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“É difícil imaginar um livro mais cheio de graça e discernimento

quanto à vida incomum do pastor comum. Por isso, deixarei a


tentativa de encontrar algum outro e lerei novamente O Pastor
Imperfeito, de Zack Eswine. Ninguém hoje expressa mais
discernimento quanto aos perigos e às alegrias do ministério diário
na igreja local – uma meditação refrescantemente honesta, escrita
com beleza.”
Mark Galli, editor-chefe, Christianity Today

“Gostaria de ter lido esta obra vinte anos atrás, quando comecei a
considerar o ministério pastoral. O assunto que Zack aborda é vital
tanto para pastores novatos quanto para pastores experientes. Ele
nos direciona a evitarmos as ambições perigosas, as expectativas
absurdas e os padrões de trabalho prejudiciais. No entanto, ele faz
isso com inteligência, autocrítica e profundo realismo. Eswine
reacendeu em mim um amor pelo Pastor Perfeito, cuja graça
extraordinária inclui pastores imperfeitos na obra de seu reino. Este
livro deveria estar na lista de leituras indispensáveis de todo pastor!”
Mark Meynell, diretor associado (Europa), Langham Preaching;
Autor, A Wilderness of Mirrors

“Zack Eswine o fez novamente. Em O Pastor Imperfeito, ele


estende a mão de irmandade a cada ministro do evangelho. Muitos
soldados fatigados guardam as linhas de frente; Eswine lembra a
todos nós que Cristo é nosso guarda e defensor, e que nele está o
nosso lugar de maior força.”
Lore Fergurson, escritor, designer gráfico, palestrante
“Este livro precisa ser lido por todo pastor, para nos resgatar e nos
chamar de volta ao que realmente importa. As expectativas de
ministério grande, rápido e famoso numa cultura pós-cristã podem
ser um fardo destrutivo. A sabedoria de Zack é um bálsamo curador
que traz a graça necessária para nos ajudar a ministrarmos com
paciência e perseverança.”
Peter Boyd, pastor, Shore Presbiterian Church, Auckland, New
Zeland

“Aqui há sabedoria reminiscente dos pregadores dotados de


outras épocas, mas expressa no tom e no som de nossos dias. Há
teologia pastoral escrita, pregada e vivenciada na vida real e
provada do próprio Zack. Há conselho humano e piedoso. Você
deve ler este livro.”
Leighton Ford, presidente, Leigthon Ford Ministries

“Zack Eswine projeta sua prosa numa área muito sensível que
nós, pastores e líderes, odiamos discutir: nós extraímos nosso
senso de identidade e estima do número de pessoas que vão às
nossas igrejas, do volume das ofertas e de nossos seguidores em
mídias sociais. Este é um livro cheio não de condenação e sim de
encorajamento cativante. Pude sentir os braços de Zack ao meu
redor quando Deus o usou para me mostrar o caminho adiante – em
direção a uma vereda de cura e esperança.”
Bryan Loritts, pastor de pregação e missões, Trinity Grace
Church, New York City; fundador e presidente, The Kainos
Movement; editor, Letters to a Birmingham Jail

“Este é simplesmente o melhor livro sobre ministério pastoral que


já li. Num mundo de ministério caótico que idolatra tamanho e
estrelato, Zack abre nossos olhos para a única coisa que realmente
importa. Leia com oração e releia esta meditação bela e pungente, e
você descobrirá alegria e verdadeira grandeza em meio à sua
extraordinária vida comum diária.”
Ken Shigematsu, pastor, Tenth Church Vancouver;
Autor best-seller, God in My Everything

“O Pastor Imperfeito é um lembrete revigorante do que o ministério


realmente é: andarmos com Jesus, reconhecermos nossos próprios
desejos e limitações e refletirmos uma atitude ouvinte, uma
paciência esperançosa e um propósito restaurador. As experiências
pessoais de Zack relacionadas aos altos e baixos do ministério, bem
como sua abordagem contemplativa à espiritualidade, desafiarão e
encorajarão qualquer um que busca ministrar em nome de Jesus.”
Wendy Der, diretor de mobilização no México, Avance
Internacional
Para Mamaw, Papaw e Jessica.
Aguardo ansioso o momento de poder apresentá-los
Sumário

Agradecimentos
Apresentação à Edição em Português
Introdução
PRIMEIRA PARTE | A Chamada que seguimos
1 | Desejo
2 | Reconquistando nossa humanidade
3 | Saindo de casa
4 | Invisível
SEGUNDA PARTE | As tentações que enfrentamos
5 | Estar em todo lugar para todos
6 | Consertar tudo
7 | Saber tudo
8 | Imediatismo
TERCEIRA PARTE | Reformulando nossa vida interior
9 | Uma nova ambição
10 | Contemplando Deus
11 | Encontrando o nosso ritmo
QUARTA PARTE | Reformulando o trabalho que fazemos
12 | Cuidando dos enfermos
13 | Cuidando dos pecadores
14 | Conhecimento Local
15 | Liderança
16 | Realismo Romântico
Agradecimentos

Quero agradecer a Dave Dewit, cujo coração em favor de líderes


no ministério e dedicação a este livro me humilha e encoraja.
Obrigado também a Lydia Brownback por seu trabalho de edição.
Sou grato à Bruwer Vroon, Matt Blazer, e aos presbíteros da igreja
de Riverside que leram os esboços iniciais e fizeram sugestões.
Obrigado, Jessica, pelas muitas leituras que fez tarde da noite e aos
sábados. Sua sensibilidade, sugestões e seu estímulo em nossa
mútua parceria me abençoam.
Sou grato à Igreja de Riverside, de cujo contexto de cotidiana vida
mútua e de meios comuns eu escrevo este livro.
Apresentação à Edição em Português

Lidando com o aconselhamento pastoral por alguns anos, tenho


percebido que muitos dos grandes problemas que enfrentamos
parecem resultar de uma equação simples e binária: Não queremos
Deus e queremos ser Deus. No fim das contas, o verso e reverso de
uma mesma moeda. A marca registrada da impiedade humana, a
qual, desde as suas raízes, caracteriza-se ativamente por estultícia,
soberba e idolatria. Em rigor, a impiedade que acometeu os seres
humanos é isto, a saber, o desprezo a Deus, que se manifesta em
virar as costas para ele e tentar assumir o controle de tudo.
A lógica falida de não querer Deus e querer ser Deus, logo
percebi, pode também ser uma realidade muito fortemente ativa em
mim, pastor e conselheiro. Se você, leitor, pastoreia um rebanho de
Cristo, suponho que entende o que estou tentando dizer. Nós,
pastores, estamos constantemente sujeitos à tentação tão antiga
quanto a astuta serpente no jardim: “É certo que não morrereis.
Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão
os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.” (Gn
3. 4b-5).
O único pastor perfeito, Jesus Cristo, sofreu um ataque
semelhante. No quarto capítulo do Evangelho de Mateus, lemos que
ele foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo.
Vemos neste texto três áreas de tentações frequentes no ministério
pastoral.
“Manda que estas pedras se transformem em pães” (v. 3). Jesus
estava com fome. “Supra sua necessidade física”, foi o conselho do
maligno. A tentação para ser imediatista, por atender as
necessidades do momento, suprir o povo naquilo que este julga ser
as suas mais sérias e importantes necessidades... Em suma, agir
inteiramente referenciado por interesses pessoais. Isso atinge o
centro de nossa identidade. Trata-se de uma tentação muito sutil,
pois não é prontamente reconhecida como tal. Geralmente, trocando
alhos por bugalhos, confundimos esta tentação como sendo um
chamado de Deus. E nos indagamos: “Afinal de contas, o Senhor
não quer que alimentemos o povo?” “Ele não quer que sejamos
produtivos e eficientes em nosso trabalho?”
Assim, pensar em um ministério que lance raízes, que trabalhe
sistemática e perseverantemente a fim de ver vidas serem
transformadas, que seja constante e diacrônico na pregação e no
discipulado cotidiano, enfim, tudo que exija o concurso de tempo
para o amadurecimento, pode ser inconcebível para alguns de nós.
Há alguns, em nossa atual geração de pastores, que têm imensa
dificuldade com processos lentos, que exigem dedicação e esforço e
que não trazem resultados imediatos.
“Então o diabo o levou à Cidade Santa, colocou-o sobre o pináculo
do templo. E lhe disse: Se és filho de Deus, atira-te abaixo, porque
está escrito: aos seus anjos ordenará a teu respeito, que te
guardem...” (vv. 5-6). Assim, a tentação para se realizar algo
espetacular não diminui desde os tempos de Jesus. Imagine o
espetáculo que seria Jesus pulando do alto do templo e os anjos
apressando-se em segurá-lo nos céus. Este cenário teria toda uma
atmosfera Hollywoodiana. Em nossos ministérios, também podemos
ser seduzidos pelo ideal de sucesso reluzente ao custo da
fidelidade. Certamente, queremos ser bem sucedidos. Mas o que
isto significa? A realidade é que podemos ter nesta área referenciais
absolutamente mundanos, secularizados, e tomá-los como sinais
indiscutíveis de bênção e evidente aprovação de Deus.
Pare um pouco e pense na história do povo de Deus, e sobretudo
na pessoa de Jesus Cristo, o melhor dos pastores. Pode ser difícil
lembrarmos que a salvação vem do “remanescente de Israel”; do
“renovo que brota de uma terra seca”. É difícil acreditar no
nascimento despretensioso do Rei dos reis, que veio ao mundo
como servo, entrou em Jerusalém montado num pequeno
jumentinho, morreu em uma cruz ao lado de ladrões e como um
criminoso amaldiçoado e proscrito. Quando lemos o livro de Atos
dos Apóstolos, constatamos que o evangelho se espalhou e tomou
força pela pregação de “homens comuns”, de “pescadores incultos”,
e de um outrora fariseu, perseguidor da igreja, que foi o apóstolo
Paulo. E o poder de Deus aperfeiçoou-se em meio àquelas
fraquezas, a fim de que a glória fosse inteiramente do Senhor.
Um incansável missionário norte-americano no Brasil, certa
ocasião, escreveu oferecendo um alerta: “É importante compreender
que nossa ânsia pelo espetacular é mais uma manifestação de
nossa busca por identidade. Queremos ser alguém, queremos ser
celebrados, ter ministério reconhecido. Se o espetacular cumpre
nossa necessidade íntima, faremos qualquer coisa para consegui-
lo.” Porém, o que realmente importa? Quem realmente somos? O
que nos motiva a provarmos o nosso valor por meio daquilo que
fazemos? Nós pastores sabemos que o cenário do ministério
pastoral evangélico, tristemente, pode ser caracterizado por
competições, manipulações e comparações ministeriais. Aqui neste
livro temos um chamado a “permitir” que o poder de Deus se
evidencie através de nós, que somos frágeis vasos de barro, por
meio de nossa fraqueza e pequenez.
“Levou-o ainda o diabo a um monte alto, mostrou-lhe todos os
reinos do mundo e a glória deles, e lhe disse: tudo isso te darei se
prostrado, me adorares” (vv. 8-9). Penso que entendemos ser esta
uma tentação contínua no ministério pastoral. Com alguma
frequência, nos encontramos persuadidos de que a busca de poder
e o desejo de servir têm o mesmo significado. Em um contexto
assim, facilmente os fins podem justificar os meios, atendendo ao
nosso desejo de sermos mais eficazes no trabalho de Deus.
Indagamos intimamente: “Que valor há em não termos poder, em
não causarmos impacto?”.
Nos momentos em que nos virmos sujeitos a tal realidade, ajuda-
nos lembrarmos que o ministério é servir ao Senhor dependendo do
seu poder e não do nosso. No reconhecimento de nossa fraqueza e
vulnerabilidade nos tornamos mais dependentes da graça de Deus,
e mais agradecidos por ela, ao mesmo tempo em que somos
levados à empática posição de nos tornamos solidários ao próximo.
Quando o Senhor Jesus Cristo foi tentado, respondeu: “Ao Senhor
teu Deus adorarás, e só a ele darás culto” (v. 10b). Estas palavras
nos lembram que vamos nos tornando parecidos com aquilo que
adoramos, e constituem-se em alerta para que, em nosso ministério,
tenhamos os olhos fixos em Cristo. Quando deixamos de olhar para
Jesus, podemos ser facilmente conduzidos a usar pessoas,
manipular circunstâncias, armar situações para alcançar os nossos
objetivos, e entrar em vergonhosas e patéticas disputas de poder.
Nunca ficaremos livres destas tentações em nosso ministério. Elas
são constrangedoras e sedutoras por atingirem a nossa ambição e
prometerem satisfazer a ilusão do ser humano egocêntrico. Eu e
você podemos servir ao Senhor com o coração puro e autêntico. Eu
e você podemos servir sem que dependamos, em todo tempo, de
que o nosso valor seja referenciado pelo meio – e se há uma
verdade acerca do meio é que ele é instável e caprichoso. E se o
Senhor nos conceder aquela graça, então estaremos mais livres. E
desfrutar do oxigênio dessa liberdade, provocará uma alegria
profunda em servir ao nosso Deus com um coração inteiramente
voltado para ele.
O triste fato, porém, é que reconhecidamente chegamos até aqui
com uma história de fracassos nessas áreas. Cristo, que foi vitorioso
nestas tentações tão prementes, é o único pastor perfeito. Ele é o
“supremo pastor e bispo” de nossas almas que, por natureza, são
carentes e mesquinhas. Digno é o cordeiro! Sim. Nós, assim como
Pedro e Paulo, somos todos pastores imperfeitos, com histórias de
fracassos para contar.
O Pastor Imperfeito é o segundo livro de Zack Eswine publicado
em português. O primeiro foi A Depressão de Spurgeon (Fiel, 2015).
O Senhor me conferiu a oportunidade honrosa de revisar e prefaciar
a ambos. O Dr. Zachary W. Eswine foi por seis anos professor
assistente de Homilética e diretor do programa de Doutorado no
Covenant Theological Seminary, em St. Louis, Missouri, nos
Estados Unidos. Atualmente, ele conduz o ministério pastoral em
uma igreja na mesma cidade. Eswine é também o autor de alguns
outros livros, inclusive de um acerca do método de pregação de
Spurgeon — Kindled Fire: How the methods of C.H. Spurgeon can
help your preaching.
Em O Pastor Imperfeito, Eswine faz pulsar, com uma sonoridade
simples porém vibrante, o seu “coração de pastor”. Com acolhedora
ternura, sensível compaixão e graciosa firmeza, ele situa o chamado
que seguimos, reposicionando-nos em nossa humanidade. A seguir
expõe a insensatez de engrossarmos as tipologias ministeriais que
refletem o padrão de não querer Deus e querer ser como Deus. Na
terceira parte do livro, faz uma chamada à reformulação de nosso
mundo interior, por situarmos as nossas ambições em perspectivas
divinas e realistas. A parte final do livro é dedicada a uma
reformulação do trabalho pastoral cotidiano, de uma forma prática e
balizada instrumentalmente por discernimento, critério e medida.
O Pastor Imperfeito, penso eu, é oportuna contribuição à teologia
pastoral, e particularmente à poimênica evangélico-reformada. Ele
nos será muito útil, os quatro presbíteros de nossa igreja, pois
pastores imperfeitos é o que somos, embora nem sempre estejamos
lembrados ou crendo nisto. Como João Batista, eu precisarei
relembrar a mim mesmo, aos meus colegas e à nossa preciosa
congregação: “Eu não sou o Cristo”.
Gilson Santos
Introdução

Tornei-me pastor. Mas eu não sabia como ser um deles.


A Serpente viu isso. Aproveitou a oportunidade. “Você pode ser
como Deus”, disse ela. E eu, tolo, acreditei.
Olhando atrás, para esses vinte anos de trabalho pastoral, vêm à
minha mente as palavras de um poeta. Elas preparam o palco para
a conversa que quero ter com você.

É muito provável, arrazoa o pregador,


Que você esteja mais disposto a escutar
Agora que sua cidade desmoronou de onde estivera.1

Estou escutando mais. Convido você, em sua cidade derribada, a


juntar-se a mim.
Quando comecei não sabia que a vocação pastoral em Jesus
traria limites, faria com que eu andasse mais devagar, e
desmancharia, dolorosamente, a mal direcionada orientação de
minha vida. Agora sei que meu sucesso e minha alegria como
pastor dependem disso.
O seu também.
Carl Dennis, “Smaller”, em Unknown Friends [Amigos desconhecidos], (New York: Penguin
Poets, 2007), 16.
PRIMEIRA PARTE | A CHAMADA QUE
SEGUIMOS
Vocação
O lugar que ele nos dá para habitar.
O pouco que ele nos dá para fazer naquele lugar.
As pessoas a quem convida para que conheçamos ali.
Esses nossos dias,
em que continuamos por aí.

Basta então,
essa velha obra de mãos
Dele e nossa
para aqui amar,
para aprender aqui a sua canção, como grilos que arranham
e cantam,
dos recantos invisíveis,

continuando a fazer
aquilo para o que foram criados,
a arte noturna de
faces não notadas,
com nossas asas não observadas, até que, mais uma vez, ele caminhe
no frescor do dia,
para reclamar nossos nomes.

E nós então,
com nossas bandeiras brancas costuradas,
estaremos por trás de suas sempre verdejantes,
finalmente deixando o lugar escondido
e com ele
mais uma vez caminhando juntos.
1 | Desejo

Ele pensa somente naquilo que deseja e não se pergunta se deveria


desejar isso.
–B C

Eu me lembro de estar sentado no estacionamento, em uma


mesa de piquenique na casa de meus avós em Henryville, Indiana.
Estava no terceiro ano de meu primeiro pastorado. Tirara uma breve
licença de estudo para escrever meu primeiro artigo para uma
publicação ministerial. Mamaw, feliz com a minha visita mais longa,
fez o bolo de especiarias que sempre fazia quando eu vinha à sua
cidade. Pegando minha caneta e olhando rua abaixo, senti o que
qualquer pessoa com certeza sentiria quando começa a realizar
aquilo que sabe que foi feita para fazer — o nobre prazer de sentir
que, de alguma forma, basta a nós esse dia, que o dia não pode nos
conter porque brilharemos mais que ele. No meu caso, sentia um
crescente desejo de escrever algo significativo para os pastores.
Queria que fosse algo excepcional.
Naquela semana sabática, devorei o assunto que mais me
empolgava na época — os primórdios do Seminário Princeton e a
pregação. Isso provavelmente soa irritante ou incrivelmente
maçante para algumas pessoas. Mas, para mim, o assunto era
como o bolo de especiarias da Mamaw. O primeiro reitor de
Princeton, Archibald Alexander, bem como o seu filho, pareciam ter
tanto para dizer, e isso alimentou minha alma com respeito à
pregação. Ofereciam alimento deleitoso para o pastor ferido em que
eu estava me tornando. Fazendo uma retrospectiva, penso que
mesmo sendo novo no ministério, eu já estava profundamente
cansado.
De alguma forma, no entanto, aquele sentimento de estarmos
realizando algo significativo pode fazer com que nos enganemos, ao
ponto de acharmos que as coisas na verdade não são tão ruins
quanto parecem. Uma boa lembrança pode se juntar a esse
sentimento e, juntos, eles alimentam um refúgio de esperança. Dr.
Calhoun compartilhou com regularidade sua sala de estar e uma
xícara de chá. Com o passar dos meses, ele transmitira o amor que
sentia pelo velho Princeton para mim (e para outros). Tendo tal
memória jungida à oportunidade de escrever, e o bolo de
especiarias da Mamaw à minha frente, eu me sentia animado.
Sempre quis transformar o mundo. Desejava muito fazer isso.
Olhando para trás, eu achava que esse tipo de desejo era para um
grande momento épico. (As pessoas excepcionais não são presas a
uma vida de momentos nada excepcionais, não é mesmo?) Esses
momentos épicos, quando realizados, não deixariam nada ser o
mesmo. O próprio céu teria nos tocado. Essa ideia de uma grande
arremetida flertava com os meus desejos. A aspiração épica
começou a andar de mãos dadas com as minhas tentativas de
pregar.
Não estava só nisso. Os meus colegas que se formaram comigo
no seminário partilhavam desses mesmos anseios e sonhos. E em
minha mente isso não era irracional. Afinal, os meus professores e
colegas de estudo reconheciam publicamente a minha pregação e
afirmavam meus dons. Eu também tinha lido sobre como Deus
atendera a pregadores com o seu Espírito no passado, e desejava
que ele fizesse o mesmo conosco no presente. Mas depois de dois
anos em minha primeira igreja, toda a minha pregação parecia
apenas dar às pessoas um motivo para visitar e escolher outras
igrejas.
Passei, portanto, a desejar o encontro de um momento épico fora
do púlpito. Tentaria pastorear pessoas com este grandioso fim.
Porém, o nível de conflito existente entre meus presbíteros me
deixava atônito. Eu estava chegando àquele pedaço da estrada no
deserto que a maioria dos pastores novos têm de passar nos
primeiros dois a quatro anos de um novo chamado — o deserto em
que a maioria de nós desiste. Mas naquela época eu não percebia.
Nem percebia o grande quebrantamento que uma pequena igreja
consegue suportar. Naquele tempo, eu não compreendia o que
agora estou compelido a dizer. Os pastores não são diferentes de
outras pessoas. Nós também nos “perdemos em nossos anseios”.2

Desejo
A Serpente sabe disso. As árvores do jardim eram desejáveis, boas
e agradáveis aos olhos (Gn 2.9). Entretanto, quando Eva viu aquela
árvore única, desejou-a de modo torto. Ela e Adão procuraram
consumi-la à parte de Deus, apesar do propósito declarado para
aquela árvore (Gn 3.6). Queriam algo desejável, mas do modo
errado. É possível que façamos o mesmo no ministério.
Não se engane. O desejo é um fogo de artifício. Manuseado com
sabedoria, enche o céu da noite com luz, cor, beleza e deleite. O
desejo mal manuseado pode queimar e incendiar toda a sua
vizinhança (Tg 4.1–2).
Conheço em primeira mão a beleza e o incêndio criminoso dos
desejos ministeriais. Sei o que é ficar perdido nesses desejos e
precisar ser reencontrado em Jesus. Eu era um desses caras a
quem as pessoas diziam: “Você é um dos melhores pregadores que
já ouvi, e é tão jovem — mal posso esperar ouvi-lo daqui a dez
anos”. Bem, há muito se passaram dez anos e eu não me tornei
aquilo que foi projetado antes.
Não falo isso com morbidez. Espero que você logo perceba que
escrevo como quem sente profundamente ter sido resgatado de si
mesmo pela abundante graça de Jesus. As águas insalubres da
celebridade, consumismo e gratificação imediata haviam infiltrado a
água que eu bebia. Meus desejos pastorais tinham se maculado
sem que eu percebesse. Muitos de nós não percebemos. Nós e
nossas congregações sofremos por isso.
Portanto, estabeleçamos o fato de que a vocação pastoral começa
com o desejo. O apóstolo Paulo diz o seguinte: “Fiel é a palavra: se
alguém aspira ao episcopado, excelente obra almeja (1Tm 3.1).
Pedro concorda: “pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós,
não por constrangimento, mas espontaneamente, como Deus quer;
nem por sórdida ganância, mas de boa vontade” (1Pe 5.2).
Reflita comigo por um momento. Quando foi que você tornou
conhecido o seu desejo pelo ministério pela primeira vez? Era mais
velho ou mais jovem? A quem você contou? No meu caso, eu
estava na segunda série do ensino fundamental da escola Saint
Anthony. A Sra. Canter escrevera no quadro de giz: “O que você
quer ser quando crescer?”
Eu respondi, e Sra. Canter ajuntou as duas palavras para todos
verem: “Zack — Sacerdote”.
Eu ainda não associara o desejo pastoral ao amor por dinheiro (Lc
16.4), contatos para angariar posição (Mt 23.6–7), cobiça por poder
(At 8.18–21) ou ao avanço de meu próprio nome. Ainda não sabia
que servir a Deus poderia ser usado, até mesmo por mim, como
modo de tentar, alinhado com o velho sussurro da Serpente, tornar-
me como Deus (Gn 3.5). Só sabia, como menino de oito anos, que
eu desejava servir a Deus com minha vida em ministério vocacional.
Eu não estava inquieto naquela época, nem um pouco. Era
maravilhoso.
Desde então, porém, aprendi algo, não como sacerdote, mas
como pastor. Existem muitos tipos de desejos atuando neste mundo,
e nem todos eles são bons.

E se você for uma montanha sem nome?


Meus desejos começaram a correr atrás de toda espécie errada de
mentoria. Fui auxiliar de pastor da juventude em uma igreja
pequena, lugar onde iniciei o meu ministério pastoral. O meu pastor
gastou horas e mais horas me ensinando por três anos. Mas notei
algo. Ao entrar em reuniões regionais regulares de pastores e
líderes de igreja, ele e eu entramos calmamente, enquanto outros
pastores geralmente entravam na sala com certo estardalhaço.
Eram os pastores de grandes igrejas. Alguns tinham escrito livros,
moderado congressos e pregado a milhares de pessoas. Embora
anos mais tarde eu viesse a conhecer um pouco dessa espécie de
fanfarra, o fiel pastor que foi meu mentor jamais teria essa
experiência.
Ao longo do caminho, descobri algumas das razões para isso. Eu
fazia parte de uma equipe que oferecia uma conferência anual para
pastores. No ano em que tentamos resistir a um pensamento
centrado em celebridade, mal conseguimos financiar a conferência.
Nossos pregadores eram líderes veteranos, de muito tempo de
ministério, mas desconhecidos. Tristemente, as inscrições para essa
conferência foram poucas.
No ano seguinte voltamos a obter grandes nomes para que as
pessoas viessem. Com certeza, a conferência ficou lotada de gente.
Na nossa terra, a experiência e sabedoria do pastor têm pouco valor
financeiro, a não ser que ele seja bem conhecido. De onde veio
essa ideia? Não sei, mas preste atenção. Essa mensagem gritava
alto e claro para mim quando eu era jovem pastor em treinamento.
O que estou tentando dizer a você é que naquela época eu estava
com vinte e seis anos, terminando o seminário, e a pureza do meu
desejo de servir a Deus por aquilo que ele é, enquanto ainda
cursava a segunda série do ensino fundamental, estava se
apagando. Estava se tornando bem claro que, se quisesse obter
sucesso no ministério, eu precisaria fazer algo grandioso. Eu teria
de definir o que seria grande em termos de tamanho, fama e a
rapidez com que conseguiria realizar.
Voltando àquelas introduções iniciais, à cultura pastoral, vem à
mente uma historieta contada sobre o famoso Richard Foster e seu
filho, Nathan. Nathan estava ansioso por conquistar rapidamente as
famosas montanhas do Colorado. Enquanto descansava na encosta
rochosa de uma dessas montanhas célebres, Richard apontou para
o filho a beleza de uma montanha adjacente: “Nate, está vendo
aquela montanha? Tem uma cumeeira impressionante. É um pico
perfeito. Se tivesse uns poucos metros a mais de altura, você
conheceria o nome e desejaria subi-la. Como esta é uma montanha
sem nome, ninguém liga para ela”.3

Desejando fazer grandes coisas para Deus


Até o tempo em que estava no terceiro ano do primeiro pastorado,
comendo o bolo de especiarias da Mamaw em sua varanda, eu vivia
cada dia mais inquieto. Como muitos de meus colegas, ansiava por
fazer diferença para Deus na minha vocação — o mais rápido
possível. Contraste os sinônimos de comum aos sinônimos para
épico, e quem pode culpar-nos?

Aspiro servir como pastor de modo comum, corriqueiro, humano,


normal, rotineiro, médio, usual e sem novidades, a pessoas comuns e
em nada excepcionais. Ser banal e medíocre como pastor.

Ou,

Aspiro servir como pastor olímpico, incomum, surpreendente. Ser


pastor extraordinário e especial em uma congregação maravilhosa,
notável, singular, excessivamente grande. Ser estelar e inesquecível
como pregador.

Eu me sentia qualquer coisa menos estelar. Quem sabe este artigo


seja apenas o começo, pensei. Não sou pastor ou pregador épico.
Mas talvez pudesse escrever algo que transformasse o mundo para
Deus.
Isso foi há vinte anos. Publiquei o artigo, mas o mundo não mudou
e ainda tive de escovar os dentes normalmente no dia seguinte. Nos
anos desde então, tenho visto gente vindo à fé salvadora em Jesus,
casamentos curados e vícios vencidos. Tenho viajado, pregado e
obtive um doutorado. Tenho ensinado, aconselhado, e escrito livros.
Jesus tem se revelado tão bondoso, verdadeiro, presente e
poderoso a mim. Mas, conforme já mencionei, existe beleza e
destruição no desejo. Entre aqueles que participaram de minha
ordenação ao ministério tempos atrás, um pastor mentor tirou sua
própria vida, e outro já não está no ministério devido à má conduta
moral. Um presbítero e um diácono foram dolorosamente
disciplinados, um por raivosos maus tratos e o outro por um caso
amoroso devastador. Outras amizades acabaram se dissipando
entre a feia politicagem dentro do ministério. E doze anos depois de
meu juramento público de ministrar no evangelho, meu casamento
acabou. A única coisa grande, famosa e veloz a meu respeito e a
respeito de muitos de minha turma ministerial era nosso
quebrantamento.
Quando falei sobre o desejo pelo ministério na turma de segundo
ano da Sra. Canter, jamais imaginei que meu futuro requereria que
eu aprendesse a viver como pai solteiro, com a guarda principal dos
três filhos, no meio de uma comunidade de “escândalo” e fofocas.
Eu tive de olhar longa e profundamente no espelho dos meus
próprios desejos contaminados. Estou pedindo-lhe para fazer o
mesmo, na esperança de poupar-lhe o custo que paguei. Ser
declarado “parte inocente” não removeu os sussurros ou as
calúnias, quer em minha comunidade ou em minha própria cabeça.
Nem isso removeu o que significa para cada um de meus três filhos,
e para mim, aprender diariamente, juntos, a novamente ver o sol e
sorrir. Mas, note bem, caso você pense que não é como eu. Tive
também de examinar aqueles que projetavam como eu “deveria” me
tornar a seus olhos dentro de dez anos. Você terá de lutar com isso
também. Temos de analisar friamente o desejo por “coisas grandes,
famosas e rápidas” que membros da congregação e lideranças
pastorais parecem almejar constantemente. A ausência de nossa
atenção a esses desejos mal projetados está nos tornando em um
bando maltrapilho.
Agora estou aqui sentado, todos esses anos mais tarde, digitando
essas palavras como pastor de uma pequena igreja no Missouri. E
uma ironia sussurra aos meus pensamentos. Espero que o que
escrevo para você prove ser significativo. Balanço a cabeça e quase
dou risada —aquela exalação curta de risada pelo nariz. Engraçado
como, antigamente, eu pensava que a significância estaria em
algum lugar além de Henryville e da presença de Mamaw — local
próximo e amor comum — como se um artigo numa publicação ou
um sermão de púlpito pudesse fazer mais para glorificar a Deus em
minha geração do que atender com fidelidade a qualquer outro
desses dons criativos que Deus deu.

Conversas com um jovem pastor


À luz disso, escute por um momento. Anos depois, do outro lado das
ruínas, encontrei-me escutando os desejos de um jovem pastor. Eu
me via e escutava nele. Talvez você também se identifique.
“Não importa o que vier, quero me entregar totalmente ao
ministério”, disse ele.
A sua paixão me inspirava, mas o contexto me preocupava.
Tínhamos acabado de falar sobre a dificuldade dele, como marido e
pai, junto a uma dobra recorrente dentro da estrada de sua alma.
Respirei fundo e parei, olhando para a tigela de pad thai à minha
frente.
“Se o ministério for tudo que almejamos alcançar”, comecei
dizendo, “então como definimos ‘o ministério’ parece importante,
sabe?” Levei um pouco de comida à boca e mastiguei.
“Só quero pregar a Palavra”, ele declarou. “Não importa o que
aconteça, enquanto eu continuar falando o que Deus diz, ele vai me
abençoar. Sei que Deus me deu um propósito”.
Havia urgência em sua voz e pressa em seus olhos. Ambos eram
como espelho para mim. Enrolei o amendoim e o macarrão em volta
de meu garfo (os palitos chineses já haviam começado o trabalho de
me humilhar). Eu procurava as palavras.
“Sim, Deus abençoa a sua Palavra”, comecei. “Você tem um
propósito”, afirmei.
Demorei mais um pouco com a tigela, tentando achar o que eu
deveria deixar de dizer. “Certa vez falei em uma conferência.
Preguei cinco vezes. Foi um daqueles momentos quando sentia a
presença de Deus de maneira tangível. De fato, depois daquela
conferência específica, o resto do meu ano estava planejado,
repleto de pregações por todo o país. Realmente, Deus abençoou a
sua Palavra. Eu vejo isso de primeira mão.”
“Mas”, disse eu, e parei. Em minha cabeça, eu estava numa
encruzilhada, perguntando-me como dizer o que seguiria. “No
caminho para casa depois daquele último sermão, entre as divinas
bênçãos daquela noite, a minha esposa de quinze anos de
casamento disse que estava me deixando”.
Houve um silêncio entre meu jovem amigo e eu. Tomei meu
refrigerante. Temia ter falado demais e cedo demais. Ele conhecia
as circunstâncias da minha vida. Mas será que estava pronto para
aprender um pouco sobre o que tais circunstâncias podem nos
ensinar? Além do mais, será que eu estava pronto a tentar e dar
uma voz a isso?
“Estou tentando sugerir que o ministério envolve mais do que a
questão de nossos sermões serem poderosos e de como
influenciamos multidões de pessoas. Entregar tudo a Deus significa
muito mais do que entregar-se aos sermões e às multidões.”
Mais tarde, naquela mesma noite, estávamos de pé sob as
estrelas.
“Quando chegar em casa”, disse ele, “finalmente começarei a ser
pastor. Quem sabe, logo estarei no seminário e serei equipado, e
então serei professor em algum lugar. Mal posso esperar para
chegar lá. Dois anos de pastorado e então...”
Eu me encontrava fitando o cascalho da entrada de carro como se
fosse uma tigela de pad thai. Novamente eu procurei palavras para
dizer o que ainda não fora dito. Eu ouvia a minha voz na voz dele.
Ele estava inquieto por fazer algo grande para Deus. Seu trabalho
pastoral era uma plataforma para ajudá-lo a chegar a outro lugar
onde não estava. No entanto, ele não sabia como incluir trocar as
fraldas do filho ou ficar de mãos dadas com a esposa na sua
definição de grandeza.
“E se você já estiver onde Deus quer?”, tentei timidamente. “Em
Jesus você já é uma bênção para as pessoas. E se seu lugar no
ministério for onde você está com a família, no lugar em que Deus
quer você junto dele?”
Seu rosto demonstrava sofrimento.
“Por favor, me perdoe se estou falando demais”, eu disse. Então
fiz uma pausa. “É que você está falando com um homem que
ganhou tudo que sempre sonhou e perdeu muito do que realmente
importava, tudo em nome de se entregar totalmente ao ministério
para servir a Deus. Apenas estou tentando dizer que parece
realmente importante saber o que queremos dizer por ‘ministério’ se
vamos nos entregar totalmente a isso. Meu desejo é que aquilo a
que você está se entregando totalmente seja realmente aquilo que
Deus deseja, com a definição que Deus dá a isso.”
Ele olhou novamente para o céu. “Não sei onde começar com isso
tudo”, protestou.

Sem-teto em nossas salas de estar


Na semana seguinte, sentei-me para almoçar com um pastor que
está subindo e se tornando famoso. A igreja na qual ele servia
existia apenas há quatro anos, mas já tinha frequência de várias
centenas de pessoas. Ele surgia em nossa comunidade como o
próximo grande acontecimento.
Contudo, havia algo que o perturbava. “Durante os primeiros dois
anos de nosso crescimento explosivo”, ele admitiu, “relacionei-me
mal como marido e pai”. Ele fitou sua água gelada e fez careta. “Eu
me escondia no meu sucesso como pastor”, continuou. “Acho que
usei isso para evitar ver minhas falhas em casa e em meu coração”.
Este homem era o exemplo máximo do que meu amigo mais
jovem se esforçava para ser. Contudo, os dois homens revelavam a
mesma luta — o reconhecimento de que alguém pode receber
grandes elogios por pregar Jesus, e ao mesmo tempo conhecer
pouco sobre como seguir Jesus nas coisas pequenas e simples do
dia a dia. Conseguem comunicar amor à multidão do púlpito ou num
escritório ou numa sala de aula, mas quando são chamados para
entregar a si mesmos (não os seus dons), são propensos a ficar
desajeitados. Vejo isso em mim.
Meu jovem amigo escreveu-me na primeira semana de seu novo
pastorado:

Estou cheio de ansiedade, principalmente sobre o que fazer com todo


esse tempo. Fico me perguntando se fiz número X de dólares de
trabalho para a igreja hoje? Não estou acostumado com tanto tempo
livre em um só dia, e isso me deixa ansioso. Consigo realizar melhor
as coisas quando meu horário está abarrotado e vou a mil por hora.
Tenho vivido sob pressão por anos, e agora que Deus está alargando o
meu espaço, de alguma forma quero sabotá-lo. Como posso sair
dessa e encontrar minha vida?

Meu amigo não sabia como fazer um dia de trabalho pastoral se


as variáveis da eficiência, quantidade, rapidez e medidas
econômicas fossem removidas. Ele não fora ensinado sobre os
outros tipos de tesouros que eram dele em Jesus, os quais ele podia
desejar usar no seu dia. Eu também não tinha aprendido. O tempo
que ele esteve comigo no passar dos anos não o havia ajudado.

Desejo, pressa, e “as coisas que importam”


Espero, contudo, que mesmo em meio a a dores você e eu
possamos ajudá-lo agora. Poderíamos dizer algo como isto, não
poderíamos?

Ao entrar no ministério, você será tentado a orientar os seus desejos


para fazer grandes coisas, de maneira notória, com a maior rapidez e
eficiência possível. Mas, preste atenção. Uma encruzilhada espera por
você. Jesus é essa encruzilhada. Como quase tudo na vida que
realmente tem importância, ele exigirá que sejam feitas coisas
pequenas, não notadas em sua maioria, durante um longo período de
tempo com ele. A vocação pastoral, porque visa ajudar as pessoas a
cultivar aquilo que é realmente importante, não é exceção.

Por quê? O que são essas coisas que importam para nossos
desejos? Bem, primeiro, amor a Deus. Este nobre desejo leva
tempo. Perdão, reconciliação, chegar à sensatez, crescimento
espiritual em fé, esperança e amor; conhecimento e entrega aos
ensinos da Escritura em Jesus, crescimento na obediência,
mansidão, paz, paciência, bondade e domínio próprio, junto com
enfrentar os vícios, as idolatrias e os pecados com o evangelho;
aprender o contentamento em Jesus, quer em abundância quer em
escassez; aguardar a vinda do Senhor e seu reino bem como o
cumprimento de todas as promessas de Deus para sua glória e
nosso bem. A linha de chegada na satisfação desses desejos não
poderá ser atravessada com uma corrida de quarenta metros, não
importa quão furiosamente tentemos.
Segundo, amor ao próximo em seus prazeres também é
importante, e isso também leva tempo. Aprender a andar e falar e
contar, crescer, fazer matemática, aprender a dirigir ou viver de
forma independente, junto com começar ou participar de uma igreja
ou ministério. A pressa não consegue realizar essas coisas, quanto
menos continuar solteiro, encontrar verdadeiras amizades, desfrutar
de um bom casamento, fazer amor que satisfaz, ser pai ou mãe,
avós ou criar integridade e boa reputação no seu trabalho. Aprender
a tocar um instrumento, subir ao ápice em um esporte ou tornar-se
especialista em uma arte ou ofício, não acontece da noite para o
dia. Porém, muitas pessoas a quem você serve acreditam que essa
espécie de amor a Deus e ao próximo acontece instantaneamente.
Tome, por exemplo, um marido frustrado. Ele me disse:
“Simplesmente não suporto mais; é demais! Ou ela trata a questão
ou é óbvio que não se importa com nosso casamento! Não vou mais
suportar isso não!”
Quando disse essas palavras para mim, ele estava casado há
apenas três meses. A questão a que se referia era de seis dias
atrás. Ele citava a Bíblia e falava em termos épicos sobre o que
Deus deseja para um casamento e para uma vida. No entanto, se
ele tivesse de esperar seis dias para consertar a questão, em um
contexto conjugal de, ao todo, oitenta e nove dias, estava claro para
ele que Deus não estava no casamento ou que sua esposa não o
amava, e que ele tinha de preparar-se para seguir em frente. Este
homem consegue citar a Bíblia, mas não tem garra para esperar em
Deus em meio a algo de que não gosta. Com toda a conversa
grandiosa sobre coisas maravilhosas que Deus quer, não ocorre a
ele como é grandioso o que Deus diz sobre aprender a perseverar e
esperar nele. Muitos de nós pastores expressamos o mesmo tipo de
inabilidade emocional de esperar em Deus em e por nossas
congregações.
Nosso problema é que a maioria das alegrias dadas por Deus que
almejamos são deterioradas quando palavras como
instantaneamente, pressa e impaciência são lançadas contra nós.
Muitos estão confusos sobre o que significa verdadeira alegria se
tiverem de assumir uma gratificação adiada entre as velocidades
menores requeridas pelas coisas que importam mais para Jesus.
Ora, imagine amar a Deus e ao próximo em meio aos desalentos
ou desolações da vida. A desolação não consegue suportar
facilmente um ritmo pastoral acelerado. Isso explica por que muitos
de nós não têm paciência no cuidado pastoral. Ossos e mentes
quebrados não estão propensos à pressa. Pele queimada ou almas
vitimizadas têm de chegar a uma coceira miserável a fim de se
curar, e nós que esperamos ao lado do leito temos de esperar mais
ainda. Morte, luto, perda, recuperação dos vícios, como também
traumas emocionais ou físicos, ser pais e mães de crianças
portadoras de necessidade especiais, aprender a se ajustar a
doenças crônicas, depressão, incapacidades ou doenças — todas
essas desolações são tratadas pobremente quando se requer delas
“eficiência” e “medidas quantitativas”. Para o pastor importante, que
faz coisas grandes e notórias rapidamente, o fato das pessoas
estarem quebradas, na verdade, parece uma intrusão que o impede
de fazer sua importante obra para Deus. Estou escrevendo essa
última frase, e isso me faz desmoronar. Releia. Em seguida, caia
comigo, está bem? Caia de joelhos comigo perante o Salvador. Ele
é quem ergue nossa cabeça. Precisamos desse soerguimento
gracioso, pois ainda não falamos sobre palavras como instantâneo e
impaciente não nos oferecerem recursos para tratar das coisas que
realmente importam – de amar nossos inimigos no ministério. E não
se engane: eventualmente você também terá de aprender o mais
difícil dos amores ao próximo.
Em geral (e isso muitas vezes nos surpreende), a pressa não é
amiga do desejo. O sábio entendeu isto quando disse que “não é
bom proceder sem refletir, e peca quem é precipitado” (Pv 19.2).
Seu ponto está bastante claro. A pressa tem o hábito de não
completar as coisas que realmente importam. Numa crise pode até
ajudar. Mas quando chegamos ao entendimento, dedicação e
cumprimento dos desejos de uma alma humana, a precipitação
constantemente e legitimamente é processada por negligência. A
rapidez oferece promessas imediatas para nossos desejos
conjugais, ou ministeriais, ou para o trabalho, ou para os nossos
filhos, mas, na verdade, a pressa nunca entrega o que promete
naquilo que é mais precioso para nós.
O ponto que quero destacar é o seguinte. Nosso desejo por
grandeza no ministério não é o problema. O problema surge quando
a pressa de fazer grandes coisas de maneira notória e com a maior
rapidez possível reformula nossa definição do que seja uma grande
coisa. Deseje grandeza, querido pastor! Mas, submeta a sua
definição de grandeza àquilo que Jesus nos dá. No mínimo teremos
de começar a tomar posição quanto a este importante fato: a
obscuridade e a grandeza não são opostas.
O que você quer que Jesus faça por você?
Jesus colocava a questão do desejo de modo muito claro quando
treinava os seus ministros. “O que queres que eu faça?”, ele
pergunta (Mc 10.36).
Pare aqui por um instante. Vá mais devagar se puder. Você tem
uma lista do que quer para o ministério, e todas as demais
realizações ministeriais que deseja conseguir em nome de Cristo
antes de morrer? Você não iria estar sozinho se esse fosse o caso.
Basta ler os anúncios. Uma miríade de desejos daqueles que
compõem a sua congregação e comunidade serão revelados.
Tiago e João tinham suas listas. “Queremos que nos concedas o
que te vamos pedir”, disseram. “Permite-nos que, na tua glória, nos
assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda” (Mc 10.35–
37).
Tiago e João sutilmente começaram a almejar que seu ministério
com Jesus lhes providenciasse uma plataforma de grandeza. Seus
anseios começavam a estragar sua comunidade (Mc 10.41). Jesus
não impediu que essa fricção ou destruição potencial acontecesse.
Ainda hoje ele não impede. Você marcou bem isso? Tiago e João
eram muito amados, dotados, chamados, frutíferos, e centrais no
ministério terrestre de Jesus. Ele graciosamente escutou os seus
desejos. Mas sua proximidade com Jesus, e sua fecundidade no
ministério, não significavam que tudo que faziam era bom, certo e
útil para os que os conheciam.
Em vez de dar-lhes tal imunidade, Jesus confrontou-os, e o que
ele disse nos deixa mais sóbrios. É possível que líderes ministeriais
desejem grandeza de formas nada diferentes daqueles que se
encontram ao nosso redor, ou em qualquer lugar em nossa cultura.
Ligar o nome de Jesus a esses desejos não muda o fato de serem
idênticos aos anseios do mundo.
Faça uma pausa aqui. Repita a leitura dessa última sentença se
for necessário. Em oração, vá mais devagar. Os líderes humanos
em toda parte desejam grandeza e domínio sobre outros. “Não é
assim convosco”, Jesus declarou. Se grandeza é o que você deseja,
de agora em diante você tem de entregar sua vida a uma outra
espécie de grandeza. “Quem quiser tornar-se grande entre vós, será
esse o que vos sirva” (Mc 10.43). Servos entregam os seus dias a
tarefas pequenas, muitas vezes não notadas por longos períodos de
tempo, e sem receber nenhum elogio.
Jesus, então, toma Tiago, João e seus outros alunos de
discipulado para um vivo e real estudo de caso. Ele mostra-lhes um
monte sem nome, pertencente a um homem. Este era pobre e cego.
Jesus lhe oferece a mesma pergunta poderosa que fez aos
“maiorais” que viajavam com ele: “O que queres que eu faça?” (Mc
10.51).
Ali mesmo, a graça de Jesus nos humilha, contrastando os
desejos que são revelados. Tiago e João estavam no centro do
ministério, junto com Jesus, e estavam entre os melhores pupilos de
Jesus. Mas isto não bastava para eles. Queriam lugares melhores.
Enquanto isso, o pobre pede a Jesus apenas duas coisas, sendo a
primeira misericórdia. A segunda era que pudesse ver.
Penso na classe da Sra. Canter no passado, nos meus estágios
de seminarista, no meu primeiro pastorado, na varanda da casa de
Mamaw, e nos restos destroçados da minha turma ministerial.
Quando, em minhas ambições por ministério, deixei de sentir minha
necessidade de desejar misericórdia quando estava com Jesus?
Quando comecei a supor ter o privilégio de ver corretamente com
meus olhos e a definir grandeza do ponto de vista desse meu
privilégio, em vez de vê-la do ponto de vista da graça de Jesus?
Existe um jeito de desejar entregar-se totalmente ao ministério que
o dividirá em dois, causando dor para aqueles a quem você serve,
revelando o quanto você se desviou e o quanto está longe da
definição de Jesus do que seja a grandeza. Conheço isso em
primeira mão. Mas estou aprendendo mais uma coisa. Existe mais
graça e esperança aqui do que você talvez saiba — nas mãos de
Deus, uma chamada para o trabalho pastoral entre a preciosidade
de pessoas e lugares vagarosos e sobrecarregados de trabalho,
pode se tornar em dons, verdadeira alegria, contentamento que
perdura e uma boa vida. Por quê? Porque esse é o caminho de
Jesus. Onde Jesus é nossa porção e nosso desejo, não nos faltará
nenhum verdadeiro tesouro. “O reino do céu é como um tesouro
escondido no campo, que um homem encontra e enterra. Em sua
alegria ele vai, vende tudo que tem, e compra esse campo” (Mt
13.44).
Será que vender tudo que temos com alegria inclui abrir mão de
nossas desorientadas listas para o ministério? E se as alegrias que
desejamos em Jesus forem como tesouros escondidos em um
campo, que muitas pessoas, mesmo as que estão no ministério,
desprezam e raramente compram?
Você se lembra como eram as coisas antes que desejasse um
ministério vocacional? Você não possuía treino. Era desconhecido
no mundo. Jesus era belo para você. Ele o havia salvo. Havia
comunicado o seu amor a você. Era um imenso tesouro, verdade
que satisfaz, e sobremodo belo. Ele era a sua porção. Era o seu
desejo. No princípio, tal deslumbrante provisão de Jesus despertou
os seus afetos para servi-lo com a sua vida em um ministério
vocacional. Não era de admirar que, quando Pedro declarou que
excederia e seria maior que todos os seus colegas ministeriais, o
canto do galo não demorasse a chegar. Para restaurar Pedro ao
ministério, Jesus o levou de volta às primeiras coisas, ao primeiro
amor. “Pedro, tu me amas? Apascenta as minhas ovelhas” (cf. Jo
21.15–17). Aqui começa a nossa vocação. O chamado pastoral para
alimentar o próximo é secundário e decorrente do desejo anterior
pela beleza do próprio Jesus. Vem-me à mente o antigo hino:
“Propenso a vaguear, Senhor, eu sinto-me, propenso a deixar o
Deus de amor”. Mas Pedro aprendeu o que todos deveríamos fazer
com as cinzas deixada pelos cantos de galo ministeriais. Jesus vem
ao nosso encontro. Ele não nos abandona. Sua benignidade dura
para sempre.

Conclusão
Fechemos esta conversa introdutória sobre o desejo pastoral com
uma parábola da vida real.
Dois homens saíram de casa para plantar uma igreja numa cidade
necessitada. O primeiro que chegou sonhou com uma cidade
alcançada por Jesus com o evangelho. Por meio desse primeiro
pastor, pessoas conheceram a Jesus, os crentes se reuniram e
nasceu uma comunidade de seguidores de Cristo. Foi um trabalho
vagaroso, mas estava acontecendo. As suas orações estavam
sendo respondidas.
Com o tempo, ele começou a se reunir com o segundo plantador
de igrejas. Fez isso com o intuito de encorajar o segundo pastor em
seu trabalho incipiente. O mais experiente e o novato oravam para
que Jesus alcançasse a cidade. Através do iniciante, as pessoas
passaram a conhecer a Jesus, os crentes se reuniram e nasceu
uma comunidade de seguidores de Jesus.
Dez anos mais tarde, aquele que veio primeiro serve como pastor
de uma igreja “simples”. Seus mais de duzentos membros
demonstram o amor de Jesus de formas inexistentes ali dez anos
atrás. O novato que veio em segundo lugar é pastor de uma igreja
“épica”. Seus milhares de membros e múltiplas congregações pela
cidade demonstram o amor de Jesus de maneiras que não existiam
dez anos atrás. As orações de ambos foram respondidas.
Por que então, um deles está triste?
Por que então, somente um deles recebe nossos convites para
falar nas conferências e para nos oferecer os seus conselhos?
Kathleen Graber, “Book Nine”, Poetry Foundation website, acessado em 3 de dezembro de
2014, http:// www .poetryfoundation .org poem 241278.
Nathan Foster, Wisdom Chasers: Finding My Father at 14,000 Feet (Seguidores de
sabedoria: encontrando meu pai aos 4.000 metros), (Down¬ers Grove, IL: InterVarsity,
2010), 41.
2 | Reconquistando nossa humanidade

Não temos lar neste mundo, eu costumava dizer. Então, eu voltei pela
estrada para este velho lugar e preparava um bule de café e um
sanduíche de ovo frito.
–M R

“Você poderá ser como Deus”, diz a Serpente.


“Mas, como?”, pergunto eu.
Eu leio a Bíblia com óculos.
Ajoelho-me para orar pelas pessoas com hálito de café.
Fico em pé e prego Jesus com uma bolha no pé.
Sirvo a Ceia do Senhor com pão comprado por $1.99 no
mercadinho Schnuck’s.
“Apenas finja que é diferente”, a Serpente diz. “As pessoas
adoram quando fazem isso”.

