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SUMÁRIO
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CAPÍTULO 6 – Consolidando as Análises: uma governança em
rede? ...............................................................................................233
6.1 – Definindo o padrão de interdependência e governança..................... 233
6.2 – Implicações para a Dinâmica Gerencial da Regionalização .............. 238
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Capítulo 1 – Redes de Política: Emergência, Conceituação e Gestão
1. Introdução
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A existência de redes é fruto de outro tipo de fatores identificados com a
complexificação dos processos administrativos em um meio ambiente cuja
dinâmica impossibilita qualquer ator isolado de controlar os processos e a
velocidade das mudanças.
Todos estes fatores têm confluído para gerar a proliferação de redes gestoras de
políticas públicas, especialmente no campo das políticas sociais, no qual incidem
fortemente. Neste sentido, as redes têm sido vistas como a solução adequada
para administrar políticas e projetos onde os recursos são escassos, os problemas
são complexos, existem múltiplos atores envolvidos, interagem agentes públicos e
privados, centrais e locais, há uma crescente demanda por benefícios e por
participação cidadã.
No entanto, a gestão de redes, está longe de ser algo simples, o que tem
implicado, muitas vezes, no fracasso de programas e projetos sociais, apesar das
boas intenções dos atores envolvidos.
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tecido social, o que colocou novas necessidades em relação ao processo de
coordenação social.
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da discussão pública os alicerces da estrutura de poder, organização e gestão das
instituições políticas vigentes.
Nesse aspecto, a formação das estruturas policêntricas, que configuram uma nova
esfera pública plural, advém tanto de um deslocamento desde o nível central de
governo para o local quanto da esfera do estado para a sociedade. Processos
como a descentralização e o adensamento da sociedade civil convergem para
formas inovadoras de gestão compartida das políticas públicas.
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Adquirem relevância as propostas de descentralização das políticas públicas, na
qual o poder local assume o protagonismo na articulação entre organizações
governamentais, empresariais e sociais, ampliando a rede de ação pública por
meio da inclusão de novos atores políticos.
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acentuaram estas características de diferenciação e autonomização. Lechner
(1977:13) cita, a respeito, o paradoxo de Luhmann segundo o qual a autonomia
relativa de cada subsistema funcional aumenta, mas assim também aumenta sua
interdependência mútua.
3. Conceitos de redes
O termo rede tem sido utilizado em diferentes disciplinas como a psicologia social
onde indica o universo relacional de um indivíduo, ou seja, o conjunto de relações
e estruturas de apoio sócio-afetivo de cada um. A psicologia social identifica como
características estruturais das redes o tamanho, a densidade a composição
(distribuição), a dispersão, a homogeneidade/heterogeneidade e os tipos de
funções que exercem.
De acordo com Börzel (1997) todas as disciplinas que trabalham com as redes de
políticas compartilham um entendimento comum no qual elas são vistas "como un
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conjunto de relaciones relativamente estables, de naturaleza no jerárquica e
independiente, que vinculan a una variedad de actores que comparten intereses
comunes en referencia a una política, y que intercambian recursos para perseguir
esos intereses compartidos, admitiendo que la cooperación es la mejor manera de
alcanzar las metas comunes".
A teoria da escolha racional (rational choice) pressupõe que toda ação é motivada
por uma decisão racional que maximiza os interesses pessoais. As organizações
são vistas como entidades racionais que buscam maximizar sua utilidade racional
quando se engajam nas redes de trocas. Para Miller (1994:380), esta
pressuposição, ao ser levada até o limite de incluir como interesses egoístas bens
intangíveis como poder, afeto e lealdade perde qualquer capacidade explicativa.
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acordadas para chegar a um objetivo comum, ou seja, institucionalizando um
mecanismo de coordenação horizontal e reduzindo assim os custos de informação
e transação, criando confiança e reduzindo incertezas (Scharpf, citado por Börzel,
1997).
Para Börzel (1997) as explicações teóricas sobre as redes de políticas podem ser
divididas em duas correntes distintas, ainda que não mutuamente excludentes: a
escola da intermediação de interesses e a escola de governação.
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1992:197), baseados na idéia central de que "a existência de uma rede de
políticas, ou mais particularmente de uma comunidade política, delimita a agenda
política e dá forma aos resultados da política".
Para além das classificações, pode-se buscar algum valor explicativo nos
diferentes tipos de redes supondo que a estrutura da rede delimita a lógica da
interação entre seus membros, afetando o processo político, ou ainda, que se
pretenda estabelecer uma vinculação sistemática entre a natureza de uma rede e
o resultado do processo político.
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Castells (1998) chega a formular a proposta de um estado-rede, para designar o
formato atual das políticas públicas, cuja estrutura e funcionamento administrativo
assumem as características de subsidiariedade, flexibilidade, coordenação,
participação cidadã, transparência, modernização tecnológica, profissionalização
dos atores e retroalimentação e aprendizagem constantes.
Para alguns autores a análise de redes é uma ferramenta útil para explicar a união
de atores interdependentes, enquanto que para outros a inovação seria
representada pelo deslocamento do objeto da análise desde o ator individual para
o padrão de vínculos e interação como um todo. A ênfase, neste último caso,
centra-se na estrutura e processos através dos quais a realização conjunta das
políticas públicas se organiza em governação.
Para outros autores, mais do que uma nova perspectiva analítica, as redes
indicam uma mudança na estrutura política da sociedade e representariam novas
formas de organização social em resposta aos problemas políticos de
coordenação ou de mediação social. Miller (1994:379) entende que as redes
formam um terceiro tipo de estrutura social, distinta tanto do mercado quanto das
formas hierárquicas porque a qualidade da interação no mercado é baseada no
interesse racional e nas hierarquias na obediência, enquanto nas redes a
interação é indeterminada.
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iniciais podem ser substancialmente transformados quando levados à prática. Já a
concepção tradicional da administração pública, representada pelo modelo top-
down, pressupõe, para uma implementação perfeita, que as circunstâncias
externas não impõem restrições, que os recursos e tempo necessários se
encontram disponíveis, que a compreensão do problema está numa relação de
causa e efeito direta e sem interferências, que há entendimento e acordo sobre os
objetivos, que as tarefas estão definidas na seqüência correta, e que as
autoridades podem demandar e receber plena obediência.
A visão da psicologia social é assumida por Rovere (1998:30) para o qual "para
nosotros, redes son redes de personas, se conectan o vinculan personas, aunque
esta persona sea el director de la institución y se relacione con su cargo incluido,
pero no se conectan cargos entre sí, no se conectan instituciones entre sí, no se
conectan computadoras entre sí, se conectan personas. Por esto es que se dice
que redes es el lenguaje de los vínculos, es fundamentalmente un concepto
vincular".
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Rovere propõe um esquema ascendente de classificação dos vínculos em relação
ao nível, às ações e aos valores envolvidos, que permite monitorar os graus de
profundidade de uma rede. Os níveis começam com o reconhecimento, seguido
do conhecimento, depois seria a colaboração, a cooperação, e, finalmente, a
associação.
“El primer nivel sería el de reconocimiento, que expresaría la aceptación del otro.
En casos extremos, la dificultad de operar o de interactuar consiste en que no se
reconoce que el otro existe...
Un tercer nivel, a partir del interés y del conocimiento empiezan a existir algunos
episodios de colaboración (co-laborar en el sentido de trabajar con. No es una
ayuda sistemática, no es una ayuda organizada sino espontánea. Hay momentos,
hechos, circunstancias donde se verifican mecanismos de co-laboración que
empiezan a estructurar una serie de vínculos de reciprocidad, empiezo a colaborar
pero espero también que colaboren conmigo.
Existe un quinto nivel donde hay asociación, donde esta actividad profundiza
alguna forma de contrato o acuerdo que significa compartir recursos.
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Toda esta construcción podría ser representada en una tabla:
y proyectos
y/o recursos
el otro es o hace
Rovere (1998:35)
Nesta análise de redes o enfoque central está nas relações sociais, ao invés dos
atributos de grupos ou indivíduos. A partir das relações é possível compreender o
sentido das ações sociais enquanto os atributos dizem respeito apenas aos seus
agentes. Também de acordo com a sociologia relacional, “as instituições, a
estrutura social e as características dos grupos são cristalizações dos
movimentos, trocas e “encontros” nas múltiplas e intercambiantes redes de
relações ligadas e superpostas” (Marques, 1999:3).
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Para análise da natureza das articulações em uma rede de políticas (Cavalcanti,
1998) propõe a construção de uma matriz, a partir de dois conjuntos de
indicadores, sendo o primeiro relativo às posições hierárquicas das organizações,
e o segundo composto de indicadores de gestão pública. Para efetuar a análise,
das relações identificadas na matriz interorganizacional – ainda que restrita às
relações bilaterais-, relaciona como variáveis a serem consideradas: eficácia
percebida, dependência, resposta a problemas e oportunidades, conhecimento
mútuo, consenso, similaridade de domínio, fluxo de comunicações, formalização,
complexidade centralização.
Uma perspectiva distinta, na qual a ênfase não é colocada nos vínculos mas na
estrutura, pode ser encontrada nos trabalhos de Klijn (1995 e 1996),
compreendendo as redes de políticas como o contexto mais ou menos estável
dentro do qual se desenvolvem jogos independentes sobre decisões políticas. Klijn
e outros (1995:439) definem as redes de políticas como sendo "patrones más o
menos estables de relaciones sociales entre atores mutuamente dependientes que
se forman alrededor de problemas políticos os grupos de recursos e cuya
formación, mantenimiento y cambio es obra de una serie de juegos". Os jogos são
entendidos como uma série de ações contínuas e consecutivas entre diferentes
atores, realizadas de acordo com, e guiadas por, regras formais e informais que
surgem em torno de temas ou decisões nos quais os atores têm interesse.
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No primeiro caso, na perspectiva societária e moblizatória encontramos autores
como Jacobi (2000: 156), para o qual as redes fortalecem-se como atores políticos
transnacionais na defesa de políticas públicas e “representam a capacidade de os
movimentos sociais e organizações da sociedade civil explicitarem sua riqueza
intersubjetiva, organizacional e política e concretizarem a construção de
intersubjetividades planetárias, buscando consensos, tratados e compromissos de
atuação coletiva”.
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gestão das redes intergovernamentais e interorganizacionais, reconhece-se que a
complexificação do sistema intergovernamental significou um aumento das inter-
relações em todos os níveis de governo e da sociedade, alterando o modelo de
gestão das políticas públicas.
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poder de uma organização aumenta na medida em que sua participação se torna
essencial para a preservação da rede. Além disso, o gestor está envolvido em
diversas redes, que se sobrepõem ou influenciam mutuamente.
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- Cooperação/competição, solidariedade/conflito - as redes estruturam-se
como ações conjuntas de cooperação em torno de um problema e uma
solução compartilhados, o que não exclui a existência de singularidades e
conflitos. Mais que um consenso prévio o que existe é a negociação de
interesses competitivos.
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As principais características das redes de políticas são a horizontalidade e a
interdependência entre os múltiplos nódulos ou participantes, o que as distingue
de outros formatos de gestão de políticas, como a contratação e as parcerias.
- devido à flexibilidade inerente à dinâmica das redes elas seriam mais aptas a
desenvolver uma gestão adaptativa que está conectada a uma realidade
social volátil, tendo que articular as ações de planejamento, execução,
retroalimentação e redesenho, adotando o monitoramento como instrumento
de gestão, e não de controle (1997).
No entanto, algumas das características das redes são também apontadas como
limitadoras de sua eficácia ou gerando problemas e dificuldades para sua gestão,
tais como:
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- as redes de políticas apresentariam novos desafios para garantir a rendição
de contas (accountability) em relação ao uso dos recursos públicos, pelo fato
de envolverem numerosos participantes governamentais e privados;
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INTRAORGANIZACIONAL
INTERORGANIZACIONAL
Se as redes são formadas por atores, recursos, percepções e regras (Klijn at all,
1995), estes são elementos chave a serem considerados não apenas na análise
como também na gestão das redes.
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Em relação aos atores devemos considerar que estão em uma situação de
interdependência em uma rede, gerada pela necessidade de compartilhar
recursos para atingir um objetivo comum. Cada ator específico tem seus objetivos
particulares, mas seria limitado imaginar que sua participação em uma rede seria
conseqüência de suas carências e do mero comportamento maximizador para
atingir seu objetivo pessoal ou organizacional. A construção de uma rede envolve
mais do que isto, ou seja, requer a construção de um objetivo maior que passa a
ser um valor compartilhado, para além dos objetivos particulares que
permanecem.
A habilidade para estabelecer este mega-objetivo, que implica uma linha básica de
acordo, tem a ver com o grau de compatibilidade e congruência de valores entre
os membros da rede (Mandell, 1999). Para chegar a este tipo de acordo é
necessário desenvolver arenas de barganha, onde as percepções, valores e
interesses possam ser confrontados e negociados.
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rede (ou seja, o controle de recursos), como também das ligações de cada
organização a um padrão mais amplo de organizações. (Benson, 1975).
Na gestão das redes o foco está colocado nos processos de interação entre os
diferentes atores e os meios pelos quais estes processos podem ser estimulados,
mantidos ou mudados, quando necessário. O conflito entre as organizações é
visto como um produto inevitável das interdependências entre elas e deve ser
ativamente gerenciado. O apoio a uma política que favoreça os objetivos de vários
atores é uma estratégia da gerência das redes, assim como a ativação seletiva por
meio do uso de incentivos para desenvolver arranjos organizacionais – coalizões -
e interações entre os atores (Klijn, 1996).
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Para Klijn at all (1995), a gerência exitosa de redes deve basear-se nas seguintes
condições:
Como uma das características das redes é o fato de serem policêntrica, também
encontraremos que a gerência não é mais uma estratégia exclusiva para um ator.
O papel do gestor das redes de políticas é, portanto, um importante aspecto a ser
pensado, já que ele pode ser desempenhado por cada um dos atores, por vários
deles simultaneamente, ou mesmo por um mediador externo ou facilitador (Klijn,
1996:105).
Para Mandell (1990) como as redes diferem em relação aos tipos de mecanismos
de coordenação isto vai requerer diferentes estilos compatíveis de gerência. As
estruturas dos arranjos interorganizacionais correspondem, basicamente, a três
tipos de interdependências, cujo desenho tem um importante impacto na
performance futura e na natureza da gestão. Na rede “não mediada”, ou
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voluntária, a coordenação se inicia com a participação das organizações, que
assumem igual posição na rede. Na rede “mediada”, a coordenação se inicia por
uma autoridade e pode ser “imposta” verticalmente pelo responsável legal e
financiador, ou ainda pode ser “articulada” horizontalmente por uma agência
designada e que não se sobrepõe aos demais membros.
Cada uma das estruturas identificadas requer diferentes papeis do líder, já que
para umas é vital a construção da própria mediação entre pares, enquanto para
outras esta questão está resolvida desde a constituição legal da rede e o que se
requer é a coordenação dos processos de negociação e de gestão das
interdependências. A autora identifica alguns estilos de gestão estratégica,
compatíveis às necessidades de cada contexto, num continuum que vai desde o
autocrata benevolente, que assume o papel de um “líder de orquestra”, até o
mediador de trabalhos, que apenas assegura às partes a consumação do acordo,
como um líder laissez-faire”. No centro desse continuum há o líder democrático,
que atua como um “produtor de cinema”, desempenhando um papel ativo no
alcance de resultados e na motivação dos participantes.
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coordenação podem ser do tipo regulatório, financeiro ou comunicacional (Bruijn
and Heuvelhof (1997). No entanto, deve-se evitar os riscos de desenvolver
estruturas formais que sejam inapropriadas ao problema e cujo desenho altere a
estrutura de forma a ameaçar a própria existência e o equilíbrio dentro da rede.
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mais operacionais. Para a implementação do planejamento incremental são
necessários o desenvolvimento de um sistema de informação que permita o
seguimento e a avaliação periódica das ações e o estabelecimento de canais
efetivos de comunicação e negociação.
6. Mediação e conciliação
9. Estabelecimento de prioridades
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2- Reconhecimento da natureza política da tarefa como inevitável em um
processo que envolve atores com diferente visões políticas do problema. Para
superar os problemas que podem surgir desta diversidade é necessário
estimular o diálogo franco que permita identificar as barreiras que podem
comprometer a ação coletiva. Quando a rede envolve atores governamentais e
não-governamentais é necessário que o setor privado seja considerado um
parceiro e não como dependente do governo.
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buscam garantir a eficácia da gestão das políticas públicas. O perigo para as
autoridades locais é decorrente da perda da coesão garantida pelos sistemas
centralizados e pelo fortalecimento da autonomia e independência funcional das
unidades sem o desenvolvimento de contrapesos que garantam a integração do
sistema de políticas e a agregação e coerência necessárias ao êxito dos governos
locais (Pratchett, 1994).
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empresas, são fatores que impulsionam e explicam o florescimento das redes de
políticas sociais.
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- É necessário a introdução de uma gerência social adaptativa para tornar
eficazes políticas que enfrentam problemas de elevada complexidade e que se
desenvolvem em contexto de alta turbulência política e instabilidade
institucional. A não separação entre formulação e implementação das políticas
assim como a introdução de mecanismos de monitoramento das políticas
sociais são requisitos para o desenvolvimento da imprescindível aprendizagem
institucional.
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Podemos, portanto concluir que as redes de políticas sociais são um instrumento
fundamental para a gerência das políticas sociais e, mais ainda, que elas
permitem a construção de novas formas de coletivização, socialização,
organização solidária e coordenação social, compatíveis com a transformação
tanto da sociedade civil quanto do Estado.
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A diversidade ou aceitação do outro como diferente, a pluralidade e o
reconhecimento do outro como parceiro, a ação coordenada e interdependente, a
negociação dos conflitos e a busca de um objetivo comum, requerem uma
sociedade com uma cultura democrática e uma estrutura de distribuição da
riqueza e do poder mais igualitária. Neste sentido, a democracia é tanto um pré-
requisito quanto o resultado da ação das redes de políticas.
Ou seja, sem assumir uma visão meramente instrumental das redes de políticas,
não podemos também imaginá-las, ingenuamente, como solução para todos os
problemas envolvidos no campo das políticas públicas.
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Capítulo 2 - Redes em Administração Pública: Interdependência como novo
Paradigma de Gestão
2.1 - Introdução
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os desafios da reconstrução das bases da cidadania, a redefinição dos sistemas
políticos em busca de formatos mais horizontalizados e fragmentados de
governança, a necessidade de reformular as bases da democracia liberal
representativa, entre outros (FLEURY, 2004; SØRENSEN, 2002; KETTL, 2001;
OSBORNE e GAEBLE, 1992; GILPIN, 2004; ABRUCIO, 2001; CASTELLS, 1999;
CASTEL, 1997; KYMILICKA e NORMAN, 1997; ESPING-ANDERSEN, 1995).
Como resposta a esses desafios, emergiu uma multiplicidade de
transformações nas mais diversas dimensões de atuação do Estado ocasionando
reformulações que podem ser observadas não só nos arranjos de provisão de
bens públicos, nos sistemas de proteção social e regulação econômica, nos
paradigmas de gestão governamental e na cultura organizacional subjacente, mas
também nos modelos de concepção e coordenação do ciclo de políticas públicas,
na revisão das estratégias de condução do processo decisório, nas questões
relacionadas às mudanças na configuração das relações entre as esferas
governamentais, nas formas de intermediação de interesses e nos mecanismos de
mobilização de suporte político necessário ao exercício da governança
democrática num ambiente de crescente interdependência. Neste sentido, o que
se apresenta de forma subjacente aos movimentos de redefinição da esfera
estatal é a concepção de uma crise não apenas dos aspectos operacionais e
microeconômicos revelados na composição das estruturas organizacionais, mas
uma necessidade de compreensão das novas possibilidades de construção
institucional do Estado como ator e arena política, uma vez que além da presença
de estratégias de modernização gerencial, também são observados movimentos
de re-alocação do poder do Estado em nível internacional, com a redução de sua
soberania e de redefinição de suas relações com a comunidade interna. Esta
última se manifesta tanto nos novos arranjos de poder presentes nos sistemas
políticos de governança que se mostram mais fragmentados e organizados de
forma dispersa (RHODES, 1997; STOKER, 1998), quanto nas relações com os
indivíduos que compõem a comunidade de cidadãos (KYMILICKA e NORMAN,
1997).
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Tanto os novos desafios quanto as respostas surgidas e pensadas em torno
de novos caminhos possíveis têm sido apontados por diversos ramos das ciências
sociais, às quais se apropriam dos aspectos e dimensões que interessam ao seu
objeto de estudo. Esse processo de disseminação da crise do Estado para a
academia tem provocado a emergência de novas idéias, concepções e teorias em
busca de novos paradigmas (ABERBACH e CHRISTENSEN, 2003; SØRENSEN,
2002; FLEURY, 2001). Como reflexo setorial amplamente visível deste processo,
a literatura internacional sobre administração pública apresentou significativas
inovações e re-direcionamentos em seus fundamentos teóricos, abrangendo
inclusive, a possibilidade de revisão de seus pilares clássicos e o surgimento de
novos paradigmas. Da mesma forma, as décadas de oitenta e noventa assistiram
ao aprofundamento do processo de internacionalização das questões e teorias
que constituem o objeto de estudo da Administração Pública como área de estudo
específica, uma vez que, historicamente se desenvolveu quase que isoladamente
no interior das escolas americana, britânica e centro-européia, cada qual com
suas abordagens particulares (BOGASON e TOONEN, 1998).
