entendida como dor, devido aos
movimentos intensos que provoca na criança. A partir do crescimento do bebê,
percebe-se um choro de apreensão ligado à experiência de dor, como se a
criança identificasse indícios de que deve esperar a dor ou a chegada de um
desconforto, como a perda de calor ao ser trocado. Mais tarde ainda, começa o
choro do medo da dor, pois o bebê recorda sensações ou imagina coisas
assustadoras e as relaciona com certas sensações que, voltando a acontecer,
desencadeiam o choro.
O choro de raiva é a manifestação furiosa do bebê decepcionado com
sua mãe ou adulto/cuidador, que, de alguma maneira, o frustrou. O bebê acredita
fielmente que sua mãe poderia não fazer isso, ou seja, crê na onipotência do
adulto que dele se ocupa. Os bebês quando estão furiosos usam seu corpo para
se expressar e têm o poder de assustar um adulto, quando, além de gritar e
espernear, experimentam morder, vomitar, cuspir, arranhar ou prender a própria
respiração. Deixam clara a intenção de destruir ou danificar e sentem-se, de fato,
bebês muito perigosos. Pensar no papel do adulto nessas situações é muito
importante, pois é possível confirmar as fantasias do bebê ou acalmá-lo,
ajudando-o a separar a realidade da fantasia. Quanto maior o bebê mais chance
teve de aprender a usar seus ataques coléricos, sua arma, e a fazer a
manipulação emocional dos adultos. Ao mesmo tempo, há uma dificuldade que
permeia tais reações extremas: a de abandonar a esperança de conseguir o que
quer.
O choro de tristeza em crianças em condições normais de cuidado é
melodioso e rico em lágrimas e envolve complexas operações psíquicas. Por
isso o identificamos em bebês mais velhos com cinco ou seis meses de idade.
Neste tipo de choro, a criança tem que reconhecer o seu objeto de apego,
inicialmente a mãe, e experimentar a separação, o que implica em fantasias de
culpa e insegurança quanto ao seu valor. Chorar com tristeza pode ser a
expressão do bebê em relação a situações que ele não controla e o início da
elaboração e da aceitação da experiência de perda ou limite, o que pode ser
considerado um bom sinal de amadurecimento emocional da criança. Mais tarde,
o choro de tristeza vai ocupando diversos papéis na vida de uma criança.
Um quinto tipo de choro pode ainda ser lembrado, segundo o autor, o
choro de desamparo ou desintegração, no qual o bebê é invadido por um
sentimento quase insuportável. Esse choro se assemelha a um resmungo ou a
um grito sem melodia, a uma expressão da situação de privação ou desistência
do bebê em relação ao outro. Esse choro é raramente observado, já que está
diretamente ligado à situação de recorrente abandono de um bebê, muitas
vezes, em instituições de acolhimento superlotadas.
Na creche, os choros dos bebês precisam ser escutados e interpretados
pelo adulto responsável, pois ele é considerado um tipo de
comunicação. Quanto menor o bebê, mais se torna imprescindível a ajuda.
Tentar identificar o que diz o choro pode ajudar no tipo de ajuda necessária a ser
feita pelo adulto, pois satisfação, dor, raiva e tristeza implicam em diferentes
ações do adulto.
Quando a criança chega à creche, o profissional conta com o apoio da
mãe e/ou do pai para “legendar” os choros. Além disso, ocorrerá também um
tateio inicial, um ensaio com alguns erros de interpretações, mas, em pouco
tempo, o educador conhecerá o que quer comunicar cada choro daquele bebê.
Vale lembrar que as leituras familiares sobre o que quer dizer cada choro
têm grande valor para o educador da creche, mas não podem significar uma
verdade absoluta, pois, algumas vezes, as famílias têm interpretações que
podem não corresponder às necessidades dos bebês, na visão dos profissionais
que agora dividem os cuidados com os pais. Um exemplo comum é o “choro de
birra”, que para muitos pais é sinal de “grande sofrimento”.

Colo
É sabido que as crianças nascem com uma rica experiência fetal
sensorial. Ao nascer, estranham algumas novas sensações corporais, como o
frio ou o calor, e se acalmam em certas posições ou situações, no colo em
contato com o coração materno ou em banhos mornos. Enquanto vão sendo
cuidados, os bebês expressam suas preferências e estranhezas e isso deve ir
moldando as ações de quem cuida deles. Muitas vezes, esquece-se de observar
com cuidado cada bebê e não se compreende os motivos do choro ou
desconforto.
Ao entrar na creche, observar o modo como os familiares carregam seus
filhos é fonte de informação para o período de adaptação. É possível fazer uma
leitura da relação mãe/bebê naquele momento e contexto, que deve ser sempre
uma hipótese aberta para ajudar a melhor conduzir esse momento da entrada
da criança na creche.
Os bebês identificam sensorialmente os “tipos de colo” que lhes são
oferecidos: os que lhes dão segurança, alegria e conforto de outros que lhes
causam desconforto, medo ou falta de contorno. Assim, relacionar-se com bebês
implica pensar no tipo de acolhimento, de toque e no ato de carregar que está
sendo propiciando. Há questões mais sensoriais como: calor, frio, dureza,
aperto, aspereza, contorno ou falta de contorno, força, moleza, entre outros. Mas
há também questões emocionais: há toques e colos que mostram
agressividade, falta de paciência, descuido como carregar de qualquer jeito ou
puxar ou suspender pelo braço, desatenção, pressa, recusa, nojo, medo,
insegurança, entre outros.
Todas as experiências, tanto as agradáveis quanto as desafiantes,
fazem parte da vida de qualquer criança, e, por isso, não se quer colocá-las em
um ambiente “perfeito ou idealizado” sem dor e sem desafios. Mas os
responsáveis pela educação delas em um ambiente coletivo devem se manter
alertas para as relações corporais e para o que é comunicado e ofertado de
experiências para as crianças. Mesmo porque, trabalha-se com crianças muito
pequenas, que estão construindo a sua noção corporal através da relação
estabelecida com elas. O papel do educador, nessa construção, é muito
significativo, mesmo que permaneça na lembrança sensorial e inconsciente de
cada bebê. O objetivo é que as relações corporais sejam fonte de bem-estar e
aprendizado sobre si e sobre o outro.
No CEDUC, é muito importante aprender a oferecer um colo bem
dosado, sem excessos ou faltas, e é fundamental saber a medida entre acolher
com segurança e tranquilidade e incentivar a independência criativa do bebê do
corpo do adulto. A construção desse conhecimento, dessa medida, não ocorre
de uma hora para outra, mas é fruto da observação detalhada da experiência e
da forma de fazer de educadores mais experientes. Desse modo, os educadores
menos experientes podem partir para suas próprias tentativas e, aos poucos,
criar um jeito seu de acolher. Saber dosar o colo, principalmente para bebê de
zero a um ano é uma arte, contudo também é uma grande necessidade. O
equilíbrio na dosagem do colo trará a possibilidade do bebê se entender
respeitado, acolhido, protegido e, ao mesmo tempo, forte o bastante para brincar
sozinho, arriscar aprendizagens e explorar o mundo. A dosagem e o tipo de colo
oferecido podem ser problematizados, sempre que necessário, a partir da
utilização da metodologia de trabalho, com filmagens, fotografias, reflexões e
observações.

Chupeta
O uso da chupeta é um tema que precisa ser discutido com cuidado,
porque muitos profissionais são radicalmente contra a chupeta em função de
questões estudadas sobre a relação do uso da chupeta com a amamentação e
o desmame precoce e também sobre as consequências fonoarticulatórias e
odontológicas.
Cabe aqui uma pequena reflexão que deve versar sobre o
papel/importância que a chupeta tem na relação da família com o bebê. A
escolha de oferecer ou não a chupeta é feita na família e, como consequência,
a proibição do seu uso pelos profissionais de saúde precisa ser repensada. Se
a família opta por usar a chupeta, ao proibir o seu uso na creche, o profissional
gera um problema para as famílias e para as crianças que receberão dupla
orientação. Alguns pais podem concordar com a creche e, em casa, não
sustentarem a ação, o que também complica a compreensão da criança sobre a
regra do uso desse objeto.
A chupeta e o seu uso estão associados à ideia de aconchego e
proteção. Os pais oferecem a chupeta para acalmar as crianças, para
aconchegá-las. Portanto, mais do que usar ou não a chupeta, seria importante
entender o como e quando usar.

Se a chupeta acalma o bebê, pode também, em


determinado momento, acalmar a mãe que se encontra ansiosa
e que precisa de um tempo mínimo para conseguir responder à
demanda do filho. Dessa forma, o objeto chupeta funcionaria
como um auxílio a que a mãe recorre em determinados
momentos, podendo salvaguardar a qualidade da relação mãe-
bebê. A chupeta facilita e possibilita o afastamento materno
momentâneo, viabilizando a questão estruturante da presença-
ausência, imprescindível no processo de estruturação psíquica.
(LIMA, 2008, p.66).

Para o CEDUC, a chupeta se apresenta como um recurso interessante


de acalanto e pacificação, sobretudo em momentos de sono, dor e/ou frustração.
A criança é capaz de, com a ajuda dela, se autorregular.
Quando a família é contra o uso desse objeto, essa determinação é
respeitada e segue-se com as crianças sem essa possibilidade, mas quando as
famílias perguntam a opinião das educadoras, a posição é a de defesa de seu
uso.
É importante comentar que o uso exagerado da chupeta ou do dedo na
boca poderá trazer problemas ortodônticos, pois o palato, a região superior
interna da boca, apresentará um enrijecimento a partir dos dois anos de idade.
Esse acontecimento físico/orgânico associado ao uso intenso e estendido da
chupeta poderá trazer deformações na arcada dentária. O uso exagerado pode
atrapalhar também o desenvolvimento da fala, da interação social e as
aprendizagens pedagógicas, pois uma criança que fica com a chupeta o tempo
todo ou durante muito tempo está menos predisposta a se comunicar e menos
curiosa para buscar novas fontes de prazer.
Sabendo disso, o CEDUC se propõe a apoiar as famílias na retirada da
chupeta que pode ocorrer na creche quando as crianças a frequentarem nesse
momento. Em geral, após viver com sucesso o processo da retirada da fralda, é
feito um trabalho para que essa criança se despeça da chupeta por volta de dois
anos e meio. Sempre se aposta na potencialidade da criança, em sua
capacidade e desejo de crescer e, com isso, deixar certas etapas anteriores para
trás.
Em relação às crianças que chupam o dedo, pode-se até ofertar a
chupeta ou outro objeto como substituto, sempre em acordo com a família. A
retirada desse hábito se torna mais difícil em relação ao objeto-chupeta e
observa-se que muitas crianças prolongam esse ato, o que não é em si um
problema. Quando esse ato se tornar uma questão de preocupação, por se
prolongar demais na intensidade ou na idade ou por trazer deformações
ortodônticas, pode-se pensar em encaminhamentos.
Poder viver perdas em busca de novos conhecimentos é uma atitude
corajosa e saudável. Isso não quer dizer que todas as crianças precisem ou
devam atravessar essa etapa na mesma idade, mas significa que deve-se
observar e acompanhar cada uma e analisar a capacidade de sua família de
sustentar essa passagem para que essa discussão com ela possa ser
encaminhada.

Objetos transicionais
Esse conceito foi desenvolvido por Winnicott (2000) para marcar uma
passagem no desenvolvimento infantil compreendida como uma importante
experiência para a construção da noção de realidade interna e externa, bem
como a noção do eu e não-eu. Essa passagem é considerada um momento de
descanso psíquico, um “estar na fronteira”, pois a criança faz a escolha de um
objeto real que a ajuda na difícil tarefa de se separar simbolicamente da mãe, de
reconhecer e aceitar a realidade externa e a interna e de lidar com seus desejos
e impulsos.
Os objetos transicionais seriam aqueles objetos de escolha da criança,
como paninhos, chupetas, bonecas, pedaços de lã, entre outros, que manteriam
ligadas as realidades interna e externa e propiciariam à criança uma experiência
de ilusão, criar e imaginar, com a qual os adultos concordam. Muitas vezes as
crianças nomeiam seus objetos, “meu dodô”, por exemplo. Os adultos costumam
contar com a ajuda de tais objetos no trato com seus filhos e, por isso, é possível
observar falas como: “filhinho, pegue seu amigo “dodô” para vocês irem dormir
juntos”! Tais objetos não fazem parte do corpo do bebê, como seria o caso do
dedo que é chupado ou do cabelo que é enrolado, e por isso significam que a
criança já é capaz de eleger um objeto externo para obtenção de prazer e para
servir de apoio em situações de desprazer.
Os objetos escolhidos pela criança representam a relação dela com a
mãe, que quer ser revisitada e reeditada, começando pela amamentação e a
relação com o seio, e que, de certa forma, a substituem. Pode-se perceber isso
quando a mãe precisa sair para trabalhar e a criança chora, mas recebe dela o
paninho “escolhido” e rapidamente se acalma. Os objetos ajudam a criança no
processo que Winnicott (2000) chama de “ansiedade depressiva” 19, que é
considerado um movimento positivo de amadurecimento psíquico, pois a criança

19Winnicott, 2000. A posição depressiva no desenvolvimento emocional normal. In: Da pediatria a


Psicanálise. Obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago. (obra original de 1955).
já consegue enxergar na mãe aspectos positivos e negativos, movimento de
integrar em um só objeto de apego aspectos contraditórios, em contraste com a
tendência anterior que era de separar a mãe em dois objetos de apego: a má,
aquela que a frustra, e a boa, aquela que a satisfaz, movimento de separar. O
“movimento depressivo” também diz respeito à aceitação das regras, limites e
ordens sociais, aceitando melhor as frustrações.
Nos objetos de apego, a criança vai viver uma relação, depositando
neles afetos e sentimentos relacionados a raiva, amor, dependência, criatividade
e imaginação, ciúme, entre outros. Nessa relação, a criança se fará perguntas e
elaborará respostas.
Nas creches, algumas crianças vivem esse momento de separação com
a ajuda de objetos transicionais que escolhem, devendo ser respeitadas nessa
necessidade. Alguns educadores buscam regrar o uso dos mesmos e, muitas
vezes, compram “brigas” desnecessárias, pois tais objetos são naturalmente
descartados pelas crianças quando não precisam mais deles.
Nas creches, os educadores procuram mediar a relação da criança com
tais objetos ofertando o seu uso diante de uma situação que tal pareça
necessário, como diante de um momento tenso ou dolorido para a criança, ou
regrando o uso do mesmo em situações que achar que o seu uso não é
necessário, como, por exemplo, em uma atividade de pintura ou de passeio no
parque. Bastante interessante também é deixar o objeto de apego à disposição
e alcance da criança, por exemplo, nos nichos dos armários das salas, nas
bolsas, para que ela mesma possa ir se autorregulando, escolhendo a hora que
precisa de ajuda ou não.