Conselho a um aspirante ao pastorado


Fiquei sabendo recentemente que um antigo pastor e mentor
pessoal cometeu suicídio. Tirei um período sabático do seminário
onde servia como professor e passei seis meses como pastor
interino com a família e a congregação do meu amigo falecido. Eu
havia pastoreado antes uma igreja. Havia servido como pastor
interino antes. Mas não desse jeito. Nós teríamos de buscar juntos
sucatas de graça e verdade em meio às ferragens. O Cristo vivo
habitaria conosco em meio aos destroços. Aprenderíamos dele em
meio ao lixo. Ele jantaria conosco no vale de sombra.
Eu estava sentado junto de uma multidão de professores e
estudantes para o ministério com seus tênis e jeans. Pediram que
eu desse uma palavra. O que eu poderia dizer para ajudar um
iniciante no ministério?
A atmosfera era leve, mas meu coração estava pesado. Eu
pensava em como meu pastor mentor poderia até ter escolhido
deixar o ministério, e ainda assim ser importante para todos nós.
Mas para ele, rebaixar-se em meio às assombrações interiores não
indicava humanidade, e sim fracasso. Ele não conseguia ver-se
como útil se não tivesse mais a posição de pastor, com os cuidados
pastorais que essa posição requeria. Eu sentia sua falta. Estava,
pela primeira vez em minha vida, fazendo as mesmas perguntas.
Será que eu sabia que poderia servir a Cristo humanamente e de
forma significativa, quer fosse pastor ou um líder ministerial quer
não? Eu não sabia naquela época, mas logo teria de responder a
essa pergunta de uma maneira dolorosa e pública. Mas naquele
momento, entre aqueles seminaristas, com dor no coração e
sobriedade, eu confrontava meus pressupostos sobre o que significa
liderar no ministério. Agora era a minha vez de falar. Respirei uma
oração relâmpago, fiquei em pé e disse: “Jonathan Edwards
peidava”.
Alguns riram. Eu não. Alguns tinham sorrisos de canto de boca
com a minha irreverência. Talvez eu tenha sido irreverente. Mas eu
não estava tentando ser engraçado. Provavelmente poderia ter
encontrado linguagem melhor para descrever o que eu estava
enfrentando. Não tinha intenção de difamar o grande teólogo e
pastor da história norte-americana. Estava tentando pôr palavras no
estrago e no mito de sua celebridade assim como de outros. Sentia-
me perturbado por um novo questionamento: O que significaria para
nós se viesse o avivamento e continuássemos noite adentro com
orações enviadas ao céu? Em algum ponto ainda teríamos de usar
o banheiro? Queria dizer-lhes que até mesmo os maiores teólogos
ou pregadores entre nós ainda são pessoas comuns, carentes da
graça de Jesus. Eu estava cansado de fingir outra coisa.

As primeiras coisas primeiro


Numa conferência, enquanto prego sobre Cristo para você, estou
incomodado por uma hemorroida e meus livros estão à venda no
saguão. Ainda mais, posso ter me enxergado nos olhos de meus
filhos naquela manhã e ter pedido perdão por algo que aconteceu
no dia anterior. Ou talvez eu ainda esteja cego enquanto falo a você
sobre o que minha esposa, ou meus filhos ou minha congregação
ainda precisam desesperadamente que eu veja. Quando visito no
hospital, tenho de amarrar os sapatos pela manhã ou calcular qual
blusa de frio me fará parecer um pouco mais magro ou clamar a
Deus com respeito às minhas próprias dúvidas, enquanto você se
sente ferido e eu não tenho resposta sobre as razões de sua dor.
Enquanto você é transformado pela graça mediante algo que eu
disse ou escrevi, é provável que eu tenha tomado uma tigela de
mingau de aveia no café da manhã ou tenha me deliciado com o
som da coruja que visita a nossa casa.
Portanto, ao começar a pensar a respeito dos desejos, temos de
clamar de cima dos telhados que o ministério pastoral é algo
pertencente a criaturas. O pastor é um ser humano. Creio que a vida
e o ministério cristão são um aprendizado com Jesus em direção à
recuperação de nossa humanidade e, mediante o seu Espírito, uma
ajuda para que nosso próximo faça o mesmo. Tudo isso é para ele,
por meio dele, com ele e nele, para a glória de Deus.
Creio também que a ausência geral dessa recuperação de nossa
humanidade dentro do ministério pastoral está nos matando
espiritualmente. Quero que seja feito algo sobre isso. Eu reconheço
que colocar nossa humanidade em Cristo na frente e no centro da
vida cristã e da tarefa pastoral fará com que alguns de nós se
sintam desconfortáveis, e com razão. Pode parecer que quero
apenas repetir mais da espiritualidade egocêntrica que a nossa
geração e nossos corações perigosamente querem.
Para corrigir tais temores, penso em um professor e amigo meu.
Ele, às vezes, manda que os seus ministros em treinamento se
virem ao resto da classe e confessem em voz alta para os outros:
“Eu não sou o Cristo”. Nessas palavras de João Batista aprendemos
que, conquanto seja verdade que possamos perigosamente fazer
pouco caso de Deus ao chamar a atenção sobre nós mesmos
impropriamente, é igualmente verdade que não podemos glorificar
plenamente a Deus sem que confessemos que não somos divinos.
Dizer: “Eu não sou o Cristo” é simultaneamente expor para todos
que nós, pastores, que somos meros humanos e apenas pessoas
locais.
Uso as palavras meros humanos e apenas pessoas locais para
diferenciar-nos de Jesus. Jesus é humano, mas não meramente.
Jesus é local, mas não apenas. Esclarecemos essa distinção entre
Jesus e nós como um ato de adoração e compromisso. Como
líderes de ministério, esforcemo-nos para entregar nossa vida, de
modo que toda pessoa a quem servimos saiba que não somos
Deus. Cada um de nós não é Deus; é apenas um ser humano.
Então, ressaltemos este ponto. A grandeza, mesmo no ministério,
não pode fugir à humanidade. Ser humano não macula a grandeza;
antes, a informa e marca seus nobres limites. Como chegamos a
pensar de maneira diferente? Seja qual for o desejo que tenhamos
para o ministério, haveremos de realizá-lo como quem pode ter
coceira no dedão do pé, e cujo pé sem meias passa frio no inverno.

A fisicalidade humana
Os desejos pastorais, por mais grandiosos e nobres, não nos livram
dos limites físicos que temos.
O estudo teológico me ensinou a doutrina da Criação. Fui
examinado para a ordenação acerca do meu ponto de vista sobre os
dias da criação e o legado de Darwin. Mas o significado de Deus ter
nos criado humanos, corpóreos, localizados, finitos e à sua imagem
não se traduzia em minha teologia de ministério pastoral nem
informava a forma que o trabalho pastoral devia assumir. Hoje
penso que deveria.
Por exemplo, sou um dos pastores de Wendell. A paralisia infantil
tem impedido o movimento das pernas de Wendell há setenta anos.
Wendell também tem se sujeitado ao regime da diabetes, com as
exigências de sargento de tiro de guerra sobre as suas rotinas
diárias. Duas ocasiões com o câncer atacaram terrivelmente a vida
dele. A morte da sua esposa arrasou seu coração e esvaziou sua
cama à noite. As suas mãos tremem. Às vezes sua voz fica
arrastada.
Com sua cadeira motorizada, Wendell faz as suas tarefas diárias,
lê a sua Bíblia, ora a Deus e compartilha Cristo com outras pessoas,
expressando louvor pelo cuidado de Deus por todos esses anos.
Para cuidar como um médico da alma de Wendell, temos de levar
em conta seu corpo físico.
Nas palavras do pastor-poeta G. M. Hopkins, somos como uma
“cotovia” em nossa “casa de ossos”, “almas e corpos”.4 Ainda cedo
na liderança pastoral, soube que a luta que travava não seria contra
“carne e sangue” (Ef 6.12). Mas eu não entendia como a carne e o
sangue formariam a arena para esta luta. “Amado, acima de tudo,
faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a
tua alma” (3Jo 2). João, o apóstolo, orava assim, e aprendemos com
ele.

Preparando os sentidos de nosso corpo


para o ministério
Não podemos nos esquecer de que aqueles a quem servimos são
também criaturas corporais.
Pediram que eu visitasse uma senhora de meia-idade da
comunidade. Mentalmente, ela tinha quatro ou cinco anos, apesar
de já ter vivido quarenta ou cinquenta. Quando entrei pela porta, vi
que ela tinha um babador e estava tentando comer uma pratada de
espaguete. Ela deu um amplo sorriso maravilhado quando me sentei
ao seu lado.
“Quem é você?”, perguntou, coberta de molho vermelho e
pedacinhos de macarrão.
“Meu nome é Zack. Sou pastor”, respondi.
Ela imediatamente e com grande animação respondeu. “Aprendi o
‘Pai Nosso’ de cor”, disse ela. “Quer que eu recite?”
“Adoraria”, disse eu.
Depois de declamar orgulhosamente a Oração do Senhor, ela
recitou de cor o Salmo 23.
“Fiz bonito?”, ela perguntou.
“Com certeza!”, disse eu.
“Eu creio em Deus!”, ela continuou. “Ele me ama. Eu o amo. Ele
morreu na cruz por mim. Um dia ele voltará para me levar para sua
casa”.
Ela disse isso com a maior seriedade, olhando nos meus olhos.
Era como se soubesse qual era o meu papel. E falar sobre Deus
com um pastor é coisa normal. Ela também estava me avaliando.
Quem sabe procurando detectar o tipo de pastor que eu era. De
repente, ela deixou cair o garfo, estendeu a mão coberta de
macarronada salpicada de saliva, e perguntou: “Quer orar? Segura
a minha mão”.
Eu o fiz e oramos com nossas mãos molhadas de molho de
macarronada, numa sala desconhecida para o mundo, mas amada
por Deus.
Pare aqui por um instante. Demore em oração com esta pergunta:
O que significa para você o fato de que o ministério é um ato de
amor ao próximo e amar o próximo vai requerer proximidade física?
Se atualmente você não tem paciência com os sentidos, nada de
atenção ao corpo a não ser naquilo que é lascivo, é bem possível
que você ainda tenha pouca ideia quanto ao que consiste a vida de
um pastor e o que ela vai requerer de você.

Localidade Humana
Nossa teologia pastoral do Éden nos lembra que as criaturas com
corpos também são locais.
Elas habitam lugares. No jardim que Deus plantou, Adão e Eva
comiam comida, cuidavam de animais, plantavam sementes,
oravam, trabalhavam e se amavam. Não havia pornografia no
mundo e eles repousavam em sua nudez. Agradar a Deus
significava nada mais que escutar suas palavras, segui-lo pelo
Éden, e, com gratidão, nadar nas águas seguras da companhia um
do outro. De mãos dadas, cortando a grama, resistindo às vis
tentações, e aprendendo a amar aquele que os criou, tinham o
suficiente para uma vida significativa com Deus. Mas parece que
isso não lhes bastava. Adão e Eva ouviram sórdidos sussurros
rastejando pelo capim. O dom de Deus, de um significado local com
ele, começou a entediar o casal.
Pause aqui por um momento. Considere o que deixa você
entediado e inquieto. E observe também aquilo que Deus considera
revigorante.
1. Fomos criados para honrar a Deus e não colocar nada mais em
seu lugar, entregando-nos a ele. Em outras palavras, deveríamos
amar a Deus.
2. Deveríamos amar um ao outro (unir-se à sua mulher, Gn 2.24),
relacionar-nos corretamente com nossa família mais extensa
(deixar pai e mãe, v. 24), e cultivar a comunidade (ser fecundos e
multiplicar, Gn 1.22). Noutras palavras, fomos feitos para amar o
nosso próximo.
3. Deveríamos reconhecer a bondade e qualidade sagrada do
lugar, das criaturas e das coisas que Deus criou, cuidando
dessas boas dádivas. Deveríamos contribuir para o cultivo da
criação (cultivar e guardar, Gn 2.15) e para uma cultura que
reflita essa bondade concedida.
Estes primeiros textos de Gênesis nos ensinam que os seres
humanos têm o propósito de amar a Deus e ao próximo, ao viverem
localmente em um lugar, para a glória de Deus. O que isso nos diz
sobre grandeza?
1. Deus deu a si mesmo para que nos entregássemos e
amássemos a ele. Isto quer dizer que orientar nossa vida para
um relacionamento diário com Deus a cada momento traz glória
a ele.
2. Deus nos deu um punhado de pessoas a quem amar. Você não
tem de se tornar outra pessoa ou olhar constantemente sobre os
ombros dessas pessoas que estão bem à nossa frente. Atender à
obra de Deus entre os rostos, nomes e histórias onde nos
encontramos já é fazer o que Deus considera significativo.
3. Deus nos dará um lugar em que habitar e algo para fazer nesse
lugar. Isso significa que devemos atentar ao que está ali, no local
onde estamos. Habitar com conhecimento e hospitalidade, no
lugar que Deus nos dá, é glorificá-lo.
À luz disso, o que você supõe que seja a obra do pastor? No
mínimo, presumimos uma atenção local ao amor divino, entre
pessoas comuns e lugares ordinários, com temperatura e histórias
locais. Aqui, as palavras “atenção” a “pessoas comuns e locais
ordinários” desafia grandemente o nosso tédio, pois nós pastores
temos uma tendência para encontrar o propósito do trabalho
pastoral, não com Deus no Éden, no precioso local de limites com
ele, mas, em vez disso, com a Serpente, que descaradamente
sussurrou ali, falando ilusões de uma vida sem limites no mundo.

Você vê esta mulher? Vê este homem?


“O que queres que eu faça?”, Jesus pergunta.
“Alarga os meus limites e os de minha congregação, para a glória
de Deus, em minha geração!”, podemos dizer.
Mas quando passamos a pedir “alarga os meus limites”, não
somos os primeiros a fazer essa oração. Um desejo de “tire agora
os meus limites!” estragou o Éden em primeiro lugar e requereu que
Jesus viesse morrer por nós.
Ando fazendo essas perguntas dolorosas a mim mesmo. Se estou
entediado com gente comum, em lugares comuns, então não estaria
eu entediado com aquilo em que Deus se deleita? Se penso que os
limites locais de corpo e lugar são estreitos demais para uma
pessoa tão talentosa quanto eu, não desejaria fugir daquilo em que
o próprio Deus habita com alegria e a cada dia?
Se olho para um rosto, uma flor, uma criança, ou uma
congregação dizendo: “Não isto, Deus! Quero fazer algo grandioso
para ti!”, não estaria eu profundamente enganado quanto ao que
Deus diz ser uma grande coisa?
Faça aqui uma pausa por um momento, se puder. Demore um
pouco nas frases seguintes.
A mulher lavou os pés de Jesus com suas lágrimas e os secou
com seus cabelos. Os “homens da Bíblia” viram isso e murmuraram
sobre o “tipo” de gente que ela era. Mas Jesus confrontou os
ataques de postagens de blog, seus rostos franzidos e recusa em
dar as mãos, as pressões dos que votaram nele, a ameaça de
destituí-lo dentre os que tinham posição no ministério. Enquanto
aqueles que treinou para o ministério observavam o desenrolar
desse cenário, Jesus desviou o olhar, voltando-se, em vez disso,
para ela, e perguntou ao líder desses homens conhecedores da
Bíblia: “Vês esta mulher?” (Lc 7.44).
O que dizer dos homens? Quando conta sobre a hora em que
Jesus chamou Mateus para lhe seguir, Lucas identifica Mateus por
seu trabalho. Jesus “saindo, viu um publicano, chamado Levi,
assentado na coletoria, e disselhe: Segue-me!” (Lc 5.27).
Quando narra esse mesmo momento, no entanto, Marcos
identifica Mateus não tanto por seu tipo de trabalho, mas por seu
pedigree na família. “Quando ia passando, viu a Levi, filho de Alfeu,
sentado na coletoria” (Mc 2.14). Fico a me perguntar: Ser filho de
Alfeu curava ou corroía o coração de Levi? Não sei. Mas sei que
Mateus não menciona a família quando lembra para si esse
momento, e coloca o emprego nos bastidores: “Partindo Jesus dali,
viu um homem chamado Mateus sentado na coletoria e disselhe:
Segue-me! Ele se levantou e o seguiu” (Mt 9.9).
O ponto? Marcos via a família de Mateus. Lucas via a profissão de
Mateus. Jesus viu Mateus. Suponha que você estivesse nesse
cenário, se preparando para o ministério com Jesus.
“Você veria esta mulher?”
“Você veria este homem?”
Um dos privilégios contínuos de nosso ministério pastoral em
Jesus é aprender a ver as pessoas como pessoas e a nós mesmos
como alguém entre elas.

Pregando descalço
Quando um casal entra no ministério, o amor jovem de vidas
comuns poderá ser pressionado a ponto de deixá-los. Poderá ser o
caso de ela ter acabado de dar à luz um filho. Ou então, são recém-
casados. E já estão exaustos pelo ritmo do treinamento bíblico que
fizeram, e começando a obra do ministério como quem já precisa de
uma folga. Mas começar o trabalho para Deus significa pouco tempo
para cansaço. E assim, a esposa vai com seu líder no ministério a
um novo local, sem raízes, com uma criança pequena e um novo
emprego. A igreja espera que ele chegue correndo e vencendo a
corrida. Ele quer mostrar que vale o dinheiro pelo qual foi
contratado. Trabalha demais o tempo todo por amor a Jesus,
enquanto a sua esposa recente e seu bebê ainda novinho tentam
aprender a confiar em Jesus em meio a lavar pratos e o programa
da Galinha Pintadinha, sem amigos locais e saber ainda os nomes
das ruas de sua nova vizinhança. A pessoa solteira que se forma
depois do treinamento bíblico, semelhantemente, enche todas as
horas em que está acordada para Deus, ficando exausta, dizendo
com seus botões que no dia em que se casar vai diminuir o ritmo da
correria (sem perceber que o hábito do ritmo atual será muito difícil
de ser interrompido).
Por que pressionamos nossos jovens no ministério a produzir
resultados ministeriais dessa maneira? Por que eles acham que têm
de se tornar algo mais que um ser humano normal, que mora
fisicamente em um determinado local? Por que deixamos implícito
que, no ministério, eles têm de ser mais do que um casal jovem
apaixonado em amor sagrado, que tiveram seu primeiro filho e estão
aprendendo em seu primeiro chamado no mundo?
O meu pastor/mentor colocou sua própria vida no meio de tudo
que chamaríamos de sucesso. Ele tinha um programa de
construção em duas fases, estava plantando igrejas e era notável
como conselheiro e pregador em conferências. Porém, às vezes, as
coisas do ministério que desejamos na nossa cultura não são as
coisas importantes que Jesus nos dá. Falamos aos empresários que
não vale a pena ganhar o mundo e perder a alma. Não seria
possível fazer o mesmo em um ministério vocacional?
No meu primeiro pastorado tínhamos dezoito alqueires de terra.
Quando propus que cortássemos nossos programas de ministério
pela metade, para que as pessoas pudessem descansar mais com
as suas famílias e estar em casa na sua vizinhança para
compartilhar o evangelho, alguns me julgaram como quem conduz a
igreja para trás (mesmo que tivéssemos uns trinta programas numa
igreja de oitenta e cinco pessoas).
Enquanto isso, poderíamos discutir sem trégua nossas
declarações de visão e debater com eloquência perguntas chatas
(tais quais se João Calvino teria removido a cruz de madeira
pendurada na parede de nosso santuário, ou se nós, como
protestantes, devemos rebatizar alguém que foi anteriormente
batizado na igreja católica, ou se devemos ter o nome
“Presbiteriano” no logotipo de nossa igreja). Mas como líderes,
muitas vezes demonstramos pouca capacidade de demonstrar o
amor, a graça ou a humildade de Jesus em nossos relacionamentos
diários. Nossos sonhos e planos de realizar algo grande para Deus
injeta-nos energia. Nosso tratamento uns com os outros, porém, só
nos ferem e fatigam. É fácil fazer grandes coisas para Deus desde
que essa grandeza não requeira humildade interior, amor prático
pelas pessoas bem à nossa frente nem submissão à presença de
Jesus no lugar em que já estamos.
Estou tentando dizer que quando um homem iracundo se torna
manso em Cristo, existe mais poder do que em trinta homens cheios
de ira que vieram a nosso evento ministerial e foram para casa sem
transformação. O problema para mim e para muitos dos que tenho
servido é que a assistência de trinta pessoas soa melhor que a de
uma só. Mesmo que, querendo nosso Senhor, viessem trinta e
esses trinta fossem transformados, por mais que nos alegremos,
ainda teríamos, nalguma altura, de usar o banheiro.
Marque bem isso aí: Nós também podemos tentar resistir à nossa
humanidade, dizendo com convicção algumas coisas horríveis
diante de um santuário, dentre todos os lugares, durante a oração:
“Deus, eu te agradeço porque não sou como outros homens” (Lc
18.11). Lá está: o ar mortífero, a crença envenenada que, de algum
jeito, nós que desejamos realizar grandes coisas para Deus não
sucumbimos a ser meros humanos, do modo que são as outras
pessoas.
Talvez seja por isso que, trinta anos após falar pela primeira vez
sobre meu chamado na sala de aula da Sra. Canter, eu tenha
pregado descalço em meu primeiro domingo como novo pastor
titular, tendo uma segunda chance. Permanecer em pé ali, com a
Bíblia na mão, sobre um fundamento comum e não escondido, com
pelos de hobbit sobre os dedos calosos do pé, era um ato de
testemunho pessoal, um lembrete tolo, mas tangível, de que eu não
sou o Cristo.
Por tempo demais, ignorei nas minhas aspirações por grandeza, o
fato de que sou humano. Talvez seja isso, em parte, o que
aconteceu a meu amigo pastor que se matou. Ele era um “sucesso”.
Eu estava me tornando assim. Foi por isso que eu disse: “Jonathan
Edwards peida”.
Gerard Manley Hopkins, “The Caged Skylark”, [A cotovia engaiolada] em Hopkins: Poems
and Prose (New York: Knopf, 1995), 17.
3 | Saindo de casa

O ministério pastoral é uma peregrinação pelo deserto.


–D H .

Quando um cão selvagem entrava no nosso quintal, Papaw


irrompia pela porta de tela, correndo para carregar a seu rifle.
Enquanto o metal arranhado batia forte contra o fundo da casa para
então retornar de volta em seu lugar, Papaw, agora de pé e
calçando as meias, firme sobre a entrada do carro, mirava a arma e
atirava. Não se importava com o ganido resultante. Na verdade,
parecia ter prazer nisso, como se tivesse acabado de defender a
sua família do ataque de uma manada de lobos. Tentava esconder
seu largo sorriso e xingava o vira-lata que uivava de dor, como se
fosse um homem chamando Papaw para brigar. Assim, quando ele
me disse bem cedo na manhã no dia de Natal que ia atirar no Papai
Noel, eu acreditei.
Não era nada fácil possuir um coração sensível no mundo daquele
querido homem quando ele era mais jovem. “Abaixe as calças e
corra, Mamaw! Você tem cinta de babados e calcinha de rendas”.
Foi o que Papaw me ensinou a dizer para minha Mamaw quando eu
era um menino bem pequeno, e eu dizia. Aprendi a ver as mulheres
não somente pelo jeito que Papaw falava a Mamaw, mas também
pelas revistas Playboy e pelos calendários de mulheres nuas que
não eram segredo para Mamaw ou para nós, e que eram colocados
estrategicamente pela casa que ele construiu.
À mesa de jantar, aprendi que havia no mundo alguns chamados
de “negros”. Os pregadores não eram melhores em sua estimativa.
A casa pastoral da igreja metodista era vizinha da nossa.
Pregadores nada mais eram que hipócritas, e Papaw tinha várias
histórias para provar isso.
Quando eu voltava da escola no ensino fundamental, a primeira
coisa que Papaw perguntava era se eu tinha levado uns petelecos
do diretor da escola por ter aprontado naquele dia. Quando eu
respondia: “Não, Papaw”, ele ria, me dava um tapa no braço e dizia:
“Puxa vida, rapaz, o que é que você consegue fazer de bom?”
Papaw nunca me fez sentar para dar uma aula sobre como ver e
interpretar os cachorros perdidos, as mulheres, os pregadores ou a
pele não branca, mas o jeito do Papaw ver o mundo, junto com
outros em minha jovem vida, ia treinando e formando o meu próprio
jeito.
Os jeitos ensinam. Formam as principais salas de aula de nosso
aprendizado. Para melhor e para o pior, aprendemos a ver o mundo
e a nos apresentar nele como testemunhas, não somente das
declarações de crença que aprendemos na aula, mas também pela
mentoria relacional com aqueles com os quais vivemos (Pv 13.20;
22.24–25). Seria ingênuo se acreditasse que meu ministério atual,
como adulto em St. Louis, Missouri, fosse estranho ao meu Papaw e
ao modo como ele e eu compartilhávamos juntos a vida comum e
cotidiana de Henryville, Indiana. Você também não é diferente disso.
Você e eu aprendemos muitas coisas em casa, e nem todas
concordam com Jesus. E o que é pior, quando saímos de casa para
o ministério, levamos conosco, para o bem ou para o mal, as coisas
que a nossa casa nos ensinou.

A mentoria que trazemos conosco


Os discípulos repreenderam as crianças por tomarem o tempo de
Jesus (Lc 18.15). Quando a mulher quebrou o vaso de alabastro,
perfumando Jesus com a sua adoração, eles se indignaram e
repreenderam a mulher (Mt 26.7–10). Quando viram Jesus
conversando com uma mulher samaritana, esses discípulos judeus
ficaram confusos (Jo 4.27). Vendo Jesus prestes a ser traído,
desembainharam as suas espadas para uma ação violenta (Lc
22.49). Ao testemunharem um homem rico indo embora, em vez de
seguir a Jesus, indagaram: “Quem poderá ser salvo?” (Lc 18.25–
26). Quando viram o cego de nascença, presumiram que a
deficiência fosse um castigo pelo pecado (Jo 9.1–3). Assumiram que
as diferenças entre os pregadores de Jesus fossem motivo para a
rejeição e a separação imediata (Mc 9.38–41).
As pessoas que viviam em volta dos discípulos tinham lentes
similares pelas quais viam o mundo. Por exemplo, ao vir Jesus
receber bem a um cobrador de impostos, “todos murmuraram” (Lc
19.7). O morador de sepulturas, quando teve a mente curada por
Jesus, foi obrigado a “deixar sua região” (Mt 8.34). Quando
aconteceu uma tragédia e pessoas inocentes morreram,
presumiram seriamente que tragédias só acontecem aos piores
pecadores (Lc 13.4).
Cada um de nós carrega “Teologias” e “teologias” para o
ministério. As realidades “maiúsculas” foram aprendidas em sala de
aula com bons professores bíblicos. As “minúsculas” muitas vezes
aprendemos sem perceber, do lado de fora ou apesar da sala de
aula. O problema é que, não importa o que professemos sobre
nossa Teologia, todas as nossas pequenas teologias aparecem nas
horas menos esperadas. Por exemplo, Jesus ensinou a seus
pastores em treinamento a amar ao próximo, até mesmo os
inimigos. Tenho certeza de que esses seguidores sinceros
concordaram com essa “Teologia”. Mas a primeira vez em que os
samaritanos ofenderam a Jesus, Tiago e João queriam, em nome de
Deus, matá-los (Lc 9.54).

Homens com punhos e temores


No primeiro ano de meu primeiro pastorado, contava vinte e seis
anos de idade. A reunião de educação cristã tinha terminado, mas a
raiva estava só começando. Esse homem, trinta anos mais velho
que eu, começou a vociferar: “Você nunca vai . . .”. Nos próximos
minutos, ele deixou patente que eu não tinha sido chamado por
Deus e que era uma desgraça como pastor, e que, como homem, eu
somente era digno de desrespeito. Usando um vocabulário de filme
impróprio para menores, ele escolheu palavras que deixaram claro
para mim que se eu o contrariasse novamente estaria arrasado
como pastor. (Foi uma ameaça que mais tarde ele tentou cumprir).
Meu coração batia acelerado. A ansiedade inundou minhas veias.
Lembrei-me de que “a resposta branda desvia o furor, mas a palavra
dura suscita a ira” (Pv 15.1). Tentei, mas ele não desviou a ira.
“Sinto muito”, disse eu.
Ele fez uma careta mais para baixo, à altura possível para atacar
minha cabeça, ergueu o dedo em riste e ameaçou: “Vou vigiar você
para ver se está sendo sincero”. Depois de longa pausa, saiu. Eu
permaneci de olhos no chão e chorei como se fosse um bebezinho
(ou será que chorei como homem?).
Como é que um homem que já sacrificou tantos de seus recursos
e tempo desejando o ministério, e que já realizou tanto bem, pode
ter tanto apetite por uma briga caso seja contrariado?
Como eu podia desmoronar desse jeito? O fato é que, por mais
que eu tivesse aprendido no seminário, quando a tempestade rugia
saindo do nada e a chuva jorrava, eu era como um menino do
primeiro ano de ensino médio, fugindo dos punhos de meu padrasto
em Clarksville, Indiana.
Eu era um pastor chamado por Deus a fazer o bem para este
homem e para a congregação, resistindo ao pior dele e procurando
seu maior bem em Cristo. Mas naquela hora, tudo que eu via era um
homem de punhos cerrados. As lembranças de menino
amontoavam-se na sala. Temores de menino roubavam as minhas
credenciais e as escondiam em algum lugar do armário. Eu não as
encontrava em meio àquele estouro de raiva.
Porém, o temor de menino não é a única fotografia que tenho de
minha história de mentoria. Meu padrasto me esmurrou com as
mãos abertas de adulto; as marcas vermelhas da surra em minhas
bochechas e as lágrimas produzidas tiveram como resultado tornar-
me mais duro. A primeira vez em que eu, já pastor, me escutei dizer:
“Vai mexer comigo?”, para um homem que não estava em seu
melhor momento, na fila em uma loja de móveis, eu me surpreendi e
fiquei sério. Caiu a ficha. Estava correndo perigo de ser nada
diferente dos homens que eu tentara vencer.
Sendo pastor, vejo homens na congregação e comunidade todos
os dias. Alguns homens também estão sempre me vendo. Jesus vê
a ambos.

Mulheres com corpos


Mas os homens também enxergam as mulheres. De mãos dadas,
minha esposa e eu caminhamos pelo bar Llywellyns numa sexta-
feira. Os homens agarram-na com os olhos. Não se importam por eu
ser dela ou por ela ser minha ou por nossa aliança diante de Deus
ser sagrada e feliz para nós. Acabei aprendendo que ela tem de
conviver com aqueles olhos da maioria dos homens na vida que
dizem: “Você não quer se embebedar comigo?”
June era conhecida por “tentar se insinuar”. Ela estava bêbada no
McDonalds. “Oi, Zack”, chamou. “Quer ficar aqui comigo?” June deu
uma piscada, enrolou as palavras e tropeçou, enquanto meus
amigos sorriram. “Enfia ela no carro”, disse um deles. “Põe ela no
seu carro!” Eu não o fiz. Não sei onde está June agora. Será que ela
veio a conhecer o descanso gracioso e dignificante dos olhos de
Jesus, totalmente isentos de pornografia? Será que eu possuo tais
olhos ao abrir a Bíblia, orar ou mesmo tomar minha refeição na
presença de uma mulher?
Penso em Judy, sentada no meu escritório na igreja. “Você tem de
deixá-lo”, eu disse a ela com respeito ao seu namorado abusivo. “Eu
sei, mas não posso”, disse ela. Orei silenciosamente em minha
cabeça. Vi a vergonha do seu rosto. Arrisquei uma declaração no
contexto de nossa história e longo conhecimento: “Estou
imaginando que o sexo nem é assim tão bom”, eu disse quase em
um sussurro.
Ela me olhou. O rosto duro atenuou. Abaixou os olhos e as
lágrimas começaram a escorrer. “Não, não é”, admitiu, balançando a
cabeça. “Sinto-me tão suja depois, com as coisas que ele quer que
eu faça. Fico tomando banhos de chuveiro. Mas não consigo me
limpar”.
“Então por que você continua com ele?”, perguntei-lhe. “Porque
pelo menos por um momento eu me sinto desejada”.
Lembro do canal da Playboy da casa de meus avós postiços, da
coleção de revistas pornográficas Hustler no armário debaixo da pia
no quarto de cima. Penso no armário de Papaw, e sou esmagado
com uma percepção. Não consigo ver ou ministrar a mulheres até
que eu aprenda a graça de ver além do seu corpo, para aquilo que
ela é. Escrevo um pouco de minha própria poesia:

Você escondeu no armário as suas Playboys


junto com tudo mais.
Você também me escondeu ali
e foi isso em que nos tornamos.

Assim, quando Jesus nos pergunta: “Vês esta mulher?” (Lc 7.44),
pergunto-me como deve ter sido para ela. Não havia luxúria nos
olhos de Jesus, nem abuso por trás de seu sorriso, nenhuma
cantada familiar ou bajulação em seu tom. Sua beleza era notada e
admirada; seu coração e sua mente eram compreendidas e
conhecidas. Será que já teria sido observada dessa maneira por
algum homem? Será que os homens ali de pé sabiam que eles
também, pela graça, poderiam olhar deste modo para uma mulher?
Os netos se esquecem de que as Mamaws são mulheres. Seu
nome era Pauline. O nome dele era Bud. Na sua juventude, imagino
que ela colocasse seu melhor vestido e passasse perfume no
pescoço, esperando que os dedos dele também a tocassem ali com
ternura. Havia gratidão e ternura, um anseio nos olhos ao dizer seu
nome ou relembrar a sua presença. Naqueles anos ela ficava
sentada com ele na sala, descascando batatas com ele na cozinha,
deitava com jeito de mulher diante dele em seu leito de vários anos
juntos. Gosto de pensar que no final ele via a ela, e os anos das
revistas Playboy tiveram os olhos vazados. Gosto de pensar que a
mulher, que conhecia e amava esse homem de punhos cerrados,
finalmente teve as suas envelhecidas orações por ele finalmente
respondidas, enquanto os punhos dele se abriam ternamente.
Punhos finalmente relaxados e acariciados, nos cacos de uma velha
promessa e um longo amor.

Racismo na conversa
Outra coisa também mudou, não plenamente, mas
verdadeiramente. Papaw estava se recuperando no Hospital
Municipal da cidade de Clark. Ele havia trabalhado ali como zelador
durante muitos anos. Agora era ele que precisava de reparos. O seu
coração estava cansado e queria parar antes da hora. Por isso,
deve ter sido algo notável para Papaw naquele dia, quando um
estranho veio visitá-lo entre os tubos e monitores presos aos seus
braços. Esse “alguém” era um capelão afrodescendente com as
boas novas de Jesus, trazendo cuidado pastoral para os enfermos.
Eu queria ter sido uma mosca na parede para ver aquele momento.
Mas como filho do meu Papaw, eu mesmo tenho tido necessidade
de muitos “capelães negros”.
“Você está se esforçando demais”, disse o meu amigo
afrodescendente. “Você não tem de frequentar todas essas
reuniões, sessões de planejamento e eventos contra o racismo. Tem
um jeito mais fácil”, ele insistiu. Seus olhos transmitiam seu amor
enquanto falava essas palavras. Ele tinha idade para ser meu pai.
“O que você quer dizer com isso?”, perguntei.
“O seu escritório fica em um pequeno centro comercial perto de
alguns comerciantes negros, certo? Então, quanto tempo levaria
para você chegar do seu escritório até a uma dessas lojas?”
Fiz uma pausa. Tenho certeza de que também parei de mastigar o
meu sanduíche. Dava para ver que um senso de convicção estava
prestes a me cumprimentar. Sentei para trás na cadeira. Ele sorria
agora, e era gentil.
“Uns três segundos”, respondi finalmente.
“É isso que estou dizendo”, disse ele. “Você está se esforçando
demais, frequentando na correria todas essas reuniões. Ao invés
disso, ande três segundos até ali, enfie a cabeça à porta, e
simplesmente diga ‘olá’. Se ninguém retribuir o seu cumprimento,
tente de novo na semana seguinte. Se eles lhe derem um alô,
simplesmente converse como um ser humano sobre coisas de
humanos”.
Fiquei pensando no que ele disse. Admiti em voz alta o que eu
sentia por dentro.
“Parece que essa caminhada de três segundos é mais difícil. Por
que é assim?”, perguntei.
Ele não me respondeu. Ele não precisava me responder. Ambos
demorávamos com o pensamento, enquanto comíamos as fritas
devagar.
Jesus entra em nossa mentoria e reformula as narrativas com as
quais mapeamos o mundo. Os discípulos cresceram ouvindo
histórias que deixavam implícito que os pobres estavam no inferno e
os ricos iam para o céu. Mas Jesus inverte isso (Lc 16.19–31). Os
samaritanos são vizinhos nobres (Lc 10.25–37), pecadores
arrependidos são justificados diante de Deus, e os arrogantes
mestres da Bíblia não o são (Lc 18.9–14). E as crianças, longe de
serem repreendidas e silenciadas, são exatamente como devemos
nos tornar a fim de entrar no reino de Deus (Lc 18.15–17). Trazemos
histórias de casa conosco quando entramos no ministério. Jesus
entra nelas e dá à luz novas histórias para que as contemos.

O ajuste doloroso
Estas novas narrativas da graça para nossa família não são baratas.
Não apenas as levamos conosco de casa; também quando
voltamos para casa de tempos em tempos. Fazer com que isso dê
certo requer graça e tempo.
Na sua própria cidade, enquanto Jesus era “o filho do carpinteiro,
filho de Maria e irmão de Tiago e José e Judas e Simão” junto a
suas irmãs, Jesus era bem-vindo. Era parte do povo e do lugar (Mc
6.3). Mas uma vez que Jesus “começou a ensinar na sinagoga”, as
pessoas, em sua maioria, retiraram suas boas-vindas. “Se
ofenderam com ele” (Mc 6.1–8; Lc 4.16–30).
Meu jeito de tratar minha pequena semelhança ao que Jesus
experimentou por vezes tem feito as coisas piorarem. Ao tentar
separar aquilo que é menos parecido com Jesus na mentoria de
nossa família, frequentemente o fazemos mal, como a vez quando
escrevi um tratado de sessenta páginas que chamei “Por que sou o
que algumas pessoas chamam de ‘calvinista’.” Fiz cópias e mandei
para todos os membros da minha família no sul de Indiana. Que
maneira melhor haveria de mostrar o amor de Jesus aos entes
queridos do que escrever e enviar um documento que eles não
esperariam, respondendo perguntas que não estavam fazendo, com
um tom que não era necessário, para defender uma discussão na
qual eles não estavam envolvidos, e isso tudo para surpreendê-los,
sem que tivéssemos tido qualquer conversa pessoal a respeito
disso?
Assim, quando tentarmos orar ou dizer algo de significado
espiritual, os membros da família não nos deixarão esquecer dessas
coisas. Como isso pode se tornar um dom de graça! Nós todos
podemos olhar para trás e dar risada devido ao perdão necessário e
concedido. Novas histórias de família poderão tornar-se fonte de
encorajamento para todos.
Porém, a lembrança de nossos momentos de tolice não vai
embora com os outros membros da família. Eles ficam contentes em
ter um encanador na família quando os canos estouram, ou um
cabeleireiro que corte o cabelo de graça, mas raramente pensam na
bênção que um ministro humilde pode oferecer à família. Não
reconhecem a agulhada que trazemos conosco por causa disso.
Talvez nos assemelhemos ao hipócrita que os feriu. O seu cinismo
põe a culpa sobre aquilo que nós representamos.
Muitas vezes, as vozes críticas ou decepções implícitas vem numa
disposição bem-intencionada. A família sente nossa falta e desejaria
que estivéssemos em casa. “Filho, por que fizeste assim conosco?”
(Lc 2.48), poderão dizer. A família de Jesus sentia-se ferida por
Jesus. Maria acrescenta, “Teu pai e eu, aflitos, estamos à tua
procura” (Lc 2.48).
Jesus faz uma pergunta direta e gentil em resposta: “Por que me
procuráveis? Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu
Pai?” (Lc 2.49). Como seria para José ouvir que Jesus tinha de estar
na casa de um Pai diferente, e que esse Pai não era ele, José, e
não incluía a provisão e a habitação de José? Deve ter doído.
Quando Jesus e sua família começaram a ter esse ajustamento
dolorido, sua família “não entendia” o que Jesus estava lhes
revelando (Lc 2.50). Teriam de ponderar essas coisas nos corações
e ruminá-las por algum tempo (Lc 2.51).

Tempo de ficar de pé
Na hora que as multidões se juntam e Jesus não tem tempo para
comer, a sua família reage mal. Poderiam ter trazido comida para
ele, encorajando-o com a mensagem de que o Senhor, que o
chamou, o sustentaria e sempre seria fiel. Em vez disso, olharam as
coisas boas que Jesus fazia e denegriram seu caráter. Enquanto
outros se ajuntavam para aprender sobre Deus através de Jesus,
“sua mãe e seus irmãos” ficaram do lado de fora (Mc 3.31). Naquele
momento público eles se referem a Jesus como um homem fora de
si (Mc 3.21). Em termos humanos, existem pouquíssimas críticas
mais dolorosas do que aquelas feitas contra nós por aqueles que
nos conhecem por mais tempo.
Normalmente, Jesus se maravilhava dessa falta de boas-vindas
em sua própria casa; suportava a dor produzida por isso, e
simplesmente prosseguia em seu ministério (Mc 6.5–6). Mas chegou
a hora. Desde os doze anos, Jesus havia se submetido e amado
sua família respeitosamente, mesmo quando eles não o
compreendiam. Agora, aos trinta anos, ele cumpriria o seu
chamado, quer eles entendessem quer não. Certas coisas até eles
teriam de aprender de Deus. Não podiam continuar a apoquentá-lo
desse jeito. A manipulação, os xingamentos e a utilização da culpa
para envergonhá-lo tinham de parar. Jesus os amaria, mas não faria
concessões à descaracterização que faziam dele, bem como das
interpretações sobre quem Deus é e de como o ministério de Deus
deveria funcionar. A família e Jesus teria de se entregar aos
propósitos de Deus para eles — não havia como evitar. Jesus
continuaria em seu chamado, quer eles quisessem quer não, quer
estivessem envergonhados por ele quer não, quer achassem que
seriam maltratados quer não. “Quem é minha mãe e meus irmãos?”,
ele pergunta (Mc 3.31–35). Este momento na vida de Jesus me
deixa boquiaberto.
Certamente, naquele dia a família foi para casa furiosa ou ferida.
Jesus só confirmou as suas suspeitas. Está fora de si. Eles estão
certos em ficar do lado de fora e não se juntar aos que o seguem.
Ou talvez acreditassem mesmo que ele se importava mais com os
outros do que com eles. Pode ser que tivessem se sentido
desrespeitados por ele falar as coisas tão claramente. Talvez
pensassem no homem egoísta e orgulhoso que seu filho e irmão se
tornara, amando as multidões, a fama e a atenção.
O que sabemos com certeza é que, enquanto se entregava à obra
do Pai, Jesus não parou de amar a sua família (Jo 19.26). Com o
tempo, sua mãe viria a entender todas essas coisas que foram
profetizadas e as guardaria no coração. Com o tempo, o seu irmão
Tiago se curvaria a ele afetuosamente como Senhor e Salvador.
Mas não os vemos muito todos juntos.
As percepções da sua família estendida e dos seus concidadãos
acerca do ministério são uma confusão — era assim até mesmo
para nosso Senhor na plenitude de sua humanidade. Mas até
mesmo aqui, a graça não desiste.
Conclusão
Eu estava saindo da reunião do almoço de Dia de Ação de Graças
da casa dos Guernseys. Havia passado trinta e cinco anos ou mais
desde que Papaw me dissera que planejava atirar no Papai Noel;
seis ou sete anos desde que chegara o capelão negro; e seis ou
sete anos desde que eu lhe escrevera uma carta contando do meu
amor por ele e por Jesus, aquela carta que ele referiu como algo
para ser guardado junto ao peito. Foi um ano ou dois antes da morte
de Mamaw. E foi após mais de cinquenta anos que Mamaw orava.
“O que você sabe, jovem?”, disse ele com muita magreza e
cabelos de prata. Há muito sumiram as costeletas fortes e escuras
emoldurando o rosto murcho. A seriedade e clareza de seus olhos
castanhos me surpreendeu. “Não tem muita gente que sabe o que
tem dentro desse velho aqui”.
“Ah é?”, disse eu perguntando.
“Dois anos atrás, esse velho aqui começou a dar graças a Deus
toda noite”, ele disse. “Uns meses atrás, o velho aqui começou a
voltar para a igreja”.
Eu estava chocado com a sacralidade daquele momento. Remexi
as minhas chaves, vasculhando o vazio profundo do bolso de meus
jeans, tentando encontrar palavras. “Como é isso para o senhor,
Papaw?”, ousei indagar.
“Bem, não concordo com tudo isso”, disse. “Mas, para dizer a
verdade, tenho sentido falta”.
Ele se aproximou de mim para me abraçar.
Então sorriu ao falar: “A gente nunca sabe o que vai acontecer
com esse velho aqui, não é mesmo?”
“Nunca se sabe”.
4 | Invisível

O fato é que os pastores são invisíveis seis dias da semana... Grande


parte de nosso trabalho mais importante é feito nos bastidores.
–E H. P

O que dissemos até aqui:


Pastores anseiam.
Pastores pregam com pele e osso.
Nossa pressa não ajuda muito.
Entediados com a verdadeira grandeza que nos foi dada, tentamos
sair de casa, mas levamos nossa casa conosco.
Estamos esgotados por correr atrás das falsas grandezas.
Somos encharcados por sucessos, mas secos quanto a Deus.
Estamos fazendo de novo antigas perguntas, olhando para trás.
Mas de que adianta ser pastor?

Trabalho monótono
“Quero agradecer-lhe por aquilo que você disse da última vez em
que nos encontramos”.
Ele disse isso em uma cafeteria. A filha pequena de meu amigo
dizia com linguagem de garotinha: “Num quero Deus” ou “mim não
ora”. Sofrendo, esses pais preocupavam-se que estivessem fazendo
algo errado. Eu respondi dizendo algo sobre como nós adultos,
muitas vezes, não gostamos de Deus em nossa vida ou não
queremos orar.
“Quem sabe o deus que sua filha não gosta seja um que nós
também não gostaríamos nem desejaríamos crer; talvez não seja,
afinal, uma imagem verdadeira de como Deus realmente é”, eu
sugeri. Então fiz uma pausa. Não tinha certeza, como era
costumeiro, se aquilo que em oração eu tentava entender estava
plenamente correto. Eu orava daquele jeito estranho que podemos
fazer, silenciosamente, entre as sentenças e os pequenos silêncios
que perduram enquanto enfiamos a colher em uma tigela de caldo
quente.
“Em vez de fazer sua garotinha parar de falar que não gosta de
Deus”, eu disse, “que tal admitir que, às vezes, mesmo como
adultos, nós desgostamos de Deus, e deixar que isso molde as suas
orações em família? Afinal de contas, os Salmos ou Eclesiastes,
Jonas ou Jó nos mostram orações dessa espécie. Nos ensinam que
Deus nos ouve em Cristo, mesmo quando temos sentimentos feios
e quando esses sentimentos feios são dirigidos a ele. Quem sabe se
neste exato momento é isto que ela pode aprender com você? Que
tal se, em vez de ler a Bíblia por uma temporada, você convidasse
os filhos a dramatizar as cenas escritas nos Evangelhos? Alguém é
o que está doente. Um outro atua como o fariseu zangado. E
alguém começa a dizer o que Jesus fez e a estender a mão ao que
está enfermo ali mesmo em sua sala de estar”.
Nas semanas seguintes aconteceu algo maravilhoso. Aquela
criança começou a relacionar-se de maneira diferente quanto à
oração, e deixou de falar que não gostava de Deus. Um momento
como este nos ajuda a entender por que não é fácil descrever o que
um pastor faz. É também desagradável e fere nosso inquieto desejo
de legados maiores e mais famosos.
• Comum e cotidiano. Este momento quase não se nota no mundo
e não será documentado pela história. Dois homens tomavam
sopa e conversaram por alguns minutos numa terça-feira em uma
cidade do Missouri.
• Invisível. Ninguém mais da congregação viu ou sabe sobre isso.
• Incontrolável. Não existe uma fórmula. Nunca me fizeram antes
aquela pergunta e eu poderia não ter sabido como dizer, ou errar
completamente no que disse. Foram feitas orações. Dar um
passo à frente foi um ato de esperar em Deus quanto ao
desconhecido.
• Inacabado. Demos graças com risadas quando se falou dessa
boa nova. Mas ambos sabemos que essa menina pequenina tem
toda uma vida em frente para construir sua trajetória com Deus
ou o contrário. “Daqui a dez anos”, eu digo, “talvez estejamos
sentados aqui nessa mesma lanchonete, tomando sopa,
conversando sobre sua filhinha, que a essa altura será uma
jovem! Certamente estaremos olhando juntos ao Senhor
novamente, buscando toda a ajuda e graça que pudermos!”
Rimos e balançamos as cabeças.
Andamos até o estacionamento. Sem mais palavras a dizer,
demos tapinhas nas costas um do outro, como muitas vezes fazem
os homens. Ele voltou ao seu escritório. Eu fui ao encontro de outra
pessoa.
Eu não visionava essa espécie de vida diária. Pensava que ser
pastor seria algo parecido a um conferencista itinerante,
profeticamente originando e dando uma visão de pregação a
grandes multidões e organizações, para que pudesse
constantemente demonstrar que não somos como outras igrejas e
eu não sou como outros pregadores. A cada semana, eu mobilizaria
e gerenciaria programas, contratando, despedindo e treinando o
pessoal, para que pela força de minha personalidade, pela perícia
de minha liderança organizacional e singularidade sábia de nossa
presença, eu (quero dizer, claro, nós) poderia construir uma
plataforma mais notável para o evangelho, de onde eu (ops, quero
dizer nós) poderia subir em maior proeminência no evangelho. E
então eu (aqui não estou falando de nós) poderia ir embora,
passando a fazer coisas cada vez maiores e melhores para Deus no
evangelho.
Porém, se aspiro a essa outra visão, quem ficará sentando sem
pressa, escutando alguém em nome de Deus enquanto toma sopa
no meio de um dia comum, em lugar corriqueiro, para que uma
família desconhecida para o mundo, que ama a Jesus, encontre seu
caminho nele em meio do que realmente os machuca, confunde ou
os deixa mais maravilhados?
Jesus Cristo: timidez e fama
Anseio por palavras como estas que foram faladas para Jesus:
“Todos estão te procurando” (Mc 1.37).
São essas as palavras de fama. No entanto, se Jesus era o
famoso, por que as pessoas teriam necessidade de procurar por
ele? A sabedoria convencional concordaria com o conselho da
própria família de Jesus. “Porque ninguém há que procure ser
conhecido em público… Se fazes estas coisas, manifesta-te ao
mundo.”, cinicamente eles insistiam (Jo 7.4). Não entendiam como
um grande obreiro de Deus escolheria um modo de vida que podia
ser caracterizado por trabalhar “em segredo”. Não tenho certeza de
que eu, ou a maioria das igrejas que eu já servi, teria entendido isso.
O zunido a respeito de Jesus era tão público que ele não conseguia
entrar abertamente numa cidade (Mc 1.45). Será que ele não
deveria agarrar essa oportunidade de palco para Deus?
Contudo, seus irmãos reconheceram algo a respeito de Jesus que
os irritou. Quando comecei a entender, isso também me incomodou
(no sentido de convicção). Jesus não é atraído aos holofotes, mas é
tímido quanto à fama. Os discípulos e amigos tinham de procurá-lo.
Ele não estava tuitando. Seu blog não era visitado. As respostas dos
e-mails não eram imediatas. Muitas vezes o encontravam sozinho,
orando em lugares isolados (Lc 5.16). Na verdade, parece que
quando Jesus estava no lugar certo, no tempo certo, e a
oportunidade de avançar seu trabalho por meio de maior
celebridade aparecia, ele intencionalmente permitia que essa
chamada fosse para a caixa postal e desaparecesse por algum
tempo (Jo 6.15).
Jesus teria deixado desnorteado qualquer publicitário ou mesmo
qualquer congregação. Na verdade, após fazer algo grandioso,
muitas vezes Jesus pedia que ninguém falasse a respeito.5 Talvez o
pedido de Jesus para que ninguém alardeasse fosse em parte uma
estratégia de marketing de falsa humildade. Os artistas fazem isso
ao indicar que não querem nosso aplauso, enquanto por outro lado,
simultaneamente, o estimulam. Talvez simplesmente fosse provado
ser nada prático para Jesus ministrar livremente a outros se
soubessem quem ele era. Vemos essa analogia com estrelas de
rock e celebridades de nossos dias, as quais têm de viajar em
horários estranhos e usar disfarces quando andam em público.
Mas revisitando tais explicações, e se a razão de Jesus para
diminuir a conversa a seu respeito fosse simplesmente proveniente
de viver aquilo que ele ensinou? “Guardai-vos de exercer a vossa
justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles;
doutra sorte, não tereis galardão junto de vosso Pai celeste” (Mt
6.1), ele ensinou.
De alguma forma diminuímos as coisas que glorificam a Deus
quando “tocamos a trombeta diante de nós, como fazem os
hipócritas” (Mt 6.2). Ele cria que fazemos melhor as grandes coisas
para Deus quando a mão esquerda não sabe o que faz a direita —
quando aquilo que fazemos para ele passa despercebido e não é
reconhecido pela imprensa, pela igreja, e até mesmo pelos que
estão mais próximos a nós (Mt 6.3). Existem questionamentos que
me perturbam: Será que tenho garra para passar despercebido?
Posso lidar com o fato de ser ignorado? Minha espiritualidade me
capacita a fazer algo desconhecido para a glória de Deus?
Não é de admirar que Paulo esperasse muitos anos antes de
contar a uma alma sequer sobre uma experiência que teve com
Deus. Ele nem a contava como sendo sua própria experiência.
Relatou-a como se fosse a história de outra pessoa, desviando a
atenção de si (2Co 12.2–4).
Jesus não ignorava os benefícios tentadores da fama. Obtemos
recompensa real do aplauso de outrem. Mas quando cessa o
aplauso, também acaba sua provisão (Mt 6.5). O momento
deslumbrante se apaga no teatro vazio de nossa vida, onde as
questões fundamentais ainda permanecem. Assim, três vezes,
quando Jesus enumera as coisas justas que fazemos, ele nos
compele a considerar “vosso Pai que vê em secreto” (Mt 6.4; veja
também os vv. 6, 18). Ao fazer isso, ele inverte o sentido tomado no
Éden. Fomos feitos para viver sob o olhar do Criador, livres da
procura da fama proveniente dos outros.
Aqui vem à mente um pensamento perturbador. Como a
indiferença à fama por parte de Jesus informa o modo de tratarmos
o desenvolvimento de nossos ministérios ou de modelar um
ministério para ele? Estamos dispostos a abrir mão do que dá certo
no mundo por aquilo em que Jesus nos ensina a confiar? Eu fico
confuso.
Novamente vem à tona um pensamento que fortalece. Deus é
aquele que lembra. Isso não quer dizer que somos esquecidos —
não por ele. De fato, ser lembrado por Deus significa que não
tememos mais o sermos esquecidos pelo mundo. Viver sendo
lembrados por Deus é o suficiente.