A emergência universal da crise financeira do Estado nos países
desenvolvidos motivou a difusão de estratégias de restrição dos dispêndios
públicos e, conseqüentemente, de redução da ação estatal. Tal processo,
conduzido por coalizões políticas de direita, impulsionou a adoção generalizada
das concepções e técnicas do New Public Management (BARZELAY, 2000;
SKALÉN, 2004; HOOD, 2001), sendo as agências internacionais de fomento como
OCDE, FMI, BID, entre outras, seus principais patrocinadores. A busca pela
eficiência e pela responsabilização na administração pública induziu à
implementação de inovações gerenciais que, malgrado a resistência de outras
academias, principalmente as européias, se inseriram em diversos processos de
reforma do Estado nos países desenvolvidos. O desenvolvimento do NPM como
estratégia de modernização do Estado direcionou a atenção dos movimentos de
reforma estatal para os aspectos internos e operacionais da gestão pública, o que
se explica pela composição de seu conteúdo ideológico e teórico. Hood (1991)
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identificou as proposições que fundamentam as estratégias do NPM e as
sintetizou num núcleo doutrinário contendo sete elementos centrais:
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políticos ocidentais, entre outras já referenciadas como integrantes do processo de
reconstrução do Estado, tornam as premissas e estratégias do NPM insuficientes
para compor um novo paradigma duradouro da Administração Pública, sem
mencionar os próprios paradoxos internos verificados nos processo de reforma já
analisados (HOOD e PETERS, 2004). Além disso, questões ainda não
devidamente incorporadas ao debate como as resultantes da necessidade de
redefinição de padrões de proteção social e de concepção da cidadania, de
estruturação de instâncias de democratização na definição das prioridades do
planejamento público, de reconhecimento da insuficiência da representatividade
democrática como mecanismo de garantia de acesso eqüitativo às decisões do
Estado, entre outros, evidenciam que a reconstrução da esfera estatal requer a
condução de uma abordagem multidisciplinar bem além das propostas do NPM.
Concomitantemente ao desenvolvimento do “mainstream” representado
pelo NPM, diversas abordagens teóricas como o Neo-Institucionalismo, Rational
Choice, Transaction Cost Economics, entre uma diversidade de concepções, se
inserem como linhas de pesquisa dentro da administração pública e buscam
espaço na agenda de reforma do Estado. No entanto, a insuficiência de respostas
seguras e coerentes, proporcionando espaço e clamando por abordagens mais
abrangentes e multidisciplinares, fez com que Bogason e Toonen, numa análise
sobre o desenvolvimento da administração pública como campo teórico nas duas
últimas décadas, afirmassem que “[...] by the beginning of the 1990s, Public
Administration theorists again feel the need to do some stocktaking, and at this
point the consequences of the growth in network analyses of various kinds are felt”
(BOGASON e TOONEN, 1998, p. 219).
Neste sentido, a emergência do conceito de redes no contexto da
administração pública nos anos noventa indica a insuficiência de uma série de
abordagens teóricas tradicionais, que aplicadas às diversas dimensões de atuação
do Estado buscavam explicar e inferir padrões de comportamento dos atores
envolvidos. Na medida em que tais paradigmas não mais suportaram explicações
convincentes frente à emergência de padrões de organização marcados por
crescente fragmentação e interdependência dos formatos organizacionais e inter-
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relacionais, o conceito de redes surge como a abordagem mais promissora,
justamente por apresentar os pilares teóricos mais apropriados à descrição e
análise destes novos elementos.
Assim, a literatura de administração pública aponta a emergência de um
novo paradigma de gestão pública fundamentado na concepção de redes como
resposta aos processos de transformação da estrutura do Estado e de suas
relações com a Sociedade Civil. Esta literatura enfatiza as potencialidades
singulares das redes como sistemas de coordenação sócio-econômica e política,
afirmando ser o único referencial capaz de responder com eficácia e eficiência aos
desafios atuais da administração pública como arena de construção da
democracia.
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2.2 - Histórico do Fenômeno
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se forma nas diversas relações com outros indivíduos desempenhando papéis
variados como os presentes em relações de amizade, de trabalho, entre outros.
Tal concepção teórica originava uma interpretação do tecido social como sendo
formado por um conjunto de papéis (ou redes) que formam e definem suas
identidades num processo interativo com seus respectivos contextos sócio-
culturais.
Além da tradição sociológica, fortemente fundamentada sobre a relação
entre teoria social e o emprego de metodologias matemáticas e estatísticas,
estudos sobre relações políticas no interior de áreas específicas de política pública
podem ser colocados como um campo à parte devido à suas especificidades
teórica, metodológica e de objeto. Tais estudos originam-se das controvérsias dos
cientistas políticos das décadas de 1950 e 1960 no Estados Unidos sobre a
natureza das relações entre grupos de interesse e a burocracia estatal, tendo
como questão central o debate sobre a autonomia do Estado. A observação de
padrões regulares de intercâmbio entre grupos de interesses, políticos e a
burocratas suscitaram críticas tanto ao Pluralismo quanto ao Corporativismo como
modelos e teorias de intermediação de interesses entre Estado e Sociedade, na
medida em que tais padrões não se encaixavam devidamente aos pressupostos
teóricos de nenhum dos dois, tanto devido ao fato de que tais arranjos interativos
poderiam tornar-se dominantes e impedir a presença de outros grupos quanto pela
ausência de hierarquização dos atores. As controvérsias deram origem a uma
série de modelos híbridos (“subgovernos”, “corporativismo societário e estatal”,
“pluralismo de pressão”, “triângulos de ferro”, entre outros) que, da mesma forma
que os modelos puros, não eram suficientes:
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neo-corporativism dichotomy and developed a new typology
in which the network is a generic label embracing the different
types of state/interest relations. For them, the network
approach presents an alternative to both pluralist and the
corporatist model. (BÖRZEL, 1998, p. 256).
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Os trabalhos mais significativos sobre a análise dos aspectos gerenciais
envolvendo arranjos interorganizacionais em administração pública provém dos
estudos relativos à gestão intergovernamental. Tais estudos emergiram como
parte do campo teórico relativo às relações intergovernamentais e evoluíram de
forma independente ao longo da década de oitenta. A principal motivação para tal
surgiu da percepção de que a resolução dos problemas de políticas públicas
necessitava de um trabalho coletivo das três esferas governamentais além
daquele estabelecido pelo arcabouço constitucional e legal, que simplesmente
estabelecia a autonomia das partes e as funções que deveriam ser divididas ou
compartilhadas. Assim, ao se deslocar o foco dos aspectos formais para os
gerenciais de implementação de políticas (obtenção conjunta de metas), o
processo interativo entre as esferas de governo adquiriu uma nova dimensão,
provocando a necessidade de estudos voltados para o desenvolvimento de novos
conceitos, estratégias e instrumentos para a ampliação da eficácia e da eficiência
da ação do Estado.
Neste contexto, a emergência de estudos que buscavam compreender a
natureza da ação conjunta entre esfera de governo na implementação de
programas e políticas resultou na percepção de que outros atores externos à
burocracia estatal também eram parte ativa do processo. Esta ampliação do lócus
de pesquisa aparecia claramente em estudos como os de AGRANOFF e
LINDSAY (1983), que buscavam definir o campo de estudos da gestão
intergovernamental numa pesquisa envolvendo a ação conjunta para a resolução
de problemas locais em seis áreas metropolitanas nos Estados Unidos:
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individual problems, and somewhere between more complete
structural adaptations, such as special districts and
authorities, consolidations of governments, federations of
government, and less structured intergovernmental efforts,
such as ad hoc cooperation, mutual forums, or voluntary
associations of government. (AGRANOFF e LINDSAY, 1983,
p. 228).
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frente às relações intergovernamentais, demonstra como já havia uma ponte com
a literatura da década de noventa:
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marca o desenvolvimento de estudos que apresentam um forte impulso para a
ampla difusão do conceito de redes na literatura internacional de administração
pública, evidenciando o surgimento tanto de um processo de diferenciação do
conceito, dos objetos estudados, das técnicas de pesquisa empregadas quanto do
intercâmbio teórico com outras áreas das ciências sociais. Embora este último
movimento ainda esteja em processo de consolidação, o desenvolvimento de
estratégias gerenciais baseadas em abordagens muldisciplinares é promissor
(KOPPENJAN e KLIJN, 2004).
Estudos relacionados à organização de formas associativas em saúde nos
Estados Unidos buscavam compreender o desenvolvimento de princípios de
gestão em cooperativas rurais de hospitais e sistemas locais de provisão de
serviços sanitários envolvendo o conceito de redes para estudar fatores
considerados relevantes na obtenção de soluções compartilhadas (PROVAN e
MILWARD, 1991; SIZE, 1993).
A ampla difusão do conceito de redes pela literatura de administração
pública em meados dos anos noventa mostrava o potencial do conceito no estudo
de diversos aspectos da administração pública não só nos Estados Unidos, mas
também na Inglaterra e na Europa Continental. Embora o desenvolvimento de
abordagens caracterizadas por uma tradição de análise de redes de atores e o
resultado final das políticas públicas já estivesse em desenvolvimento na
Inglaterra (MARSH e RHODES, 1992), os principais estudos em administração
pública buscavam se aprofundar somente em questões de eficiência
microeconômica dos arranjos de provisão de serviços finais, principalmente os
relacionados à saúde nos EUA (CASEY, 1997; MCLAUGHLIN, KONRAD e
PATHMAN, 1997). Sobre este aspecto, Provan e Milward (1995) lançavam-se no
desenvolvimento de estudos comparativos de performance de redes
interorganizacionais de serviços de saúde mental buscando relacionar aspectos
estruturais como integração, centralidade, estabilidade e controle externo com a
efetividade dos resultados.
O desenvolvimento de análises preocupadas com a construção de
abordagens capazes de interligar aspectos gerenciais relacionados ao ciclo de
49
etapas de política pública com o comportamento políticos de grupos de atores
envolvidos consistem em aprofundamentos raramente presentes na literatura
durante a primeira metade dos anos noventa. Tal fato evidenciava a necessidade
de ampliação do escopo de análise para além dos impactos microeconômicos da
organização em rede, entendendo que os resultados finais de uma política pública
dependem não somente da dinâmica intra-estatal, mas também da relação entre
os atores sociais interessados e o Estado.
No entanto, apesar da predominância de estudos relacionados aos
aspectos microeconômicos das redes ressaltando sua eficiência na provisão de
serviços, abordagens direcionadas ao estudo da dinâmica do contexto subjacente
ao processo de formação e desenvolvimento de políticas públicas começam a
surgir no início da segunda metade da década na Europa. Neste sentido, a
construção de modelos teóricos fundamentados na teoria qualitativa dos jogos
surge com abordagens de maior potencial de análise da dinâmica complexa das
redes. Tais modelos possibilitam o desenvolvimento de competências adequadas
ao conhecimento do ambiente de desenvolvimento dos jogos de políticas, com o
intuito de construir diretrizes adequadas de gestão das redes que se formam em
tais contextos (KLIJN, 1996).
Da mesma forma, o reconhecimento de que o ambiente de inserção da
rede consiste numa variável extremamente relevante, e não somente os aspectos
estruturais, emergia também nos Estados Unidos a partir dos estudos
relacionados ao desenvolvimento de estratégias de gestão de redes integradas de
provisão de serviços de saúde. A percepção fundamental de tais estudos consistia
em entender que o contexto de gestão na área de saúde era marcado por um
elevado grau de complexidade tanto devido à presença de uma ampla diversidade
de atores quanto pela natureza estratégica do trabalho médico para a sociedade,
tornando ineficazes as formas tradicionais de gestão:
50
governance – even at their best – may no longer be adequate
to manage issues that must be dealt with today. New
standards for governance are being continually developed in
attempts to cope with the changing health care environment.
These changes in both the environment and governance will
have significant effects on health care in the future, as health
care organizations enter into alliances of different types in
their struggle to survive (SAVAGE at al, 1997, p. 18).
51
settings. In fact, Conventional theory may be
counterproductive when applied inappropriately to network
contexts. And yet, these arrays are now consequential and
becoming increasingly so. Practitioners need to begin to
incorporate the network concept into their administrative
efforts. The challenge for scholars is to conduct research that
illuminates this neglected aspect of contemporary
administration. (O´TOOLE, 1997a, p. 45).
52
(1) Consiste o conceito de redes uma ferramenta útil para a compreensão do
desenvolvimento de políticas pública?
(2) A existência das ações de uma rede de políticas afeta os resultados da
política?
(3) Como mudam as redes de políticas?
(4) Qual a importância de relações interpessoais quando comparadas com as
estruturais no interior das redes?
(5) Podem certos grupos dominar as redes?
(6) Quais são os métodos apropriados para estudar as redes?
(7) Quais evidências existem que possam sugerir que as redes consistam
numa nova, e de crescente relevância, forma de governança?
53
(HALL e O’TOOLE, 2000), regressão múltipla (MACLEAN, 2003), policy structure
index (BLAIR, 2002), medidas de distância euclideana (JOHN e COLE, 1997),
indicadores estruturais de densidade e centralidade (MILWARD e PROVAN,
1998), etnografia (BATE, 2000), entre diversos outros.
O terceiro deslocamento apresenta-se no crescente intercâmbio com outros
ramos das ciências sociais e suas diversas abordagens teóricas. Os estudos
iniciais com fortes vínculos com a gestão intergovernamental e a teoria (inter)
organizacional assistiram ao surgimento de análises fundamentadas em
abordagens como teoria dos jogos (VAN BUEREN, KLIJN e KOPPENJAN, 2003),
transaction cost economics (HINDMOOR, 1998), teoria institucional (BLOM-
HANSEN, 1997), teoria da democracia (SORENSEN, 2002), entre outras.
Tais abordagens, juntamente com as tradicionais, demonstram a crescente
multidisciplinaridade dos estudos sobre redes em administração pública, na
medida em que vem buscando ampliar o debate com outras ciências como
sociologia, ciência política, psicologia, economia, política pública, entre outras. Ao
estreitar seus laços com diversas outras correntes teóricas dentro das ciências
sociais, a dos estudos sobre redes não só constroem fundamentos mais
consistentes como também desenvolvem uma capacidade ampla para compor
abordagens e estratégias multidisplinares para orientar a ação do Estado em suas
diversas dimensões.
Como resultado deste processo de incorporação de fundamentos teóricos e
metodológicos, e o conseqüente refinamento de seus princípios fundamentais, no
início da atual década vários autores, principalmente aqueles calcados em longas
pesquisas (AGRANOFF e MCGUIRE, 2001a e 2003; KLIJN e KOPPENJAN, 2000;
MANDELL, 1999a) sustentavam a existência de bases teóricas e evidências
empíricas suficientes para o desenvolvimento de um novo paradigma de
gerenciamento das funções e atividades do Estado:
54
organization. The classical, mostly intraorganizational-
inspired management perspective that has guided public
administration for more than a century is simply inapplicable
for multiorganizational, multigovernmental, and multisectorial
forms of governing. If network management is a function
distinct from that of hierarchical management, as many
eminent scholars suggests, then focused research and
improved conceptualization on this core public activity must
be accelerated. […] Network management is thus in need of
a knowledge base equivalent to the hierarchical
organizational authority paradigm of bureaucratic
management. (AGRANOFF e MCGUIRE, 2001a, p. 296-
297).
55
Uma vez que o processo de regionalização da saúde envolve diversos
desafios que estão muito além dos relativos à construção de estratégias e
instrumentos gerenciais para a busca por eficiência e maximização do emprego de
recursos, e incorpora demandas referentes à organização política, aos debates em
torno da democracia deliberativa, à busca por novos formatos de proteção social,
entre outros, as evidências sugerem que a contribuição da teoria das redes pode
ser maior, sendo ainda pouco explorada pela legislação do SUS.
A evolução histórica do conceito de redes em ciências sociais, desde o seu
surgimento na sociologia em 1934, revela sua aptidão específica como
fundamento para a análise e a compreensão de padrões relacionais complexos,
ou seja, é um conceito capaz de captar não só a estrutura da subjacente a um
conjunto de atores posicionados num determinado espaço geográfico, mas
também a dinâmica que marca o movimento destes atores. Diversas metodologias
foram desenvolvidas configurando uma tradição de quase um século que
incorpora instrumentos e técnicas sofisticadas, desde a criação da sociometria,
que estão disponíveis aos gestores para o devido conhecimento do ambiente em
que atuam.
Este aspecto torna-se central na condução do processo de regionalização
da saúde, uma vez que a diversidade sócio-econômica, cultural e política nacional
resulta em padrões relacionais extremamente diferente em cada unidade regional,
demandando o conhecimento não só da estrutura de relações entre os atores
envolvidos na arena sanitária, mas também a dinâmica subjacente a esta
estrutura. Este processo de ‘mapeamento’ consiste num aspecto fundamental para
a gestão da regionalização da saúde e os resultados que ela possa produzir, pois
como visto no debate da ciência política americana nas décadas de sessenta e
setenta, a existência e a natureza dos padrões regulares de intercâmbio entre
grupos de interesses, políticos e burocratas são um elemento capaz de
condicionar e direcionar a ação das políticas públicas.
Finalmente o desenvolvimento do conceito de redes especificamente na
literatura de administração pública na década noventa registra um fato de extrema
relevância internacional neste campo e reafirmado tanto pela dinâmica social que
56
impulsionou a construção do SUS quanto pela arquitetura institucional que o
fundamenta.
Como visto, o surgimento do conceito de redes em administração pública
teve sua origem no desenvolvimento dos estudos de gestão intergovernamental,
que durante a década de oitenta demonstraram que a obtenção de resultados
eficientes na ação do Estado se fazia cada vez mais em nível local e pelo
estreitamento não só das relações intergovernamentais, mas também mediante o
desenvolvimento de estratégias conjuntas relacionando atores governamentais,
privados e organizações da sociedade civil.
Este movimento culminou na percepção, durante a década de noventa, de
que o ambiente de produção de políticas públicas estava sendo transformado pela
inserção de atores cujo padrão de interação conformava uma esfera marcada pela
pluralidade, e que redirecionava o foco da administração pública da gestão de
procedimentos para a gestão de interdependências.
Assim, o desenvolvimento do SUS como sistema descentralizado e
permeado pela Sociedade Civil converge para o mesmo padrão de ação do
Estado difundido internacionalmente pela teoria das redes desenvolvida durante a
década de noventa e atual na literatura em administração pública. Logo, a
incorporação da gestão de redes ao processo de regionalização da saúde reafirma
os princípios de construção do SUS e contribui amplamente para fortalecer as
suas bases de gestão de interdependências, processo este essencial na
ampliação da performance do sistema no contexto atual, como visto no capítulo 1.
Como conseqüência, uma proposta de gestão em rede no interior do SUS
necessariamente deve reafirmar os princípios e o formato institucional que orienta
a produção de políticas públicas de saúde desde a Constituição de 1988.
Logo, partindo do ponto que a gestão de redes reafirma a institucionalidade
do SUS a nível regional, cabe entender melhor o conceito de redes, como estas se
estruturam e quais seus componentes.
57
O exame da literatura internacional de administração pública selecionada
possibilita a percepção de que as redes são concebidas como estruturas
extremamente amplas capazes de ser geridas somente por estratégicas
específicas e inovadoras. Tais estruturas conectam Estado e Sociedade por
diversos vínculos (formais e informais) e alteram as relações clássicas de gestão e
de inserção dos atores sociais no processo de produção de políticas públicas. No
entanto, a ampla aplicação do conceito nos estudos relacionados è ação do
Estado produziu diferenças pela relação com outras ciências sociais, sendo difícil
convergir toda a literatura de administração pública numa base conceitual comum.
Assim, podem ser visualizadas duas tendências de formação conceitual, cada
uma com sua contribuição: uma generalizante e outra de conteúdo específico.
A perspectiva generalizante apresenta os traços básicos de definição das
redes sem se aprofundar nas dimensões internas de composição das estruturas
de coordenação e regulação da dinâmica relacional, ou seja, proporciona
elementos mínimos para delinear em que consiste a rede, de que é composta,
qual a amplitude desta composição, e como se forma externamente a rede. Esta
perspectiva é de extrema relevância pelos subsídios que fornece à precisão do
conceito, uma vez que dela serão derivados os demais fundamentos conceituais e
estruturais do modelo. Assim, é importante eliminar as dificuldades e equívocos
presentes na literatura e separar as contribuições de consistência.
Por sua vez, a perspectiva específica de produção conceitual na teoria das
redes é derivada de ramos especializados da literatura que abordam
separadamente os componentes estruturais que fundamentam a coordenação das
redes. Estas bases estruturais de operação surgem de processos de reforma do
Estado e apontam para desafios específicos relativos tanto a aspectos técnicos e
gerenciais quanto de coordenação política e de construção da governança. Desta
forma, proporcionam um olhar mais detalhado e profundo sobre a estrutura da
rede.
58
2.3.1 – A Perspectiva Generalizante: os fundamentos
59
The first distinction is about methods. Both quantitative and
qualitative network approaches take networks as an
analytical tool. The quantitative approach, however, consider
networks analysis as a method of social structure analysis.
The relations between actors are analyzed in terms of their
cohesion, structural equivalence, spatial representation using
quantitative methods such ascendant hierarchical
classification, density tables, block models, etc. the qualitative
approach, on the other hand, is more process-oriented. It
focuses less on the mere structure of interaction between
actors, but rather on the content of these interaction using
qualitative methods such as in-depth interviews and content
and discourse analysis (BORZEL, 1998, p. 255).
60
Networks are structures of interdependence involving multiple
organizations or parts thereof, where one unit is not merely
the formal subordinate of the others in some larger
hierarchical arrangement. Networks exhibit some structural
stability but extend beyond formally established linkages and
policy-legitimated ties. The notion of networks excludes mere
formal hierarchies and perfect markets, but includes a very
wide range of structures in between. The institutional glue
congealing networked ties may include authority bonds,
exchange relations, and coalitions based on common
interest, all within a single multiunit structure (O’TOOLE,
1997a, p. 45).
61
seja, entre eles não se verifica relação estritamente hierárquica. Finalmente, a
interdependência figura como o aspecto central na construção da estrutura que
distingue a rede, sem a qual os atores autônomos não iriam convergir para
compor o que o autor chamou de ‘single multiunit structure’.
Uma terceira tentativa de construção de conceitos mais adequados,
capazes de delimitar o fenômeno das redes, reside na identificação da
especificidade da estrutura pela singularidade de seu potencial resolutivo. Tal
estratégia não assume como aspecto central a precisão via delineamento de
atores e relações componentes, mas busca no contraste com modelos tradicionais
de gerenciamento organizacional seu elemento de definição:
62
apesar da diversidade, é possível buscar uma composição entre os diferentes
enfoques, ressaltando as características comuns:
63
que se estabelecem entre os atores envolvidos, sendo impulsionadas atualmente
pela disposição das tecnologias da informação. A formação da rede (a fase de
Network) ocorre quando a dinâmica das relações adquire maior consistência e
fornece certo grau de institucionalização às interações, resultando na formalização
das relações. Nesta fase, embora as partes envolvidas interajam por meio de
vínculos formalizados, permanece a decisão quanto à prerrogativa do trabalho
orientado individualmente.