Capacidade para estar só


Pode parecer contraditório lançar esse tema para a reflexão quando se
trata de crianças muito pequenas cuidadas em creches e extremamente
dependentes do adulto. Mas, do ponto de vista psíquico, a capacidade de “estar
só” e de enfrentar alguns desafios de forma independente é sinal de
amadurecimento emocional. Pode-se interrogar por que algumas crianças,
depois de atendidas em suas demandas básicas, conseguem ficar acordadas e
tranquilas em seus berços enquanto outras começam a chorar e só se acalmam
com a presença da voz, das mãos ou do rosto materno ou de quem cuida dela.
A criança pequena, de zero a seis meses, desenvolverá recursos
psíquicos para lidar com os desafios do mundo muito apoiada nos recursos
psíquicos maternos, pois ela nasce em completa simbiose, inconsciente, com a
mãe e não tem, ainda, um “eu” organizado. Isso significa que sua capacidade
para estar só e ficar bem depende totalmente que sua mãe esteja bem com a
situação, podendo-se entender o “eu” da mãe como um “eu” auxiliar do bebê.
Assim, uma mãe, ainda insegura quanto à decisão de deixar seu filho na creche,
pode apertá-lo demais na hora da entrega do mesmo ao educador ou demorar-
se muito nesse momento ou, ainda, ficar falando repetidamente coisas como: “a
mamãe já volta, volto rapidinho, eu te amo, não queria te deixar, será que você
vai me perdoar”. Nessas cenas, pode-se avaliar como está o “eu auxiliar” do
bebê, a mãe, e imaginar as emoções transmitidas.
À medida que o bebê vai vivendo experiências de acolhimento, de
cuidado, de proteção na relação com sua mãe e com quem cuida dela vai
construindo a sensação de um mundo bom, confiável, baseado na crença de que
sua mãe está sempre perto e vive “internamente” dentro dele. Nesse sentido, ela
torna-se um objeto de amor bom e vive em sua mente, constituindo uma marca
psíquica boa. Essa presença interna ajuda na construção da experiência da
confiança com o presente e com o futuro e isso permite ao bebê que ele
descanse e desenvolva a autossuficiência por algum tempo. Mas pode-se
perguntar: como essa experiência se torna possível?
Winnicott (2000) fala que a “mãe suficientemente boa” é capaz de
oferecer ao seu bebê a construção dessa crença em um mundo bom e isso se
dá em função da repetição de experiências satisfatórias. A mãe “suficientemente
boa” é aquela que é atenta ao seu bebê, às suas necessidades físicas e
psicológicas, sem a pretensão de satisfazê-lo totalmente. Isso ocorre por sua
capacidade de se identificar com seu bebê, colocar-se em seu lugar, e fazer as
ações necessárias para atendê-lo e acalmá-lo.
Ao longo desta etapa a criança acumula experiências e sensações de
proteção e vai, gradualmente, introjetar, em seu “eu” em construção, o “eu”
auxiliar materno. O pai, mais uma vez, contribui em relação ao apoio que ele
pode significar para a mãe, que pode, em alguns momentos, ficar insegura,
cansada ou impaciente no trato com o seu bebê.
A capacidade para “estar só” é construída ao longo da vida, e as
experiências do início da vida são muito importantes, pois formam as primeiras
marcas. Acompanharemos as etapas iniciais desse processo, de zero a três
anos. Como conhecido, esse processo começa com o nascimento, tem uma
etapa de grande dependência até os seis meses e uma segunda, com uma
dependência relativa, que será tratada a partir de agora, que se alonga até os
dois ou três anos.
A partir do quinto ou sexto mês, o bebê sente a necessidade da mãe
concretamente, pois já sabe que a mãe é necessária para o seu conforto, e
começa a perceber que ela tem uma existência separada da dele. Nessa fase,
existem bebês que relutam em aceitar que a mãe saia ou seja substituída e
expressam essa recusa de maneira mais ou menos intensa. A percepção de que
certos eventos acontecerão independente de sua vontade ou controle é um
desafio que mobiliza fortes emoções como a raiva, a desilusão e a impotência.
A criança é capaz de manter a mãe viva em sua mente por um tempo e isso pode
ajudá-la a se acalmar. Esse tempo, em termos de quantidade e qualidade, vai
aumentando com o crescimento. A brincadeira é forte aliada da criança neste
processo assim como, visto acima, os objetos transicionais, pois representam o
conforto e a segurança materna.
Nesta etapa, há muito trabalho psíquico para ser feito. Entre eles
destacam-se a construção corporal e sua integração como um corpo completo,
a separação simbólica entre mãe e criança, a diferenciação entre fantasia, o
mundo interior e realidade, o mundo exterior, a integração da criança em uma
unidade que tem um “eu” próprio e separado, a identificação, a capacidade de
lidar com as perdas e as frustrações.
Pode-se afirmar que esse trabalho psíquico avança quando a criança é
capaz de dizer “eu” ou “eu sou” ou, ainda, “eu estou sozinho”. Nesse momento,
a criança já construiu a percepção da “existência contínua de uma mãe
disponível cuja consistência torna possível para a criança estar só e ter prazer
em estar só” (Winnicott, 2000, p.35). Após esse período, a criança entra em uma
etapa rumo a sua independência.
Assim, cada bebê faz o seu caminho psíquico e a sua capacidade para
ficar só e bem está relacionada a todas essas experiências primordiais.
Tratar desse tema é relevante na medida em que as creches cuidam dos
bebês e os educam no ambiente coletivo. Os educadores das creches ficam de
oito a dez horas com as crianças exercendo a maternagem e, portanto,
participando da construção dessas primeiras marcas psíquicas. Poder se colocar
no lugar de cada bebê, conhecer suas necessidades, ofertar ajuda e presença,
são partes constituintes dessa função.
Escutar os choros, saber diferenciá-los, saber o quanto cada bebê
aguenta ficar sozinho e o quanto precisa se fazer presente, concretamente ou
simbolicamente, são ações que as mães fazem inconscientemente ou não, mas
que os educadores de bebês precisam também fazer. Para isso, contam com
suas experiências infantis, muitas vezes atuando inconscientemente, com suas
experiências como mãe, para quem já é mãe e com os conhecimentos
disponibilizados pelas teorias, que, muitas vezes, podem ser um problema
quando substituem a relação de envolvimento e sensibilidade,
predominantemente, pela técnica ou o saber ideal, moral.
Assim, momentos de reflexão podem ajudar os educadores a fazer
melhores perguntas sobre o que se passa com certos bebês e sobre como estão
lidando com eles.

Sentimento de segurança
O sentimento de segurança necessário para o desenvolvimento da
criança deve existir no íntimo de cada uma para que ela possa construir uma
crença nas pessoas e no mundo. O mundo precisa ser apresentado pelos
adultos como um lugar confiável no qual os afetos são duradouros, a ponto de
poderem ser recuperados no caso de alguma mágoa.
No início da vida, a criança precisa de cuidados contínuos e rotineiros
para armazenar uma quantidade de boas experiências de assistência e
confiança nas pessoas ao seu redor e no mundo. Essa é uma construção que a
acompanha a vida toda e que tem, como base fundamental, o que acontece no
primeiro ano de vida do bebê. Levando isso em consideração, o meio ambiente
deve ser previsível e adaptado às necessidades do bebê e as relações devem
ser também priorizadas.
Falar disso em creches que funcionam em empresas é bastante
desafiante, pois, muitas vezes, a rotina da criança será balizada pelas
necessidades do horário de trabalho da mãe, entrando muito cedo na creche ou
dela saindo tarde da noite. Por isso, os horários devem ser muito bem pensados
e adaptados sempre que necessário, para atender as necessidades dos bebês.
Cada criança vai, ao longo do seu desenvolvimento, apresentar
necessidades específicas que precisam ser observadas e incluídas em relação
ao que as pessoas e os ambientes lhe oferecem. A criança pequena precisa de
estabilidade e repetição de ações para sentir-se segura, sem a sensação de viver
algo inusitado a cada momento. Assim, dosar o quanto de repetição e quando
fazer mudanças, exercitar a flexibilidade e a coerência para fazer alterações que
equilibrem o momento e a quantidade de mudanças que cada criança pode
suportar, deve ser um processo pensado pelo grupo de profissionais da creche.
Esses cuidados “salvam” a criança do inesperado, das intrusões indesejáveis de
um mundo que ela não conhece ou não entende ainda. Assim, ela é protegida
dos efeitos negativos que o novo em excesso pode produzir.
Para progredir na construção do sentimento de segurança, as crianças
precisam de toda a assistência emocional do adulto, pois, além dos cuidados
com a saúde física e com a sua proteção, é preciso que o adulto possa satisfazer
e lidar com os impulsos da criança, como amor, ódio, fome, sono entre outros e
orientar a sua espontaneidade. Assim, as dificuldades vividas serão as que a
criança pode lidar, amparadas sempre pelo adulto, que sabe acolher e orientar,
dosando as interferências do mundo na vida da criança.
Apesar dos cuidados do adulto, as experiências ruins serão também
vividas sempre, sendo elas muito importantes. São elas que vão começar a
impor frustrações ao bebê, ajudando-o a crescer e ambientar-se em um mundo
feito de limites e regras. Observar o que cada bebê já aguenta e o que é ainda
muito duro para suportar, é uma experiência muito rica para acompanhar a
inserção da criança no mundo social, no qual existem outras pessoas e outros
desejos a serem atendidos. Frustrar é, porém, muito diferente de abandonar.
O conflito entre o desejo de estar totalmente seguro e as
imprevisibilidades que a vida traz, gerando insegurança, é um desafio que a
criança levará para toda a vida. A responsabilidade do educador é que a
experiência inicial do bebê na creche em relação à proteção se constitua em uma
base importante para a criança enfrentar tais momentos no futuro.
Os medos também fazem parte da vida do bebê e começam quando a
criança separa seu “eu”, do “eu materno”. Há medos de natureza primitiva, como
o dos impulsos agressivos e destrutivos, das retaliações, em relação à excitação
amorosa ou raivosa. É na relação com seus pais e com seus cuidadores que a
criança vai aprender a lidar e abrandar/limitar tais imagens, fantasias e
sensações.
O educador não escapa, em sua tarefa educacional, de acolher e
orientar os impulsos da criança, ajudando-a a lidar com a sua ansiedade e a sua
agressividade. Ele também oferecerá oportunidades para a criança viver
momentos de reparação e reconstrução da relação ameaçada em função de
algum conflito vivido. Assim, a criança vai aos poucos internalizando a noção do
que é certo ou errado e as regras da vida social. Se o adulto é alguém confiável
nessa fase formativa, a criança vai conseguir se organizar e viver os desafios da
vida, tendo como base o sentimento de que não está sozinha e que tem
condições de enfrentar desafios, pois a sua segurança básica foi construída.

Desmame
Da mesma maneira que a amamentação/aleitamento é de suma
importância, o desmame, entendido como o processo de sair e/ou espaçar o leite
materno ou substituto, precisa ser cuidado com atenção. Basta pensar que,
sendo a amamentação/aleitamento fundamental para o desenvolvimento do
psiquismo, o desmame terá igual importância para esse processo de
desenvolvimento.
Para o bebê, o processo de desmame é um momento de separação, de
quebra de parte da intimidade até então vivida por ele e sua mãe. Ele será
afastado de algo que foi fundamental para a sua sobrevivência no início da vida,
porém será a ele ofertado um leque de novas e múltiplas experiências.
O momento para que o desmame seja iniciado está relacionado à
orientação médica juntamente com as experiências e decisões familiares.
Normalmente, a indicação ocorre quando o bebê completa seis meses, pois ele
já se desenvolveu adequadamente para começar a substituir as mamadas do
meio da manhã e da hora do almoço por suco de frutas e papa de legumes. Há
também situações em que, em função de alguma questão familiar ou da relação
mãe-bebê ou em relação à saúde dos dois, o esquema básico pode ser alterado.
Essa introdução de novos alimentos é a possibilidade de oferecer algo
novo que dará a oportunidade ao bebê de viver novas experiências tanto no
campo fisiológico, paladar, experimentos sensoriais, processos digestivos, como
nos campos afetivo e relacional. Quando se oferece à criança novas
oportunidades, sejam elas quais forem, propicia-se o seu desenvolvimento ao
viver novas relações e experiências, gerando novas aprendizagens e
conhecimento.
A partir do oitavo mês de vida, ela ampliará cada vez mais o seu cardápio
enriquecido com novas texturas e sabores. Nessa fase, a tendência é mamar
menos, o que não significa deixar totalmente de mamar, mas depender menos
do leite e, ao mesmo tempo, um processo psicológico acontece, pois a criança
começa a perceber-se como uma pessoa que ama a mãe, mas que é diferente
dela.
Desmamar é um processo que significa muito mais que espaçar
gradativamente as mamadas substituindo-a por frutas, legumes e outros
alimentos. Trata-se de um bebê que começou a vida dependente da mãe e que,
crescendo, começa a se aventurar de forma mais independente dela. Como todo
processo de mudança, o desmame também deverá ser gradativo, evitando a
interrupção brusca da lactação. Para isso, é muito importante a sintonia entre a
mãe e o bebê, porque eles poderão, juntos, descobrir o melhor tempo e a melhor
forma para que o desmame aconteça.
O papel da creche é muito importante nesse processo, pois a criança
que frequenta o espaço coletivo desde pequenina, certamente viverá o processo
de introdução de novos alimentos e de desmame acompanhada também pelos
profissionais da creche. Auxiliar e apoiar as famílias nesse momento,
observando as reações da criança, a evolução do processo e o seu
desenvolvimento é uma das funções exercidas pela equipe do CEDUC que
trabalha na creche.
Ao receber a criança de seis ou sete meses, o educador deve estar
preparado para acolher uma série de questões que cercam este momento da
adaptação. As questões alimentares, certamente, são um dos principais focos
de atenção do profissional neste período.
Muitas vezes, a mãe, quando volta a trabalhar, já iniciou o processo de
desmame, mas é muito comum que o bebê demonstre, no primeiro mês de
frequência na creche, uma forte solicitação em manter o leite materno como
principal fonte de alimentação. É necessário entender que esta é uma nova
experiência para o bebê e ser amamentado é muito mais do que receber o leite
materno, como já observado anteriormente. Continuar mamando é manter-se
próximo à mãe, é mantê-la por mais tempo por perto. Este desejo é muito fácil
de entender quando se pensa em um bebê que está entrando no espaço coletivo
após seis ou sete meses de uma vivência muito íntima e próxima à sua mãe.
Compreendendo que esse comportamento faz parte do processo de
desenvolvimento humano saudável, no primeiro mês do bebê na creche a mãe
deve ser orientada a programar-se para vir mais vezes à creche para aleitá-lo ou
apenas para pegá-lo no colo, brincar com ele, conversar e compartilhar o novo
ambiente cheio de novidades e de outros bebês.
Logo, mãe e bebê estarão muito bem na nova vida. A mãe voltará à sua
rotina de trabalho e o bebê aceitará bem outros alimentos, ampliará os intervalos
das mamadas, dormirá melhor e fará novos amigos.
Em casa, o pai pode ajudar muito nesse processo sendo suporte para a
mãe nos momentos em que ela se sentir incapaz de frustrar e limitar o seu bebê.
Em relação ao bebê, pode reafirmar a sua potencialidade de mudar de fase,
abandonando um comportamento anterior para encontrar, no mundo, novas
fontes de prazer.

Mordida
Um momento que é sempre muito polêmico e mobilizador de fortes
emoções no dia a dia das creches é quando uma criança começa a morder a
outra. Esse momento, embora tenso, é esperado, porque faz parte da vida das
crianças pequenas e mais ainda daquelas que vivem juntas em uma creche.
Sabemos que a boca é um orifício muito estimulado na vida de um bebê.
Mamar, sugar, chupar, regurgitar, arrotar, beijar, cantarolar, chorar, lamber,
respirar e soltar o ar, morder... tudo isso faz parte das ações corriqueiras na vida
do bebê e sua mãe. Nas brincadeiras maternas, a boca da mãe também é muito
presente, pois ela beija, morde o pezinho, canta, conversa, faz brincadeiras com
a boca na barriguinha, entre tantas outras.
À medida que o bebê cresce, tem possibilidades cada vez maiores de
usar a boca para conhecer os objetos do mundo, que podem ser partes do seu
corpo, como chupar o dedo, do corpo do adulto, como sugar a mão da mãe, ou
objetos-coisas do mundo externo, brinquedos, etc. Assim, o bebê conhece
gostos, texturas, temperaturas, entre tantas características dos objetos.
Ninguém duvida de que a amamentação seja também fonte de muito
prazer para o bebê, pois além de sair do mal-estar da fome, ele também é
alimentado pelo carinho e pela atenção materna. A boca passa a ser um órgão
extremamente sensível na obtenção do prazer. Quando os dentes despontam,
os bebês conseguem fazer outras ações que permitem-lhes ampliar sua relação
com os objetos, sejam eles partes do corpo, alimentos ou brinquedos: prendem,
rasgam, trituram, furam, mordem!
As mães, nessa fase, muitas vezes, colocam limites para seus bebês ao
longo da amamentação, entendido aqui como um “não” bem firme, pois muitas
crianças mordem o mamilo e acabam machucando suas mães. Assim, as
crianças vivem alguns conflitos: ter que parar de fazer algo que lhes dá prazer e
enfrentar a reação materna, que pode ser de dor, de decepção, de braveza, entre
tantas outras. Até que entendam e façam as melhores escolhas, as crianças
repetirão tais cenas muitas vezes.
Essa situação do seio, junto com tantas outras, nas quais os familiares
começam a colocar pequenas regras aos seus filhos, pode ser entendida como
uma oportunidade de orientação da criança em relação ao uso da sua boca,
como, por exemplo, não colocar lixo na boca, não comer certos objetos etc., e
vai ajudar a criança a usar a sua boca de um modo socialmente aceito.
Em relação às vivencias inconscientes infantis, é de novo a clínica
psicanalítica que nos mostra que o uso da boca na relação com o outro e com o
mundo é muito rico em prazeres, fantasias e angústias. Assim, morder e ser
mordido envolve, além dos aspectos corporais, entendidos tanto como os
prazeres físicos quanto a necessidade de coçar as gengivas, os aspectos
intelectuais, curiosidade epistemofílica, impulso de conhecer as coisas, e
também os aspectos emocionais, como expressão de tensões amorosas e
raivosas, como ciúmes, raiva, excitação, possessividade, entre outros.
Nas práticas da creche, observa-se que as mordidas começam no grupo
1 (um), bebês de zero a um ano, com o nascimento dos dentes, prolongam-se
até o grupo 2 (dois), crianças de um a dois anos, e 3 (três), de dois a três anos.
Toda mordida envolve uma dose de ansiedade, tanto para a criança que morde,
como para a que é mordida e, também, para o educador que fica se perguntando
se poderia ter evitado. Há, ainda, a tensão das mães das respectivas crianças
envolvidas.
Algumas mordidas deixam marcas muito feias na pele da criança, pois
incham, ficam roxas e doem muito. Assim, nenhuma mãe fica confortável em
receber seu bebê “mordido” e, muitas vezes, solicita que o educador indique o
“culpado”, para, em seguida, pedir que seu filho seja separado do “vilão” do
grupo.
Por outro lado, a mãe da criança que mordeu precisa ser comunicada
quando esse comportamento de seu filho tornar-se recorrente, para que possa
pensar sobre certos aspectos que serão tratados em casa e também na escola,
como a exposição da criança à ansiedade, à falta de rotina, à quantidade de
sono, entre outros.
Essas situações podem ser muito constrangedoras, pois a cena
delineada pelas mães envolvidas pode diferir muito de como a cena é entendida
e vista pelo profissional da creche. Nesse sentido, as mães precisam ser
comunicadas do modo do CEDUC compreender e encaminhar tais conflitos.
Os profissionais sabem que estes comportamentos não são aberrações,
mas sabem também que precisam de contorno, limite e orientação. O fato é que
construir tudo isso com a criança e sua família, pode ser mais demorado do que
a mãe desejaria e a recorrência da cena da mordida pode acontecer, tornando a
relação ainda mais tensa. Fica esclarecido que as rotinas devem ser repensadas
para identificar se a excitação e os tempos entre brincadeira e repouso, entre
intimidade e expansão estão bem dosados. É necessário avaliar como está a
alimentação, o sono e os interesses da criança que está mordendo ou da que
está sendo mordida. Por outro lado, há que se rever a organização do espaço,
para identificar se a proximidade corporal entre as crianças está exagerada, se
a quantidade e a qualidade dos brinquedos e objetos na sala estão ajudando ou
atrapalhando.
As dinâmicas relacionais também devem ser analisadas através de
algumas perguntas: será que poderiam ser montados subgrupos mais
equilibrados entre as crianças? Separar um pouco o que está mordendo muito
do que está sendo muito mordido? Equilibrar a presença de crianças mais
calmas com outras mais agitadas? Seria interessante conduzir com maior
cuidado a orientação da agressividade da criança, ficando mais próximo dela?
Vai depender das reflexões, da criatividade e da leitura do adulto
responsável pelas crianças, mas ele pode rechear a sala com mais brinquedos
do tipo mordedores, encontrar histórias e músicas que possam ser orientadoras
das crianças, encontrar objetos gostosos de abraçar e morder, bonecos que
possam ser ofertados para brincadeiras, culinárias que trabalhem a função dos
dentes, entre outras.
Os encaminhamentos dependerão também das idades das crianças
envolvidas, pois entre os pequenos que ainda não têm a noção do “eu”
constituída, crianças dos seis aos dezoito meses, ao morder e ver o outro chorar,
ele fica tão assustado que chora junto. Ou seja, ele não relaciona seu ato às
consequências e precisa ser ajudado de outro jeito: não adianta falar para ele
que o amigo não gostou e que tem que pedir desculpas. Seria mais interessante
sinalizar o “não” no momento da mordida, com o tom de voz firme, seguro e baixo
para deixar claro que há algo de errado com o que ele fez. O cuidado é sempre
não exagerar no tom, pois a criança pode entender que aquilo é muito importante
e passar a repetir a ação para ver a reação dos adultos. A intervenção do adulto
nessa idade é colocar limite, fazer uma interdição.
Para as crianças que estão caminhando na construção da sua
separação do outro, mostrar as partes do corpo do outro e dizer que são do outro
e separadas das suas, brincar no espelho, criar músicas de ‘cadê–achou’ para
as partes do corpo, podem ajudar no desenvolvimento, junto com a colocação
do limite. Para essa idade, pode-se começar a falar que a boca não pode morder
o amigo, mas que ele pode fazer um carinho no amigo, inclusive ensinar como
esse carinho pode ser feito.
As crianças mais velhas, a partir de dois anos e meio, já conseguem
compreender que são pessoas que têm um nome diferente dos demais, que têm
um corpo que é seu, que há coisas que não podem ser feitas e outras que são
desejáveis. Nesse sentido, o profissional da creche pode começar a trabalhar na
seara da atribuição do juízo moral, ajudando a criança a se envergonhar frente
ao que é errado e ajudando-a a encontrar modos de reparar o que fez. Com o
tempo, o maior objetivo é que a criança não queira mais viver situações como
aquelas.
Uma prática comum no CEDUC é a de não serem falados os nomes das
crianças que mordem às famílias envolvidas em episódios de mordidas. Claro
que esta é uma estratégia que funciona somente no caso de salas de crianças
bem novas, pois quando são mais velhas, elas mesmas comentam com suas
mães os nomes das que morderam o colega.
Essa estratégia deve-se ao fato de se entender que o assunto precisa
ser tratado na creche e pela creche. Contar quem mordeu pode criar situações
constrangedoras entre as mães que podem entender que devem resolver a
situação entre elas, como se fossem tirar satisfações e/ou pedir desculpas.
Entende-se, então, que morder pode estar relacionado a querer
conhecer melhor o que se morde, a tentar resolver com a boca algo que não se
está resolvendo de outra forma, a se defender, e, até, às tentativas de se dar
carinho. Não há uma única interpretação possível para a mordida e não se pode
ensinar como trabalhar nessa situação. A opção é deixar bem claro que cada
situação deve disparar uma série de análises e, ainda, dizer que recorrer à
família não é o primeiro passo, pois antes de tudo devem ser obedecidas as
diretrizes citadas acima para, somente depois, conversar com as famílias, se o
caso demandar.
Conclui-se, então, que a mordida é uma forma de comunicação que
precisa ser escutada e trabalhada. Ela tem um contexto que precisa ser estudado
pela creche.
Abaixo seguem os procedimentos operacionais indicados para serem
feitos nos momentos em que a mordida ocorrer.
1. Lavar o local com água e sabão.
2. Verificar o grau de gravidade: se está sangrando, pois se houve
ruptura da pele deverá ser tratado como ferimento com sangue. No caso da pele
rompida é preciso uma análise médica no mesmo dia.
3. Colocar uma pedra de gelo em um saquinho com água ajuda a
prevenir inchaço, hematoma e ameniza a dor. Entretanto, deve-se ficar atentos,
pois a colocação do gelo não pode ser contínua porque esfriar demais também
traz dor e por isso é preciso alternar a colocação do saquinho com gelo com
pausas sem colocar nada.
4. O indicado é que não se utilize nenhum tipo de medicamento.
Quando uma criança se machuca na creche, a mãe é sempre avisada
antes do horário da saída, pois, nesse momento, em geral, a mãe dispõe de
pouco tempo, e encontrar, sem aviso prévio, seu filho machucado pode gerar
muita insegurança, além, é claro, de desconfiança se a opção tenha sido de não
avisá-la antes. Outro problema bem comum quando a mãe não foi previamente
avisada acontece quando ela pretende resolver suas dúvidas e seu
aborrecimento no momento de saída, diante de todas as outras mães do grupo.