Pessoas invisíveis, Orações invisíveis


Jesus vive de forma poderosa essa joia de verdade e a compra para
nós. Você já notou a rede estratégica de comunicação por parte de
Jesus no Evangelho de Lucas? Quase não existe (pelo menos em
relação a conhecer e se conectar com aqueles que são
importantes). Parece que Jesus intenciona notar e orientar sua
agenda em volta das montanhas sem nome a seu alcance. Ele faz
visitas pessoais aos que estão doentes fisicamente e
espiritualmente, incluindo uma sogra, um leproso, um paralítico e
um cobrador de impostos (Lucas 4–5). Houve também o homem
com a mão atrofiada, a doença do servo de um gentio, e uma viúva
e seu filho morto (Lucas 6–7).
Jesus finalmente passa tempo com centenas de pessoas numa
multidão. Porém, naquela turma, não são os ricos, os conhecidos e
bem situados que Jesus procura. O seu foco continua sendo os
enfermos e conturbados (Lc 6.17–18).
Até mesmo João Batista fica confuso. O jeito de Jesus fazer as
coisas parece estrategicamente desconcertante. “És tu aquele que
estava para vir ou havemos de esperar outro?”, João pergunta (Lc
7.19). Não é estranho que a vida de amar pessoas desconhecidas,
em meio à sua miséria, fizesse com que outros entre nós
questionassem se era hora de nos afastarmos, indo adiante de
Jesus?
Mas, assegurando a João, por meio das Escrituras, que essa
maneira de gastar o tempo é exatamente o que Deus quer, Jesus
veio ao encontro da mulher pecadora, e em seguida, a várias
mulheres comuns e alquebradas. Depois, a quilômetros de
distância, havia aquele homem nu, que gritava entre os túmulos
também entre gentios (Lucas 7–8). Jesus o procurou igualmente.
A essa altura, algumas multidões começaram a ficar confusas
quanto ao comportamento de Jesus. Pediram que os deixasse em
paz (Lc 8.34). Jesus concede o seu pedido. Está disposto a permitir
que a multidão se ajunte sem a sua presença. Em seguida, ele
gasta tempo com outra mulher enferma e a filha enferma de um
dirigente da sinagoga (Lc 8.40–56).
O rei Herodes agora fica perplexo e deseja uma audiência com
Jesus. Jesus parece não ter interesse em mudar a sua agenda para
incluir tal encontro (Lc 9.7–9)! Em vez disso, Jesus manda seus
discípulos gastarem tempo com os que são física e mentalmente
perturbados. Em seguida, começa a falar sobre a morte e a cruz
que, com o tempo, tem de se tornar tanto dele quanto de seus
seguidores (Lc 9.21–27).
Finalmente, Jesus se revela como verdadeiro Filho de Deus, maior
que Moisés e Elias! Mas ele limita essa visão a apenas três
pessoas, e ninguém deve falar a respeito disso (Lc 9.29–36).
Na verdade, durante este tempo, Jesus continua a se afastar, indo
a lugares desertos para extensos períodos de oração (Lc 4.42; 5.16;
6.12; 11.1). Após passar tempo com alguns samaritanos e duas
mulheres obscuras que eram suas amigas (Maria e Marta), os
discípulos (que recentemente haviam discutido qual deles seria o
mais famoso, Lc 10.46–48) notam o estilo de vida de Jesus e dizem-
lhe: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11.1).
Então Jesus começa a envolver aqueles que possuem boas
conexões e influência na comunidade. Mas tais conversas não são
nada diplomáticas. Terminam com um advogado altamente
respeitado que exclama a Jesus: “Mestre, dizendo estas coisas,
também nos ofendes a nós outros!” (Lc 11.45). E quanto aos líderes
da elite na comunidade? A sua atitude frente a tudo isso foi ficar à
espreita, “com o intuito de tirar das suas próprias palavras motivos
para o acusar”, (Lc 11.54).
A ideia de Jesus de fazer grandes coisas para Deus significa uma
rotina que acentuava uma grandeza diferente. Sua agenda pode
parecer um pouco como a seguinte.
Particular:

– Cedo de manhã e no fim da noite: desaparecer frequentemente para


orar.

– Após o café da manhã até pouco antes do jantar: procurar pessoas


desconhecidas e assustadoramente quebrantadas e oferecer-lhes a
maior parte do tempo. Separar tempos para o ensino público e para
explicações em particular àqueles que você está oferecendo mentoria.

– Começo da noite após o jantar: passar tempo juntos e ter prazer um


no outro

Geral:

– Comer e dormir.

– Ajudar os outros líderes para que entendam pela Palavra de Deus


que este modo de ministério vem de Deus e não é um desperdício.

– Suportar e apoiar as pessoas que você ajuda mas que se distanciam


de você porque o seu estilo de vida e ministério os assusta.
– Não se preocupar por sua verdadeira glória ser encoberta a quase
todos a seu redor.

– Não marcar tempo demais na agenda com os que acreditam ser as


colunas no governo ou na igreja. Lembrar-se de que eles também são
apenas pessoas. Eles têm seus próprios pecados dois quais se
arrepender e seus próprios chamados para cumprir. Não são mais
importantes do que os perdidos e aqueles que estão quebrantados a
quem você foi chamado a ministrar.

Frequentando o seminário de Jesus


Afastar-se para a oração? Tempo prioritário com pessoas comuns e
quebrantadas que não são notadas pelo mundo? Uma ativa
indiferença aos que não têm cacife? O modo de Jesus não é o
caminho da celebridade.
Talvez esta seja a razão por que Jesus treinava os trabalhadores
para o ministério de modo tão diferente de nós. Note, por exemplo,
aonde Jesus conduz seus discípulos para torná-los pescadores de
homens (Mc 1.17–45). Ele os leva entre os enfermos, os pobres, os
possuídos por demônios, e pessoas de toda sorte, incluindo
professores, “hippies” urbanos, gente da roça e a sogra de Pedro.
Em certa altura os discípulos estão cercados de todos os enfermos
e endemoniados da área. Imagine o que significava seguir e
aprender de Jesus no meio dessa visão, desses sons, desses
cheiros trágicos e pútridos.
Por todo o Evangelho, observamos a Jesus ensinando teologia
consistentemente no meio da ala psiquiátrica. Assentou seus
aprendizes como se estivessem no pronto-socorro. Os introduziu a
vistas horrendas, sons angustiados e aromas acres de pessoas
humanas de verdade, com suas doenças, suas batalhas contra
demônios, suas disputas, sua pobreza e sua perda de cônjuges. Ele
os levou para bem perto dos preconceitos étnicos, das injustiças,
ansiedades e traumas, e também das alegrias, prazeres, deleites e
anseios de seres humanos comuns. Os discípulos de Jesus
aprenderam a respeito de Deus dentro do contexto de situações de
vida corporal, que realmente existem no mundo, as ramificações
sensoriais da realidade debaixo do sol.
Imagine aprender nossa doutrina de Deus, estudando nossos
melhores teólogos, enquanto sentados no pronto-socorro, em meio
a pais ansiosos, crianças traumatizadas, ferimentos de armas de
fogo e ataques de asma. Imagine ler teologia entre o cheiro de café
velho, o som do choro, e as visões de perplexidade, trauma e
frustração. Que impacto teria isso sobre como processamos as
doutrinas e categorias da onipotência, onipresença e onisciência de
Deus? Que tal lermos nossa doutrina da salvação onde pacientes
mentais vagueiam assustados pelos corredores, onde
medicamentos, orações e pais impotentes lutam com problemas
com o seguro, papelada e a pressão de orçamentos estourados?
Dentro desse ritmo corporal diário, não é de se admirar que Jesus
se retirasse em tempos estratégicos para oração — e nos convida a
segui-lo do mesmo modo.

Mas isso não funciona!


Eu conversava com um pastor que serve em uma congregação
grande, famosa e muito elogiada. Mas, internamente e em particular,
sua equipe pastoral está esgotada e sofrida. Ele explicou: “Nas
últimas semanas tenho trabalhado com nossa equipe, tentando
identificar os valores atuais praticados em nossa igreja — não os
valores que esperamos que nossa igreja tenha, mas os valores
revelados pelas queixas, caminhos e desejos expressos entre os
que a frequentam”.
Ele fez uma pausa, olhou para baixo e balançou a cabeça.
“Nós determinamos que na cultura de nossa igreja valorizássemos
o profissionalismo, a excelência e a Bíblia. Profissionalismo é
interpretado de maneira que a transparência ou honestidade
relacional seja suspeita e um sinal de fraqueza. Excelência quer
dizer que é difícil ser humano. Qualquer erro é rápida e
severamente criticado. Nossa posição quanto à Bíblia, conforme
interpretada através dessa visão de profissionalismo e excelência,
significa que a informação bíblica é prezada, mas não que nos
exponha ou derreta, especialmente se não for ensinada com os
mais altos padrões acadêmicos”.
Ele continuou: “Recentemente, tentamos convidar os membros da
igreja para um jantar sem nenhuma agenda, somente para conhecer
melhor uns aos outros. Muitas pessoas nos disseram depois que,
como pastores, havíamos desperdiçado o seu tempo porque não
lhes demos nada a fazer exceto permanecer sentados junto a outras
pessoas, conversando, comendo e olhando as crianças brincar”.
Ao escutá-lo, meu coração doía. Este pastor querido estava
esgotado por anos de constante pressão para esconder seu
coração, não cometer nenhum erro e ter constantes e novas
informações da Bíblia a transmitir. Neste ambiente, no qual cultivar
os relacionamentos é visto como perda de tempo, falei algo sobre
uma citação do livro de Eugene Peterson: A Vocação Espiritual do
Pastor.6
“É, eu não leio mais Eugene Peterson”, disse ele com sorriso
sofrido. “Ele extrai de mim os anseios por aquilo que uma
comunidade de seguidores de Jesus deve ser e como meu tempo
de pastor deve ser gasto. Mas se eu enfrentar meu dia real nesse
sistema, não consigo sair daqui para lá e ainda manter o meu
emprego. O Senhor sabe que já tentei”.
Ele passou então a dizer algo perspicaz: “Para que essa igreja
cresça de modo saudável teria de haver uma mudança de cultura.
Mas isso significaria que provavelmente perderíamos várias
centenas de pessoas. Tão logo deixemos implícito que o evangelho
demonstra a força na fraqueza, graça pelos erros que cometemos, e
a verdade bíblica quanto ao contexto relacional e visão sacramental
do tempo, muitos ficarão agitados e irão embora. A boa notícia é
que não nos curvaríamos mais aos pressupostos congregacionais
imaturos e nocivos, e poderíamos pastoreá-los mais à maneira de
Jesus”, ele disse.
Então ele sorriu, irônico. “Mas aqui está o fator contra: ainda que
alguns se juntassem a nós para tentar refazer uma mente voltada
para um pensamento de celebridade, moldando-a à mente de
Jesus, nossa comunidade externa como um todo observaria essa
perda de pessoas na igreja estabelecida e concluiria que nós, os
pastores, fracassamos. Seríamos conhecidos na comunidade que
nos cerca e em nossa denominação como aqueles em cuja vigília a
igreja passou de dois mil para menos de mil e quinhentos membros.
Por causa disso, eu não acho que nossos líderes tenham estômago
para tal redirecionamento. Estamos atolados, e eu também estou”.
Não existe aqui resposta simplista. Uma igreja da contracultura,
que seja “orgânica”, “inquieta”, e “casual” pode facilmente ser
medida pelas celebridades com as quais nos comparamos, julgando
os outros e mantendo nossos seguidores. Talvez você também
tenha observado isso. Aqueles irmãos e irmãs que lutam com o
desafio que Jesus faz quanto à celebridade do profissionalismo e
excelência geralmente se vestem do mesmo modo: empresário
formal ou empresário casual. Esses irmãos e irmãs que lutam com o
desafio de Jesus à celebridade daquilo que é orgânico e de última
geração igualmente se vestem em geral de maneira igual: jeans
estreito, camisetas obscuras, pulseira larga do relógio, óculos de aro
estreito. Em ambos os casos, temos de reconhecer o elefante na
sala — prestamos muita atenção aos detalhes de nossa aparência.

Confiando em Jesus mais que nas aparências


Para onde nos levam essas coisas? O pastor, e também a maioria
de nós, tinha dois temores: (1) as pessoas irão embora; (2) nós
seremos julgados como fracassados. Esses dois mantras —
mantenha as pessoas chegando e continue mantendo elevado o
nosso índice de aprovação — são o caminho da celebridade.
Consequentemente, não é tarefa fácil dizer: “Chega disso!”
É requerido de nós coragem, porque alguns vão ameaçar a perda
de nosso emprego se procurarmos fazer essa espécie de mudança
quanto à disposição mental de celebridade (Jo 12.42). Seremos
passados para trás e reduzidos em nossa influência caso
persistamos.
É necessária a paciência, porque as categorias de Jesus para o
sucesso são tão estranhas a tantos de nós — essa espécie de
mudança não acontece da noite para o dia.
É necessária a graça, porque quem poderia arriscar uma perda
dessas em nosso mundo eclesiástico e cultural, e quem poderia
amar longa e firmemente a ponto de mudar à parte do mundo?
Nessa altura, temos de nos lembrar de duas coisas que estão
diante de nós.
Primeiro, as pessoas criticaram, resistiram, desprezaram e
abandonaram Jesus. Lembre-se de que Jesus tinha sobre sua vida
uma ameaça de morte porque ele curara alguém. As multidões de
milhares foram reduzidas a doze porque Jesus expôs as suas
razões mal dirigidas para segui-lo (Jo 6.1–15). Pense nisso por um
pouco. Realizar o que cura a alguns no evangelho vai provocar e
deixar outros com raiva. O tamanho da turma não tem nada a ver
com isso.
Se uma multidão se reduz porque a maneira, o caminho, e os
valores de Jesus estão ausentes num líder, então é justamente a
hora de haver mudança. Mas, se as multidões vão embora porque o
modo de agir e o sistema de valores de Jesus os confrontou e
conturbou a atração de uma mente fixada em mundo/carne/diabo,
então é hora de apoiarmos este líder. Ele precisa de nossa ajuda, e
não de nosso malquerer. Basta o que ele já sofre com isso.

Já descoberto
Eu era universitário de cabelo comprido. Bob era pastor no campus,
servindo ao ministério cristão dos Navegadores. Regularmente ele
me convidava para orarmos juntos em lugares ermos. Olhando hoje
para trás, fico maravilhado de como Bob não viu isto como perda de
tempo. Sou grato. Frequentemente, depois de umas duas horas de
oração, ficávamos sentados juntos e conversávamos. Certa vez,
Bob olhou para mim.
“Zachary”, disse ele. “Você já foi descoberto”.
“O quê?”, perguntei.
“O que quer que aconteça em seu futuro, com todos os seus
sonhos e esperanças, quero que saiba que o ser descoberto já
aconteceu. Jesus já o conhece, ouve as suas orações e se deleita
em conhecê-lo”.
Em retrospectiva, penso nessas palavras. Será que eu já tinha
sido descoberto por Jesus muito antes do seminário, dos tempos de
aprendizado, dos prêmios recebidos, das viagens, livros publicados,
e, tristemente, dos dez errôneos anos de projeções? Já era
conhecido antes dos escombros e da ruína, e de pregar descalço no
santuário da segunda oportunidade?
Como poderia ser isso, a não ser que Jesus tivesse como hábito
dar o seu tempo para pessoas desconhecidas e alquebradas, nos
lugares fora de mão, desprezados pelo mundo, e tendo ele prazer
em mim?
Ocorre-me o pensamento que me faz parar, surpreso. Se o
trabalho pastoral de Jesus consistisse em realizar grandes coisas,
de maneira famosa e mais eficiente, e o mais depressa que
pudesse, eu jamais o teria conhecido.
Ver, por exemplo, Mateus 8.4; 9.30; Marcos 1.44; 3.12; 5.43; 7.36; Lucas 8.56.
Eugene H. Peterson, A Vocação Espiritual do Pastor: Redescobrindo o chamado ministerial
(São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2006)
SEGUNDA PARTE | AS TENTAÇÕES QUE
ENFRENTAMOS
5 | Estar em todo lugar para todos

Existe um dia, quando a estrada não vai e nem vem, e o caminho não
é um caminho, mas um lugar.
–W B

É tão óbvio quanto o ar.


Para se fazer algo, é necessário estar em algum lugar.
Tem mais.
Você eventualmente acaba chegando aonde vai chegar. Já pensou
nisso?
Uma coisa é fazer o que você precisa para chegar a algum lugar.
Outra bem diferente é saber como ficar por algum tempo uma vez
que tenha chegado lá.

Lançando raízes
“Zack, a sua vida é como um incêndio que faz soar todos os
alarmes. Você vem e vai por tantas direções diferentes. Eu me
preocupo com você”. As palavras de Bill me abalaram quando eu
era jovem.
Uma de minhas chefes expressou o mesmo sentimento dez anos
mais tarde. “Você está fazendo tantas coisas diferentes”, ela disse.
“Queremos que você esteja por aqui por muito tempo, então,
marque melhor seu compasso, está bem?”
Dois colegas me convidaram para almoçar, enquanto outro me
telefonou. “Estamos preocupados com você”, disseram todos.
Foi então que recebi uma carta. Era daquele tipo de antigamente,
com um selo no envelope. Abri e ouvi a voz da minha mãe enquanto
lia. Ela também deve ter ouvido o alarme. “Filho, uma árvore tem de
ter raízes para oferecer sombra”.
Marque bem isso aqui, certo? Nós nunca fomos feitos para nos
arrepender por não estarmos em todos os lugares, para todas as
pessoas, e tudo de uma só vez. Fomos feitos para nos arrepender
daquilo que tentamos ser e fazer.

Avançando pela limitação


Uma jovem mulher fez uma lista de tudo que não teria se
escolhesse para si a carreira de poeta. Avaliou seus amores mais
verdadeiros e abandonou todas as outras vidas possíveis e
imagináveis por amor à vida de uma poetisa.7
Quando me tornei pastor eu não fiz tal lista. Nunca imaginei que se
eu dissesse: “Jesus, toma-me e leva-me a todo e qualquer lugar
contigo!”, seria possível que eu o visse dizer sim a outros com o
mesmo pedido, enquanto dizia não a mim (Mc 5.19).
Não é que a Bíblia não tenha me preparado para isto. O apóstolo
Paulo colocou uma lista parecida com essa da poetisa em plena luz
do dia, para que todos a vissem. Mas eu estava ocupado demais
estudando 1Coríntios 12 ou Romanos 12 para exames que
requereriam o meu ponto de vista sobre línguas, profecia, apóstolos
e milagres. Na verdade, eu nunca havia tratado da mensagem clara
e simples das palavras de Paulo — ou seja, que algumas pessoas
possuem este dom, mas não aquele, e que esses limites revelam a
provisão de Deus para o nosso bem. Paulo diz que as mãos
precisam dos pés e o olho precisa do ouvido. Eu teria resistido,
supondo que pudesse me tornar todos os quatro de uma só vez!
Jamais teria imaginado que o chamado que me foi dado pelo amor
de Cristo poderia ser considerado “mais fraco”, “menos honrado” ou
“não apresentável” em comparação ao chamado de outros (1Co
12.22–26).
Pelo contrário, quando li na história de Jesus que Deus dá a
alguns cinco, a outros dois, e a outros apenas um talento,
naturalmente eu presumi ter os cinco (Mt 25.14–30). Quando li a
história de Jesus sobre alguém cuja ceifa produziu de cem,
sessenta ou trinta vezes o que foi semeado, jamais imaginei que eu
seria o cara dos trinta, vivendo a vida à sombra de meus colegas
que produzem cem (Mt 13.18–23).
Meu ponto é o seguinte. Se quisermos usar os nossos dons, é
requerido de nós que tomemos um passo. Mas em qualquer direção
que colocarmos nosso pé, necessariamente deixaremos todas as
outras direções vazias para os passos de outra pessoa.
Assim, se Jesus tivesse me perguntado: “O que você quer que eu
faça por você?”, eu nunca teria respondido: “Senhor, desejo uma
vocação que me limite e me torne dependente dos outros”. Mas fica
claro que eu deveria. “E ele deu a uns para apóstolos, outros para
profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e
mestres...”, Paulo diz (Ef 4.11). Como pastor, posso até ser
apostólico, mas não sou um apóstolo. Sou profético, quem sabe,
mas não sou profeta. Sou evangelístico, mas não um evangelista. A
minha vocação, portanto, não é itinerante e móvel como esses
outros três.
Em contraste, eu sou pastor mestre. Pastor significa “pastor”
mesmo. Os pastores são os que retornam. Pastores permanecem
quando o apóstolo, o profeta, e o evangelista chegam e depois vão
embora. Somos confrontados por questões do coração aqui. O que
significa para alguém viver uma vocação em que se faz necessário
aprender a voltar? O que significa abrir mão de uma vida itinerante?
Aprender a ficar parado em um mesmo lugar me deixa inquieto.
Raramente em minha vida tenho visto pessoas que permanecem
juntas em famílias ou igrejas ou denominações. Como é que alguém
que vem de um lar desfeito, tendente a subir na vida, irrequieto por
querer algo maior, mais notável e atual, pode querer tornar-se
pastor?
Jesus.

Aprendendo o nome das árvores


Fui criado no vale do rio Ohio, na região sudeste mais baixa de
Indiana, perto de Louisville, Kentucky. Muitas dessas cidades têm
nomes de homens — Charlestown, Georgetown, Scottsburg. Em
Clarksville aprendi a ter confiança no futebol e timidez com as
garotas. Aprendi a dirigir em Floyd’s Knobs. Ainda adolescente eu
podia dirigir de olhos fechados pela estrada de Buck Creek.
Mas Henryville foi designada como a cola que grudou minha vida.
Meu nome está rabiscado em giz ali, num armário debaixo das
escadas, na casa que meu papaw construiu. A Igreja Metodista
Unida de Henryvillle tem um longo, belo e, por vezes, tumultuado
relacionamento com minha família. O cemitério Monte Sião dá
repouso a muitos da minha gente — aqueles a quem tenho
conhecido, amado e de quem sinto saudades — e também aqueles
sobre quem só ouvi falar. De fato, as famílias de minha mãe e de
meu pai, os Guernseys e os Eswines, ambas têm suas raízes nesta
pequena cidade. Meu papaw tinha uma caneca lá no Tanners,
reservada só para ele e seu amigo de longa data, que deram a si
mesmos o nome “clube de mentirosos”. Na maioria das manhãs,
eles se assentavam para desfrutar da companhia um do outro antes
de começar o trabalho do dia. Pessoas que moram em Henryville já
trocaram a minha fralda. Me encontro com elas nos enterros. Só por
olharem para mim, dizem que devo ser o filho de Vern.
Foram os demônios que primeiro chamaram a minha atenção para
o senso de lugar que Jesus demonstrava (claro que me refiro
àqueles demônios que a Bíblia menciona). Não estou acostumado a
aprender nada de demônios. Um homem que tem pouco tempo para
as árvores em seu terreno vai ter ainda menos tempo para criaturas
invisíveis. Mas o Evangelho de Marcos documenta uma conversa
entre Jesus e demônios. “Que temos nós contigo, Jesus
Nazareno?”, eles sibilaram. “Vieste nos destruir? Bem sei quem és:
o Santo de Deus!” (Mc 1.24).
Primeiro, os demônios identificaram Jesus com Nazaré; e,
segundo, sabiam que este Jesus era o Santo da parte de Deus.
Ponderei a conexão. Revirei-a na minha cabeça. Jesus de Nazaré é
o Santo da parte de Deus. O santo de Deus é Jesus de Nazaré. De
repente a luz acendeu. Vi o que me fugira antes. Se o Santo da
parte de Deus é Jesus de Nazaré, então o santo de Deus tem uma
cidade de onde procede.8 Aquilo que dá sombra tem raízes.
Jesus estava em um lugar, não em todo lugar ao mesmo tempo.
Tinha uma igreja de origem. Tinha uma família e um ofício
conhecido, e às vezes era desafiado pela sua comunidade (Lc 4.16–
30). Se o rio Ohio está sempre presente na minha criação, para
Jesus era o rio Jordão. Eu pescava e andava de barco nos lagos
Patoka e Deam. O lago conhecido como Mar da Galileia oferecia
praias, águas e peixes para Jesus. Ele conhecia todos os atalhos e
caminhos na região da Galileia, da mesma maneira em que eu
conheço os que são próprios do vale do Ohio. O Santo de Deus
tornou-se homem — e esta encarnação incluiu limitar-se e habitar
determinado local na terra.
Enquanto morava nesse lugar, Jesus conhecia o nome das
árvores. Construía com eles o que a sua mente imaginava e que
sua habilidade desenvolvera no tempo. Entre os aromas de madeira
recém-cortada, os ossos e sangue das mãos de Jesus formavam
uma aliança. Elas davam forma e lixava longos troncos e pranchas
de madeira, que se transformavam em mesas e cadeiras.
Jesus transformava essas madeiras em artefatos durante o tempo
que os teólogos se referem como seus “anos de obscuridade”.
Penso nisso quando me lembro de Papaw e Mamaw visitando a
minha casa em St. Louis. Eles me disseram em poucos minutos o
que eu não aprendi em dois anos — o nome das árvores e dos
arbustos na minha propriedade alugada. Andamos devagar. Eu
precisava escutar, mas escutar exige sossego. Eu lutava com
ambas essas coisas enquanto Papaw e Mamaw deram o nome a
meu lugar por mim.
Estou tentando dizer como isso tudo me deixa inquieto! Fico
confuso sobre tudo que Jesus está fazendo entre as lascas de
madeira. Você não fica? O que significa essa serragem presa na
barba de Jesus e pendurada do seu sorriso — e toda essa
obscuridade de casca de árvore durante trinta anos? Trinta anos!
Jesus tinha um mundo a salvar, injustiça a confrontar, leprosos a
tocar. Será que a grandeza por Deus não estava sendo
desperdiçada pelos anos obscuros? Que negócio é esse do
salvador aprender o nome das árvores?

Subindo montanhas
Em meu mundo de colarinho branco de pastor, planejamos nos
encontrar, e nos encontramos frequentemente para planejar. “Em
algum outro lugar estão fazendo alguma outra coisa maior”, é o
lema não falado de nosso avanço missional. “Maior” significa mais
santo e melhor. Como disse um pastor titular ao explicar por que ele
raramente gasta tempo com a sua equipe: “Teremos toda espécie
de tempo para nos reunir no céu. Mas agora temos um trabalho a
fazer! Temos almas a salvar e discípulos a formar”.
Essa ideia parece tão estranha ao carpinteiro de Nazaré! Em
lugares como Nazaré ou Henryville, avançar para algum outro lugar
fazendo algo diferente é raridade. Em contraste aos pastores e
gente de colarinho branco, igrejas de colarinho azul aprendem a
testemunhar sobre o que viram ou ouviram nos dias comuns, porque
o dia ordinário é o grande evento do dia, porque é a grande coisa
que aconteceu. Aquilo que se viveu naquele dia torna-se o que
realmente se fala naquela noite.
Por exemplo, o sorriso da neta lá no conhecido supermercado
torna-se em história de quinze minutos, e que leva todo mundo a dar
risada até doer a barriga. Esse sorriso foi suficiente para ser notado
e a história valiosa bastante para ser contada. A risada, a história e
o sorriso formam uma agenda suficiente para a conversa. Nada
mais se requer para passar tempo juntos. Nos meus anos mais
jovens, eu não prestava atenção ao comum que faltava. Enquanto
eu me tornava certo da minha vocação pastoral, queria conversas
“reais” sobre a vida “real”. Queria que falássemos sobre coisas
importantes, coisas que faziam uma diferença na vida. Agora,
começo a refletir mais sobre esses sentimentos. Desde quando falar
sobre aquilo que vive não serve para uma conversa de verdade?
Desde quando o sorriso de uma neta não é mais assunto
substancial para se falar, especialmente para um pastor a quem foi
dado testemunhar de Deus em um determinado local?
Quando certa vez perguntaram a George Mallory por que ele
queria escalar o Monte Everest, ofereceu uma resposta que se
tornou célebre: “Porque o monte está ali”. Mas em uma carta
pessoal à sua esposa, Ruth, ele revelou ainda mais sobre o que o
levava a subir a montanha. “Minha querida”, ele escreveu, “ ...você
deve saber que meu estímulo para realizar meu melhor é você, e
você [...] quero acima de tudo provar-me digno de você”. George
deixou um legado significante que provou ser digno de lembrança
na história. Mas John, o filho de George, escreveu algo que me
desafiou. Orgulhoso de seu pai, mas também triste, John escreveu:
“Eu teria preferido tanto ter conhecido meu pai do que ter crescido à
sombra de uma lenda, de um herói, como algumas pessoas
entendem que ele era”.9
As respostas que George deu quanto a seus motivos vem
confrontando as minhas próprias respostas. A montanha “estava
ali”, mas John, o filho de George, também estava. A montanha
trouxe um senso de alegria e lhe deu um senso humano de luta para
subir na própria vida. Porém, se George tivesse conhecido o filho,
teria trazido também alegria e um senso de luta pelo propósito da
vida. Subir a montanha capacitava George a se provar digno de sua
família. Mas amar e prover para sua família nas rotinas comuns de
uma longa vida, dia após dia também teria conferido essa dignidade.
Então, por que George escolheu enfrentar o desafio da montanha,
mas não o de sua sala de estar?
Nessa altura, estou duvidoso, sentindo que estabeleci uma falsa
dicotomia entre, por um lado, o trabalho ou os sonhos de uma
pessoa e, por outro, sua família e rotina. Afinal, não há nada
moralmente errado com escalar o Monte Everest. George Mallory
era um professor de escola com três filhos. Embora ele e Ruth
estivessem geograficamente separados quase tanto tempo quanto
juntos, temos indicações de que isso não era fácil para George.
Assim, tenho de reforçar a pergunta: Por que George Mallory
escolheu a montanha, quando entendia que isso poderia tirar a sua
vida?10 Por que a procura de Mallory por alegria, significado da vida,
valor da família, e lealdade para completar uma tarefa era ligada
mais a subir uma montanha do que às rotinas diárias de amar e
viver, de trabalhar e brincar reunido em sua casa?
Penso em meu Senhor, que aprendeu o nome das árvores de
Nazaré.
Ouço o sussurro da Serpente.
E se, para muitos de nós, o corriqueiro fosse a maior montanha?

Aprendendo a retornar
Parece estranho dizer isto, mas os pastores de Belém oferecem
textos de teologia pastoral. Foram peritos em lidar com o
anticlimático. Lembra-se?
Os anjos penetram os céus bem diante dos olhos desses pastores.
Troveja em coro a glória de Deus. Antigas promessas são
cumpridas e testemunhadas. O medo toma conta desses homens
cuidadores de ovelhas. Boas novas lhes são comunicadas: “Nasceu
o Salvador, e este será o sinal que o confirmará”. Ver e ouvir os
anjos em si já era espetacular. Imagine como seria vistoso o sinal do
Messias. Talvez Deus estendesse sua mão para criar um novo
planeta. Aí ele o seguraria entre o dedão e o indicador e o colocaria
em sua nova posição no universo, bem ali diante de seus olhos!
Com certeza este seria um sinal digno de um salvador vindo de
Deus!
Porém, aqui começa o anticlímax. Não foram formados planetas.
“Encontrareis uma criança, envolta em panos, deitada numa
manjedoura”. O sinal da fama de Deus estava deitado ali no aroma
de gado e feno — a placenta de um novo nascimento, os choros e o
calor da vida comum.

Não havia forma altiva que pudéssemos conhecer,

Não havia halo sobre sua cabeça

Nem trombeta a tocar,

Nenhuma majestosa fanfarra a alardear.

Ele nasceu no comedouro dos animais.

A estes pastores comuns, Deus revelou maravilhas gloriosas e


fantásticas! Agora, o segundo anticlímax nos confronta. De acordo
com o Evangelho de Lucas, depois de contemplar e participar deste
evento grande demais para palavras, “os pastores retornaram” (Lc
2.20). Eles voltaram? Este fato me confunde. Depois de contemplar
a glória, os pastores voltaram para casa.

A mesma coisa velha


Como podia ser isso? Eram pastores, homens que trabalhavam com
as mãos. O aroma de animais e da vida no campo assumia
residência na sua pele. Eram operários de colarinho azul, gente do
tipo sal da terra. Entendiam o que quer dizer trabalhar no turno da
noite. “À noite”, Lucas diz, eles vigiavam os seus rebanhos (Lc 2.8).
Vigiar, não cometer nenhum erro, é uma palavra de adrenalina, que
significava ficar de olhos abertos quando a maior parte da
comunidade estava de olhos fechados. Anos dessa espécie de
trabalho criam reclamação nas juntas e nos ossos das pessoas.
Acrescente a isso a zombaria e as piadas feitas contra o estilo de
vida do pastor, e minha pergunta inquieta parece ainda válida. Por
que os pastores não tomaram o rumo da estrada?
Com tudo que viram, podiam ter começado uma série de
conferências, planejado uma turnê promocional para seu livro, e
conseguido instantaneamente milhares de seguidores de seu blog.
Fazer a mesma coisa, no mesmo lugar, pelo resto da vida era a sua
sina e o seu legado. Eles podiam ter mudado tudo isso. O momento
de celebridade os encontrara. Grandeza é coisa digna demais para
ser diminuída pelo retorno às coisas ordinárias da vida!
Mas aqui, Deus em sua graça nos desconcerta. Com os pastores
retornando, parece que Deus deixa seriamente implícito que ver a
glória de Deus, ouvir sua voz, receber suas boas novas, e
contemplar seu amor nunca deveria nos livrar da vida e do amor
comum em um lugar — ao invés disso, deveria prover o meio para
nos preservar ali.
Pare aqui por um momento. Não passe correndo por aqui. Não
ignore o que acabei de dizer.
A oportunidade de ser celebridade não remove as demandas de
amor ao próximo que ainda existem. Alguém ainda terá de cuidar
das ovelhas, criar roupas para as pessoas, prover leite e alimento
para os vizinhos. Mesmo que os pastores pegassem um ônibus de
turismo e viajassem juntos, o seu chamado para amar um ao outro e
a seu próximo, comer, lavar suas roupas, procurar e conceder
perdão um ao outro em momentos comuns, assistir aos enfermos,
celebrar aniversários e buscar a Deus não iria embora.
Todo viciado sabe disso. O momento glorioso fornecido pela droga
não remove o chamado comum da vida. É esse o problema. O
“barato” não dura. Caímos na real, e nossos amados ainda estão ali,
ansiosos por fazer coisas comuns na vida juntos, sofrendo pelo que
está sendo tirado deles.
Todo herói sabe disso. O homem que faz o gol ganhador da Copa
do Mundo sabe que amanhã à noite ou na próxima estação ele terá
de começar de novo — vem aí outro jogo. Ele ainda tem de
aprender a escutar a sua mulher e a amá-la, resistir ao apoquentar
dos filhos, aprender como dar o coração com autenticidade a Deus
e receber amor e sabedoria de Deus para sua vida. O bombeiro que
salva uma vida, o executivo que salva o dia financeiramente, a mãe
que salva o dia por seu filho — o momento que parece céu empolga
e celebra. Mas não é o céu.
Para os pastores “voltar” expressa a sabedoria de Deus.
Retornamos à mesma realidade velha, à mesma velha coisa, mas
somos transformados e recebemos poder para ali habitar e ter
prazer naquilo que testemunhamos da sua graça.
Alguém poderá dizer: “Esse é um bom sentimento, mas a mídia
social permite que eu esteja em todo lugar o tempo todo. Os
pastores não estão mais assim tão limitados”.
Só posso lhes dizer que meu livro foi premiado. Aqueles que
escutaram minha entrevista na rádio foram grandemente ajudados e
me fizeram saber disso. Mas dei a entrevista de pijama e olhos
vermelhos, de uma casa de retiro na mata de Missouri. Eu estava
quebrantado. Nunca poderia ter falado pessoalmente daquele jeito,
e se tivesse tentado, eu teria de fingir muito. O meu ponto é que não
importa o quanto a tecnologia permite que nossos dons viajem, nós
mesmos, as pessoas que realmente somos, permanecem
arraigadas em um só lugar em um só tempo.
Eu o saúdo sentado em meu assento particular nessa cadeira
específica com esse velho e vagaroso laptop nesta sala. Não estou
em todo lugar ao mesmo tempo. Só estou aqui — em um lugar de
cada vez. Na plenitude da humanidade de Jesus, assim era também
com ele. Para seguirmos a Jesus, temos de passear por uma
carpintaria em Nazaré.

Indo enquanto permanece no mesmo lugar


Várias vezes eu tenho falado a pastores que anseiam deixar o seu
lugar e chamado atual, não corretamente, por causa do
esgotamento ou segurança para si mesmos ou para suas famílias,
mas devido aos limites e tédio ou trabalho duro que encontram em
meio ao terreno rochoso do mesmo lugar e da mesma coisa.
Permanecer parado enquanto outros colegas parecem avançar e
subir para chamados mais empolgantes e aparentemente mais
influentes do ministério, em meio a uma cultura que os elogia e nos
ignora, só intensifica essa inquietação. Então, esses pastores se
aplicaram a outros chamados, mas nenhuma porta se abriu para
que saíssem. Com propósitos que só Deus sabe, aquele que
governa a providência tem em mente que eles permaneçam mais
tempo do que querem. Na minha própria inquietação, às vezes
tenho voltado não só para a mentoria dos pastores do primeiro
natal, como também aos exilados de Jeremias 29. Primeiro, eu o
faço para lembrar a mim mesmo que, como os antepassados da fé,
ter de ficar no lugar onde estou não possui o nível de sofrimento que
talvez eu erradamente imagine. Segundo, é aprender o que significa
seguir a Deus quando estou num lugar que desejo deixar.
Em Jeremias 29, dois tipos diferentes de pregadores estão
fazendo sermões aos exilados. O primeiro é Jeremias. Jeremias fala
da parte de Deus. Diz aos exilados que eles terão de reinventar a
vida onde eles se encontram. Não vão para outro lugar nos
próximos setenta anos. Isso significa que todos, com exceção dos
bebês nascidos naquele tempo, terão falecido e suas vidas já terão
terminado. Os bebês terão vivido a maior parte de suas vidas antes
do tempo em que terão a chance de voltar “para casa”. Esta
mensagem é dura de engolir.
Um outro grupo de pregadores está dizendo o contrário. “Não
finquem suas raízes!” “Deus não iria manter vocês exilados desse
jeito!” “Ele vai tirar vocês daqui!” “Sonhem, mexam-se, arrumem a
bagagem; este lugar é temporário; aprontem-se para mudar!”
Qual igreja você prefere frequentar se estiver no exílio? Acho que
eu também preferiria não escutar a Jeremias. De fato, durante toda
minha vida um versículo dessa passagem tem sido citado para
lançar uma visão para meu futuro e o seu. “Eu é que sei que
pensamentos tenho a vosso respeito, diz o S ; pensamentos
de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais” (Jr 29.11).
O que não percebo quando assumo essa maravilhosa promessa é
que quase todo mundo que originalmente ouviu essa promessa
sabia que nunca iria experimentar a sua realização em Jerusalém,
onde eles queriam estar. Eles tiveram de lidar, em vez disso, com a
verdade de que o futuro e a esperança com Deus tomariam o lugar
certo onde eles estavam, isto é, no exílio – lugar onde iriam viver e
morrer. Os seus bisnetos experimentariam a plenitude do futuro e a
esperança de voltar para Jerusalém. A próxima geração iria
começar a se mover, mas não eles. O que significa para nós se, o
futuro e a esperança que Deus tem em vista para o nosso bem, no
fim das contas, implica em que teremos de confiar nele exatamente
onde estamos?
Eles querem ir embora, mas Deus estará com eles na cidade onde
estiverem. A cada dia olharão novamente para Deus a fim de
cultivar um lugar em que viver, fazer seu trabalho, amar, casar,
cultivar uma herança para a família, e realmente buscar o bem da
cidade que queriam deixar, enquanto cultivam uma vida de oração
habitando nela (Jr 29.5–7).
Isto significa que Deus estará com eles para sustentá-los e ensiná-
los, o que implica em andar com ele em meio a obstáculos que
prefeririam não ter de enfrentar.
• Limites. Terão uma vida na qual não poderão estar em todo lugar
em geral e em nenhum lugar em particular. Não somente terão de
decidir o que farão, como também terão de se entender com
aquilo que não poderão fazer.
• Ambições. Terão de aprender a reorientar as suas ambições para
o bem da glória de Deus e do seu próximo, naquilo que é o
comum da vida, para o bem de seu lugar.
• Frustrações. Terão de suportar imperfeições, irritações,
desgostos e dificuldades.
• Emoções. Aprenderão que aquilo que nos faz alegres, tristes,
zangados ou assustados, não pode ser resolvido apenas por uma
mudança geográfica.
• Espírito crítico. Serão tentados a “ligar os pontos” de tudo que
está errado. Eles aprenderão a gratidão neste lugar.
• Sofrimentos. Terão de estar no mesmo lugar das pessoas que os
feriram ou sobre os quais falaram mal. Aprenderão sabedoria e
cura neste lugar.
• Tempo e medidas de progresso. Setenta anos (aprenderão
paciência neste lugar).

Exultando na monotonia
Mas como retornarmos dia a dia para congregações e situações em
que nos sentimos inquietos pela vontade de ir embora?
Retornar a essa comunidade significa sofrer. Como eu volto para
perdoar ou suportar narrativas a meu respeito acerca de algumas
coisas?
Existem lugares aqui que me entediam. Quando os vejo, sinto que
já voltei. Como eu retorno à chatice?
Aqui existem pensamentos, emoções e histórias. Quando as ouço,
fico assoberbado. Como voltar para aquilo que eu não consigo
consertar?
Há beleza aqui, e esperança, o anseio por redenção e propósito.
Como retornar sem desprezar esses dons por causa de minha dor,
meu tédio, minha incapacidade?
Tais questões iniciam discussões dentro de mim. Então, olho pela
minha janela em Webster Groves ou Henryville ou onde quer que
estivermos. “O S é meu pastor”, podemos dizer. “O meu
pastor é um daqueles que retorna. Ele retorna para aqui também.
Toma-me pela mão ou me carrega até o dia, vez após vez, e vez
após vez. Ele volta, e nós encontramos esperança em sua
companhia aqui. Ele está nos ensinando a ‘exultar na monotonia’.”
Não tudo de uma só vez, mas aos poucos, com o passar do tempo.

Porque as crianças têm abundante vitalidade... elas sempre dizem:


“Faz de novo”, e a pessoa crescida faz de novo quase até morrer. As
pessoas adultas não são fortes o bastante para exultar na monotonia.
Mas talvez Deus seja forte o suficiente para exultar na monotonia. É
possível que Deus diga, cada manhã, ao sol: “Faz de novo”; e a cada
anoitecer, à lua: “Faz de novo”. Pode não ser uma necessidade
automática que todas as margaridas sejam parecidas; pode ser que
Deus tenha feito cada margarida em separado, mas não se canse de
criar nenhuma delas em particular.11

Aos poucos, estou começando a ver aqueles pastores do Natal


como se, tempos mais tarde, eles sentassem ao redor da fogueira
no frescor da noite — com filhos e netos olhando fixos o crepitar e
bruxuleio do fogo, de olhos sonolentos, prontos para dormir.
A glória não os havia livrado da lide diária. Não havia livrado das
mãos de Herodes, da matança de todo menino abaixo de dois anos
de idade, da ocupação romana ou de uma igreja corrupta que no fim
gritaria: “Crucifica-o!” Ver a glória não os livrou disso.
No entanto, um pastor idoso remexe as brasas e diz: “O seu velho
avô já lhe falou do tempo quando os anjos...” — De repente um
coral de netos interrompe. Com a expressão de “outra vez”, eles
gemem: “Sim, vovô, já ouvimos essa história, muitas vezes!”
O velho cutuca a madeira que queima. Faz uma pausa,
direcionando o olhar para os jovens olhos dos netos. Seu sorriso só
fica mais largo. “Deixem que eu conte de novo”, ele dirá. Enquanto
os novinhos reclamam desse exultar na mesma velha história, o
homem idoso demonstra ausência de fadiga. Com senso de
maravilha, espanto e lembrança em sua voz, e uma baita dor nas
costas devido ao longo dia, começa a recontar a história. “Era uma
noite ordinária, e estávamos vigiando nossos rebanhos”, diz ele.
Assim surge uma exaltação entre a monotonia. Adoração,
esperança e testemunho recusam parar. Ao falar, o velho está
olhando de novo as margaridas, e a mesma velharia está trazendo
vida à sua rotina. Por um momento eu sinto a sua alegria por entre
as ovelhas. Os seus filhos e netos crescerão e indagarão com senso
de maravilha. Algo maior que essa velha barraca e os dias
compridos colocaram fogo no coração e na vida do vovô e em seus
olhos. É quase como se ele tivesse uma notícia, como se Deus
estivesse com ele, aqui entre os currais das ovelhas nessa encosta
imperdoável, desconhecida pelo mundo, mas conhecida por Deus.

Fechando o círculo todo


Uma declaração do velho Samuel Rutherford tem sido minha
companheira. Confinado a um só lugar pelas autoridades de sua
época, devido à sua fé, ele escrevia cartas.

O grande Mestre Jardineiro, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, em sua


maravilhosa providência, por sua própria mão, me plantou aqui, onde,
por sua graça, nesta parte de sua vinha, cresço; e aqui habitarei até
que o grande mestre da vinha considere propício me transplantar.12

Falei sobre essas coisas a Mamaw antes dela morrer. Sentávamos


sobre velhas cadeiras em Henryville.
“Há muito tempo estou pensando em sair daqui”, eu lhe disse.
“Agora parece que estou triste por causa da distância e da
ausência”.
“Bem”, disse ela, olhando as paredes como se elas fossem
janelas, “parece que você já deu uma volta inteira”.
Isso é o que as raízes requerem de uma pessoa que não está em
nenhum lugar específico. Ela precisa dar a volta completa e
encontrar a graça de dizer: “Faça de novo” às belezas comuns a seu
redor. Temos de aprender a contar velhas histórias nos lugares
conhecidos, entre pessoas a quem aprendemos a conhecer
profundamente. Temos de crer que isto basta para dar significado à
vida. Como aprender a realizar esse trabalho de retornar, exceto por
meio daquele que conhece o nome de todas as árvores? Aquele
que nos chamou para onde estamos declara que não precisamos
nos arrepender por estar em apenas um lugar de cada vez. Você
não precisa se arrepender por realizar apenas uma pequena obra
em um lugar extraordinário, mas desconhecido. Permanecer de pé
em um só lugar por algum tempo permite que as raízes se
aprofundem. Permite que os pastores se tornem pastores. Devagar
a sombra cresce e entrega a vida. É Jesus de Nazaré que anda com
você.
Mary Oliver, Writer’s Almanac website, acessado em 7 de fevereiro de 2015. http://
writersalmanac.publicradio .org index .php ?date=2011 09 /10.
Mt 13.54; Lucas 2.4, 39, 51.
David Breashears and Audrey Salkeld, Last Climb: The Legendary Everest Expeditions of
George Mallory [Última subida: As lendárias expedições de George Mallroy ao Everest],
(Washington, DC: National Geographic, 1999).
Após seu desaparecimento no Everest, amigos mais chegados diziam que Mallory havia
tomado a decisão com pressentimentos, dizendo-lhes que o que ele enfrentaria desta vez
seria “mais como guerra do que aventura” e que duvidava que voltaria. Sabia que ninguém
o criticaria se recusasse ir, mas sentia compulsão. É impossível dizer agora se esses eram
mais que momentos passageiros de sentimento de culpa por ter de deixar sua esposa Ruth
mais uma vez com toda a responsabilidade por seus filhos pequenos. Seja o que for, uma
vez mais na estrada para o Tibet, Mallory era sua personalidade enérgica e animada.
“Sinto-me forte para a batalha”, escreveu do acampamento da base para Ruth, “mas sei
que cada grama de força será necessário. Tenho de olhar do ponto de vista da lealdade à
expedição” escreveu a seu pai num momento em que vacilava, “e de cumprir uma tarefa
iniciada”. Audrey Salkeld, “Mallory”, http:// www .pbs .orgwgbh nova Everest lost mystery
/Mallory.htm.
G. K. Chesterton, Orthodoxy: The Romance of Faith (New York: Image Books, 1990), 60.
Samuel Rutherford, The Lovelineness of Christ: Selections from Samuel Rutherford’s
Letters (Edinburgh: Banner of Truth, 2007), 1.
6 | Consertar tudo

Vi um homem à beira do rio, coberto de lama até os joelhos. Alguns


vieram ajudá-lo a sair, mas o empurraram mais fundo, até ao pescoço.
–B W

Os pastores são aqueles que retornam.


Às vezes voltamos às cinzas, ao rasgar das vestes.
Às vezes voltamos a rosnadas e dentes assassinos dentre as
sombras das tochas.
Fechamos os punhos. Miramos nossa espada em direção à orelha
do inimigo.
“Abaixe sua espada”, diz o mestre cercado de lobos.
Não é de admirar que queiramos fugir correndo.

Varandas quebradas
Lá estava ela deitada na varanda da frente, enrolada como uma
bola, descalça e de pijama, em posição fetal contra a porta de chapa
de alumínio. Sua mãe chorava, mas mantinha a porta fechada,
instigada pelo marido a manter Lori para fora. Exasperado, o pai
tentava consertar a situação à força, com “amor severo”. Eu e mais
dois presbíteros tínhamos andado pelas ruas do bairro em busca de
Lori. Só sabíamos que “ela fugiu de novo”. Nossa busca terminou na
varanda da frente. Ali estava Lori deitada, para fora, trancada em
suas lágrimas, e nós estávamos ali, cobertos e também trancados
em nossas lágrimas.
De alguma forma, eu não imaginara que um ministério vivido em
nome de Jesus significaria que minha vida andaria por entre
varandas como esta. Não sei o porquê. Um pastor cumpre sua obra
entre os fracos, os doentes, os feridos, os desgarrados e os
perdidos da vida (Ez 34.4–5). O pastor, em contraste ao mercenário
contratado, aprende a amar entre os lobos, porque é isto que as
ovelhas fazem. Ele cuida delas no meio desses perigos (Jo 10.12–
13). No seu livro Strong at the Broken Places, Richard Cohen coloca
em termos claros: “Nós, os feridos, estamos por toda parte”.13
Eu não tinha a mínima ideia de que os pastores pudessem tentar
evitar dias maus para promover sua própria segurança e avanço
pessoal. Se a aversão do pastor a coisas quebradas, ou sua
impaciência com essa espécie de intrusão em seu dia for desafiada,
é possível que ele se torne forçoso e severo, até mesmo com o seu
rebanho (Ez 34.4).
Agora eu entendo a ferida e a tentativa de controlá-la, ainda que
por meios duros. Ali, nas varandas de pessoas feridas em todo
lugar, sentimo-nos fora do controle, fortemente tentados a lutar por
algo como a onipotência — a posse imediata de poder sem limites:
“Vendo a mulher que a árvore era boa... tomou-lhe do fruto” (Gn
3.6).
Em varandas quebradas existe pouca surpresa de que a oferta da
serpente reluza e brilhe pedindo preferência. “Vocês serão como
Deus”, a serpente prometeu (Gn 3.5). “Com certeza não morrerão”,
sibilou (v. 4). Como pastor, desejo essa espécie de promessa, e se
não tiver cuidado, tomarei de seu amaldiçoado fruto. Posso ser deus
para eles na varanda. Posso consertá-los. “Não é tão ruim assim”,
posso lhes dizer. “Vocês não vão morrer de verdade, vou fazer com
que isso seja bom para vocês”, eu direi. “Farei isso passar”.
Qualquer coisa que possa agarrar, comer ou dizer que farei,
qualquer coisa para me sentir capaz de fazer algo construtivo em
meio à minha incapacidade. Arranho e agarro para me tornar
onipotente nessa varanda. Procuro usar estratégias que não são o
evangelho para consertar todas as coisas que estão quebradas.
Todos nós fazemos isso.