Quando surge a percepção de que o aprofundamento da interdependência
consiste no fator decisivo para a obtenção dos objetivos desejados, inicia-se um
processo de coordenação deliberado e planejado no sentido de dividir e organizar
coletivamente o trabalho:
64
acordadas coletivamente e o intercâmbio constante e duradouro de recursos. A
formação da rede por etapas reflete tanto o fato de que a dinâmica das relações
constrói a estrutura e esta redimensiona as bases de interação iniciais, quanto na
percepção de que há um espaço (ou instância) para a ação das estratégias
específicas de gestão cujo objetivo consiste fundamentalmente em mediar o
conflito constante entre interesses particulares e os propósitos maiores da rede.
De forma conclusiva é importante ater-se à percepção de que a rede
consiste num fenômeno organizacional que, além dos aspectos fundamentais
como composição por atores autônomos, interdependência e padrões estáveis de
relacionamento, desenvolve uma institucionalidade voltada especificamente
para o aprofundamento da interdependência existente. Esta
institucionalidade se compõe em torno do planejamento deliberado da divisão do
trabalho e da articulação estratégica voltada para a manipulação do ambiente em
que opera a rede, ou, como nas palavras de Keast et al (2004, p. 364), a rede se
desenvolve pelo trabalho coletivo especificamente planejado (‘in a network
structure people must actively work together’).
Assim, somente quando há convergência institucional para o
aprofundamento articulado e planejado da interdependência existente entre os
atores, pode-se afirmar que se desenvolve uma estrutura em rede. A perspectiva
específica de conceituação das redes, apresentada a seguir, proporciona uma
visão dos fundamentos relativos às dimensões internas de composição das
estruturas de coordenação e regulação da dinâmica relacional subjacentes a essa
institucionalidade.
65
independência, capaz tanto de determinar isoladamente as melhores soluções
para os problemas de política pública, assim como deter os recursos, o
conhecimento e as formas mais eficientes e eqüitativas de provisão de bens e
serviços públicos.
A análise da literatura internacional apresenta quatro abordagens
específicas principais que se associam às dimensões de reconstrução do Estado
mais estudadas durante a década de noventa na literatura internacional de
administração pública. A diversidade de temas, processos e metodologias
abordados no interior da literatura evidenciam, embora aparentemente
desordenados e dispersos, a amplitude e a relevância de tais dimensões em
diversos países do ocidente. Tais abordagens envolvem tanto aspectos internos
quanto externos, relacionando o processo de gestão do Estado com a dinâmica de
suas relações externas, ou seja, interagem fatores tanto intra como
interorganizacionais da esfera estatal.
A articulação destas perspectivas específicas com a generalizante permite que
o conceito estabelecido na sua forma fundamental possa adquirir maior
detalhamento e consistência teórica, abrindo caminho para a sua
operacionalização posterior.
66
competição e flexibilização das formas de provisão (ESPING-ANDERSEN, 1995;
OSBORNE e GAEBLE, 1992; ALMEIDA, 1995; FLEURY, 2001).
A combinação de tais mecanismos redundou no estabelecimento de
sistemas descentralizados e localmente organizados, cuja composição abrangia
organizações e atores públicos, privados e não-governamentais. Supostamente
tais arranjos de provisão seriam mais eficientes, eficazes e eqüitativos devido à
presença de mecanismos de mercado, à flexibilidade organizacional e à
proximidade dos cidadãos. No entanto, tais resultados em termos de performance
não se apresentavam automaticamente como se supunha inicialmente, como
demonstram pesquisas sobre sistemas de saúde na Nova Zelândia, que registram
diferenças significativas de termos de contratualização e provisão de serviços,
baixa flexibilização, dificuldades de avaliação da performance e de garantia de
accountability (BARNETT e NEWBERRY, 2002).
Este processo de transferência das funções de produção e provisão a
terceiros, com o intuito de direcionar as atividades do Estado para funções de
maior relevância estratégica e política, resultou indiretamente na fragmentação e
dispersão das unidades componentes dos sistemas de proteção social ao longo
de um amplo conjunto de organizações, cada uma especializada e voltada para
uma atividade particular. Como efeito indireto gerou-se a necessidade do
desenvolvimento de mecanismos e estratégias adequadas de coordenação
interorganizacional (MILWARD e PROVAN, 2003).
O surgimento dessa necessidade deve-se ao fato do processo de
transferência ter deslocado a problemática da eficiência e da eficácia dos sistemas
de provisão do nível intraorganizacional para o interorganizacional. Para o cidadão
que irá receber o bem ou o serviço, não basta que cada provedor seja eficiente e
de qualidade, mas também que este estejam devidamente integrados de forma a
compor uma pauta integral adequada. De acordo com Provan e Milward:
67
services needed by their clients. If the overall well-being of
clients is a goal, then effectiveness must be assessed at the
network level, since client well-being depends on the
integrated and coordinated actions of many different agencies
separately providing shelter, transportation, food, and health,
mental health, legal vocational, recreational, family, and
income support services (PROVAN e MILWARD, 1995, p. 2).
68
segundo a orientação dos princípios máximos que fundamentam a composição
dos sistemas de proteção social em cada país, nos quais a rede está inserida.
Desta forma, qualquer proposta de gestão em rede deve estabelecer, como
um de seus componentes essenciais, uma estrutura de articulação das bases
produtivas orientada de acordo com determinados fundamentos de cooperação
interorganizacional selecionados segundo os princípios máximos da política social.
A estratégia de regionalização da saúde no Brasil, tal qual estabelecida na
NOAS, fundamenta-se quase que exclusivamente sobre este componente na
estruturação das redes intermunicipais no SUS.
Embora seja indispensável o desenvolvimento de tais estruturas de
articulação das bases produtivas, estas não são suficientes para fornecer
elementos de institucionalidade à rede, elementos estes essenciais na
composição da rede segundo o conceito de rede apresentado na seção referente
à perspectiva generalizante.
Logo, apesar das estruturas de integração de bases produtivas serem um
elemento necessário no planejamento da divisão do trabalho e da articulação
estratégica da rede, torna-se necessária a presença de outros elementos capazes
de fornecer institucionalidade à rede.
69
instâncias multi-jurisdicionais, entre outros, resultam na complexificação dos
problemas de política pública e fundamentalmente na dispersão e sobreposição de
centros de tomada de decisão subjacentes ao desenvolvimento das políticas
públicas (KOPPENJAN e KLIJN, 2004).
Esta perspectiva de concepção de redes é mais comum na literatura
européia, embora também esteja presente no contexto federativo americano
(AGRANOFF e MCGUIRE, 2001b), e evidencia a natureza do contexto decisório
da União Européia, que consiste na sobreposição de instâncias decisórias
supranacionais sobre um conjunto extremamente heterogêneo de organização
nacional composto por estados unitários, estados unitários descentralizados,
estados unitários regionalizados, estados federais, entre outros (UNIÃO
EUROPÉIA, 2001a). A composição das instâncias decisórias de União Européia
envolve oito instituições centrais sendo as principais o Parlamento Europeu, a
Comissão Européia e o Conselho da União Européia, três órgãos financeiros, dois
órgãos consultivos e 22 agências descentralizadas.
A combinação dos fatores citados inseridos num contexto multi-jurisdicional
como o europeu implica na crescente incapacidade dos Estados nacionais em
deter tanto os recursos necessários à elaboração e à execução das políticas,
quanto à prerrogativa de controlar as diversas instâncias decisórias necessárias.
Como resultado, os modelos e teorias tradicionais de tomada de decisão, que
concebem a produção de políticas como um ciclo lógico de etapas sucessivas
intelectualmente desenhadas e planejadas, tornam-se insuficientes diante da
diversidade de atores, percepções, estratégias, interesses, objetivos, arenas
decisórias e contextos institucionais que caracterizam os contextos decisórios das
democracias contemporâneas.
De acordo com Van Bueren, Klijn e Koppenjan (2003), tal diversidade
provoca o aparecimento de incertezas constantes que permeiam todo o processo
de construção de políticas públicas. Assim, o estabelecimento das fases clássicas
de construção de políticas, desde a formulação do problema até a avaliação, não
mais se desdobra linearmente por envolver três tipos de incertezas:
70
a) Incerteza Substantiva – refere-se às divergências relativas à
determinação das soluções dos problemas de políticas tanto
devido à presença de diferentes referencias e percepções sobre
causas e origens, quanto à utilização ao surgimento de métodos e
técnicas alternativas de abordagem e estudo. As diversas partes
envolvidas buscam soluções quase sempre contrastantes e
estabelecem parâmetros variados de mensuração;
71
As evidências relatadas por estudos conduzidos por comissões de estudos
no interior da União Européia revelam a proliferação destes sistemas decisórios
como resposta eficiente a contextos de produção de políticas públicas organizados
em rede. De acordo com o relatório “Networking People for a Good Governance in
Europe”, foram identificadas atuando conjuntamente com a Comissão Européia na
formulação e implementação de políticas públicas 50 redes classificadas em
quatro tipos (UNIÃO EUROPEIA, 2001b, p. 5):
72
previamente. Assim, tais instâncias viabilizam a renovação legítima do processo
de aprofundamento da interdependência entre os atores que compõem a rede.
Da mesma forma, operacionalmente se fundamenta a presença de
instâncias de estratégia coletivamente estabelecidas pela busca por maior
integração e ganho de eficiência sistêmica, uma vez que a simples articulação
individual entre atores autônomos não confere racionalidade à estrutura de
coordenação das bases produtivas da rede.
Logo, seja como núcleo de legitimação do monitoramento coletivo do ciclo
das políticas previamente estabelecidas ou a redução das incertezas entre aos
atores envolvidos, seja como centro de planejamento estratégico para o emprego
racional da base econômica, a presença de instâncias de estratégia
coletivamente construídas apresenta-se como etapa fundamental na
institucionalização necessária à emergência da rede.
No entanto, a percepção de que, subjacente à rede, desenvolve-se um
campo de forças políticas que resulta na formação de padrões de
compartilhamento de poder colocam desafios ao processo de institucionalização
da rede, sendo necessário que o estabelecimento das instâncias coletivas esteja
ancorado no processo político entre os atores que compõe a rede. Ou seja, o
processo de institucionalização da rede necessita da composição de forças entre
os grupos de poder envolvidos, como apresentado a seguir.
73
baixo o nível de agregação dos grupos, a organização em rede ocorre por meio de
processos de convergência de interesses e intercâmbio de recursos entre grupos
setoriais.
O aspecto fundamental desta concepção de redes consiste na verificação
de que as características dos padrões relacionais e da estrutura interativa
composta por grupos setoriais (e sub-setoriais) de interesses possuem relações
de causalidade com os resultados das políticas desenhadas para aquele setor, ou
seja, tais relações podem simplesmente influenciar, ou mesmo determinar, as
estratégias estatais. Num continuum de capacidade de influência da rede, o
Estado tanto pode apresentar-se como um ator independente que fixa metas de
política de acordo com seus próprios objetivos, quanto ser instrumentalizado pelos
grupos de interesse.
Numa breve revisão da literatura sobre redes como sistemas de
intermediação de interesses, BORZEL (1998) identificou uma ampla diversidade
de tipologias que visavam delinear aspectos estruturais e padrões relacionais
enfatizando características comparáveis das redes de grupos de interesse. Nos
trabalhos examinados pela autora surge uma multiplicidade de elementos
componentes das tipologias, tais como nível de institucionalização das interações,
permeabilidade, regras de conduta, relações de poder, tipos de estratégias
empregados pelos atores, autonomia, capacidade de mobilização, integração,
distribuição de recursos, entre diversos outros.
No entanto, a tipologia de classificação de redes mais utilizada na literatura
da década de noventa, principalmente na comunidade acadêmica britânica,
consiste na perspectiva desenvolvida por David Marsh e R. A. W. Rhodes (1992).
Segundo Marsh (1997a), tal tipologia classifica as redes de políticas num
continuum entre os tipos ideais de policy community e issue network. Policy
communities consistem em redes coesas compostas por poucos atores que
compartilham valores essenciais e intercambiam recursos constantemente,
enquanto as issue networks referem-se a redes frouxas com a presença de um
grande número de atores, com elevada rotatividade dos membros e pouca
continuidade de valores. A distinção entre os dois tipos ideais é realizada com
74
base nos critérios de composição, integração, recursos e poder. A Tabela 6
apresenta uma elaboração mais detalhada do dois conceitos:
75
Há igualdade relativa de
poder entre os membros.
Desigualdade de poder,
Embora um grupo possa
refletindo distribuição
dominar, o entendimento
Poder desigual de recursos e de
é de que este aspecto
acesso. Consiste num
beneficia a todos.
jogo de soma zero.
Consiste num jogo de
soma positiva.
Fonte: Marsh (1997a, p. 16).
76
Entretanto, apesar das críticas e das advertências sobre o conceito, Marsh
(1997b) conclui tanto pela validade analítica do conceito quanto pela capacidade
das redes de influenciar no resultado final das políticas públicas, enfatizando a
necessidade de se integrar à abordagem de redes com outras afins, de se
focalizar as pesquisas nas inter-relações estabelecidas entre diversas redes, e
principalmente adotar perspectivas teóricas capazes de agregar as dimensões
estrutural e dinâmica no estudo das redes de políticas.
Logo, a perspectiva da rede como sistemas de intermediação de interesse
contribui de forma decisiva na compreensão de que a formação da rede ocorre
tanto mediante atores públicos quanto não públicos (privados, filantrópicos, etc.), e
que tal fato possui extrema relevância em termos do diferencial de poder interno
na rede. Se o núcleo da rede constitui-se de estruturas governamentais, então os
referenciais que orientam a dinâmica da rede são marcados por uma ética que
favorece a ação dos atores públicos na obtenção de seus objetivos, sendo
secundária e assessória a ação dos atores privados, e vice e versa. Tal fato pode
resultar em conflitos internos capazes de gerar impasses e até mesmo bloqueios
significativos que podem comprometer a integração da rede, comprometendo
seriamente a provisão de serviços aos cidadãos. Da mesma forma, o diferencial
de poder entre os entes públicos que formam o núcleo da rede também impõe os
mesmos desafios à integração.
No caso específico da proposta aqui formulada, onde o núcleo da rede
constitui-se de atores essencialmente públicos, outro fator apresenta relevância e
demanda certo cuidado no processo de gestão. A tipologia apresentada por Marsh
e Rhodes (Tabela 1) define claramente que os grupos de poder possuem
diferenciais extremamente variados em termos de composição, integração,
recursos e poder, o que lhes proporciona capacidade diferentes de influência
sobre as estruturas estatais (o núcleo da rede, neste caso). Este fato resulta num
desafio em relação ao cumprimento do princípio de igualdade na representação
junto ao Estado.
Desta forma, uma vez que a presença de grupos de interesse integrados,
ou redes de políticas, e articulados às estruturas estatais constituem uma variável
77
essencial no resultado das políticas públicas, é fundamental a percepção de que
somente com a sustentação destes atores haverá possibilidade de manter a
integração da rede. Da mesma maneira, em virtude do diferencial de capacidade
de representação, torna-se necessário buscar uma forma de ampliar a equidade
de representação, sob possibilidade de haver impasses e bloqueios por parte dos
atores de menor capacidade.
Assim é essencial que sejam desenvolvidos espaços internos de
pactação instituídos especificamente com o propósito tanto de permitir a
representatividade direta dos grupos de interesse internos à rede, quanto de
ampliar a equidade na capacidade de representação entre os grupos, por meio de
regras coletivamente construídas de representatividade. Tais espaços ou
instâncias, na medida em que possibilitam assimilar construtivamente o campo de
forças políticas impulsionando a formação de padrões de compartilhamento de
poder, contribui expressivamente no processo de institucionalização da rede.
Finalmente, a plena institucionalização da rede exige que suas relações
internas estejam articuladas com as macroestruturas maiores da qual faz parte,
uma vez que atores externos à rede são elementos importantes no sentido de que
podem influenciar a dinâmica e os resultados da rede.
78
lack a legitimate organizational authority to arbitrate and
resolve disputes that may arise during the exchange. In a
pure market, relations are not enduring, but episodic, formed
only for the purpose of a well-specific transfer of goods and
resources and ending after the transfer. In hierarchies,
relations may endure for longer than a brief episode, but a
clearly recognized, legitimate authority exists to resolve
disputes that arise among actors (PODOLNY e PAGE, 1998,
p. 59).
79
insuficientes, uma vez que a presença de atores autônomos exige relações
estabelecidas de forma descentralizadas.
Assim, emergem clusters, ou redes compostas por atores públicos (sub-
nacionais ou supra-nacionais), privados e públicos não governamentais, cuja
mobilização de recursos e de suporte de legitimidade por parte do Estado exige a
ação orientada por princípios diferentes dos utilizados em relações de mercado ou
de autoridade racional-legal. O exercício da governança por meio de redes indica
a necessidade de construir relações de interdependência e intercâmbio de
recursos com base numa visão de complementaridade de interesses e confiança.
Tais formas de interação política são diferentes das relações estabelecidas em
mercados e hierarquias, como apresentado na Tabela 7:
80
Tabela 7 – Modelos de Governança – Mercados, Hierarquias e Redes.
MERCADOS HIERARQUIAS REDES
Contratos –
Bases Relações de Mútuo
direitos de
Normativas ocupação fortalecimento
propriedade
Meios de
preços rotinas Relacional
comunicação
Normas de
Métodos de Sanção
Disputas judiciais reciprocidade –
resolução de administrativa -
– recurso a cortes reputational
conflitos supervisão
concerns
Grau de
Alto Baixo Médio
flexibilidade
Nível de
confiança entre baixo médio Alto
as partes
Precisão e/ou Formal, Open-ended,
Ambiente
desconfiança burocrático benefícios mútuos
Preferência ou
escolhas dos independente dependente interdependente
atores
Fonte: Lowndes e Skelcher (1998, p. 319; adaptado de Powell, 1991).
81
conexões superficiais difíceis de identificar até relações de complementaridade
formalizadas caracterizadas por elevado grau de interdependência.
Neste último caso, a gestão das relações externas à rede consiste num
elemento essencial, uma vez que envolve recursos essenciais à manutenção da
dinâmica da rede bem como tais relações também interferem no campo de poder
desta. Sendo assim, o desenvolvimento de canais externos de articulação,
subjacentes a essas relações, torna-se essencial à integração da rede, uma vez
que torna possível articulações tanto com arenas decisórias relevantes externas à
rede quanto com outras redes de atores na busca por recursos estratégicos sejam
estes políticos, econômicos, ou quaisquer outros.
82
Sob a perspectiva do sistema no qual se insere a rede, o estabelecimento
de canais externos de articulação permite que se construa a governança
democrática a partir de clusters de atores dispersos mediante o exercício de uma
forma de coordenação social diferente das hierarquias tradicionais e dos
mercados. Sendo assim, a dinâmica de relações de compartilhamento de poder
mediante canais formalizados de pactação transforma a interdependência na
relação fundamental de construção e no fortalecimento da governança
democrática, colocando a rede como a forma de coordenação social capaz de
ampliar o potencial do Estado tanto na eficácia relativa ao resultado das políticas
pública quanto na coordenação política.
De forma conclusiva, a plena institucionalização da rede envolve sua efetiva
inserção de forma estratégia no sistema externo por meio de canais externos de
articulação e construção da governança democrática.
83
a formas de organização do poder e complexificação do processo decisório, as
formas de organização em rede possibilitam o acesso, a combinação e o emprego
de organizações e recursos (financeiros, econômicos, políticos, conhecimento,
etc) de forma relativamente estável e com grau elevado de flexibilidade. A
capacidade de circulação de informações e competências amplia-se
significativamente quando atores e organizações operam em rede pela
emergência de um padrão de interconexão não disponível em hierarquias. Desta
forma, em diversos estudos são ressaltados os resultados positivos do emprego
de redes ao contexto da administração pública, sendo os principais a ampliação
da performance na provisão de bens e serviços, a solidificação da
governabilidade, o desenvolvimento de formas de intermediação de interesses
plurais e a construção de processos de decisão mais igualitários.
Podolny e Page (2000) afirmam que cada vez mais uma ampla quantidade
de estudos enfatiza as vantagens das formas de organização em rede, o que
significa que o estabelecimento de estruturas de coordenação policêntricas pode
ampliar tanto competências existentes quanto gerar novas. Segundo os autores,
os principais atributos enfatizados pelos estudos são:
84
• Legitimação e Status – a formação de vínculos diversificados entre
organizações e atores possibilita a redução de incertezas quanto a
sustentabilidade de inovações, como novos produtos, programas ou
políticas públicas. Neste sentido, a presença de atores ou organizações
com legitimidade e status relativo à determinada área pode, pela
associação em rede, transferi-los a outros, ou mesmo ampliá-los pela
formação de relações com atores e organizações de mesmo ou maior nível
de legitimidade e status;
85
deve-se também à flexibilidade da estrutura de organização em rede, que
proporciona velocidade de ajuste e adaptação a transformações ocorridas no
ambiente, o que representa que as redes estão aptas a responder de forma rápida
a oportunidades emergentes, transformar suas bases tecnológicas, suas formas
de produção, produtos e serviços, maximizando resultados em resposta a
restrições externas.
86
como única forma eficaz de abordá-los. Assim, as redes proporcionam uma base
de gestão capaz de desenvolver estratégias de convergência de percepções,
interesses, objetivos e redução das incertezas subjacentes, contribuindo para
formação de ações coletivas direcionadas à resolução desses problemas.
87
desenvolvimento das atividades, programas e projetos planejados como
instrumentos essenciais. Embora este modelo proporcione maior grau de
autonomia aos governos locais, as esferas federal e regional ainda impõem
restrições a sua ação, uma vez que a ação dos governos locais está voltada para
suprir funções delegadas de cima, e não para construir ou aprimorar vocações
próprias.
88
O relatório Networking People for a Good Governance in Europe (UNIÃO
EUROPEIA, 2001b) apresenta uma série de vantagens principais das redes como
forma de coordenação política:
89
complementação e suplementação entre os membros componentes,
diversificando e democratizando os processo de produção de
políticas e programas públicos;
90
Agranoff e Mcguire (2001a) apontam a singularidade das redes como
sistemas de integração de provedores de bens e serviços públicos. Segundo os
autores, dado o contexto de descentralização e inserção de provedores privados e
semipúblicos nos sistemas de proteção social, os desafios de gestão somente
podem ser enfrentados com sucesso por meio de da organização em rede. Citam,
como exemplo, os arranjos de provisão resultantes do processo de
desinstitucionalização da saúde mental nos Estados Unidos, enfatizando o
potencial exclusivo das redes como forma de coordenação dessas estruturas:
91
92
Capítulo 3 – Construindo uma Tipologia para Identificação e a Análise da
Interdependência em Rede
3.1 - Introdução
93
manipulação do ambiente em que opera a rede, ou, como nas palavras de Keast
et al (2004, p. 364), a rede se desenvolve pelo trabalho coletivo especificamente
planejado a partir de um padrão horizontal de interdependências (‘in a network
structure people must actively work together’).