Desfraldamento
Este tema trata de um aspecto muito importante no desenvolvimento das
crianças: deixar de usar a fralda e aprender a usar o banheiro é um momento
marcante para todos os envolvidos: famílias, educadores e, claro, crianças.
O momento de iniciar a retirada de fralda deve ser avaliado pelos adultos
que acompanham a criança diariamente. Isso acontece por volta dos dois anos
de idade, quando a criança começa a dar alguns sinais de que está pronta para
o desfraldamento. Para que este processo ocorra da maneira mais tranquila
possível, é importante que haja conhecimento de todos os pontos envolvidos,
pois é um processo que integra fatores biológicos, emocionais e cognitivos.
A criança de dois anos tem maior controle motor, sendo capaz de andar,
saltar, rolar, correr e parar com certa desenvoltura, assim como, também,
apresenta maior consciência e interesse pelas sensações vividas em seu corpo,
o que lhe permite maior controle sobre os esfíncteres. Lembrando que
esfíncteres são músculos compostos por fibras circulares concêntricas,
dispostas em forma de anel, que controlam o grau de amplitude de um
determinado orifício, por exemplo, esfíncteres anal e vesical, que controlam a
saída das fezes e da urina.
Outra conquista muito importante é o desenvolvimento da linguagem. A
criança passa a falar e descrever suas experiências e, também, contar o que
acontece com seu corpo. Desta forma, ela começa a avisar que fez xixi ou fez
cocô.
Estas são questões muito importantes para o início do processo de
retirada da fralda, pois são indicativos de um desenvolvimento potencial para a
aprendizagem da mudança da utilização de fraldas para a utilização do sanitário.
Como se deve proceder nesse momento? Os profissionais do CEDUC
têm como uma das principais ações do trabalho a observação das crianças em
seu desenvolvimento, hábitos e preferências, sua forma de se relacionar com o
mundo e com as pessoas, para que, a partir dessa observação, possam avaliar,
junto à família, se é o momento para dar início ao desfralde.
Quais são os sinais que se pode observar:
 Se a criança já está avisando que fez ou que vai fazer
xixi/cocô.
 Horários que a criança faz xixi e cocô durante o dia.
Observar se a fralda está ficando seca por mais tempo, o que
demonstra maior controle dos esfíncteres.
 Movimentos de locomoção: independência e
segurança.
 Se a criança se incomoda com a fralda “cheia”.
A partir destas observações, creche e família devem conversar a
respeito do significado e do processo de retirada das fraldas quanto à sua
importância para o desenvolvimento psíquico e social, os passos a serem
seguidos e os cuidados que precisam ser tomados.
Para a família e para a criança, o desfraldamento é vivido como um ritual
de crescimento porque o bebê deixa de ser bebê e passa a ser um(a) menino(a)
grande. Deixar de usar fralda para usar cueca/calcinha é uma grande conquista,
ao mesmo tempo em que dá orgulho, dá também insegurança e sentimento de
perda da fase de bebê. Pode, portanto, ser um momento que gere sentimentos
ambíguos.
O profissional da creche precisa estar atento e consciente para isso, pois
falar desses sentimentos é muito importante para que o processo de retirada
seja o mais tranquilo possível.
Outra questão importante que precisa ser cuidada diz respeito às
expectativas de tempo e sucesso. É necessário ter calma, tranquilidade e
paciência para lidar com possíveis angústias, medos, assim como tolerância
quando o xixi ou o cocô “escapam”.
O mais importante de ser compreendido nesse assunto é que esse
processo ocorre a partir de um amadurecimento físico, fisiológico e psicológico,
pois não se escolhe tirar as fraldas de uma criança porque os adultos assim o
desejam. Esse é um momento importante na vida da criança e precisa ser vivido
a partir da percepção e da reflexão a respeito dos indícios de que essa hora
chegou.
Para o processo em si, é ofertado às famílias um material por escrito
com as principais orientações e o passo a passo. A entrega desse material está
atrelada a uma conversa da professora e da coordenadora com a família, e,
nessa conversa, todos os pontos são esclarecidos e alinhados os combinados.
É muito importante que as ações sejam as mesmas na creche e em casa. Isso
facilitará o processo de retirada de fraldas, pois quando as condutas são as
mesmas a criança possui uma referência segura sobre como agir, sobre o que
está acontecendo com seu corpo e, principalmente, sobre a aprendizagem que
ela está vivendo. O documento em questão encontra-se anexo.

Birra
Vistos ao longo deste texto, muitos são os desafios das crianças para
aprender a viver no mundo. Nesse caminho, elas contam primeiramente com a
ajuda e orientação de seus pais e familiares, e, a partir dos cinco ou seis meses,
com os profissionais da creche, se as suas famílias fizeram esta opção.
Os desafios também são muito expressivos para todos aqueles que se
ocupam das crianças, sejam eles os familiares ou os profissionais da creche.
Acompanhar cada criança em seu processo de crescimento envolve
observar para conhecer, estudar para ampliar sua capacidade de observação e
refletir a respeito do lugar ocupado na relação com aquela criança.
O bebê começa sua vida com uma capacidade instintiva genético-
corporal de expressar suas necessidades, dificuldades e desejos. Ao longo de
seu crescimento, essa capacidade fica cada vez mais complexa. O choro e os
movimentos corporais vão se especializando na relação com o adulto e se
ampliam enormemente com o acesso da criança à linguagem oral.
A birra pode ser entendida como uma necessidade “apaixonada” da
criança em expressar seu desejo e sua frustração. Lidar com a agressividade de
uma criança pode ser muito desgastante, pois algumas crianças colocam a sua
“vida em jogo”, em uma reação de “tudo ou nada”, ou seja, chegam a arriscar
sua segurança jogando-se, gritando, correndo sem rumo, vomitando, fazendo
uma febre, etc. Algumas descobrem em si uma capacidade para manter-se na
crise por longos períodos de tempo e outras fazem as cenas de modo recorrente
e insistente até que consigam mobilizar o adulto e/ou conseguir o que querem.
Os comportamentos birrentos falam de um saber infantil a respeito de
sua força e de seu poder na relação com o outro. Nessas cenas, medem e testam
o limite do poder dos adultos e desenvolvem uma forte resistência. A
destrutividade e a raiva presentes em uma cena de birra podem confundir e
amedrontar os adultos, deixando-os, muitas vezes, inseguros no modo de agir.
É importante lembrar que as crianças vivem, em relação à cena da birra,
emoções contraditórias de prazer, desconforto e medo, pois se assustam com a
carga emocional e com as fantasias de destruição envolvidas. Não raramente,
as crianças precisam de ajuda para controlar seus impulsos, de limite. Os pais
precisam ter tranquilidade em sustentar o que acreditam ser melhor para seu
filho e as crianças, apoio para superar as fortes emoções a que ficam
submetidas, como a culpa e o receio de não serem mais amadas.
As crianças também testam os adultos para saber se podem mesmo
confiar neles, para averiguar a sua coerência e para ver como lidam com os
limites. Derrubar o controle do adulto é algo que dá muito prazer e muita
insegurança, pois os sentimentos dessa experiência são fortes e, muitas vezes,
assustadores. Testam para se separar, para serem pessoas diferentes, para
descobrir sua força e suas escolhas, para competir e desconstruir a força do
adulto. O adulto precisa poder ser amado e/ou odiado pela criança, para ela
poder fazer esse ciclo. A relação tem que ser viva e estimulante para ambos,
para que a liberdade necessária para o crescimento possa ser construída.
A birra pode estar presente em diferentes tipos de comportamentos,
desde os mais agressivos, como os que descrevemos acima, até os mais
sedutores ou teimosos. Os adultos que se ocupam das crianças precisam
observar e conhecer cada uma delas, para aprender a melhor forma de reagir às
cenas birrentas, ajudando-as a tentar comportamentos mais construtivos.
Lidar com crianças mobiliza a criança que o adulto foi, bem como
lembranças conscientes e inconscientes de como foi tratado por seus pais. Por
isso, alguns adultos podem confundir os sentimentos vividos nessas cenas pelas
crianças como algo insuportável e, nesse sentido, permitir que a criança faça
tudo o que quer. Outros podem reagir violentamente e agredir a criança com a
mesma intensidade.
No caso das famílias, há alguns, ainda, que não conseguem frustrar as
crianças e, em fusão identificatória, realizam-se a partir deles, atendendo todos
os seus pedidos.
Disto pode-se deduzir que a birra nunca é só da criança. Ela fala de uma
relação entre uma criança e um adulto ou grupo de adultos ou outra criança que
enfrentam situações de jogos de força, nas quais testam seu poder e sua
resistência.
Na creche, as crianças costumam ficar bem, pois desde pequenas são
ensinadas a esperar, dividir e conviver com certa dose de frustração. Sabem, no
entanto, por boas experiências de gratificação, que serão atendidas e
acompanhadas. Devagar reconhecem os amigos e observam que todos passam
por isso e sobrevivem. As relações mais imperativas estão mais presentes nas
relações amorosas com as famílias, pois nestas relações estão em jogo a posse
e a perda do objeto amoroso.
Assim, a creche constitui-se em um terreno rico de oportunidades para
que os adultos aprendam a lidar com a birra das crianças. Não há uma receita
pronta sobre o que fazer nessas situações, pois cada adulto percorrerá o seu
caminho na compreensão da sua relação com as crianças. Mas há algumas
diretrizes que podem ajudar, pois, pela experiência, são identificadas questões
recorrentes em relação a esse tema, sabendo o que ajuda e também o que deve
ser evitado.
 Evitar confrontos diretos com a criança, nos quais o adulto, ao firmar
sua posição contrária, entra em uma disputa de poder para ver “quem
ganha a briga”.
 Evitar discutir de “igual para igual” com a criança, pois
o motivo da birra não deve ser debatido calorosamente entre ela
e o adulto na busca de quem tem razão.
 Não negociar longamente com ela para que cesse a
cena de birra.
 É interessante garantir sua integridade física e deixá-
la se acalmar sozinha, mas, às vezes, precisará de ajuda,
preferencialmente sem público à sua volta, evitando a situação de
exibição que tanto alimenta a própria birra.
 Mostrar-lhe as escolhas que permanecem, mesmo
depois dela ter recebido um “não”.
 Se o adulto perceber que suas condições emocionais
não são suficientes para conseguir conduzir a situação com
tranquilidade naquele momento, deve pedir ajuda a alguma
colega de sala.
Pelo exposto, lidar com cenas de birra exige do adulto força de vontade,
disposição para passar por tais situações e, principalmente, capacidade e
flexibilidade para avaliar a sua atuação, propondo-se a melhorar em uma
próxima vez. Deve pensar se o limite colocado foi justo, coerente e se está
tranquilo com a sua decisão. Um bom começo é estabelecer parcerias com
educadores mais experientes e convidá-los para serem modelos e suportes para
avaliação da situação.