Multiplicando Palavras
No meio dos ferimentos, às vezes ficamos dizendo: “Você não deve
fazer isso”. Ao pregar sobre o pecado de Davi, por exemplo, a
minha tendência era dizer: “Está vendo o que ele fez? Ora, não vá
fazer isso”. O problema, claro, é que Davi já havia pecado, como
muitos dos que me escutavam naquele momento. E daí? Da mesma
forma, quando se trata de cuidado pastoral pessoal, o que se pode
dizer ali na varanda, quando você está à frente com a Bíblia na
mão? Podemos dizer o quanto quisermos: “Não fique aqui!”, ou,
“Você não deve fazer isso!”. O problema é que todo mundo já fez e
já é. E agora? Será que existe esperança no evangelho?
Impacientes por uma resposta e um remédio, começamos a
multiplicar soluções. Consequentemente, alguém como Jó não
somente terá de suportar tudo que sofre, também terá de lidar com
a inundação de textos, e-mails, cartas e telefonemas daqueles que
estão tentando endireitá-lo em nome de Deus.
Provérbios nos lembra de olhar pela nossa janela para escutar o
que o mundo de verdade pode estar dizendo (Pv 7.6–23). A vista e
os sons podem parecer trágicos, como quando se está na sala de
uma coordenadora de ministério e seu marido. Não é uma varanda,
mas o estrago permanece ali.
“Não sou mais cristão!”, ele grita com ela.
“Você não tem de seguir a Jesus para continuarmos casados e
encontrarmos uma boa vida”, ela responde. “Eu sou sua; tenho
compromisso com você. Podemos fazer aconselhamento. Podemos
pedir ajuda”, ela lhe assegura.
“Eu não vou fazer aconselhamento junto com você e não vou pedir
ajuda, especialmente de Deus”, ele declara. “Estou cansado da
hipocrisia das igrejas. Odeio essa vida”, retruca.
“Eu peço demissão amanhã mesmo”, ela implora. “Não preciso
estar em um ministério na igreja. Vamos começar de novo”, pede
ela. “Eu amo você”, declara.
“Mas eu não amo você e nunca amei”, ele retruca. “Não quero ficar
com você. Nunca quis”.
Ela está calada. As suas palavras começam a falhar. Talvez,
enquanto você a escuta, as suas palavras também sumam.
“Para mim, esse casamento acabou há dez anos”, ele revela.
“Você não quer dizer isso”, ela murmura. “Não posso acreditar que
isso seja verdade”.
Você observa que ela quase diz as próximas palavras para ela
mesma, em vez de falar a ele. “E os nossos filhos, nossas
lembranças, nossa vida juntos em todos esses anos?”
“Eu preciso respirar”, diz ele ao se levantar do sofá. “Já acabou
para mim”.
Naquele momento, quando as suas palavras falham, você vê que
ela faz algo que nunca fez em quinze anos de casada.
O que um arremessador de beisebol faz quando o outro time
rebate o seu melhor arremesso? Onde é que o “trenzinho” vai
quando enfrenta uma montanha maior que todas as outras, íngreme
demais para ser vencida? O que acontece quando o trenzinho não
consegue? Sem resposta, vendo-o simplesmente se afastar e ir
embora, sem palavras para fazê-lo parar, ela se levanta, o agarra e
tenta bloquear o caminho com seu corpo. Ele vai para um lado, e ela
também. As palavras dissolvem com a força de vontade.
“Eu não vou deixar você ir embora!”, ela grita.
“Deixa eu passar!”, ele grita, e começa a empurrá-la.
A consciência a chama. Ela deixa ele passar, mas depois cede
novamente a palavras que se multiplicam. Ela vai atrás dele pelo
corredor, pela sala de estar, até a porta da frente da casa.
“Me deixe em paz!”, ele grita, batendo a porta atrás dele.
“Eu não vou deixar você!”, ela berra atrás da porta.
“É isso mesmo!”, ele grita ao andar até o carro. “Eu é que estou
deixando você!”

Espalhando palavras bíblicas por todo lado


Nos dias seguintes, você observa como os amigos, membros da
família e gente da igreja multiplicam as palavras. “Você descuidou
da sua aparência. Precisa ficar mais bonita para que ele a note
mais”, outra lhe diz.
Agora multiplicam-se as palavras da Bíblia. “Ele só precisa saber o
que a Bíblia diz, e fazê-lo”, um pastor lhe diz. Somos tentados a
lançar versículos contra as pessoas quase como se fosse um
encantamento. Às vezes agimos com se houvesse poder até
mesmo só em dizer as palavras, como um feiticeiro que recita seus
encantamentos. Fale as palavras corretas e o encantamento dará
certo. Se falar errado as sílabas, a mágica não funciona.
Mas a presença de coisas que não podemos controlar ou
consertar imediatamente nos lembra de que, embora a Bíblia seja a
revelação de Deus, ela em si mesma não é uma solução mágica.
Ela alumia nosso caminho por seu Espírito, mas nem sempre
poderá nos proteger daquilo que ele nos mostra ali. Somente o
Cristo que os versículos bíblicos revelam pode fazer isto.
Marque bem isto aqui: Um dos primeiros sinais de que estamos
nos aproximando das margens de tentar ser onipotentes é este:
acreditamos que outro esteja escolhendo um curso de ação porque
ele (ou ela) simplesmente está confuso sobre o que é certo. Assim,
acreditamos que se nos esforçarmos bastante para explicar a
verdade, ele ou ela obviamente e imediatamente fará o que é certo.
Ninguém foi mais claro, verdadeiro e razoável que Jesus, e eles o
crucificaram. A clareza é muito importante. Mas a clareza nem
sempre consegue solucionar ou consertar as coisas que estão
quebradas.
Imagine como teria sido a varanda naquela manhã se tivéssemos
acreditado que a melhor esperança para aquela moça, para sua
mãe e seu pai, em meio às ruínas, fosse nosso palavreado de
fórmulas prontas, nossas múltiplas pomposidades preenchendo todo
o espaço, a dor e o silêncio? Os amigos de Jó acertaram ao
sentarem-se em silêncio, nas cinzas. O prejuízo começou quando
começaram a falar. Jesus se assentará nas cinzas de varandas
quebradas de nossa vida e nos ensinará a confiar nele mais do que
em nossas muitas palavras.
Levantando a voz e apontando o dedo
À medida que falham as palavras para resolver o problema, aqueles
que estão envolvidos começam a falar mais alto e a mirar o caráter.
Jó não estava acima da necessidade de correção e crescimento.
Mas os ataques a seu caráter feitos pelos seus amigos estavam
errados e eram cruéis.
As pessoas que querem consertar tudo pensam assim: Não é
possível que estas coisas estejam assim. Elas já deviam estar se
endireitando. Deve haver alguma coisa escondida que está errada.
Temos de falar mais um pouco, mas desta vez com mais firmeza,
mais força, mais confrontação. Quando isso acontece, tornamo-nos
como aquele que fala mais alto com a pessoa cega ou levanta a voz
para o estrangeiro que fala outra língua.
Agora, imagine novamente a situação da diretora do ministério.
Talvez alguns homens e mulheres se tornassem descarados
apontadores de dedo e a chamassem de hipócrita. Eles remexeriam
à procura de algum pecado escondido em sua vida, migalhas e
bocados para conversas e orações.
Ela merece ser culpada. Precisa crescer e mudar além do que
sabe. Mas neste caso, os seus pecados não são do tipo feito para
programas de conversas de televisão. Ela não possui nenhum
escândalo escondido em seu armário para as revistas de fofoca. Os
seus pecados e seus limites não justificam o marido abandoná-la.
Contudo, a comunidade de Jesus, por trás de portas fechadas, é
tentada a cochichar especulações obscuras nas reuniões que
começaram com oração. Assim, às vezes a varanda não basta.
Deve haver alguma sujeira por trás dela. Impacientes com as coisas
que não estão consertadas, enchemos o espaço com o pensamento
rápido e especulações velozes. Criamos cenários podres e os
relatamos.
“Você não teve um caso?”, “Você fica enchendo a paciência dele?
Você está ensinando mal os filhos? O que foi que você fez para ele
ir embora e estragar o seu ministério?”
É mais fácil tratar de uma doença de nome claro e causa precisa.
Ficar sentado no consultório médico entre a falta de um diagnóstico
e dias sem fim de “eu não sei” é muito mais difícil. Detestamos os
sentimentos que acompanham os momentos incontroláveis e
impossíveis de consertar. Não sabemos como passar um dia com
sentimentos vagos, e assim nos debatemos e derrubamos a louça
dos armários. Pelo menos estamos exercendo nosso poder,
justificamos. Sentimos que estamos fazendo alguma coisa.
Escrever um longo e prosaico tratado em e-mail pontuado por
palavras MAIÚSCULAS também pode dar a sensação de poder.
Mas no final, tem pouca força como palavras racionais para
consertar aquilo que nos perturba. Imagine como teríamos tratado
aquele encontro na varanda se acreditássemos que tratados de
letras MAIÚSCULAS desfariam o problema e o controlariam?
Imagine se tivéssemos projetado sobre a moça, sobre a mãe e
sobre o pai coisas piores do que as que realmente estavam ali, e
enchêssemos a varanda já detonada com os nossos dedos
acusatórios?

Temor e intimidação
É possível então começar a praticar o temor e a intimidação como
estratégia de liderança ou “cuidado pastoral”. Podemos começar a
gritar, ameaçar, tentar induzir verbalmente ou mesmo fisicamente, e
mesmo dar o tratamento silencioso àqueles que estão na varanda.
O problema é que temor e intimidação funcionam enquanto a cura
no evangelho não for o nosso alvo. Lembro-me de um líder de
ministério que lutava com uma crise pessoal. Um presbítero foi
incumbido de cuidar desse líder e formou uma delegação oficial que
se encontrasse com ele “para saber como cuidar pastoralmente
dele”. Mesmo que o alvo declarado fosse o cuidado pastoral, a
reunião falhou, tornando-se interrogatório, e acabou gerando
acusações e palavras duras da parte de todos. O presbítero
compartilhou comigo sobre o quanto se sentia mal sobre essa
situação. Disse ele que cedeu à pressão de saber que os outros
envolvidos iram fazer perguntas muito duras, e teve de se certificar
de que nada ficasse sem ser revelado, a fim de aplacá-los. Tendo
em mente o exame que fariam, ele chegou a apontar para o homem
carente de ajuda, de cara vermelha de intensidade, chamando-o de
hipócrita. Conheço bem essa tentação. Dentre nós que estamos no
ministério pastoral, a maioria faz isso: buscamos a aprovação de
alguém, em nossa imaginação ou na realidade, em vez do
evangelho de Jesus, e tropeçamos.
O ponto principal é que o medo, a intimidação e as ameaças não
consertam a moça com anorexia que se encontra em posição fetal
na varanda, enquanto sua mãe e seu pai desmoronam numa
avalanche de ansiedade.
Faça uma pausa aqui, por favor? Releia a última sentença.

Defensividade
A defensividade também não vai nos ajudar. Minha defensividade
vem, em sua maior parte, em estouros de emoção — lágrimas,
súplicas, declarações fortes. Outros se defendem redigindo listas
calmamente. Os que fazem listas se defendem do jeito que eu
imagino que os sacerdotes da história do bom samaritano devem ter
feito. Seu pecado não era de comissão — algo que fizeram. O seu
pecado era de omissão — algo que eles não fizeram. Ao deixar o
homem surrado e alquebrado ao lado da estrada, poderiam
facilmente ter se defendido. Poderiam prontamente demonstrar que
já tinham cumprido todo o dever daquele dia sem jamais chamar
atenção ao homem caído. Afinal de contas, a sua presença não
estava dentro das suas responsabilidades normais. Se alguém
descobrisse o homem ferido, o que toma nota dos acontecimentos
poderia ter mostrado que eles não fizeram nada de mal àquele
homem, e os justificaria respectivamente por haverem tratado do
caso como fizeram.
A primeira espécie de defensividade, o estouro emocional, é fácil
de ver e faz com que as outras pessoas se remexam para reassumir
o controle. O segundo tipo, documentação, funciona para manter
todo mundo mais confortável, aparentemente mais em controle, com
detalhada defesa, e assim, nossa capacidade de reconhecer esse
substituto ao evangelho leva muito mais tempo.
De qualquer modo, a defensividade só prova o ponto do nosso
quebrantamento e exagera nossas falhas aos olhos dos outros,
particularmente se essas outras pessoas já enxergam aquilo que
querem que seja verdadeiro a nosso respeito, em vez do que
realmente é verdade sobre nós. Defensividade não tem o poder de
cura.
Fico sentado por um tempo com um amigo. “A ira não produz o
reino de Deus”, ele me diz gentilmente. Ficamos sentados no
silêncio tomando chá. Sentamo-nos nas cinzas e esperamos juntos.
Esperamos por Jesus. Aos poucos, ele dá a força para nos aquietar
quando a calúnia continua, silentes quando falam mal de nós,
confiando nossa reputação cada vez mais a ele e cada vez menos
às nossas palavras, emoções ou documentação.
Não fomos feitos para nos arrepender por não conseguirmos
consertar todas as coisas. Devemos nos arrepender por termos
tentado. Mesmo que pudéssemos ser Deus para as pessoas e
consertar tudo, permanece o fato de que, frequentemente, Jesus
não tem em mente essa espécie de “conserto” que você e eu
desejamos.

As coisas inconsoláveis
Não se pode consertar as “coisas inconsoláveis”. As coisas
inconsoláveis são identificadas primeiro pelos “não podes” do ensino
de Jesus. Por exemplo, não importa quem somos, “ninguém pode
servir a dois senhores”, ninguém (Mt 6.24). Mesmo que sejamos
sábios e, por sua graça, conhecedores, ainda há coisas e estações
na vida em que “não o podeis suportar agora” (Jo 16.12). Por maior
que seja a força de vontade da pessoa, “Como não pode o ramo
produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira, assim,
nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim” (Jo 15.4).
Não importa quantos juramentos fizermos ou quanto torçamos as
palavras em jactância, “não podes tornar um cabelo branco ou
preto”, Jesus diz (Mt 5.36).
Esses “não podes” de Jesus nos ensinam que a doença, morte,
pobreza, e o pecado que nos assedia e infesta o ser humano, não
serão removidos com base no esforço humano, por mais forte,
piedoso ou sábio que seja seu esforço. Por isso é que Jesus nos
ensina que a fé do tamanho de um grão de mostarda pode mover
uma montanha e “nada vos será impossível” (Mt 17.20). Assim,
levamos a fé ao que nos perturba. Parece até que não há nada no
mundo que não possa ser consertado se tivermos a mínima
semente da fé. Mas essa não é a conclusão que Jesus nos mostra.
Embora nada nos seja impossível pela fé, “os pobres, sempre os
tendes convosco”, Jesus diz (Mt 26.11). Surge o paradoxo. Quanto à
pobreza, não existe garantia ou decisão sempre a seu favor. Você
tem de entrar na roda com fé, sabendo que você não ganha do jeito
que você quer.
Também não temos o poder de produzir as coisas que crescem.
Por “coisas que crescem”, eu me refiro ao fruto que nós, pelos
nossos ministérios, esperamos produzir. Não me entendam mal.
Podemos realizar trabalho pastoral significativo entre as coisas que
importam, mas só Deus pode dar o crescimento (1Co 3.6–7). Jesus
nos ensina que o poder de dar salvação é inconsolável no que nos
diz respeito. Não podemos, por nós mesmos, dar às pessoas o novo
nascimento em Deus (Jo 3.3–5). Não temos como justificar a
alguém, torná-la justa, santa, adotá-la, convencê-la do pecado ou
transformar o seu coração (Lc 19.27; 1Co 12.3). Não existe nada
que possamos fazer no ministério que não requeira a ação de Deus,
se o verdadeiro fruto for produzido (Jo 15.5). Tudo que os pastores
esperam que ocorra na vida de uma pessoa com Deus permanece
fora do poder do próprio pastor.
Também não conseguimos consertar a ausência de paz do jeito
que as pessoas muitas vezes querem que façamos. Por quê?
Porque Jesus dá a paz, mas não do jeito do mundo (Jo 14.27).
Conheci Estevão anos antes, em meu primeiro estudo bíblico na
Casa de Repouso Grand Village. Ele foi o único a assistir no meu
primeiro dia. Eu estava nervoso e com pressa de fazer uma oração
para terminar rapidamente a reunião. Mas esse dono de uma
medalha Purple Heart (maior honra para o militar que se destaca em
serviço ao país) tinha em mente outras ideias. “Padre, eu não tenho
ido à igreja em mais de cinquenta anos”, ele me disse. Eu não era
católico, mas para este homem de noventa anos de idade eu era o
“Padre”. “Deus nunca poderia me perdoar por tudo que já fiz na
vida”, disse ele, enquanto olhava além de mim para um mundo que
lhe causava dor. Naquele dia, a graça deu-me palavras para falar de
Jesus e seu perdão. Jesus atraiu Estevão para si.
Agora, Estevão estava no hospital. Suas mãos foram amarradas
porque ele ficava arrancando os tubos dos braços. Estava preso a
um mundo de alucinações. Mandou que eu tomasse cuidado com o
carteiro que estava ali no pé da cama, querendo me prejudicar.
Garanti a Estevão que estava tudo bem comigo. Disse a ele que eu
o amava. Ele não deu nenhuma indicação de que me ouvira. Estava
inquieto e gemia no mundo que imaginava. Fiquei ali sentado por
longo tempo. Cantei. Orei. Durante todo esse tempo, Estevão não
me reconheceu. Então, na hora em que eu ia embora, abaixei-me e
disse: “Eu amo a você, Estevão”.
Ele atirou-me um olhar. O remexer-se, os gemidos e as ilusões
deixaram seus olhos. Por um momento ele me viu com clareza. “Eu
te escutei da primeira vez!”, declarou. Então, por mais um instante,
olhamos um para o outro e nos vimos um no outro. Esse momento
passou, e a confusão voltou. Mas o amor se afirmava ali, por entre
as alucinações, e as mãos amarradas, e a mente que ia se
perdendo. Há uma espécie de paz que Jesus dá, que vai aonde
outros tipos de força não conseguem. Faz o que outras espécies de
poder não podem.
O seu poder se encontra quando cantamos “Maravilhosa Graça”
para uma mulher numa casa de repouso, chiando no escuro,
procurando respirar. Cantar de sua graça faz com que os pulmões
relaxem, e a respiração fique mais fácil. A morte não vai parar.
Coisas inconsoláveis não cessarão, ainda não, por mais um tempo.
Mas chega a graça. Algo mais poderoso do que a morte canta ao
seu lado e segura a sua mão.
Não podemos fazer tudo o que precisa ser feito. Isso quer dizer
que Jesus nos ensinará a viver com as coisas que não podemos
controlar nem consertar. Vamos querer resistir a Jesus e agir como
se fôssemos onipotentes, mas quando tentamos isso, só ferimos
aos outros e a nós mesmos. Outros também resistirão a Jesus.
Usando o seu nome, nos louvarão ou criticarão, nos promoverão ou
descartarão, de acordo com o seu desejo de que consertemos tudo
por eles e que o façamos imediatamente. Mas eles também
precisarão aprender que só Jesus é capaz de consertar todas as
coisas, e que existem coisas que Jesus deixa sem conserto para a
sua glória.
Isso é excruciante, às vezes. Todo dia entramos em situações nas
quais sabemos não ter nenhum controle, em que é difícil colocar fé
confiante em nossa única esperança verdadeira, e que, neste
desconfortável silêncio, Deus fará o que somente ele é capaz de
fazer conforme sua capacidade e seu amor. Não é de surpreender
que nos apressemos para consertar tudo. É tão menos humilhante
nos mexer, falar, fazer planos, e apressar-nos para agir, em vez de
esperar um pouco mais para ver; ou cair no chão, rasgar a roupa, e
entrar na choradeira com as pessoas. Mas chorar com as pessoas é
o que Jesus nos conduz a fazer. Esperar para ver o que Deus fará
não é desperdício de tempo.

Quando ferimos simpaticamente


O rei Herodes jamais concordaria com essa espécie de poder. As
suas estratégias para a resolução de problemas faziam sumir os
conflitos, mas não curavam nada (Mt 2.18). O rei Herodes não era
nenhum “curador ferido”.14
Talvez sejamos mais bonzinhos do que o rei Herodes. O fato é
que, quando lutamos para consertar as coisas sem Jesus, até
mesmo bons líderes de ministério podem se tornar simpáticos
prejudicadores. Entramos em uma longa fileira.
• Os amigos de Jó, faltando-lhe empatia sincera, achavam que
sabiam mais do que realmente conheciam. Nas suas mãos, a
doutrina desculpava a ignorância. Ser correto justificava a palavra
cruel. Aprendemos deles que a verdade pode ser usada sem
sentimentos e de maneira tola. A verdade pode ser usada para
ferir as pessoas. A ordem de falar a verdade em amor é
modificada para “Eu vou contar como as coisas são”.
• Os pastores de Ezequiel 33 usavam o ministério para manipular
as pessoas, a fim de obter status, conforto e reputação.
Deixavam os quebrantados, os perdidos e os perturbados aos
lobos.
• O irmão mais velho do Filho Pródigo representava os fariseus (Lc
15.11–32). Esses mestres de Bíblia justificavam a ingratidão e
amargura em nome de se posicionarem pela justiça. Carentes de
graça, eles martelavam as virtudes religiosas sobre as pessoas.
• Os líderes religiosos da história do Bom Samaritano (Lc 10.25–
37) não entendiam o conceito de amor ao próximo quando
estavam “de folga”.
• De fato, para qualquer dentre nós que tenha vocação para o
ministério, é triste entender que as palavras mais duras proferidas
por Jesus (e também dos profetas que o antecederam) eram
dirigidas aos líderes ministeriais de seus dias (Mt 23.1–36).
Escrutine os heróis de nossa fé. A tentação para os líderes
autênticos de ferir a outros e ofender a Deus não é menos
destacada.
• Conhecemos tanto o desastre da embriaguez de Noé quanto a
sua coragem e sua fé.
• Honramos com justiça a fé de Abraão, enquanto nos lembramos
corretamente do fato de que seu medo egoísta ainda conseguiu
dominá-lo.
• Moisés foi assassino. Ele se acovardou. Seu temperamento
estourado jogou fora a oportunidade de entrar fisicamente na
Terra Prometida. No entanto, ele também creu e conduziu seu
povo com coragem.
• Cantamos os salmos de um “homem segundo o coração de
Deus”. Mas este homem também fez coisas terríveis e, às vezes,
fez escolhas trágicas, muito aquém de seu chamado e da graça
que lhe foi dada.
• Jonas levantou os punhos contra a graça.
• Tiago e João quiseram invocar fogo do céu para consumir os que
não recebiam a Jesus.
• Paulo nos ensina. Mas Deus quer que recebamos o ensino de
Paulo e de sua integridade enquanto conhecemos a amarga
história de Saulo de Tarso.
• Pedro exalta a Cristo por nós. Mas não somos desconhecedores
quanto à espécie de pecado covarde que ele exemplificou
quando Jesus foi preso.
De alguma forma, eu achava que os contornos de minha vida e
ministério estariam longe desses líderes e heróis da Bíblia. Pensei
que eu jamais cometeria os mesmos erros nem compartilharia a
mesma vulnerabilidade. Mas naquela varanda, naquele dia, eu era
um vaso quebrado, sem nenhuma capa de super-herói. Éramos
todos vasos de barro quebrados naquela varanda — a mãe atrás da
porta, o pai ao telefone, os dois presbíteros que vieram comigo, e a
menina empilhada entre as ruinas.
Naquele dia conseguiríamos tirar Lori da varanda, continuaríamos
em nossas rotinas normais de tarefas, alimentação, oração, leitura
da Bíblia, aulas de música para os filhos e dormir. Mas as coisas
que levaram Lori até aquela varanda em primeiro lugar
permaneceriam sem conserto naquela noite, e em muitas e muitas
noites que ainda viriam. Portanto, cada um de nós teria de aprender
como viver cada dia um com o outro, sem que nada ou ninguém
tenha sido consertado.

Montando uma ofensiva


Em suas notáveis memórias a respeito da batalha contínua e
crônica com artrite reumatoide, Mary Felstiner pergunta: “Como a
alma consegue subir na ocasião da doença?”15 Por “doença”, Mary
se refere à destruição do corpo enfermo que não se conserta. Ao
inquirir como a alma poderá subir nessa ocasião, ela quis dizer:
escolhendo e aprendendo a viver perseverantemente,
vibrantemente e cheia de amor, indo para a frente, tendo destroçada
a carne que outrora fora seus dedos e suas pernas.
A sua enfermidade é sádica para as juntas e os ossos. Ela os
pulveriza com sorriso cínico. Ela os arranca e puxa. Ela os torce em
um emaranhado confuso, enquanto dá risadinhas. Assim, quando a
ouço conclamar-nos a “subir nessa ocasião”, reconheço que ela tem
intenção de lutar. Mas seu modo de lutar me assusta. “Pelo menos
agora eu sei qual é a tarefa”, diz ela. “Monte uma ofensiva quando
não possuir nenhuma defesa que possa vencer”.16
Neste ano que passou, recebi uma carta de um dos presbíteros
que esteve comigo há tantos anos naquela manhã, naquela
varanda. Pela carta, fiquei sabendo que a vida de Lori, durante
todos esses anos após o acontecido, foi curada. O que ele
descreveu quanto à graça que a encontrou e ainda a segura, me
levou às lágrimas, maravilhado.
De que maneira a paz de Jesus acalmou sua vida? Para ser
sincero, não tenho plena certeza. Não existe resposta grandiosa,
notável, eficiente e veloz. As únicas coisas que conseguimos eram
pequenas respostas acerca de coisas que não se viam, durante um
longo período de tempo. Um dos presbíteros escrevia um e-mail
semanal para Lori durante todo o período de trauma. Toda segunda-
feira simplesmente ele começava: “Bom dia”. Ali ele falava da
beleza que via nela e da graça de Jesus, a quem ele orava pedindo
por ela.
Outro presbítero permitiu que Lori vivesse por algum tempo com a
sua família, enquanto a família dela buscava a graça para passar
pela crise. Houve aconselhamento. Houve muitas lágrimas e
contratempos. Os Salmos eram clamados e derramados.
Passou-se muito tempo, anos de dias incertos em que parecia não
haver respostas ou remédios. Então, como foi que essa cura veio
em meio a coisas tão inconsoláveis? Como Jesus continuaria com
ela entre as coisas inconsoláveis nas quais ela ainda teria de
navegar?
Realmente, eu não posso dizer. Na verdade, ao lembrar daquela
varanda só sei com certeza o seguinte: a luta não era nossa para
ser vencida. Era dele. E ele venceu.
Richard M. Cohen, Strong at the Broken Places: Voices of Illness, a Chorus of Hope (New
York: Harper, 2008), xvi.
Henri Nouwen, The Wounded Healer: Ministry in Contemporary Society, (New York:
Doubleday, 1979).
Mary Felstiner, Out of Joint: A Private and Public Story of Arthritis, (Lincoln: University of
Nebraska Press, 2007), 89.
Eugene Peterson, “Spirituality for All the Wrong Reasons,” Christianity Today, March 2005,
http://www.christianitytoday.com/CT/2005/March/26.42.html?start=y
7 | Saber tudo

Qualquer que pense entender as divinas Escrituras ou qualquer parte


delas, sem compreender e edificar nesse amor a Deus e ao próximo,
ainda não conseguiu entendê-las.
–A

Eu havia acabado de dar a Eric a sua primeira Bíblia. Ele só


havia orado em nome de Jesus quatro ou cinco vezes em sua vida
(e isso nos últimos dois dias!).
Um presbítero tinha parado para buscar alguma coisa para sua
classe de escola dominical. “Ei, Jason!”, eu disse ao presbítero.17
“Quero que você conheça o Eric, um novo cristão. Estamos nos
encontrando pela primeira vez hoje. Acabei de dar ao Eric sua
primeira bíblia”.
O presbítero apertou a mão do novo convertido e o cumprimentou.
O que ele disse em seguida me deixou boquiaberto. “Então, Eric”,
disse ele. “Qual é a sua opinião sobre o Catecismo Maior de
Westminster, pergunta 109?”
Eric deu um sorriso vago e olhou para mim.
Lembro-me daquele momento de muito tempo atrás. Olho-o como
um espelho que me adverte e me faz uma pergunta. Como
chegamos ao ponto de esquecermos de que houve um tempo em
que nós não conhecíamos o que era o Evangelho de João, e muito
menos sabíamos onde encontrá-lo na Bíblia ou como deveríamos
lê-lo quando o encontrássemos? O que faz com que nós cristãos, às
vezes, vejamos o crescimento no conhecimento como algo que nos
faz diminuir, julgar, confundir ou sobrecarregar uma pessoa que abre
a sua primeira Bíblia pela primeira vez? A resposta assombradora é
que a serpente ainda nos sussurra sua tentação: “Porque Deus
sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e,
como Deus, sereis conhecedores. . .” (Gn 3.5).
Somos tentados a algo parecido com onisciência — a capacidade
de saber tudo. Mas não fomos chamados a nos arrepender por não
sabermos todas as coisas. Somos chamados a nos arrepender por
tentarmos saber tudo.

Aprendizes
No seu Aprendiz de Feiticeiro, Goethe escreve sobre um mestre que
deixa seu jovem estudante cuidando das coisas. Ambicioso, o jovem
aprendiz conclui que está pronto para substituir seu mestre porque
já “memorizou o que dizer e fazer”.18 Os que conhecem a versão
famosa desse poema feita pela Disney se lembrarão da confusão e
dos estragos resultantes. Embora tentasse imitar as tarefas do
mestre, ele não entendia o jeito do seu mestre nem a profundidade
dos poderes que estavam diante dele. Assim, todos os seus
esforços só pioravam a situação até que finalmente ele se humilhou,
implorou que o mestre voltasse, e recebeu de entrega socorro
gracioso e poderoso.
É óbvio o ponto do poeta. A tentativa de acessar o poder de uma
vocação apenas pela memória e encantamento rapidamente
resultará em grande confusão.
A Bíblia concorda. Vários pregadores itinerantes viram o apóstolo
Paulo expulsar demônios e realizar milagres em Jesus. Eles
pensaram em si mesmos e concluíram que poderiam fazer igual ao
que Paulo fizera. Assim, quando encontraram tais espíritos maus,
esses pregadores imitaram o que tinham observado.
“Esconjuro-vos por Jesus, a quem Paulo prega”, exclamou um
deles. Mas o espírito maligno lhes respondeu: “Conheço a Jesus e
sei quem é Paulo; mas vós, quem sois?” Imediatamente, os
pregadores que tentaram praticar aquilo que memorizaram, mas que
não assumiram para si, foram atacados e fugiram daquele lugar,
feridos e nus (At 19.11–16).
O demônio era astuto. Reconhecia que não importava o quanto os
pregadores usassem palavras e ações semelhantes às de Jesus, a
qualidade da autoridade, vida, e ensino de Jesus estavam ausentes.
Nós também, dessa maneira, podemos usar mal o conhecimento.
Em meus primeiros dias de seminário, nós, alunos de uma classe
intensiva de grego, nos propusemos a uma pausa a fim de orar uns
pelos outros a cada dia. Não demorou muito, e nessa rotina diária
de nos reunirmos para a oração à sombra de uma árvore de verão,
um seminarista de último ano se aproximou de nós ousadamente e
nos repreendeu:

Irmãos, eu os advirto! É óbvio que vocês são orgulhosos e


contumazes. Está na cara que querem que o restante de nós veja
como vocês são espirituais e santos. Eu sei. Eu também era novato no
seminário como vocês. Eu também queria exibir-me a todos, como
vocês estão fazendo agora. Mas eu estava errado, e vocês também
estão! Jesus nos conclama a “entrarmos em nosso quarto para orar”.
Vocês se chamam de futuros pastores? Vocês têm do que se
arrepender!

Se houve luz no caminho da bondade da Escritura citada pelo


nosso irmão, nós tivemos dificuldade em vê-la. O seu uso da “luz”
fazia com que nossos olhos fechassem ou olhassem só meio
abertos contra ela. Se havia algo belo e redentivo quanto a quem
ele foi quando iniciou o seminário, nós não conseguimos enxergar
com a luz que ele tentava nos oferecer.
Objetamos: “Somos justificados ao repreender apaixonadamente
as pessoas, sem discernir se elas sabem um pouco mais ou se não
têm nada a aprender que as ajude a crescer? Será que Jesus é
contra qualquer pessoa que estiver orando na frente de outros?
Jesus não orava na frente de seus discípulos e na presença de
outros?”
Embora todo nosso conhecimento mútuo da Bíblia, não acho que
nós aprendizes tenhamos ajudado uns aos outros a ver naquele dia.
Um farolete mirando diretamente nos olhos de alguém faz com que
seja mais difícil ver, não mais fácil. Na verdade, um farolete usado
erradamente pode nos roubar a luz que já nos tem sido
providenciada.

Inflados
Frequentemente, o conhecimento dado com a intenção de nos
ajudar apenas nos incha (1Co 8.1–2), e o mal uso do zelo não é
diferente disso. Nos Estados Unidos, os saquinhos de batatas fritas
são inflados. Mas quando se abre o saco, ele se esvazia. O que
parecia ser um saquinho cheio de batatas fritas na verdade era mais
um saco cheio de ar. Como crentes autênticos em Jesus, somos
suscetíveis a tornar-nos inflados e cheios de ar quente dessa forma
(entre outras), e especialmente os pastores. Nosso zelo com a
novidade da fé pode exagerar nosso conhecimento e o fazer inflado
(1Tm 3.6).
Nosso zelo por controvérsia teológica, debates e discussão a fim
de demonstrar nosso intelecto superior ou capacidade persuasiva
sobre outros também nos infla (1Tm 6.4).
“Dr. Pregador Conhecido” era um pastor que ajudava muita gente
e às vezes pregava apaixonadamente, com uma percepção
profética, a respeito do sofrimento pelo evangelho. Por alguns anos,
houve um grupo de estudantes que se modelavam como seus
discípulos. Escutavam os seus sermões, liam os seus livros e
assistiam suas conferências (embora, que eu saiba, nenhum deles
conhecesse pessoalmente o “Dr. Pregador Conhecido”, exceto por
um aperto de mão numa conferência). Com forte paixão, pregavam
na classe bíblica sobre o sofrimento. Procuravam viver vidas mais
ascéticas em seu campus do seminário. Mas, por adotar apenas um
aspecto da mensagem de seu mentor celebridade, sem o contexto e
a experiência pessoal de seus anos de trabalho pastoral em favor
das pessoas, na verdade, feriram colegas, julgaram mal os
professores, criticando fortemente a ambos, e isso no nome de
Deus.
Pareciam cegos para o fato de que, apesar de todo o seu zelo,
tinham, na verdade, pregado apenas quatro sermões em sua vida.
Encobriram o fato de que nunca tinham servido um dia sequer como
pastor em uma igreja. Eles rejeitaram a verdade de que o que
tinham aprendido ontem na sala de aula, o professor que lhes
ensinava vinha procurando fazer na vida e ministério antes de terem
nascido.
Jonathan Edwards observa: “Nada que pertença à experiência
cristã é mais suscetível a uma mistura corrupta do que o zelo”.19
Não é que desejemos menos zelo. Pelo contrário, a vida e o
ministério isento de sinceridade é como ter um aquecedor que não
funciona num dia frio, parado em uma sala úmida e fria. Nós o
acendemos, trêmulos e arrepiados, com os dedos dos pés carentes
de aquecimento, mas a ajuda não vem. Graças ao Senhor por
jovens zelosos, tanto homens quanto mulheres!
Mas um fogo não pode aquecer com segurança se não estiver à
distância correta de nós. Se ficarmos perto demais, em nome do
aquecimento, seremos queimamos. Nosso zelo deverá ser derivado
“com discernimento” (Rm 10.2).
Quando Jesus diz seu “Ai” àqueles que usam mal a chave do
conhecimento, ele destaca os sinais que exibimos quando o
conhecimento estiver indo por rumos errados:
O conhecimento bíblico nos deixa analfabetos em termos da
operação interior de nossa alma (Lc 11.37–40).
O aprendizado que ganhamos deixa-nos ignorantes do verdadeiro
amor por Deus (Lc 11.42–44).
Apesar de todo nosso empenho acadêmico e erudição,
permanecemos sem prática de amor ao próximo, humildade,
sabedoria, bem como dos dons que realmente honram a Deus (Lc
11.45–51).
Somos inteligentes com as passagens bíblicas, mas sem
habilidade em termos do sentido ou significado dessas passagens
no que diz respeito a Jesus. De fato, noutro lugar Jesus fala a
especialistas em Bíblia que eles conheciam as Escrituras mas
desconheciam aquele a quem a Bíblia aponta (Jo 5.39). “Ai de vós,
intérpretes da Lei! Porque tomastes a chave da ciência; contudo,
vós mesmos não entrastes e impedistes os que estavam entrando”
(Lc 11.52).
De acordo com Jesus, quando se trata de descrever a porta de
Deus, tais mestres da Bíblia eram especialistas credenciados em
portas. Passavam os dias ajuntando as pessoas para olhar essa
porta, meticulosamente memorizando cada linha, rachadura, canto,
cor e detalhe. Contudo, de acordo com Jesus, esses mestres e suas
congregações possuíam um conhecimento especializado de uma
porta que eles mesmos não podiam abrir. Irônica e tragicamente, na
verdade, com o seu conhecimento eles tornavam inoperante a
própria chave que tanto propunham conhecer. Um velho pastor
estava certo quando disse: “É possível que desenvolvamos uma
noção falsa do conhecimento”.20
Podemos participar de um estudo bíblico local durante anos.
Podemos obter graduação em um seminário ou cumprir um
programa de aprendizado de um ano na igreja local. Mas isso não
quer dizer que sejamos capazes de iluminar em vez de cegar,
admoestar com calor em vez de chamuscar.

Conhecendo em parte
Certa vez eu desisti da lua. Era final de tarde e as nuvens haviam
sequestrado a noite. Comandando o palco central, a lua iluminou
confiantemente o escuro hemisfério. As crianças e eu assistimos à
exibição pelos vidros de nossa van.
“O que é que você acha, Caleb?”, perguntei. “O que você pensa
dessa lua?”
Caleb é meu caçula. Ele olhou atento para o céu. O luar o
alcançava pela janela e tocou levemente a sua bochecha esquerda.
O pequeno Caleb nos surpreendeu a todos.
“Quebrou, papai”, ele disse.
Com urgência repentina ele lançou o braço à frente e com o dedo
apontou para fora da janela. “Lua quebrada”, ele esclareceu.
Olhei de novo pela janela para o palco principal. “Ah, Caleb”,
expliquei. “A lua não está quebrada. É lua crescente”.
Caleb não entendia a palavra crescente, pois ela soava como
nome de monstro. Sua cara caiu, sério. Com cenho franzido ele
implorava: “Conserta, Papai!”
Todos rimos alto. “Papai não consegue consertar a lua, amigão”,
eu ria. “Ela está longe demais e é grande demais”. Caleb olhou de
novo pela janela e então olhou para mim.
Sem hesitação, Caleb me fitou firme e disse: “Papai, vai lá. Vai lá e
conserta lua!”
Meus olhos vieram ao encontro da expectação dos seus, e
sentime desconcertado. Eu havia identificado a lua como
“crescente” e parara de dar maiores observações. Mas Caleb não
estava satisfeito com minha explanação sobre qual tipo de lua era
aquele. A luminária estava em sombras, e o pequeno Caleb tentava
entender as sombras. A lua que eu chamei de “crescente”, Caleb
chamou “quebrada”. Queria que ela fosse consertada, que ficasse
inteira de novo.
O jeito como eu vi a lua, nomeei seu tipo e descartei dar mais
atenção a ela (em contraste ao jeito como Caleb olhou além do tipo
de lua, para a própria lua) expõe outro problema do conhecimento.
“Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe
tocou, porque é pecadora” (Lc 7.39).
Não é que seja errado em si mesmo conhecer em parte. De
acordo com a Bíblia, esse fariseu identificou corretamente qual a
espécie daquela mulher (Pv 7.1–21). Jesus igualmente possuía
esse conhecimento. Ele também identificou corretamente a mulher
como uma pecadora (Lc 7.48). Em relação à espécie de mulher que
ela era, o mestre e o aluno concordavam.
Note bem. Porque estamos certos quanto a alguma coisa não quer
dizer que estejamos certos quanto a tudo, e nem quanto àquilo que
é mais importante.
O verdadeiro arrependimento acontece bem na frente desse
fariseu, e ele não o reconhece (v. 48). Ou ele não possui uma
categoria para o arrependimento igual à sua categoria para o
pecado, ou, ainda que a possua, não tem experiência quanto à sua
aplicação.
Apesar de todo conhecimento de Deus, o tratamento relacional
desse homem quanto a Jesus está profundamente empobrecido (vv.
44–46). Ou ele não possui uma categoria igualmente palpável de
hospitalidade pessoal, ou ele tem, mas não quer ou não pode
aplicá-la.
Essa mulher está buscando perdão bem à sua frente, e ele não
consegue enxergar (vv. 41–43). Ou ele não tem um modo saudável
de discernir o perdão, ou o tem, mas está cego para sua
incapacidade de colocá-lo em prática.
Verdadeiro amor a Deus e ao próximo está acontecendo bem à
sua frente, e ele o despreza, enquanto permanece cego à sua
própria ausência de visão (v. 47). Ele não possui um critério definido
para separar o que é o verdadeiro amor por Deus e pelo próximo, ou
não tem muito dele em seu próprio ser.

O propósito de saber
O que, afinal, senão o amor em Cristo, forja o propósito do nosso
conhecimento (Mt 22.38–39)? O presbítero tinha conhecimento do
Catecismo Maior de Westminster. O aluno veterano tinha
conhecimento das palavras de Jesus a respeito da oração em
secreto. Eu tinha o conhecimento de seis semanas de aula de
grego. Mas cada um de nós lutava por relacionar-nos de maneira sã
(ou seja, à semelhança do amor de Jesus) com as pessoas à nossa
frente. As Escrituras, em Jesus, nos conduzem a “uma
epistemologia de amor, um modo de saber que se manifesta em
amar”.21 “Assim, qualquer que pensa ter entendido as divinas
Escrituras ou qualquer parte delas, mas com esse conhecimento
não consegue edificar o amor de Deus e do próximo, ainda não terá
obtido sucesso em entendê-las.”22
No decorrer dos anos tenho tomado essas questões para a minha
leitura da Bíblia e pregação, como vacina contra essa espécie de
conhecimento que se infla e esquenta, mas não alcança aquilo que
Jesus intenta.
• O que esta passagem mostra sobre a amabilidade de Deus? Ou,
noutras palavras, o que a respeito de Deus nesta passagem me
conclama a amá-lo mais?
• O que esta passagem me mostra a respeito das pessoas, e o
que o amor requer de mim em relação a elas?
• Sendo alguém que viu a misericórdia e o amor de Deus, que
poder preciso da parte dele para vencer os meus maiores
obstáculos ao amor? O que, no amor de Deus em Jesus, me dá
esperança e provisão para minha própria falta de amor?
Se algo que eu leio não parece amável, eu anoto, dou um passo
para trás, mantendo em mente aquilo que vi claramente em outras
páginas da Bíblia. Sem deixar de ver essas coisas belas, faço
perguntas sobre o texto que não me parece belo. Começo um
diálogo com o Pai em Jesus sobre a beleza que ele vê ali, e em um
relacionamento de comunhão, confio que com o tempo ele, por seu
Espírito, me mostrará o que vê.

Tempo de graça, tempo, e ainda mais tempo


Outra ajuda contra nossa tentação de saber das coisas de maneira
errada é o modo de Jesus tratar com Pedro. Ao olhar para a vida de
Pedro, quando você diria que ele “chegou”, “aprendeu”, ou “soube
tudo”? Ele anda sobre a água, mas se preocupa com a tempestade.
Contudo, Jesus não age como se Pedro não tivesse fé. Reconhece
que a fé de Pedro é real, ainda que “pouca”. Então Jesus convida a
Pedro para um diálogo de aprendizado. “Por que você duvidou?”
Não é um tom duro. A repreensão não é do tipo que diminui a
pessoa. O relacionamento não acabou. Ficar aquém do ideal e fazer
nova tentativa faz parte do treinamento (Mt 14.29 –33).
Então Pedro tenta impedir a Jesus de lavar os seus pés (Jo 13.6–
8), isso também não é um pecado (Jo 13.6–8). Jesus nos diz isso.
Jesus tem espaço para que Pedro encontre as coisas que ainda terá
de aprender, as quais ele ainda não tem categorias para aprender.
Podemos dizer a Jesus que não entendemos (Mt 15.15).
Em seguida, Pedro declara: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”.
(Mt 16.16). Nesse momento pensamos: com certeza agora Pedro
chegou!
Mas imediatamente depois disso, aprendemos com Pedro que
uma profissão autêntica de fé em Jesus não apaga a insensatez que
ainda permanece em nós. “Arreda-te de mim, Satanás!”, são as
palavras de nosso Senhor para o desejo insensato de Pedro de
impedir que Jesus vá para a cruz (Mt 16.23). Contudo, até mesmo
essas duras palavras não separaram Jesus de Pedro. Jesus não o
lançou para fora nem deixou de tratá-lo como verdadeiro amigo,
discípulo e irmão.
Mesmo assim, as tolices de Pedro continuam abundantes. Ele
declara que sua fé é superior e a sua dedicação é forte (Mt 26.33–
34). Ele não tem ideia do quanto é terrível o seu exagero em
estimar-se além do que convém, nem quanto suas circunstâncias
são espiritualmente carregadas de ataques satânicos. Não fosse
pela intercessão de Jesus, Pedro, junto com os outros, teria sido
peneirado como o trigo (Lc 22.31). Contudo, Pedro continua caindo
no sono quando Jesus manda que ele vigie e ore (Mc 14.37).
Pedro, depois, corta a orelha de Malco e é repreendido por Jesus
(Jo 18.10–11). Pedro nega a Jesus, xingando e blasfemando. O galo
canta e ele chora amargamente (Mc 16.66–72). Ainda assim Jesus
o busca, o ama e o guarda (Mc 16.7).
Pedro está ferido e sente-se atingido pelas palavras de Jesus, mas
essas mesmas palavras o restauram (Jo 21.15–19). Mesmo após a
ressurreição, Pedro se esconde de medo depois de ver o túmulo
vazio (Jo 20.10, 19–22) e mais tarde é repreendido por Paulo por
causa do modo que o medo novamente o dominara (Gl 2.11–14).
Contudo, com todos esses erros cometidos por ele, toda essa
estultícia e pecado, o que Pedro precisava era espaço gracioso para
crescer. Pedro não é Caifás, nem Pôncio Pilatos, nem Herodes nem
o fariseu que estava em sua casa julgando tanto Jesus quanto a
mulher pecadora. Jesus via enganos, erros e pecados em Pedro.
Mas isso não fez com que Pedro fosse excluído, nem significava
que ele merecia de Jesus a mesma resposta que esses outros
mereceram.
Surgem uma ou duas perguntas sobre as quais devemos pensar:
Como você age quando as outras pessoas fazem coisas erradas?
Alguém a quem você serve tem espaço para cometer um erro? O
que significa para você, como pastor, precisar repetidas vezes da
graça de Jesus?

Conhecimento impaciente
No decorrer dos anos, na família do evangelicalismo norte-
americano a que pertenço, tem sido raro o ambiente da graça em
que erros e pecados são diferenciados e no qual é concedido o
tempo necessário para que haja crescimento em relação a ambos.
Imagine o “Rev. Autor Famoso”. Por muito tempo ele tem escrito
sobre o evangelho de Jesus de maneira verdadeira e útil para
muitas pessoas. Mas em seu mais recente livro ou postagem de
blog, ao tentar tratar o evangelho em meio à nossa cultura, parece
ter errado quanto a um ensino fundamental. Isso é um verdadeiro
problema.
Apolo também teve este problema. Pregador talentoso de Jesus,
ele precisou da graciosa provisão de Priscila e Áquila para aprender.
Eles o ouviram pregar. Deram graças a Deus por isso. Cresceram
através disso. Mas, ao mesmo tempo, o convidaram para o jantar.
Eles o ensinaram em particular. Fizeram pessoalmente suas
perguntas desafiadoras (At 18.24–28). Foi dado a Apolo espaço
para crescer. Seu bom ensino não foi anulado por ele ter entendido
erradamente algumas coisas.
Com frequência, nós somos menos pacientes. Tomamos as
discussões da alta noite, os ataques de blogs, e dardos dos tuítes,
como se a cultura, em vez de Jesus, fosse nosso mestre. Dessa
maneira, “Dr. Pregador Conhecido” e “Sr. Blogueiro Nacional”
imediata e publicamente castigam o “Rev. Autor Famoso” e se
distanciam de um relacionamento com ele.
Depois o “Erudito de Longa Carreira” e o “Dr. Pregador de
Conferências” oferecem uma resposta do tipo tudo ou nada, que
age como se, ao cometer um único erro, o “Rev. Autor Famoso”
esteja todo errado e só tenha erros. Isso soa mais como Jesus
tratou os fariseus do que como ele tratou a Pedro, ou como foi
tratado Apolo. No mínimo, a sabedoria nos ensina que é necessário
tempo para determinar qual a postura do coração do irmão que está
em erro.
Estou tentando dizer que existe algo sobre nossa forma de
conhecimento que luta contra manter duas verdades ao mesmo
tempo: (1) “Rev. Autor Famoso” está cometendo um erro
fundamental com este aspecto de seu ensino; (2) “Rev. Autor
Famoso” ama a Jesus, o tem seguido fielmente por muitos anos,
tem ajudado os fiéis, e precisa de nossa companhia e argumentação
cordata para ter uma oportunidade de crescer. (Quem sabe com
essa espécie de companhia e diálogo em família nós também
aprendamos alguma coisa?)
Tenho nutrido a ideia sutil de que o crescimento no conhecimento
significa que eu dependa cada vez menos e controle cada vez mais.
Porém, Jesus indica justamente o oposto. O humilde sabe mais e
não acha que sabe (conhece mais e o desconhece).

O Pastor sabe-tudo em casa


Imagine como seria viver com seu pastor se ele fosse um sabe-tudo.
O uso do seu conhecimento de Deus o deixa inflado. Ele deixa as
pessoas cegas de tanto avaliar e de caras queimadas por tanto zelo.
Por maior que seja o zelo pela Bíblia, você não consegue se lembrar
da última vez que soube o que é sentir-se compreendido, prezado,
conhecido ou amado com profundidade. Frequentemente você tem
sido corrigido, até mesmo com brandura e razoabilidade, por que
você errou de novo, e não ele. Não consegue se lembrar da última
vez que ele lhe presenteou com a humilde dignidade de dizer: “Sinto
muito. Eu estava errado e você estava certo”.
Temos medo de desejos humildes.
Resistimos ser como criaturas e seres humanos.
Esquecemo-nos de quem éramos outrora e a maneira pela qual
Jesus nos amou e andou conosco antes que conhecêssemos muita
coisa, mesmo lá naquele tempo quando tudo o que sabíamos
estava fora dos eixos.
Aos poucos, o jovem estudante de seminário suspeita da
imaturidade de sua esposa porque ela não conhece nem sabe agir
de certo modo teológico, mesmo que ele mesmo nunca tivesse
ouvido falar sobre o assunto até a aula da tarde passada.
O pastor impacientemente exige que seus filhos saibam, creiam e
façam o que levou vinte e cinco ou quarenta e cinco anos com
Jesus para saber, crer e fazer. Como é que em sua própria vida de
prática erros ele tem se endurecido, em vez de amolecido a sua
compaixão, visto que ele mesmo tem necessidade de tanta graça?