Assim, é fundamental entender que a literatura em administração pública
aponta a rede como um campo organizacional cuja composição pressupõe o
desenvolvimento de uma estrutura, o que indica que a rede não consiste num
arranjo policêntrico qualquer, ou seja, não é simplesmente a composição
multicêntrica a característica que lhe confere singularidade. A composição
multicêntrica é uma condição necessária, mas não suficiente para a emergência
plena da rede na manifestação de suas potencialidades.
O desenvolvimento da estrutura envolve um processo de institucionalização
da interdependência existente entre os atores que compõem a rede. Este
processo é de suma relevância, uma vez que consiste numa precondição para que
a rede possa desenvolver as potencialidades apontadas na seção 2.4 do Capítulo
2. Assim, de acordo com a argumentação desenvolvida na literatura, as
capacidades especiais da rede somente poderão ser exploradas se houver uma
institucionalidade mínima para combinar, explorar e potencializar as múltiplas
capacidades provenientes dos atores ou organizações componentes.
Logo, a interdependência consiste no fator de orientação para o
desenvolvimento do processo de institucionalização da rede, uma vez que será
sobre os elementos que impulsionam a interdependência que a estrutura da rede
se desenvolverá.
No entanto, a existência de interdependência entre uma diversidade de
atores não configura condição suficiente para a proporcionar a emergência da
rede, uma vez que existem diversos níveis de interdependência. Assim, torna-se
necessário que haja uma intenção deliberada de aprofundar e canalizar esta
interdependência para a realização de objetivos que proporcionam o mútuo
fortalecimento dos atores envolvidos.
A seção 2.3 apresentou os processos mínimos de estruturação da rede
como campo organizacional desenvolvido especificamente para aprofundar a
94
interdependência existente entre os atores componentes. Assim, a formação de
estruturas interorganizacionais compostas por mecanismos e estratégias de
articulação e coordenação de base de produção de bens e serviços constitui um
impulso inicial para a institucionalização da rede. Esta estrutura
interorganizacional visa proporcionar canais de intercâmbio de recursos
individualmente articulados e pactuados.
No entanto, como argumentado, a existência de estratégias e mecanismos
de intercâmbio de recursos não é suficiente para conferir institucionalidade ao
processo de aprofundamento de interdependência, ou seja, não contém elementos
suficientes para dar estrutura à rede, de acordo com a literatura em administração.
Como conseqüência, a presença de desafios como a necessidade de
legitimação do monitoramento coletivo do ciclo das políticas previamente
estabelecidas, a redução das incertezas entre aos atores envolvidos, a
necessidade de planejamento estratégico para o emprego racional da base
econômica, torna essencial o desenvolvimento de instâncias de estratégia
coletivamente construídas, como etapa fundamental na institucionalização
necessária à emergência da rede. Tais instâncias visam, sobretudo, conferir
racionalidade sistêmica à estrutura de coordenação interorganizacional.
No entanto, a percepção de que o campo organizacional da rede configura
um campo de forças políticas que resulta na formação de padrões de
compartilhamento de poder coloca desafios ao processo de institucionalização da
rede, na medida em que as instâncias de estratégia não são espaços voltados
para a articulação do processo político entre os atores que compõe a rede. Ou
seja, o processo de institucionalização da rede necessita da composição de forças
entre os grupos de poder envolvidos.
Logo, como condição para proporcionar base política de sustentação da
rede, torna-se necessária a presença de espaços internos de pactação
instituídos especificamente com o propósito tanto de permitir a representatividade
direta dos grupos de interesse internos à rede, quanto de ampliar a equidade na
capacidade de representação entre os grupos, por meio de regras coletivamente
construídas de representatividade. Tais espaços ou instâncias, na medida em que
95
possibilitam assimilar construtivamente o campo de forças políticas impulsionando
a formação de padrões de compartilhamento de poder, contribui expressivamente
no processo de institucionalização da rede.
Finalmente, a articulação externa da rede completa o processo de
institucionalização desta por meio da interação com as instâncias, arenas e atores
externos de relevância para sua dinâmica. Sendo assim, o desenvolvimento de
canais externos de articulação, subjacentes às relações de interdependência
externa, torna-se essencial à integração da rede, uma vez que possibilita
articulações externas de poder e ação conjunta.
Assim, estes processos mínimos de estruturação da rede permitem que se
forme, pela composição das forças políticas que atuam no espaço da rede, uma
institucionalidade voltada especificamente para o aprofundamento da
interdependência existente, ou como argumentou O’TOOLE (1997a), tais
processos impulsionam o desenvolvimento do que ele caracterizou de ‘single
multiunit structure’ (O’TOOLE, 1997a, p. 45).
Como resultado da emergência de uma base de institucionalidade, a
natureza da relação existente entre os atores e organizações componentes da
rede transforma-se adquirindo uma dimensão caracterizada por padrões de
interdependência diferentes dos predominantes anteriormente. O padrão de
interdependência anterior ao processo de institucionalização da rede envolvia a
construção apenas de relações de cooperação interorganizacional entre os
atores envolvidos, sendo que o novo padrão de relações de interdependência em
rede envolve principalmente a formação de relações de coordenação
interorganizacional, entendendo esta tal qual definida por Rogers e Whetten:
96
underlines the importance of shared task environment; (3)
focuses on the role of collectivity and its attainment of a
unique level of goals; and (4) stresses joint decision making
and action (ROGERS e WHETTEN, 1982, p. 12).
97
Esta necessidade impõe-se uma vez que o novo padrão de
interdependência enfatiza a obtenção de ações e objetivos comuns estabelecidos
coletivamente, o que demanda certo nível de regulação.
Da mesma forma, tais regras e parâmetros formalizados visam orientar o
emprego dos recursos de forma a gerar estratégias de redução dos riscos e das
incertezas envolvidas nesta nova relação, uma vez que a quantidade de recursos
envolvidos torna-se maior num processo de coordenação interorganizacional.
98
O estabelecimento de um padrão de interdependência em rede resulta na
transformação das articulações de cada ator ou organização envolvidos, uma vez
que sua inserção num processo deliberado de coordenação interorganizacional
altera o status de relacionamento com os atores internos e externos
horizontalmente estabelecidos, quanto com os atores externos de maior poder e
prestígio.
99
contexto de organização das redes ressalta a necessidade de se construir
convergência a partir de pluralidade e autonomia:
100
de que as redes se formam a partir de clusters de recursos que delimitam sua
extensão pelo grau de dependência entre os atores que detém estes recursos.
Por sua vez, os estudos que empregam o conceito de redes como sistemas
de provisão de bens e serviços (arranjos locais de produção) ou como principio de
governança (alternativo a hierarquias e mercados), estabelecem que os fatores de
coesão podem ser outros além da interdependência de recursos, como propósitos
comuns, confiança, lideranças e capacidade de gestão (AGRANOFF e MCGUIRE,
2001a). Para a perspectiva da rede como sistemas de provisão de bens e
serviços, a coesão representa a capacidade de coordenação interorganizacional
entre os diversos provedores organizados localmente, formando bases de
provisão em torno das quais os atores desenvolvem estratégias de intercâmbio
eficiente de recursos. Sob esta perspectiva, o trabalho de maior impacto na
literatura de administração pública dos anos noventa consiste no estudo
101
desenvolvido por Provan e Milward (1995) em quatro sistemas locais de provisão
de serviços de saúde mental no Estados Unidos. A partir de uma abordagem da
teoria organizacional, os autores buscaram elaborar uma teoria preliminar de
efetividade das redes interorganizacionais, relacionando indicadores estruturais e
contextuais com os de performance. As evidências apresentadas por Provan e
Milward (1995) sugerem que a presença de agências de coordenação das
atividades em rede desenvolvidas pelos diversos provedores consiste no fator
essencial para integração e performance, uma vez que a articulação e
coordenação da rede por uma agência central em Providence (estado de Rhode
Island) implicaram em resultados comparativamente superiores às demais redes
analisadas.
102
and implementation of public policies. In this structural
context, policy networks present themselves as a solution to
co-ordination problems typical of modern society (BORZEL,
1998, p. 260).
103
implícitas no processo decisório em rede devido à existência de diferenças
estruturais (recursos) e relacionais (padrões de interação):
104
Le Galès (2001), num estudo sobre a capacidade de articulação política de
elites urbanas na cidade de Rennes (França), demonstrou como redes podem ser
direcionadas e instrumentalizadas em regimes de governança supostamente
horizontalizados. O autor argumenta que a literatura européia sobre processos
recentes de reestruturação política tem enfatizado a redução da coordenação
centralizada do Estado, em direção à ampliação de um processo de redistribuição
da autoridade ao longo de diversas redes de políticas, do desenvolvimento de
mecanismos de regulação negociados e da mediação de conflitos pela construção
de confiança e compromisso entre os diversos atores setorialmente organizados
no espaço político regional. Este processo gera reflexos em termos de
organização política das cidades européias, o que têm contribuído para
impulsionar a difusão de reformas nos mecanismos de coordenação política local,
no sentido de ampliar a capacidade de governança urbana:
105
A reação de lideranças resulta, segundo Le Galès, de coalizões de poder
entre elites políticas e empresarias no sentido de reorganizar as instâncias e
estratégias de domínio do espaço político urbano. Neste sentido, a fragmentação
da capacidade de governança urbana relacionada à expansão das redes de
políticas proporciona uma oportunidade de rearticulação de interesses
dominantes, especialmente para o desenvolvimento de projetos de cidades como
centros de competitividade econômica. Ao mesmo tempo em que a fragmentação
e dispersão dos sistemas políticos afrontam a governança tradicional centralizada,
também abrem espaço um novo formato de governança por estarem articulados
entre si em diversos subsistemas autônomos de poder dispostos em torno de
clusters de recursos.
106
439), ‘network structure is typified by [...] joint, strategically interdependent action’
(KEAST et al, 2004, p. 364).
A constatação oferecida pela literatura em administração pública de que as
redes se formam a partir de clusters de recursos que fornecem os limites
estruturais de composição do campo de forças políticas, no interior do qual
emergem coalizões por meio de processo de pactação e composição de
estratégias hegemônicas, resulta em implicações decisivas para a composição
organizacional das políticas públicas dispostas em rede, no sentido de que tais
estruturas adquirem maior legitimidade quando fundamentadas especificamente
sobre tais arranjos de poder.
Portanto, a composição da institucionalidade da rede emerge e se
consolida orientada pela distribuição dos recursos que compõem sua base
estrutural, ao nível da qual se organiza o processo político que fornece
legitimidade às decisões relativas à alocação de recursos para a composição de
metas coletivas. Esta constatação pode ser verificada pelo fato de que a ação
centralizada da autoridade do Estado nas democracias ocidentais mostra-se cada
vez menos capaz de determinar os rumos das políticas públicas, sendo que o
processo decisório relativo a essas políticas transformou-se um jogo marcado pela
constante necessidade de construção de um padrão de governança
descentralizado, caracterizado por Koppenjan e Klijn (2004) como um padrão de
governança em rede.
Neste padrão a concepção do ciclo de políticas públicas torna-se
completamente diferente do modelo clássico onde estas são vistas como etapas
seqüenciais onde os processos de implementação e execução seguem as
prescrições desenvolvidas durante a fase de elaboração.
Segundo Koppenjan e Klijn (2004), enquanto os modelos de processo
decisório hierarquizado concebem a tomada de decisão como uma atividade
analítica, os modelos em rede a transformam num jogo estratégico. Esta
diferenciação produz impactos em diversos aspectos como a forma de utilização
das informações, a constituição do processo, a fundamentação das decisões, a
natureza das incertezas, os critérios de determinação do sucesso das políticas e
107
programas, entre outros. A Tabela 9 apresenta, de forma resumida, as
comparações entre as duas formas de composição do processo decisório:
108
visualizados com base escolha de objetivos
num dado objetivo
109
ampliar entrelaçamento percepções por meio de
entre planejamento e facilitação, mediação e
centralização; limitar e arbitragem
estruturar a participação
Fonte: Koppenjan e Klijn (2004, p. 46).
110
planejadas e deliberadamente orientadas para a ênfase na realização de objetivos
comuns ao mesmo tempo em que mantém sua autonomia de gestão.
Ainda segundo a seção 3.1, esse processo envolve não só a formalização
compartilhada de relações internas de intercâmbio e o desenvolvimento de regras
específicas para gerir tais relações, como a definição de parâmetros que são
também estabelecidos em arenas externas à rede, conformando uma estratégia
de coordenação interorganizacional. Nesse sentido, tornam-se relevantes não
só as instâncias de estratégia e os espaços internos de pactação, mas
também os canais externos de articulação como suportes organizacionais à
consolidação deste novo padrão de interdependência.
Como resultado da emergência de uma base de institucionalidade, a
natureza da relação existente entre os atores e organizações componentes da
rede transforma-se adquirindo uma dimensão caracterizada por padrões de
interdependência diferentes dos predominantes anteriormente, uma vez a
formação de relações de coordenação interorganizacional ampliou o caráter
coletivo das relações de intercâmbio de recursos e planejado das atividades
desenvolvidas, gerando uma complementaridade e um equilíbrio entre a busca
por objetivos individuais e as metas comuns resultantes de decisões
compartilhadas.
No entanto, a profundidade das relações de coordenação
interorganizacional e, conseqüentemente, o nível de institucionalidade possuem
limites, uma vez que as redes são organizações que emergem de atores
autônomos, cujas bases de poder, como visto na seção 3.2, encontram-se
compostas em torno de clusters de recursos que delimitam o núcleo de
governança da rede.
Logo, as reflexões sobre governança, conduzida na seção anterior, como
afirmado na oportunidade, produzem impactos em termos de organização política
da rede. Sendo que a governança emerge da coesão propiciada pela
interdependência gerada no interior do cluster de recursos, o suporte político para
a legitimidade das estruturas institucionais de coordenação interorganizacional
tem nestes clusters suas bases de sustentação. Uma vez que a capacidade de
111
ação das instâncias de suporte organizacional da rede está intrinsecamente
relacionada com o nível de governança política que a legitima, quanto mais
próximas estas instâncias estiverem destas bases, maior será seu suporte político
e maior sua capacidade de impulsionar transformações:
112
coordenação centralizada e vertical, a relação do Estado com as políticas públicas
tem sido radicalmente transformada.
Como resultado, desde os anos iniciais da crise do Estado na década de
setenta, sua capacidade de planejamento e implementação centralizada de
políticas públicas, baseada numa estrutura hierárquica, tem sido contestada. Por
conta dessa suposta perda de eficácia da ação do Estado como ator central na
coordenação social, a ênfase foi deslocada para a existência de um novo
paradigma de gestão caracterizado pela ação conjunta de diversos atores de
forma descentralizada, onde o Estado se insere como mediador e facilitador. A
resolução de questões de políticas públicas passou a ser objeto das redes
interorganizacionais compostas por diversos atores (públicos, semipúblicos e
privados) atuando em diversas esferas (local, regional, nacional e mesmo
internacional), por meio de múltiplos arranjos de coordenação integrados por
interdependências de recursos e propósitos comuns.
No processo de composição de uma rede de políticas, o papel de gestor
pode ser exercido pelo governo central (ou regional) caso este integre o cluster de
recursos subjacente à rede, sendo que a maioria dos autores considera que este
pode situar-se apenas como facilitador e mediador, uma vez que a governança da
rede é descentralizada e exercida ao nível do cluster de recursos onde se situa o
núcleo político e estratégico da rede.
Há trabalhos que indicam que a ação das esferas regional e federal pode ir
além do papel de mediador e facilitador, como no caso de Johansson e Borell
(1999) que, num estudo sobre a reforma do sistema de cuidados ao idoso na
Suécia – Reforma Ädel – produziram evidências que indicam que o papel da
esfera central em relação às redes situa-se bem além do daquele estabelecido na
teoria. A Reforma Ädel de 1992 na Suécia buscou estruturar um sistema
específico de cuidados com bases municipais, onde o processo de compor e
estruturar o novo sistema envolveu a presença de estratégia verticais na
elaboração de instrumentos de avaliação, monitoramento e suporte de garantia da
qualidade, no qual o governo central forneceu o desenho geral de condução e
implementação das redes.
113
Da mesma forma, Klijn e Koppenjan (2000) argumentaram sobre a posição
especial do Estado frente às redes. Para estes autores, em situações especiais o
Estado pode agir transformando a rede ou estruturando-a de forma a estabelecer
padrões desejáveis de eficácia, eficiência e equidade.
No entanto, este padrão de relação das esferas central ou regional com as
redes, apresentado pelos dois trabalhos acima mencionados, é raro na literatura
sobre redes em administração pública, o que indica que a ação do Estado de
forma vertical somente pode ocorrer no início de sua formação ou em situações
especiais em que se justifique a intervenção para restabelecer determinados
princípios éticos.
Desta forma, a difusão do conceito de redes pela literatura internacional em
administração pública indica a ênfase colocada sobre a eficiência dessa forma de
organização dos sistemas de provisão de bens e serviços públicos, em contraste
com o modo burocrático de gestão. A maioria dos estudos sobre redes enfatiza a
necessidade de composição das redes em contextos locais marcados pela
descentralização dos sistemas decisórios, onde diversos atores encontram-se e
estabelecem padrões regulares de relacionamento, intercâmbio de recursos e
resolução de problemas conjuntamente, onde as instâncias de formulação,
implementação e execução das políticas estão estruturadas a partir do cluster de
atores e recursos que fornece suporte econômico e político.
Neste contexto, o governo central (ou regional) exerce funções de
mediador e facilitador por meio do estabelecimento de condições propicias ao
desenvolvimento da estrutura da rede construindo regras para regular os padrões
de interação na execução de programas intergovernamentais, subsidiando e
cobrindo riscos de investimentos locais, introduzindo incentivos à cooperação,
reduzindo incertezas presentes no ambiente, difundindo informações e facilitando
o processo de comunicação, entre outros (KOPPENJAN e KLIJN, 2004; HALL e
O´TOOLE, 2000 e 2004; KEAST et al, 2004; VAN BUEREN, KLIJN e
KOPPENJAN, 2003; KLIJN, 2001; O´TOOLE, 1997a; FLEURY, 2002; entre
outros).
114
Desta forma, para fins de organização de políticas públicas em rede, a
natureza da governança destas implica em limites em termos do nível de
institucionalidade que orienta as relações de intercâmbio de recursos, de
compartilhamento do processo decisório e de construção de objetivos comuns.
Por um lado, como afirmado pela literatura em administração pública, a
composição da rede envolve a formação de uma institucionalidade a partir da qual
os atores aprofundam a interdependência de forma conjunta (planejamento e
ação) no interior de instâncias de estratégia, espaços internos de pactação e
canais externos de articulação voltados tanto para a formalização compartilhada
de relações internas de intercâmbio e o desenvolvimento de regras específicas
para gerir tais relações, quanto para a definição de parâmetros que são também
estabelecidos em arenas externas à rede.
Por outro lado, uma vez que a governança da rede emerge da coesão
propiciada pela interdependência gerada no interior do cluster de recursos, e que
o suporte político para a legitimidade das estruturas de coordenação
interorganizacional tem nestes clusters de atores autônomos suas bases de
sustentação, a ampliação da institucionalidade implica em perda de legitimidade
que pode produzir impactos negativos sobre a eficácia e a eficiência das políticas
públicas. Logo, a natureza autônoma dos atores que compõem a rede requer que
as instâncias sejam estruturadas em bases organizacionais definidas pelos
próprios atores, o que proporcionaria maior suporte político às estratégias
negociadas e ao processo de implantação, execução e monitoramento destas. A
governança da rede está intrinsecamente relacionada ao processo de
desenvolvimento da institucionalidade da rede, que é extremamente dinâmico e,
portanto, incapaz de ser determinado ou moldado em regras formais e estruturado
estaticamente como na composição de um sistema:
115
situation they are in, and they are constantly drawing upon
resources in the networks to achieve end or create (new)
game situations. In doing this, they recreate and sustain the
rules and resources that constitute the network. Both rules
and resources are important in the constitution and recreation
of networks (KLIJN, 1996, p. 101).
116
recursos, torna-se possível desenvolver uma tipologia básica capaz de delinear as
características fundamentais de uma organização em rede.
Sendo que a emergência de um nível mínimo de institucionalidade, visando
aprofundar a interdependência existente entre os atores e organizações
relacionados, envolve a construção de relações de coordenação
interorganizacional, mediante a formação de um pacto de poder e governança
ao nível do cluster de recursos como condição fundamental de suporte político,
deve-se buscar as características de composição da rede nestes dois aspetos
fundamentais. Estes dois aspectos definem os parâmetros de institucionalidade,
na medida em que, ao mesmo tempo que indicam a necessidade de compor um
nível mínimo, impõem limites ao seu aprofundamento.
Sendo assim, as dimensões de análise em termos de estratégia de
coordenação interorganizacional consistem em o que coordenar, como coordenar
e quem irá coordenar as relações interorganizacionais (ROGERS e WHETTEN,
1982). Uma vez que tais processos devem ter como referência o suporte político
oferecido pelos processos de governança em rede, torna-se essencial determinar
a que nível coordenar as atividades, quais são as estruturas de coordenação
relevantes, como são construídas as regras de coordenação, de que forma tais
regras são implantadas e monitoradas, qual o nível de recursos envolvido, qual o
foco de poder e controle resultantes, entre outros.
O primeiro elemento consiste em determinar qual é o foco gerencial, ou
seja, consiste na definição de qual será o conjunto de atividades a ser coordenada
pela rede. De acordo com a literatura em administração pública, em organizações
e atores dispostos em rede a ênfase é colocada na coordenação de atividades e
programas que geram complementaridade (PROVAN e MILWARD, 1995; KEAST,
2004), sendo que cada organização mantém o foco em suas próprias atividades,
mas integra seletivamente a rede nas atividades que são definidas como
essenciais à produção de metas coletivas. A presença de pouca institucionalidade
impossibilita esta integração seletiva resultando apenas no desenvolvimento de
atividades conjuntas de forma esparsa e buscando somente aperfeiçoar metas
particulares, relacionadas à própria organização ou aos serviços prestados a
117
clientes. Por outro lado, um nível de integração e formalização elevado resulta na
perda de autonomia, uma vez que redireciona o foco enfatizando as atividades de
caráter coletivo implicando na redução de atividades voltadas para os objetivos
particulares:
118
indeterminações (BUEREN, KLIJN e KOPPENJAN, 2003; KLIJN, KOPPENJAN e
TEERMER, 1995).