Os prazeres corporais e a sexualidade infantil


A partir do nascimento, o bebê se depara com sensações corporais que,
com o seu desenvolvimento, vai aprender a identificar, a compreender e a lidar.
No início, as sensações estão ligadas aos sentidos corporais, como os
movimentos dos intestinos, da bexiga, do estômago e da respiração, as luzes e
sombras, as variações da temperatura, os cheiros e os gostos, o seco e o
molhado, os sons, os contatos através da pele, entre outros. Nessas vivências,
começa a experimentar a sensação de bem-estar e saciedade e, também, de
mal-estar e privação.
Estas primeiras sensações “puras” serão significadas pelos adultos que
dele cuidam e, assim, o bebê vai recebendo sentidos para aquilo que não
entende. Seus movimentos e expressões vão sendo compreendidos pelos
adultos e a nomeação do que se passa com o bebê organiza ações que podem
tirá-lo do estado de privação e desconforto. Tudo isso é entendido como parte
do campo da sexualidade infantil.
As marcas corporais e simbólicas são primeiramente impressas por seus
familiares. O modo como tocam, carregam, falam, banham, amamentam,
trocam, entre outras ações, constroem o corpo do bebê, que, por sua vez, reage
a seu modo, também interferindo nessa construção, pois consegue, desde muito
cedo, influenciar as ações dos adultos com suas reações. Tudo isso somado às
expectativas em torno do bebê, ao lugar que ele veio ocupar na família, ofertam
um lugar simbólico que organiza seu corpo, ainda desarticulado, e seu
psiquismo, ainda em fusão com o psiquismo materno.
Devagar a criança começa a reconhecer o seu corpo, diferenciá-lo do
corpo dos outros, a integrar as partes e os movimentos de modo mais
organizado, aprendendo a prender objetos nas mãos, a colocar a chupeta na
boca, a lançar objetos, a rolar seu corpo, a sentar, a andar, a correr, a saltar,
entre tantas outras ações que mostram como a criança evoluiu em termos da
independência corporal e psíquica. Isto possibilitará que ela vá ao encontro do
que deseja e, devagar, separe-se do desejo materno, o que se configura como
um longo trabalho psíquico.
A fala, o pensamento, a imaginação, a brincadeira e a interação social
são instrumentos que possibilitam à criança uma infinidade de novas sensações
e compreensões, mas também de dúvidas sobre si, sobre o outro e sobre o
mundo.
Os prazeres são diversificados e as frustrações também. No início da
vida do bebê, uma zona muito sensível é a boca. Objetos como o seio, a chupeta,
a mamadeira e o mordedor são levados à boca para serem conhecidos, gerando,
esse ato, prazer, saciedade, calma e certos desprazeres também, como, por
exemplo, quando coloca uma coisa amarga na boca ou quando mama demais e
regurgita.
A boca, os olhos, os ouvidos e a pele são órgãos privilegiados de relação
com o outro, mantendo-se muito importantes nos dois primeiros anos de vida.
Findo o segundo ano, já com a ajuda da marcha e da fala, a criança
descobre outros órgãos e orifícios, como o ânus, a uretra-vagina, ainda pouco
diferenciadas para ela, e o pênis, como locais de novas e intensas sensações.
Inclusive, a reação dos adultos a tais práticas sexuais infantis também marca
essa atividade como algo “importante”, pois despertam as mais variadas reações
neles.
O desfraldamento também contribui para a descoberta do
prazer/desprazer uretral e anal, que é produzido pela sensação de acumular e
expulsar a urina e as fezes. No início, essa ação é involuntária, mas, com o
desenvolvimento, as crianças aprendem a controlá-los, podendo ficar algum
tempo sem evacuar ou urinar.
O prazer genital é vivido desde cedo quando as crianças são
higienizadas e, posteriormente, quando se tocam e tocam o outro. Nesta fase, a
criança começa a falar o que vê e observa, o que sente, o que quer, o que
imagina sobre o seu corpo como ter certos órgãos e não ter outros, sobre o corpo
do outro, como ser menino e ser menina, sobre as semelhanças e diferenças
como ser pequeno ou ser grande e sobre tudo o que vivencia. Assim, começam
a dar sentido próprio às suas sensações, suas emoções e seus pensamentos,
trabalhando a construção e o conhecimento do seu corpo e a separação
“simbólica” dos pais.
Para Freud (1905), a partir dos 2 anos e meio, as crianças começam a
criar teorias sexuais para explicar as diferenças anatômicas que observam entre
meninos e meninas. É muito comum que o órgão masculino seja reconhecido
como uma presença de destaque e o órgão feminino como algo que “vai crescer”.
Os meninos, muitas vezes, dizem que eles “tem o pipi e as meninas não tem”,
caracterizando o órgão feminino como algo ausente. Já se observou, também,
muitas meninas querendo fazer xixi em pé como os meninos ou dizendo que
quando elas crescerem o “papai vai dar um pipi para elas”. Outras descobrem o
clitóris e ficam bastante satisfeitas com as sensações que descobrem ao
manipulá-lo. Alguns meninos invejam o seio e a barriga grávida que as meninas
pequenas poderão ter ao crescer, dizendo “eu também vou ter nenê na minha
barriga” no meio de uma brincadeira simbólica de mamãe/bebê que eles
costumam criar nas creches.
O mesmo ocorre para explicar a gestação, o nascimento e a sexualidade
adulta. Criam teorias como: “minha mãe comeu muito e engoliu o nenê”, ou “meu
pai deu o nenê para minha mãe e ele vai nascer no cocô”. Algumas crianças,
não se sabe se escutaram algo ou por fantasia, acham que o pai bate na mãe
de noite ou que os pais brigam e choram de noite. Mais velhos, formulam mais
hipóteses sobre o namoro dos pais e o momento deles irem para a cama sem a
criança. Assim, vão tentando entender o desejo dos pais de ficarem sós em
algum momento do dia.
Meninas e meninos fazem percursos diferentes para entender o seu
lugar no sexo e reconhecer o objeto sexual pelo qual terão atração, meninos ou
meninas ou ambos. Assim, os meninos começam o processo de se constituir
amando as suas mães e terminam essa etapa aprendendo a escolher outras
meninas para amar, mantendo seu interesse sexual e amoroso às mulheres.
Outros podem buscar o amor de outros meninos ou manter a atração por ambos
os sexos como objeto de desejo.
As meninas fazem outro percurso, pois começam o processo amando as
mulheres, suas mães, e farão uma torção para desejar o sexo masculino.
Algumas passam do amor pela mãe para o amor ao pai ou a alguma figura
masculina da família. Outras não fazem essa torção, mantendo o amor às
meninas ou oscilando entre meninos e meninas.
Esta fase é de experimentação. As escolhas não estão ainda fixadas,
pois as crianças passarão por um período de latência, fase em que tentam
entender tudo isso inclusive através do conhecimento e da ciência, até chegar
na adolescência, fase durante a qual o corpo cresce e amadurece bem como os
hormônios e órgãos sexuais, podendo viver mais plenamente a sua sexualidade
com os parceiros escolhidos e organizar as suas identificações de gênero.
Desde pequenos, os bebês são colocados frente a regras que cerceiam
e organizam seus prazeres. Assim, a rotina construída pela família é um primeiro
organizador: as mamadas são espaçadas, os choros têm que aguardar um
pouco, o sono é interrompido ou evitado em certos momentos ou incentivado em
outros. Quando crescem mais um pouco, começam a escutar os “nãos”, como
não morder o seio, não puxar o cabelo, não mexer em certos objetos, entre
outras pequenas negativas.
Mais tarde, quando as fraldas são retiradas, são convidados a depositar
sua urina e as fezes em pinicos e/ou privadas. É a conhecida fase do controle
dos esfíncteres. Nesse momento, seguir as regras culturais pode ser um grande
desafio para as crianças, que podem usar o seu corpo para resistir a elas, como
o não aceitar o uso da privada e se demorar na fralda, prender ou soltar a urina
e os intestinos para mobilizar os adultos ou para expressar sentimentos. Essas
reações exigem, do adulto, sensibilidade ao que a criança está vivendo e
sentindo, uma postura mais de apoio e convite do que de pressão para que ela
cumpra logo esta etapa do desenvolvimento.
Em seguida, aprendem o que pode e o que não pode em relação aos
órgãos sexuais, seus e dos outros e, assim, vão sendo inseridos na lei da sua
cultura e nas regras familiares.
A sexualidade infantil – entendida como os prazeres
corporais/emocionais nas trocas com os outros - é, portanto, um campo fértil de
descobertas e conflitos. O amor das crianças é apaixonado e pode misturar
momentos de fortes abraços, beijos, carícias e sedução, com outros de ódio,
agressividade e possessividade, com mordidas, apertos, tapas, xingamentos ou
empurrões. Nesse momento, pode aparecer ainda a masturbação, o que
mobiliza os adultos consideravelmente.
É sempre importante lembrar que todas as reações agressivas e
“sensuais” são, ao mesmo tempo, excitantes e assustadoras para a criança, por
isso a importância do equilíbrio do adulto para reagir a isso com tranquilidade e
firmeza, mas sem devolver a mesma agressividade, “sensualidade” e/ou
“chantagem emocional”. O adulto tem recursos psicológicos que a criança ainda
não tem.
A criança está, durante esses exercícios relacionais, aprendendo a amar
e a se defender e ficará mais segura se o adulto que a ajudar puder contribuir na
organização da sua possessividade, do seu ‘centramento’, da sua agressividade,
da sua excitação, entre outras manifestações. O desafio dos adultos é não
confundir as suas necessidades de ser amado ou, ainda, de misturar seus
sentimentos de solidão, possessividade, infelicidade, frustração etc.
Alguns pais podem exercer suas funções com autoritarismo, moralismo,
agressividade exagerada, ou então, com o desejo de ser o “preferido” da criança
e, por esses motivos, seduzir, manipular, superestimular ou abandonar a criança
a seus próprios recursos.
Demarcar o que pode e o que não pode para uma criança é fazer a
primeira educação, ensinando-a a conviver e respeitar os limites definidos por
sua família e cultura. A questão é que tais limites dizem respeito, primeiramente,
ao corpo da criança, às suas ações na relação com o outro e com o mundo, mas,
ficando cada vez mais “donos” do seu corpo e comportamento, descobrem o seu
poder através das negativas.
O “não” que receberam na sua educação vai ser “devolvido” aos pais e
aos seus outros educadores, e, assim, as crianças exercitam esse lugar
“poderoso” de quem influencia a vida do outro com o seu “não”. Tais exercícios
garantem-lhes uma boa fonte de prazer na resistência, na recusa, em postergar,
em evitar, conseguindo, assim, subverter o poder do adulto com o seu, recém-
descoberto. Essas cenas, muitas vezes, misturam prazer e dor, pois envolvem
sentimentos muito fortes tanto da criança como dos pais e dos educadores.
Com certeza todos já presenciaram cenas de muita agressividade,
choro, gritos, exibicionismo e, às vezes, até de violência verbal ou física. São
situações que mobilizam sensações conflitantes de “culpa” e de “satisfação”. É
interessante pensar que o adulto, com a sua reação, mais ou menos exacerbada,
mais ou menos calma, é modelo para a criança que observa. Na observação,
que o dito popular chama de “estar sendo testado”, a criança observa como as
pessoas adultas reagem ao não.
O que viram pode se tornar fonte de imitação quando for a vez deles
receberem o “não”. Daí a dificuldade da situação, pois é um jogo de poder, e
tudo isso é somado ao modo como o adulto lida com essas situações, pois cada
um teve uma infância, uma mãe ou um pai, e viveu essa mesma situação de
modo diferente.
A história de cada adulto conta muito no modo como vai reagir às
provocações, birras, agressividades, negativas e etc. Há que se levar em conta,
também, a dificuldade atual dos pais em suportar até mesmo as pequenas
frustrações de seus filhos. De fato, toda educação é repressiva, e precisa ser, no
sentido da organização e limite aos impulsos individuais. A grande dificuldade é
o modo de transmitir a lei, que, em última instância, permite a cultura e a
convivência social. Sempre é bom lembrar que violência e firmeza são ações
repressivas de naturezas muito diferentes.
Nesse importante trajeto, muitas crianças podem “adoecer” e viver
dificuldades que as fazem construir sintomas, mostrando que algo não vai ou
não foi bem elaborado por elas no campo psíquico. As creches que possuem em
sua equipe um profissional especializado nas questões da infância podem
solicitar as suas observações, parceria e orientação, procurando alterar alguma
coisa na rotina, na dinâmica de trabalho ou no modo de relação, para tentar
mobilizar reações persistentes de alguma criança que preocupa os adultos,
como masturbação compulsiva, agressividade recorrente, dificuldade
persistente em atender os limites, insegurança que impede a criança de se
alimentar ou evacuar sem a presença da mãe, medos e fobias, entre tantos
outros.
Quando, mesmo depois de todo um trabalho da equipe, de comum
acordo com os pais, não se consegue mobilizar os problemas ou conflitos
detectados, pode ser necessário solicitar alguma ajuda externa. Uma saída é
procurar um profissional especializado da área da saúde psíquica, que terá o
discernimento de verificar se é a criança diretamente que precisa da ajuda, ou
são alguns de seus familiares, ou ainda, o conjunto.

Considerações
Nesse capítulo o CEDUC apresenta a sua visão conceitual de cada
acontecimento aqui listado. Estes acontecimentos são peculiares a qualquer ser
humano, o que os diferencia é o jeito que cada um passa por eles. Contudo, a
maneira como estão relatados aqui aponta uma escolha. Não é a única forma de
explicá-los ou explorá-los, mas é a nossa.
Será uma tarefa inevitável ao gestor do CEDUC estudar e conhecer
possibilidades de encaminhar tais situações, encontrando maneiras singulares e
próprias de praticá-las, pois ele é um mediador fundamental na relação do
CEDUC com a empresa cliente e com as famílias. Ele é também responsável
por construir e manter uma cultura de formação continuada em sua unidade,
articulando esses conhecimentos/experiências com toda equipe.
Frequentemente voltar ao debate, manter conversas e o estudo desses
conceitos com as equipes de trabalho é muito indicado, pois é dessa forma que
é sustentada a prática fundamentada.
15 - Papel da creche na participação da
constituição subjetiva de crianças
pequenas

O lugar da teoria no trabalho da creche


A partir dos conhecimentos da psicanálise, torna-se patente que a
creche acompanha, participa e compartilha momentos fundamentais da
constituição subjetiva de uma criança (Mariotto 2009). Tais conhecimentos
servem como inspiração, no sentido do investimento relacional feito e como
reflexão para revisitar as práticas estabelecidas, porque o saber em si não
somente não garante o laço “suficientemente bom” como pode produzir relações
“técnicas ou formais”, “idealizadas racionalmente, teoricamente”, e, nesse
sentido, pouco verdadeiras entre educadores e crianças.
Há saberes que são acionados nos educadores enquanto cumprem a
sua missão de cuidar e educar crianças pequenas, e que são construídos a partir
de experiências singulares de cada um, vividas em seus seios familiares.
A principal função da família é “humanizar” as suas crianças, introduzindo-
as na cultura, na linguagem humana e na filiação familiar. Humanizar significa
tomar aquele ser tão pequeno e dar-lhe um cuidado especial, um lugar
importante nas relações familiares, potente, capaz, ensinando tudo que ele
precisa conhecer para sobreviver no mundo dos humanos. O bebê humano,
diferentemente dos bebês de outras espécies, nasce totalmente dependente do
adulto, não consegue andar, se alimentar, compreender o mundo, entre tantas
coisas. O corpo do bebê humano precisa ser cuidado ganhando significados para
se organizar. O mesmo ocorre com sua mente, pois a genética humana só se
realiza completamente com a ajuda de outro ser humano.
Cada educadora traz consigo as marcas desse processo vivido em sua
história pessoal, a de ter sido “humanizada” por quem cuidou dela. Assim, ao
nascer, a sua família se ocupou dela e, ao dispensar os cuidados básicos, deu-
lhe um lugar singular, que foi sendo construído a partir de certas características
concretas suas, lidas e interpretadas pelos familiares, como por exemplo: “é uma
bebê chorona, pois o parto foi difícil” ou “boazinha, pois sabe do apuro da mãe e
colabora”, “ela é muito inteligente” ou “é chata e muito exigente”, “é gordinha,
gulosa” ou “magrela e calma”, “tem os lindos olhos do pai” ou “os olhos bravos
do avô” , e, assim, as marcas vão se sobrepondo umas às outras dando uma
forma a esse corpo e psiquismo ainda desorganizados e em construção.
À medida que o bebê cresce, ressignifica as marcas recebidas, pois faz
escolhas, se relaciona com os familiares e com outras pessoas, produzindo
novas marcas que se sobrepõem às iniciais, criando novas tonalidades, novos
lugares subjetivos, novas características. O psiquismo é feito de marcas sobre
marcas, o que o torna complexo: não temos como saber de tudo que se passou
e a lógica que o organiza não é consciente, racional, mas inconsciente (Freud,
1925) .
Assim, embora as famílias e a creche tentem criar um bom ambiente
relacional para os bebês se subjetivarem, não os controlam, pois nem pais nem
educadores têm plena consciência do que os move intimamente quando cuidam
e educam um bebê; sendo que isso que não sabem, por ser inconsciente, é ativo
na produção das marcas. Criar bebês é uma aventura e uma aposta na potência
do encontro humano!
Voltando aos educadores de bebês, que colocam em jogo no processo,
além do inconsciente, um saber a mais que é o saber acadêmico da pedagogia,
da educação, da psicologia e/ou da psicanálise, podendo isso ocorrer também
com as famílias. Assim, os profissionais se preparam nas faculdades e
universidades para exercer a sua função/profissão e, no caso de serem
professores de bebês, estudam temas que envolvem a vida dos pequenos, como
o desenvolvimento, as diferentes linguagens da cultura a serem apresentadas,
a infância e, entre outros temas, a subjetividade!
Mas será que estudar a subjetividade ajuda os educadores? Atrapalha?
Como? Na vivência do CEDUC, esse estudo produz reflexões e também
insights, descobertas novas ou novas relações entre as coisas, sobre si mesmo,
sobre o bebê e sobre a relação do adulto com a criança (Davini, 2003). Ao longo
do acompanhamento da formação continuada em serviço de muitos educadores,
foram observadas mudanças subjetivas significativas e importantes pela
potência em melhorar a relação entre professores e seus alunos a partir do
aprofundamento da relação entre teoria e prática.
De acordo com Assoum (1997), o estudo da psicanálise também produz
a sensação que os franceses chamam de “déja vu” que é a sensação de
reconhecer “algo”, como se entrassem em contato com um saber que “de certa
forma já se sabia” na experiência, mas não na racionalização. Como em uma
situação, na qual a educadora estudava a experiência infantil de separação do
bebê e sua mãe e tendo um “deja vu” disse: “Eu sei o que é isso! Nossa! Me
lembrei! Dói na carne”! Ela recuperou, naquele momento da discussão, uma
sensação, corpórea e psíquica, da sua experiência infantil, retornando de um
espaço “perdido e inconsciente” como um fragmento, que logo reconheceu como
seu, organizou e lhe deu um sentido: “separar da mãe dói muito”. Para essa
educadora, a dor do bebê será um ponto de identificação, tornando esse
momento algo significativo de um modo todo especial, porque só dela. Mas esse
saber que ela “não sabia que sabia” nem sempre acontece ao longo dos estudos
e muitos conhecimentos figuram na vida do profissional como conteúdos
teóricos. Com a prática, muitos deles ganham importância e saem da abstração
enquanto outros são esquecidos.
Compreende-se, então, o lugar da teoria como inspiração,
reconhecimento do que se sabia na experiência não consciente, dejá vu, insight
e reflexão nas práticas, portanto, em constante revisão e não como verdades
fechadas.
Pode-se também concluir que esse saber é anterior à criança real e
concreta posicionada, hoje, na frente do educador, pois não foi um saber “lido
nela”, mas em outras crianças que a antecederam e que criaram uma concepção
do que as crianças são ou devem ser. Veio, ainda, da experiência dos adultos
de quando bebês. Assim, algumas creches olham para os seus bebês como
seres ativos e potentes e essa marca, advinda de uma escolha “teórica” ou
vivencial, influencia os mesmos, pois são incentivados a, desde cedo,
experimentar, tentar, propor. Outras, tomando-os como incapazes, frágeis e
totalmente dependentes, podem criar ambientes excessivamente protegidos e
imunes às possibilidades.
Assim, aquela educadora, citada em parágrafo anterior, que olha para
os bebês da sua creche relembrando o bebê que foi, cuja separação da mãe a
machucou muito, vai ser influenciada por essa experiência que a marcou tanto.
Isso não deve ser julgado como bom ou ruim, a priori, mas deve ser ponto rico
para reflexão, sempre que se mostrar importante na relação desta educadora
com seus alunos.
Para concluir, embora enfatizada a importância do estudo, reitera-se que
o fundamental para os educadores de bebês é a sua presença, ou seja, estar
disponível para a relação autêntica com os pequenos. Entendido o lugar da
teoria, serão aprofundadas agora as especificidades da família na função de
humanização das crianças.