Conclusão
Alguém me ouvirá e dirá: “Certo! Não precisamos do conhecimento
bíblico; só precisamos de Jesus!”
Mas não é isto que estou afirmando. Tal sentimento em si já é um
meio de conhecimento. Raramente é sábio sugerir que possamos
conhecer a Jesus sem pelo menos alguns retalhos do que suas
palavras nos revelam a seu respeito.
Em vez disso, estou falando sobre conhecer de acordo com o que
Jesus diz que o conhecimento é. Nosso trabalho pastoral precisa
dessa mentoria. Ele é quem retorna, o Bom Pastor. Ele conhece as
suas ovelhas — incluindo aquela mulher destacada pelo mestre de
Bíblia. Mas de que modo ele a conhece? Ele a conhece pelo nome.
Ele a chama, vai diante dela, a conduz para fora. Ele é o seu portal
para os pastos verdes de descanso. Ele está junto dela no meio de
problemas, necessidades, vulnerabilidades e dignidade. Ele dá a
sua vida por suas ovelhas (Jo 10.2–4). Ela é conhecida de tal forma
que aprendeu a conhecer algo também — ela conhece a sua voz, o
seu caminho a seguir. Nossa esperança não está em que saibamos
tudo, mas que o nosso Pastor conheça.
“Conhecimento parcial” é o endereço da rua em que cada um de
nós tem de construir a vida (1Co 13.12). Assim, comece cada dia
admitindo isto: com relação a cada pessoa, pedacinho da criação e
circunstância que me encontro hoje, tenho de dizer a Deus, “Estou
no escuro” e “fui ensinado a distorcer aquilo que está diante de
meus olhos”. Tenho de me lembrar que quando subo ao púlpito, fico
ao lado de um leito hospitalar, faço uma caminhada ou me assento
em minha poltrona para aconselhar outra pessoa, fisicamente eu
vejo pessoas e coisas como na penumbra. A oração de Josafá se
torna nossa. “Não sabemos nós o que fazer; porém os nossos olhos
estão postos em ti” (2Cr 20.12).
Receba a oração de Paulo e a faça novamente:

Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, de quem toma o


nome toda família, tanto no céu como sobre a terra, para que, segundo
a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder,
mediante o seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no
vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor,
a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura,
e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de
Cristo, que excede todo entendimento, para que sejais tomados de
toda a plenitude de Deus. Ora, àquele que é poderoso para fazer
infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos,
conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na igreja e
em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém!
(Ef 3.14–21).

Não é o verdadeiro nome desse querido homem.


Johann Wolfgang von Goethe, “The Sorcerer’s Apprentice”, http:// www has vcu .edu for
Goethe /zauber .html.
Jonathan Edwards, “Some Thoughts Concerning the Present Revival of Religion in New
England”, em The Works of Jonathan Edwards, vol. 4: The Great Awakening (New Haven,
CT: Yale University Press, 2009).
D. Martyn Lloyd-Jones, “Knowledge False and True” [Conhecimento falso e verdadeiro], em
The Puritans: Their Origins and Successors (Edinburgh: Banner of Truth, 1991), 28.
Steve Garber, “The Epistemology of Love” [A epistemologia do amor], Washington Institute,
http:// www .washingtonist .org 163 the -epistemology -of -love/, 2.
Agostinho, On Christian Teaching, Oxford World’s Classics, trad. R. P. H. Green (New York:
Oxford University Press, 1997), 27.
8 | Imediatismo

Penso que o pecado que mais atinge os pastores, especialmente os


pastores evangélicos, é a impaciência.
–E P Recentemente, assisti a uma reunião regional
de pastores na qual eles ficaram sabendo que oitenta por cento das
igrejas que começaram nos últimos dez anos não existiam mais. Oito
em cada dez pastores tinham falado sobre seus sonhos, sobre o
trabalho de Deus e uma congregação que fizesse diferença em nossa
geração. Eles oraram e tinham esperanças e se gastaram. Todos
celebraram, fizeram planos e oraram. Mas logo depois, muitos
retornaram para casa entre os feridos e com curativos.

Contrariamente, algumas poucas igrejas não somente começam


bem como também crescem numericamente, e depressa. Essas
poucas igrejas se desenvolvem tão rapidamente que as multidões
criam um alvoroço na comunidade. Pastores têm de contratar mais
ajuda imediatamente. As pessoas têm de contratar e desenvolver
mais programas — e isso bem depressa. Têm de lutar e correr,
apenas para manter o passo na corrida, da gente que corre para “o
novo lugar para estar na cidade”. Após pouco tempo, a liderança
está exausta, e as estruturas requeridas pela pressa não são
adequadas para cuidar das pessoas continuamente, no tempo todo.
Não existem raízes. A árvore é pesada em cima, e sem base para
sustentá-la. Tem de acontecer uma reestruturação e um
reposicionamento, senão os líderes e voluntários esgotados da
igreja irão desmoronar. Têm de andar mais devagar a fim de
continuar em frente, mas não sabem como; nunca aprenderam isso.
Semelhantemente, meu amigo que falava ao telefone estava em
seu terceiro ano de pastorado. Ele estava exausto; demonstrava
sinais de desgaste total.
“Mais tarde eu vou mais devagar”, ele disse. “Mas, se eu diminuir o
passo agora, o que vai acontecer com o ministério?”
“Mas se você não diminuir seu ritmo agora, o que acontecerá com
o seu ministério?”, perguntei. “Se você permanecer neste seu
compasso atual, o que você teme provavelmente acontecerá de
qualquer modo”.
12
Compartilho essas três histórias como quem lembra a tontura que
sinalizava a minha própria iminente queda. Batiam em minha
cabeça e reviravam a minha visão nos piores momentos. Eu era
pastor titular com uma jovem família e uma igreja em crescimento,
que me preparava para a conclusão do programa de doutorado –
tudo ao mesmo tempo. Os médicos realizaram exames a fim de
detectar possível disfunção do ouvido interno ou do cérebro. Após
vários meses, nada surgia. Finalmente, um médico me perguntou:
“Existe algum estresse em sua vida?”
Pensando nisso agora eu dou risada. Você tem algum estresse?
Se meu corpo fosse árvore, minhas raízes estariam lutando para
permanecer firmes no chão. Eu começava a balançar até mesmo
nos dias de céu azul sem nuvens ou ventos. Às vezes, as
circunstâncias nos forçam a reconhecer a necessidade de paciência
para nosso trabalho pastoral. Teremos de nos entregar à mentoria
do Espírito para obter seus frutos, senão bateremos a cara no chão,
expondo raízes mortas para o mundo inteiro.
O que torna tão difícil ir mais devagar? São nossos anseios por
algo mais do que um trabalho de pouca fama, nosso desejo de estar
em todo lugar para todos, de saber tudo, consertar tudo: a tentativa
de tomar o lugar de Deus, e nossa falta de oração, que nos deixa
sobrecarregados com um fardo que só Deus é capaz de carregar.
Sim, mas as circunstâncias também não ajudam muito.

Por que as pessoas saem


Geralmente as pessoas saem de uma igreja que tem um novo
pastor por uma de duas razões (frequentemente, nos primeiros dois
ou três anos da chegada desse novo pastor): (1) o novo pastor não
é suficientemente igual ao antigo pastor e as coisas estão mudando
depressa demais; ou (2) o novo pastor é parecido demais com o
pastor anterior e as coisas não estão mudando o suficiente. Grupos
se ajuntam e falam uns aos outros sobre qual lado tomar. Eles
reforçam o seu desprazer.
Mas outros fatores negativos também podem colidir e conspirar
para o aumento das pressões.
Para nós, foi uma recessão econômica que varreu o país inteiro
como uma enorme tempestade de areia. Muitas instituições sem fins
lucrativos e igrejas estavam sofrendo. Nós não éramos exceção. Os
presbíteros e eu começávamos a conversar com a equipe pastoral
sobre as possíveis implicações para todos os nossos empregos.
Reuniões até tarde da noite estavam se tornando norma para nossa
liderança. Tínhamos olhado páginas impressas cheias de
numerosos fatos. Havíamos examinado orçamentos apertados que
não tinham onde apertar mais. Havíamos orado por pessoas que
iam embora, as quais tínhamos amado e orado, e por pessoas que
permaneciam, mas estavam esgotadas. Com o tempo, teríamos de
tomar duras decisões, que causariam impacto sobre outros de
nossa equipe, e estávamos olhando firmes, sem palavras, uns aos
outros.
Não ajudava o fato de que eu havia iniciado meu pastorado ali
trabalhando em tempo parcial. Nosso plano era que eu iria
gradativamente tornar-me pastor de tempo integral no decorrer de
dois anos. Essa ideia era nobre, mas não deu certo. Quando alguém
me telefonava na quarta-feira, às quinze horas, pedindo para falar
imediatamente comigo, eu dizia: “Posso te ligar hoje à noite ou
então amanhã à tarde. Se esses horários não servirem, posso vê-lo
na sexta-feira”. Essa pessoa se sentia ofendida. Para eles, assim
como para mim, era estranho ter de esperar. Eles sentiam que eu
não me importava em cuidar deles. Eu me sentia culpado. Quando o
imediato for nossa norma, ter de esperar por um telefonema daqui a
três horas às vezes fará com que nos sintamos desprezados.
Reclamaremos.
Eu também estava pregando em meio a sofrimento devido a
muitas coisas. Anos mais tarde, rimos muito, com lágrimas nos
olhos, por causa do sermão de páscoa que, em retrospectiva, mais
parecia um ofício fúnebre, bem no início do meu tempo ali. Em vinte
minutos, eu havia explorado a morte e escuridão e a dor tão
completamente, com tanta tristeza, que quando tentei falar da
ressurreição ninguém conseguia enxergá-la. Hoje damos risada com
a graça da memória — da humilhante paciência de amigos que
aguentaram permanecer juntos. Mas aquela realidade exigiu muito
das pessoas que tinham pouca paciência para isso.
Além de tudo isso, ironicamente, tínhamos oferecido uma visão
rápida demais da paciência. Passar juntos, em comunidade, por
esse tempo parecia estranho, até entediante. Ver a congregação
como um grupo de pessoas com as quais viver a vida ao invés de
um produto a mobilizar, ou, ter como experiência, ver um pastor
como alguém a amar ao invés de consumir — era uma novidade
para a maioria de nós.
Tendo dito e feito tudo, cento e cinquenta pessoas saíram de
nossa igreja em três anos. Cento e cinquenta mil dólares do nosso
orçamento foram com eles. Tivemos de despedir três pessoas de
nossa equipe que trabalhavam em tempo integral. Demos vários
meses de aviso prévio e compensação. Todos nos sentíamos
feridos. Nos questionávamos. Tornamo-nos a igreja mais comentada
da comunidade. Mas os comentários não eram esperançosos, e
frequentemente eram maldosos. Isso não é algo fácil de superar —
não pela pressa. Pelo contrário, a disposição mental impaciente de
tentar fazer grandes coisas de maneira notória e imediata foi o que
parcialmente atacou-nos como um torpedo. Nós quase afundamos.
Quase.
Estávamos fazendo, com lágrimas sinceras e corações
humilhados, uma pergunta importante entre as coisas que tinham
importância: “Senhor ensina-nos a seguir-te naquilo que poderá
recuperar esse navio que está afundando”.

A atração da pressa
Para começar, tínhamos de aprender o que o trabalho pastoral
realmente requer. Eugene Peterson termina a citação que mencionei
anteriormente da seguinte maneira: Penso que o pecado que mais
atinge os pastores, especialmente os pastores evangélicos, é a
impaciência. Temos um alvo. Temos uma missão. Vamos salvar o
mundo. Vamos evangelizar a todos, e vamos fazer muitas coisas
boas para encher as nossas igrejas. Isto é maravilhoso. Todos os
objetivos estão certos. Mas essa obra de trabalhar com as almas é
um trabalho vagaroso, que anda bem devagar ... e ficamos
impacientes e começamos a tomar atalhos para encurtar o
caminho.23
“Ande”, dissemos a meu filhinho de um ano e pouco, que queria
correr com seus amiguinhos ao lado da piscina pública. Eu o oriento
a ir mais devagar, não porque quero que ele perca suas marcas,
mas exatamente porque indo mais devagar ele terá melhores
chances de realmente atingir o marco.
Assim, é possível descrever pressa como “o sentimento de estar
atrasado” ou “achar que temos de correr”. Onde quer que
estejamos, é como se estivéssemos com coceira para ir embora.
Temos outro lugar em que devemos estar, e onde estamos nunca é
aquele lugar. Nós constantemente sentimos que estamos perdendo
algo, perdendo nossa chance, ou abrindo mão daquilo que
poderíamos ter se pudéssemos chegar lá antes da areia da
ampulheta acabar. No nosso caso, primeiro tínhamos de avaliar por
que achávamos estar perdendo alguma coisa.
1) Para começar, a pressa faz parte do ar que respiramos. Ainda
que devagar na Bíblia seja mais usado para descrever o bom
caráter de Deus (tardio para se irar), para a maioria de nós, devagar
é igual a desperdício ou desrespeito.
2) O passado de nossa igreja específica. Antigamente, a nossa
igreja tinha sido popular, ou seja, isso foi antes de nossa divisão.
Estávamos progredindo na comunidade, e cresciam as conversas
sobre as coisas que Deus estava fazendo entre nós. As orações das
pessoas que deixaram o conforto de uma igreja de origem para
começar este novo trabalho evangelístico estavam sendo
respondidas. Mas então, veio uma fratura devastadora entre gente
boa, e isso saqueou grande parte do que tínhamos. Quando eu
cheguei, havia um desejo palpável de obter de volta aquilo que tinha
sido perdido. Mas a essa altura, eu estava na quarta liderança
pastoral em seis anos. Nos primeiros meses, cinco casamentos se
desfizeram, dois grupos de pessoas caluniaram e arruinaram os
relacionamentos, e um grupo nos lares implodiu de forma totalmente
perniciosa. Estávamos agora fazendo perguntas difíceis e
confissões. Se a nossa popularidade realmente fosse sinônimo de
saúde da igreja, como é que nossos relacionamentos internos
remavam tão prontamente para a divisão e fraturas? Um anseio por
avivamento imediato e um retorno poderá nos tentar a dizer não à
paciência e sim aos atalhos.
3) Não estávamos longe da igreja de maior “sucesso” na cidade.
Na mesma rua, um pouco mais para baixo, há uma igreja que
cresceu depressa e grandemente. Hoje seus recursos estão
espalhados por toda a cidade. Alguns achavam que estávamos a
caminho de ser iguais àquela igreja. Outros se entristeceram porque
muitos do nosso povo saíram e foram para lá. Outros se irritaram ou
zangaram-se, ficando inseguros, sentindo como uma loja pequena
de proprietário local na presença de uma rede gigante, tentando
competir quando a loja da rede constrói cada vez mais ao redor da
nossa. Embora a maioria das igrejas na América do Norte não seja
desse tamanho nem cresça tão depressa, o restante de nós é
tentado a acreditar que a sua história, e não a nossa, é a norma
para o mundo evangélico. Medir-nos pela igreja da mesma rua pode
nos tentar a acreditar que ficamos para trás e fomos ultrapassados.
Começamos a nos apressar, medindo-nos pelo chamado deles, e
não pelo nosso.
4) Eu fui considerado um grande negócio. Olhando para trás,
somos humilhados pelos exageros que faziam a meu respeito
também. O pastor anterior era meu amigo. Nosso coração batia no
mesmo ritmo. Em nossa comunidade eu era um peixe de tamanho
médio num lago pequeno. Chegou o “Dr. Eswine”. Todo mundo
esperava que grandes coisas acontecessem. Quem sabe a
mentalidade pró-celebridades que infecta nossa cultura geral
estivesse nos fazendo tropeçar. A presença de um líder que atrai as
pessoas pode nos tentar a negligenciar o que a paciência normal no
trabalho pastoral requer, não importa quem sejamos.
5) Nosso coração pelo evangelho excedia as nossas habilidades
com o evangelho. Essa igreja é realmente notável. Fez o que
poucos fariam. Chamou para ser seu pastor um pai que tem cuidado
sozinho de seus três filhos. Tentando recuar do processo de
candidatura, eu lhes dissera: “Não sei ser pai solteiro e pastor ao
mesmo tempo”. Eles responderam: “Nós também não sabemos,
mas vamos aprender juntos”. Falarei mais a esse respeito mais
adiante. Mas para agora, basta dizer que éramos como missionários
estrangeiros que, depois de um ano, ficam a se perguntar em que
loucura estiveram pensando. O que esse compromisso na verdade
requereu de todos nós em amar uns aos outros foi mais real e
tangível do que a graça que sonhávamos oferecer. Anote bem isto
aqui: fazer a transição de uma declaração de visão missional de
amor ao próximo para o verdadeiro amor ao próximo pode nos
tentar a desistir com impaciência e procurar por atalhos.
Tivemos de encontrar um paradigma diferente.

Nossas necessidades na maratona


“Corramos com perseverança”, disse o apostolo sobre “a carreira
que nos está proposta” (Hb 12.1).
Uma maratona é criatura que mastiga e tritura aqueles que tentam
atacá-la com um lance. Maratonistas também falam sobre “bater
contra a parede”. Entre o vigésimo e o vigésimo terceiro quilômetro,
as pernas cedem. Pulmões queimam. Multiplicam-se as razões que
justificam desistir. Multidões animadas não providenciam mais o
combustível inspirativo que davam nos marcadores de
quilometragem anteriores.
Essa experiência não faz os maratonistas pararem de correr, ou a
alertarem com gritos assustados a uma pessoa que tem a intenção
de participar de uma maratona: “Vá embora! No quilômetro vinte e
três você quer deitar e morrer! Por que correr?” Em vez disso, saber
sobre essa parede alimenta nossa educação, nosso preparo e
nosso treino. Em vez de fugir da corrida, eles se lançam a ela,
treinando o que fazer quando chegar a hora.
Em contraste, quando os pastores batem em muros nos seus
primeiros três anos, ou no décimo-quarto ano ou no vigésimo, ficam
indagando se realmente foram chamados ao ministério, como se
algo singular e inesperado estivesse acontecendo com eles.
Quando os relacionamentos, casamentos, pais, novos empregos, ou
pequenos grupos na igreja batem contra a parede, sua primeira
reação é achar que algo está errado. Eles cometeram algum erro, e
têm de desistir.
O que aconteceria se, em vez disso, aprendêssemos a
antecipadamente nomear os muros e falar do ritmo que se requer,
não só para enfrentá-los como também para permanecer além
deles, e caminhar adiante com força até a linha de chegada dos
chamados ao evangelho?
Esquecendo-nos de nossas próprias necessidades na maratona,
sentimos essa espécie de estresse que sente o plantador de igreja
em seus primeiros dois anos, ou o estresse que um jovem pastor
experimenta numa igreja rural, ou o estresse que sente um pastor
com grande potencial e expectações. “Já estou servindo a dois
anos, e ainda temos apenas vinte e cinco pessoas”, diz ele para si
mesmo. “Será que fui chamado? Será que Deus está operando? Eu
deveria me mudar para outro lugar? Cometi um erro ao vir para cá?”
Nossas circunstâncias eram diferentes, mas a crença por baixo do
que acontecia era a mesma. Porque a realidade era menor, mais
vagarosa, dolorida, imperfeita, desconfortável e aparentemente
ordinária, estávamos nos perguntando: “Por quê? O que foi que
aconteceu? Será que estamos fazendo alguma coisa errada?”
Aqueles que foram embora logo estavam fazendo a mesma coisa.
Na verdade, havíamos contratado além da curva. Esta era a razão
pela qual nosso treinador era a situação imediata. Por “curva”, nos
referíamos ao crescimento numérico que viria. Em retrospectiva,
vejo que estávamos nos perguntando: Por que presumimos que viria
em curva? Por que sentíamos necessidade disso? E por que
havíamos achado que se viesse, seria assim tão rápida?
O apóstolo Paulo oferece textos de maratona para o nosso
trabalho pastoral. Os pastores são como soldados que suportam
sofrimento, atletas cujo modo de vida compete de acordo com o que
requerem os regulamentos da corrida; lavradores trabalhando
pesado, entre os terrenos, as estações e as condições climáticas.
Então, Paulo recomenda-nos a “pensar a respeito” do que ele diz
(veja 2Tm 2.3–7). O pastor que medita, necessariamente também
tem de andar mais devagar.
Não é de surpreender, conforme Paulo vê, que necessitemos de
muita força e perseverança, para aguentar as longas distâncias de
maneira cristã, ao nos relacionarmos com os amigos e críticos, nas
tempestades e nos dias ensolarados, nos estouros e na calma. Os
pastores são atletas da corrida da graça, corrida de longa distância.
As congregações oferecem o roteiro que seus corredores na
maratona tomarão.

Paciência como uma virtude pastoral


Este paradigma pastoral estava nos levando a enfrentar frente a
frente uma velha piada dos círculos cristãos. “Ore pedindo qualquer
coisa exceto paciência”, sugere a piada. “Você não quer ver o que
Deus lhe dará se você lhe pedir por isso. Orar pedindo paciência é
muito perigoso”.
Já ri ao contar essa piada. Agora acho que a piada me pegou.
Nunca havia percebido o quanto ela presume erroneamente que é
possível seguir a Jesus sem ter paciência. Ela também presume que
Deus não se importa com a paciência em nossas vidas, a não ser
que peçamos por ela. Tenho estado errado em ambos os casos.
Uma presunção da piada, porém, é verdadeira: frequentemente a
paciência se aprende dentro do contexto de tribulação. As
provações parecem interrupções em nossas vidas, que em outros
aspectos são boas. Mas, mais vezes do que imaginamos, essas
provações se tornam em cachorros que latem contra a impaciência
e a pressa que tentam entrar de soslaio nos salões de nossa vida.
Não veríamos o intruso escondido que procura nos ferir, não fossem
essas latidas de alarme. E a impaciência realmente nos fere. Aos
olhos de Deus, ela nos prejudica mais do que as provações (Tg 1.2–
4).
Experimentamos dor relacional entre as torrentes de amigos que
foram embora à procura de outras igrejas. Também gastamos horas
conversando tarde da noite ou em longos almoços, tomando
decisões em meio à nossa fadiga. Como separar e colocar em
ordem a diferença entre amigos e inimigos em meio ao turbilhão de
reclamações, sofrimentos, e queda livre?
Paulo treinava Timóteo e Silvano nesta obra, e nós encontramos
aqui a sua ajuda: “Exortamo-vos, também, irmãos, a que
admoesteis os insubmissos, consoleis os desanimados, ampareis os
fracos e sejais longânimos para com todos. Evitai que alguém
retribua a outrem mal por mal; pelo contrário, segui sempre o bem
entre vós e para com todos” (1Ts 5.14–15).
“Tenha certeza de que são os indolentes e não os de coração
fraco que vocês admoestam. Seja claro quanto aos desanimados e
não aos indolentes que você está encorajando”, Paulo diz. Então
Paulo revela o que esta obra congregacional do discernimento e
cuidado exigirá: “Quer a pessoa seja indolente, desanimada, ou
carente de ajuda, quer você esteja admoestando ou encorajando a
pessoa, esteja certo disto”: Paulo disse: “Sede paciente com todos”.
Mas, como mostrar paciência em meio a acusações maldosas ou
descaracterizações? Paulo ofereceu a resposta. Mesmo quando
alguém lhes fizer mal, ele os exorta a, em vez de cuspir as emoções
para fora, esperar pelas legítimas. Deverão suportar sua ferida
profunda.
Em nossos dias, isso seria igual a esperar dois ou três dias antes
de responder o e-mail e deixar de usar a fúria de uma mensagem
imediata de voz. Eles (e nós) devem encontrar perspectiva e cura de
uma fonte diferente da gratificação temporária de correr para pagar
pelo mal que foi feito a eles. Devem esperar passar os pensamentos
e emoções até que possam escolher o bem, até mesmo para um
inimigo. Então essa luta pelo louvor, oração e gratidão sem cessar,
em todas as circunstâncias que enfrentam, e a busca por aquilo que
vem do Espírito de Deus (abrindo mão daquilo que não provém
dele) — revelam o caminho tomado pela paciência (1Ts 5.16–22).
“Ora, é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e
sim deve ser brando para com todos, apto para instruir, paciente,
disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de
que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem
plenamente a verdade” (2Tm 2.24–25).
Resistir ao desejo ilusório de defesa, conserto e alívio imediato
não é algo fácil de se fazer de maneira pastoral. Brandura paciente
requer coragem e força. Por exemplo, um e-mail parece uma isca
sedutora para uma briga. Notei que eu não via uma família querida
na igreja por algum tempo. Eu os contatei perguntando como é que
estavam passando. Recebi como resposta um e-mail do chefe da
casa. Eu não via a família porque eles tinham deixado nossa igreja.
Lê-se assim o e-mail: Resumindo, a despeito das muitas boas
experiências que tivemos em Riverside, e das pessoas a quem
realmente apreciamos, resolvemos tentar encontrar uma igreja mais
apropriada ao que entendemos ser nossa necessidade.
Basicamente, estamos à procura de uma igreja onde o evangelho é
muito apresentado; onde a doutrina é abraçada e ensinada, onde
passagens inteiras da Bíblia são apresentadas a cada domingo. Eu
não culpo a Riverside por ser a igreja que é. Ela é uma igreja que
está seguindo a mesma direção que MUITAS igrejas americanas
parecem estar indo. Espero que seja de grande efeito para muitas
pessoas. Só para constar, ainda não encontramos nenhum lugar em
que nos encaixemos. Está ficando muito frustrante, e chegamos a
ponto de tentar (arrepios!) começar uma pequena igreja em casa.
Eu me sinto totalmente despreparado para isso. Mas a coisa é esta:
conheço diversos outros (homens em particular, nenhum deles da
Riverside) que estão igualmente frustrados com a moderna igreja
americana e que conversaram a respeito conosco, e pretendemos
começar outra. Não que tenhamos tempo para isso, e, claro,
nenhum de nós é pregador.
Um e-mail como esse — especialmente durante uma semana ou
estação de múltiplas críticas — nos desafia. Ouvir que eu não
apresento muito o evangelho, não ensino doutrina nem dou
destaque à Bíblia, e que junto com a maioria das igrejas temos
pregado mais sobre sociologia e terapia do que o evangelho, é duro
de engolir. Pode parecer um soco no estômago de tirar o fôlego,
particularmente quando conhecemos a nós mesmos como quem
busca o evangelho aberta e biblicamente em tudo que fazemos. Tais
críticas se tornam ainda mais difíceis quando, no contexto da
amizade, o remetente jamais mencionou antes essas coisas.
Além do mais, não há espaço para falhas ou intenções de crescer.
Quando a perfeição do padrão desejado não for atingida, a pessoa
vai embora, em vez de entrar para trabalhar junto e fazer acontecer.
Finalmente, sair de fininho, sem conversar, e se isolar, é
desconcertante para um pastor. Somos tentados a tomar como uma
declaração pessoal sobre a nossa identidade. Contudo, correr para
me defender, para instruir (não) bondosamente, ou tentar
imediatamente consertar tudo também não é escolha sábia. Prova
ser de nenhuma ajuda. Alguma espera é necessária. Às vezes a
espera vai continuar. O quadro de nenhuma resolução continuará.
Nenhuma solução virá até que venha Jesus.
Toda essa espera durante as partes invisíveis da semana poderá
também penetrar nossa pregação se não tomarmos cuidado. “Prega
a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende,
exorta com toda a longanimidade e doutrina”. (2Tm 4.2) Temos de
resistir à presunção ingênua ou manipulativa de que, só porque
pregávamos ou dizíamos alguma coisa a alguém uma vez, desde
então e imediatamente, elas sempre e eternamente acertarão no
que dizem. Isso é pregação impaciente. A pregação impaciente
capacita o ouvinte a evitar a luta contra uma pergunta — espera que
o ouvinte sempre escute, sinta ou pense do jeito certo
imediatamente; ela presume que crescer em Jesus não requeira
dias, semanas, meses e anos.
O que Paulo ensina a pastores sobre seu trabalho de paciência,
Jesus também ensinava. Aqueles que suportam os ataques do
diabo (Lc 8.11–12), as provações do mundo (Lc 8.13) e os desejos
mal dirigidos da carne (Lc 8.14) exigem paciência em Jesus para
isso. “A que caiu na boa terra são os que, tendo ouvido de bom e
reto coração, retêm a palavra, e produzem fruto com paciência” (Lc
8.15).

Temos de ajudar um ao outro


Eu não era capaz de fazer ou ser isso. Precisava de ajuda, e essa
ajuda veio.
Um furacão tem um olho no centro, onde habita a calma. No meio
das piores tempestades de vento em nossa igreja, aos poucos ficou
claro para mim que no centro de tudo, nossas famílias e líderes-
chave estavam se mantendo firmes. Os seus amigos estavam
saindo. Mas eles, não. Eu não era o único a segurar, tentando
conseguir forças para uma corrida que não queria disputar. Eles
também seguravam as pontas. Sem esse compromisso central de
continuar juntos na distância, não teríamos vencido. Quando a
tempestade bate, é útil avaliar quem está dentro do olho do furacão
e o quê os mantem unidos. Neste caso, foi nossa esperança em
comum do que Jesus ainda poderia fazer em nossa igreja, para o
bem desta comunidade.
Depois da minha peste negra de sermão de páscoa, Joe me
perguntou se poderia almoçar comigo. Conversamos sobre as
nossas famílias, um e outro, Jesus, nossa igreja. No final ele disse
uma coisa pequena que era enorme: “Zack, eu o respeito como
homem, pai e nosso pastor. Estou com você nisso. Vamos fazer
juntos. Observei algo, uma coisinha, e queria saber se você dará
algum tempo para pensar sobre isso”.
“Sim”, eu disse. “Qualquer coisa. Claro”.
“Sabe como na música temos acordes maiores e acordes em tom
menor?”
Acenei.
“Ultimamente, tenho notado que você tem enfatizado os acordes
menores em sua pregação. Não me entenda mal. Precisamos de
graça nos acordes menores. Não sei como eu estaria aqui de pé
agora mesmo se eu fosse você. Você me inspira. Mas talvez haja
um acorde maior ou que possa tocar mais frequentemente do que
está fazendo no momento. Acho que isso pode ajudar a você, e
ajudará também a nós. Você se importa em pensar sobre isso?”
Na verdade, eu pensei nisso. Este presbítero deu-me palavras de
graça, de compromisso e ajuda. Enquanto muitos estouravam em
sua volta, fustigados pelo vento e fora de si quanto ao sermão e
outras coisas, do olho do furacão ele simplesmente falou comigo.
Jamais me esquecerei disso.
Vem à mente o que Paulo falou a respeito de Tito: “nenhum alívio
tivemos; pelo contrário, em tudo fomos atribulados: lutas por fora,
temores por dentro. Porém Deus, que conforta os abatidos, nos
consolou com a chegada de Tito” (2Co 7.5–6).
Paulo e sua equipe sentiram fadiga de corpo, temores internos e
conflitos externos em uma localidade específica. O conforto veio da
maneira menor e quase invisível, principalmente por gastar
pequenas porções de tempo com um amigo. Nós, os sofredores,
não suportamos mais entrar sozinhos nessa maratona.
De fato, quando penso sobre tudo que tínhamos visto em meus
primeiros quatro anos, fiquei maravilhado pela força das mudanças
no grupo-chave da igreja. Eles tiveram quatro mudanças de
liderança em seis anos. Deixaram a estabilidade de uma igreja
maior, mais estabelecida, pelo desconforto de crer que Jesus lhes
daria poder para um novo esforço evangelístico nesta parte da
cidade, para a sua glória. Ainda estavam aqui, esperando. Como
isso poderia ser? Comecei a pensar com os meus botões: E se eles
fossem os verdadeiramente honoráveis? E se sua fé em meio a
esses dias de pequenas coisas revelasse que eram eles as
verdadeiras histórias de sucesso espiritual em nossa comunidade?
Eu os admirei e aprendi com a paciência desse grupo cerne.
Nunca precisei aprender paciência com os que se desviavam. Todos
nós requeremos paciência de outros para conosco. Eu havia
saboreado uma espécie de traição, incluindo o ferrão dos
evangélicos que não estavam nos melhores momentos, quando
sentem um cheiro de escândalo em você. Eu havia sido assustado,
estava com medo de pessoas, particularmente por gente da igreja,
uma novidade desconfortável. Os arranhões emocionais da crítica, a
maior da minha vida e ministério, haviam me levado a, por duas
vezes, apresentar o meu pedido de demissão. Ainda no começo
desse período, a constante vulnerabilidade como pai solteiro parecia
demais. Eventualmente voltei a namorar e me casei, como pastor,
sob o olhar público, às vezes, cruel. Mas estes presbíteros
continuaram a dizer que acreditavam que Deus estava operando.
“Seja paciente”, diziam. “Aguente firme”.
Certa noite, compartilhei meus temores com meus presbíteros.
Lágrimas e temores fluíam, embaraçosamente livres. “Zack”, disse
Ty, “se acontecesse o pior, e esta igreja que amamos fechasse, nós
ainda estaríamos com você, seríamos os últimos a apagar as luzes.
Estamos com você e esperamos que você fique conosco, ainda que
chegue a esse ponto”.
Existe uma estranha doçura que pode ser encontrada entre a dor
de uma ameaça iminente e sem respostas, quando se passa dias
sem aquilo que se sabe seria mais fácil se apenas já o tivesse em
mãos. Diz a paciência às mãos vazias: “Deus está aqui”. A
paciência, que parece de rosto pior, declara: “Deus não vai
abandoná-lo”.

A paciência leva tempo


Estou tentando dizer que Deus fala sobre esse “não abandono” nas
formas menores, quase desprezadas. Frequentemente é em
presença e sentenças como as de Tito; são estes os dons que Deus
nos manda, sussurrando entre o som estridente e barulhento.
Estava sentado com meu amigo pastor em uma cafeteria local que
frequento em Webster Groves. Ele é Quiuí — quer dizer, veio da
Nova Zelândia. Eu sou “Hoosier” — que quer dizer que vim de
Indiana (só que aqui em Missouri a palavra Hoosier tem a conotação
de “não presta para nada”).
Saboreava meu café e começava a sentir pena de mim, ligando
ponto a ponto temas desanimadores. Com o tempo, eu precisaria
resistir e desfazer essas ligações negativas. Também precisaria
conduzir nossa congregação por sua própria necessidade de fazer o
mesmo, para que finalmente saíssemos debaixo das narrativas
velhas e apagadas, que não mais descreviam aquilo em que
estávamos nos tornando e a boa obra que Deus havia realizado
entre nós. Mas isso viria mais tarde.
No momento, meu amigo Quiuí simplesmente escutou com
bondade e calma, enquanto eu entrava em parafuso de
autoabsorção, sofrimento e reclamações. Ele é um homem que
pastoreia em lugares onde as igrejas evangélicas são tão poucas
que às vezes não existe uma igreja na região para os pastores ou
congregantes procurarem. Às vezes os pastores têm de trabalhar
em outra coisa só para conseguir pagar o aluguel. Vivendo naquele
contexto, ele demonstrava uma consideração bondosa e sábia para
com meus pressupostos grandes, notáveis. Pressupostos sobre
tudo que eu imaginava que deveria ter acontecido até agora.
“Zack”, arriscou. “Você se lembra de sua crença de fazer
pequenas coisas, devagar, por longo tempo?”
“Sim”, acedi.
Ele fez uma pausa. “Isso vai levar algum tempo”.
Eu fiquei olhando-o fixamente. Demoramos ali. Ele começou a
sorrir.
A verdade de suas palavras começou a penetrar. Encostei-me
para trás em minha cadeira e fiz um não com a cabeça. Suspirei
fundo e me veio à mente: Ele também come. Comecei a dar meia
risada com a ideia, e ele também começou a rir.
Logo o riso e a graça se encontraram.
A paciência requer paciência.
Ir longe leva mais tempo do que a velocidade.
Às vezes precisamos de um amigo comum, em algum momento
despercebido de impaciência com as orações não respondidas, que
possa nos lembrar disso.
Ibid.
TERCEIRA PARTE | REFORMULANDO
NOSSA VIDA INTERIOR
9 | Uma nova ambição

Todo homem tem dentro de si alguém que deve morrer.


–C W Havia certa vez um homem que se importava
tanto com as árvores que viajava constantemente em favor delas.
Porém, enquanto educava por toda parte e cuidava pessoalmente de
arvores infectadas, de longe e de perto, de tempos em tempos as
tempestades e os enxames varriam a cidade desse homem. As
rojadas sopraram e derrubaram os pinheiros e carvalhos de seu bairro.
Suas raízes locais acabaram ocas e enfraquecidas pela podridão.
Enquanto era respeitado e muito ocupado dispensando sabedoria para
a casca e a folha, as árvores do quintal daquele homem estavam
tombando. Ninguém estava lá para cuidar delas.

Desintoxicação
Quando Jesus começa a nos livrar da tentativa de consertar tudo,
saber tudo, estar em todo lugar para todos, o mais rápido e da forma
mais notória possível, encontramo-nos em situação difícil. Muitas
vezes nos encontramos naquilo que, nos velhos tempos, chamavam
de “noite escura da alma”.24 Temos de voltar para casa e cuidar de
nossas próprias raízes. A ausência de movimento nos desestabiliza.
Uma espécie de detox espiritual toma lugar. Somos como fumantes
que tentam parar de fumar. Resmungamos e andamos de lá para
cá, inquietos.
Até agora, por exemplo, se procurou estar em todo lugar para
todos, você conseguiu passar cada dia utilizando telas tecnológicas,
mídia social, e-mail e telefones, assistindo a mais uma reunião,
apoiando mais outra causa ou agenda, de novo. Inveja, cobiça e
autopromoção estão sempre à espreita aqui. Muitas pessoas o têm
aplaudido por sempre estar dando-lhes apoio. Mas isso também fez
com que as pessoas se sentissem presas a você por sua presença
pegajosa, arrogante, por sua constante autopromoção, ou se
sentissem não confiáveis se tentassem fazer alguma coisa sem
você. As pessoas de casa sentiam que você as deixava para trás ou
sentiam-se abandonadas por sua necessidade de sempre estar em
algum lugar que não onde e com quem você estava. Essa carência
sombria e crescente por precisarem de você é mais aparente para
elas do que para você.
Se você tem se caracterizado como sabe-tudo, até agora
habitualmente passa o dia dependendo do noticiário, das
manchetes, dos blogs, livros, palavras, teologias, comentários,
conferências, vídeos, bibliotecas, apresentações de televisão,
conversas ou salas de estudo. Ser conhecedor das respostas e
daqueles que respondem é o que você usa para passar o dia e fazer
funcionar o seu ministério. A fofoca, a maledicência e a arrogância
também têm espreitado por aqui. As pessoas amam isso e o
elogiam pelo seu modo de manter as suas respostas ao mundo
claras e diretas. Porém, outros começam a se sentir mais usados do
que conhecidos por você. Aprenderam que não podem discordar de
você. Em algum ponto da linha, simplesmente pararam de tentar
contribuir com seus pensamentos. Você perdeu a capacidade de
ficar quieto quando outra pessoa tem um pensamento a contribuir.
Mesmo que concordem com você, é difícil imaginar deixar que
saiam em frente, sem ter certeza de que estão levando com eles os
pensamentos que você emitiu.
Tentados a consertar tudo, ficamos acostumados a reagir
febrilmente, impacientes para encontrar algo, qualquer coisa que
constantemente impeça as pessoas que nos incomodam.
Conseguimos passar cada dia com fortes emoções, quando não
passividade manipulativa veloz e com estardalhaço, junto a uma
constante recriação (“re-creação”) de programas, slogans, sinais,
palavras, pessoas em sua equipe e até mesmo do jeito de arranjar
as cadeiras para resolver problemas. As pessoas têm amado o jeito
que você sempre as manteve se mexendo com os passos que
necessitam par resistir ao desconforto. Mas a impaciência também
tem espreitado por aqui. Você começa a se utilizar de raiva
irrefletida, medo, tristeza ou interrupções. As pessoas começam a
se sentir emocionalmente agitadas, na roda-viva, insuficientemente
ocupadas, e incapazes de fazer o bastante para tornar as coisas
boas para você. Mesmo quando estão bem emocionalmente, você
não consegue acreditar. Perdeu a sua capacidade de lidar com
emoções negativas e começa a encontrar soluções onde não
existem problemas. Feito para uma crise, não sabe o que fazer em
tempo de paz porque você mesmo pouco sabe sobre paz e
quietude. Eventualmente, as pessoas começam a guardar para si os
seus próprios problemas.
Você não somente transmitiu fielmente o bom conteúdo do
evangelho, como também percebe que transmitiu o desconforto mal
dirigido de tentar ser como Deus. Em Cristo, você sabe que é hora
de deixar de lado todo esse aparato. Mas são duas e quinze da
tarde de quarta-feira. A coisa parece pior antes de ficar melhor. Nos
próximos sessenta minutos nada dessa lista vai ajudá-lo, e você
sente o desconforto da saúde.

Olhe para a tela (TV, computador, fone, tablet, aparelho); verifique a


mídia social; verifique seus e-mails; compre qualquer coisa; faça um
telefonema; cheque a sua agenda; encontre qualquer pessoa a não ser
sua esposa e filhos; participe de uma reunião; verifique o noticiário; leia
um livro; verifique uma postagem de um blog; vá até a biblioteca; vá a
uma loja de café; escute um podcast; prepare um sermão; prepare um
estudo bíblico; jogue um jogo; use um aplicativo; crie um programa de
ministério; avalie um método; mexa com a declaração de visão;
elabore um folheto; mexa com os móveis ou cartazes; mude o logotipo
ou algum cartaz; verifique seu orçamento; ponha a sua ira ou seu
temor ou tristeza sobre outra pessoa; diga a primeira coisa que vem à
cabeça; expresse a primeira emoção que sente; coma ou beba ou fale
com as pessoas; procure o noticiário.
Se você não consegue fazer qualquer dessas coisas nos próximos
sessenta minutos, o que sobra para fazer? Não é que tais coisas
sejam ruins. Já vimos que ajudam. Mas quando elas se tornam
aquilo que impulsiona o nosso tempo em vez de suporte para
quando estamos à espera, perdemos de vista o jogo que fomos
chamados a jogar. Tire as muletas e temos de aprender a andar de
novo. Mas como? Primeiro, temos de voltar a uma vida centrada em
Deus.

Interrompendo a Deus
Meus filhos gostam da brincadeira da “vaca interruptora”. Na
brincadeira, a vaca sempre faz “muuu” quando a outra pessoa
começa a falar. A vaca é impaciente. Não pode esperar. Ela
interrompe com a voz certa na hora errada, para que aquilo que a
outra pessoa vá dizer nunca seja ouvido.
Você e eu temos de confessar que nós, os sabe-tudo, conserta-
tudo e em-todo-lugar-para-todos somos as vacas interruptoras. Mas
as nossas interrupções não são brincadeira. Com toda a nossa
atividade ministerial de erroneamente tentar ser como Deus, na
verdade tornamos difícil para as pessoas ver ou escutá-lo. Calvino
deixou isso bem claro. Assustei-me na primeira vez que li isso: Não
ouvimos Deus falando a nós com calma, quando pensamos que
somos muito sábios, mas, por nossa pressa, o interrompemos
quando ele se dirige a nós… e, sem dúvida, ninguém pode ser
verdadeiro discípulo de Deus, a não ser que o escute em silêncio.
Porém, ele não requer o silêncio da escola de Pitágoras, de modo a
mostrar que não é certo inquirir sempre que desejamos aprender o
que é necessário ser conhecido; mas ele quer somente nos corrigir
e restringir nossa presunção, para que não, como acontece
comumente, o interrompamos despropositadamente, e para que
quando ele abrir sua sagrada boca, possamos abrir para ele nossos
corações e ouvidos, e não impedir que ele nos fale.25
Por todos os nossos sermões, estudos bíblicos, declarações de
visão, almoços, reuniões, postagens, podcasts, e sessões de
gerenciamento de igreja, constantemente ouvimos nossa própria
voz. Os outros também. Para muitos de nós, faz muito tempo que
não escutamos a Deus no silêncio, sabendo que era a sua voz e
não a nossa. Fitamos nossa desintoxicação e começamos a
perceber que fomos como um palestrante grosseiro na presença de
nosso anfitrião. A etiqueta requer que o anfitrião dê as boas-vindas
e convide a todos. Somente então é que o anfitrião informa a todos
os presentes sobre a presença de seu porta-voz, que pode
responder quaisquer perguntas ou atender às suas necessidades
naquela ocasião em lugar dele. O porta-voz só fala após o anfitrião
ter falado e então, somente para manter aquilo que o anfitrião
deseja. Imagine como seria para nós, como hóspedes, se o porta-
voz ficasse tentando falar primeiro ou interrompesse aquilo que o
anfitrião estava nos dizendo? Estou tentando dizer que nunca
imaginei que com meu ministério da Palavra de tentar consertar
tudo, saber tudo, estar em todo lugar de modo notório, eu estaria na
verdade, como diz Calvino, “interrompendo a Deus” enquanto ele
fala aos que ele me chamou para servir em seu nome, ou quando
ele está falando comigo. Existe, sim, um “tempo para falar”, mas
também há “um tempo para se calar” (Ec 3.7). Para deixar de lado
esse mecanismo, é necessário conhecer o silêncio que se requer
quando se está na presença do Deus vivo.

Silêncios, não apenas sentenças


Quando iniciei meu trabalho pastoral, os textos formativos foram
“prega a palavra” (2Tm 4.2) e “Faze o trabalho de um evangelista,
cumpre cabalmente o teu ministério” (2Tm 4.5). No decorrer dos
anos eu escrevi extensamente e procurei sinceramente cumprir
esses aspectos essenciais da obra pastoral.26
Mas passei a ver também que nós, pastores, temos a tendência de
“usar muitas palavras”.27 Não estou falando do tamanho do sermão. Sermões
curtos não demonstram necessariamente nada sobre a condição da
vida interior do pastor. Eu me refiro a como nós pastores usamos
palavras para gerenciar nossa família, ministérios ou nos preservar
de enfrentar com vulnerabilidade aquilo que não conseguimos
controlar. Ao longo do caminho, portanto, um texto de sabedoria se
junta a esses outros textos para informar meu trabalho pastoral
diário. “Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem,
pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar” (Tg
1.19).
Ser pronto para ouvir quer dizer que não falamos a primeira coisa,
nem tudo que pensamos (devagar para falar), mesmo quando
estamos certos, mesmo quando somos pregadores ou evangelistas.
Também não damos voz imediata ou ventilamos até mesmo as mais
fortes emoções que pulsam em nosso peito (tardio para se irar), por
mais que sintamos vontade.
Se você não se importa, tome um momento para reler essas
últimas duas frases de Tiago.
Quando Tiago diz “todo homem”, inclui aquele entre nós que prega
e ensina. Mais tarde ele faz essa conexão ainda mais clara. Ele
adverte: “não vos torneis, muitos de vós, mestres” porque estes
enfrentarão juízo mais rígido. Então Tiago identifica nossa
capacidade de tropeçar como motivo para a cautela no ensino (Tg
3.1). Tiago a seguir desenrola metáfora após metáfora para
descrever o perigo de falar muito (Tg 3.2–12). Fica claro o seu
ponto. Falar é perigoso. Os mestres são palradores. Portanto,
grande cuidado tem de ser tomado. Os sábios têm de aprender a
“ouvir” (Pv 1.5) antes de falar.
Jesus possuía tal sabedoria. Ele nos conduz a um aprendizado de
fala secundária. Falamos somente como quem primeiro escutou. A
primeira palavra em cena não é nossa. “Porque eu não tenho falado
por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me tem prescrito o
que dizer e o que anunciar. E sei que o seu mandamento é a vida
eterna. As coisas, pois, que eu falo, como o Pai mo tem dito, assim
falo” (Jo 12.49–50).
A quietude de Jesus não é um tratamento silencioso de
manipulação. Não é uma desculpa para negligência passiva.
Também não é artifício para se evitar as palavras enquanto nos
julga em silêncio. “Simplesmente deixar de falar, sem que o coração
escute a Deus, não é aquietar-se” no sentido desta sabedoria.28 Em
vez disso, Jesus nos mostra que ele aguarda em silêncio pela voz
do Pai. Então ele fala.
“Silêncio nada mais significa do que aguardar pela Palavra de
Deus”.29 Ficamos quietos cedo de manhã porque Deus deverá ter a
primeira palavra, e somos silentes antes de dormir porque a última
palavra também pertence a Deus.30 Passamos a ser mais quietos
antes de falar no decorrer do dia, como se a cada momento, em
cada cenário, aguardássemos ouvir outro em cuja presença
propomos falar. O que, senão esse esperar em Deus na presença
dos outros é nossa alegria e tarefa? A obra pastoral, como a
adoração corporativa (Ec 5.1–3) e oração (Mt 6.7), não é um fórum
no qual multiplicar nossas palavras e escutar nossa voz. Falamos
apenas como quem escuta a voz de outro. Jesus não nos deixou.
Nele encontramos graça restauradora para dizer de sua voz o que o
poeta disse sobre a coruja: “Um som de coruja foi vagando comigo
pela estrada. Eu não a ouvi — respirei-a em meus ouvidos.”31
Marque isso se puder. Os silêncios, não apenas as sentenças,
formam o trabalho do ministério pastoral. Os pastores sábios são
pregadores que escutam.