Ou seja, uma vez que uma estrutura em rede se forma com base em
atividades complementares e que tais atividades possuem impactos sobre os
objetivos dos atores e organizações envolvidos, é evidente que deverão estar
envolvidos diretamente na condução das atividades da rede os representantes das
organizações ou atores que detém maior capacidade decisória:
119
Assim, a presença de maior capacidade decisória torna-se essencial e
justifica-se também pela natureza do processo decisório em rede, visto que o ciclo
de políticas ocorre, como apresentado na Tabela 9, por meio de jogos sucessivos
onde os atores envolvidos procuram empregar estratégias visando
constantemente influenciar o resultado das políticas. Assim, quanto maior o nível
de capacidade decisória do ator envolvido nas atividades da rede, maior será seu
poder de mobilizar recursos na garantia de seus interesses (DAUGBJERG, 1998).
Da mesma forma, a composição da rede, mediante a atuação de atores de
maior capacidade decisória, resulta do fato de que o desenvolvimento de uma
institucionalidade decorre de e está direcionado especificamente a formar um
potencial de transformação social além daquele proporcionado pelo trabalho
isolado das organizações envolvidas (MANDELL e STEELMAN, 2003). Na medida
em que a rede se forma voltada diretamente para promover mudanças sociais por
meio de formas inovadoras de políticas públicas (FLEURY, 2002), torna-se
necessário ativar e envolver (AGRANOFF e MCGUIRE, 2001c) os atores capazes
de impulsionar tais mudanças pelo trabalho planejado coletivamente, que são
aqueles de maior poder no interior de cada organização componente.
Como parte essencial deste processo torna-se necessário também que a
amplitude de inserção seja suficiente para ativar os principais atores e
organizações que compõem o cluster de recursos da rede:
120
narrow and still be effective. In a network structure, however,
unless participation is comprehensive enough to include all
relevant participants, the effectiveness of this type of
interorganizational innovation will be limited (MANDELL e
STEELMAN, 2003, p. 207).
121
estabilidade à rede pela definição de regras formais que se apresentam como
parâmetros mínimos de interação e ação coletiva:
122
logical conclusion is that when rules are formed by actors
through interactions, they can also be changed by
interactions. And when rules change, so do the frameworks
and self-evident assumptions that actors use to work with and
make and elaborate strategies. In short, changes in the
network rules will lead different strategies and interaction
patterns and, thus, to different solutions (KOPPENJAN e
KLIJN, 2004, p. 215).
123
Network management involves managing flexible structures
toward collective efficiency. While traditional bureaucratic
structure is known to be more rigid, rule-bound and
predictable, the network offers the potential for rapid
adaptation to changing conditions, flexibility of adjustment,
and the capacity for innovation. When relationships among
network members are established, goals are agreed upon,
and operation are fruitful for all concerned, the wide spectrum
of expertise and perspective that comprise a network offer
great potential for flexibility and adaptation. Networks are no
less stifle this flexibility, like incomplete knowledge or goal
conflicts, than are bureaucratic structures, but
multiorganizational networks do offer the most potential for
flexibility and adaptation of any social form (AGRANOFF e
MACGUIRE, 1999, p. 25).
124
organiza o processo político que fornece legitimidade às decisões relativas à
alocação de recursos para a composição de metas coletivas. Ou seja, a
distribuição de recursos influencia o padrão de interdependência entre os atores, e
este, como visto, orienta a distribuição de poder no interior da rede.
125
No entanto, em espaços interorganizacionais compostos por relações de
intercâmbio em rede, este padrão de configuração do campo de forças e de foco
disperso de poder tende a convergir para formas e estratégias de
compartilhamento decisório, em detrimento da dispersão de poder (KOPENJAN e
KLIJN, 2004; ALEXANDER, LEE e BAZZOLI, 2003; FLEURY, 2002; MCGUIRE,
2002; PROVAN e MILWARD, 1995).
Como é consenso na literatura, uma vez que a rede consiste num arranjo
policêntrico que se desenvolve em torno de problemas complexos de política
pública, sua ação eficaz depende de dois fatores que são essenciais como
impulsionadores do processo de institucionalização das relações de intercâmbio.
Esses fatores consistem na extensão dos esforços e na intensidade dos vínculos
(MANDELL e STEELMAN, 2003). Estes dois elementos são encontrados como
fundamentais para a constituição da rede em toda a literatura internacional em
administração pública desde o início da década de noventa, sendo que, na maioria
das vezes, são encontrados de forma implícita nos textos.
De acordo com Mandell e Steelman (2003, p. 208), a extensão dos esforços
refere-se à propensão dos atores a manter o status quo ou a promover
transformações na forma de condução do ciclo de políticas. Em espaços
interorganizacionais de baixa institucionalidade, onde as relações
interorganizacionais estão voltadas para a obtenção de metas específicas, os
esforços conjuntos não visam transformações maiores. No entanto, em relações
de intercâmbio em rede, onde há a necessidade buscar a resolução de problemas
complexos, a extensão dos esforços deve ser maior, uma vez que está
direcionada e promover transformações sociais (FLEURY, 2002).
Como resultado, a intensidade dos vínculos também deve ser mais
acentuada, visto que se torna necessário um estreitamento entre os componentes
da rede em busca de empenho conjunto no planejamento, na decisão e nas
atividades diárias:
126
mutually interdependent with each other. In some
arrangements members may agree to work together, but they
maintain a strong hold on their individual existence. In other
arrangements, members recognize their mutual
interdependence and basically agree to make adjustments to
their individual existence. Loose linkages mean that the
members interact at arm’s length (i.e. through contractual
arrangements or loose coordinating mechanisms) with a high
degree of independence, as in the case with intermittent
coordination. Tighter linkages mean that members interact
with a higher degree of interdependence. Tight linkages (i.e.
formation of task forces or network structures) usually require
some kind of new or revised structural agreement for the
arrangement to survive (MENDELL e STEELMAN, 2003, p.
205).
127
they possess resources that require their involvement in the
handling and solution of a particular problem. They can block
interaction processes by withdrawing their resources: they
have veto power. Replacement of these resources is not
always possible and when it is, it might be costly and time
consuming. The same can be said for attempts to coerce co-
operation, for instance by ordering a municipality to change
its zoning plan if it does not do so of its own accord (KLIJN e
KOPPENJAN, 2000, p. 143).
128
field. […]. Everyone is somewhat in charge and therefore,
everyone is somewhat responsible. As a result, all network
participants appear to be accountable. It is certainly
problematic. Managers within city governments inform us that
they often have to “trade” control over development and
normal accountability to the city council in exchange for
operations and financing spread through several different
organizations (AGRANOFF e MCGUIRE, 1999, p. 34).
129
sufficiently complex that their impact on performance is
somewhat unpredictable for all involved. Managing in this
world implies significant adjustment of the conventional
wisdom. Indeed, the very notion of management may have to
be modified. Needed forms of management may be
counterintuitive. That is, actions guided by the hierarchy
assumption are likely to lead not just to ineffectual but
counterproductive outcomes (O´TOOLE, 1997a, p. 47).
130
4) As redes constituem arranjos interorganizacionais voluntários, cuja
autonomia reduz o poder de estabelecer responsabilidades sobre o
cumprimento de metas;
5) O amplo espectro de composição da rede implica na existência de diversas
culturas e diferenças de dinâmica gerencial, sendo difícil estabelecer
parâmetros comuns de avaliação e accountability;
6) Determinados vínculos no interior da rede são apenas temporários em
virtude do próprio desenho desta, necessitando de mecanismos especiais
de monitoramento e avaliação;
7) A natureza dinâmica da composição da rede implica em constantes
entradas e saídas de atores e organizações, o que reduz significativamente
a capacidade de estabelecer responsabilidades e conduzir avaliações;
8) Redes são organizações desenvolvidas em resposta a problemas
complexos de política pública, sendo que estes, por sua natureza, impõem
limites sobre a fixação de tempos e expectativas de relativas a metas. Da
mesma forma, avaliar apenas com base em metas particulares, não capta o
impacto de esforços conjuntos;
131
processo de institucionalização da rede impulsionando o emprego articulado e
racional da base de recursos disponível ao longo dos vários atores e organizações
que compõem a rede.
As questões relativas à responsabilização e comprometimento com
objetivos coletivos estarão sendo direcionadas e trabalhadas de forma diferente
sem relação direta com as atividades de controle. Estas questões ganham ênfase
em ambientes de pouca institucionalidade, onde o controle ainda possui uma
conotação de fiscalização, estando disperso em diversos processos de
intercâmbio sem compartilhamento de poder decisório.
No entanto, em espaços interorganizacionais caracterizados por
interdependência em rede, na medida em que a institucionalização desta requer a
maior extensão dos esforços e intensidade dos vínculos na constituição de ações
coletiva e de compartilhamento de poder, como visto no tópico anterior, as
questões relativas à responsabilização e comprometimento devem ser
equacionadas em espaços internos de pactação específicos.
Cabe ao controle uma nova função que consiste na de dinamizar o
processo de planejamento e decisão coletivamente organizado e integrado,
fomentando e fornecendo suporte de articulação e de integração ao
estabelecimento de padrões regulares de relacionamento, intercâmbio de recursos
e resolução de problemas. Neste sentido o foco central do desenvolvimento do
controle em redes reside na formação de complementaridade entre as partes no
sentido de articular bases de suporte decisório especificamente relacionadas às
atividades que são desenvolvidas em rede, ou seja, as atividades consideradas
como complementares.
O aprofundamento do processo de articulação entre as bases de suporte
decisório para além do foco gerencial da rede pode gerar um elevado grau de
institucionalização e configurar a centralização de informações, típico de
hierarquias. Ou seja, a ampliação do nível de institucionalidade em direção a
formas hierarquizadas retoma a dimensão fiscalizadora do controle.
Outro elemento essencial na composição de um padrão de
interdependência em rede que emerge de um processo de institucionalização
132
consiste na determinação do foco de objetivo dos atores e organizações
envolvidos. A questão central consiste em compreender por que tais atores e
organizações convergem para a formação de tal padrão aprofundado e
institucionalizado de interdependência de modo a formar o que Mandell (1999b)
denominou de estrutura de rede (“network structure”):
133
Em relação aos atores devemos considerar que estão em
uma situação de interdependência em uma rede, gerada pela
necessidade de compartilhar recursos para atingir um
objetivo comum. Cada ator específico tem seus objetivos
particulares, mas seria limitado imaginar que sua
participação seria conseqüência de suas carências e do
mero comportamento maximizador para atingir seu objetivo
pessoal ou organizacional. A construção de uma rede
envolve mais do isto, ou seja, requer a construção de um
objetivo maior que passa a ser um valor compartilhado, para
além dos objetivos particulares que permanecem (FLEURY,
2002, p. 15).
134
componentes da rede um compromisso com objetivo(s) considerado(s)
superior(es):
135
rede ao longo de seis elementos de coordenação interorganizacional: foco
gerencial, atores envolvidos, formalização, composição de recursos e de poder, e
foco de controle de objetivo. O padrão composto ao longo destes elementos
emerge entre atores autônomos, envolvidos por interdependência em padrões
estáveis de relacionamento, e que desenvolvem uma institucionalidade voltada
especificamente para o aprofundamento da interdependência existente, ou
seja, emerge num espaço interorganizacional que ganha certa densidade pela
articulação constante em torno do planejamento deliberado da divisão do trabalho
e da articulação estratégica na resolução de problemas de política pública
(MANDELL, 1990, 1999 e 2001; PROVAN e MILWARD, 1995; KLIJN, 1996 e
2001; O´TOOLE 1997a e 1997b; AGRANOFF e MACGUIRE, 1999, 2001 a e
2001c; KLIJN e KOPPENJAN, 2000; KOPPENJAN e KLIJN, 2004; entre muitos
outros).
Cabe então complementar a formação deste padrão de coordenação
interorganizacional que expressa a interdependência em rede, de acordo com a
literatura internacional em administração pública, para cumprir o objetivo deste
capítulo, que consiste em determinar quais são os elementos gerenciais que
caracterizam um padrão de interdependência em rede.
Na medida em que o desenvolvimento deste padrão de interdependência
envolve um processo de institucionalização, e que este processo, como afirmado
no Capítulo 2, requer bases de suporte organizacional, cabe, então, entender
como estas bases institucionais se articulam no interior da estrutura da rede
impulsionado o planejamento e a ação coletivos, sem induzir formações
burocráticas e centralizadas de organização de políticas públicas.
De acordo com o exposto no Capítulo 2, estas bases de suporte
institucional consistem em instâncias de estratégia, espaços internos de
pactação e canais externos de articulação. A presença destas bases sustenta
o processo de institucionalização da rede fornecendo-lhe uma estrutura por meio
da qual torna-se possível articular e integrar de forma eficiente o conjunto de
recursos subjacente à rede, bem como impulsiona o desenvolvimento de
estratégias de sustentabilidade política tanto no interior do cluster de atores,
136
quanto externamente em arenas cujas decisões impactam sobre a dinâmica da
rede. A Tabela 9 resume o conteúdo exposto no Capítulo 2 sobre essas bases
institucionais apresentando os fatores de motivação, o tipo de suporte fornecido à
rede e os objetivos de cada uma delas.
Uma vez que essas bases institucionais são essenciais para a formação da
estrutura de rede, e que, como argumentado nas seções 3.1 e 3.2, a emergência
de um nível mínimo de institucionalidade, visando aprofundar a interdependência
existente entre os atores e organizações relacionados, envolve a construção de
relações de coordenação interorganizacional, mediante a formação de um
pacto de poder e governança ao nível do cluster de recursos como condição
fundamental de suporte político, a ação dessas bases tem no cluster de recursos
seus alicerces de desenvolvimento. Logo, a inserção dessas bases deve tomar
como infra-estrutura a dinâmica do cluster local e se organizar a partir dessa
dinâmica.
137
públicas
- Compor estratégias de
- necessidade de
ampliação de
inserção de interesses
representatividade
plurais;
Espaços - Desenvolver estratégias
- necessidade de
Internos de compartilhamento
construir suporte político Político
de decisório
ao nível do cluster de
Pactação - Compor consensos e
atores e recursos
projetos hegemônicos
- redução de
Prevenir bloqueios e
assimetrias de poder
impasses
- Necessidade de inserir
demandas e interesses - Gerir relações com atores
Canais da rede em arenas externos à rede
externos decisórias externas que - Inserir a rede nos
de produzem impacto Político processo de definição de
Articulaçã sobre a rede parâmetros da política
o - Necessidade de pública nos níveis regional
mobilizar recursos e nacional
externos
Fonte: elaboração própria.
Da mesma forma, como afirmado na seção 3.2, tais bases ou instâncias
institucionais são núcleos de ativação das redes (‘arenas are activated parts of
networks’), no sentido de que são canais internos e também externos de
composição de estratégias de racionalidade sistêmica, de planejamento e de
suporte político decisório (BUEREN, KLIJN e KOPPENJAN, 2003, p. 195). Nesse
sentido, a estruturação das instâncias ao nível do cluster de recursos da rede
possibilita a ampliação da governança necessária à consolidação das relações de
coordenação interorganizacional, indispensáveis à emergência da
institucionalidade da rede. Neste sentido, as instâncias de estratégia, os
138
espaços internos de pactação e os canais externos de articulação atuam
como núcleos orientadores do processo de institucionalização, na medida em que
são parte deste processo, porque emergem de e impulsionam a dinâmica de
construção da estrutura da rede (KLIJN e KOPPENJAN, 2004).
No caso das instâncias de estratégia, como apresenta a Tabela 10 , estas
estão voltadas para a promoção de racionalidade sistêmica, flexibilidade
operacional e acompanhamento das etapas de política pública, sendo que em
espaços interorganizacionais de baixa institucionalidade predominam estratégias
isoladas e limitadas de articulação da base de recursos e competências que
sustentam a rede. O desenvolvimento de instâncias de estratégia permite compor
um suporte organizacional mínimo para tornar a rede capaz de desenvolver e
transformar mecanismos de articulação das bases de serviços fornecendo
racionalidade sistêmica, eficiência e eficácia de forma compatível com a dinâmica
da rede.
A estruturação de tais instâncias de estratégia inseridas no cluster de atores
de organizações que compõem a rede permite definir e redefinir constantemente
as diretrizes de orientação e organização do trabalho coletivo, uma vez que cada
rede possui sua própria dinâmica de intercâmbio de recursos. Ou seja, uma vez
que a rede consiste numa organização extremamente dinâmica, a velocidade de
adaptação das estratégias de articulação e integração de recursos torna-se um
elemento essencial na garantia de flexibilidade operacional (AGRANOFF e
MCGUIRE, 2001; KEAST, 2004).
Neste sentido, a definição de estratégias e mecanismos de articulação e
integração das bases de recursos deve ser realizada em instâncias inseridas
diretamente no interior das redes, na medida em que necessitam ser redefinidas
constantemente de acordo com as transformações na dinâmica relacional da rede.
Portanto, em espaços interorganizacionais de elevada institucionalidade, como
sistemas corporativos de intermediação de interesses (SCHMITTER, 1974) ou
sistemas centralizados de proteção social, as estratégias, mecanismos e
parâmetros de organização e gestão são definidos em instâncias acima e fora do
139
cluster que forma a rede. Neste caso, configura-se uma centralização das
estratégias não compatível como desenvolvimento de redes.
Por sua vez, os espaços internos de pactação relacionam-se à dinâmica de
poder que se desenvolve subjacente à rede e que fornece sustentabilidade política
a esta. A composição de forças políticas em torno de um objetivo comum como
condição de formação da rede consiste num processo de difícil construção. Em
espaços interorganizacionais de baixa institucionalização das relações de
interdependência, há predominância de interesses particulares (organizacionais)
que podem e freqüentemente geram conflitos que resultam em impasses e
bloqueios na execução de políticas públicas. Estes impasses e bloqueios estão
associados à presença de incerteza estratégia, ou seja, resultam de diferenças
nos interesses, percepções e estratégias de ação dos componentes da rede
(BUEREN, KLIJN e KOPPENJAN, 2003). A incerteza estratégica gera uma
dinâmica política resistente à formação de projetos hegemônicos:
140
compartilhamento decisório, a composição de consensos e projetos hegemônicos,
etc.
Em ambientes de elevada institucionalidade o processo de convergência e
formação de estratégias comuns é conduzido externamente por um ator central
com maior poder e pouco é delegado aos atores internos da rede (ROGERS e
WHETTEN, 1982).
Finalmente, os canais externos de articulação são bases institucionais que
conectam a rede com os atores e arenas decisórias de relevância para a rede.
Como esta é parte de um sistema nacional de provisão de serviços públicos e
proteção social, estes canais externos de articulação compõem, como afirmado no
Capítulo 2, importantes instrumentos de construção da governança democrática.
É por meio destes canais que são definidos parâmetros de composição
institucional da rede, ou seja, as regras mínimas de estruturação e organização
geral. Na medida em que estes canais conectam a rede com arenas decisórias
nacionais, possibilitam, como mostra a Tabela 9 gerir relações com atores
externos à rede e inseri-la nos processos de definição de parâmetros de
orientação geral da política pública nos níveis regional e nacional.
Em espaços interorganizacionais de baixa institucionalidade coletiva
predominam relações caracterizadas por incerteza institucional, ou seja,
predominam relações sem parâmetros mínimos de condução e regulação do
intercâmbio de recursos, resultando em dificuldades de sustentação destas
relações no longo prazo, e o desenvolvimento apenas de relações baseadas em
troca típicas de mercado. A emergência de um padrão de interdependência em
rede envolve a construção de referências mínimas institucionais capazes de
regular e orientar os demais processos de negociação e formação compartilhada
de estratégias de políticas, onde os canais de articulação externa constituem
importantes núcleos de ativação por impulsionar o processo de aprendizagem
institucional:
141
meaning languages and trust that will support and make their
interactions more predictable. […] Parties and networks
become linked and the further evolution of the policy game(s)
that develop around new problems or proposals for solutions
develops in a relatively uncomplicated context. There are now
provisions that facilitate and support the interaction between
parties. Parties know where to find one another, know how to
deal with one another, and can better shape their interaction
(KOPPENJAN e KLIJN, 2004, p. 128).
142
Tabela 11 - Elementos Institucionais de um Padrão de Interdependência em
Rede
Baixa
Dimensões de Interdependência Institucionalidad
Institucionalidad
Análise em Rede e Elevada
e
Atividades Supremacia do
Atividades
Foco Gerencial particulares caráter coletivo
complementares
(organizacionais) das atividades
Nível operacional,
Atores envolvidos Nível operacional tático e Níveis tático e
e amplitude de e tático estratégico; estratégico
Inserção Inserção limitada Ampla inserção de Inserção seletiva
atores
Construção
coletiva de regras
Nível de
Poucas regras gerais e interativa Alta formalidade
Formalização
de regras
operacionais
Nível médio de
recursos
comprometidos
Poucos recursos Domínio elevado
Desenvolvimento
Recursos comprometidos de recursos por
de estratégias de
envolvidos Gestão dispersa um ator específico
mecanismos de
dos recursos ou poucos atores
gestão
compartilhada dos
recursos
143
Dispersos e
exercido de forma
Construção de
direta
formas e
Tende a enfatizar
estratégias de
as possibilidades
compartilhamento
Foco de Poder de cada ator de Poder centralizado
decisório
acordo com as
Foco de poder
assimetrias de
descentralizado e
domínio de
compartilhado
recursos.
Centralização de
Foco informações e
complementar de mecanismos de
Foco fiscalizador
sistemas racionalidade
disperso em
articulados sistêmica, típica
Foco de controle diversos
Caráter de hierarquias
processos de
estratégico de Ênfase na
intercâmbio
suporte à dinâmica dimensão
gerencial fiscalizadora do
controle
Ênfase exagerada
Foco principal nas Construção de um
nos aspectos
metas singulares compromisso em
coletivos podendo
de cada torno de objetivos
centralizar
organização maiores a partir
Objetivos atividades e
Realização de dos objetivos
processos, em
objetivos isolados particulares de
detrimento dos
e sem cada ator ou
objetivos
coordenação organização
particulares.