O lugar da família e as funções simbólicas que exercem


A família se concentra em sua função de ajudar a criança a crescer e
desenvolver-se com segurança e proteção acolhendo, cuidando, educando,
dando limites e mostrando o que pode e o que não. Os pais nutrem sentimentos
por seus filhos e constroem expectativas para eles realizarem, abrindo ou não,
possibilidades para o desejo da criança aparecer. Quando os filhos não
correspondem ao que os pais esperam deles pode haver conflitos. Todos esses
movimentos são ações que os familiares fazem, cada qual a seu modo, sem
precisar estudar, baseados, apenas, na condição de filho que um dia foram,
ancorados em seus próprios desejos, mais ou menos conscientes, em serem
pais e mães daquelas crianças.
As famílias reúnem-se em torno de objetivos privados, tendo os pais os
seus próprios projetos de vida em busca da felicidade e também projetos de vida
e felicidade para os seus filhos e fazem isso através do afeto que nutrem por
eles, que por sua vez é banhado pelas idealizações e sonhos.
A família cuida, educa e exerce funções simbólicas desde a gestação,
fundamentais para a constituição psíquica dos filhos. Vale lembrar que a família
é a representante da cultura para a criança, é ela quem lhe apresenta o mundo
e faz isso com os seus significados, através do seu desejo e linguagem.
Enquanto seu bebê é pequeno, empresta-lhe seu modo de ver e viver no mundo
e, por isso, cuida dele e o educa a partir do que aprendeu e construiu em sua
vida. Isso significa que, ao mesmo tempo em que ela lhe dá um lugar no mundo,
marca o psiquismo da criança a partir do seu. Se, por um lado, esse ato faz da
criança alguém dependente, alienada, colada na vida do outro, a inaugura como
um sujeito. Deve-se analisar que o psiquismo do pai e da mãe, por sua vez,
também nasceu de um outro, e, olhando essa operação no longo prazo,
consegue-se entender que as influências sofridas vêm de uma cultura, seja ela
familiar, histórica e/ou social.
No início da vida da criança, há muita indiferenciação entre a mãe e seu
bebê, sendo comum a criança chorar e a mãe sentir a sua dor ou a mãe estar
tensa e o bebê reagir a essa tensão.
O processo de diferenciação na construção de elos afetivos é
fundamental na constituição do laço familiar para a criança crescer com saúde.
Os pais precisam reconhecer os filhos como parte da família, mas, ao mesmo
tempo, iguais e diferentes deles, para não correrem o risco de dar aos filhos o
lugar de objeto e não de sujeito (Chemama, 1995).
O que quer dizer um lugar de objeto? Objeto é uma coisa sem
subjetividade, que não faz escolhas, que não se comunica, que não tem desejo
próprio e não o expressa. Conseguem imaginar uma família que olha para seu
bebê como objeto? Seria algo como não conseguir ler seus indícios, não
interpretar sua comunicação, não dar ou não conseguir dar sentido para seu
choro e seus movimentos corporais. Ou algo como ter uma certeza absoluta
sobre o bebê e, nesse caso, fazer o que quer com ele, independente da resposta
do bebê ou, ainda, não se interessar muito por ele. Nem sempre as situações
são assim tão extremas, mas podem acontecer.
Antecipar um sujeito que ainda não está ali, por estar em constituição, é
importante para ele não ser um objeto para poder existir, para ser alguém
importante e separado de seus pais, apesar de sua grande dependência. O bebê
precisa ser visto como “mais do que de fato é”. Assim, os pais olham para a
criança e imaginam coisas que ainda não estão lá, como, por exemplo, um
sorriso de agradecimento pelos cuidados recebidos. Nessa dinâmica de
interpretar os sinais do bebê, os pais reconhecem as características e
necessidades de seus filhos e muitas ações são feitas para eles.
A voz, a escuta, o toque e o olhar são canais primordiais do laço entre
bebês e adultos e são utilizados por quem cuida para fazer “leituras” dos atos
motores e emocionais dos pequenos. As vocalizações da criança também são
lidas e interpretadas e, ao considerá-las comunicação, os pais oferecem ações
que a tiram de suas privações, incômodos e mal-estar, ajudando a criança a se
expressar, como quando um bebê chora “sentido” e os pais acham que é
“saudade da barriga” e a enrolam em volta do corpo materno.
Essa função é uma operação simbólica, inconsciente dos pais, que tiram
o bebê da insuficiência, devido à imaturidade do seu sistema nervoso e
organismo como um todo, e antecipam lhe uma organização corporal e psíquica
que o unifica, oferecem um esboço do “eu” investido pelo amor e expectativa
deles. Através desse investimento, tiram o bebê da condição de incompletude,
pois os pais proporcionam-lhe o que lhe falta. Nessa operação simbólica,
oferecem uma imagem corporal para a criança se identificar e isso se dá através
dos sentidos que lhes são emprestados. É o primeiro esboço do “eu” do bebê e
são dele decorrentes as primeiras identificações, primeiramente com a mãe,
chamadas também de narcisismo primário. (Freud, 1914, Lacan 1949). É o
“olhar-voz-posição” materno que confirma essa primeira identificação: “sim é
você, o meu filho” e com esse “é você” a criança fará um “sim, esse sou eu”.
Esse processo de construção é chamado de um esquema corporal, que,
por sua vez, influencia a organização de funções corporais como respiração,
sono, alimentação, evacuação, fala e comunicação, brincadeira, marcha e etc.
Ocorre, ocasionalmente, deparar-se com crianças que não conseguem
dormir, que recusam alimentos, que desenvolvem asma nervosa, entre outros
problemas. Na análise dos problemas da criança, são investigadas as relações
familiares e, também, as relações com os profissionais da creche porque
acredita-se que a parte psíquica e corporal são interligadas e interdependentes.
Se algo vai mal com a criança, torna-se necessário investigar o modo como o
seu cuidador posiciona-se na relação com ela. É esta análise e a experiência
clínica que certificam a importância da intervenção precoce nos laços com a
criança para enfrentar situações mais desafiantes e que podem comprometer a
saúde integral dela. Assim, as dificuldades dos pais podem não ajudar na
organização corporal e psíquica de seus bebês, assim como alguns bebês
podem desorganizar a atuação dos pais, seja por terem nascido com alguma
deficiência ou síndrome ou por outros motivos.
A função simbólica tratada até agora é nomeada como função materna,
ou “maternagem”, por ser feita, na maior parte das vezes, pela mãe, mas que
pode ser exercida por todos que cuidam da criança. A função está baseada
também na capacidade de se surpreender, ou seja, não se sabe tudo sobre o
bebê, há espaços vazios para que a criança responda aos chamados e
expectativas maternas e para que ela procure fazer também as suas demandas.
Essa tarefa materna se concretiza em exercícios cotidianos dos
cuidados, são reconhecimentos recíprocos, a mãe olha e nomeia quem é o seu
bebê, brinca e dá nomes às partes do seu corpo, identifica o que ele tem. O bebê
reconhece a sua mãe e se molda no olhar dela, organizando suas funções
fisiológicas a partir desse olhar e dessa nomeação. Laznik (2004) chama esse
modo peculiar da mãe conversar com seu bebê de “manhês” ou
protoconversações.
Todo esse percurso transforma em comunicação os ruídos indefinidos
dos primeiros dias de vida do bebê, como ocorre com o grito de privação que
antes ocupava o lugar do puro som, que é uma descarga de energia, som sem
sentido, não significado, e ganha um sentido, vira linguagem humana,
comunicando algo do bebê para a mãe. A conversa entre eles vai ligando a
realidade interna à externa, separando o mundo de fora e o mundo interno do
bebê (Freud, 1895).
No estudo dessa conversa peculiar, identificaram-se sons rítmicos,
modulados, com picos agudos e graves e que têm a capacidade de chamar a
atenção do bebê. “É uma fala infantilizada que o adulto faz no lugar da criança,
como se ela estivesse falando”. A mãe, nessa brincadeira, faz pausas para a
“suposta” resposta da criança e novos “faz de conta que o bebê está falando”
ocorrem. Falas ritmadas dos bebês também foram observadas e costumam
ocorrer até por volta dos nove meses (Laznik, 2004). São vocalizações e se
tornam “falas mais enfáticas” quando o bebê alcança os quinze meses.
Os jogos sonoros, táteis e visuais entre mãe e bebê constituem-se como
brincadeiras de subjetivação que tomam a criança como um ser ativo, que
recebe e reage, e assim, mãe e bebê, criam um modo de conversar.
O desejo da mãe pelo seu bebê passa por histórias singulares que
marcam o laço afetivo. Nestes anos acompanhando tantas famílias nas creches,
ocorreram muitos exemplos de histórias e emoções vividas, como gratidão por
ter tido pais maravilhosos e querer retribuir para os seus filhos, crises psicóticas
vividas, depressão pós-parto, grande alegria ou rejeição da gravidez e da
maternidade, adorar as crianças e ter dificuldade em dividir os cuidados delas, a
não aceitação da condição do filho, situação de grande apoio familiar ou de
abandono, facilidades ou dificuldades socioeconômicas, excitação e esperança
de dar a luz em um novo país que escolheu ou desadaptação cultural e
linguística, a boa relação com o pai da criança ou a falta de um companheiro ou
de uma família que ajude, e etc.
O desejo do pai e a sua condição psicológica também marcam e
participam dos processos de subjetivação da criança.
As histórias dos bebês e a sua condição inicial, como ter nascido bem
ou antes do tempo, ter passado por cirurgias, ter alguma deficiência ou síndrome,
também contam na formação dos vínculos primordiais. Eles reagem a tudo que
recebem dos adultos e do mundo fazendo pequenas escolhas dentro do que lhes
é possível em cada fase de seu desenvolvimento.
Há bebês que não reagem da forma como suas mães esperam, seja por
alguma hipersensibilidade, por doença, por infecção, por alguma questão
genética como uma síndrome, por deficiência, por depressão ou alheamento, e
que não “se fazem olhar”, “escutar” por ela. A mãe procura o olhar do seu bebê,
brinca com ele, beija sua barriguinha e espera que ele responda, olhando para
ela, rindo, brincando de volta, levantando sua barriguinha para ser “beijada”.
Essa mãe poderá investir, investir e não obter respostas ativas de seu bebê, e,
com isso, desanimar, ficar insegura ou distante de seu filho, tornar-se
despotencializada na sua função materna. Essa situação exige muitos cuidados,
pois as trocas afetivas e prazerosas entre mães e bebês são fundamentais para
a construção do laço entre eles. É a partir deste laço que a criança vai se
constituir como um sujeito, crescendo e se desenvolvendo.
É na relação que dificuldades desta ordem devem ser procuradas.
Estudos psicanalíticos têm mostrado (Lerner e Kupfer, 2008) que, quanto mais
precocemente houver intervenção no laço considerado de risco psíquico para a
constituição da criança, melhores são as expectativas de bons resultados. O
educador deve se acautelar para não fazer diagnósticos fechados que podem
mais atrapalhar do que ajudar na construção do laço, pois nenhum diagnóstico
psíquico é definitivo em crianças. O diagnóstico fechado pode assustar os pais
e afastá-los da ajuda ou deixá-los mais inseguros considerando-se culpados.
Ainda nesse movimento da função materna, ressalta-se a importância
da alternância entre presença e ausência simbólicas, do desejo e da
interpretação materna. A presença simbólica poderia ser exemplificada pela
atenção e interesse materno, ou também, pelo desejo materno por seu filho.
Falar de ausência simbólica é diferente de pensar os momentos nos quais a mãe
precisa deixar seu bebê aos cuidados de alguém para fazer alguma outra coisa.
Claro que quando a mãe sai de casa e deixa seu bebê, ela já mostra que existe
algo também importante em sua vida além de seu bebê e que ela precisa/quer
se ausentar. E é justamente nesse ponto que há a ausência. O bebê não
completa totalmente a sua vida, pois a mãe tem outros interesses e
necessidades, o que a afasta de seu bebê.
Esse afastamento em alternância com a presença da mãe permite a
irrupção do desejo e da manifestação da criança, provoca pausas na fala
materna com e sobre a criança, possibilita silêncios que abrem espaço para a
resposta que vem da própria criança e, ainda, intermitências da ação do adulto
para atender a mesma. Permite a entrada de outros adultos que abrem novas
perspectivas para ela.
A relação de proximidade e simbiose entre mãe e filho é constitutiva
tanto quanto o momento da separação, nomeado como a função paterna, qual
seja, a presença de um terceiro que faz a separação simbólica entre mãe e bebê,
e que pode ser exercida por qualquer pessoa.
A função paterna, também nomeada como “o pai simbólico”, insere a
criança na Lei, entendida como aquela que permite que o desejo da criança siga
seu curso e que busque sua identificação, (quem sou eu? e sua posição no sexo,
sou menino ou menina? o que eu desejo?, de forma separada do desejo materno
(Dor, 1989).
Qualquer pessoa que faça parte da realidade do bebê, que tenha esse
lugar no laço com a criança, pode exercer essa função de interferir na dinâmica
da relação do filho com a sua mãe e instaurar, em última instância, a separação
simbólica e a proibição do incesto, que é o desejo de tomar a mãe só para si. A
possibilidade da função paterna se cunha na sua presença como possível no
discurso e desejo materno, o que significa que a mãe tem que aceitar que o seu
bebê não a completa e que ela precisa separar-se dele para que ele possa
crescer e constituir-se, além de aceitar a influência de outros no
desenvolvimento/constituição dele.
Para essa referência teórica psicanalítica, o sujeito-bebê precisa ser
nomeado e definido pela mãe, deve ter o desejo dela “emprestado” a ele, para
que ele aprenda o que é desejar, para depois separar dela e se afastar. Os dois
movimentos são necessários para um bebê tornar-se um sujeito.
O produto final dessa operação “paterna” é a distribuição da falta
simbólica, também nomeada como o “falo”, para todos: pai, mãe, criança. O “falo”
é entendido como o representante da falta, da incompletude, e funciona como
um quarto elemento que faz a mediação da relação triangular entre pai, mãe e
filho, discriminando os lugares e regulando os desejos pela Lei da linguagem e
da cultura. Isso significa dizer que ninguém é completo e que viver envolve lidar
com perdas, limites, regras sociais que regulam nossos impulsos e frustrações
em relação aos desejos não realizados. Na linguagem psicanalítica, ninguém
tem o “falo”, ou o objeto que nos completa totalmente, ele circula na cultura, ora
tem, ora não tem e assim continuamente.
Nessa separação simbólica, a instauração dos limites e regras da cultura
se faz possível e marca impedimentos e faltas, mas também muitas
possibilidades. A lei que rege todos os seres sociais coloca normas e ordena as
relações, tirando-os de uma vida de puro impulso. São as regras que dão sentido
para os atos humanos, separando o que pode e o que não pode ser feito em
cada cultura, quais desejos são permitidos realizar e quais não. Todos esses
processos são relevantes para a percepção de si, do outro e do funcionamento
do mundo.

