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A ESTILIZAÇÃO DA BATUCADA

(...) o Quicumbi iniciou sua transformação, migrando ao estilo hoje referido


genericamente como samba, após sua exclusão do calendário de festejos da
cidade. A migração para o novo estilo aconteceu de maneira gradativa. Aos
poucos a influência do samba carioca –mesmo antes da sua estilização pelos
compositores do Estácio; da polca, lundu, maxixe e choro foi incrementando e
modificando sobremaneira a execução do batuque do Quicumbi, que por volta
de 1910 se restringia aos terreiros ermos como os arrabaldes da antiga fazenda
Tibiriçá na zona Norte da cidade a Aldeia na zona Leste e a Coxilha do Fogo, a
noroeste do núcleo urbano citadino. Essa adesão à maneira nova de tocar
deveu-se aos músicos integrantes das bandas municipais, que na primeira
década do século vinte executavam por dever de ofício ou diversão em horas
vagas, maxixes, lundus, choros, valsas, marchinhas e polcas. E de posse dos
conhecimentos teóricos necessários para o exercício da sua profissão de músicos
de bandas sinfônicas trouxeram para as rodas de batuque instrumentos de
harmonia antes avessos a elas como bandolim, acordeom e violão. Executar
maxixes, lundus e possivelmente os Quicumbis (como demonstra a narrativa de
Gustavo Peixoto, se referindo aos sons divorciados produzidos pelas rabecas dos
integrantes de um terno) demandava a esses músicos impor disciplina teórica ao
batuque para possibilitar seu registro no pentagrama e uniformizar um arranjo,
por mais simples que fosse, no intuito de padronizar a execução de
determinadas peças.

Entretanto, com a colonização do país pelo samba carioca; e o rádio contribuiu


muitíssimo para tal acontecimento, o novo samba nascido no morro d0 Estácio
por volta de 1930 disseminou-se sedimentando o estilo de samba que partiu da
célula rítmica Banto do Cucumbi; (o mesmo gênero do Quicumbi, com a
diferença de que o Cucumbi se refere à nomenclatura de um tambor, enquanto
Quicumbi designa um pronome de tratamento dispensado ás noivas angolano-
conguesas, e o significado de Quicumbi é: Rainha).

Esse processo de transição da batucada do Quicumbi para o samba foi


responsabilidade exclusiva dos músicos profissionais das bandas de Cachoeira.
Enquanto em Porto Alegre a gravadora A Casa Elétrica fundada pelo italiano
Savério Leonetti em 1913 ensaiava a gravação de sambas e maxixes – dentre os
sambas figuraria o primeiro gravado no Brasil “Ya Ya Me Diga” de Geraldo
Magalhães, cá na região central do estado Quicumbis, Reisados, Bumbas meu
Boi aos poucos cediam espaço às marchinhas, lundus, maxixes e um jeito novo
de executar o batuque, com tambor, agê (piano de cuia) e pandeiro, sem dúvida,
porém incrementados com a presença de violões, bandolins e acordeons.

Em meados de 1950 o jornal O Commercio anunciou efusivamente a


participação dos "morenos" - como chamavam as pessoas negras naquela época,
nas comemorações do carnaval de rua. O adjetivo "morenos" usado como
pronome de tratamento : reflete ainda a política tácita de apaziguamento
nascida no começo do século XX, pela necessidade de trato e vantagem da mão
de obra barata à disposição entre negros e mestiços.

Ainda não organizados em Escolas de Samba os negros cachoeirenses foram às


ruas cosntituídos em Blocos Carnavalescos, que, em tudo lembravam os antigos
Ternos de Promessa de Quicumbis, pois mesmo a batucada, remetente ao samba
enredo tão difundido nas grandes capitais do Brasil e, cuja fonte de emanação
desde sempre estava irradiando dos barracões das escolas de Samba da cidade
do Rio de Janeiro, se apresentava diferente. Excessivamente rápida, frenética,
marcada por síncopas numa estrutura constituída por um instrumental similar
áquele ao de qualquer escola de samba do Brasil.

"[...] A cuíca está batendo1 e por todos os recantos se ouvem o batuque e o


retinir dos pandeiros dando assim uma nota alegre e alvissareira ao período
carnavalesco que se aproxima.

Aos domingos, vários blocos de morenos têm saído à rua com suas
indumentárias e flâmulas2 , tendo á frente seus "Remeleixos"3 fazendo
um requebra de deixar o negro com água na boca.4

Aliás, a primazia do carnaval de rua sempre cabe aos morenos que têm dado a
nota alacre à cidade e enchem de uma satisfação contagiante toda sua
população, ao roncar das suas cuícas e a cantarem as letras dos últimos sambas e
marchas do carnaval do corrente ano5
notes

1
Aqui o redator tenta claramente, e é claro, sem sucesso, imitar o estilo do grande poeta Manoel
Bandeira.

2
Era comum aos Bantus portarem estandartes cotendo uma figura que distinguia o grupo. E isso,
foi parte da cultura que em sincretismo com o os costumes Yorubas foi assimilado aos Bantus. A
Porta Estandarte ainda figura de modo destacado no carnaval riograndense. O estandarte também
podeser uma sobrevivência totêmica do Quicumbi. Pois a boneca Ka Nina Nuê - fetiche do
Quicumbi, era um elemento de distinção, um totém conduzido pela "Dama do Passo".

3
A figura do Remeleixo, sujeito desengonçado, saltimbanco "clown", que realizava toda sorte de
piruetas, cambalhotas e arrelias frente aos blocos e escolas de samba, é ímpar no carnaval
brasileiro. Sua origem é obscura... O mais provável é que os remeleixos tenham surgido dentre os
estilistas dos passos do Quicumbi. Que executavam passos largos e rápidos com saltos e
cambalhotas individualmente ou em grupo, às vezes de maneira sincrônica. Similar ao estilo das
dnaças guerreiras de tribos como os Massai e Zulu.Os blocos poderiam trazer à frente mais de um
Remeleixo.

4
A referência ao negro aqui não é alusiva ao substantivo, mas a um pronome de tratamento
genérico equivalente a dizer: o sujeito, o indivíduo, o camarada. Trata-se de uma força de
expressão corrente no Rio Grande do Sul e em muitas regiões do país.

5
Esses sambas e marchas eram os das escolas cariocas.

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