144
Ausentes ou Estruturadas
Inseridas no
pouco estabelecidas fora
cluster da rede
desenvolvidas e acima da rede
Instâncias Definição flexível e
Articulação Definição externa
estratégicas de compartilhada de
insipiente da base e mais rígida de
coordenação estratégias,
de recursos estratégias,
interorganizacion mecanismos e
Ausência de mecanismos e
al parâmetros de
estratégia de parâmetros de
articulação da
racionalidade articulação da
base de recursos
sistêmica base de recursos
Inseridas no
cluster da rede
Estabelecidas fora
Processo de
do cluster da rede
Aprendizagem
Coordenação
Ausentes ou estratégica
política
pouco Definição e
centralizada
Espaços internos desenvolvidos redefinição
Definição externa
de pactação Predomínio de constante e
de objetivos,
incerteza compartilhada de
estratégias e
estratégica objetivos
projetos de política
Formação e
pública
redefinição de
projetos
hegemônicos
Apenas Processos de Determinação
informalmente definição externa dos
desenvolvidos compartilhada dos principais
Canais externos
(articulação parâmetros parâmetros,
de articulação
informal) mínimos relativos estratégias e
Predomínio de ao formato mecanismos de
incerteza institucional da coordenação da
145
institucional rede rede
Homologação das
estratégias e
consensos
construídos ao
nível da rede
Fonte: elaboração própria.
146
A estrutura analítica desenvolvida na Tabela 11 apresenta tipos ideais de
formações interorganizacionais que emergem de relações de interdependência de
recursos, tipos estes que hipoteticamente se situam sobre um continuum que,
como dito, compreende desde parcerias de curta duração, num extremo, até
formações interorganizacionais de elevado grau de verticalização e centralização
decisória, como estruturas burocráticas ou corporativas.
147
combinação de recursos, etc. Isto porque, na medida em que estão presentes as
características que compõem um padrão de interdependência em rede, tal como
apresentadas na Tabela 11, torna-se possível desenvolver um potencial de
organização do trabalho coletivo sem comprometer a sustentabilidade política,
uma vez que em espaços interorganizacionais compostos por entes autônomos a
governança se constrói em processos constantes de pactação e ajustes
simultâneos de percepções e interesses, sem a presença de uma autoridade
central que determina as estratégias e conduz o trabalho coletivo.
148
decisória e da condução dos principais instrumentos e estratégias de organização
do trabalho coletivo em espaços interorganizacionais formados por atores e
organizações com autonomia implica em constantes conflitos de governança.
149
Capítulo 4 – A Estratégia de Regionalização da NOAS: Interdependência
Municipal, Territorialização e Planejamento Integrado
150
os princípios fundamentais do SUS devem direcionar e redirecionar a configuração
da interdependência municipal numa visão global da assistência à saúde:
151
Figura 1 – Lógica de Regionalização da NOAS
APROFUNDAMENTO UNIVERSALIDADE
TERRITORIALIZAÇÃO DA EQUIDADE
INTERDEPENDÊNCIA INTEGRALIDADE
PLANEJAMENTO MUNICIPAL EFICIÊNCIA
RESOLUTIVIDADE
152
organizações e recursos, consiste no movimento que fixa as linhas e vínculos de
estruturação do campo relacional subjacente à dinâmica da realidade sanitária do
SUS a nível local.
153
leading toward concrete products or services (KOPPENJAN e
KLIJN, 2004, p. 70).
154
Tomando como ponto de partida o espaço que corresponde ao território dos
estados, são identificadas subdivisões deste que consistem nas unidades
fundamentais de referenciamento a partir das quais deverão ser articulados os
atores, organizações e recursos de forma a compor sistemas funcionais de saúde.
Ou seja, tais subdivisões serão as áreas, no interior das quais, os atores e
organizações que compõem o sistema de saúde terão suas interações e relações
de intercâmbio intensificadas mediante a ação das instâncias decisórias de
produção das políticas de saúde nos três níveis do SUS:
155
a compõem, uma vez que esta delimitação toma como ponto de partida um
conjunto de critérios que demonstram a existência de fluxos relacionais de
interdependência que se manifestam por meio de várias dimensões da estrutura
social subjacente ao conjunto municípios componentes de uma região. Assim, o
aprofundamento da interdependência municipal na estratégia da NOAS busca na
estrutura social a fonte de potencialização de sua ação, pois ao intensificar as
relações no universo sanitário, estas interagem com outros campos de relações de
interdependência como o econômico, o político, o cultural, entre outros.
Da mesma maneira, a lógica que orienta a estruturação assistencial de uma
região/microrregião de saúde impulsiona a intensificação da interdependência no
interior destas, uma vez que procura tornar tais unidades territoriais uma base de
provisão caracterizada pela garantia de acesso da população ao maior grau de
integralidade possível de acordo com a infra-estrutura disponível. Este aspecto é
de extrema relevância, uma vez que, quanto maior o grau de integralidade
oferecido pelo sistema interno à região/microrregião, menor será o fluxo externo e
maior o interno, ampliando a interdependência entre os atores e organizações que
compõem tais unidades territoriais.
Para tal, a estruturação assistencial das regiões/microrregiões envolve três
estratégias que visam proporcionar maior capacidade de integralidade. A primeira
refere-se à homogeneização do acesso a média complexidade pela instituição de
‘módulos assistenciais’ como unidades assistenciais mínimas de subdivisão das
regiões/ microrregiões:
156
Conjunto de municípios, entre os quais há um
município-sede, habilitado em Gestão Plena do Sistema
Municipal/GPSM ou em Gestão Plena da atenção Básica
Ampliada (GPAB-A), com capacidade para ofertar a
totalidade dos serviços de que trata o item 8 – Capítulo I
desta Norma, com suficiência, para sua população e para a
população de outros municípios a ele adscritos; ou
1
O conjunto de atividades que compõem o ‘primeiro nível de referência intermunicipal’ encontra-se definido
no Anexo III da NOAS, podendo ser consultado no Anexo I deste livro.
157
em atores essenciais na ampliação do potencial de integralidade do sistema
interno às regiões/ microrregiões.
A terceira estratégia de ampliação da capacidade de integralidade na
provisão de serviços reside na obrigatoriedade de composição ascendente de
complexidade por unidade territorial agregada. A microrregião ou região consiste
na unidade mínima para qualificação da assistência de acordo como estabelecido
pela NOAS, no entanto, é possível que sejam estabelecidos vários níveis de
organização assistencial na divisão do território do estado. Assim, cada nível de
assistência estabelecido acima do ‘módulo assistencial’ deve conter serviços
especializados além dos previstos neste. A Figura 2 representa esta estratégia e
resume a lógica de estruturação assistencial da NOAS.
POSSÍVEL UNIDADE
TERRITORIAL
ADICIONAL DE
MACRORREGIÃO PLANEJAMENTO
Complexidade
Ascendente: REGIONALIZADO
A partir do
Módulo
BASES TERRITORIAIS
Assistencial, o
MÍNIMAS DE
Adicional de
REGIÃO PLANEJAMENTO
complexidade é
REGIONALIZADO –
definido de
NÍVEL DE
acordo com a
COMPLEXIDADE ACIMA
estratégia de
DO MÓDULO
regionalização
adotada por MICRORREGIÃO
cada estado
1º NÍVEL DE
REFERÊNCIA DEFINIDO
MÓDULO ASSISTENCIAL PELA NOAS
158
Desta maneira, a forma como se estrutura a atenção à saúde, mediante a
articulação e integração das bases de serviços orientadas pelo princípio da
territorialização constitui um impulso significativo que, ao se solidificar durante o
processo de implantação da NOAS, contribui de forma decisiva para o
aprofundamento da interdependência entre os municípios.
Além da forma de estruturação da assistência à saúde, o critério de
territorialização estabelecido na NOAS motivou o desenvolvimento de uma série
de processos gerenciais de consolidação da estratégia de regionalização da
atenção à saúde visando conformar sistemas de saúde funcionais e resolutivos,
estruturados para a garantia de acesso universal, eqüitativo e integral. Tais
processos, construídos para orientar a ação dos gestores públicos nas três
esferas de governo, são elementos essenciais para a materialização das políticas
de saúde sob o SUS e, de acordo com a NOAS, todos passam a ser
operacionalizados tendo na região/microrregião de saúde sua base de ação. A
Tabela 13 apresenta um conjunto descritivo desses processos e de seu tempo de
ação na estratégia de territorialização da atenção à saúde.
159
Alocação de investimentos em infra-estrutura 6c e
Médio e longo
visando tornar a Região/Microrregião sistemas de 6.1.1
prazos
saúde resolutivos e funcionais b
Redistribuição geográfica de e recursos 6.1.1 Médio e longo
tecnológicos e humanos b prazos
Estudos e análises constantes para projeção do
6.1.1 Médio e longo
futuro desenho da configuração estadual e nacional
b prazos
da atenção à saúde
Emprego de estratégias adicionais e específicas de
cada estado, além das previstas na NOAS, Curto, médio e
11
direcionadas à garantia do acesso aos serviços de longo prazos
média complexidade do ‘1º nível de referência’
Alocação de fluxos de financiamento federal para
Curto, médio e
custeio do fornecimento dos serviços de média 14
longo prazos
complexidade do 1º nível de referência’
Emprego de estratégias adicionais e específicas de
cada estado, além das previstas na NOAS,
Curto, médio e
direcionadas à garantia do acesso aos serviços de 11
longo prazos
média complexidade além do ‘1º nível de
referência’
Composição, organização e operacionalização da
9.4, Curto, médio e
Programação Pactuada e Integrada Estadual nos
22 longo prazos
diversos níveis de atenção
Realização de acordos específicos de assistência
envolvendo o município-sede e qualquer município
em GPAB-A para provisão temporária de 15 Curto prazo
determinados serviços do ‘1º nível de referência’
pelo próprio município
Emprego de estratégias previstas na NOAS para a 21.1
Curto, médio e
organização dos serviços de média complexidade a
longo prazos
de acordo com a PPI 21.3
Emprego de estratégias não previstas na NOAS e
específicas de cada estado para a organização dos 18 Curto, médio e
serviços de média complexidade de acordo com o e19 longo prazos
PDR
Utilização de estratégias de racionalidade sistêmica
Médio e longo
para a distribuição de serviços de média 22.1
prazos
complexidade
Programação, organização, definição de
prioridades de investimento, avaliação, controle e Curto, médio e
30
regulação dos fluxos intermunicipais referentes à longo prazos
assistência de alta complexidade
Alocação de recursos para investimentos Porta
provenientes de celebração de convênios com o ria Médio e longo
Ministério da saúde visando compor novos módulos MS prazos
assistências de acordo com as necessidades da 544,
160
população de 16
abr/0
1
33.3
Definição de limites financeiros para a assistência Curto, médio e
a
estadual longo prazos
33.7
Estabelecimento de termos de compromisso para 4 e Curto, médio e
referenciamento fora da microrregião 37 longo prazos
Orientação do planejamento e atuação das centrais Curto, médio e
48
de regulação longo prazos
Fonte: elaboração própria com base na NOAS (BRASIL, 2002).
Como visto na Tabela 13 acima, a ação desses processos ocorre por meio
de atividades de elaboração, programação, organização, implantação, execução,
monitoramento, regulação e avaliação cobrindo um ciclo tradicional de produção
políticas públicas. Tais atividades, na medida em que visam consolidar a
estratégia de territorialização da atenção à saúde, compõem um conjunto de
padrões institucionalizados de interação que representam impulsos constantes ao
aprofundamento das interdependências municipais. Desta forma, os atores e
organizações que se relacionam na arena sanitária de uma região/microrregião
têm suas relações de intercâmbio intensificadas na medida em que desempenham
seus papéis nos processos instituídos pela NOAS.
O tempo de ação de cada processo consiste numa variável importante, uma
vez que está relacionado à continuidade do impulso fornecido pelo processo, ou
seja, sua capacidade de fomentar relações estáveis de interdependência entre os
atores e organizações de uma região/microrregião, o que representa um
movimento essencial na institucionalização das redes conforme argumentado nos
Capítulos 2 e 3. Como pode ser visto na Tabela 13, a quase totalidade dos
processos apresenta um tempo de ação envolvendo o curto, o médio e o longo
prazos.
De forma conclusiva, a análise conduzida acima demonstrou como o
processo de territorialização da assistência, componente fundamental da
estratégia de regionalização da NOAS, possui um potencial expressivo no
aprofundamento da interdependência municipal, tanto devido à lógica que orienta
a estruturação assistencial como pela instituição de processos de composição do
161
ciclo de políticas públicas. O aprofundamento da interdependência municipal via
territorialização da assistência é expressamente construído pela ênfase nas
relações horizontais impulsionando a convergência em torno da garantia dos
princípios da universalidade, equidade e integralidade. Cabe na seqüência
entender em que consiste o processo de planejamento sob a NOAS, como este se
estrutura e qual seu efeito sobre o aprofundamento das interdependências
municipais.
162
torna-se necessário redimensionar as relações entre os atores de forma a
potencializar o processo de territorialização como vetor de transformação.
163
intervenção coerentes com as necessidades de saúde da
população e da garantia de acesso dos cidadãos a todos os
níveis de atenção.
164
Articulados em torno do PDR, dois aspectos verificados no texto da NOAS
acima apresentado, demandam ênfase devido à sua relevância para o sucesso da
regionalização como estratégia visando o cumprimento dos princípios do SUS.
165
Sendo assim, devido à relevância que assume tanto o PDR quanto os
aspectos a ele estreitamente relacionados – pacto de compromisso e
racionalidade sistêmica - no processo de planejamento da regionalização da
saúde sob a NOAS, cabe entender como este é construído para em seguida
analisar como os dois aspectos se articulam na estratégia de planejamento da
NOAS. Por meio dessas análises mostra-se como o processo de planejamento
aprofunda interdependências entre os atores envolvidos.
166
Assim, a instituição das secretarias da saúde dos estados e do Distrito
Federal como instâncias de condução do PDR impulsiona a alteração do padrão
de relacionamento entre as três esferas de governo, o que origina uma
configuração extremamente inovadora em termos de relações
intergovernamentais no processo de construção do SUS. A partir da NOB 01/93,
com a criação do sistema de habilitação municipal envolvendo transferências
diretas aos municípios, desenvolveu-se um padrão de relações
intergovernamentais com ênfase no intercâmbio direto entre a esfera federal e a
municipal. Este padrão consolidou-se como parte do processo de descentralização
do SUS durante toda a década de noventa. Embora a NOB 01/96, ao instituir a
Programação Pactuada e Integrada, tenha contribuído para impulsionar o papel do
gestor estadual como coordenador do processo de referenciamento da assistência
intermunicipal, não foi o suficiente para sobrepor o padrão vigente.
167
Figura 2 – Fluxo de Tramitação do Plano Diretor de Regionalização
CONSELHO ESTADUAL DE
SAÚDE MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Secretaria de
Apreciação e deliberação Assistência à Políticas de
Saúde Saúde
Análise de conteúdo e
viabilidade
COMISSÃO INTERGESTORA
BIPARTITE
Análise e aprovação
COMISSÃO INTERGESTORA
TRIPARTITE
Encaminhamento inicial ao MS;
Deliberação e homologação após
análise do MS;
SECRETARIA DE SAÚDE (SES) Em caso de necessidade de
alteração do PDR, encaminhamento à
Elaboração conjunta com SES para reinício do fluxo.
os municípios
168
implantação e consolidação do processo de regionalização da saúde, aprofunda e
confere estabilidade às relações de interdependência que se formam no interior
desse processo. Esta dinâmica apresenta-se como um elemento essencial no
processo de aprofundamento da interdependência que precede a formação de
redes, uma vez que confere sentido e gera parâmetros de regulação do
intercâmbio de recursos:
169
do PDR constitui um dos requisitos obrigatórios para habilitação dos estados em
qualquer uma das duas modalidades estabelecidas (Gestão Avançada ou Plena
do Sistema Estadual), esta relação de interdependência e o padrão que a sustenta
tendem a adquirir maior consistência.
170
processo a ser desempenhado apenas para a elaboração do PDR. Uma vez que o
processo de qualificação das regiões/microrregiões, que segue o mesmo trâmite
do PDR, tem como base a configuração efetivada na versão deste homologada
pela CIT, as relações de interdependência entre estado e municípios no padrão
estabelecido pela NOAS tendem a adquirir maior estabilidade com a
regionalização.
171
assistência via PPI e as atividades de controle, regulação e avaliação consistem
nos processos fundamentais na obtenção de racionalidade sistêmica.
172
jamais orientada pelos interesses dos prestadores de
serviços;
173
A instituição do PDR como núcleo do processo de regionalização
redimensiona a relevância da PPI uma vez que essa constitui um instrumento
central na compatibilização entre demanda e oferta, na alocação investimentos e
na regulação dos sistemas de referências intermunicipais. Sendo que o
planejamento apresenta-se como a função primordial na visão da NOAS, onde o
PDR é o instrumento que ordena o processo de regionalização, o diálogo
constante com a PPI amplia a capacidade de materialização das projeções
constantes do PDR. Da mesma forma, a PPI deixa de ser apenas um instrumento
de compatibilização de referências intermunicipais e adquire um status de meio
pelo qual a regionalização é operacionalizada, monitorada e avaliada.
174
As funções de controle, regulação e avaliação devem ser
coerentes com os processos de planejamento, programação
e alocação de recursos em saúde tendo em vista sua
importância para a revisão de prioridades e contribuindo para
o alcance de melhores resultados em termos de impacto na
saúde da população.
175
de planejamento, centralizado no PDR, quanto pela instituição da SES como
instância única que compõe as bases organizacionais de coordenação da PPI.
176
A qualificação compreende o reconhecimento formal da
constituição das regiões/microrregiões, da organização dos
sistemas funcionais de assistência à saúde e do
compromisso firmado entre o estado e os municípios
componentes dos módulos assistenciais, para a garantia do
acesso de toda a população residente nestes espaços
territoriais a um conjunto de ações e serviços
correspondentes ao nível da assistência à saúde relativo ao
M1, acrescido de um conjunto de serviços com complexidade
acima do módulo assistencial, de acordo com o definido no
PDR (BRASIL, 2002, p. 14).
177
Tabela 15 – Compromissos Entre os Gestores Estadual e Municipal previstos
pela NOAS
Compromissos do Gestor Estadual com o Municipal (Município-sede e/ou
pólo)
178
Encaminhar trimestralmente a SES relatório contendo informações mensais
sobre os atendimentos prestados às referências intermunicipais,
discriminando natureza e quantidade de procedimentos, origem do
paciente, valores pagos, e outras questões que forem estabelecidas no
Termo de Compromisso de Garantia de Acesso.
179
mesmo organizar o sistema de referência utilizando
mecanismos e instrumentos necessários, compatíveis com a
condição de gestão do município onde os serviços estiverem
localizados (BRASIL, 2002, p. 23).
Uma vez que a NOAS insere a esfera estadual como responsável pela
condução do aprofundamento das interdependências municipais previstas no
processo de territorialização das bases de provisão de serviços, também lhe são
assegurados os meios financeiros para coordenar tal processo e dar suporte ao
gestor estadual na condução do pacto de compromisso. A qualificação de cada
região/microrregião resulta na alocação do financiamento federal para assegurar a
sustentação econômica dos módulos assistenciais, que são a base da estratégia
de regionalização na garantia da média complexidade:
180
neste caso, a parcela relativa à população residente nos
municípios adscritos estará condicionada ao cumprimento do
Termo de Compromisso para a Garantia de Acesso [...]
(BRASIL, 2002, p. 23).
181
Tabela 16– Decisões Relevantes que Exigem a Pactação na CIB
Item da
Atividades Negociadas na CIB
NOAS
Análise a aprovação das solicitações referentes à habilitação dos
municípios em Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada – GPAB-
7.5
A e Gestão Plena do Sistema Municipal – GPSM, nos termos da
NOAS (condição prévia para a operacionalização do PDR);
Análise e aprovação das solicitações de qualificação das
regiões/microrregiões, envolvendo: a comprovação dos municípios-
sede da capacidade de ofertar os serviços fixados pela NOAS (1º 13.1 e
nível de referência da média complexidade) para a população Anexo 7
própria e dos demais municípios adjacentes, e dos municípios-pólo
de ofertar serviços adicionais além dos fixados pela NOAS;
Análise e aprovação dos mecanismos de regulação da garantia de
acesso da população aos serviços de referência intermunicipal
Anexo 7
(condição prévia para aprovação do CES e da CIT da qualificação
das regiões/microrregiões);
Análise e aprovação da PPI estadual, com definição dos limites 33 e Anexo
financeiros para todos os municípios do estado; 7
182
coalizões políticas que determinam e moldam o formato possível da
regionalização.
183
Capítulo 5 – Analisando a Estratégia de Regionalização da NOAS: qual o
padrão de governança?
184
de serviços por meio de fluxos de referência intermunicipais. Assim, a
territorialização, como processo de delineamento da configuração espacial da
interação entre atores, organizações e recursos, consiste no movimento que fixa
as linhas e vínculos de estruturação do campo relacional subjacente à dinâmica da
realidade sanitária do SUS a nível local.
Este processo é de extrema relevância teórica, uma vez que define quais
são as bases de atores, organizações e recursos que formam a rede como
unidade de análise, ou seja, delimita o cluster que terá suas relações de
interdependência aprofundadas. A territorialização envolve três estratégias
principais de aprofundamento das interdependências municipais, que consistem
no estabelecimento da região de saúde como unidade mínima de organização da
atenção da saúde, na lógica de estruturação assistencial e na definição de um
conjunto de processos gerenciais de construção da regionalização da saúde.
185
média complexidade dentro da região/ microrregião, na fixação de bases de
serviços especializadas (ou municípios-pólo), e na ampliação da capacidade de
integralidade na provisão de serviços mediante a obrigatoriedade de composição
ascendente de complexidade por unidade territorial agregada.
186
obtenção de racionalidade sistêmica e o estabelecimento de um pacto de
compromisso.