O lugar da creche e as funções simbólicas que exercem os educadores


A mãe que, por opção ou por necessidade precisa voltar ao trabalho e
deixar seus filhos em creches, vive uma separação concreta e precisa dividir os
cuidados e a educação de seu filho com profissionais da educação. A entrada
do bebê na creche, com quatro ou seis meses, ainda amamentado ou aleitado
pela mãe, provoca uma mudança na relação entre ela e seu filho.
Esse adulto que cuida do bebê na ausência da mãe dá continuidade à
função materna, apostando que há um sujeito no bebê, interpretando seus
apelos e oferecendo os cuidados necessários para seu desenvolvimento. Em
muitos momentos, o adulto que cuida da criança na creche vai atuar de forma
parecida e/ou diferente da mãe, instaurando momentos de maior ou menor
tensão na relação materna, pois, de modo mais ou menos inconsciente, também
vai banhar o bebê com seus desejos. É esperado que o educador esteja bem
situado na “lei paterna”, o suficiente para reconhecer a importância da filiação e
o saber familiar e não disputar a criança com a mãe, colocando-a como objeto
de seu desejo, de saber e de poder.
Se o educador não tiver bem clara a “lei paterna” enquanto função
simbólica, pode precisar da ajuda da coordenadora da creche para desenvolver
um trabalho de esclarecimento conceitual/pessoal que o leve a entender que
embora ele protagonize a “maternagem”, não “ocupa” o lugar da mãe.
É esperado também que o educador possa exercer funções simbólicas,
pois passa muitas horas do dia com o bebê, sendo uma referência importante na
dinâmica psíquica dele.
O educador que partilhou da inscrição do bebê no desejo do Outro, fase
da função materna, como detalhada acima, participará também do momento da
separação, ou seja, situado na “lei do pai” poderá ajudar a “liberar” o desejo da
criança para seguir seu curso, marcando para ela que todos os desejos estão
submetidos à Lei, inclusive o dele.
O educador situado nesse lugar convidará a criança a inventar o seu
lugar no mundo, a interessar-se pelos objetos culturais e humanos e a fazer as
suas escolhas alimentares, de brinquedos, de amigos e, inclusive, de certos
adultos em detrimento de outros.
Para crianças que passam por algum problema grave ao longo do seu
desenvolvimento, como no caso da irrupção de um autismo ou psicose, a ida à
creche ou à escola pode ser uma oportunidade. Pode funcionar como um apoio,
um complemento ou suplemento das funções simbólicas maternas e paternas
que, por alguma razão, falharam ou se instalaram de modo insuficiente. Isso
porque a instituição escolar tem uma marca social importante que é de
reconhecimento: quem é criança frequenta a escola e os educadores de crianças
bem pequenas podem contribuir, a partir de seu lugar, nas operações simbólicas
(psíquicas) da criança que teve, em seu desenvolvimento, algum impedimento
ou obstáculo (Mariotto, 2009).
É sabido que nem todas as crianças com transtornos graves de
desenvolvimento estão em condição de aproveitar as marcas simbólicas que a
escola tem a oferecer, por isso, as inserções/inclusões na instituição secundária,
embora protegidas por lei, devem ser pensadas caso a caso.
É oportuno relembrar que as operações psíquicas são inconscientes e,
portanto, não controláveis com medidas pedagógicas. O educador não vai
“analisar” as condições subjetivas da criança, mas achar uma posição para si,
que, ao cuidar e educar a criança, interesse-se por ela, encante-se, deixe-se
surpreender, a ajude a organizar seus impulsos e, assim, a tome como sujeito.
Deverá haver interações verdadeiras sem protocolos, brincar juntos, divertir-se
de fato, seguir o desejo da criança de aprender e o seu de ensinar, procurar
formular e refletir suas questões profissionais e ter prazer em suas práticas
cotidianas.
Essas ações são atitudes simples que as mães e os educadores adotam
sem muito pensar. São funções que organizam a criança, olham o singular de
cada uma e, ao mesmo tempo, a adaptam ao ritmo institucional por ações de
atenção e presença, em escolhas sensíveis às necessidades de cada bebê e
criança, tomadas no dia a dia.
Observa-se, em algumas creches, uma relação de hierarquia entre as
atividades de cuidados físicos como alimentar, trocar e dar banho e as
pedagógicas, contar histórias, artes, entre outras, sendo as primeiras menos
valorizadas Argumenta-se que, do ponto de vista da saúde psíquica da criança,
o que importa é um contato rico em interação, em interesse, em brincadeiras, em
investimento, que fica facilitado na relação dos cuidados, que é mais
individualizada, pois, muitas vezes, o educador, preocupado em conduzir a
atividade com o grupo, não consegue manter, ao mesmo tempo, a interação rica
com todos e cada um. Mas, afirmando ser facilitado, não significa a
desvalorização das atividades grupais e coletivas. Elas também são importantes,
pois oferecem outro modelo de interação: como um adulto compartilha sua
atenção e interesse na situação de grupo.
Como todo conhecimento acerca da subjetivação infantil, o saber
psicanalítico pode ser formador do pensamento do educador, ajudando-o a
encontrar uma posição para si nesse trabalho de ajudar a crescer e de ensinar
crianças tão pequenas. Segundo Kupfer (2000), tais conhecimentos mostraram
também que “se pode educar de modo psicanaliticamente orientado”. Porque se
visa “ao sujeito na criança que aprende” e “fazendo pensar inclusive que se pode
conceber o ato educativo de outro modo”. (p.10).
A creche passa a participar, então, como segunda instituição da função
humanizadora, e, como se trata de crianças muito pequenas que passam muito
tempo ali, os profissionais da instituição têm, também, responsabilidades na
constituição psíquica delas.
Há uma especificidade importante da ação de acolhimento feita pelos
educadores de creche, pois ela se dá exatamente por ocasião de um primeiro
desligamento entre mãe e bebê. O bebê vai entrar em um mundo ordenado de
forma diferente do da sua casa, vai se relacionar com pessoas diferentes e
ocupar novos lugares nessas relações e tudo isso ocorre sendo ele ainda muito
pequeno. Daí a razão de identificar na função do educador a “maternagem” e a
“paternagem” ao mesmo tempo: acolher, fazer o laço; e instaurar a diferença: a
separação.

A constituição e a elaboração psíquica através do brincar infantil


O trabalho mais conhecido de Freud sobre o brincar se remete ao jogo
do Fort-Da (1920), jogo do aparecer/desaparecer, que simboliza uma perda e
uma ausência. Logo esse tema será tratado.
Para Rodulfo (1990), no entanto, há jogos e brincadeiras consideradas
também primordiais e anteriores ao conhecido Fort-Da de Freud. Elas ocorrem
ao longo do 1o ano de vida relativas à constituição libidinal do corpo, sendo que
a libido é entendida como a energia que move o desejo e as pulsões humanas20.
Nos primeiros meses de vida, a criança é ativa em jogos de escuta, de
troca de olhar e da busca do toque no corpo do outro. Dizer que ela é ativa
significa que recebe com interesse e prazer as brincadeiras que os adultos fazem
com ela envolvendo a fala, o olhar, a escuta e os toques corporais. Assim que
vão conseguindo, compartilham o prazer que sentem manifestando suas
reações. Devagar passam a retribuir, a participar, a repetir, a provocar e a buscar
a reação do outro, a propor jogos e trocas com quem dela cuida.
O mesmo ocorre com os desprazeres que a criança sente: ela comunica
com reações corporais que precisam ser “lidas e interpretadas” pelo adulto.
Deste modo, ela “se deixa conhecer”.
Com estas primeiras brincadeiras relacionais, a criança vai organizar
uma noção rudimentar do tempo; as repetidas situações vividas produzem

20 Pulsão é um termo psicanalítico que nos ensina que, na vida humana, corpo e psiquismo estão
interligados e são totalmente interdependentes. Do mesmo modo, o conceito de pulsão engloba e enreda
os instintos humanos e a cultura. Segundo Chemama (1995), é “a energia fundamental do sujeito, força
necessária ao seu funcionamento, exercida em sua maior profundidade” (p.177).
marcas que ela vai reconhecendo e “sabendo” o que vem depois. Entre sentir
um mal-estar, expressar e ser atendida, códigos vão sendo criados. O mesmo
com as sensações prazerosas. Deste modo, as rotinas são importantes, pois
criam regularidades e certas previsões diante do enorme imprevisível que é a
vivência do bebê.
É o adulto que ajuda a criança a armar um cotidiano, uma continuidade
que o unifica, que o organiza, que mostra que o mundo pode ser confiável,
fazendo isso a partir de uma fusão com o bebê, na qual empresta–se a ele corpo,
psiquismo, significados e sentidos.
Os jogos que começam a aparecer em seguida nascem da necessidade
de extrair materiais do mundo para “fabricar um corpo” no seu psiquismo e
construir a noção da superfície do corpo, pois esta é a primeira noção que
constrói: a linha do corpo, a película, a continuidade desse corpo ainda misturado
no outro, no tempo e no espaço.
Segundo Rodulfo (1990), trata-se de: “esburacar e fazer superfícies”
(p.95). Exemplos deste brincar de perfurar podem ser encontrados nos jogos de
puxar fios de cabelo, fios em geral, perfurar papel, tecido, fruta, colocar os dedos
em buracos como olho, boca, umbigo, tomada. E, ainda, em brincadeiras de
recortar papel, rasgar revistas, fazer franjas no papel, etc. No quesito fazer
superfícies, observa-se como os bebês gostam de se lambuzar, untar, mexer
com areia, água, papinha, tinta, gelatina e com seu próprio muco. Também
gostam de se enrolar em tecidos, papeis, entrar em caixas e sentir as laterais da
mesma, tentando se encaixar, cobrir-se fazendo-se de envelope, criando
envoltórios para seu corpo. Encostam seu corpo em superfícies, deitam no chão,
arrastam-se pelas paredes, procuram o calor, o frio, gostam de sentir as
máquinas funcionando e suas trepidações, seus mecanismos. Algumas crianças
se apegam a objetos que são como “elas mesmas”, como paninhos, bonecos de
pelúcia, por isso quando retirados para higienização, causam desconforto, pois
elas perdem sua continuidade, sua superfície, experimentam um vazio do
contorno.
Logo em seguida vão construir a noção de volume do corpo, do dentro
e fora do corpo, da parte e do todo, o que vai desembocar, mais tarde, no
conceito de interno e externo, do ego/não ego, do sujeito/objeto. Para isso,
envolvem-se em jogos do tipo continente/conteúdo como colocar e tirar objetos
uns de dentro dos outros, como de bolsas, de caixas, de panelas, de cestos.
Interessam-se por jogos com túneis, com mangueiras onde objetos são
colocados e escorregam para fora, água e areia entrando e saindo de
recipientes. Há também jogos de jogar-se, dependurar-se, equilibrar-se, nos
quais estudam as dimensões e o peso do corpo no espaço.
Depois, segundo Rodulfo (1990), é que viria, já ao final do 1 a ano de
vida, o jogo do aparecer/desaparecer, citado acima como o jogo do Fort-Da e
que se prolonga, com variações, até os dois anos e meio ou mais. Segundo
Kupfer (2015):
Naquele texto, Freud relacionou o jogo ou brincadeira do menino, em que ele
fazia aparecer e desaparecer um carretel, com as saídas e retornos de sua mãe.
O menino de um ano e meio tinha um carretel de madeira com um pedaço de
cordão amarrado em volta dele. Nunca lhe ocorrera puxá-lo pelo chão atrás de
si, por exemplo, e brincar com o carretel como se fosse um carro. O que ele fazia
era segurar o carretel pelo cordão e com muita perícia arremessá-lo por sobre a
borda de sua caminha encortinada, de maneira que aquele desaparecia por entre
as cortinas, ao mesmo tempo que o menino proferia seu expressivo “o-o-ó”.
Puxava então o carretel para dentro da cama novamente, por meio do cordão, e
saudava o seu reaparecimento com um alegre “da”.
Nesse jogo do Fort-da, chama a atenção de Freud o fato de que a criança
mais jogava o carretel do que o fazia retornar. Entretanto, era o retorno do
carretel o que causava prazer à criança. Junto ao jogo, associa-se a verbalização
da criança: “o-o-ó”, uma expressão que se referia à palavra em alemão fort (ir,
partir) quando ela jogava o carretel e o alegre ―”da” (ali) quando o carretel
reaparecia. Freud nos diz que o jogo do Fort-da de aparecimento e
desaparecimento é uma simbolização da ausência materna, e, nessa ausência,
a mãe se presentifica na palavra e no objeto.
Está em consideração o trabalho que a criança faz de transformar as
situações desprazerosas em prazerosas. É um trabalho no sentido duplo: a
criança coloca-se como ativa na situação (de sujeito), domina a ausência
materna e inverte a situação em seu proveito. O fort-da exemplifica o brincar
precoce que culmina com o brincar como uma forma de expressão de um sujeito
constituído. (p.3 e 4)

Desdobramentos desta brincadeira podem ser vistos em jogos como


“deixar objetos caírem”, esconde-esconde, jogar objetos longe e com força,
esconder objetos na areia, cobrir-se com almofadas, entrar dentro de móveis e
fechar a porta significando “se saio do campo de visão ainda existo”? ou “se
minha mãe ou educadora saem da minha vista, elas desaparecem”?, abrir e
fechar portas, acender e apagar a luz, todos jogos de criar distâncias e
ausências. Há também, na fase que se segue, o brincar com o “não”,
respondendo com ele a todas as solicitações), brincar de não querer o que lhe é
oferecido (Freud, 1925), engolir e cuspir. Nestes jogos, exercita-se os opostos
(Rodulfo, 1990): ver/não ver, tocar/não tocar, aproximar/afastar, ver/ser visto,
não ver/não ser visto, dominar/ser dominado, entre outros.
As brincadeiras seguintes são muito conhecidas dos educadores, as
brincadeiras de faz-de-conta. Nessas situações, as crianças criam narrativas
próprias, imaginam cenas e as vivenciam a seu modo, trazem conteúdos
inconscientes e os já conscientes, fazem perguntas sobre o mundo e a sua
posição nele, sobre a posição dos adultos e sobre a natureza e seus fenômenos.
Muitas crianças brincam de faz de conta também com objetos, sejam eles
brinquedos estruturados como bonecos, carrinhos, bolas, sejam sucata, ou
sejam materiais na natureza. Brincam desenhando ou cantando, criam histórias
e enredos, personagens, organizando de modo singular as informações que
recebem do mundo.
Assim, os jogos e brincadeiras são entendidos como fundamentais para a
constituição psíquica da criança que nasce em fusão e grande dependência e
vai se tornando uma pessoa inteira, separada de seus pais e educadores e ativa
na relação com as pessoas e com o mundo. Para a psicanálise, as brincadeiras
falam muito sobre a situação singular de cada criança, expressam como estão
lidando com as pessoas e o mundo interno e o externo. Contam quais recursos
já construiu e o que está mais difícil. Ao brincar, simbolizam e elaboram
frustrações, angústias, conflitos e preocupações. E, também, as alegrias vividas,
as realizações.
Para a psicanálise (Freud, 1920), o ato de brincar é fundamental, pois é
uma ação ativa e típica das crianças, ajudando na construção de um sujeito
psíquico, expressando fantasias inconscientes, e elaborando angústias e
conflitos. O brincar tem a função de produzir significados do sujeito e é veículo
de seu desejo em constituição.
Nas creches administradas pelo CEDUC, o brincar infantil é também muito
valorizado, pois permite às crianças construções psíquicas, corporais,
cognitivas, sociais, afetivas e criativas. Todos os aspectos considerados muito
relevantes para viver plenamente as suas infâncias. Assim, faz parte do
planejamento e da reflexão cotidiana dos educadores, a observação e o registro
das brincadeiras, sempre com o intuito de propiciar a continuidade da mesma,
bem como os seus desmembramentos, os aprofundamentos, as redes de
conexão, as pesquisas de materiais, as diferentes expressões, o
desenvolvimento do imaginário e as construções simbólicas infantis21.

Problemas na constituição subjetiva: uma atenção especial


Há algumas crianças que demonstram pouco interesse nas trocas afetivas
com os outros, sejam eles adultos ou crianças. Podem, ainda, mostrar atrasos
na aquisição simbólica, na linguagem, na pobreza ou na estereotipia nas
brincadeiras, na falta ou na insuficiência de organização corporal e na dificuldade
ou na pouca compreensão das regras de convívio. Esses casos alertam para
riscos na constituição psíquica da criança pequena.
Algumas dessas crianças podem ter recebido de seus médicos de
confiança a hipótese diagnóstica de estar dentro do espectro do autismo (TEA)
ou de uma psicose infantil.
Para o CEDUC, nenhum diagnóstico desta ordem na infância é
considerado definitivo, porque as crianças têm muitas experiências a viver e
podem superar suas dificuldades iniciais. Sabe-se, no entanto, que, quanto antes
as intervenções especializadas começarem, tanto melhor é o prognóstico e a
possibilidade de evolução dessas crianças em risco psíquico.
As equipes educacionais contam com a ajuda de suas enfermeiras,
coordenadoras e supervisoras para pensar o trabalho com essas crianças na
creche, o que envolve pensar em planejamentos e intervenções bem como os
encaminhamentos necessários junto às famílias e ao RH da empresa/parceira.
O objetivo de tais inciativas da equipe é que todos façam os seus investimentos
no bebê, sem ficarem focados em diagnósticos e rótulos, mas colocando energia
nas áreas que parecem mais frágeis no percurso daquela criança.
Foram as crianças com TEA ou psicose, além da clínica com adultos em
grande sofrimento psíquico, que impulsionaram os psicanalistas na busca da
compreensão dos movimentos e eixos da constituição subjetiva e na