Ambição por quietude


Quando Jesus pergunta: “Que queres que eu faça?”, começamos de
novo nossa desintoxicação. Aprendemos a dizer: “Por favor, me dê
nova ambição por uma vida calma”. Imediatamente, ouço-me
queixar: “Uma vida calma não vai fazer diferença! Se eu não falar e
fizer acontecer, como é que vou efetuar as mudanças? Se eu deixar
minha voz passar despercebida, como é que serei ouvido? Se eu
não falar, não vão me entender. Se eu não mantiver as coisas em
movimento, quem vai fazê-lo? O que será da obra de Deus?”
Mentores sábios nos pedem uma pausa aqui. Dizem-nos para
escutar o que dizem os pensamentos. Ensinam que nossa queixa
quanto ao silêncio pode expor ambições nocivas que espreitam por
dentro. O velho Matthew Henry disse desta maneira: Temos de
estudar para sermos quietos... Os homens, na maioria, são
ambiciosos da honra de grandes empreitas, e poder, e preferências;
eles as cobiçam, eles as cortejam, eles atravessam mar e terra para
obtê-las; porém, a ambição do cristão deverá ser desenvolvida em
direção à quietude.32
Henry estabelece essa nova ambição nas palavras do próprio
Paulo “e a diligenciardes por viver tranquilamente, cuidar do que é
vosso e trabalhar com as próprias mãos, como vos ordenamos” (1Ts
4.11). Estudar essa tranquilidade inclui disposição de ser ignorado
“lá fora”, abrir mão do que o mundo deseja, a fim de ser fiel a Deus
com a porção que lhe foi dada.
Mas como encontrar forças para ser ignorado no mundo, a não ser
que essa quietude descreva também um sábado do coração a cada
momento com Deus?33 Um coração de sábado descreve uma vida
interior que busca repouso nele. Não tememos perder a atenção do
mundo apenas porque temos prazer na companhia do verdadeiro
tesouro. A atenção dele basta. Nossa confiança está em que ele
mantém coesas todas as coisas. Cremos ser esta a verdade para
qualquer pessoa a quem servimos. Esse descanso interno faz parte
do que nós os ajudamos a cultivar.
Mas, por quê? Porque a quietude desta espécie tem seu lucro.
Quando as circunstâncias nos assediam, estudamos a quietude de
alma para que possamos nos manter inabaláveis “em meio às
maiores provocações”34 e “desigualdades da Providência”.35
Quando as pessoas vêm contra nós como tempestade, com sua
incapacidade de escutar e insistência por falar tudo que pensam e
sentem, descansamos mais solidamente sobre este fato: “Uma
verdade necessária, falada acaloradamente, pode causar mais
danos do que bem, ofendendo ao invés de satisfazer.”36
Suportamos a tempestade e esperamos para reagir, se for esse o
caso, depois que os ventos se acalmarem.
Ouço novamente dentro de mim o resmungar das objeções. “Mas
Paulo escreve essas palavras dentro do contexto particular de
cristãos que lutavam por cuidar de seu lugar local com trabalho de
verdade. Paulo não queria dizer o mesmo que Matthew Henry disse,
de que todos os cristãos devam fazer da quietude o seu estudo e
ambição. Certamente ele não quis dizer que os pastores deviam
fazer isso. Os pastores não devem se tornar ambiciosos por uma
vida calma! Supõe-se que eles façam a diferença!”
As palavras de Henry voltam para mim e eu me pergunto: “Se,
sendo pastores, nós não devemos estudar para sermos calmos, isso
quer dizer que, ao contrário dos outros crentes, nossa tarefa é
estudar para sermos barulhentos? Somos intencionados a insistir
com os outros a essa espécie de descanso interno por entre as
provocações da vida, quando nós mesmos não a possuímos? E
nessa murmuração, você não está se esquecendo, Zack, que sob
sua vocação como pastor, você é um cristão ordinário, que precisa
colocar seu coração para descansar em Deus — não por amor de
seu ministério, mas por amor de sua própria vida?”
Ainda mais, Henry não identifica a quietude com tom de voz ou um
dia passado entre os lírios para repousar. Por mais significativos que
esses possam ser, Henry conecta o repouso interior com nossa
consciência. “Estamos acostumados a dizer: ‘Eu daria tudo por uma
vida calma’ — Eu digo, qualquer coisa por uma consciência
calma”.37
Não é nossa consciência o nosso agitador? Ela grita para nós, e
nós, febrilmente, procuramos saber como consertar e ser mais
rápido possível, a fim de assegurar ao nosso ser interior ou àqueles
a quem servimos que somos suficientes e que nosso ministério é
bom. Alvoroçamo-nos ao tentar ser como Deus porque não
sentimos sensivelmente que seja bom e aceitável não ser assim.
Talvez agora nos sintamos desconsertados. Em Eclesiastes 9.17,
a palavra “em silêncio” carrega a ideia de confiança ou descanso em
contentamento.38 A primeira vez que você tenta passar um dia
inteiro sem acesso a nada exceto a Deus em um centro de retiro
local, você começa a se inquietar até ficar frustrado. Ficar parado
entre os silêncios nos faz parecer crianças começando a andar,
quando entram no berçário domingo pela manhã. No momento em
que nosso pai ou mãe nos deixa ali, sentimo-nos abandonados. Ou
explodimos em choro raivoso ou nos agarramos a qualquer pessoa
ou coisa ou promessa que nos segure.
Charles Spurgeon, velho pregador batista, explica a razão. “Alguns
homens não suportam a quietude”, diz ele, “porque isso revela sua
pobreza interior”. Tire as muletas que usamos para manter de pé
nossa persona conserta-tudo, sabe-tudo e sou onipresente, e as
pernas quebradas de nossa intimidade com Deus se dobram. “Por
mais valioso que seja o dom de elocução”, diz ele, “a prática do
silêncio em alguns aspectos o excede em muito”. Ele acrescenta:
Estou persuadido de que a maioria de nós considera demais a fala, que é,
afinal, apenas a casca do pensamento. A calma contemplação, a adoração
em silêncio, o enlevo sem palavras... não roubam de seu coração os
mares profundos da alegria; não deixem de alcançar a vida nas
profundezas por tagarelar para sempre entre as conchas quebradas e os
surtos espumantes da praia.39
A quietude é um meio da graça de Deus. Dentro dela, Deus nos
mostra nossa pobreza interna e nossas ambições mal dirigidas. Ele
esperou pacientemente, com calmo coração, enquanto nós
fervilhávamos nossa vida com tempestades e espumas,
constantemente o interrompendo. Agora que finalmente estamos em
silêncio, ele tem cura para proclamar, consertos a realizar. Ficamos
agarrados no conserto dos outros, no saber e ser tudo e no estar em
todo lugar o mais depressa possível, com a maior fama possível,
como o pequenino que não consegue passar um dia sequer sem
seu cobertorzinho de consolo. Mas chega uma hora quando a
criança tem de amadurecer em sua sabedoria e aprender a dormir
sem ele. A primeira noite e dia tentando fazer isso é uma horrível
desintoxicação. Mas logo vem o descanso, e a liberdade abençoa a
todos na casa.

As provocações de um pastor
A este respeito, dois velhos pastores e um mais jovem nos dão bom
conselho sobre nosso processo de desintoxicação. Sei muito bem
que cada um desses pastores mais velhos era imperfeito; também,
que eles talvez representem tradições das quais você discorde. Mas
ser um pastor imperfeito, ou até mesmo profundamente errado, não
é sinal de não ter nada certo ou bom em Cristo para nos dizer. Vejo
isto toda vez que prego. Então, continue escutando se puder. Temos
ajuda sábia aqui.
1) Os limites do seu chamado revelam o cuidado pastoral de Deus
por você.
João Calvino quer que saibamos que para nos proteger de virar
nossa vida de cabeça para baixo com as ansiedades, empenhos,
anseios mal dirigidos, arfadas e colisões precipitadas, “cada
indivíduo tem sua própria espécie de vida designada a ele pelo
Senhor, como uma espécie de posto de sentinela, para que ele não
vagueie sem rumo e sem cuidado”.40
É quarta-feira, duas da tarde. Você tenta se aquietar. Mas então
você imagina o chamado de outra pessoa e queria que tivesse o
mesmo chamado dela. Você tenta atravessar os limites de suas
atribuições e ajunta para si as responsabilidades dela também. A
calma não se encontra aqui. Não por muito tempo. Abra mão disso.
Confie na paz de Deus para você. Não é “pequeno alívio dos
cuidados, labores, problemas e fardos para um homem saber que
Deus” tem dado a ele esse posto específico de sentinela neste
tempo. Ao se libertar de tentar fazer algo que Deus não pediu que
você fizesse, ele quer que você experimente sua contente
“consolação”. Saber que essa posição lhe foi dada por Deus o torna
capaz de “suportar e engolir o desconforto, a vexação, o cansaço e
as ansiedades em seu modo de vida”, pois pelo menos você está
“persuadido que este fardo foi colocado” sobre você “por Deus”.41
Noutras palavras, até mesmo a vocação pastoral faz parte do
cuidado pastoral de Deus por aqueles a quem ele chamou. Assim,
estou em meu escritório em Webster Groves na segunda de manhã.
Os céus estão nublados com chuva e gelo, a semana começa
gelada. Ao contrário de fazer outra coisa grandiosa que imagino
para mim, Jesus também está aqui vestindo seu casaco de frio.
Estava acordado antes de mim. Tem trabalho para ser feito nessa
cidade do Missouri. Por seus propósitos, ele me chamou, e não
você, para entrar nesse trabalho cheio de alegrias e de lágrimas
com ele. Se ele é quem chamou, o trabalho deve ser importante. Se
eu sou a pessoa para fazer isso, deve haver uma razão sábia. Isso
quer dizer que tenho trabalho que é importante para fazer, mesmo
se em toda a minha vida eu nunca conseguir fazer o trabalho que
você realiza — o trabalho valioso que você tem para fazer ali fora e
que às vezes eu, irrequieto e ingênuo, imagino que me faria mais
feliz ou mais significante. Por favor, me perdoe. Tenho orações a
fazer por pessoas sobre as quais você nunca ouviu falar. É melhor
eu continuar com essa boa obra do dia. É melhor você também
continuar com o que você tem a fazer.
2) Ao tentar tanto não perder nada, na verdade produzimos aquilo
que tememos.
João Cassiano descreve ministros inquietos não só pelo chamado
dos outros como também por seus dons. “Eles ouvem pessoas, as
quais são comentadas, devido ao zelo ou virtude que não a sua
própria”.42 Qualquer coisa que outro ministro faz bem torna-se
ocasião, não para nossa gratidão a Deus pelo outro ministro e pela
causa do evangelho em nossa geração, mas para torcermos as
mãos e nos pressionar porque agora teremos de igualar ou fazer
melhor aquilo que o outro ministro consegue fazer. Se nós não
conseguirmos realizar o que todos os outros fazem o tempo todo,
acreditamos que de alguma forma somos fracos no ministério.
Quando tentamos agarrar os dons que Deus não nos deu,
perdemos a calma e aumentamos nosso “tumulto espiritual”,
desejando inquietamente “assumir buscas diferentes de” nossa
própria tarefa. Porém, essa inquietação é “perigo mortal” afinal, “às
vezes acontece que aquilo que alguns fazem corretamente, outros
imitam erradamente”.43
Portanto, lembre-se: “é impossível que um único homem brilhe
com destaque” em todos os dons dados na lista de Paulo. “Se
alguém tenta buscar todos esses dons simultaneamente,
necessariamente acontece que, ao correr atrás de todos, não
recebe realmente nenhum deles, e nessa mudança e variedade
constante, obtém-se perdas e não ganhos”.44 Noutras palavras,
perdemos todo dom agradável que Deus já tinha para nós. Não
enxergamos tais deleites porque eles já estão diante de nós.
3) Menor sempre é melhor do que maior, a não ser que, e somente
no caso em que Deus nos impulsione.
Perdemos o descanso da alma quando acreditamos que o maior é
sempre melhor. A serpente nos tenta a acreditar que alguns lugares
são mais importantes que outros, que algumas pessoas são mais
significantes que outras, e que nossas estratégias e nossos dons
são respostas mais valiosas do que o sábio chamado de Deus.
Mas em Lucas 14.7–11, Jesus instrui aos que o seguem que
busquem os lugares mais baixos à mesa, não os mais altos. Francis
Schaeffer aponta que muitos pastores acreditam no oposto do que
Jesus ensina. Em nosso modo de pensar, “somos tentados a dizer:
‘Tomarei o lugar mais alto porque isso me dará mais influência por
Jesus Cristo”. Mas Jesus nos ensina que devemos tomar o lugar
mais baixo, a não ser que o próprio Senhor nos desloque para o
maior.45
Somos tentados a assumir algo “grande” a nossos olhos ou aos
olhos de outros em nome de Deus, perdendo-o totalmente de vista.
O lugar menor não somente nos torna capazes de tomar lugar à
mesa com gratidão e humildade, como também nos capacita a
sentarmo-nos diariamente à sua presença, comer do seu alimento,
ouvir suas palavras, alegrarmo-nos nele. Quem iria querer deixar
este lugar? Assumimos papéis maiores sem termos força para tanto,
a não ser para desapontar as pessoas importantes que esperam por
nós ali. Afinal de contas, se formos para a posição maior, faremos
isso rebaixando-as para que nós e elas ainda possamos escutar a
Deus. Então, tome o assento menor, o assento que lhe permite tal
presença com Jesus, em vez daquele lugar que tiraria de você essa
calma. Somente vá até lá se aquele que chama estiver indo com
você. Somente vá até lá se você estiver pronto, não importa o
tamanho do lugar, para permanecer em seu compromisso com os
menores, com as coisas que geralmente são despercebidas em
Jesus.
A maioria de nós não possui categoria para aquilo que acabei de
dizer. Na maior parte de meu ministério pastoral, eu também não
tinha. Precisamos de ajuda, e o socorro vem. Os pastores precisam
do pobre homem sábio.

Entregadores esquecidos
Em Eclesiastes 9.13-16 lemos a história de um pobre homem sábio
que certa vez libertou uma cidade pequena, com pequena
população, de ser violentamente tomada por um rei arrogante. O rei
e o seu exército atacaram, viram a pobreza daquele homem e o
consideraram irrelevante, não prestando atenção a ele. Mas esse
poderoso rei subestimara a sabedoria. O rei foi logrado pelo pobre
homem sábio e foi derrotado. O pequeno grupo de pessoas e seu
pequeno lugar no mundo foram salvos!
O que você supõe que aconteceu em seguida? Eu imaginei uma
história de pobreza para riqueza, em que esse homem que livrou a
cidade se tornou célebre. Mas nessa história bíblica, aquilo que
muitos de nós tememos aconteceu mesmo. A cidade esqueceu-se
dele. Esta não era uma plataforma para maior relevância. Não é
necessário dizer que para mim este não foi um texto de teologia
pastoral no começo de meu ministério. Você pode me culpar?
Observe o obituário.
Toda sua vida, ele viveu com muito pouco, em um pequeno lugar,
no meio de pequeno número de pessoas, fazendo um bem que
ninguém lembrava.
Mas note o que Deus fala a respeito desse pobre homem sábio e
sua vida de vitórias não lembradas: “melhor é a sabedoria do que a
força, ainda que a sabedoria do pobre é desprezada, e as suas
palavras não são ouvidas. As palavras dos sábios, ouvidas em
silêncio, valem mais do que os gritos de quem governa entre tolos”
(Ec 9.16–17). Leia de novo, sim?
O rei, como a loucura, era barulhento. Fazia alarde de sua fama
(grande), posição (rei), recursos visíveis (levantou grandes
baluartes), poder (força), e seguidores (sitiou a cidade) (Ec 9.14).
Em contraste, o homem que ouviu em silêncio, esse homem de
Deus, era pobre. Um homem pobre só possui seu próprio e humilde
ser a oferecer. Não há gritaria em sua aparência. Neste caso, sua
pobreza era física, não emocional ou mental. Sua falta tinha a ver
com bens materiais e aparências, não substância ou graça.
A obra pastoral requer presença. Quer sejamos introvertidos ou
extrovertidos, rurais ou urbanos, de grandes igrejas ou igrejinhas
pequenas, nossa tentação de resistir à presença humilde
permanece a mesma. Somos propensos, erradamente, a seguir o
grande governante nessa história sobre sabedoria do que seguir o
pobre homem sábio. Nós nos apresentamos como quem conserta
as coisas, sabe das coisas, que está em todo lugar e é rápido para
curar. Mas o sábio de Eclesiastes nos redireciona. A pobreza do
homem sábio significa que não podemos usá-lo por seu dinheiro,
status, posição política, poder, realizações, ou pessoas que ele
possa conhecer, as quais poderão ajudar com as conexões e rede
de contatos com outras pessoas. Não há nada que esse homem
possa nos oferecer no mundo, exceto seu testemunho de Deus, a
integridade de seu caminho e a graça em sua vida. Essas duas
diferentes maneiras de ser representam dois poderes contrastantes
para nossa confiança — o poder da estultícia versus o poder da
sabedoria. Sabedoria é encontrada na presença humilde do pobre
homem. Assim também, o poder de Deus.
Agora eu me encontro pedindo a Deus nos domingos pela manhã:
“Senhor, livra-me de orar e pregar nalguma espécie de voz de
pregador. Salva-me para que eu ore e pregue com a voz que tu
ouves nas vigílias da noite ou no dia em que clamo a ti e não há
mais ninguém por perto.”
Também estou pedindo a Deus que me livre de achar que eu deva
oferecer engano com minha presença, para que eu seja bem-
sucedido no ministério do evangelho. Peço a resistência de ser
esquecido, até mesmo na igreja, por aqueles que não estavam
buscando o que é humildemente sábio. Estou pedindo isso porque
não tenho capacidade em mim mesmo de fazer qualquer dessas
coisas. Mas Jesus tem. Embora ele fosse alguém de quem “os
homens escondem o rosto”, ele carregava sobre si as nossas dores,
levando nossas tristezas, sendo ferido por nossas transgressões, e
moído por nossas iniquidades. Do nosso tolo ponto de vista, nós o
“reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido”, e buscávamos
salvação em outro lugar. Mas o castigo que nos trouxe a paz estava
realmente sobre ele o tempo todo, e por suas pisaduras somos
sarados — mesmo aqueles entre nós que éramos como ovelhas
desviadas do caminho (Is 53.3–6)! Jesus é o pobre homem sábio,
afinal de contas, não é mesmo? O pobre que libertou aqueles que
se esqueceram dele. Ele salvou nossa cidade no silêncio, e nos
conclama a uma relevância de uma espécie diferente.

Solitude, presença hospitaleira, sabedoria


Quando constantemente interrompemos o que Deus está dizendo
aos nossos corações, interrompemos a solitude — o senso de que
estando a sós com Deus não somos solitários, mas estamos
verdadeiramente com ele, da maneira como nós somos e como ele
é. A solitude aguarda palavra e direção. Ela nos torna capazes de
tratar de tudo que gira em nosso interior e de discernir entre a sua
voz e a nossa, a sua voz e as vozes dos que nos cercam, para que
respondamos a ele em vez de reagir ao pensamento e às emoções
que vêm de primeira mão. A calma solitude do coração com Deus
graciosamente nos transpõe de reações para respostas.
Acrescentamos ainda que, quando constantemente interrompemos
o que Deus está dizendo aos que nos cercam, estamos
interrompendo a hospitalidade. Por “hospitalidade”, não me refiro a
pôr uma mesa e colocar comida gostosa sobre ela. Estou me
referindo ao que essa figura indica. Somos capazes de dar boas-
vindas a outros seres humanos exatamente como eles são, mesmo
quando eles creem ou dizem, e se pareçam ou cheirem diferente do
que nós queremos que sejam. A hospitalidade nos transpõe
graciosamente de sermos pessoas consumidoras para lhes dar
boas-vindas, sem consertar, saber ou ser para eles aquilo que só
Deus pode ser e fazer.
Quando constantemente interrompemos o tempo de Deus nas
circunstâncias que nós e outros enfrentamos, estamos
interrompendo a sabedoria. Sabedoria é “o temor do S ” (Pv
19.10), o reconhecimento de que Deus nos precede a cada
momento e sua voz a respeito desse momento é verdadeira. O
tempo de Deus, os seus valores, as coisas menores e em sua maior
parte desprezadas, mas que importam, nem sempre nos parecem
eficientes, grandes ou imediatas.
Nas nossas tentativas de fazer por Deus, sem esperar por ele,
perdemos nossa solitude, nossa capacidade de tratar o próximo
com hospitalidade, em vez de usá-lo como nossa plataforma ou
nosso plano estratégico, e, com isso, perdemos a capacidade de
esperar com discernimento pelo tempo e o modo de Deus. Tornamo-
nos reativos, consumidores dos outros, apressados, e tudo isso para
Deus. Isso quer dizer que somos propensos também a ensinar tais
qualidades aos outros.

Com Jesus, sozinho com o Pai


Não estou falando nada disso de modo trivial. Sou um homem
ansioso. Surtos de pânico ou depressão são características minhas.
Acrescente a isso minhas ambições, inquietação por qualquer coisa
exceto o silêncio com Deus. Essas coisas assombram minha alma e
encontram aplauso mal dirigido por todo lado que olho. Não se
engane. Um coração calmo é uma graça dada e pela qual se luta
com nosso Senhor. Ore comigo, está bem? Aqui, na desintoxicação
resistente ao que significa finalmente aquietar-se. Lembre-se de seu
Salvador. Ele sabe o que é ser desprezado, esvaziado, estar
dolorosamente sozinho. Mas ele nos diz que não está sozinho.
Mesmo no lugar de maior desolação, o Pai lhe fazia companhia (Jo
16.32). Assim, deixe que o velho pastor Richard Baxter reconte essa
promessa de solitude para você também. Em Cristo, não importa
por quanto barulho e gritaria, em nosso pecado, tenhamos sido
consumidos, nós também podemos dizer, agora mesmo, pela graça:
“Não estou sozinho porque o Pai está comigo”.46
Permita, então, que Baxter provoque sua fé em uma declaração.
Talvez você sinta o terrível desconforto da saúde. Permita que eu
lhe diga palavras bondosas. Neste momento, se você se encontra
em um deserto em vez de em sua cidade preferida, numa prisão em
vez de em um palácio, saiba o seguinte: quando estamos com o Pai,
podemos dizer, sem sermos banais ou ingênuos: “Que este deserto
seja a minha cidade, e essa prisão o meu palácio, enquanto eu
habito a terra”. Enquanto eu tiver essa companhia com Deus isso
“não é desvantagem”, ainda que “por olhos mortais eu não seja mais
visto”.47
Assim, enquanto barulhentos reis fazem algazarra e as multidões
aplaudem, a relevância fala humildemente no lugar desolado. Na
quietude Deus é ouvido e começa o conserto.
S. João da Cruz, Noite escura da alma, (Dark Night of the Soul; Nova York, Doubleday,
1999).
João Calvino, “Commentary on James 1:19–21,” em Commentaries on the Catholic
Epistles, trad. John Owen, Christian Classics Ethereal Library, acessado em 28 de abril de
2015, http:// www .ccel .org ccel calvin /calcom45 .vi .ii .vi .html ?scrBook = Jas & scrCh = 1
& scrV = 19 #vi .ii .vi –p 9 .1.
Ver meu Preaching to a Post-Everything World: Crafting Biblical Sermons That Connect
with Our Culture (Grand Rapids, MI: Baker, 2008); e Kindled Fire: How the Methods of C. H.
Spurgeon Can Help Your Preaching (Ross-shire, UK: Mentor, 2006).
Henri Nouwen, The Way of the Heart: Connecting with God Through Prayer, Wisdom, and
Silence [O caminho do coração: conectando a Deus mediante a oração, sabedoria, e o
silêncio], (New York: Ballantine, 1981), 48.
Richard Foster, Celebration of Discipline: The Path to Spiritual Growth, (New York: Harper
San Francisco, 1988), 86.
Dietrich Bonhoeffer, Life Together: The Classic Exploration of Christian Community, (New
York: Harper San Francisco, 1988), 84–85.
Ibid., 85.
William Stafford, “Malheur Before Dawn,” em Even in Quiet Places [Sentimentos maus
antes da madrugada: Mesmo em lugares calmos], (Lew¬iston, ID: Confluence Press,
1996), 49.
Matthew Henry, “A Discourse Concerning Meekness and Quietness of Spirit” [Discurso
sobre mansidão e quietude de espírito], em The Complete Works of Matthew Henry, (Grand
Rapids, MI: Baker, 1997), 133.
Ibid., 109.
Ibid., 134.
Ibid.
Ibid, 107.
Ibid, 127.
Michael A. Eaton, Ecclesiastes, Tyndale Old Testament Commentaries (Downers Grove, IL:
InterVarsity, 2009), 150.
Charles Spurgeon, Lectures to My Students (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1954), 51.
João Calvino, Institutas, trad, Ford Lewis Battles (Philadelphia: Westminster, 1960), 2.3.10.
Ibid.
João Cassiano, Conferences: The Classics of Western Spirituality [Conferências: os
clássicos da espiritualidade occidental], trad. Colm Luibheid (New York: Paulist Press,
1985), 158.
Ibid.
Ibid.
Francis Schaeffer, No Little People [Não há gente pequena], (Wheaton, IL: Crossway,
2003), 29
Richard Baxter, Converse with God in Solitude [Conversa com Deus na solidão], (New York:
C. Wells, 1833), 153–54.
Ibid., 100-101.
10 | Contemplando
Deus

Deus é um bem deleitoso.


–T W

Quietos com Deus na presença de nossa solidão, crescemos na


solitude do coração.
Calmos com Deus na presença das pessoas, damos boas-vindas
hospitaleiras.
Tendo quietude com Deus na presença de nossas circunstâncias,
damos a todos uma chance de sabedoria.

Um propósito diferente
Quando fazemos do estudo da quietude a nossa ambição, e
propomos nos tornar pregadores que escutam entre as coisas que
têm importância, surge um problema severo para nossa abordagem
ao ministério. Se nosso propósito como pastores for realizar grandes
coisas de maneira notória, o mais depressa possível, para que todos
se mobilizem a fazer grandes coisas, consertando tudo, sabendo
tudo e estando em todo lugar para Deus, esse nosso propósito e a
quietude estão em contraposição.
Tenho necessidade de ver como o estudo da quietude e da
vocação pastoral andam juntos. Encontrei ajuda em Isaías 50.
Destaco o versículo 4:

OS Deus me deu língua de eruditos, para que eu saiba dizer


boa palavra ao cansado. Ele me desperta todas as manhãs, desperta-
me o ouvido para que eu ouça como os eruditos.

Nosso tema do último capítulo volta aqui. Deus é quem toma a


iniciativa. Ele nos desperta a cada dia. Ele nos ensina na solidão a
falar a outros como quem foi ensinado. Falamos como aqueles que
escutam diariamente a Deus. Mas por que este servo sofredor
acorda e escuta no ritmo matutino a iniciativa de Deus? Ele nos diz
claramente: “para que eu saiba dizer boa palavra ao cansado”.
Os cansados estão no fim da linha. Não lhes restam recursos que
os sustentem. Do que precisam essas pessoas “cansadas” e
“exaustas”? Saber que existe alguém que “faz forte ao cansado e
multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor... os que esperam
no S renovam as suas forças, sobem com asas como águias,
correm e não se cansam, caminham e não se fatigam” (Is 40.28–
31).
Jesus cumpre e assume essa conversa. Como servo sofredor,
aprendeu diariamente do Pai como fazê-lo, e o fez (Mt 11.28–30). A
presença hospitaleira (sustentando aquele que está cansado) é
possibilitada pela solitude do coração com Deus (a cada manhã ele
me acorda).
O apóstolo Paulo aprendeu de Jesus esse mesmo propósito e
habilidade da graça. “A vossa palavra seja sempre agradável,
temperada com sal”, disse Paulo. Mas, por quê? “Para saberdes
como deveis responder a cada um” (Cl 4.6). Falamos do que é bom
“para edificação, conforme a necessidade”. Por quê? “Para que
assim, transmita graça aos que a ouvem” (Ef 4.29).
Quando Jesus pergunta: “O que queres que eu faça?” Colocamos
em nossa lista a pregação que também ouve. Pedimos para estudar
a quietude. Agora, acrescentamos: “Ó Senhor, concede que, no fim
de meus dias, eu tenha aprendido de ti como sustentar com a
palavra aquele que está cansado”. O propósito da quietude com
Deus é dar hospitaleiras boas-vindas àqueles que se encontram
cansados.
Quando Jesus emprega todas as formas de silêncio e de
sentenças, “jamais esmagará a cana quebrada, nem apagará a
torcida que fumega” (Is 42.3). Em meus anseios por fazer grandes
coisas para Deus eu não teria identificado esse propósito como
meu. Tal propósito soa pequeno demais. É como dizer que quero
ser pastor porque minha grande ambição na vida é aprender a
ajudar uma pessoa comum em sua luta por encontrar a Deus. Dou
risada com pesar e abano a cabeça. Diga-me: quando aconteceu
que uma vida com o propósito de ajudar pessoas comuns em suas
lutas ordinárias a encontrar a Deus tornou-se coisa
demasiadamente pequena?

Um modo diferente de aprender


Para aprendermos a ter ambição por quietude, a fim de sustentar os
cansados de modo hospitaleiro, teremos de ajustar ou expandir o
modo como aprendemos.
Uma história antiga descreve um jovem que implorou a um velho
sábio: “Ó mestre, por favor, seja meu professor”. A partir daquele
momento o velho sábio convidou o moço jovem a acompanhá-lo por
onde quer que fosse e em tudo quanto fazia. Depois de algum
tempo, o jovem ficou impaciente, pois embora o mestre recebesse
muitos visitantes e frequentemente lhes desse conselho, o velho
sábio nunca falou da mesma maneira para o jovem. Finalmente, o
jovem não suportou mais isso. Gritou: “Mestre, dei tudo para seguir
o senhor! Por que o Senhor não me ensina como ensina aos
outros?”
O velho sábio escutou com compaixão e respondeu: “Você não
sabe que em todo momento que você gasta comigo tenho lhe
oferecido o meu ensino? Tudo que faço e digo, quer em público,
quer em particular, está claramente diante de você.”
O jovem permaneceu frustrado e confuso. Depois de um
momento, de repente, o velho sábio gritou: “Diferente de meus
outros alunos, o que você recebe de mim, recebe diretamente!”
Naquele momento, foram abertos os olhos e o coração do
jovem.48
Na história, um dos seguidores de Jesus teve experiência similar.
Jesus disse a Filipe e aos outros que eles conheciam Deus Pai, e o
viram. Confuso, Filipe disse a Jesus: “Senhor, mostra-nos o Pai, e
isso nos basta”.
Jesus respondeu:

Há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me


vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês que eu
estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo
não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz
as suas obras. Crede-me que estou no Pai, e o Pai, em mim; crede ao
menos por causa das mesmas obras (Jo 14.4–9).

É como se Jesus dissesse, em resposta: “Que outras de minhas


palavras, obras e modo de ser vocês precisam para aprender, que
eu já não tenha oferecido ao dar-lhes acesso íntimo à minha vida
diária?”
É quase como se Filipe só soubesse prestar atenção às multidões
que se ajuntavam, ao ensino público e às palavras diretas. Filipe
não sabia que era necessário discernir o Pai também nas sombras
surgidas devido a coisas maiores e mais importantes. Nas sombras
que via das coisas pequenas de Jesus, e em sua maior parte menos
atraentes.
Se quiser aprender quietude, você terá de estar atento às graças
implícitas e entediantes que transbordam de vida bem à nossa
frente. Pregadores que escutam aprendem a contemplar.

Aprendendo novamente a contemplar


O verbo contemplar é usado numerosas vezes nas Escrituras.
Contemplar é parar tudo mais por um momento a fim de fixar
completa atenção sobre alguma coisa. Meditativamente,
demoramos nessa situação para que a partir da contemplação
silenciosa possamos discernir a relação de Deus com tal situação e
obter dele o significado.
Os sábios, como o pobre sábio do nosso último capítulo,
aprendiam a contemplar a criação e as criaturas de Deus, incluindo
as condições da criação (Pv 24.31), os caminhos das pessoas em
seu pecado (Pv 7.10), as dores das pessoas contra as quais outros
pecaram (Ec 4.1), e as operações interiores do nosso coração
diante de Deus (Pv 24.12).
Essa comunidade de sabedoria também buscou contemplar a
Deus em sua providência, incluindo as obras de Deus na história (Sl
46.8), a boa provisão de Deus na vida comum (Ec 5.18), a verdade
de algo bom que está sendo vivido em nossa experiência (Sl 133.1),
a boa presença de Deus em nosso favor a cada momento (Sl 33.18)
e a promessa do auxílio de Deus (Sl 54.4).49 Por todos os
Evangelhos, Jesus chama-nos a contemplar desses modos sábios.
Quando fazemos isso, aquilo que antes era confuso para nós por
causa da aparente proximidade, pequenez e simplicidade, entra
graciosamente em foco entre as coisas que têm importância.
Contemplar a Deus em todas essas mudanças diárias muda nosso
modo de aprender e altera aquilo que olhamos. Começamos a
escutar e olhar as pessoas de modo a ajudá-las a encontrar o que
de outro modo seria a “não aparente presença de Deus”.50 A
contemplação nos leva a dizer, pouco a pouco, que pela graça

Agora estão abertos os ouvidos de meus ouvidos. Agora abertos estão


os olhos dos meus olhos.51

O trabalho pastoral contemplativo, sob essa perspectiva, arranja e


trata todas as coisas do ponto de vista do temor do Senhor, de
modo a contemplar a Deus com reverência e gratidão como nosso
criador, governador, o único que cura e o verdadeiro intérprete de
qualquer coisa que conheçamos com respeito a tudo que existe, em
qualquer lugar e tempo que estejamos.
Em tudo isso, estamos dizendo basicamente duas coisas. (1) “O
principal cuidado e solicitude de nossa vida é buscar a Deus, aspirar
por ele com todos os afetos de nosso coração, e não encontrar
repouso em nenhum outro lugar senão somente nele”;52 e (2) as
pessoas precisam de sua ajuda pastoral para encontrar a Deus,
para que elas também encontrem nele seu descanso.

Contemplar muda a forma de estarmos


com as pessoas
Em ocasiões de crise, não se pode evitar a rapidez, mas, como
norma diária, a contemplação nos conduzirá a fazer uma pausa
entre reuniões (e telefonemas e e-mails) para escutar e orar. Como
isso lhe parece?
Para começar, você confessa que essa reunião não poderá
consertar todas as coisas, não possui todo conhecimento, não
consegue ser tudo para uma pessoa, nem oferece alívio completo e
final. É só Jesus que mantém juntas e dá subsistência a todas essas
coisas (Cl 1.17).
Em seguida, você lembra que Deus precedeu aqueles que você
encontrará. Ele é ativo com as pessoas com as quais você vai se
encontrar (quer elas saibam, quer não) muito antes delas chegarem
em seu gabinete, e a atividade divina nelas continua depois que
forem embora. Isso nos diz pelo menos duas coisas. (1) O encontro
dos outros com Deus não começa nem termina quando você se
encontra com eles. (2) Consequentemente, você não é a parte mais
central ou importante dessa reunião. Deus é. Deus está permitindo
que você assista junto a outros que ele amou e seguiu por todos os
outros dias.
Assim, agora, antes das reuniões, estou aprendendo a pedir que
Deus “abra portas” e me dê graça para saber o que dizer se alguma
coisa deve ser dita (Cl 4.2–6). Após a reunião, também estou
aprendendo a fazer uma pausa para oração. Sei que a atividade
diabólica se junta aos cuidados e pesares do mundo, tentando
sufocar qualquer coisa boa que tenha sido dita (Mt 13.19–22).
Durante a própria reunião há também “pausas entre as sentenças
e os parágrafos”, às vezes desajeitadas. Afinal, como foi Deus que
nos precedeu, eu não devo tomar a frente desse encontro, pelo
menos não em primeira mão, exceto para convidar-nos a escutar
enquanto conversamos. Assim como é estultícia um paramédico
chegar em cena sem verificar diversos sinais antes de correr para
uma ação prescritiva, o sábio ou servo sofredor contemplativo não
propõe respostas sem primeiro ter escutado, questionado e
meditado. Nós escutamos palavras e pausas. Não temos intenção
de deixar nenhuma delas cair ao chão duro.53 Pelo menos ainda
não. Nós as ajuntamos todas, como se fosse para o Senhor, que
está presente. Pedimos que ele ponha essas palavras em ordem e
faça disso tudo o que ele quiser.
Então, poderia dizer: “Eu já o ouvi dizer isso antes”. “Um momento
atrás, também o ouvi expressar outra coisa”, acrescento. Então,
faço uma pergunta ao levantar esses dois fios de sentenças. Agora
estou escutando tanto quanto eles estão ouvindo. “Já notou como
essas suas sentenças parecem conectadas (ou são desconexas)?
O que você supõe que Deus quer lhe mostrar acerca dele em tudo
isso?”
Ao nos tornar mais atentos a esses fios, uma passagem da
Palavra de Deus, ou secundariamente, um apoio à Palavra de Deus,
uma analogia da criação de Deus, uma cena ou história sobre a
providência de Deus poderá vir à mente. Isso não significa que
estamos certos nem que tenhamos resolvido a questão. Ainda não
sabemos se esse versículo, analogia ou cenário é o certo para esse
momento, se é nascido de nosso próprio engano ou iluminado de
forma maravilhosa para que, por seu Espírito, nosso caminho em
Jesus seja clareado.
Talvez um longo e desajeitado silêncio resulte dessa pergunta.
Estou aprendendo a resistir à tentação de encher todos esses
silêncios. Em vez disso, começo a orar internamente e esperar. Eles
encontram suas palavras. Eu as ouço. Agora as sentenças vêm
mais livres. Ele é aquele a quem buscamos, afinal. Ali, em
comunidade, ancorados por sua Palavra, escutando em meio aos
silêncios, aguardando, pedindo, buscando o Cristo sempre presente,
muitas vezes experimentamos o encontro com ele! Paulo afirma
“para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar,
bem que não está longe de cada um de nós” (At 17.27).
Não sou bom nisso, mas recentes comentários me instigam a não
desistir. “Fiquei surpreso por esse encontro”, ele me disse.
Tínhamos acabado de gastar uma hora e quinze minutos almoçando
juntos.
“Você não olhou para seu relógio nenhuma só vez”, ele continuou.
“Tenho tentado falar do meu coração rapidamente. Calculava que
você iria me apressar ou então ficar sentado impacientemente
comigo, com pressa de ir a seu próximo encontro”.
O que ele disse em seguida me comoveu. “Senti que estava sendo
ouvido com um ser humano”, ele disse. Em seguida parou e sorriu.
“Sabe, quase nunca tinha me sentido desse jeito. Muito obrigado”.
Pode ser que nem todo encontro seja assim. Às vezes, momentos
de crise requerem respostas de sala de emergência. Nem todos que
se encontraram comigo podem dizer o que esse homem disse.
Tomar o tempo para resolver com oração, por amor de escutar
pastoralmente e contemplar a Deus enquanto nos encontramos com
outro ser humano não é natural para mim. Mas é natural para
aquele a quem seguimos. Como embaixadores e pessoas que
podem discernir, entramos na história dos outros dizendo: “Vá mais
devagar. Olhe aqui, escute; Deus está lhe mostrando quem ele é.”
As sábias palavras de Deus, ouvidas no silêncio, livram a ambos.

Contemplar muda o jeito que oramos


pelos outros
Fazer essa espécie de transição tem sido mais difícil do que eu
pensava, mas não porque o chamado para orar e escutar não esteja
claro. “E, quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério
da palavra” (At 6.4), disseram com clareza os apóstolos. Dedicar-
nos é fazer com que algo seja nossa responsabilidade, a tarefa em
volta da qual gira tudo mais. Não tem nada confuso quanto a isso.
Mas bem cedo ainda, pensei nessa obra pastoral da oração e da
Palavra principalmente nas suas formas mais visíveis e públicas.
Imaginava as orações públicas que eu faria domingo pela manhã,
em frente ao ajuntamento da multidão prestes a adorar (2Tm 2.1),
ou em como fez Jesus quando orou de modo público e sacerdotal
(Jo 17.1–26). Pensava na palavra em termos dos sermões que
pregaria. Não entendia que a vocação do pastor com a oração, a
Palavra e seu cuidado muitas vezes é invisível, escondida com
Jesus, em momentos um a um ou de pequenos grupos ocultados
dos olhos de nossa congregação, procurando contemplar a Deus
nas providências individuais de um ser humano comum.
Assim, eu subestimava em muito onde uma vocação de oração,
Palavra e de entrar nas dúvidas e perguntas de outro ser humano
pode nos conduzir. Debaixo de uma ameixeira ou encharcado de
chuva ao lado da sepultura de uma criança; em um estacionamento
ou numa varanda de uma casa, num banheiro de deficiente ou num
tribunal de sofrimento; em um hospital de desconhecidos ou num
bar. Eu não imaginava um elevador ou ao lado de uma lareira, num
salão de festas ou numa rua de tumultos e protestos. Ou em pé ao
lado de carros com janelas arrebentadas por ladrões, quebradas
como as mentes daqueles da ala psiquiátrica que procuravam a
minha mão. É aqui que leva a contemplação. Ele nos conduz aos
lugares desconhecidos pelo mundo, por amor de gente
desconhecida ao mundo, para que saibamos que Deus está
conosco, mesmo que seja eu. Então, sinceramente em oração,
“lutamos para descer às profundezas do coração e de lá buscamos
a ele, e isso não somente com a língua ou garganta”, mas com
nosso coração, do jeito que estiver.54
Tomamos esse trabalho de contemplação, feito ali pela providência
daqueles a quem servimos, de volta conosco para nosso escritório.
Aprendemos a buscar a Deus por aqueles que servimos, mesmo
quando não estamos com eles. Contemplamos o quanto são
amados por Deus. Como a própria Bíblia está cheia de orações,55
talvez ajuntemos esses trechos das Escrituras, tomando o nosso
diretório da igreja. Andando pelo templo vazio, pela vizinhança ou
no silêncio sob a luz de vela numa manhã gelada, lemos uma
sentença de uma oração dada na Bíblia e voltamos essa sentença
para louvor e petição em favor da família ou do indivíduo.
Enquanto fazemos essa obra de contemplação pela oração, o
telefone continua a tocar, e-mails ainda chegam, as exigências não
param, e quase todas soam mais urgentes e promissoras de minha
produtividade do que isso. Afinal de contas, “dirigir a igreja”, por
mais importante que seja, parece mais produtivo e afirmador do que
simples contemplação silenciosa. Mas tal sentimento mente para
nós. Os dois tipos de trabalho são importantes.
Assim, fazemos nossos salmos ao Senhor, não de modo
autoritário para todo o povo de Deus como fez o Rei Davi, mas
como aluno em sua escola de oração, clamando nossas orações em
resposta ao que nos confronta a cada dia.56 Esse tipo de salmo
pode às vezes parecer uma confusão.
Batem à porta de meu escritório. Levanto do chão de onde estive
ajoelhado em oração, encostado no fundo da cadeira de meu
Papaw, aquela em que ele me segurava quando eu era menino.
Pego um lencinho de papel, assoo o nariz, e abro a porta. “Ei!
Entra”, digo. Então acrescento: “Não ligue para mim. Eu estava
apenas chorando, só isso”.
“Ah”, ele diz. “Você está bem? Devo voltar mais tarde?”
Quero dizer sim. Tenho medo de ser conhecido como eu sou. Mas,
pela graça, estou aprendendo a escolher a fé e dizer: “Ah, não se
preocupe. Algumas lágrimas valem à pena chorar, não sabe? Entre.
Estou ansioso por compartilhar um tempo com você”.
Essas cenas são aves raras na minha vida — incomuns de se ver,
mas belíssimas quando vistas.
Contemplar muda o modo que nos encontramos com
Deus
Às vezes acendo uma vela. Encosto contra a parede do meu
escritório ou sento na poltrona de couro gasta do meu Papaw.
Talvez seja umas duas horas da tarde. Leio uma promessa da
Escritura — “Ele cuida de vós” (1Pe 5.7). Dou graças pelo que diz.
Confio na promessa, o que quer dizer que abro meu coração para
ela. A Palavra de Deus ilumina meu caminho. É minha verdadeira
lâmpada. Em seguida digo algo como: “Aqui estou, Senhor. Tu és
meu amor, meu deleite. Quero te conhecer e lançar sobre ti os meus
cuidados. Quero confiar que tu cuidas de mim e daqueles a quem
amo e sirvo”.
Então, tento aguardar sem palavras por um momento na presença
daquele que me ama e me enxerga em segredo. Mas, nos primeiros
poucos minutos, a minha mente não está silente. Os pensamentos e
sentimentos que passaram sem ser notados por entre o tagarelar do
dia agarram a oportunidade e surgem altos para a superfície
enquanto eu tento me acalmar. A primeira rodada desses
pensamentos é como a espuma do refrigerante ou a nata no leite.
Tiramos para obter o que está por baixo. Assim, tomo cada
pensamento que procura angariar minha atenção, não importa o que
seja, tolo ou terrível, comum ou orientado para o cumprimento de
tarefas, biblicamente errado ou teologicamente sadio, eu o
transformo em oração, dizendo de cada um: “Ouço-me neste
pensamento, Senhor, e o trago a ti. Deixo-o contigo”.
Ao levar cada pensamento a ele, estou fazendo o que Pedro
ordenou: “lançando sobre ele todos os vossos cuidados, porque ele
cuida de vós” (1Pe 5.7). Lançar nossos cuidados é como enfiar a
mão numa pilha de roupa misturada para lavar, separando cada
pano, e colocando de volta cada peça onde deve ser posta. Ou
vasculhar uma velha garagem cheia de ferramentas espalhadas por
todo lado. Uma a uma, eu pego na mão cada ferramenta e a entrego
a Deus, e ele a coloca onde ela deve ser guardada. Conforme disse
Calvino, essa oração é como “uma comunicação entre nós e Deus,
onde expomos a ele nossos desejos, nossas alegrias, nossos
suspiros, em todos os pensamentos de nosso coração.”57
Ora, o primeiro estouro de pensamento foi limpo. É importante
saber que muitas vezes, após limpar a espuma e antes de beber
profundamente em oração a sós com Deus, o tédio, a mente
inquieta, sentimentos de tempo desperdiçado, e sentimentos de
ansiedade corroboram numa gangue que procura nos assaltar, fazer
qualquer coisa diferente do que estamos fazendo. Eles nos picam
como mosquitos, e queremos nos levantar, apagar a luz e fazer
qualquer coisa, menos isso.
Ao invés disso, eu o convido a permanecer firme. Preciso que
você também insista que eu faça o mesmo. Vamos enfrentar nossos
estouros ou nossas almas pegajosas numa desintoxicação
deliberada. Com a bondade e misericórdia de Jesus diante de nós,
olhemos novamente para o livro aberto à luz de vela; permitamos
que entre a mentoria do homem sábio.

Conversas imaginárias
Contemplar a Deus em oração nos oferece uma espécie de
resistência às conversas imaginárias também. Esaú se confortou e
consolou com o pensamento de matar seu irmão Jacó (Gn 27.42).
Ele imaginou a cena repetidas vezes, e essa conversa imaginária
ofereceu um console torto para seu ser interior.58
Sabemos que estamos em uma conversa imaginária quando
ferimos e falamos a nós mesmos sobre outra pessoa, usando a
segunda voz e não a terceira presença de Deus, como se o amigo
que o traiu estivesse ali de pé ao seu lado. Ele passa da linguagem
de terceira-pessoa (ele) à de segunda pessoa (tu):

Com efeito, não é inimigo o que me afronta; se o fosse, eu o


suportaria; nem é o que me odeia quem se exalta contra mim, pois
dele eu me esconderia; mas és tu, homem meu igual, meu
companheiro e meu íntimo amigo. Juntos andávamos, juntos nos
entretínhamos e íamos com a multidão à Casa de Deus (Sl 55.12–14).

O que fazemos quando nos encontramos falando constantemente


com uma pessoa, de formas imaginárias, ao invés de falar
diretamente com Deus sobre nossa dor? Paramos em meio à
sentença ou damos um basta ao e-mail que estávamos prestes a
mandar. Voltamo-nos ao Senhor que está presente e fazemos de
nossa ansiedade uma conversa em tempo real com ele. Pode ser
que façamos isso cinquenta vezes num dia. Podemos esperar e
nem mandar aquele e-mail agora. Não importa. Jesus está conosco,
fazendo-nos aprendizes que voltam todas as ansiedades
diretamente ao Pai. Foi esse o seu jeito também (Hb 5.7).

Contemplar muda nossa definição de uma hora


silenciosa
Sugiro que estar a sós com Deus por uma hora requer uma
mudança de metáfora. Uma hora de silêncio semelhante a uma sala
de aula tem o seu lugar. Nós a utilizamos para obter mais
informação da Bíblia, e isso é bom. Sem a informação correta da
Bíblia nosso caminho não tem luz.
Mas a solitude do coração no deserto nos relembra de que “está
escrito” não era questão de informação mental para Jesus, e sim a
fonte pela qual ele manteve intacta a sua identidade. Ele foi às
palavras do Pai porque o diabo as desprezava. O diabo não
descartava a existência, a verdade ou a utilidade da Palavra de
Deus. O diabo descartava o amor do Pai pelo Filho contido nelas.
“Se és filho de Deus”, o diabo zombou. Você não é filho do mesmo
modo que Jesus. Mas não se engane, você é um amado filho de
Deus em Cristo — real e verdadeiro. Você luta contra um inimigo
que quer causar dúvida quanto a quem você é para o Pai.
Assim, siga a Jesus para o deserto como estrutura de referência
para a sua hora silenciosa. Escreva ou anote todas as razões
armazenadas em seu pensamento quanto a não ser mais amado
por Deus, ser deserdado como filho. Olhe para o Pai por meio de
sua Palavra, contemplando seu amor por você em Jesus. Nesse
tempo silencioso você luta contra as mentiras quanto a ser amado.
Coloca sua confiança nas promessas de Deus.
Também fale abertamente ao Pai sobre o seu desejo de estar em
todo lugar para todos. Afinal de contas, para vir ao Pai pela
contemplação das suas palavras, Jesus teve de confiar ao Pai as
opiniões de outros, e você, em seu pequeno modo, terá de fazer o
mesmo. Desaparecer por quarenta dias no deserto naquele
momento não era algo sem sentido para Jesus. As pessoas
comentariam. Sem telefone ou computador, eles ficavam se
indagando, e ele não tentou gerenciar o desconforto deles. Jesus
não estava em todo lugar para todos, e sim, com o Pai, no deserto,
com a Palavra.
Essa coisa toda de deserto era também vagarosa: “quarenta dias
sendo tentado pelo diabo” (Lc 4.2). Todo osso e músculo do corpo
viciado no imediatismo vai retorcer e doer. Nenhuma resposta vem
rapidamente aqui. Um dia terminado no deserto pode ser seguido
por outro e ainda outro mais. Nesse tempo de hora silenciosa você
leva seus anseios pelo imediato ao Pai, para ser curado.
Jesus poderia consertar sua fome se apenas tomasse o pão (Lc
4.4). Jesus poderia provar que era Filho de Deus se apenas se
lançasse para baixo (Lc 4.6). Ele poderia ser o rei celebridade e
possuir todas as coisas e habitar todo lugar (Lc 4.5). Jesus peneira
essas feias acusações, tentações, memórias, temores e mentiras,
detecta a voz do Pai e fica de pé ali, entre as sentenças. “Está
escrito”, ele afirma. Por este ato, Jesus faz o que não conseguimos,
para que também possamos separar as coisas no silêncio, quando
as sentenças afirmarem tudo diabólico, bestial, e estéril, tentando
nos dilacerar e desviar da verdade. Esta é uma hora silenciosa de
diferente espécie, de pensamentos não falados e emoções que não
ventilamos por causa de nossa tentativa de rapidez em vez de
escutar. Mais uma vez, aprendemos nesse tempo de silêncio no
deserto que somos amados. Dali voltamos, “no poder do Espirito”,
ao lugar que nos foi dado (Lc 4.14–15).

Contemplar muda nosso jeito de ir à


Palavra de Deus
Escrevi extensamente sobre o ministério da Palavra em outro
lugar.59 Aqui, menciono apenas três implicações para a
contemplação de Deus quando nos aproximamos de sua Palavra.
Primeiro, o velho pastor e professor presbiteriano Archibald
Alexander descreve nosso estudo da Bíblia como um estudo que
espera receber a impressão que Deus intencionava que suas
palavras tivessem sobre nossa alma. “Não é o crítico, o teólogo
especulativo ou polêmico, o mais propenso a receber a impressão
certa”, diz Alexander, “mas o cristão humilde, simples de coração,
cristão contemplativo”.60
De acordo com Alexander, quer sejamos o “mais culto crítico” ou o
“mais profundo teólogo”, temos de nos aproximar da Bíblia como
quem “aprende aos pés de Jesus com o espírito de uma criança”.61
Somos pupilos de Maria, aprendendo dela a escolher a Jesus como
porção, escutando e aprendendo a seus pés, não importa quão
importante nosso mundo eclesiástico diga que somos (Lc 10.39–42).
Quando a tentação de ser tudo, nos apreende com a velocidade,
aos poucos nos voltamos à Bíblia simplesmente como caixa de
ferramentas para fazer funcionar nossos programas ou para tornar
os nossos sermões aplaudíveis, em vez de serem iguais às palavras
do nosso Amado, as quais ajudam qualquer um a encontrar o
caminho para casa.
Mas Deus nos perdoa. Que ele nos recupere mais uma vez, para
que aprendamos novamente a abrir a Bíblia não como “livro comum,
com coração comum e irreverente; mas no pavor e amor por Deus,
seu autor”.62 Abrimos o livro não para contemplar o livro, mas aquele
que é revelado a nós na Palavra. Logo, a Bíblia se torna novamente
para nós como o destilar dos favos, mais doce do que qualquer
lucro material ou status deste mundo (Sl 19.10).
Segundo, precisamos da ajuda um do outro para nos lembrar de
que somos como o eunuco etíope, que diz, quando nossas Bíblias
estão abertas: Como entenderei se não tenho quem me guie? (At
8.31). Dependemos uns dos outros na comunidade, como esse
etíope dependeu Filipe. Amamos os livros e comentários, podcasts
e conversas que nos ajudem a entender as palavras de Deus.
Contudo, não devemos nos esquecer que enquanto é uma honra
para um autor ter pessoas que abram o seu livro, o citem
detalhadamente, e passem horas falando a outros sobre o que
pensam ser o significado do autor, seria estranho, até mesmo rude,
se toda essa atividade ocorresse enquanto o autor estivesse
presente na sala e ninguém falasse uma só palavra com ele e nem
olhasse em sua direção. Contemplar a Deus em sua Palavra é
perguntar diretamente a ele qual seu significado. Vem à mente uma
parábola do deserto:

Os irmãos vieram a Abba Antônio e apresentaram-lhe uma passagem


de Levíticos. O velho saiu para o deserto, seguido secretamente por
Abba Ammonas, que sabia ser este o seu costume. Abba Antônio
retirou-se para longe e ficou ali orando, clamando em alta voz
contemplativa: “Deus, envie Moisés, para me fazer entender estes
dizeres”.63

Richard Baxter disse-o claramente: “Antes e depois de ler a


Escritura, ore sinceramente para o Espírito que a inspirou exponha a
Bíblia a você”.64 A sabedoria de um velho pastor vem também à
mente: “Se aspiramos sinceramente a uma autêntica contemplação
de Deus, eu digo que temos de ir para a palavra”.65
Contemplar o fruto de um sonho
Mas, às vezes, estações de severas provações tornam essa
contemplação de Deus em sua Palavra impossível. Não
conseguimos encontrá-lo. Mas ele nos encontra. Um raro cenário de
meu próprio deserto estéril vem à mente. Eu havia colapsado em
uma pilha de orações feias, entre lencinhos amassados sobre o
chão da sala. Caí no sono e sonhei.
No sonho, deveria pregar, mas minha mente estava tão exausta
que não conseguia achar um texto bíblico. As pessoas que
esperavam pelo sermão eram sensíveis à minha condição
desalinhada. Cada um me chamava ao Salmo 138. Alguém veio até
o púlpito e pacientemente ajudou-me a encontrá-lo. Esta cena
parecia se repetir, de modo que, quando acordei, sentia como se
tivesse sonhado isso a noite inteira. As palavras do “Salmo 138”
acenderam a luz do sol em meu coração.
Sentei-me no chão da sala de estar e tomei minha Bíblia. Já
estava aberta e amontoada pelos lencinhos usados na noite
anterior.
Nas últimas semanas eu havia chorado como quem estivesse só
em um cômodo vazio, caindo mortas ao chão as minhas palavras,
sem ninguém a não ser os corvos para escolher entre suas
carcaças. Contudo, cada palavra agora deixava sua calorosa
impressão — como se ele fosse meu e eu dele, e de alguma forma
as suas palavras naquela página fossem realmente presentes de
amor por mim. Chorei ao ler:

Render-te-ei graças...
te cantarei louvores...
No dia em que eu clamei, tu me acudiste,
e alentaste a força de minha alma.
OS é excelso, contudo, atenta para os humildes;
os soberbos, ele os conhece de longe.
Se ando em meio à tribulação,
tu me refazes a vida;
estendes a mão contra a ira dos meus inimigos;
a tua destra me salva.
O que a mim me concerne o S levará a bom termo;
a tua misericórdia, ó S , dura para sempre;
não desampares as obras das tuas mãos. (Salmo 138)

Aquele dia todo eu guardei essa porção da Escritura como uma


carta de amor. Acariciei cada palavra, sentindo os ternos beijos de
verdadeiro amor sobre os lábios, rosto e testa da minha alma.
Sentime criança acolhida nos braços fortes do meu Pai, de coração
alegre, que proveria por mim e promoveria a minha causa, mesmo
correndo risco próprio. Nenhuma das minhas circunstâncias havia
mudado. Destroços dignos de lágrimas e calúnia ainda latiam como
os cachorros do vizinho debaixo das minhas janelas e portas. Mas,
eu não estava só. O Senhor estava perto. Pela primeira vez em
muito tempo, eu sabia que isso era verdade. Eu gostaria que você
visse não tanto o sonho em si, mas o fruto dele. Foi-me dada uma
palavra para sustentar-me em meu cansaço.