187
configuração desenvolvida mediante a territorialização das bases municipais de
provisão de serviços e expressa no planejamento no PDR tenha efetividade e
possa materializar os princípios de universalidade, equidade e integralidade. Este
pacto de compromisso envolve o estabelecimento jurídico de um Termo de
Compromisso de Garantia de Acesso entre o gestor estadual e os gestores
municipais dos municípios-sede e pólo visando assegurar que estes forneçam o
acesso aos serviços de média complexidade aos municípios a eles adscritos, de
acordo com a configuração inscrita no PDR. Este termo contém ainda uma série
de compromissos mútuos que condicionam a transferência do financiamento
federal relativo às referências intermunicipais para os município-sede e pólo.
Como o gestor estadual conduz todo o processo de planejamento da
regionalização torna-se o ator mais capacitado para monitorar sua efetivação. Da
mesma forma, as etapas de maior relevância da regionalização convergem para
processos de pactação no interior da esfera estadual de gestão do SUS, mais
especificamente no âmbito da CIB, ratificando a inserção privilegiada do gestor
estadual no processo de regionalização da saúde.
188
Figura 3 – Lógica Detalhada de Regionalização da NOAS
TERRITORIALIZAÇÃO
• Definição da Região de
Saúde como referência
• Lógica de Estruturação
Assistencial
• Processos Gerenciais de
Suporte a Regionalização APROFUNDAMENTO
UNIVERSALIDADE
DA
EQUIDADE
PLANEJAMENTO INTERDEPENDÊNCIA
INTEGRALIDADE
• Forma de coordenação do MUNICIPAL
EFICIÊNCIA
PDR RESOLUTIVIDADE
• Forma de coordenação das
Estratégias de
Racionalidade sistêmica
• Forma de condução do
Pacto de Compromisso
189
Cabe então proceder à analise do padrão de interdependência fomentado
pela NOAS de acordo com referencial produzido nos Capítulos 2 e 3. O primeiro
aspecto de relevância teórica consiste em determinar quais são as bases de
recursos, atores e organizações que delimitam a existência da rede como unidade
de análise de acordo com a literatura examinada.
190
aprofundamento da interdependência ocorre majoritariamente no interior da região
de saúde.
191
interdependência existente entre os municípios de forma a compor sistemas
funcionais de saúde que possam materializar os princípios da universalidade,
equidade e integralidade, por meio da integração e articulação das bases de
serviços. Assim, como afirmado no Capítulo 1, a estratégia da NOAS busca
fomentar as potencialidades das redes como forma de coordenação
interorganizacional no aperfeiçoamento do SUS, ou seja, ao definir uma região de
saúde como referência para o planejamento e a ação das políticas de saúde, a
NOAS visa desenvolver em seu interior uma base institucional de aprofundamento
da interdependência existente. Desta forma, a NOAS, como afirmado no Capítulo
1, ratifica a legislação do SUS (Constituição, Lei Orgânica da Saúde, Normas
Operacionais, etc) e pretende operacionalizar seus fundamentos, buscando
compor estratégias que estruturem o sistema sobre bases de organização em
rede. Isto porque, o conceito de redes como forma eficiente de alocação de
recursos e promoção da integralidade sempre esteve presente na legislação do
SUS, sendo que a NOAS consiste na primeira norma que efetivamente propôs sua
operacionalização prática.
192
joint venture, coalizões, etc) quanto de formatos mais centralizados e burocráticos
de organização. Os elementos institucionais que caracterizam o padrão de
interdependência em rede encontram-se reunidos na Tabela 10, ao final do
Capítulo 3.
193
processo orientado pela lógica de territorialização estabelecida pela NOAS, mais
especificamente pela lógica de estruturação assistencial Como visto na seção
anterior, a lógica de estruturação assistencial estabelecida pela NOAS envolve o
estabelecimento de módulos assistenciais (município-sede), a definição de bases
de serviços especializadas (ou municípios-pólo), e a ampliação da capacidade de
integralidade na provisão de serviços mediante a obrigatoriedade de composição
ascendente de complexidade por unidade territorial agregada. Estas três
estratégias definam o conjunto de atividades e a forma como este é gerido no
interior da região de saúde.
194
Finalmente, o estabelecimento de uma lógica ascendente de composição
da configuração da estratégia de regionalização contribui para a
complementaridade entre as bases de serviços municipais no interior de uma
região de saúde, uma vez que está é composta por microrregiões, que por sua vez
é formada por um ou mais módulos assistenciais. De acordo com o exposto na
Figura 2, a NOAS estabelece que cada unidade territorial desta deve acrescentar
um conjunto de ações e serviços com complexidade acima daquelas que a
compõem. As ações e procedimentos de média e alta complexidade que não
puderem ser acessadas no interior da região de saúde devem ser buscadas no
âmbito estadual, e mesmo nacional.
195
5.3.2 – Atores Envolvidos e Amplitude de Inserção
196
atores. Cabe verificar como a NOAS encaminha este desafio, uma vez que ele é
essencial na determinação da trajetória do processo de regionalização.
197
quanto estratégico dos municípios envolvidos. No entanto, uma ressalva
importante pode ser feita em relação à capacidade decisória dos atores
envolvidos. Sendo que os atores de maior capacidade decisória a nível municipal
são os prefeitos, a literatura em administração pública sobre redes indica que
estes deveriam ser alvo de alguma estratégia específica de inserção no processo
de regionalização de forma a fornecer maior legitimidade às decisões tomadas.
198
em rede, no caso do primeiro aspecto e manifesta características de elevada
institucionalidade em relação ao segundo.
199
entre outros. Da mesma forma, consistem regras gerais as que definem o formato
da governança, ou seja, que estabelecem quais as arenas e etapas decisórias,
bem como os critérios acesso e a forma de participação nestas arenas. Estas
regras fornecem estabilidade às interações e orientam o intercâmbio de recursos.
O que transcende a esses parâmetros de institucionalização consiste em atos de
regulação que interferem na flexibilidade operacional da rede, uma vez que visam
determinar a forma de intercâmbio de recursos, padronizar relações de trabalho e
regular fluxos de interação, caracterizando elevada institucionalidade.
200
de planejamento relaciona-se à composição do trabalho coletivo e da governança.
Neste sentido, a construção do PDR consiste num conjunto de diretrizes que
relacionam os atores envolvidos e orientam a forma de compor o trabalho coletivo
identificando os papéis e as atividades serem desempenhados como condição
essencial para a obtenção de objetivos comuns.
Como pode ser constatado por meio da Tabela 14, a NOAS estabelece uma
série de atividades de planejamento e gestão a serem desempenhadas de forma
conjunta entre os municípios e a esfera estadual na composição do PDR, que
consiste no instrumento por meio do qual se materializa a estratégia de
regionalização. Assim, o estabelecimento do PDR como instrumento de
ordenamento do processo de regionalização proporciona diretrizes que orientam
os atores envolvidos e compõem parâmetros mínimos de organização do trabalho
coletivo. Na medida em que torna-se necessário o intercâmbio de informações e
de recursos para desenvolver uma configuração adequada em termos de
referências intermunicipais, somente o trabalho conjunto como os municípios pode
proporcionar bases de planejamento confiáveis, uma vez que são estes que detém
as informações sobre sua capacidade de produção suas carências em termos de
acesso e de investimentos. Logo, o fato da NOAS estabelecer como os municípios
se inserem na elaboração, implantação e monitoramento do PDR proporciona
referenciais que orientam o trabalho coletivo.
201
refere à construção coletiva de regras gerais que orientam e referenciam tanto a
produção do trabalho coletivo e a composição de governança, as diretrizes da
NOAS contribuem para a formação de um padrão de interdependência em rede.
Cabe, então analisar, se as diretrizes da NOAS não interferem na dinâmica
operacional do trabalho coletivo.
202
assistenciais no interior de cada região de saúde e entre elas, buscando maior
grau de equidade e integralidade, as atividades de estruturação assistencial
intermunicipal passam a se orientar por esses processos, inclusive a realização de
investimentos. Na medida em que as informações que subsidiam as decisões
referentes à estratégia de racionalidade sistêmica provêm da dinâmica relacional
entre os municípios e que esta dinâmica, como visto nos Capítulos 2 e 3,
apresentam elevado grau transformação em curtos períodos de tempo,
necessitando ser atualizados constantemente, a centralização de toda a estratégia
na SES pode gerar não só defasagens em relação à realidade, mas também
dificuldades de interpretação das informações.
203
estabelece porque a distribuição de recursos influencia o padrão de
interdependência entre os atores, e este, como visto, orienta a distribuição de
poder no interior da rede.
Conforme demonstrado na ocasião, os recursos essenciais à formação da
estrutura da rede encontram-se dispersos ao longo de uma série de organizações
e atores. Em espaços interorganizacionais de baixa institucionalidade coletiva tal
realidade configura um campo de poder que tende a reproduzir a distribuição
apresentada pelo cluster de recursos. Da mesma forma, o exercício deste poder
manifesta-se de forma dispersa e reflete as possibilidades de cada ator de acordo
com as assimetrias de domínio de recursos.
No entanto, o surgimento de uma estrutura de interdependência em rede
desenvolve, de forma concomitante, estratégias de gestão coletiva de recursos e
de compartilhamento decisório, uma vez que torna-se necessário ampliar a
extensão dos esforços e a intensidade do vínculos na busca por soluções de
problemas complexos de política pública (KOPPENJAN e KLIJN, 2004; KEAST,
2004; O´TOOLE, 1997). Da mesma forma, o estreitamento dos vínculos pode
produzir a intensificação do processo de institucionalização das relações no
espaço interorganizacional em rede, resultando em relações de coerção, onde
atores de maior domínio de recursos estabelecem direções em detrimento dos
demais atores.
204
na capacidade produtiva (grau de especialização e diversificação da base
municipal de produção de serviços de saúde), domínio de recursos financeiros
(financiamento dos gastos com custeio e com ampliação da capacidade produtiva
via investimentos), capacidade técnica (desenvolvimento e organização de
estratégias de articulação e integração das bases de serviços), e autoridade legal
(legitimidade para coordenar e conduzir o processo). A análise dos processos-
chave da NOAS (territorialização e planejamento) novamente fornece as
informações necessárias.
205
Sendo assim, o estado, mesmo nos casos onde não é o detentor das bases de
serviços, é o ator de maior poder por estar munido estar estabelecido como
autoridade planejadora e reguladora do emprego das bases de produção de
serviços.
206
o processo de planejamento expresso no PDR seja operacionalizado. Esta forma
de coordenação dos mecanismos financeiros da regionalização, como visto na
seção 4.2, consiste em parte do pacto de compromisso estabelecido entre o
gestor estadual e os municípios de cada região de saúde. O recebimento do
financiamento dos procedimentos relativos ao ‘1º nível de referência’ da média
complexidade, cuja provisão se estabelece no município-sede, está sob a gestão
do gestor estadual. No caso do município-sede do módulo assistencial estar sob a
modalidade de Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada, os recursos
provenientes da esfera federal serão repassados fundo a fundo ao estado
habilitado, e no caso do município-sede estar sob habilitação em Gestão Plena do
Sistema Municipal, os recursos serão repassados fundo a fundo ao município. No
entanto, neste último caso, o repasse estará condicionado ao cumprimento do
Termo de Compromisso para a Garantia de Acesso, instrumento jurídico que
estabelece uma série de obrigações entre o município e o gestor estadual, além
do comprometimento do município-sede em prover as ações e procedimentos do
‘1º nível de referência’ da média complexidade aos municípios adjacentes. Assim,
em termos de capacidade financeira, o gestor estadual consiste no ator de maior
poder no interior da estratégia de regionalização estabelecida pela NOAS.
207
responsável pelo desenvolvimento do PDR, é o ator que terá que desenvolver
maior esforço de aprendizagem no interior da estratégia de regionalização. Da
mesma forma, o gestor estadual torna-se o ator que terá domínio de maior
quantidade de informações sobre o sistema de saúde no âmbito estadual, uma
vez que o planejamento conjunto com os municípios resulta na convergência de
dados, relatórios e análises para SES.
208
obtenção de racionalidade sistêmica, dos instrumentos relativos ao pacto de
compromisso de garantia de acesso às referências intermunicipais, entre outros.
Embora todo este processo seja desenvolvido de forma compartilhada como
municípios, pactado no interior da CIB e necessite da aprovação da Sociedade
Civil presente no CES, o gestor estadual é o ator que detém maior autoridade
legal de acordo com as diretrizes da NOAS.
209
5.3.5 – Foco de Controle
210
objetivos maiores coletivamente fixados. Logo, o foco central do desenvolvimento
do controle em redes reside na formação de complementaridade entre as partes
no sentido de articular bases de suporte decisório especificamente relacionadas
às atividades que são desenvolvidas em rede, ou seja, as atividades consideradas
como complementares.
211
o alcance de melhores resultados em termos de impacto na
saúde da população.
Assim, a leitura direta do texto da NOAS revela uma visão do controle como
função assessória ao planejamento voltada para a obtenção de metas coletivas.
Da mesma forma, o fato da norma indicar que as funções de controle, regulação e
avaliação serão definidas em processos de pactuação entre as três esferas de
governo impulsiona a formação de complementaridade no espaço
interorganizacional do SUS, no sentido de articular bases de suporte decisório
especificamente relacionadas às atividades desenvolvidas no interior da estratégia
de regionalização. Sob este aspecto, as diretrizes da NOAS contribuem para a
formação de um padrão de interdependência em rede no interior no interior do
espaço interorganizacional do SUS.
212
Entretanto, como visto na seção 4.2, as funções de controle, regulação e
avaliação são partes da estratégia de obtenção de racionalidade sistêmica, sendo
este fato de extrema relevância na análise da concepção de controle contida nas
diretrizes da NOAS. Uma vez que as funções de controle, avaliação e regulação
devem estar subordinadas diretamente ao processo de planejamento, como diz o
trecho acima citado, e que este processo, como visto na seção 4.2, estabelece a
preponderância do gestor estadual no formato de coordenação do PDR, das
estratégias de racionalidade sistêmica e de condução do pacto de compromisso,
está configurada uma contradição no texto da NOAS.
213
mecanismos de racionalidade sistêmica, aspecto este característico de padrões de
interdependência de elevada institucionalidade.
214
Desta forma, é um elemento complexo cuja análise demanda a abordagem
por diversas dimensões e envolvem o exame de vários aspectos. Sendo assim, a
análise conduzida neste tópico aborda e enfatiza os aspectos técnicos e de
estratégia, sendo que os demais aspectos organizacionais e políticos serão
abordados ao longo da análise dos demais elementos que integram este Capítulo.
215
articular de forma flexível as necessidades (objetivos) particulares de cada
município com o objetivo maior de promoção da integralidade.
216
interdependência, tais relações assistenciais, somente, não são capazes de
configurar a produção de objetivos maiores com base em metas particulares, uma
vez que o foco da PPI está na metas individuais de cada município. Ou seja,
embora contribua para aperfeiçoar a performance geral do SUS, cada município
se insere em relações de intercâmbio via PPI buscando somente resolver seus
próprios problemas de insuficiência bases de provisão de serviços. Esta seria a
inserção da PPI na estratégia de gestão da assistência nos moldes da NOB 01/96,
estratégia esta também utilizada em caso de referências interestaduais, onde o
governo federal seria o responsável pela integração e compatibilização das PPIs
estaduais.
217
mecanismos que impulsionam a composição de objetivos coletivos a partir de
metas.
218
um padrão de interdependência em rede, pela presença de instrumentos e
mecanismos de assistência à saúde que contribuem neste sentido, quanto no
sentido apenas manter padrões de interdependência caracterizados por baixa
institucionalidade, por não incluir instrumentos e mecanismos voltados para o
trabalho conjunto envolvendo ações e programas coletivos de prevenção e
promoção à saúde.
219
governança necessária à consolidação das relações de coordenação
interorganizacional. Isto porque a governança emerge da coesão propiciada pela
interdependência gerada no interior do cluster de recursos, tendo nestes seus
pilares de sustentação. Estas bases institucionais consistem nas instâncias de
estratégias, nos espaços internos de pactação e nos canais externos de
articulação. Cabe, então, analisar como as diretrizes das NOAS articulam a
inserção destas bases no interior da estratégia de regionalização, uma vez que
para a construção de um padrão de interdependência em rede torna-se importante
não só a presença destas bases, mas também a forma de inserção destas, como
demonstrado no Capítulo 3.
220
A análise da atuação de instâncias de estratégia como parte da estratégia
de regionalização estabelecida pelas diretrizes da NOAS pode ser realizada com
base nos processos-chave de territorialização e de planejamento descritos na
seção 4.2. Neste caso, a análise do processo de planejamento deve ser realizada
antes e depois combinada com a análise da territorialização.
221
demográficas, sanitárias, etc.), na programação da assistência via PPI e nas
atividades de controle, regulação e avaliação do processo de regionalização, bem
como nos instrumentos desenhados para a realização destas atividades.
Entretanto, como visto nas análises iniciais desta seção, a região de saúde,
tal qual definida pela NOAS, é o conceito que apresenta os elementos essenciais
que caracterizam uma rede em potencial, uma vez que é composta por atores
autônomos (municípios e demais atores da Sociedade Civil e do Mercado), que
mantém relações de interdependência de recursos (referenciamento intermunicipal
no interior do SUS, e demais intercâmbios econômicos, sociais, políticos, etc) com
222
certa estabilidade. Ou seja, uma região de saúde consiste no espaço
interorganizacional que corresponde ao cluster de recursos com potencial de
formação de uma estrutura em rede devido ao seu maior nível de
interdependência interno. Este aspecto é de fundamental importância na análise
em questão, uma vez que o essencial não está somente na presença de
instâncias de estratégia visando o suporte às relações de interdependência, mas
também na forma de inserção destas instâncias no cluster da rede.
Sendo assim, uma vez que a SES consiste na única instância de estratégia,
que orienta o trabalho coletivo no âmbito de todo o estado, e que a região de
saúde possui apenas dimensão territorial, na medida em que não tem expressão
política, decisória ou organizacional, a instância de estratégia está estabelecida
fora do cluster da rede e, portanto, não se insere na dinâmica cotidiana das
relações de interdependência estabelecidas. Como afirmado no Capítulo 3, a rede
consiste numa forma de organização extremamente dinâmica, onde a velocidade
de adaptação das estratégias de articulação e integração das bases de recursos
torna-se um elemento essencial na garantia tanto de racionalidade sistêmica
quanto de flexibilidade operacional. Assim, segundo o referencial teórico
desenvolvido no Capítulo anterior, a estruturação da instância de estratégia, sem
relação direta com o cotidiano e com a dinâmica relacional do cluster de recursos,
atores e organizações, formado por uma região de saúde, compromete a eficácia
e a eficiência de suas estratégias de racionalidade sistêmica e de flexibilidade
operacional. Sendo assim, é possível afirmar que as diretrizes contidas na NOAS
não contribuem para a formação de um padrão de interdependência em rede, uma
vez que as estratégias, mecanismos e instrumentos e parâmetros de articulação
das bases de recursos são definidos em instâncias de estratégia fora do cluster de
recursos da região de saúde, caracterizando um padrão de elevada
institucionalidade.
223
5.3.8 – Espaços Internos de Pactação
224
natureza dinâmica e específica das relações de interdependência que sustentam
cada rede, exigindo que tais espaços sejam capazes de interpretar as
transformações do cotidiano e responder de forma rápida e adequada.
225
sentido, como visto na seção 4.2, a NOAS estabelece que, para garantir que o
processo de planejamento da regionalização expresso no PDR, que rearticula
recursos e atores de forma eficiente, ganhe expressão real e possa materializar os
princípios de universalidade, equidade e integralidade, torna-se necessária à
composição de um pacto de compromisso entre o gestor estadual e os gestores
municipais no âmbito de cada estado. Sendo assim, a NOAS delega a construção
do processo de governança da regionalização à relação entre a esfera estadual e
a municipal.
226
processo de aprendizagem estratégica entre os atores e organizações envolvidos,
na medida em que na CIB deverão ser resolvidos os impasses, mediados conflitos
de interesses, ajustadas percepções e estratégias de ação. Sendo assim, uma vez
que a NOAS estabelece a existência de espaços de pactação para a convergência
de forças políticas, onde há a construção coletiva do processo decisório, pode-se
dizer que suas diretrizes contribuem para a formação de um padrão de
interdependência em rede.
Sendo assim, uma vez que, de acordo com o formato decisório adotado
pela NOAS, a CIB consiste no único espaço de pactação para a convergência de
forças políticas de suporte à regionalização, sendo o espaço exclusivo para o
desenvolvimento das principais estratégias e coalizões necessárias, o espaço de
pactação está estabelecido de forma externa ao cluster da rede, reduzindo seu
potencial de legitimidade decisória e de sintonia com a dinâmica relacional dos
atores e organizações que compõem o cluster da rede. Da mesma forma que as
instâncias de estratégia, a forma de inserção dos espaços de pactação não
confere expressão política e decisória às regiões de saúde, uma vez que as
principais estratégias e projetos no desenvolvimento da regionalização são
definidos sob a condução da esfera estadual, o que confere baixo grau de
autonomia aos municípios que integram as regiões de saúde.
227
Desta forma, o formato de planejamento e processo decisório estabelecido
pela NOAS, com a instituição do gestor estadual como condutor do pacto de
compromisso, por meio do Termo de Compromisso de Garantia de Acesso e da
CIB como espaço único de pactação, configuram uma relação de
interdependência direta entre o gestor estadual e os municípios, estabelecendo,
assim, um padrão de governança caracterizado pela preponderância da esfera
estadual. Esta preponderância estadual é reforçada na medida em que o gestor
estadual é o ator que detém os recursos de maior relevância na definição da
estratégia de regionalização, fato este que reduz a autonomia decisória dos
municípios nas negociações na CIB. Sendo assim, uma vez que as diretrizes da
NOAS não estabelecem espaços internos de pactação ao nível das regiões de
saúde, convergindo o processo de aprendizagem estratégica para as instâncias da
esfera estadual e reduzindo a grau de autonomia e de flexibilidade decisória dos
municípios, é possível afirmar que não contribuem para a formação de um padrão
de interdependência em rede. Isto porque a coordenação política é centralizada
com a definição externa de objetivos e estratégias, caracterizando elevada
institucionalidade.
228
Sendo assim, os canais externos de articulação permitem inserir os atores
da rede em processos decisórios relativos à definição de formatos institucionais
gerais que produzem impacto sobre a estruturação das redes a nível local. A
definição destes parâmetros e regras gerais de organização e gestão das redes
locais envolve um processo de aprendizagem institucional que tem nos canais
externos de articulação seu suporte organizacional, ao proporcionar uma base
constante de revisão de regras, parâmetros de normalização e diretrizes básicas
de organização, ou seja, fundamentos institucionais que fornecem o formato sobre
o qual se desenvolverão as relações de interdependência de todo o sistema.