21No currículo do CEDUC, ainda no prelo e denominado carinhosamente, por enquanto, como a “Cabeça
do dragão”, haverá um aprofundamento do trabalho com as brincadeiras dentro do cotidiano e do espaço
da creche.
contribuição das intervenções psicanalíticas. Assim, autores como Freud, Klein,
Lacan, Winnicott, Dolto, entre outros, se destacaram no estudo clínico e
conceitual, indo buscar na infância as raízes dos problemas vividos.
Se, nesta fase tão inicial, do zero aos três anos, bebê, mãe, pai ou os
adultos que fazem a função parental vivem dificuldades maiores na relação,
podem precisar da ajuda de um psicanalista. De acordo com Kupfer e a equipe
do Lugar de Vida (2015), a psicanálise se especializou em questões de
constituição subjetiva e tem importantes contribuições no trabalho com essas
crianças. Segundo a autora, as crianças que apresentam riscos psíquicos de não
se subjetivar, podem apresentar prejuízos nas seguintes áreas:
- Organização e imagem corporais.
- Brincadeiras e fantasias.
- Fala e linguagem.
- Construção da ordem simbólica.
Todos os itens estão interligados e, quando constituídos, organizam a
inteligência, o corpo, a separação entre eu e outro, o registro do imaginário, a
compreensão de regras - os permitidos e os proibidos em cada cultura - e a
instauração da lei simbólica.
Crianças com prejuízos no eixo da construção da imagem corporal
podem apresentar uma relação de fragmentação, de não unidade com seu
corpo. É possível observar que esta construção não vai bem através de alguns
sinais corporais e/ou na relação vivida com a criança.
- Dificuldade de sustentar o olhar e buscar ativamente as trocas
prazerosas com os outros.
- Agressividade - autoagressão e agressão defensiva com medo do
outro.
- Agitação - descargas motoras, tiques, estereotipias e movimentos
repetitivos.
- Dificuldades motoras - falta de coordenação, atrasos, desorganização
corporal.
- Dificuldades alimentares - recusa, seletividade, compulsão.
- Dificuldades com o sono - falta de rotina, dificuldade acentuada para
dormir e para acordar.
- Dificuldades de localização espacial, expressas através de errância no
andar, em se colocar em risco apesar das orientações dos adultos, no
andar nas pontas dos pés, sendo que esse item só se aplica a partir
dos dois anos.
- Dificuldades com o controle dos esfíncteres, recusa de ir ao vaso,
medo, uso das fezes para se melecar, sendo que esse item não se
aplica a crianças muito pequenas, pois o processo de controle dos
esfíncteres se dá entre os dois e três anos.
Crianças com prejuízos no eixo da construção do brincar e da fantasia
apresentam um brincar característico de bebês bem novinhos e não
desenvolvem as etapas subsequentes22. Mais uma vez, os sinais de problemas
podem ser buscados no modo e no enredo do brincar, lembrando sempre que,
na creche, trata-se de crianças muito pequenas que estão constituindo, ainda,
as funções do brincar:
- Não tem o brincar - inibição, isolamento, recusa.
- Brincar mecânico, estereotipado, repetitivo e incessante, fixado em
objetos e seus movimentos, por exemplo, acender e apagar a luz.
- Violência, inconstância, passividade excessiva.
- Emergência de angústia e medo.
- Falta de imaginação, de jogo simbólico, brincar sem enredo, sem
narrativa, pobreza simbólica, para crianças a partir dos 18 meses.
- Brincar sem indicação de presença de regras e proibições, sem
significação, para crianças a partir dos 18 meses.
Crianças com prejuízos no eixo da construção da linguagem e da fala terão
dificuldades para “se situar em relação às significações do mundo, sua possibilidade
de sustentar as relações com os outros, de reconhecer na linguagem a demanda e o
desejo dos outros, e de produzir, por sua vez, significações novas”. Kupfer (2015, p. 6).
Assim, podem apresentar uma fala “infantilizada”, incompreensível, que
precise de tradução de quem cuida, pobreza expressiva e de vocabulário,
repetição ecolálica caracterizada por sons e balbucios, uso de palavras e não de
frases, uso do seu nome na terceira pessoa. Na creche, etapa da vida da criança

22 Ver explicação desenvolvida neste capítulo no item: “A constituição e a elaboração psíquica através do
brincar infantil”.
na qual a fala está sendo construída, esse eixo se torna mais delicado de ser
acompanhado, pois essa fala “infantilizada” é a fala esperada do bebê e pode se
estender até os 18/30 meses ou até um pouco mais.
Crianças com prejuízos no eixo da construção das normas e na
posição frente à lei podem apresentar submissão ou desobediência excessiva
o que pode mostrar problemas nesta aquisição. A mesma observação feita em
relação ao eixo da linguagem, vale aqui para este eixo, pois as crianças da
creche sairão da instituição em pleno exercício desta função simbólica adquirida
entre os 18 e 36 meses.
Segundo Kuper (2015), “A relação com as normas e com a lei é uma
importante indicação da inscrição ou da dificuldade de inscrição da criança na
cultura e na organização social” (p.8). É da ciência de todos que aprender as
regras sociais e regular seus impulsos é um grande desafio para todas as
crianças, o que significa que viverão tal processo com alguma tensão e alguma
dificuldade, podendo viver momentos de raiva, choro, submissão e rebeldia.
Ao longo desta construção, há pontos de atenção.
- Há crianças que precisam ser continuamente lembradas das regras e,
apesar de sofrerem as sanções a cada situação, mostram não entender o sentido
do “não”. Tem crises de choro, confusão e angústia a cada negativa que
recebem, se desorganizando, mostrando que falta a elas o sentido do que está
acontecendo. Como faltam “chaves de leitura” da situação, elas não conseguem
“se conduzir” nessas vivências. Algumas vezes, tais situações podem ser
confundidas com as famosas “birras”, mas, nesses casos, as crianças entendem
que receberam um limite e brigam com a situação, se opõem, ficam indignadas.
- Apatia diante das negativas/orientações que recebem do ambiente
sócio relacional.
Estabelece-se como pressuposto que as funções acima, desenvolvidas
nos 4 eixos da constituição subjetiva, têm a sua construção iniciada a partir do
nascimento e, entre 18 a 36 meses, estão com as bases alicerçadas. Algumas
crianças precisam de mais tempo e isso não se constitui necessariamente uma
preocupação, pois os dados cronológicos servem como parâmetros.
Nas creches CEDUC, em algumas unidades, a criança permanece até
os dois anos completos (24 meses), em outras, até os três anos (36 meses) ou
um pouco mais, o que significa que as funções acima estão em curso, e, assim,
localizar atrasos, falhas na constituição ou preocupações é uma ação muito
delicada e deve ser feita com equipe multidisciplinar e com o apoio da família e
de especialistas de sua confiança (ver Kupfer, Bernardino, Mariotto, 2014).
Torna-se imperioso, para finalizar, lembrar que há alguns riscos ao se
trabalhar com Indicadores para o psiquismo, na educação.
- Pautar-se em comportamentos observáveis e não na relação
interpessoal, que contém elementos inconscientes e, portanto, de difícil
acesso e manejo na creche.
- Esquecer que as crianças dependem dos adultos que delas cuidam
para se subjetivar
- Criar uma “norma” idealizada de desenvolvimento “saudável”.
- Estabelecer sequências “fixas”, criando amarras para o caminho
singular de cada um.
- Tratar as “diferenças de cada um” como patologia.
- Buscar a homogeneização.
- Estabelecer um olhar “que estigmatiza” a criança em acompanhamento
mais pontual da equipe.
- Julgamento moral das famílias.
- Confundir trabalho educacional no contexto coletivo com o clínico.
16- Outras atuações

O CEDUC tem um trabalho em educação e saúde que ultrapassa os


limites das creches. Ele atua em situações diversas: oferecendo formação
continuada dentro e fora das creches, acompanhando gestantes, criando ações
preventivas e, estruturando salas de amamentação e/ou coleta de leite materno.

Primeiros socorros
Esse treinamento, denominado: “Primeiros socorros para profissionais
de educação que atuam com crianças de zero a oito anos”, foi criado pelo
CEDUC em 2005. Foi pensado com uma linguagem adaptada para equipes
educacionais. Seu maior objetivo é criar a cultura da prevenção.
Um profissional bem orientado consegue perceber os sinais de
agravamento à vida e, com isso, consegue, se souber o que fazer, tomar
decisões importantes que impeçam a ocorrência de situações de emergência ou
lhe permitam agir prontamente quando inevitáveis.
Esse treinamento é composto por aulas teóricas e práticas. Ao final do
treinamento, os alunos deverão estar aptos a agir, sabendo, muito rapidamente,
o que fazer frente a uma situação grave de agravo à vida.
A indicação do CEDUC de que este treinamento deva ser renovado
constantemente em nossas creches e também ser proposto ao mercado é
absolutamente inovadora na história da educação infantil, pois o Instituto
defende que os profissionais das instituições de educação precisam ter este
conhecimento sempre muito ativo. Os currículos universitários não focam este
duplo conhecimento muito necessário ao educador e as instituições nem sempre
se lembram de, nesta área, capacitar seus funcionários, ficando, esse assunto,
restrito aos especialistas de saúde, embora não sejam eles os presentes quando
a situação grave da criança se apresenta.

Encontros com gestantes (antigos cursos de gestantes)


Os encontros com gestantes eram denominados, há algum tempo, de
“Curso de Gestantes”. Existiam antes do CEDUC ser criado e foram uma
herança recebida por ocasião de sua fundação, pois a Natura já os promovia
quando o CEDUC assumiu a terceirização de suas creches, em 1998.
Nos primeiros anos, década de 90, o Curso de Gestantes era estruturado
tanto no seu formato quanto no seu conteúdo pelo RH da Natura através dos
profissionais que, naquela época, atendiam no ambulatório da empresa e, ainda,
pela então coordenadora da creche Cristina Pastorello.
O objetivo do Curso de Gestantes era acompanhar as grávidas e
oferecer lhes informações pertinentes ao momento que estavam vivendo, mas o
viés predominante sempre foi o reflexivo. O objetivo principal era o de esclarecê-
las para deixá-las cada vez mais autoras de suas gestações, informá-las para
torná-las mais responsáveis, procurando fazê-las entender parte do que se
passava com elas para conhecerem melhor esse momento e, assim, poderem
fazer suas escolhas baseadas nos conhecimentos adquiridos.
No decorrer dos cursos praticados, nesses anos, pelo CEDUC, amiúde
gestantes afirmavam sentirem-se mais tranquilas por estarem compreendendo
melhor as alterações físicas e psicológicas pelas quais passavam. Elas diziam,
que “coisas estranhas” ocorriam com elas e, mais do que isso, pensavam que
poderiam ser fruto de fantasia e imaginação.
A Natura oferecia o curso duas vezes por ano em momentos bem
distintos para que toda gestante pudesse acompanhá-lo.
Assim que o CEDUC assumiu a terceirização da creche, assumiu, a
pedido da Natura, a condução do Curso de Gestantes, que durou mais de cinco
anos. O modelo era o seguinte: a Natura assumia os custos diretos dos
profissionais e da estrutura e o CEDUC organizava, gerenciava e acompanhava
o curso sem gerar custos para a Natura pelo serviço prestado.
A operação de organização é bastante trabalhosa até hoje e, desde
aquela época, o trabalho de organização consistia e consiste em:
 Agendar todos os especialistas com antecedência de seis meses.
 Alinhar programação de comunicação do evento e das inscrições em
conjunto com a área de comunicação do cliente, para ampla
divulgação na intranet e nos murais da empresa.
 Reservar, preparar e organizar pequenas exposições nas salas.
 Preparar o convite e os comunicados.
 Agendar período de inscrições.
 Fazer as inscrições pessoalmente na própria creche.
 Escolher e agendar os coffees para cada aula.
 Estar presente e acompanhar as aulas.
 Refazer, na véspera de cada encontro, os contatos com todos os
envolvidos: gestantes, professores, fornecedores e outros.
 Fazer avaliações com as participantes e com os especialistas e
tabulá-las gerando encaminhamentos para o próximo curso.
A partir de 2005, foi incluída a reunião de planejamento e a reunião de
avaliação do Curso. Até esta época, o curso era da Natura e o CEDUC apenas
fazia a organização prática operacional.
Também a partir de 2005, o Curso passou por uma reorganização e
ganhou ainda mais momentos reflexivos. Nessa ocasião, o CEDUC se
organizava para oferecer o curso para a Unilever que foi usuária desse serviço
até 2010.
Danielle Wolff, diretora do CEDUC, define, em seu texto para o currículo,
o conceito do curso a partir desse ano da seguinte forma: o curso deve “ser um
momento reflexivo, no âmbito do espaço de trabalho, para se falar da gestação
e dos acontecimentos deste estado na vida da mulher, do homem e da família”.
O Curso tinha suas bases conceituais e sua justificativa assentadas em
algumas ideias originadas da prática dos anos anteriores e do desejo de dar
outro tom a essa experiência. Danielle segue em seu texto explicando em mais
detalhes que ideias eram estas: “Contemplar a dimensão subjetiva no universo
do trabalho implica em considerar um tema fundamental para a continuação da
vida humana: a gestação e o nascimento”.
O universo feminino, responsável por tão importante tarefa, a gestação,
se vê cercado de diferentes e inusitados desafios.
O Curso para Gestantes é um momento voltado para uma “quebra” do
tempo. É a construção de um tempo de ser e estar, de resgate de histórias, de
sentidos, de lembranças e de significados, de abertura de espaço para o
sensível, para um encontro com o desejo, para a reflexão acerca da gestação e
do nascimento de um pai, uma mãe, um bebê... Uma família.
A gestação e o nascimento ativam e “re-ativam” sensações,
sentimentos, desejos, pensamentos a respeito da vida, da morte, de
continuidade e ruptura, de chegada e despedida.
Gestação é tempo de encontro com o desejo, tempo de sentir, tempo de
espera.
Nascimento é tempo de encontro e despedida.
Pós-parto é tempo de “...acabamento da experiência do parto. Tempo de
ressonância que pede abertura de espaço para a escuta” (RATTNER e TRENCH)
Na Avon, o Curso também foi assumido pelo CEDUC a partir da
terceirização das creches e o sistema foi o mesmo da Natura, iniciado como um
serviço gratuito para, depois, ser um serviço com custo separado do da
terceirização das creches.
Ao longo deste tempo, de 1998 a 2012, foram pensadas várias versões
do Curso de Gestantes para atender as diferentes demandas dos clientes Assim,
ele pode ser feito:
 Em 12 (doze) encontros de duas horas cada um;
 Em 8 (oito) encontros de duas horas cada um;
 Em 3 (três) encontros de oito horas cada um;
 Em 3 (três) encontros de quatro horas cada um;
 Em 1 (um) encontro de oito horas.
Para cada versão, há uma seleção de conteúdos apropriados, gerando,
como consequência, menos tempo dedicado aos momentos mais reflexivos
quanto mais curto é o encontro.
As turmas são totalmente formadas antes da primeira aula.
Os conteúdos deste projeto são os seguintes:
1. Há uma preocupação constante em apresentar as pessoas do grupo,
pois é importante que as gestantes se conheçam e saibam quem são as colegas
que vão viver aquela experiência com elas. Em geral, nesse momento de
apresentação, é também solicitado que as futuras mães apresentem seu filho
ou sua filha ainda em seu ventre.
2. Há aulas com Silvia Pinheiro Machado, psicóloga que sempre
participou desse trabalho. Essas aulas são voltadas a uma sensibilização cujo
escopo é conectar emocionalmente a mulher com a mãe e esta mãe com seu
filho. As propostas de reflexão surgidas estimulam o pensar no que significa
esperar, pensar quais são as expectativas em relação àquele bebê, quais são
os desejos dela para ele, quais mensagens ela tem para ele, entre outros.
Em geral, este é um momento de bastante comoção e alguma
introspecção, pois as mães, bastante emocionadas, se envolvem e sempre
avaliam muito bem a proposta.
Em algumas versões, quando há mais tempo, essa dinâmica se
aprofunda e a mãe é convidada a costurar um boneco de pano recheado com lã
para ser o primeiro brinquedo para seu filho. Nessa proposta, durante a costura,
Silvia encaminha reflexões belíssimas, propõe, em alguns momentos, que o
boneco seja pensado como o próprio filho que está sendo gerado, e, em outros
momentos, que seja pensado como tudo que se deseja ao filho.
3. Há um encontro sobre nutrição, no qual são tratadas, com ênfase, as
questões da nutrição e da alimentação da gestante. Esse encontro é coordenado
pela Dra. Lucia Amorim, nutricionista assessora do CEDUC. Nessa
oportunidade, são comentadas as crendices e os hábitos populares
desenvolvidos em cada família. É ressaltado que determinado conceito, se
aceito como “verdade familiar” tem uma grande chance de se tornar uma verdade
para aquela mãe, pois o afeto tem a força de transformar uma ideia em prática
mesmo que ela não tenha base científica. Por exemplo: comer chocolate na
gestação cria no bebê uma forte vontade de comer doce, cerveja preta melhora
o leite, grãos em excesso podem dar contrações e muitos outros.
Em algumas versões a amamentação também faz parte da programação
nesse encontro. Em versões com mais tempo, há um encontro inteiro dedicado
à amamentação e coordenados pela nutricionista do CEDUC ou por Damaris
Gomes Maranhão, enfermeira sanitarista assessora do CEDUC.
4. Há um encontro que propõe uma aproximação com o contato corporal,
propõe a percepção do próprio corpo, utilizando a técnica da Shantala e
mencionando o apoio do pai do bebê como protagonista na hora do parto. No
encontro, é falado dos sentimentos e do corpo de forma integrada. É também,
nesse momento, que ocorre um esclarecimento de todas as etapas pré-parto
existentes nos últimos dias que antecedem o nascimento. A responsável por
esse encontro é a psicóloga Eliana Pommé. Nos cursos com menos de doze
horas, esse trabalho não ocorre.
5. Há a proposta de haver um encontro com um pediatra. Em cada
cliente, um pediatra diferente assume essa tarefa. Atualmente, as gestantes são
informadas quais e como são os procedimentos com o bebê no ato do parto, é
falada da vida intrauterina e do que se sabe sobre o feto em relação ao fato dele
já ser capaz de estabelecer conexões com o mundo exterior. Também são
informadas as vacinas obrigatórias e seus prazos. É nesse encontro que as
gestantes refletem um pouco sobre como é importante escolher um pediatra e
são informadas de que a primeira escolha não precisa ser a única, de que os
ideais do pediatra precisam se identificar com os ideais de quem o escolhe, de
que o pediatra precisa ser um profissional verdadeiramente disponível e outros
pontos.
6. Existe um encontro cuja programação está destinada a orientações
pertinentes à vida da mãe e da família após o nascimento. Nele, é feito um alerta
especial quanto ao exagero nas compras, as gestantes são lembradas de que
não é necessário comprar todos os acessórios que são anunciados como de
primeira necessidade. Um ponto central nesse encontro é a encenação do banho
do bebê recém-nascido, feito com uma boneca em uma banheira. Esse encontro
é coordenado por uma enfermeira obstetriz, Vânia Pugliese, parceira do CEDUC
que atua no Hospital São Luís em São Paulo.
7. Há o encontro que versa diretamente sobre as questões práticas,
operacionais e técnicas do parto em si. Dois obstetras assumem a coordenação
desse encontro, Dr. Wagner Hernandez e Dra. Érica Rades. Nessa
oportunidade, são esclarecidas todas as diferenças entre a cesárea e o parto
normal com uma posição declaradamente favorável ao parto humanizado, mas
não sendo entendido como única possibilidade “correta”. Sempre é reforçada a
ideia de que, em alguns casos, a cesárea pode ser necessária. Todas as etapas
do parto humanizado são colocadas e explicadas, o tom nesse momento é o de
que a gestante deve ter o direito de escolher que tipo de parto quer e, além disso,
ela tem o direito de um acompanhante para este momento.
8. Em um dos clientes, há um encontro com fisioterapeutas. Nesse
encontro, é tratado um conceito importante, qual seja o de “assoalho pélvico”.
Trata-se de conscientizar a gestante de que há, no corpo, partes que sustentam
o peso da barriga devendo elas serem trabalhadas. Além da informação teórica,
as gestantes fazem alguns exercícios físicos. São trabalhadas ainda, as
modificações posturais que ocorrem na gestação. Em trabalhos de parto muito
demorados, a quantidade de tempo em que a gestante passa sentindo as
contrações pode gerar uma flacidez do períneo, criando, depois, alguns
desconfortos para a mulher.
9. Ao final do curso, é realizado um encontro para ponderar com as mães
as características de um trabalho coletivo e de quais são hoje as opções de
guarda e educação das crianças pequeninas de mães que trabalham fora de
casa. Esse encontro é denominado “encontro da creche”. Nele, é apresentado,
em linhas gerais, o trabalho desenvolvido nas creches do CEDUC.
As mães são orientadas quanto ao retorno ao trabalho, os prazos e os
procedimentos sobre os quais devem ficar atentas.
Os encontros com as gestantes são uma das primeiras oportunidades
da equipe das creches de se aproximar da nova mãe que chegará em breve.
Nesse momento, a coordenadora da creche vai iniciar seu vínculo afetivo com
as mães, mãe e coordenadora vão se conhecendo paulatinamente e, quando
chegar o momento da creche na vida do bebê e de sua mãe, a coordenadora
estará lá. Estará lá para acolhê-la novamente, agora com seu bebê no colo e
não mais no ventre.
O CEDUC acredita no trabalho dos Encontros com Gestantes, confia
nesta proposta como uma importante experiência de conhecimento e de abertura
da mente para o lugar da protagonista da gestação. A gestante pode e deve
entender o que se passa no seu organismo. O mesmo sendo válido para o que
se passa com ela no plano emocional, os encontros podem ajudar a criar uma
abertura para que as mulheres gestantes possam entrar em contato com seus
sentimentos. Há um convite à observação e à escuta.
No grupo, a gestante terá a oportunidade de saber que uma gestação
nunca é igual a outra e que o conhecimento de outras mulheres em relação a
esse tema é subjetivo. Assim, as gestantes são convidadas a construir seu
próprio saber. A experiência da gestação é original e não “ensinável”, portanto
genuína, singular, dela e de quem mais ela decidir ter ao seu lado nesse
momento.
Conectar-se com a gravidez em todos os seus aspectos nem sempre
ocorre de forma natural e os encontros com gestantes podem proporcionar esta
conexão. O momento dos encontros possibilita a “pausa” que uma gestação
demanda. O mundo do trabalho, muitas vezes, não permite que as mulheres
funcionárias de grandes empresas se autorizem a desacelerar enquanto geram
seus filhos, mas os encontros com gestantes podem oferecer esta oportunidade,
ou, pelo menos, podem convidar essas mulheres a cuidar de si nesse tempo.