Contemplando a Deus em nossa sala de estar


A primeira vez que tive contato com essa obra de contemplar em
oração, na Palavra, e no cuidado das coisas comuns, eu não
percebi. Estava segurando um ursinho de pelúcia. “Vamos fazer
nossas orações”, disse Mamaw ao sentar-se ao lado de minha
cama. Eu fechei os olhos e juntei as mãos.
“Agora deito para dormir”, eu disse. “Peço ao Senhor que guarde
minha alma. Se eu morrer sem acordar, peço a ti, Senhor, para
minha alma levar”. Eu era criança e orava como uma criança.
Mas, trinta anos mais tarde, havia na casa de Mamaw e Papaw um
descanso restaurador. Passava a noite tendo em mente a Mamaw.
“Se eu morrer sem acordar” não era mais uma distante oração de
um menino com seu ursinho de pelúcia.
“Vamos orar”, sugeri. Sentamos sobre velhas cadeiras. Mamaw
parecia inquieta.
“Está tudo bem?”, eu lhe perguntei.
Ela parecia assustada e disse, como prestes a confessar-me um
pecado ou acontecimento terrível: “Hoje eu orei por mim mesma”.
Os lábios tremiam. Os olhos marejavam.
“Você acha que isso está certo?”, perguntou. “Acha que Deus
aceita que eu ore por mim mesma hoje?”
Como neto de Mamaw, isso me tocou profunda e ternamente. Em
todos esses anos que orava pelos outros, Mamaw jamais arriscou
fazer uma oração em seu próprio favor? Eu estava atônito de amor
por ela.
Mas como um homem, um pastor, sentia-me empolgado e
fortalecido para me inclinar, olhar direto nos seus olhos e sussurrar
palavras de graça e direção espiritual à sua terna consciência.
“Sim, Mamaw, está bem em Jesus você orar por você mesma. O
Senhor que a ama anseia ouvir as suas orações, mesmo as que têm
a ver com você. Pode lançar todos os seus cuidados pessoais sobre
ele porque ele tem cuidado de você.”
Ela acenou com a cabeça e nós choramos, sorrimos e
contemplamos.
Depois do enterro de mamaw, recebi de presente a sua Bíblia. Ela
está em minha mesa enquanto escrevo.
Ela deixou marcadores de livro em diversos lugares. O marcador
da casa de repouso está em João 17. O cabeçalho da Bíblia de
estudo diz: “Jesus ora por si mesmo”. Mamaw marcou com um
círculo esse cabeçalho.
Outro marcador está em Isaías 53, que prediz Jesus como homem
de dores. Mamaw destacou com amarelo todo o capítulo.
Outro marcador está no Salmo 130. “Das profundezas clamo a ti,
S . Escuta, S , a minha voz; estejam alertas os teus
ouvidos às minhas súplicas” (vv. 1–2).
Em minha memória eu a vejo ali, à porta da morte, perguntando o
que significa agradar o seu Salvador com a oração. Percebo agora
que ela não estava perguntando só para mim, mas perguntava
sinceramente a Deus, indo de promessa em promessa na sua
Palavra. Quem sabe os remédios, a fadiga, o câncer e o medo
faziam mais difícil de ouvir a voz de amor, mais difícil de contemplar.
Assim, nesta oração e Palavra trabalhando juntos, penso sobre o
lugar onde estávamos — numa sala com cheiro de casa de repouso
de idosos, balançando em velhas cadeiras, com uma história de um
longo amor, necessitando localizarmos juntos a Deus.
Penso comigo mesmo: Isto é um dom, esse momento pequeno,
quase despercebido entre as coisas importantes. Um dom, digo eu,
porque Deus estava ali para ser encontrado, e foi achado.
Adaptado de Henri Nouwen, Spiritual Direction: Wisdom for the Long Walk of Faith [Direção
espiritual: Sabedoria para a longa caminhada de fé], (New York: Harper Collins, 2006), 4.
A contemplação também pode pedir a Deus que pause e cresça em atenção fixa a um
anseio de nosso coração ou um compromisso ou uma condição de nossa vida (Sl 17.2;
39.5; 84.9; 119.40).
M. Craig Barnes, The Pastor as Minor Poet: Texts and Subtexts in the Ministerial Life [O
pastor como poeta menor: textos e assuntos na vida ministerial], (Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 2009), 22
E. E. Cummings, “Walking on Water” [Andando sobre a água]
João Calvino, Instruction in Faith [Instrução na fé] (Louisville, KY: Westminster, 1992), 21
Leighton Ford, “Wholly and Holy Listening,” [Escutando santamente e inteiramente]
trabalho não publicado, Mentoring Gathering [Ajuntamento de mentoria], (Maio 2014), 5.
Calvino, Instrução na fé, 57.
Para uma lista completa das orações na Bíblia, veja, de Herbert Lockyer, All the Prayers of
the Bible http:// gospelpedlar .com articles Christian %20Life /Prayer .pdf.
Veja, por exemplo, os Salmos 3; 7; 18; 30; 34; 52; 54; 56; 57; 59; 63.
Calvino, Instrução na fé, 57 (ênfase acrescentada).
Mesmo que a conversa imaginária tenha em mente um fim positivo, como a conversa
imaginada entre o filho pródigo com seu pai, nossas conversas unilaterais são pobres
substitutas para fazer salmos. Faz-nos adivinhar erradamente como o outro poderá
responder. Inadvertidamente, nós projetamos sobre eles aquilo que não é verdadeiro. O
filho, por exemplo, só podia imaginar o desdém do pai, o não ser mais filho e sim, escravo
(Lucas 15.18–19).
Zack Eswine, Preaching to a Post-Everything World [Pregando em um mundo pós-tudo],
(Grand Rapids, MI: Baker, 2008) e Kindled Fire: How the Preaching Methods of C. H.
Spurgeon Can Help Your Preaching [Fogo ateado: Como os métodos de pregação de C.H.
Spurgeon podem ajudar na sua pregação], (Ross-shire, Reino Unido: Christian Focus,
2003).
Archibald Alexander, Thoughts on Religious Experience [Pensamentos sobre a experiêcia
religiosa], (1844; repr. Edinburgh: Banner of Truth, 1989), 162.
Ibid.
Richard Baxter, A Christian Directory, vol. 1, Christian Ethics, (1846; repr.
Morgan, PA: Soli Deo Gloria, 1996), 477.
The Sayings of the Desert Fathers, [Os dizeres dos Pais do deserto], trad. Benedicta Ward,
(Kalamazoo, MI: Cistercian, 1984), 7.
Baxter, A Christian Directory, 478.
João Calvino, Institutas, trad. Ford Lewis Battles (Philadelphia: Westminster, 1960), 1.6.3.
11 | Encontrando o nosso ritmo

Você pediu cargas para levar — e como reclamou quando elas foram
colocadas sobre os seus ombros! Será que tinha imaginado outra
espécie de cargas?|
–D H

Emocionalmente, às vezes trabalhamos um dia inteiro em apenas


uma hora.
Gastamos uma semana inteira de preocupação em nossas
orações, e é apenas quarta-feira.
Sempre me disseram: “Cuidado com as emoções — não pode
confiar nelas”.
Mas eu acredito que meus pensamentos não são menos volúveis
que as emoções, e são tão impacientes por atenção quanto elas.

O fardo por e o fardo de


Uma ambição por quietude nos conduz a aprender a contemplar a
Deus. Calma contemplação muda o nosso ritmo. Um compasso
propício às condições que enfrentamos pode nos ajudar muito,
porque ansiedades estão chegando.
As ansiedades me encontraram bem antes de me tornar pastor.
Como dizia meu pai: “Eu as consegui honestamente”. Surtos de
ansiedade aparentemente salpicam a biologia de meus parentes.
Acrescente a isso meu próprio quinhão de traumas providenciais, e
esses sentimentos ansiosos de quem parece ter formigueiro nas
calças, que rastejam, tremem e picam não são surpreendentes. O
que pode surpreender é que entrar no ministério pastoral não nos
livra da ansiedade. O apóstolo Paulo deixa isto bastante claro:
“Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente,
a preocupação com todas as igrejas. Quem enfraquece, que
também eu não enfraqueça? Quem se escandaliza, que eu não me
inflame?” (2Co 11.28–29).
Os pesos podem ficar parados como esgoto estagnado em nosso
porão ou como um rio cujas margens transbordam e chegam ao
campo próximo de nossa casa. Qualquer dia as águas fétidas terão
de ser enfrentadas. Mas o sofrimento e os pesos nem sempre são
ocasião de crise. Às vezes o fardo da pessoa é como os dedos com
artrite. Aprendemos a abrir o vidro de picles ou a abrir a torneira a
cada dia, com estremecimento. Nosso trabalho pastoral nos leva
aos fardos que outros suportam, e também aos nossos próprios.
Esses pesos geralmente vêm em duas formas: fardos por e fardos
de.
Sentimos o fardo por:
• Nossas famílias: “Eis que se chegou a ele um dos principais da
sinagoga, chamado Jairo, e, vendo-o, prostrou-se a seus pés e
insistentemente lhe suplicou: Minha filhinha está à morte; vem,
impõe as mãos sobre ela, para que seja salva, e viverá” (Mc
5.22–23).
• Nossos vizinhos e igrejas: “Além das coisas exteriores, há o que
pesa sobre mim diariamente, a preocupação com todas as
igrejas” (2Co 11.28).
• Ministros colegas: “para que eu não tivesse tristeza sobre
tristeza” (Fp 2.27).
Temos fardos que vêm de:
• Pecado pessoal: “os pecadores, dos quais eu sou o principal”
(1Tm 1.15).
• Limites e orações não respondidas: “Por causa disto, três vezes
pedi ao Senhor que o afastasse de mim” (2Co 12.8).
• Nosso corpo: “... por causa do teu estômago e das tuas
frequentes enfermidades” (1Tm 5.23).
• Nossas famílias: “E, quando os parentes de Jesus ouviram isto,
saíram para o prender; porque diziam: Está fora de si” (Mc 3.21).
• Membros de igreja: “Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos
males” (2Tm 4.14).
• Colegas pastores: “Alguns, efetivamente, proclamam a Cristo por
inveja e porfia” (Fp 1.15); “Houve entre eles tal desavença, que
vieram a separar-se” (At 15.39).
• Vizinhos: “como surgisse um tumulto dos gentios e judeus,
associados com as suas autoridades, para os ultrajar e apedrejar”
(At 14.5).
Uma vez, após dirigir o louvor e a pregação, andamos até o
estacionamento e descobrimos que vários carros tiveram os vidros
quebrados e pertences pessoais roubados de dentro deles. Quando
eu fazia o seminário, imaginava sermões poderosos pelos quais as
pessoas agradeceriam, enquanto as multidões se ajuntariam com
apreço, mas provavelmente não pensava no cuidado pastoral de um
pregador que escutasse, tomando uma vassoura para limpar o vidro
quebrado em meio à chuva, e com humilde presença, abraçasse um
ser humano que rompia em lágrimas. Encontramos ajuda financeira
para consertar os carros que foram vandalizados e mobilizamos
visitas por causa dos pensamentos amedrontados. Esses fardos da
vida oferecem a nós pastores um profundo privilégio. Conseguimos
ver a ação misericordiosa de Deus de primeira mão e
repetidamente. Mas também podemos nos esgotar se não tivermos
ajuda, desanimados pela ironia de constantes pesos e batalhas
espirituais. (Por exemplo, o sermão daquela manhã foi em Efésios
4.28: “Aquele que roubava não furte mais”).

A cada momento
Jesus trata as nossas ansiedades pedindo que as coloquemos em
compasso de um dia de cada vez, por toda a vida. “Portanto, não
vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus
cuidados; basta ao dia o seu próprio mal” (Mt 6.34).
Enquanto meu papaw laborava com pulmões cheios de líquido na
última estação de sua vida, eu telefonava para ele.
“O que é que você sabe, jovem?”, ele dizia. Eu podia escutar o
chiado da respiração destroçada em sua voz.
“Estive pensando em você, Papaw. Como vão as coisas pra você
hoje?”
“Ah, estou indo. As coisas são o que são,” ele dizia. “Não adianta
reclamar, né?”
Então ele acrescentava um pedaço de conselho que tinha se
tornado lugar comum para ele. Parecia decidido a passar adiante.
“Levando um dia de cada vez”, dizia. “Você sabe que isso é tudo
que podemos fazer, afinal. Não estou certo, meu jovem?”
Eu fazia uma pausa em minhas tentativas confusas de praticar o
que ele falava. “Bem, acho que tenho muito a aprender sobre isso”,
eu reunia coragem para dizer. Eu ouvia um sorriso em sua voz, seus
pulmões se esforçando em cada migalha de ar.
“Eu amo você, Papaw”, eu dizia.
“Também amo você, Zack”, ele respondia (palavras raramente
proferidas por ele quando era homem jovem, mas
maravilhosamente, livremente ditas agora). Então acrescentou o
que tinha se tornado seu pedido regular: “Não se esqueça de fazer
uma oração em favor desse velho”.
“Não vou me esquecer, Papaw. Oro por você todo o tempo”, eu lhe
assegurava.

As quatro porções
Jesus nos dá esse dom: porções de um dia de cada vez para
suportar o peso que encontramos. O salmista nos dá um começo de
como reaprender que cada dia basta em seu anseio. “À tarde, pela
manhã e ao meio-dia, farei as minhas queixas e lamentarei; e ele
ouvirá a minha voz” (Sl 55.17).
Às vezes, o salmista usa palavras mais específicas quanto ao que
engloba uma “tarde”, e em outros lugares na Bíblia (por exemplo,
Lm 2.19), ele se refere às vigílias da noite (Sl 63.6).
O salmista identifica quatro partes do dia de vinte e quatro horas.
Passei a pensar nessas quatro partes como porções. Em todo este
dia ele está presente, e isso nos basta.
Manhã: do nascer do sol, ou seis da manhã, até o meio dia
Meio-dia: do meio-dia até às seis da tarde
Início da noite: do pôr do sol, ou seis da tarde, até dez da noite (às
vezes referida como “primeira vigília da noite”).
As vigílias da noite: das dez da noite até às seis da manhã.66
Marque bem isto. Para correr numa maratona, primeiro temos de
correr uma milha. Correr uma milha não é coisa que se despreze.

A graça da manhã
O Novo Testamento nos conta coisas a respeito de Jesus pela
manhã: ele orava (Mc 1.35). Ele tinha fome. Ele andava (Mt 21.18).
Ele ensinava (João 8.2).
Para o salmista, a manhã nas mãos de Deus testifica-nos que as
lágrimas têm fim, o alívio é significante, e “vem alegria” (Sl 30.5). Na
manhã surgem cânticos de louvor e ações de graças, porque a força
de Deus nos fez passar a noite (Sl 59.16). A noite não venceu.
Acordamos e vemos novamente que o amor de Deus não desiste de
nós, e pedimos que ele nos acompanhe e nos guie para aquilo que
nos aguarda (Sl 143.8). A manhã nos provoca a oração, e, portanto,
para observar como Deus responderá essas orações no decorrer do
dia (Sl 5.3).
A manhã foi feita como um poema ou sermão que consola os
desanimados. Ela nos faz pensar de novo sobre a bondade de Deus
e perguntar por que ele demora em revelar sua bondade a nós (Sl
88.13–14). O final da noite também nos desperta a uma convicção
renovada de aproveitar o dia como meio de oposição ao que é
ignóbil no mundo, e proteger aquilo que é bom, belo e direito (Sl
101.8). De fato, o sol não é melancolia matutina como eu sou ao
acordar, cansado de brilhar novamente sem ser notado, viajando
pelo mesmo velho percurso a cada dia, entediado com tudo isso.
Não mesmo! Porque Deus dá esse significado para a manhã, ele
poeticamente imagina o sol como um noivo apaixonado, ansioso e
feliz por ver a sua noiva (Sl 19.5). O sol brilha obstinado por amor
acima das nuvens e trovões.
Historicamente, foi de manhã que os inimigos de Jesus amarraram
as suas mãos e determinaram que o matariam (Mc 15.1). Porém,
poeticamente, será que o nascer do sol traria alguma esperança a
nosso Senhor, enquanto homens possuídos pelos terrores da noite
o jogaram na rua? Era de manhã. Ele sabia disso, não sabia? Em
tantas manhãs ele conhecera a intimidade com seu Pai. Houve
muitas manhãs antes que esses homens presos em ciladas
tivessem nascido. As manhãs continuariam depois que eles
morressem. De fato, haveria um dia em que na manhã do terceiro
dia, quando ainda estivesse escuro, a morte morreria, esses
homens ímpios seriam confundidos, e Jesus ressuscitaria! A manhã
proclamou que essa ressurreição e vida ultrapassaram a noite. Será
que essa proclamação sussurrou a ele? Seria essa uma parte da
“alegria que lhe estava proposta...” (Hb 12.2)? Será que o sol, de
alguma forma, piscou para Jesus quando eles amarraram suas
mãos e procuraram extinguir seu fôlego?
Por essa razão é que venho pessoalmente pensando na manhã
como o tempo da graça. Claro, dia e noite, todo o tempo, depende
da graça. Só estou inferindo que parece que a graça surge à frente
na porção matutina, porque sentimos que não somos suficientes
para enfrentar aquilo que nos aguarda; perguntamos se o sol vai
brilhar nas nossas circunstâncias como brilha pela manhã.
Levantamos; o amor de Deus está aqui! Oramos; a direção de
Deus está conosco! Esperamos novamente e clamamos de novo;
Deus está vencendo as trevas! Comemos o pedaço diário que
temos; Deus proveu! Chegamos ao trabalho que está diante de nós;
Deus tem algo a nos mostrar! A aurora raiou; o túmulo está vazio! A
estação da manhã começa e termina. Deus tem sido nossa porção
em nossos fardos até a chegada do meio-dia. Isto é graça e
realização! Louvamos a Deus. Passamos a primeira milha do dia.
Sabedoria do meio-dia
Nos Salmos, “o meio-dia” simboliza, para o povo de Deus, a luz com
a qual brilham a justiça e a virtude (Sl 37.6). É aqui que agimos com
escolhas sábias com respeito ao trabalho, circunstâncias e pessoas
à mão.
Sendo assim, a tarde nos fatiga. Foi ao meio-dia que Jesus,
cansado de sua viagem, sentou para uma pausa e um copo de água
(Jo 4.6). Os afazeres do dia recebem novo impulso e aumentam de
velocidade. O trabalho tem de ser feito. Chamadas anotadas,
tarefas completadas, e-mails escritos, reuniões e compromissos
atendidos, campos arados, ferrolhos apertados, mais três fraldas a
trocar, jantar a preparar, doença a suportar. Poeticamente, Jesus faz
um retrato da porção do meio-dia como “a fadiga e o calor do dia”
(Mt 20.12). O trabalho nos agasta até sua conclusão, cheques de
pagamento são entregues e os ossos parecem estalar dentro de
nossos músculos doloridos.
Frequentemente, umas duas horas depois do almoço a fadiga
começa a tomar conta. Alguns de nós experimentamos o que é
chamado de “o demônio do meio-dia”, uma nuvem escura de mau
humor que movimenta as nossas pernas, nos contorce onde nos
assentamos, e gira nossos polegares. Tais rabugices instilam em
nós “um ódio pelo lugar” que nos foi dado e um “ódio pelo trabalho
com as mãos”.67 Não é de surpreender que coquetéis e happy hours
tentem homens e mulheres empresários às tardes. A distração nos
conclama.
Não é de admirar que o período do meio-dia até lá pelas seis da
tarde muitas vezes coloque os caminhos virtuosos em prova. Se a
manhã é tempo de conduzir nossas lágrimas, nossos planos, nosso
trabalho e os questionamentos do dia ao seu trono de graça para ali
encontrar esperança, a tarde parece ser tempo de iluminação, em
que nossa intenção de descansar sobre essa graça é peneirada e
os verdadeiros objetivos de nossa esperança tiram as suas
máscaras.
Ao meio-dia o sol está em sua maior altura. Ele dá seu mais forte
calor e a mais ofuscante luz que podemos ver, o maior calor para
que nos humilhemos. Fomos feitos para nos assemelhar ao meio-
dia. Mas Pilatos falhou. Como também fraquejou o povo de Deus.
Foi na parte do meio-dia que Pilatos escolheu a vantagem política
e ordenou que o inocente fosse maltratado, o Filho de Deus fosse
morto (Jo 1.14–15).
Foi também ao meio-dia que Jesus deu seu último suspiro e o
brilho do sol inexplicavelmente falhou (Lc 23.44). As trevas e o
meio-dia ensolarado trocaram de lugar. Viraram o dia de cabeça
para baixo, como fazendo uma comparação entre o mal que estava
sendo chamado de bem, e o bem que estava sendo acusado de
mal.
Se a manhã nos conclama a cantar, a tarde nos humilha,
lembrando-nos que precisamos da sua salvação. A manhã nos
ensina a louvar. A tarde nos ensina a ter paciência e perseverança.
O dia (e a corrida) tem um começo e um final. Atravessar a linha de
chegada é graça e força! Mais uma milha e nossos fardos são
carregados.

Hospitalidade de fim da tarde


No cair da tarde, vieram os discípulos a Jesus e lhe disseram: O lugar
é deserto, e vai adiantada a hora; despede, pois, as multidões para
que, indo pelas aldeias, comprem para si o que comer. Jesus, porém,
lhes disse: Não precisam retirar-se; dai-lhes, vós mesmos, de comer.
Mas eles responderam: Não temos aqui senão cinco pães e dois
peixes (Mt 14.15–17).

“O dia agora acabou”. O mestre e o ensino chegam ao final. É


tempo para comer e gozar um pouco de descanso na companhia de
outros que também estejam descansando e queiram um pouco de
comida. Não precisamos levar nosso trabalho conosco para casa. É
importante estar sem trabalho à noite.
O cair da noite destaca a hospitalidade. Nós estendemos a
bondade e proteção de uma presença pacífica a nossos vizinhos. É
bondosa porque leva em conta as necessidades físicas e da alma
de nosso próximo, providenciando-lhes aceitação e sustentação
prática. A hospitalidade é também protetora, porque permanecer
hospitaleiro para com o próximo significa que não transgredimos,
usamos mal, ou os consumimos. Ela permite que façam companhia
em nossa presença, de maneira que saibam que não nos
aproveitaremos deles para satisfazer nossa lascívia nem exigiremos
que eles ajam como se não estivessem cansados ou necessitados
de alimento.
A manhã nos ensina a cantar. A tarde nos ensina a perseverar. O
anoitecer nos ensina a dar graças a Deus pelo tédio sagrado de
bênçãos corriqueiras que podemos contar (Sl 141.2).
Mas a poesia dos Salmos também mostra um retrato da noite
como tempo de sombras (Sl 59.6–7; 102.11; 104.23). Afinal de
contas, aqueles cujas tardes foram entretidas pela sedução da
insensatez ameaçam a hospitalidade. As imaginações de “happy
hours” frutificam no cair da noite (Pv 7.7–9). Os que não tiraram
tempo para parar e levar suas disposições irritadas a Deus antes da
inauguração da noite igualmente nos instigam à rebeldia. Muitos de
nós chegamos à mesa de jantar irritadiços. Enchemos a sala do
entardecer com o lixo de nossas frustrações e ansiedades não
intencionadas. Aqueles que fazem parte de nossa turma pagam por
isso sem merecer — muitas vezes e especialmente aqueles que
estão mais próximos de nós, os que dizemos amar acima de todos.
Nesses casos, a escuridão da noite dá ousadia aos abusos ilícitos
dos corações uns dos outros. As trevas fazem surgir aqueles que
desrespeitam a Deus.
Por esta razão, nosso fim de tarde precisa de Jesus. Algumas
tardes ele saía para orar (Mt 14.23). Agia como se fosse seguir
adiante. Então dizemos a ele, como os que estavam no caminho
para Emaús: “Fica conosco, porque é tarde, e o dia já declina”.
Como eles, nosso coração arde enquanto Jesus está conosco,
partindo o pão conosco, falando-nos das Escrituras (Lc 24.29–31).
Ao anoitecer, Jesus era hospitaleiro para com os enfermos e os
possuídos por demônios (Mc 1.32). Duas vezes, entre tempestades
noturnas, Jesus mostrou aos seus seguidores que estava com eles
no meio do que os assustava na noite (Mc 4.35; 6.37). Trancados
atrás de portas fechadas por medo do que a comunidade
crucificadora faria com eles, era noite quando Jesus os buscou e
lhes falou: “Paz seja convosco”, alegrando os seus corações (Jo
20.19). A alegria por sua bondade redime a noite, e isto é muita
bondade de Deus, porque as vigílias da noite virão. Quanta bondade
direcionar nossa meditação às alegrias ordinárias em meio à feliz
companhia de vizinhos que amamos, antes que venham os “ladrões
da noite” para nos assustar como bicho-papão. Graça veio. O início
da noite nos deu gratidão. Os pesos são levados, Mais uma milha
foi realizada.

Solitude e as vigílias da noite


Como de banha e de gordura farta-se a minha alma; e, com júbilo nos
lábios, a minha boca te louva, no meu leito, quando de ti me recordo e
em ti medito, durante a vigília da noite (Sl 63.5–6).

Sempre tenho visto a solitude como característica matutina. Mas a


poesia dos Salmos mostra as vigílias da noite como lugar de
solitude. Historicamente, quando estava acordado sozinho à noite,
nos lugares ermos de oração, certamente este testemunho do
Salmo 63.5–6 era a espécie de porção que Jesus experimentava
junto ao Pai (Lc 6.12).
As vigílias da noite nos oferecem um retrato de um soldado militar
em seu posto de sentinela. A sentinela permanece acordada e olha
cada movimento da noite em potencial para nos proteger dos
inimigos e guardar o sono de seu povo. Também vigia pelos
mensageiros ou reforços que chegam, trazendo clareza ou resgate
em ação secreta. Cama para descanso, vigilância para clareza ou
resgate; sono e falta de sono — são estes os movimentos da
profundeza da noite. Jesus trata dessas vigílias da noite em sua
parábola:

Vigiai, pois, porque não sabeis quando virá o dono da casa: se à tarde,
se à meia-noite, se ao cantar do galo [três da madrugada], se pela
manhã (Mc 13.35).

Solitude, silêncio, conversa enquanto se escuta, e humilde


presença voltam todos a nós. Esta não é uma “hora silenciosa” em
geral, só para analisar verdades abstratas. A solitude assume com
Deus as emoções e questionamentos muito reais que sobraram do
dia.

Irai-vos e não pequeis; consultai no travesseiro o coração e sossegai


(Sl 4.4)

Um propósito para nossa cama à noite é ponderar no coração


aquilo que nos perturba e falar sobre essas coisas diante de Deus.
Disso resulta o sono. O sono é um ato sabático. Repousamos e
deixamos tudo aos cuidados de Deus enquanto estamos deitados
sem mexer com o mundo por um pouco.
Mas há terrores na noite também (Sl 91.5). Pesadelos. O choro
sem sono pode se estender (Sl 30.5). Aflições podem manter
nossas “pálpebras abertas” (Sl 77.4). O silêncio desolado permite ao
coração perguntas inquiridoras, em agitada inquietação (Sl 77.7–9).
É também verdade que nossa estultícia não coibida da tarde pode
nos conduzir a uma noite não hospitaleira e encher de tropeços
nossas vigílias noturnas. “Vem, embriaguemo-nos com as delícias
do amor, até pela manhã”, dizem os que escolhem ter casos fora do
casamento (Pv 7.18). A escuridão antes do alvorecer muitas vezes
nos assombra com culpa e vergonha. Chamamos, meio bêbados,
um taxi, tendo deixado nossa dignidade mal-usada na cama de uma
estranha, perguntando-nos em que raios estávamos pensando. Ou
trabalhamos a noite inteira porque procrastinamos no trabalho. Não
temos sono nem solitude calma para nos fortalecer para a manhã. A
profunda noite então torna-se em um lugar de confissão, uma escola
onde o conselho de Deus nos encontra e instrui (Sl. 16.7).

Antecipo-me ao alvorecer do dia e clamo; na tua palavra, espero


confiante. Os meus olhos antecipam-se às vigílias noturnas, para que
eu medite nas tuas palavras
(Sl 119.147–48).

Sonhos na Noite
Alguns de nós sonhamos à noite, portanto, vamos fazer aqui uma
pausa para relembrar sobre esses sonhos. Podem vir de três
lugares, assim como são os nossos pensamentos durante o dia,
quando estamos acordados. Podem ter sua origem em nós
mesmos, ou em nosso inimigo, o diabo, ou podem ser sussurrados
a nós por Deus. Em qualquer dos casos, os sonhos são atos da
providência, ou seja, estão também entre as circunstâncias de
nossa vida que Deus governa, e pelas quais ele nos governa para
sua glória e nosso verdadeiro bem (Jó 33.15–18).
Qualquer que seja nosso sonho, levamos a Deus o seu conteúdo,
bem como os pensamentos e emoções resultantes. Com ele,
podemos repousar a atividade poética e a estrutura de nosso
coração em Jesus. Se houver pessoas em nossos sonhos que se
destacam para nós, podemos interceder por elas, assim como
frequentemente fazemos quando vêm à mente as pessoas durante
as horas em que estamos acordados. Igualmente, nós confiamos a
ele as nossas impressões temerosas ou jubilosas, acreditando que
ele vai, como sempre, nos informar, transformar e conduzir de
acordo com seu amor e seu tempo perfeito em Jesus.
Foi na vigília da noite que Jesus orou clamando em alta voz com
lágrimas no Getsêmane. Ele sabe o que significa chorar no escuro.
Sua empatia por nós é profunda e nós também precisamos
aprender isso.
Após a noite e os sonhos, vem a madrugada. O Senhor que nos
guarda não dormita, mas nos atende (Sl 121.4). O sol começa a
romper para sua noiva. Raia um novo dia. Por um dia inteiro agora,
ele o tem carregado, com seus fardos e tudo mais.

Nossas agendas diárias


Que diferença prática faz esse ritmo de quatro porções do dia?
Primeiro, pense em manhã, meio-dia, entardecer e noite como
porções suficientemente grandes para sua atenção e pequenas o
bastante para gerenciar a cada dia. Não tente mais acumular tudo
isto de uma forma indistinta e nem correr para fugir delas.
Segundo, ao chegar ao final daquela porção do dia, faça uma
pausa e olhe para trás antes de começar a sua nova porção e correr
para frente. Dê graças a Deus pelos sinais de graça que você
experimentou. Ou chore e lamente pela dor. Ou reconheça seus
humores agitados e pergunte a ele sobre o que dá origem a tais
emoções. Peça que ele mostre os seus erros, pecados e falhas
naquela porção, para que o conduza a confessar e, com gratidão, se
desviar de repeti-los. Ou interceda por qualquer situação ou
propósito que se destacou durante aquele tempo. Então, nessa
pausa, louve a ele e peça que o dirija pela mão na próxima porção
do dia.
Quanto a isso, digamos que são onze horas e quarenta e sete
minutos da manhã. A manhã está prestes a repousar. Olhamos em
retrospectiva e agradecemos pelo que essa manhã trouxe a nós.
Prestamos também atenção a nosso ânimo. Procuramos ver a
causa de qualquer disposição negativa. Localizamos aquele cenário
ruim da manhã e o lançamos sobre o Senhor. Agora, por sua graça,
aguardamos a chegada do meio-dia. Não queremos levar
disposições não meditadas da manhã para a tarde. Basta o que a
tarde já tem. Jesus carrega as nossas manhãs.
Está chegando o anoitecer. São cinco e meia da tarde (ou seis e
meia porque estamos com tudo atrasado). A comida está
borbulhando no fogão. O trânsito aguarda nosso retorno para casa.
Pausamos e refletimos. Pedimos perdão; buscamos sua coragem
para endireitar as coisas onde precisamos, quanto mais isso for
possível para nós; damos graças pela força que ele nos deu e pelas
respostas às orações matutinas que recebemos; celebramos a
virtude do seu Espírito que, por sua graça, permaneceu conosco.
Notamos nossos músculos doloridos ou cérebro cansado.
Buscamos o seu descanso. Lutamos por crer que nosso trabalho
não acabado estará lá amanhã, esperando por nós. A manhã nos
dará tempo para levá-lo ao Senhor antes que volte de novo para
nós. Tudo vai ser feito. Por enquanto, tem crianças com quem
brincar, cônjuge a quem vir ao encontro, ou família, amigos, ou
vizinhos a encorajar. Deixe por agora o meio-dia. Entregue suas
indisposições para Jesus, para que não as leve indevidamente com
você e jogue sobre os outros à mesa de jantar.
Talvez seja nove e quarenta e cinco da noite. Já tiramos a mesa e
desligamos o televisor. Os filhos já estão na cama (a não ser que
sejam adolescentes). Nossos amigos estão indo para as suas
casas. Paramos para agradecer pela boa comida e companhia com
que nos abençoou. Buscamos perdão pelas disposições ruins que
derramamos sobre os outros. Animamo-nos que a manhã seguinte
nos dará um novo momento para levar a Deus essas coisas e,
esperamos cantar e encontrar louvor renovado. Levamos a ele
nossos temores, nossa doença, e nossas sentidas opressões na
comunhão da noite. Ele fica conosco e fala de paz. Escovamos os
dentes. Para alguns de nós, a hora de ir para a cama se aproxima.
Para outros, chegou a hora de quietude e oração. Empregos de
terceiro turno, permanência em hospital, festas sazonais, deveres
de casa de última hora — cada uma dessas realidades acometem a
noite. Mas a segunda e terceira vigília da noite não são criadas para
que nós assistamos televisão, para o trabalho que sobrou do dia, ou
para divertimentos após a festa, pelo menos não como norma. A
noite vem. A madrugada foi feita para estarmos a sós com Deus. Ele
nos espera com amor para nos carregar.
Quando uma porção termina e a outra começa, é como se
olhássemos para trás para ajuntar tudo que é belo da porção
anterior antes de ir adiante. São como as flores espalhadas por aí
que nós ajuntamos, colocamos em nosso vaso com água, e
agradecemos a Deus por elas. Também ajuntamos qualquer coisa
difícil, dolorosa, assustadora ou pecaminosa, como se fossem
pedaços de um vaso que se espatifou, o qual nós, ou outra pessoa,
derrubamos da nossa mesa. Varremos esses pedaços para dentro
de uma caixa e os trazemos diante de Deus. Colocando nossas
flores e nossos cacos quebrados diante de Deus dessa forma,
damos graças e lançamos nossas ansiedades. Ele os segura agora,
e podemos ir adiante para a próxima porção do dia.

Porções semanais
Um dia em cada sete, procuro viver essas quatro porções como um
dia de descanso. Por vinte e quatro horas sou ajudado, exceto com
autênticas emergências, deixando o e-mail, telefonemas,
compromissos e o trabalho pastoral diário para tomar fôlego. Isso
tem mudado com o passar dos anos, à medida que os filhos
cresceram e suas faixas etárias mudaram. Às vezes eu durmo até
mais tarde. Ou, depois que as crianças estão na escola, assisto a
um filme antigo ou escuto música. O almoço é folgado. Pode ser
que eu tire uma soneca à tarde antes de buscar os filhos na escola.
Durmo sem senso de culpa (pelo menos este é meu alvo). Não é
uma perda de tempo. Não hoje.
Mas quando os ritmos semanais de descanso são melhores para
mim, encontro-me sentado no chão sobre um forro de piquenique
para almoçar. Se for outono ou começo do inverno, visto boina,
luvas e roupas suficientemente quentes para aguentar três horas no
relento. Numa sacola plástica levo Bíblia, papel, e uma pilha de
poesias ou um livro de ficção. Aninhado entre a sombra das árvores
de um de meus lugares prediletos de descanso de sábado, eu olho
por cima do Lago Creve Ceour, ou talvez olhe morro abaixo para as
fontes de águas do Parque da Floresta. Calço tênis e caminho,
talvez por quilômetros. Às vezes, quando chove, eu fico sentado em
minha velha caminhonete vermelha olhando por cima da lagoa.
Aqui neste lugar corriqueiro, entre essas coisas que importam,
estou entregue mais uma vez à escuta. Sou escutado por Deus.
Entregando os meus fardos. Sendo tomando no seu colo. Voltam
risadas gratas e alegres. Às vezes choro sem mesmo saber o
porquê. Mas ele sabe. Esses fardos são dele.
Quando perco sextas ou segundas de folga, e estou irritado e
exausto pela falta deles em minha vida, já notei que só um dia de
descanso não oferece muito repouso. Aí é necessária uma espécie
de desintoxicação. Tenho de me lembrar de que a presença
humilde, a conversa em que se escuta e a solitude entre essas
porções semanais têm um efeito cumulativo; assim como acontece
com as quatro porções do dia. Uma vez que eu comece a colocar
várias porções diárias e semanais em seguida no meu ritmo, torna-
se notável a transformação em meu ser. Pode ser que meus fardos
tenham aumentado. Mas sou novamente capaz de oferecer
descanso e presença hospitaleira aos outros, porque eu mesmo
realmente tenho algo disso. A graça disso me deixa maravilhado.
Quando primeiro introduzi essa ideia de “meses de descanso” à
nossa congregação, eles não gostaram. Três meses por ano,
dávamos a todos os nossos ministérios semanais uma folga sem
culpa (abril, agosto e dezembro). Eu fiz isso principalmente por
causa da idade de nossa congregação, composta principalmente
por jovens famílias com crianças. Essas mesmas famílias eram os
principais voluntários na igreja e na comunidade. Entre servir e
voluntariar, ir aos estudos bíblicos e grupos nos lares, as pessoas
estavam se esgotando. No lado engraçado, se alguém tirasse uma
folga sentia culpa enorme, como se estivesse desapontando a Deus
e a nós. É claro, não ordenamos que nossos membros observem
meses de descanso; as pessoas podem continuar a se reunir se
assim desejam. Mas no decorrer dos anos, a maioria tem ficado
grata pelo ritmo embutido que essas folgas oferecem. Descansamos
estrategicamente a fim de continuar com vigor. Se não fizermos
isso, acabamos tendo de tirar folgas não planejadas porque
adoecemos ou nos esgotamos devido a nossos horários
desgastantes.

Marcando nosso passo


Como, então, essas porções diárias e semanais podem nos ajudar?
Uma pequena cena de uma história nos dá uma resposta. Nate e
seu pai se prepararam para uma caminhada em uma difícil
montanha. Nate nos conta a história.
“Nate, acho que se nos mexermos em passo bem devagar não
vamos ter de parar tanto. Aqui, olhe”. Meu pai mexeu os pés
metodicamente, devagar, mas firme.
“Pai, você está louco!”, dei risada. “Nunca vamos chegar lá. Olhe
como você está andando devagar. Eu podia rastejar mais depressa
que isso. Está ridículo!”
“Faça o que você quiser”, murmurou. “Eu vou andar devagar!”
Eu descartei a sabedoria do meu pai e corri adiante, subindo a
montanha. Depois de cerca de meia hora de caminhada numa trilha
íngreme, notei que, com todas as minhas paradas doloridas, ele me
acompanhava. Eu estava exausto. Papai não parou nenhuma vez, e
parecia estar deslizando montanha acima.
Como ocorre muitas vezes na vida, a dor tornou-me disposto a
aprender. Naquele dia foi por pulmões queimando e pernas
bambas... Dei uma experimentada na teoria do meu pai e me juntei
à sua marcha ridiculamente vagarosa. Logo descobri que se eu
continuasse indo devagar, era mais fácil não ter de parar. Não dava
para acreditar. Ali na encosta da montanha, um dos dilemas de toda
minha vida estava sendo revelado. A resposta era tão simples.
Marque bem o seu ritmo.
Vá devagar.
Não pare.68
Para mais a esse respeito veja Dictionary of Biblical Imagery, ed. Leland Ryken, James C.
Wilhoit, and Tremper Longman III (Downers Grove, IL: InterVarsity, 1998).
Kathleen Norris, Acedia and Me: A Marriage, Monks, and a Writer’s Life (New York:
Riverhead, 2008), xiv.
Nathan Foster, Wisdom Chaser: Finding My Father at 14,000 Feet, (Down¬ers Grove, IL:
Intervarsity, 2010), 34.
QUARTA PARTE | REFORMULANDO O
TRABALHO QUE FAZEMOS
12 | Cuidando dos enfermos

A visitação aos enfermos . . . é de suma importância [...] Aqui se


aprendem lições que jamais se aprenderiam no gabinete pastoral.
–C B No segundo ano de meu primeiro pastorado,
comecei a cantar corinhos e dirigir um estudo bíblico semanal num
lugar de assistência a idosos. Depois do estudo e do cântico, os olhos
de uma senhora idosa brilhavam com lágrimas. Ela veio em minha
direção, beijou meu rosto (como muitos idosos fazem), e me
agradeceu. Eu dei-lhe de volta um beijo no rosto. Era costume delas,
não meu, e admito que eu me sentia desconfortável. Mas eu a abracei
e tomei um momento para orar por ela. Ela agradeceu a Deus. Não
pensei mais no assunto.

Na quarta-feira seguinte, depois do estudo e do cântico, levantei-


me do piano e fiquei boquiaberto notando que uma fila de homens e
mulheres imediatamente se formou. Cada um parecia esperar a sua
vez. As senhoras idosas beijavam meu rosto; os homens de cabelos
de prata e calvície apertaram-me a mão. Desajeitado, eu devolvia
esses gestos e orava por eles. Os abraços afloraram. Sorrisos se
abriam como pétalas; lágrimas umedeciam e acumulavam como
encharcados pelo orvalho de uma manhã ensolarada. Estranho!
Com o passar dos meses, essa espécie de fila que se formava
para que os tocasse e orasse por eles passou a ser uma espécie de
prática normativa na comunidade. Aquelas manhãs de quarta-feira,
os muitos ofícios fúnebres que seguiam, esse modo terno de
cuidado ao próximo e gratidão a Deus em Jesus — estes tornaram-
se como desenhos preciosos e fotos que as pessoas às vezes
colam com íman em suas geladeiras.

As pessoas que nos ensinam


O toque forma uma parte do nosso trabalho pastoral. Em geral
tenho sido desajeitado e alerta nessa obra, tomando cuidado para
não haver toques não apropriados. Falarei a respeito dessa espécie
perigosa de toque no próximo capítulo. Mas o Senhor começou a
me ensinar sobre o tipo bom de toque a cada semana.
Lembro-me de Betty, em um leito de hospital, a boca coberta com
uma máscara que alimentava aos poucos a respiração dos pulmões.
O bipar constante de um aparelho indicava o pingar de
medicamentos no tubo preso com fita adesiva em suas veias. Eu
procurava uma passagem da Bíblia para ler, nervoso com a minha
juventude, incerto quanto a como mostrar Jesus para a viúva de
oitenta anos ali deitada, pressionada embaixo de todas aquelas
coisas. Antes de eu dizer uma palavra, Betty levantou seu braço
cheio de tubos, e conseguiu falar uma frase sob a máscara: “Vamos
orar, Pastor?” Disse isso menos como pergunta e mais como uma
declaração. Em retrospectiva, agora acredito que essa velha santa
estava me ensinando o que seria o desejo de Deus para um
momento como aquele. Ela estava me ensinando. Com o seu
presente poder, levantei com força a minha voz.
Antes que Betty tivesse erguido a mão eu a tomei e segurei.
Coloquei a outra mão levemente sobre sua testa. Ali juntos, no
nome de Jesus e pedindo oração naquele dia, ela já havia me
ensinado algo bom a respeito do toque humano ocasional entre
homens e mulheres que estão unidos como família em Jesus.
Confesso que eu a enxergava mais como avó do que como irmã.
Mas até mesmo aqui eu tinha muito que aprender, e acho que ela
via isso. Para ela, eu era seu pastor — como um neto, sim, mas
assim mesmo um homem de Deus, enviado para lhe fazer o bem
em Jesus. Embora secretamente muitas vezes eu temesse ser visto
como um tanto juvenil na sábia presença dos idosos, ela me via
como o homem adulto que eu era. Ela me tratava de acordo com o
chamado que eu recebera. Isso sempre me humildou.
De qualquer modo, era o aniversário da morte de seu marido. Ele
havia morrido há mais de vinte anos. Ela perguntou se poderíamos
sentar e conversar um momento. De repente estourou a represa e
as lágrimas jorraram. Ficamos sentados. Ela chorou. Meu ombro
segurava sua cabeça fatigada e apoiava seu torso arfante. Eu não
sabia mais o que fazer. Orava enquanto ela chorava.
Na verdade não havia mais nada a fazer. Antes, eu não imaginara
quão pouco uma viúva experimenta o toque conforme deveria ser.
Os membros da família moram longe e visitam esporadicamente.
Além das piadinhas do pessoal médico, os idosos frequentemente
entram numa escassez de toque, como se vivessem no deserto
durante muitos anos de suas vidas. Sobre o ombro de quem uma
viúva pode encostar quando sofre a perda do marido a quem
amava? Só fui esse ombro uma vez para Betty. Provavelmente é
assim que deve ser. Mas lembrou-me do papel que
desempenhamos um pelo outro na comunidade. Meu ombro era
seguro e forte. Por um momento, foi o travesseiro irmão para seu
sofrimento autêntico. Espero que um dia um ombro cristão possa
bondosamente permitir que eu me encoste no meio de meu próprio
luto por alguém amado a quem perdi, enquanto aguardo o feliz
reencontro no céu com Jesus.
Não era de surpreender que Betty fosse uma das pessoas na fila
ao lado do piano desde o começo. Olho para trás agora e reconheço
que eu era desajeitado com esse toque do tipo certo. Os homens e
as mulheres formavam fila porque o toque humano fraternal, seguro,
era como uma joia rara. Um aperto de mão, um abraço, a presença,
um beijo no rosto, oração — toque humano do jeito que a família em
Cristo deveria oferecer uns aos outros — é um bem entesourado do
qual se aproveitar enquanto durar.
No caso de Betty, Paulo nos dá a categoria. Os homens jovens
devem tratar as mulheres mais velhas como mães, que implica que
as mulheres mais idosas devem tratar os homens mais jovens como
filhos (1Tm 5.2). A “mãe” encontrou um momento para o ombro de
um “filho”.
O toque no Evangelho, portanto, deve ser semelhante ao toque
normativamente apropriado entre membros da família. Esta é a sua
direção. O cuidado pastoral pela alma tem de levar em conta
também o corpo. Portanto, o toque abusivo, negligente, presunçoso
ou sensual não tem lugar no toque da vida e do ministério
evangélicos. Aqueles entre nós que só possuem tais categorias de
toque nocivo precisam da graça curadora e da mentoria de Jesus,
antes que tentemos o toque familiar no nome de Jesus. Até que o
evangelho transforme corretamente nosso uso do toque, estamos
menos prontos para um ministério do que percebemos, não importa
o quanto estamos preparados para ensinar ou pregar ou aconselhar.

Jesus e o toque dos enfermos


O contato da pele de Jesus com as coisas da terra salpica as
páginas dos Evangelhos: pão e peixe, uma bacia d’água, uma
toalha, um cálice, vinho, trigo, cascas de árvores e mesas, lírios do
campo. Foi Jesus que juntou terra em suas mãos, cuspiu nela com
sua saliva, massageou com a mão a mistura para fazer lama, e
espalhou generosamente a mistura úmida sobre os olhos quebrados
do homem que nasceu cego (Jo 9.6).
Jesus tocou os doentes, e frequentemente tocava a ferida. Jesus
tocou a lepra do leproso (Mt 8.3), o ouvido do surdo (Lc 22.51), o
olho do cego, a mão dos que tinham febre (Mt 8.5), e a língua do
mudo (Mc 7.33). Esse era o toque da piedade (Mt 20.34), o acariciar
de quem sentia piedade.
Não é de surpreender que “todos os que tinham enfermidades
pressionaram . . . para tocar” em Jesus (Mc 3.10). Tal toque, como
um exército de justiça, arranca completamente o abuso e a
negligência de mãos inimigas que têm intenção de machucar os
enfermos. Nós, os enfermos, ansiamos por esse toque de Jesus,
que defende e consola. Esse toque ou nos cura agora ou significa,
de maneira impactante, que a cura virá com o céu. Embora possa
demorar, em Cristo a cura não falhará. O toque da compaixão de
Jesus rega essa esperança.
Por essa razão, Jesus nos conduzirá, na vida e ministérios, aos
cheiros de leitos de doentes, com ossos medicados entre músculos
embriagados de misturas prescritas. Os quartos de viúvas e
enfermarias de câncer de cada comunidade revelam-nos onde
Jesus visitará com certeza. Nós, os assustados ou endurecidos,
precisamos que Jesus nos tome pela mão em nossas comunidades.
Qualquer pessoa adulta cujo estágio da vida a tenha colocado no
papel de principal cuidador de seu pai ou sua mãe sabe que não
podemos cuidar do enfermo sozinho. Qualquer membro da família
que viva horas de distância, ou qualquer pastor que só pode estar
em um lugar de cada vez em meio a uma congregação que está
envelhecendo, precisa de ajuda para lembrar que nós não somos
Jesus, e nossa capacidade de cuidar é mais limitada do que
queríamos que fosse. Há gente demais e sofrimento demais para os
nossos dois ombros. Mas, em Jesus, a comunidade de ombros pode
tocar de maneira substancial aos enfermos, literalmente e
figurativamente.
Pode ser que não toquemos a ferida diretamente como Jesus
fazia. E jamais devemos tocar quem não quer que o façamos. Mas
quando oramos pelos enfermos, podemos perguntar: “Posso
segurar sua mão para orar?” Ou no caso dos que estão em estado
crítico, podemos colocar levemente a mão sobre sua cabeça ou seu
braço. Um leve toque no ombro com uma palavra bondosa, ou um
abraço, pode ir longe para aqueles que ainda conseguem ficar em
pé.