229
avança sobre a determinação da governança local da rede, fixando estratégias e
mecanismos de coordenação internos a esta.
230
SUS em questões que transcendem a simples determinação dos parâmetros
institucionais gerais do sistema. Estas inserções se verificam de forma enfática
principalmente no processo de qualificação das regiões/microrregiões de saúde e
na definição e gestão da PPI.
231
uma comprovação deste processo para que seja autorizada a alocação financeira
federal.
232
CAPÍTULO 6 – Consolidando as Análises: uma governança em rede?
233
estímulos para a construção de um padrão de interdependência em rede capaz de
manifestar as potencialidades destas como forma de coordenação
interorganizacional no aperfeiçoamento gerencial do SUS, ou seja, se tais
diretrizes contém elementos que impulsionam a composição de bases
consistentes e sustentáveis de organização do trabalho coletivo.
(2) Envolvimento dos atores dos níveis operacional, tático e estratégico, com
inserção seletiva destes atores (ênfase nos gestores municipais em
detrimento da Sociedade Civil);
234
(4) Estabelecimento de estratégias de gestão coletiva de recursos e de
compartilhamento decisório, com o domínio elevado de recursos de
recursos por um único ator, caracterizando certo grau de centralização de
poder;
235
no escopo das estratégias e mecanismos construídos para gerenciar as
atividades de coordenação interorganizacional ao nível do cluster das
regiões de saúde.
236
dos recursos Desenvolvimento poucos atores
de estratégias de
mecanismos de
gestão
compartilhada dos
recursos
Dispersos e
exercido de forma
Construção de
direta
formas e
Tende a enfatizar
estratégias de
as possibilidades
compartilhamento
Foco de Poder de cada ator de Poder centralizado
decisório
acordo com as
Foco de poder
assimetrias de
descentralizado e
domínio de
compartilhado
recursos.
Centralização de
informações e
Foco
mecanismos de
complementar de
Foco fiscalizador racionalidade
sistemas
disperso em sistêmica, típico de
Foco de controle articulados
diversos processos hierarquias
Caráter estratégico
de intercâmbio Ênfase na
de suporte à
dimensão
dinâmica gerencial
fiscalizadora do
controle
Ênfase exagerada
Foco principal nas Construção de um
nos aspectos
metas singulares compromisso em
coletivos podendo
de cada torno de objetivos
centralizar
organização maiores a partir
Objetivos atividades e
Realização de dos objetivos
processos, em
objetivos isolados particulares de
detrimento dos
e sem cada ator ou
objetivos
coordenação organização
particulares
Ausentes ou pouco Inseridas no cluster Estruturadas fora e
desenvolvidas da rede acima da rede
Instâncias Articulação Definição flexível e Definição externa e
estratégicas de insipiente da base compartilhada de mais rígida de
coordenação de recursos estratégias, estratégias,
interorganizaciona Ausência de mecanismos e mecanismos e
l estratégia de parâmetros de parâmetros de
racionalidade articulação da base articulação da base
sistêmica de recursos de recursos
Espaços internos Ausentes ou pouco Inseridas no cluster Estabelecidas fora
237
de pactação desenvolvidos da rede do cluster da rede
Predomínio de Processo de Coordenação
incerteza Aprendizagem política
estratégica estratégica centralizada
Definição e Definição externa
redefinição de objetivos,
constante e estratégias e
compartilhada de projetos de política
objetivos pública
Formação e
redefinição de
projetos
hegemônicos
Processos de
definição
compartilhada dos
Apenas Interferência
parâmetros
informalmente externa nos
mínimos relativos
desenvolvidos principais
ao formato
Canais externos (articulação parâmetros,
institucional da
de articulação informal) estratégias e
rede
Predomínio de mecanismos de
Homologação das
incerteza coordenação da
estratégias e
institucional rede
consensos
construídos ao
nível da rede
Fonte: elaboração própria.
Padrão de Interdependência Impulsionado pela NOAS.
238
A partir da análise da Tabela 17, que sumaria os resultados obtidos ao
longo do Capítulo 4, é possível perceber que as diretrizes da NOA estimulam uma
dinâmica de interdependência municipal fundamentalmente caracterizada tanto
por elementos de um padrão de interdependência em rede quanto por um padrão
de elevada institucionalidade. As principais conseqüências para a dinâmica
gerencial do processo de regionalização, de acordo com o referencial teórico
desenvolvido no Capítulo 3, consistem no fato de que a as diretrizes da NOAS
tanto formam bases (instrumentos e estratégias gerenciais) consistentes de
organização do trabalho coletivo quanto geram elementos para a emergência de
conflitos e crises de governança no interior do SUS, principalmente entre as
esferas estadual e municipal.
As bases para a formação de um potencial de trabalho coletivo estão
explicitamente estabelecidas nas diretrizes que fundamentam os processos-chave
de territorialização e de planejamento. Conforme demonstrado ao longo do
Capítulo 4, esses processos-chave são compostos por instrumentos e estratégias
que visam efetivamente a intensificação deliberada e planejada das relações
intermunicipais de intercâmbio de recursos, assim como a integração e a
articulação das bases de provisão de serviços.
Assim, a delimitação de referências territoriais (módulos assistenciais, e
microrregiões, regiões e macrorregiões de saúde) para a composição de políticas,
programas e sistemas organizacionais, a definição de uma lógica ascendente de
complexidade de serviços para a composição dessas referências e a
obrigatoriedade de estruturação das políticas e planos a partir das mesmas
referências são diretrizes que integram a estratégia de territorialização das bases
de organização da saúde da NOAS e possuem um potencial de integração e
articulação intermunicipal sem precedentes no processo de construção do SUS.
Da mesma forma, os instrumentos e mecanismos delineados para fornecer
suporte ao processo de planejamento da regionalização da saúde compõem um
conjunto de elementos com potencial de integração e articulação intermunicipal de
atores e organizações superior aos instrumentos e mecanismos até então
presentes na arquitetura institucional do SUS, com exceção da PPI.
239
Desta maneira, a instituição de instrumentos fundamentais de
planejamento, como o Plano Diretor de Regionalização, o Plano Diretor de
Investimentos, a Programação Pactuada e Integrada para áreas e políticas
específicas, mecanismos diversos de promoção da racionalidade sistêmica
(análises de capacidade instalada, de distribuição espacial desta capacidade,
projeções de realocação otimizada de recursos e investimentos, processos e
mecanismos de controle e regulação de fluxos intermunicipais) entre outros,
fornecem bases de organização do trabalho coletivo bem mais amplas do que as
proporcionadas pelos instrumentos e estratégias disponíveis até então no interior
do SUS.
Assim, como demonstrado pelas análises conduzidas durante o Capítulo 5,
e sumariadas na Tabela 17, o conjunto dos elementos que conforma a estratégia
de regionalização contida na NOAS introduz no espaço intermunicipal do SUS um
potencial de organização do trabalho coletivo capaz de gerar relações de
interdependência em rede, o que significa que existem, nesta estratégia, diretrizes
com capacidade de ampliar o grau de integralidade e equidade das políticas de
saúde. A única exceção consiste na pouca ênfase para a formação de objetivos
coletivos além das metas assistênciais individuais (linha 7 da Tabela 17), uma vez
que a estratégia da NOAS não inclui instrumentos e mecanismos direcionados a
compor ações, atividades e programas coletivos de prevenção e promoção da
saúde. Ou seja, as diretrizes da NOAS enfatizam exclusivamente os aspectos
assistenciais e individualizados da atenção à saúde. Neste sentido, a NOAS
desconsidera todo um potencial de trabalho coletivo que pode ser obtido por meio
da realização de ações, atividades e programas intermunicipais de atenção
primária.
Desta forma, as análises sugerem que as diretrizes da NOAS impulsionam
a composição de atividades complementares entre os municípios, a inserção de
diversos níveis gerenciais, a construção coletiva de regras gerais de orientação do
trabalho coletivo, o compartilhamento de recursos e sua gestão coletiva, o
compartilhamento decisório sobre políticas e programas, a complementaridade
entre sistemas de controle com foco de suporte estratégico às decisões, além do
240
estabelecimento de instância estratégica de coordenação interorganizacional (a
Secretaria Estadual de Saúde) e de espaço de pactação (Comissão Intergestora
Bipartite). De acordo com o referencial teórico produzido no Capítulo 3, a partir da
literatura sobre redes, a presença destes elementos configura a existência de um
considerável potencial de composição de organização de trabalho coletivo.
Entretanto, como também afirma a literatura, a efetivação deste potencial
de trabalho coletivo exige que se construam estratégias de governança
adequadas capazes de fornecer sustentabilidade às relações de interdependência
e intercâmbio de recursos. Como afirmado ao final do Capítulo 3, a presença de
elementos de centralização decisória em formações interorganizacionais em rede
implica na redução do potencial de promoção da sustentabilidade política, uma
vez que a condução dos principais instrumentos, mecanismos e estratégias de
organização do trabalho coletivo, a partir de atores e organizações com
autonomia, implica em constantes conflitos de governança.
Sendo assim, embora a estratégia da NOAS demonstre impulsionar, no
interior do SUS, um potencial de composição de organização de trabalho coletivo
intermunicipal, suas diretrizes também contém elementos explícitos que podem
gerar constantes conflitos de governança, o que implica na possibilidade de
inviabilizar a efetivação desse potencial de trabalho coletivo.
Esses elementos explícitos estão presentes em toda a estratégia de
planejamento instituída pela NOAS. Como pode ser verificado na Tabela 17, o
exame das características que compõem o padrão de interdependência
impulsionado pela NOAS demonstra, quase que em sua totalidade, a presença de
elevada institucionalidade, o que significa a existência de diretrizes que induzem a
condução centralizada de instrumentos e mecanismos de organização do trabalho
coletivo. Assim, a análise realizada no Capítulo 5 apresenta, a cada elemento
examinado, uma tendência à preponderância do gestor estadual na condução da
estratégia de regionalização. Esta preponderância, segundo os estudos sobre
redes, contrasta com a autonomia decisória dos municípios, implicando, assim, na
geração de conflitos de governança.
241
Uma vez que a regionalização é concebida como um processo dinâmico,
cujo sucesso depende da ação conjunta de diversos atores, principalmente os
municípios, convergindo em torno de um projeto consistente de rearticulação
eficiente das bases de provisão de serviços de saúde, seria de se esperar que
estes fossem os atores que efetivamente tivessem a preponderância decisória.
Isto porque se os municípios que compõem uma região/microrregião de saúde,
que consiste no lócus privilegiado pela NOAS para o aprofundamento da
interdependência que sustenta a estratégia de regionalização, são os atores que
compõem o ‘cluster’ do qual emerge a dinâmica interorganizacional que apresenta
o maior potencial de trabalho coletivo, acima referido, o sucesso das estratégias
de rearticulação das bases de serviço depende da legitimação constante destes
municípios.
Desta forma, os municípios, embora estejam inseridos nas arenas
decisórias e participem da elaboração e deliberação das estratégias de integração
e articulação das bases intermunicipais de serviços de saúde, não possuem a
autonomia sobre a condução do processo de organização do trabalho coletivo,
apesar de serem os atores essenciais na efetivação deste. Desta forma, a
preponderância estadual, tanto na definição das estratégias quanto na condução
dos instrumentos e mecanismos de organização do trabalho coletivo
intermunicipal, ao limitar a autonomia dos municípios pode implicar na redução do
grau de legitimidade das estratégias por parte dos municípios, o que seria fatal
para o sucesso da regionalização, pois esses são os atores fundamentais na
materialização desta.
Assim, a análise dos elementos de caracterização do padrão de
governança fomentado pelas diretrizes da NOAS fornece as evidências que
contribuem para a redução da capacidade de governança da estratégia de
regionalização. Quando da análise dos atores envolvidos e da amplitude de
inserção (seção 4.3.2) verificou-se que a estratégia da NOAS, embora busque a
inclusão tanto dos atores dos níveis operacional e tático quanto estratégico dos
municípios envolvidos, não institui mecanismos ou estratégias de inserção dos
atores da Sociedade Civil dos municípios, uma vez que os conselhos municipais
242
não participam de forma direta nas decisões dos principais planos e diretrizes
(PDR, PDI, etc). Isto porque tais decisões são tomados no interior da CIB,
envolvendo somente negociações entre gestores. Este aspecto reduz a
capacidade de governança do SUS por diminuir a legitimidade das decisões e
excluir atores que são fundamentais na construção democrática do SUS,
provocando conflitos entre as esferas na definição de diretrizes.
Da mesma forma, a análise do nível de formalização (seção 4.3.3)
demonstrou que os referenciais que orientam o trabalho coletivo entre a esfera
estadual e os municípios, principalmente no inteiro de uma região de saúde,
regulam também aspectos da dinâmica operacional regular dos municípios, uma
vez que a coordenação centralizada na SES implica na padronização de
processos, instrumentos e mecanismos utilizados no interior de todo o estado.
Assim, a regulação e a padronização do trabalho coletivo reduzem a flexibilidade
operacional, uma vez que cada região de saúde possui sua dinâmica própria de
intercâmbio de recursos e serviços. Ao interferir e regular a dinâmica
intermunicipal de trabalho, a estratégia da NOAS pode provocar constantes
conflitos durante a execução de políticas e programas, assim como constantes
defasagens nos parâmetros de alocação de recursos e realização de
investimentos.
Esta centralização do processo de condução dos principais instrumentos e
mecanismos de coordenação é impulsionada pela estratégia de domínio
concentrado de recursos (capacidade produtiva, recursos financeiros, capacidade
técnica e autoridade legal), que estabelece a preponderância do gestor estadual
no controle e na definição dos critérios de alocação e verificação de eficácia e
eficiência de utilização (seção 4.3.4). Este aspecto da estratégia da NOAS coloca
amplo potencial de direcionamento da dinâmica da regionalização, podendo
configurar restrição de autonomia dos municípios, o que, segundo os estudos
sobre redes, consiste em fonte constante de conflito e redução de potencial de
trabalho coletivo.
Como conseqüência, apesar das diretrizes da NOAS revelarem uma
concepção de controle como função assessória ao planejamento, o que consiste
243
num fator de ampliação da eficiência de trabalho coletivo, também estabelecem a
preponderância do gestor estadual em detrimento da autonomia operacional dos
municípios, uma vez que as funções de controle, avaliação e regulação estão
subordinadas ao processo de planejamento. Dado que os municípios são os
atores que efetivamente constroem (operacionalmente) a estratégia de
regionalização, a manutenção de sua autonomia é essencial para o sucesso
dessa estratégia. Sendo assim, tal contradição pode ser fonte constante de
conflito e redução do potencial coletivo de trabalho.
Quanto ao estabelecimento de bases organizacionais de suporte ao
processo de regionalização, que consistem em elementos fundamentais para a
solidificação do trabalho coletivo intermunicipal, as diretrizes da NOAS
impulsionam uma dinâmica organizacional que não favorece a construção de
bases sólidas de governança, principalmente tendo em vista o formato institucional
do SUS, uma vez que tanto a instância de estratégia (SES) quanto o espaço de
pactação (CIB) estão estabelecidos de forma externa à dinâmica das
microrregiões/regiões de saúde.
Em relação à instância de estratégia, sua capacidade de promover
racionalidade sistêmica, garantir flexibilidade operacional e ampliar a eficiência na
alocação de recursos é maior quando esta se encontra inserida diretamente na
dinâmica de fluxos de intercâmbio. Uma vez que a SES, como instância de
estratégia da regionalização, se encontra distanciada da dinâmica do trabalho
intermunicipal, sua capacidade para as funções acima mencionadas é reduzida
significativamente, o que pode provocar conflitos de estratégia em virtude das
possíveis divergências em termos de informações relativas a parâmetros de
política e o funcionamento de programas, entre outros.
No que refere ao espaço de pactação, da mesma forma, sua instituição de
forma autônoma, sem a preponderância de um ator específico no processo
decisório, amplia seu potencial de compor estratégias democráticas e plurais, de
desenvolver compartilhamento decisório, de compor consensos e de prevenir
bloqueios e impasses. Sendo assim, o estabelecimento da CIB como espaço
único de pactação para todas as regiões/microrregiões de saúde de um estado
244
privilegia a atuação do gestor estadual na composição de estratégias e na tomada
de decisões, reduzindo, assim, o poder de decisão dos municípios na
determinação de suas próprias estratégias, e contribuindo para reduzir a
sustentabilidade política da estratégia de regionalização.
Como afirmado no Capítulo 4 (seção 4.3.8) a sustentabilidade política em
formações interorganizacionais é construída por meio de um processo de
aprendizagem estratégica que envolve constantes articulações e ajustes de
interesse de forma a compatibilizar as demandas dos diversos atores envolvidos,
sem a imposição ou preponderância de posições unilaterais. Assim, a construção
da governança em formações interorganizacionais pressupõe o exercício de
autonomia como fundamento de legitimidade das decisões, autonomia esta que
não é plenamente exercida diante da preponderância do gestor estadual na
estratégia desenhada na NOAS. Logo, o estabelecimento da preponderância
decisória do gestor estadual no processo de aprendizagem estratégica, subjacente
à construção da regionalização, abre espaço para a instituição de
posicionamentos unilaterais, o que consiste em fonte consistente de divergências
e conflitos de governança.
Desta forma, como constatado pela análise dos resultados sumariados na
Tabela 17, embora as diretrizes da NOAS tenham estabelecido instrumentos e
mecanismos com potencial de promoção do trabalho coletivo intermunicipal para o
aperfeiçoamento da performance do SUS, o formato de construção da governança
e da coordenação desses instrumentos e mecanismos instituído pela mesma
norma, que promove a preponderância do gestor estadual em detrimento da
organização autônoma dos municípios diretamente envolvidos, contém elementos
que favorecem claramente o surgimento de conflitos decisórios e a redução da
eficiência e da flexibilidade operacional no intercâmbio de recursos entre os
municípios.
Sendo assim, a análise da estratégia de regionalização contida na NOAS
aponta a necessidade de reformulações no sentido de buscar principalmente
reestruturar as bases de construção da governança intermunicipal. Qualquer
proposta de redefinição da estratégia de regionalização da saúde deve considerar
245
reformulações tanto na forma de condução do processo decisório relativo à
composição dos principais instrumentos como o PDR e o PDI quanto na forma de
coordenação do trabalho coletivo intermunicipal regular, que envolve a condução
de instrumentos como a PPI e os mecanismos de controle, regulação e avaliação,
entre outros.
Como visto, os elementos que contribuem para a redução do potencial de
sustentabilidade das estratégias de coordenação intermunicipal estão
relacionados essencialmente à preponderância da esfera estadual tanto como
detentora de recursos estratégicos quanto em sua centralidade nos processos
decisórios e no comando dos principais instrumentos e mecanismos que ordenam
o trabalho coletivo intermunicipal.
Sendo assim, as possíveis reformulações na estratégia de regionalização
da saúde no âmbito do SUS devem reduzir o papel da esfera estadual,
principalmente do gestor estadual, e ampliar o papel dos municípios tanto no
domínio de recursos quanto na condução dos principais instrumentos e
mecanismos de ordenamento do trabalho coletivo. Tais reformulações não devem
conduzir a eliminação do papel dos estados na estratégia de regionalização, mas
somente numa redefinição de suas funções, deixando de ser um ator que domina
as principais fases do processo para se inserir como um mediador, facilitador e
coordenador com funções de assessoramento e de acompanhamento das
relações intermunicipais de forma diferenciada de acordo com a dinâmica de cada
região/microrregião de saúde.
Quanto à estruturação do processo decisório e à condução dos principais
instrumentos e mecanismos de ordenamento do trabalho coletivo intermunicipal,
ambas podem ser fundamentadas em arranjos institucionais com abrangência
circunscrita à uma região de saúde (ou macrorregião, de acordo com a estratégia
de cada estado), onde os próprios municípios constroem estratégias de
compartilhamento de poder decisório e compõem consensos a partir de
processos constantes de articulação, negociação, ajuste de interesses e
percepções e definição conjunta de estratégias de ação. Tais arranjos
interorganizacionais institucionalizados podem assumir a forma jurídica de
246
consórcios municipais ou adotar um formato inovador especificamente construído
para tal.
A composição institucional deve prever a estruturação de bases
organizacionais mínimas capazes tanto de fornecer suporte técnico e operacional
quanto político e financeiro. Assim, o suporte técnico e operacional pode ser
fornecido por uma secretaria executiva que seria equivalente a uma instância de
estratégia visando o ordenamento operacional intermunicipal de estratégias de
promoção de racionalidade sistêmica e a flexibilização dos mecanismos de
intercâmbio de recursos.
Da mesma forma, todo o processo decisório poderia ser conduzido no
interior de uma comissão intergestores intermunicipal dentro de cada região de
saúde que representaria e responderia pelas atribuições de um espaço interno de
pactação, onde seriam definidas as principais estratégias e direcionamentos de
composição de instrumentos como o PDR e o PDI. Assim, tais comissões
poderiam ser compostas não só por gestores de saúde, mas também pelos
próprios prefeitos, o que ampliaria a capacidade decisória de tais instância e a
legitimidade dos planos e estratégias resultantes.
Como condição tanto de ampliar a legitimidade de tais planos e estratégias
quanto de promover a eficiência e o grau de accountability de tais arranjos
intermunicipais poderiam ser instituídos conselhos intermunicipais de saúde que
seriam responsáveis tanto por atribuições técnicas como as de controle e
avaliação quanto de suporte político democrático.
O suporte financeiro poderia ser constituído pelas mesmas dotações
transferidas pelo governo federal acrescidas de cotas do gestor estadual e dos
municípios componentes de cada região de saúde. O somatório de tais fluxos
financeiros integraria um fundo intermunicipal que estaria sob o comando da
comissão intergestores intermunicipal e sob o controle do conselho intermunicipal
de saúde.
247
entre os municípios, gerando uma maior capacidade de trabalho coletivo. Assim, a
institucionalização de arranjos intermunicipais com maior autonomia decisória e
operacional coordenados pelo gestor estadual seriam capazes de manifestar
maior potencial de obtenção dos princípios de universalidade, integralidade e
equidade do o atual formato estabelecido pela NOAS.
248