Sala de amamentação
As salas de amamentação sempre fazem parte da arquitetura de nossas
creches, primeiramente porque revelam um valor: aleitamento materno é direito
do bebê! Além de revelarem um valor as salas atendem uma norma da Vigilância
Sanitária que preconiza que as salas de amamentação também possam estar
estruturadas para serem salas de coleta de leite materno.
Conceitualmente elas têm diferenças fundamentais. A sala de
amamentação, como o próprio nome diz, se destina à mãe e ao seu bebê para
que o aleitamento natural ocorra e a sala de coleta de leite materno se destina à
mãe que não está com seu bebê por perto. Essa mãe terá a oportunidade de
coletar seu leite e armazená-lo até que possa levá-lo para o seu filho.
Aparelhar essas salas para que sejam também de coleta possibilita que
as funcionárias da creche possam coletar seus leites e levá-los aos seus bebês,
pois eles não frequentam as creches do CEDUC.
Essas salas recebem iluminação reduzida, poltronas confortáveis, uma
jarra de água e, em geral, há um grande esforço para mantê-las em silêncio. Elas
são reservadas e acessíveis somente a mulheres.
O CEDUC oferece assessoria para montagem de salas de coleta de
leite materno em empresas.
Atendimento Pós-Natal
Foi criado em 2006 um trabalho de acompanhamento de mães de
recém-nascidos. Esse trabalho foi concebido e executado por Silvia Pinheiro
Ambrósio Machado, psicóloga que atuou na Natura durante os anos anteriores
ao CEDUC se estabelecer como gestor dos encontros de gestantes. Boa parte
conceitual dos encontros com gestantes também foi pensada por ela. Seu
trabalho acompanhando gestantes e fazendo visitas pós-natais é bastante
reconhecido e, após 2009, passou a acontecer numa empresa fundada por ela
chamada “Primeiro Movimento”.
O CEDUC trabalha em parceria com a Primeiro Movimento dando apoio
operacional às visitas e articulando a prática de viagens. As profissionais que
atuam na Primeiro Movimento fazem as visitas, mantendo-se em consonância
com as coordenadoras das creches que receberão as mulheres e os bebês
visitados.
Esse trabalho acontece entre os dois momentos que as mulheres estão
sendo acompanhadas de perto pelo CEDUC, o encontro com gestantes e a
chegada à creche, o momento da licença em que a mulher se encontra recolhida
em casa para viver as experiências da maternidade com seu filho.
Encontrar-se com um bebê concretiza a chegada de um filho. Concretiza
o nascimento de uma mãe e de um pai. Relacionar-se com esse novo ser da
família e encontrar caminhos para conhecê-lo, permitindo que ele conheça os
que ali chegaram antes dele, é uma tarefa cheia de sutilezas nesse momento da
vida dos casais e de seus bebês.
O atendimento é oferecido à família (pai, mãe, irmãos), com uma
atenção especial para a mãe. Não tem caráter terapêutico, pois não se propõe a
tratar. Propõe-se a cuidar desse período sensível, crítico e, por vezes,
carregado de angústias. É uma conversa a partir daquilo que emergir, das
colocações do pai, da mãe ou de outro membro da família, seja uma pergunta,
um sentimento, uma lembrança, um pedido de orientação, um sonho, um relato
da experiência do parto. Importam menos as “regras” e mais as descobertas e
aprendizagens construídas na intimidade com o bebê.
17- Legislação e normas da vigilância
sanitária
O CEDUC tem primado pelo cumprimento das normas sanitárias
vigentes23. Em 2010, reviu com os profissionais atuantes nas creches e com seus
consultores de saúde e de educação o memorial para planejamento dos
espaços, do mobiliário, dos brinquedos e dos utensílios. Todos os procedimentos
são registrados e estão disponíveis para consulta nas unidades, constituindo os
manuais de boas práticas e os planos operacionais de operação (POPs)
conforme exige a legislação sanitária.
Frente a uma nova inauguração num cliente, o CEDUC entra em contato
com a Vigilância Sanitária local responsável pela região da creche, notifica–a
sobre a chegada da creche, indica o responsável técnico e o responsável legal,
e, ainda, convida-a para uma visita às instalações da nova creche. A Vigilância
é uma parceira de trabalho, muito contribuindo para apoiar o CEDUC e ensinar
a equipe a operar cada vez melhor.
As normas de funcionamento das unidades CEDUC e a
operacionalização dos cuidados buscam promover a segurança sanitária das
crianças, trabalhadores e familiares sem tolher as interações e brincadeiras
essenciais para o desenvolvimento humano.
Além das normas sanitárias previstas pelo Ministério da Saúde, o
CEDUC contempla as dimensões de qualidade da educação infantil, previstas
pelo Ministério da Educação, como segue:
1. Planejamento institucional;
2. Multiplicidade de experiências e linguagens;
3. Interações;
4. Promoção da saúde;

23 Até junho de 2010, a Portaria 321 de 26 de maio de 1988 do Ministério da Saúde, regulava as normas
para construção e funcionamento de creches e instituições similares para o atendimento diário de crianças
menores de seis anos. O processo de revisão desse documento foi iniciado em junho de 2010, por meio da
Portaria 794, que integrou profissionais de saúde e de educação para contemplar normas sanitárias e as
demandas do projeto educacional. Com base nesse documento, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria
N° 1.476/ANVISA, de 3 de outubro de 2011, deu início ao processo de elaboração de atos normativos para
estabelecer os requisitos de segurança sanitária para funcionamento dos estabelecimentos de educação
infantil – creches e pré-escolas – a ser posteriormente submetido à consulta pública, iniciado no primeiro
semestre de 2012.
5. Espaços, materiais e mobiliários;
6. Formação e condições de trabalho dos professores e demais
profissionais;
7. Cooperação, troca com as famílias e participação na rede de proteção
social.

As normas sanitárias preveem aquelas recomendadas pela ANVISA:


1. Infraestrutura, protocolos e rotinas de higiene das mãos dos
profissionais, das crianças e das mães
2. Procedimentos para troca e descarte de fraldas usadas e localização
adequada da área de troca e de banho.
3. Rotina e procedimentos de limpeza e desinfecção dos ambientes,
mobiliários, brinquedos e utensílios.
4. Lenços descartáveis para assoar o nariz.
5. Área e normas específicas para a manipulação de alimentos.
6. Controle de imunização das crianças e dos trabalhadores.
7. Registro dos agravos à saúde, controle e investigação de surtos e
notificação das doenças infecciosas e agravos inusitados.
8. Formação inicial e continuada em saúde e em educação aos
educadores e demais membros da equipe.
9. Informação e orientação aos pais por meio de contatos cotidianos,
reuniões regulares, circulares e murais educativos.
10. Razão adulto-espaço-criança que contemple as ações educativas e
normas sanitárias.
11. Planejamento dos cuidados com o acolhimento e adaptação inicial
das crianças menores de três anos e seus pais, devido a maior
vulnerabilidade neste período.
12. Acompanhamento do processo de crescimento, desenvolvimento e
estado de saúde de cada criança, realizado em parceria com sua
família e com base nas informações fornecidas por elas sobre a
assistência realizada pelos profissionais dos serviços de saúde.
13. Cuidados especiais para acolher e cuidar de crianças que tenham
alguma deficiência ou portadores de doenças, transtornos crônicos
ou temporários.
Vigilância à saúde
A vigilância à saúde inicia-se por um sistema de registro diário realizado
pelos educadores e supervisionado pelo enfermeiro que, ao final do mês, tabula
e analisa os dados coletados para identificar os agravos mais frequentes e os
grupos com maior incidência. A partir desta análise, avalia os cuidados,
implementa as medidas de controle e ações educativas com a equipe e os
familiares.
Esses dados são obtidos a partir da observação dos educadores e
familiares. Após a análise dos dados, investiga-se a hipótese do surto. A partir
da ocorrência de doenças de notificação compulsória de, no mínimo, dois casos
na semana com correlação epidemiológica, notifica-se a autoridade sanitária
conforme o artigo 64 do Código Sanitário do Estado de São Paulo (Lei nº 10083).
Segundo essa legislação, constituem unidades ou cidadãos notificantes, além
do médico, enfermeiro, nutricionista e outros profissionais, os responsáveis por
creches, locais de trabalho e unidades de ensino.
Há doenças em especial que a orientação é registrar/notificar na primeira
ocorrência, sendo algumas delas sarampo, varicela, meningite e outras.
18 - Considerações finais
Este trabalho, por ter sido construído a muitas mãos, ecoa a voz de
vários profissionais envolvidos no trabalho das creches do CEDUC. É uma
conquista longamente desejada pela Instituição chegar ao ponto de serem
escritas as “considerações finais”.
A proposta é a de, além de registrar as intenções, os valores, as práticas
e ainda as fontes teóricas do CEDUC, esse material possa se tornar uma
referência de formação continuada sustentada através de relações de boa
qualidade nas equipes de trabalho.
Na vida, “separar” o campo da saúde do campo da educação quando se
pensa em crianças de zero a quatro anos é algo improvável. Quem vive a
experiência de cuidar e educar em instituições profissionalizadas sabe que a
totalidade humana não possibilita esta cisão. Para efeitos didáticos, isso
ocorre na formação. Na própria estrutura universitária brasileira, encontra-se
uma significativa separação sem muitos acenos de mudança até hoje. Saúde de
um lado e educação de outro. Pouco ou nenhum diálogo.
Dada a distância epistemológica apontada e verificada na prática entre
esses campos, será feito, ainda, outro apontamento muito importante para
justificar e concluir este documento. Em instituições infantis, as ações de cuidado
que têm seu embasamento predominantemente na área da saúde foram e, em
grande parte, ainda são vistas somente como ações operacionais, “braçais”.
Não raro é encontrada uma valoração colocada sobre esta tipologia de
ações: trabalhos/ofícios envolvendo operações manuais/braçais (operacionais)
são frequentemente menos valorizados e reservados a profissionais que não
tenham formação universitária, que não tenham “estudado”. De outro lado,
trabalhos que envolvam o uso um pouco mais acentuado do intelecto e, portanto,
envolvam um pensamento tido como mais complexo, são mais valorizados e
devem ser exercidos por profissionais que têm formação universitária (que
tenham “estudado”).
Essa dicotomia humana fundada nas ideias aristotélicas, traduzidas em
parte na afirmação “O homem é um animal racional”, fez com que os homens
passassem a acreditar que as práticas manuais, braçais (operacionais) fossem
fruto de uma ação com menos pensamento, menos racionalidade e, portanto,
menos valiosas e com menor importância.
Na história da humanidade e, ainda, na história da filosofia, a imagem do
“homem como um animal racional” obteve um importante reforço séculos mais
tarde pela afirmação cartesiana “Penso, logo existo”. Ambas significaram
importantes contribuições na história do homem em sua busca de
autoconhecimento. Contudo, o que vamos extrair delas é o quanto, ao longo da
mesma história, terminaram por inspirar e cristalizar algumas formas de pensar
presentes na cultura, o quanto elas apoiaram e deram sustentação à dicotomia:
corpo e mente.
Defende-se que essa dicotomia precisa ser, em prol da infância e da
complexidade da função de um EDUCADOR infantil, estudada, alterada, vencida
e superada. Precisa ser uma conjunção, uma ação interligada, única, lembrando
que o ser humano é um todo, que a criança está inteira e entregue na relação
com o educador, portanto merece ser olhada e entendida com a mesma
totalidade com que se entrega.
Agora, ao finalizar este texto, a esperança é a de ter produzido um
documento que versa a respeito dessa conexão. Ele é uma declaração de
valores, de conceitos, de ideias, de práticas, de estudo e de reflexões, que
convida os profissionais da educação infantil a refletirem a respeito de seu
trabalho, a pensarem a respeito dos cuidados que permeiam o cotidiano das
instituições. Ele contém reflexões que embasam as escolhas de práticas e, em
alguns momentos, discute formatos dados às práticas que foram bem-sucedidas.
Profissionais da saúde que atuam na educação podem aproximar-se de
uma ação educativa, , sendo muito indicado que o façam, aproximando-se,
assim, de conteúdos da pedagogia e da psicologia, bem como psicólogos e
pedagogos podem se dispor a estudar, entender e operar assuntos da saúde,
sendo, também, muito indicada esta aproximação. Mais do que isso, todos
podem compor as equipes profissionais das instituições de educação infantil
construindo um trabalho que garanta as especificidades, porém articulado com
muita proximidade.
Contendo uma diversidade interessante de textos neste documento, é
indicado que ele seja lido aos poucos. É também aconselhável lê-lo em
consonância com outras bibliografias que possam enriquecê-lo, ou mesmo,
adicionar exemplos práticos que elucidem melhor o que está escrito aqui.
Como ensina a jornada de vida do CEDUC, somente ler não basta. A
aprendizagem advém da experiência e, então, esta leitura precisa ser
polemizada, indagada, precisa alimentar pesquisas que conversem com esse
conteúdo. As práticas podem ser documentadas em fotos e vídeos e,
posteriormente, analisadas à luz destes textos. O efeito dos diálogos teoria e
prática, escrita e vivência, depende, e muito, das oportunidades de formação
continuada em que esse material terá o privilégio de estar. Esse é o convite ao
gestor CEDUC.
Este documento pretende evidenciar a amplitude que a dimensão do
cuidado pode ter em um projeto de educação infantil. Todos os aspectos aos
quais foi dada visibilidade e importância, tudo aquilo do qual se cuida nas
relações diárias com as crianças traduzem o jeito de educar do CEDUC. Ao
educar, ele se atém sempre, e de novo, aos cuidados necessários, buscando a
conjunção agir/pensar, refletir/fazer, educar/cuidar.
Por um profissional da educação, sempre reflexivo e mais integrado, que
este documento contribua, acrescente e some.
O CEDUC solicita que os profissionais da educação infantil o ajudem
sempre a atualizar este manual e o apoiem na coragem de mudá-lo todas as
vezes que o estudo, a prática e a reflexão indicarem essa necessidade.
Este documento não é todo o currículo da instituição, mas é o que é
entendido por um Projeto Educacional de Saúde. Ele é parte integrante e
indispensável do Projeto Educacional CEDUC.
Talvez jamais exista um currículo completo, pois estas palavras se
antagonizam em sua relação. O currículo é sempre dinâmico, fala de ontem, e
de um aqui, agora. Portanto, é notório que o amanhã poderá ser resultante da
transformação que está em curso hoje, mas aqui estão as declarações em
relação à saúde que é possível registrar, aqui, agora!

Junho de 2016.

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