Ao lado da sepultura
O cuidado pastoral é, em sua maior parte, uma questão de
presença, estar com alguém no meio do que o perturba. O toque do
tipo certo é uma sentença. Sentado numa cadeira no quarto,
enquanto os membros da família se ajuntam, é nosso parágrafo. No
cuidado pastoral, o contato dos olhos, um pequeno aceno ou
balançar a cabeça, uma lágrima, um sorriso, disposição de segurar
um guarda-chuva sobre a cabeça da pessoa enlutada na chuva,
disposição para cortar o pão para sanduíches, compromisso de
ajudar a cabeça confusa a tomar decisões sem fazer a decisão por
ela — tudo isso descreve uma garra desajeitada e imperfeita, que
está presente com as pessoas sem tentar chamar atenção ou “fazer
acontecer” ou inventar artificialmente um “momento divino”. Isto,
mais do que as suas palavras, forma as ferramentas de sua
vocação de cuidados.
Meu primeiro funeral como pastor foi de uma vizinho que eu não
conhecia. Ouvi o diretor chegar a mim na sala separada: “É hora”,
diz ele. Ouço meu estômago roncar. Escuto o barulho dos meus
sapatos sobre o carpete gasto. Eu me ouço tentando juntar palavras
de vida junto àqueles que, em sua maioria, são estranhos a mim.
Percebo que minha voz começa a tremer ali na multidão arrasada.
Naquele tempo, eu tinha pouco conhecimento dos sons da morte.
Os anos desde então mudaram isso, mas era a primeira ocasião em
que ouvi as gaitas de fole tocar. Depois do culto, ao lado da
sepultura, o tocador de gaita de fole ficou parado como se fosse feio
e segurasse um ganso na mão. Soprou para dentro e para fora, num
gemido que puxava o ar transformando-o na melodia assombrosa
de “Preciosa Graça” [Amazing Grace]. O vento revirava as folhas de
outono. Postes de alumínio alugados produziam clangor com a
corda e a lona. Eu ouvia o som de flores jogadas em cima do
caixão. Era um sepultamento militar, bandeira dobrada e dada à
família, rifles armados para uso; os tiros de morte chocando o
silêncio para honrar uma vida. Relembro como parecia estranho
encontrar homens e mulheres adultos, suspirando alto e dolorido.
Ondas de fungadas, como a maré, iam e voltavam em ondas
mansas. Os chavões se apressavam para pôr fantasias sobre os
silêncios desajeitados. Perguntas sobre Deus ou sobre a vida eram
sussurradas embaraçosamente ou em repentina raiva. Surgia
frequentemente a risada nos lugares mais estranhos para um
consolo, o que não é nada estranho.
Pat havia morrido. A sua irmã começa a trazer uma história aos
meus ouvidos.
“Pat costumava encontrar gatos perdidos e levá-los para casa”, diz
ela.
Dou uma risadinha com essa introdução surpreendente.
Ela continua: “Pat não somente dava um lar para esses gatos; ela
punha roupa nos gatos danados —roupa de bonecas!”
“Verdade?” pergunto.
“Ah, sim!”, ela diz. Começa a rir enquanto pensa no coração sobre
tempos mais felizes. Eu também começo a rir.
“Então, ali estava a Pat, com todos aqueles gatos vestidos,
fazendo pose para uma fotografia, e Pat sorrindo de orelha a
orelha!”
Agora nós dois estamos rindo e dependendo dos lencinhos para
manter o decoro.
“Ah meu, essa era a Pat! Com certeza era uma maluquinha!”
Rimos por mais um momento e então respiramos fundo para uma
descida repentina. A contadora de histórias agora olha para longe e
fica quieta no silêncio. Sem me encarar, ela diz: “Vou sentir muita
falta dessa Pat”.
Ouvir essas histórias de lembranças é parte do seu trabalho.
Quando alguém conta a respeito de um ente querido falecido,
pergunte ternamente qual era o nome da pessoa. Demore aqui e
escute. Quando cumprimentar alguém que esteja de luto, não
precisa dizer: “Como vai você?” ou “Como foi seu dia?” Tal pergunta
força a pessoa na confusão de colocar realidades inexplicáveis
numa só sentença. Se pararmos e pensarmos nisso, é provável que
já saibamos como essas pessoas enlutadas estão passando. Em
vez disso, cumprimentamos simplesmente dizendo algo como:
“Estou grato por encontrar você; tenho pensado muito e estou
orando por você” ou, “Você é amado por todos”. E normalmente não
perguntamos: “O que posso fazer por você?” A pergunta coloca o
enfermo em posição de dirigir o seu horário e inventar um monte de
tarefas. Melhor é oferecer algo específico que permita uma resposta
sim ou não, como: “Posso lhe trazer café da manhã?” ou “Você
gostaria de descansar hoje?” ou “Seria de ajuda se eu pegar a sua
filha na escola amanhã?” Essas coisas específicas também nos
ajudam a resistir à tentação de perguntar o que podemos fazer, não
por amor deles, mas de nós, porque sentimo-nos sem saber o que
fazer e queremos fazer algo diferente. Conheço bem essa tentação.
Mas se eles pudessem, também fariam as coisas de um jeito
diferente. Ali estamos nós, cada qual olhando junto para Jesus no
silêncio confuso.
Em seu sermão, portanto, você fala da calma de ter escutado e
amado. Você diz algo como: “Entendi que Pat estava sempre
procurando gatos sem dono”.
Com isso, aqueles que a amavam dão uma risadinha com as
lembranças.
“Será que ouvi certo que Pat não somente dava um lar para esses
gatos como também os vestia com roupas de boneca?”
Agora os risos de amor jorram por entre as lágrimas de luto
daqueles que a conheceram. Eu também sorrio com gratidão. As
risadas duram um pouco. Depois as lágrimas recuperam o seu
lugar, e o silêncio volta.
“Sabe, quando penso em Pat querendo dar um lar e roupas aos
gatos eu lembro-me de uma história que Jesus contou sobre
ovelhas espalhadas e perdidas. Ele disse que Deus era como o
pastor buscando encontrá-las para trazê-las para casa. Obrigado
por ter me contado esta história sobre Pat e seu amor por ela. Isso
me lembra de minha necessidade de ser encontrado e de ganhar
um lar. Todos nós precisamos ser encontrados. Antes de ficar
doente, Pat compartilhou como ela esteve perdida todos esses
anos, mas que finalmente Jesus a encontrou. Ele pode nos
encontrar também e nos levar para o lar”.

Chamado de oração para os presbíteros


Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e
estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do
Senhor (Tg 5.14).

Nas igrejas que tenho servido no decorrer dos anos, às vezes


separamos um dia de oração. Junto a essas reuniões públicas
regulares, de quando em quando vem um chamado, e nos reunimos
em uma sala ao lado de um leito de hospital.
“Chame”, diz Tiago. Suas palavras trazem à mente os ossos tortos
e olhos cegos, aqueles que ficam assentados em esteiras,
esquecidos, no lado das estradas. Notícias alcançavam esses seres
humanos de pulmões chiando e pele cheia de chagas. “Jesus está
chegando!”, ouviam dizer. “Jesus está se aproximando!”
Abruptos em encontrar sua voz, essas pessoas com tosse de
sangue tentavam falar uma palavra ou se arrastar de joelhos no
chão de pedregulhos para tocar um fio da roupa de Jesus. De
qualquer modo, mãos trêmulas ou artríticas lutavam com seus
dedos para levantar a bandeira do seu coração, clamando: “Filho de
Davi, tem misericórdia de mim!” Ele responde, e aprendemos que os
enfermos possuem voz. O seu chamado não se assemelha a nada
de incômodo ou constrangedor. Na mente de Jesus, os que estão
mentalmente perturbados não são empurrados para as margens.
Não é de surpreender, portanto, que orar pelos enfermos esteja
afirmado na descrição do trabalho do presbítero feita por Tiago. Os
presbíteros não são Jesus. Mas estes que retornam são pastores
dados para refletir aos outros e se assemelhar com a presença,
ensinamentos, tom e expressão do verdadeiro e bom Pastor, o qual
conhece as suas ovelhas pelo nome (Jo 10.3). De algum modo, elas
ouvem a voz de Jesus na nossa voz.
Às vezes há dois de nós. Outras vezes mais, juntos com amigos e
membros do grupo dos lares que entram no quarto, pé ante pé,
nervosos por amor daquele que está sofrendo. Um dos presbíteros,
de dia um zelador, estende suas mãos manchadas de sujeira ao
bolso para o frasquinho de óleo. Ele o entrega ao pastor. O óleo foi
comprado numa livraria local. Tinha cheiro de incenso. Mas qualquer
óleo serve, porque é como a sujeira nas mãos do zelador. A sujeira
não é o trabalho, mas sinal de que o trabalho foi feito. Tanto a terra
quanto o óleo não têm defesa contra o sabão. Ambas soltarão seu
apego da pele e serão lavados, escoando pela pia ou no tanque
naquela noite. Mas, embora desapareça o símbolo, o trabalho que
ele revelou permanece. Como na unção do Antigo Testamento,
ocorreu uma separação.
O trabalho é feito “em nome do Senhor”. Aqui não existe feitiço ou
encantamento. É possível recitar as palavras “em nome de Jesus” e
ainda conhecer bem pouco do que significa orar no nome do
Senhor. Falar os nomes importantes é uma ferramenta usada pelos
arrogantes para mostrar aos outros os seus recursos, amizades e
conexões. Entre os humildes, referir-se aos nomes importantes
raramente é usado, exceto quando surge uma necessidade pela
qual não existe outro remédio. A oração em seu nome é uma
declaração de que só Jesus possui a sabedoria, os recursos, a
provisão e o poder para governar aquilo que nos fere. Mesmo nosso
bom uso da medicina e nossa ativa gratidão por bons médicos e
enfermeiros são como sapatos, que em última instância são
ajuntados e mantidos pela costura e pelos laços de Deus.

A Oração da Fé Em algum ponto, um dos presbíteros


explica brevemente essas coisas ao que os chamou.
Então, quem chamou expressa, se puder, o que está
pedindo de Jesus. Em meio a chinelos de dedo ou
sapatos de grife, hálito de café e fungadas, um
presbítero põe um pouquinho de óleo no dedo e toca a
testa do enfermo, orando em silêncio ou com palavras
de misericórdia (Tiago não oferece nenhuma diretiva
quanto a isso). Se for com palavras, pode soar, em
substância, assim: Bárbara, Jesus pertence a você. Você
pertence a ele. Só ele pode salvá-la e consertar a você.
Você foi criada por ele. Por ele é que foi resgatada. Por
ele temos acesso ao trono de graça. Você é filha do Rei.
Levamos o seu caso até ele. Seu trono é um trono de
graça. Vamos até ele nessa hora de necessidade.
Em seguida, as orações de fé começam. Diferentes anciãos oram,
calmamente e em voz alta, cada um na sua vez ou todos de uma
vez (segundo o costume cultural), assim como outros presentes
oram ao lado. A oração da fé não tem tom de voz ou uma postura
corporal necessária. Deus nos ouve não porque somos fortes ou
mansos. Não há nenhuma quantidade ou tipo de palavras. Deus nos
ouve não porque usamos palavras suficientes ou grandiosas. A fé é
“a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se
não veem” (Hb 11.1). Em Jesus, os presbíteros oram com
segurança e convicção, ainda que tenham apenas um grão de
mostarda de ambos.
Mas por que a fé tem de atender às orações dos presbíteros? Isto
não é uma oração de tipo preparação para a morte. O presbítero
fala ao Senhor como quem vê um futuro em Jesus para aquela
pessoa enferma. Existe outro lado para essa doença. Ela não terá a
última palavra! “E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o
levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados”
(Tg 5.15).
Crer que o Senhor reina sobre a lama que nos suja e dizer uma
palavra que nos cure é um desafio para os presbíteros. Às vezes,
com olhos humanos vemos naquele momento somente homens,
mulheres e crianças que estão tendentes à doença, assombrados
por maus pensamentos ou com o cérebro deteriorado. E quando
nossa porção tangível do sagrado é um pouquinho de óleo que
compramos por cinco reais e noventa e cinco centavos na rua
debaixo, pode parecer que as palavras caem surradas do céu em
um ataque relâmpago de doenças. Afinal de contas, nós que
estamos orando acabamos de comer um hambúrguer com fritas no
carro a caminho daqui do hospital.
Mas “Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos
sentimentos, e orou, com instância, para que não chovesse sobre a
terra, e, por três anos e seis meses, não choveu”, Tiago asseverou.
“Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo”, ele nos assegura
(Tg 5.16–17). Nossa fé não está em nossas palavras, emoções,
agitação inquieta ou em nossa natureza frágil e limitada. Nossa fé
está no Senhor, cuja vontade, sabedoria e poder são capazes de
sustentar os nossos entes queridos em seu sofrimento ou então
livrá-los parcialmente ou totalmente desse sofrimento.
Tenho orado desta forma por muitas pessoas no decorrer dos anos
(embora não tantas quantas eu poderia ter feito, devido a meus
temores iniciais sobre o mau uso da fé dos curandeiros e de tais
textos). Porém, na maioria dessas ocasiões, quando eu oro desta
maneira, como um presbítero, a cura pela qual orei não veio.
Parece-me que oramos de um ou de outro jeito: fé que Deus pode
nos consertar com uma palavra em um instante, fé que Deus pode
nos sustentar por sua graça, ainda que não tire nosso sofrimento (Lc
22.42) ou nos deixe com nossa doença (2Co 12.8–9).

Confessar e perdoar
Não é de se maravilhar que Tiago mude de ênfase da cura do corpo
para a cura da alma.

A oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver


cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. Confessai, pois, os vossos
pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados.
Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo (Tg 5.15–16).

Conquanto a doença possa indicar, em raras ocasiões, a presença


de um pecado como uma causa (1Co 11.30), na maioria das
ocasiões a doença não tem nada a ver com um pecado individual
(Jó 2.1–7; Jo 9.1–3), mas representa o fato de que o Éden foi
quebrado e o céu ainda não chegou.
Contudo, quando a doença grita na nossa cara, nos afligindo como
um brigão, e ninguém vem nos socorrer, ali, na lama, começamos a
ver coisas nos pensamentos e emoções de nosso ser interior que
não percebíamos existir — coisas feias, que revelam que não
somos tão justos quanto pensávamos ser. Vemos ainda mais a
nossa necessidade de um salvador. Começamos a confessar. A
doença de corpo e de mente joga um tijolo no espelho de nossa
imagem perfeita. Vemos nosso reflexo esmiuçado e encontramo-nos
mais carentes de graça e do mérito de Jesus do que podíamos
imaginar quando nossas juntas e músculos funcionavam bem.
Não vai demorar muito. Na verdade não. É provável que eu
também, com o tempo, fique à beira do caminho, afastado dos
limites da comunidade, clamando: “Filho de Davi, tem misericórdia
de mim!” Esperançoso, eu imagino algum jovem pastor sentindo-se
um tanto desajeitado, junto a um presbítero com hálito de café e
suas Bíblias vindo ao lado de minha cama em nome de Jesus. Eu
os escutarei pedindo a meu Senhor em meu favor. Sua presença,
empatia, seu bom toque, e sua tenacidade em apreender aquilo que
eu não posso ver, sua graciosa recepção de minhas recém-
descobertas confissões sobre a minha verdadeira necessidade de
perdão me conduzirão a Jesus. O trono de graça aguarda. Esses
ossos adoecidos sobre o sofá ou cama em que estou deitado não
poderão me impedir disso.
13 | Cuidando dos pecadores

Esses olhos—buracos de uma máscara.


–J U

Domingo de manhã, havia um homem que regularmente dava


“ósculo santo” a diversas mulheres na congregação,
cumprimentando-as à porta do culto matinal. Com o tempo,
sussurros de reclamação começaram a encher os meus ouvidos.
Em especial, duas mulheres final e desajeitadamente descreveram
esse beijo como não parecendo nada com o que é santo.
No Novo Testamento, dois tipos de toque físico são colocados em
contraste brutal. O primeiro é o beijo de Judas no rosto de Jesus.
Essa espécie de beijo usa erradamente o toque físico para consumir
ou preservar os próprios desejos, lascívia ou agendas egoístas (Lc
22.47–48). Usa erradamente a adultos e crianças sob guisa de
“ósculo santo” em nome de Deus. Em contraste, o “ósculo santo” do
Novo Testamento vê um jeito da comunidade cristã recuperar, em
Jesus, a maneira pela qual os seres humanos originalmente foram
feitos para tocar uns aos outros.69 Entre nós, poucos conhecem por
experiência o que significa tocar ou ser tocado de modo santo. O
toque profano já foi nosso mentor e quebrou a maioria de nós.
Essas duas espécies de toque formam um retrato das duas
espécies de cuidado pastoral, não somente para os doentes como
também para os pecadores. Quando falei de meu desejo pelo
ministério, e Jesus me perguntou o que eu queria que ele fizesse
por mim, jamais teria dito: “Por favor, ensiname a cuidar dos
enfermos e dos pecadores com a minha vida. Por favor, capacita-me
a fazê-lo de tal forma que o teu amor por ambos seja imitado em
meus caminhos”.

Disciplina e pecado
No exame oral para meu ministério, eu estava diante de cinquenta
presbíteros que me perguntaram: “Qual o propósito da disciplina da
igreja?”
Recém-saído do seminário, e de acordo com minha tradição
teológica, respondi que “o propósito da disciplina eclesiástica é
elevar o caráter e ensino de Jesus e proteger o bem estar do
rebanho”.
Depois disso, um pastor gentil e experiente chegou até mim no
corredor e perguntou se ele poderia sugerir uma resposta mais
plena. “Existe um terceiro propósito para a disciplina na igreja”,
disse ele bondosamente. “Esse terceiro propósito tem a ver com o
bem-estar daquele que pecou. Isso é uma boa notícia para qualquer
um entre nós”.
“Certo!”, eu disse. “Eu havia me esquecido disso”.
Com o passar dos anos, tenho entendido que quando alguém é
pego no pecado, ainda é possível que nos esqueçamos deste
propósito.

Relacionar-se com os endurecidos


Às vezes nossa resposta inflamada surge porque o pecador defende
o seu pecado. Por quase dois anos eu tentei me reunir com o
homem que dava “ósculo santo” profano. Tivemos de pedir que ele
parasse. Não muito depois, apareceu um caso amoroso, e seu
casamento estava em frangalhos no escuro. Eu fiquei sem jeito e
limitado, mas apelei a ele com duas mensagens. Primeiro foi a
mensagem de que faríamos todo o possível para andar com ele e
sua família através deste terrível sofrimento, para testemunho nos
anos vindouros que Deus lhe daria em Jesus. A segunda
mensagem foi que sua recusa contínua em admitir suas ações
contrárias ao evangelho colocaria em questionamento a sua
correspondência com Jesus e exigia que nós tristemente
disséssemos isso a ele. Eventualmente, ele nos escreveu isto:
A não ser que vocês considerem as leis dos homens como autoridade
superior às leis de Deus, o adultério começado em novembro de 1979
terminará em 2000. Minha esposa não é minha esposa, Lucas 16.18.
Em referência à sua reunião, não os considero mais a minha igreja.
[...]. Os jovens não têm a mínima importância na sua igreja, ninguém,
durante os últimos sete meses, tem estendido a mão a meus filhos. A
resposta de Jesus ao que seria o maior mandamento foi: “Amarás o
teu próximo como a ti mesmo”, Mateus 22.39.

Quando alguém se recusa a admitir que está errado (incluindo


nós), todo o raciocínio para justificar o erro é empregado. No bilhete,
esse homem sadio, biblicamente respeitado e querido, na verdade
chamou seu casamento de vinte e um anos de adultério. Arrazoou
que, uma vez que seu casamento foi feito por um juiz de paz em vez
de um pastor, não era reconhecido por Deus. Na sua cabeça, a
Bíblia apoiava e recomendava que ele tivesse um caso e
abandonasse sua esposa. Alguém que use a Bíblia desse jeito pode
incendiar nossa impaciência.
Também podemos lutar porque, quando alguém recusa admitir o
erro, assume terreno moral altaneiro e acredita ser mais justo que
as outras pessoas. Neste caso, ele nos atacou como liderança
fraca, enquanto ele mesmo, como líder na igreja, estava tendo um
caso e defendendo o mesmo pela Bíblia. Ele nos atacou por não
cuidar de seus filhos enquanto ele, pai, estava enganando a mãe
deles e separando-se deles. Ele via ciscos em potencial em nossos
olhos, enquanto a trave permanecia nos olhos dele sem ser
detectada.
Em tudo isso nós lutamos também porque simplesmente pôr a
culpa em outrem dói. Também queríamos que nosso grupo de
jovens estivesse melhor. Estendíamos a mão à sua mulher e filhos,
mas nos sentíamos terrivelmente incapazes. Oramos e tentamos —
fazíamos refeições, íamos tomar café, mandávamos bilhetes. É
difícil levar flechadas de alguém que está atirando em todo mundo a
seu redor e precisa, ele mesmo, de ajuda.

Começando conosco mesmo


Entrar no quebrantamento de outro pode nos deixar expostos.
Talvez estejamos com medo de nossa esposa nos deixar. Talvez
sejamos filhos de um pai que deixou nossa mãe por outra mulher.
Talvez tenhamos pensado secretamente sobre o desmoronamento
de nosso próprio casamento e estamos de olho na mulher sentada
dois bancos à frente na igreja a cada domingo. Nossa reação
emocional pode agarrar-nos pelos cabelos. Vê-lo faz com que
olhemos coisas em nossa própria vida que preferíamos não
enxergar.
Alguns entre nós nos tornamos passivos. Acendemos o pavio mais
comprido e corremos para nos proteger atrás de abrigos distantes.
Detonamos pecadores pela negligência em vez de por nossos atos
— o que omitimos e não o que cometemos. Dizemos que nosso
afazeres estavam em outro lugar. Arranjamos a vida como líder de
ministério para viver a mentira de jamais ter de dizer a ninguém:
“estou arrependido”.
Não é de surpreender que Paulo dissesse: “Guarda-te para que
não sejas também tentado” (Gl 6.1). Você já se escutou dizendo:
“Eu jamais faria isso?” Existe nessa sentença uma armadilha.
Quando o meu amigo pastor tirou sua própria vida, várias pessoas
nos meses seguintes confessaram que pensavam em suicídio.
Alguém cometeu o ato. A igreja quebrada teve de andar fatigada e
entorpecida através de tudo isso novamente.
Quando o meu primeiro casamento estava implodindo e eu lutava
desesperadamente para obter ajuda, havia um homem que
repetidamente me aconselhava, dizendo que o divórcio não era tão
mal assim. Mais tarde fiquei sabendo que o casamento desse
homem estava com profundos problemas. O seu conselho, em vez
de ser bíblico, estava manchado com as suas próprias tentações.
Eu me lembro de um homem que compartilhou comigo os sites de
pornografia que ele usava. Ele o fez como um ato de confissão para
“trazer à luz”. Mas os nomes dos endereços da web me tentavam a
clicar neles nos próximos três dias. “Porque, se alguém julga ser
alguma coisa, não sendo nada, a si mesmo se engana. Mas prove
cada um o seu labor e, então, terá motivo de gloriar-se unicamente
em si e não em outro” (Gl 6.3–4).

A situação inevitável
O líder mencionado anteriormente acabou com o seu casamento e
continuou com a sua nova amante. Não foi uma espécie de pecado
privado, que pudesse ser tratado apenas de modo particular. Seu
pecado era público, e todo mundo estava observando. Ele era nosso
amigo. Estávamos profundamente sentidos. Alguns queriam ação
rápida, com veemência. Nós resistimos a essa ideia. Se fôssemos
errar no caso, erraríamos por dar tempo demais para que ele
voltasse à razão. Quase dois anos de apelos, andando junto dele e
tentativas de ajudá-lo haviam passado e não adiantaram nada. Não
tivemos sucesso em ganhar nosso querido irmão (Mt 18.15). Ele se
recusou a escutar (v. 17). Tivemos de “considerá-lo como gentio e
publicano” (v. 17).
O que isso significava? Eu não sabia. Procurei nos Evangelhos
para ver como Jesus se relacionava com os gentios e publicanos.
Do seu jeito, ficava claro que ainda amaríamos esse homem.
Diríamos “Como vai?”, e comentaríamos o tempo se o
encontrássemos no shopping. Talvez ele dissesse: “Será que
poderíamos nos encontrar para tomar um café?”, e responderíamos:
“Claro, mas o que está em minha mente é a situação do seu
coração. Quando nos encontrarmos, poderemos falar também sobre
isso?”, “Não”, ele poderá responder. “Está certo”, diríamos. “Eu oro
por você e anseio por seu bem. Qualquer hora que você quiser
conversar sobre as coisas, ficarei feliz em tomar café com você.
Mas, sinceramente, eu também preciso de Jesus. E ainda tenho
esperança de que você admita que o que fez com sua família não é
o que Jesus deseja para nós, e que você queira voltar aos braços
da graça de Jesus”.
Quando fala sobre o pecador endurecido que se chama de
seguidor de Jesus: “Com ele não comais”, Paulo não nos convida a
desprezar maldosamente ou a desconsiderar ou maltratar essa
pessoa. Uma refeição juntos seria como um presente sobre nossa
mesa se essa pessoa visse a sua necessidade de perdão.
Ansiamos por isso, mas esperamos. Nosso amor, anseio, bondade e
orações por ele não tiram a realidade de que em Jesus essa pessoa
agora está identificada “como se” não fizesse mais parte da
comunidade dos crentes. Nossa comunhão não é a mesma que
antes nem o que ela poderia ser.
Reconhecemos que seu casamento provavelmente (se bem que
não certamente) está perdido para sempre. Mas, que alegria e
liberdade significariam, se ele simplesmente dissesse: “Sei que eu
estava errado. Eu preciso perdoar, ser perdoado e mudar”. A
comunidade poderia então se juntar a ele com lágrimas, mas
também alegre esperança!
Ele ainda poderia abençoar os seus filhos com instrução sábia. Ele
poderia remover a loucura — a ideia de que Jesus diga que está
certo aos papais deixarem as mamães por outra mulher, a noção
que tal ensino põe na cabeça delas sobre quem são como filhas que
um dia se tornarão mulheres. Essa clareza tomaria as mãos de suas
filhas para que elas possam andar por caminhos mais seguros em
seu futuro.
Ele ainda poderá dizer à sua ex-esposa: “Eu estava errado. Por
favor, me perdoe”. Pode ser que nunca mais voltem à posição de
amizade. Mas a simples admissão pode retirar os raios e trovões
das nuvens de tempestade que cortinam o céu de seus cuidados
mútuos de pai e mãe.
Mais importante, a honra de Jesus e os seus ensinamentos
encontrariam clareza renovada em sua vida pública para todos
quantos o observassem. Em seu coração, diante de Deus, ele
estaria reconciliado. Todo aquele esforço por torcer os versículos
bíblicos, inverter o plano moral mais alto e lançar a culpa nas outras
pessoas pode se acalmar. Os músculos tensos de cada minuto
poderão relaxar. Os corações que batem a cada segundo podem
passar a ir mais devagar. Ser novamente “ganho” em Jesus.
Defender o amor ao próximo e encontrar repouso para a alma —
tais bênçãos revelariam o terceiro propósito da disciplina,
produzindo seu doce fruto em uma vida comum.

Relacionar-se com os amolecidos


Surpreendentemente, também podemos lutar para nos relacionar,
não somente com os resistentes, mas também com aqueles que
admitem seus erros e ativamente procuram o perdão. De começo,
queremos que a pessoa que pecou contra nós ou contra nossa
comunidade sinta dor. Se ela confessa rapidamente demais seu
erro, achamos injusto. Nossas emoções estão apenas começando a
se mexer. O que fazemos com elas se não pudermos lançá-las
contra o ofensor?
Quando alguém for realmente transformado pela graça, isso
requer que nós também mudemos, não somente aquele — e nós
não gostamos disso. Imagine um marido e sua esposa. O marido
tem lutado contra a ira durante anos. Ela tem orado por ele. Depois
de todo esse tempo, Jesus começa a mudá-lo. Durante a sua
próxima briga, ela o trata como se ele estivesse expressando sua ira
com falta de amor como sempre fez. Mas o problema é que, na
verdade, ele a está amando bem. De repente, é ela que extrapola os
limites pelo jeito que o está tratando no momento. Agora, é ele que
está ferido. Ela é que precisa pedir perdão. A oração por ele, agora
respondida, convida-a a que também mude.
Mas ela não gosta disso. Por muitos anos, ele expressava sua ira.
Agora ela deveria ter licença para fazer o mesmo!
Instantaneamente, ela é tentada a remover as boas-vindas à oração
respondida. Faz sentido. Afinal de contas, ela não pode mais falar
mal de seu marido do jeito que sempre fez. Seus pedidos de oração
por seu marido no grupo de mulheres têm de mudar. Ela não tem
mais razão para evitar prestar atenção aos seus próprios erros.
Todo esse tempo ele estava sempre na defensiva e era impaciente.
Agora, ela descobre que ela está na defensiva e é impaciente —
não porque ele é maldoso, mas porque ele é gracioso!
Às vezes, ir juntos a um novo lugar de liberdade no evangelho é
um lindo sonho, mas é assustador de se assumir.
Ouça como Paulo escreve àqueles que confessaram:

Porque, no meio de muitos sofrimentos e angústias de coração, vos


escrevi, com muitas lágrimas, não para que ficásseis entristecidos,
mas para que conhecêsseis o amor que vos consagro em grande
medida (2Co 2.4).

Sua postura está cheia de lagrimas, cheia de anseio e


preocupação pelo bem-estar deles. Eles são queridos para ele. O
seu propósito é expressamente designado, não para feri-los, mas
para fortalecer seu senso de como são amados naquilo que ainda
têm para aprender e confrontar.
De fato, Paulo inicialmente lastimou ter escrito para eles, temendo
tê-los ferido injustamente (2Co 7.8). Ele esclarece sua gratidão por
eles não terem sido feridos de modo injusto. “Agora, me alegro não
porque fostes contristados, mas porque fostes contristados para
arrependimento; pois fostes contristados segundo Deus, para que,
de nossa parte, nenhum dano sofrêsseis” (2Co 7.9).
A postura de Paulo não é nada semelhante ao pai errado que bate
muito na criança até ter certeza de que ela esteja ferida bastante
pelo pecado que cometeu, como se forçar alguém a sentir a
convicção do pecado seja tarefa dele e não do Espírito Santo (Jo
16.8–9). Ele não quer que seu filho esqueça do que fez. Isso se
traduz em sempre ter de vestir a sobrecapa cinzenta de ter pecado
e nunca poder vestir as cores alegres do perdão.
Em contraste, Paulo ressalta que, porque aquele que foi pego em
pecado está realmente sendo transformado, a comunidade também
tem de agir de acordo com o que diz a Palavra. “Basta-lhe a punição
pela maioria. De modo que deveis, pelo contrário, perdoar-lhe e
confortá-lo, para que não seja o mesmo consumido por excessiva
tristeza. Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso
amor” (2Co 2.6–8).
O castigo para aquele que se arrependeu não deve continuar para
sempre. Respondemos à tristeza excessiva do coração arrependido
pelo evangelho. “Perdoar, confortar, reafirmar seu amor”, é o que
Paulo implora que seja feito.
O fato de ter sido perdoado não justifica a estultícia nem remove
todas as consequências do erro. Não há como uma pessoa que
odeie o fato de ter sido molestador, mesmo tendo sido perdoado,
receber a responsabilidade de cuidar do berçário. O seu lugar na
comunidade requererá que ele empregue seus dons de outras
formas.
A amizade nem sempre segue ao perdão entre aqueles que foram
vitimados. Embora sejamos capazes de perdoar pela graça, a
pessoa que foi prejudicada talvez frequente uma igreja diferente da
pessoa que a feriu ou vice-versa. É raro para o perdão ter um final
feliz, de conto de fadas, no momento, mas ele nos conduz a um final
redentivo para todos os envolvidos — um final que o céu curará
completamente.
Mas por que isso tem importância? Porque, de acordo com Paulo,
a maneira como tratamos o pecador arrependido agora é um ato de
batalha espiritual. Estas situações nos “provam” com respeito à
extensão de nossa obediência (2Co 2.9). Obedecer ao perdoar e
reafirmar nosso amor pelo pecador arrependido é necessário para a
luta contra os “desígnios” de Satanás na comunidade (2Co 2.11). É
Satanás e não Deus que inflige tristeza excessiva sobre a pessoa
arrependida, junto com a ausência de amor, negligência de consolo,
e castigo que nunca acaba. Nesta altura, Paulo nos relembra,
portanto, que ao tratar de disciplina e pecado, somos tentados a
refletir uma aproximação diabólica mais do que divina.

Discernir as tristezas
Acenda um fósforo em uma fogueira no acampamento, e tanto a
gasolina quanto o jornal pegarão fogo. Ambos são capazes de
iniciar o fogo para fazer o jantar. Ambos são capazes de destruir o
acampamento todo. Mas um deles é volátil e não é digno de
confiança.
Do mesmo modo, tanto o diabo quanto Deus falam sobre o
pecado. Mas seu impacto difere de modo dramático. Conquanto o
Espírito Santo nos convença do pecado, nunca o Espírito Santo é
identificado como o acusador. O modo de Deus confrontar o seu
povo em seus pecados é o que Paulo chama de “tristeza segundo
Deus” (2Co 7.9–11).
Primeiro, a tristeza segundo Deus não produz apenas lágrimas ou
novas resoluções. Na verdade, produz arrependimento — isso
significa um verdadeiro ponto de virada. A mudança é terna, é nova
e incompleta, mas é real.
Segundo, a tristeza segundo Deus leva a pessoa de volta a um
novo conhecimento da provisão da salvação — o mérito e a
misericórdia de Jesus. As suas sandálias, a cruz, o túmulo vazio,
sua presente intercessão e defesa — fazem um feliz reencontro no
ser da pessoa. A pessoa sabe que no final, foi contra Deus que ela
pecou e a Deus ela volta quando vem para casa.
Terceiro, a tristeza segundo Deus propõe mandar embora o
remorso: “Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento
para a salvação, que a ninguém traz pesar” (2Co 7.10). Em
contraste, existe uma espécie de sofrimento pelo pecado que nada
tem a ver com Deus. No decorrer dos anos, tenho observado que
aqueles apreendidos do pecado da mentira, por exemplo, exigem
energia e tempo mais ativos — especialmente se a mentira tem se
tornado o seu estilo de vida.
Por que é assim? De um lado, uma longa vida nesse pecado dá à
pessoa uma forte habilidade com a manipulação. Essa pessoa é
adepta às lagrimas, citação dos versículos certos, dar olhares
significativos e dizer aquilo que a pessoa à sua frente quer ouvir. É
fácil concluir que alguém tem tristeza piedosa quando, na verdade,
ela sente tristeza por ter sido pega e está simplesmente tentando
fazer o que precisa para tirar todo mundo de cima das suas costas,
para que tudo volte ao normal.
Por outro lado, quando a graça começa a ensinar de novo ao
mentiroso como amarrar os seus sapatos, como com qualquer outro
pecado e pecador, a mudança frequentemente não acontece tudo
de uma só vez, mas em acessos e aos trancos e barrancos. Isto
quer dizer que a pessoa mentirosa exige tempo para ver quão
profundamente ela mente e como as suas palavras giram saturando
sua vida diária. Por esta razão, uma pessoa a quem Jesus esteja
transformando poderá contar a verdade numa mesma conversa em
que mentiras não percebidas também estejam presentes. É fácil
concluir que não há mudança, quando, de fato, uma poderosa
mudança está ocorrendo. Só que leva muito mais tempo do que
desejaríamos.
À luz de tudo isso, o ponto que Paulo destaca é de grande valor.
Uma tristeza autogerada, que o diabo aproveita para aumentar,
“produz morte”, diz Paulo (v. 10). Isto é, derrama lágrimas, mas não
converte; faz resoluções e cita versículos. Mas não descansa
somente em Jesus nem se submete a Deus.
O pesar ainda conta a história na primeira pessoa e no presente,
como se ainda estivéssemos naquele momento. Aconteceu anos
atrás, mas as pessoas que estão ouvindo têm a ideia, vinda de
você, de que tenha acontecido recentemente.
O pesar também guarda segredos. Colocamos a tampa sobre ele
e não contamos a ninguém, a fim de preservar nossa imagem. Aos
poucos isso nos corrói. Mas a tristeza segundo Deus eventualmente
vira nossos segredos pecaminosos em testemunhos da graça.
Por onde começar?
Em Gálatas 6 Paulo diz: “Irmãos, se alguém for surpreendido
nalguma falta” (v. 1). Por “alguém”, (qualquer um), Paulo se refere
no contexto àqueles que professam seguir a Jesus. Ele expõe isso
em outro lugar:

Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros;


refiro-me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou
aos avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de
sair do mundo. Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com
alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou
maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda
comais. Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não
julgais vós os de dentro? Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai,
pois, de entre vós o malfeitor. (1Co 5.9–13)

Primeiro, de acordo com Paulo, nossa tarefa não é nos separar ou


julgar os nossos vizinhos não cristãos. Para fazer isso teríamos de
sair do mundo (muitos de nós entendemos isso muito erradamente).
Segundo, quando Paulo diz: “em alguma falta”, nosso coração é
sondado, porque ele inclui toda espécie de coisa maculada com a
qual podemos nos deparar no armário de outra pessoa.
Antes do ministério vocacional, trabalhei com as vítimas de crimes
no município de Blackford, Indiana. Eu estava despreparado para os
tipos de transgressões que existiam fora de minha janela. O trabalho
abriu as cortinas do mundo — assassinato, abuso sexual, violência
doméstica, abuso infantil, uso de drogas. No ministério pastoral, o
fato de que essas questões ocorram também nas igrejas, muitas
vezes, me pegou desprevenido. Um pastor da mocidade que tem
sexo com as meninas do grupo de jovens, um homem que forja a
morte do filho para seus colegas de trabalho, uma mulher que leva
sua família à falência ao mentir habitualmente e manipular os fundos
do banco. As palavras de Paulo: “qualquer transgressão” prendem
nossa atenção e localizam nosso trabalho pastoral.
Terceiro, Paulo esclarece que entrar na confusão da recuperação
de um pecador que foi pego em seu pecado está fora dos limites
para a maioria de nós. Como isso é diferente! Em minha experiência
de igreja, muitas pessoas tomam sobre si e acreditam ser o seu
papel confrontar aquilo que enxergam em qualquer pessoa que
veem. Mas Paulo diz de outro modo. Somente aquele “que é
espiritual” deverá restaurá-lo (Gl 6.1)
Por “espiritual”, Paulo evidencia o contexto dos versículos
anteriores com os quais ele tratou do fruto do Espírito em contraste
com as obras da carne. Se intentamos ou nos encontramos
confrontando um pecador que foi “pego no ato” com o uso de
ferramentas de inimizade ou contendas ou estouros de ira, por
exemplo, então nós não somos um daqueles que deverá andar com
o pecador que foi surpreendido. Outra pessoa que seja “espiritual”,
isto é, entregue à graça de envolver o pecador com amor, paz,
paciência, bondade e autocontrole, tem essa tarefa, porque esse
pecador deve ser restaurado “com espírito de brandura” (v. 1).
Além do mais, estamos tratando de uma transgressão ou pecado.
A disciplina da igreja (como ocorre com qualquer espécie de
disciplina, a de pais com seus filhos por exemplo) tem a ver com
pecados. Isso quer dizer que nós não podemos disciplinar alguém
por ter opinião diferente da nossa, estilo de ensino diferente, por
expressar um temperamento diferente do nosso, não fazer o que
queremos que faça ou não fazer algo quando achamos que deve
ser feito.
Nem toda fraqueza ou luta advém do pecado. Imagine uma mãe
cujo filho derramou o leite. Pecado não é a única causa possível
para o leite derramado, e, portanto, a mãe não tem razão para tratar
a criança como se ela estivesse em enroscada. Para começar, as
crianças (como os adultos) têm limites. Um garotinho de dois anos
não consegue fazer o que seu irmão de cinco anos consegue. Uma
criança terá de fazer cinco anos antes de ter dez anos de idade.
Assim como não disciplinamos uma aluna de primeiro ano por ela
errar em um problema de matemática de quinta série, um garotinho
de dois anos de idade pode derramar seu leite porque suas mãos e
coordenação ainda não são aquilo que serão no futuro.
As crianças não têm apenas limites; elas também sofrem
acidentes. Uma criança pode simplesmente ter tentado passar as
ervilhas para a pessoa a seu lado na mesa, e, sem malícia e sem
querer, derrubou o leite. Neste caso, nossa frustração é problema
nosso, para ser levado diante do Senhor, e não algo pelo qual
disciplinamos legitimamente nosso filho. Os acidentes podem ter
maiores consequências quando envolvem arremessar uma bola de
beisebol ou dirigir um carro. Um motorista adolescente que,
enquanto dirige dentro do limite de velocidade, não viu a criancinha
correr de trás de um carro estacionado, terá de enfrentar o pesadelo
de uma situação que não escolheu. Aqueles que cuidam dele
mantém por ele a sua consciência de que há uma diferença entre
ele e alguém que tente dirigir temerariamente ou até mesmo
premeditando o mal a uma criança.
Uma nuança ainda mais séria é que para os adultos, os acidentes
também podem ser provenientes de pontos cegos, particularmente
em relacionamentos. Pequenos grupos e ministérios
frequentemente se deparam com isso. “Como o louco que lança
fogo, flechas e morte, assim é o homem que engana a seu próximo
e diz: Fiz isso por brincadeira” (Pv 26.18–19).
Muitas vezes, os adultos infligirão dor sobre os outros por suas
palavras ou ações relacionais e depois se surpreenderão que outra
pessoa tenha se ofendido. Adultos respondem à dor que causaram
dizendo: “Não fiz por mal”, “Não foi minha intenção”, ou, “Era só
brincadeira”. Isto é verdade. Eles não tinham intenção ativa de
machucar alguém. Muitas vezes, portanto, eles assumem que o
problema está com quem se sente ferido. “Ela não deveria se sentir
desse jeito. Ela tem um problema”, e então o adulto prossegue
adiante. O “acidente” na verdade é um pecado devido, não à
intenção, mas a uma falta de instrução.
O problema é que adultos assim estão cegos quanto ao impacto
de seu jeito de relacionar-se, porque não enxergam nem
aprenderam a estultícia do que estão fazendo. Assim, sem querer, é
causado ferimento. Embora às vezes seja verdade que a pessoa
ofendida possa aprender a se tornar menos sensível, igualmente é
verdade que dizer “Eu fiz sem querer” ou “Isso não significa nada”,
pode ser uma desculpa esfarrapada. A ajuda vem quando esses
adultos deixam a ferida não intencionada mudar de uma desculpa
para uma bandeira vermelha. Causar constantemente feridas não
intencionadas é convite ao adulto para se afastar para o lado da
estrada e olhar novamente o jeito que está dirigindo. Talvez seja
necessária uma mudança pela graça.
Um pecado é diferente de um limite ou um acidente exatamente
nisto: se a criança ergue o copo e, de cara ousada fita seus pais, os
pais dizem não (presumindo-se que a criança tenha aprendido o que
essa palavra significa), e a criança deixa cair o copo sem desviar o
olhar, estamos agora no âmbito do pecado. Contudo, mesmo aqui
Paulo nos ensina que o erro feito não justifica que emprestemos as
obras da carne para disciplinar o que cometeu o erro.
A propósito, um líder individual pode não ter a graça de entrar em
determinada situação de um pecador (como uma pessoa molestada
por um abusador, uma mulher assediada por um molestador), mas
em um todo, toda a comunidade de Jesus deverá ter a capacidade
de fazê-lo. Surge a pergunta: Existe alguma espécie de pecado que
não nos encontraríamos dispostos a enfrentar ou seríamos
incapazes de tratar da forma como Jesus faria? Nossa resposta nos
mostra onde precisamos da graça individual e de uma comunidade
em Jesus que possa tratar mais coisas de modo coletivo do que
pessoalmente.

Conclusão
Muitas vezes penso em Judas e Pedro. Ambos pecaram
terrivelmente. Ambos choraram amargamente.
O pesar conforme o mundo e a tristeza piedosa são exibidos e
apresentados em contraste.
Um lastimou seu erro, mas não voltou atrás. Ele não era
deprimido. Nenhum teve um surto doentio devido a alguma
disfunção química. Era diferente. Ele enforcou-se como a própria
solução para o seu pecado. Remorso, e não salvação, foram as
duas mãos que amarraram a corda.
O outro homem encontrou mais do que choro — salpicado na
oração e intercessão de um Salvador. Todo dia, pelo restante de sua
vida, os galos ainda cantavam. Não foram embora de Jerusalém.
Todo dia as aves da lembrança continuavam a gritar e Pedro as
ouvia. Mas a cruz permaneceu. O túmulo se esvaziou. O pesar
murchou. O caráter cresceu. Desvaneceu a multidão. Deus segurou
o homem em suas mãos.
Ver Rm 16.16; 1Co 16.20; 2Co 13.12; 1Ts 5.26.
14 | Conhecimento Local

Como é que chegamos a essa floresta quebrada? Será possível


construirmos uma casa aqui, fazer amigos desses tocos destroçados?
–E M

Deus assim planejou. Abrir o seu livro exige necessariamente um


ato de amor por vizinhos e lugares sem renome, desconhecidos.
Para acessá-lo, temos de ler páginas de histórias de pessoas cujos
nomes não conseguimos pronunciar, vindos de lugares dos quais
nunca ouvimos falar. Para o conhecer, temos de tratar do contexto e
pano de fundo nas coisas específicas da vida comum entre pessoas
que, à primeira vista, são irrelevantes para nós. Pense nisso por um
momento, sim? Afinal de contas, você é uma pessoa desconhecida
em um mundo desconhecido, que parecerá irrelevante para a
maioria das pessoas do mundo de hoje, quanto mais para aqueles
que lerão a respeito de sua vida daqui a um século. Contudo, Deus
ajunta todos os detalhes de nossos dias com amor e interesse. A
próxima vez que você abrir o seu livro, lembre-se disso: Deus quer
que você habite no conhecimento local, está bem?

Chamado
A maioria de nós, em nossos lugares ordinários, quando dizemos
que Deus nos chamou, queremos dizer que, com o passar do tempo
nos tornamos mais atentos a um desejo interno que diminui e
aumenta, mas não se apaga. Colocamos então esse desejo em
oração diante de Deus a cada momento, dia a dia. Tomamos passos
nesse tempo para provar na comunidade, com as Escrituras, se
temos ou não os dons que combinam com esse desejo. Ao longo do
caminho, aqueles que nos conheciam melhor no local, bem como
aqueles a quem tentamos servir, nos disseram que foram
fortalecidos em Jesus por causa de nosso uso desses dons.
Consequentemente, depois de um tempo (talvez anos), tomamos
passos desajeitados e assustadores de fé, sem saber para onde
esses passos nos levariam. Mas, a essa altura estávamos seguros
por esse desejo que não se apagava e essas afirmações da
comunidade dentro do contexto da Palavra de Deus, que talvez
Deus estivesse realmente nos conduzindo a isso. As oportunidades
circunstanciais chegaram, então, nós entregamos nossa vida
àqueles que nos foram dados em obediência e gratidão a Deus.
O que acabo de descrever soa como um curso intensivo no
escutar devagar, comum, que se aprende do pobre sábio ou do
servo sofredor contemplativo, não é mesmo?
Minha pergunta é a seguinte: E se o jeito que Deus usa para
chamar a maioria de nós ao ministério for, em si mesmo, uma
educação na espécie de habilidades que o ministério requer?
Contudo, algo estranho nos acontece. Uma vez que nos tornamos
pastores, muitos de nós deixamos completamente de escutar desse
jeito. Em vez disso, reagimos, falamos muito, e constantemente nos
apresentamos como indivíduos peritos e experimentados, que já
sabem o que é necessário e conseguem rapidamente agir para
resolver qualquer questão ou problema que se apresenta. Isso é
especialmente visível quando tentamos afirmar nossa visão e mudar
a cultura de uma congregação. Isso é um problema.

Exploradores e construtores de estradas


Os antigos exploradores do ártico cometeram esse mesmo erro
crucial. Eles animadamente previram o lugar e foram até lá
fortalecidos com seus próprios pressupostos culturais. O resultado?
Morreram. Foram encontrados sob o gelo, com seus volumes de
livros e louça fina, usando casacos impróprios para a região, feitos
para lidar com os invernos que eles sempre conheceram. Outros
tiveram situação melhor. Esses exploradores agiam como se o ártico
tivesse uma linha de história das condições, pessoas e lugares que
os precederam. Andaram mais devagar, estudaram o terreno,
estudaram e aprenderam das pessoas que ali viviam. Estes
exploradores viveram.
Prestar atenção à “tecnologia nativa”, fazendo reconhecimento
local do lugar, forjou o destino diferente dessas duas expedições.
Enquanto o primeiro grupo levou cavalos que não sobreviveriam ao
clima, o segundo grupo pensou em fazer perguntas tais quais por
que os nativos não utilizavam cavalos, mas dependiam de cachorros
para seu transporte.70
Uma analogia similar surge entre os que abrem trilhas e os que
constroem estradas. Onde nossa primeira história expõe os danos
que exploradores visionários podem fazer contra si mesmos, essa
segunda história nos lembra dos danos que exploradores visionários
podem fazer contra os lugares aonde chegam.
Os que abriam trilhas na América antiga criaram meios de viagem
procurando manter intacto o lugar que os precedia. Em contraste, os
construtores de estrada usavam dinamite para estourar qualquer
coisa que estivesse no caminho de sua direção preferida. Existe
uma observação convincente nesta história. Muitas vezes, os que
abriam trilhas habitavam no próprio lugar onde faziam esses
caminhos, enquanto os que construíam estradas frequentemente
não tinham nenhum conhecimento detalhado da região nem
compromisso duradouro para com ela.

Porque não pertenciam a nenhum lugar, era quase inevitável que se


comportassem com violência nos lugares a que vinham.71

O que as duas histórias destacam é uma tendência de afirmar


nossa visão para determinado lugar sem tê-lo conhecido ou amado
antes. Nos dois casos ocorrem danos desnecessários. Quando os
pastores fazem isso com as congregações (ou vice-versa), os danos
são feitos em nome de Deus.

Cedo demais para saber


Em 1Reis 12, Roboão se torna rei e imediatamente deseja fazer
prevalecer a sua visão para as pessoas de sua terra. O povo
expressa sua fadiga. Recontam a Roboão as condições e histórias
de como tem sido a vida para eles. Pedem por um passo mais lento
do que ele intenta.
Roboão procura conselho de dois grupos diferentes — um jovem e
um velho. Os mais velhos pediram que ele escutasse o povo. Se
quiser conhecê-los e esperar pelo amor deles a curto prazo, esse
povo, sentindo-se ouvido e compreendido, o seguirá de todo
coração no decorrer do tempo. Em contraste, os jovens aconselham
que, sendo Roboão o rei, ele não precisaria escutar o povo. Pelo
contrário, Roboão teria de demonstrar seu poder e exigir submissão
e trabalho.
A essa altura, podemos dizer, esses jovens ainda não tinham
ouvido falar sobre o pobre homem sábio. Eles não imaginavam que
escutar com paciência, aprender e atender pudesse servir como
verdadeiro ato de poder do rei. Uma postura humilde de ouvir
poderia abrir o caminho para uma visão clara de sabedoria, que
pudesse ser conduzida por longo período de tempo.
Roboão desprezou o passo vagaroso do sábio. Escutou a
estultícia. O reino foi dividido contra ele e acabou dividido contra si
mesmo (1Reis 12.1–16).
Não é raro ouvir pastores que reclamam nos primeiros capítulos
de seu ministério em um novo lugar: “As pessoas não me seguem”,
dizemos. “Elas não partilham de minha visão”. “Eu já expus o plano
que Deus me deu, apresentei diretivas claras, e estabeleci
estruturas bem projetadas, mas só tenho divisão e dor de um lado e
apatia do outro. Quem sabe, já é tempo para eu ir embora”.
Dizemos isso tudo e só estamos ali a dezoito ou vinte e nove
meses.
Pode ser hora de ir embora, mas estou aprendendo que, na
maioria dos casos, é cedo demais para saber. Particularmente, se
tentamos importar nossa própria visão sem atentar para a tecnologia
nativa, ou se usamos dinamite como nosso estilo de liderança para
explodir buracos que poderiam construir nossas “estradas” de visão,
para que assim nós possamos passar.
Tome nota disso, se puder. Na maioria das vezes, uma
congregação e seu pastor não são perturbados um pelo outro em
termos de seu propósito comum de ver pessoas transformadas pelo
evangelho. O problema, muitas vezes, tem mais a ver com os
pressupostos culturais que a congregação e nós, como pastores,
trazemos a este propósito comum. Consequentemente, depois de
dois anos no trabalho estamos feridos e frustrados. Eu só queria ver
indivíduos transformados para Jesus, nós pensamos. Por que então
algumas pessoas estão chateadas porque eu mudei a reunião de
oração para as manhãs de sábado? E por que aquele presbítero
está tão incomodado comigo? Eu não consigo pensar em qualquer
coisa que tenha dito ou feito para ofendê-lo. E qual é o grande
problema de eu não usar pontos na agenda de reuniões de
diáconos ou slides do PowerPoint quando estou pregando? E os
crentes, porque estão incomodados por, durante o sermão, eu estar
ajudando os visitantes a localizarem o texto do sermão na Bíblia?
Oh, e onde as pessoas têm a ideia de que eu não me preocupo com
os nossos voluntários de berçário, e quem se importa que eu não
usei gravata no domingo passado?
Marque bem isso aqui. Quando pastoreia uma congregação, você
não apenas cultiva a formação espiritual das pessoas, como
também a formação cultural de um lugar.

Humilhando-nos
Dezoito meses depois de pregar descalço naquele auditório de
segundas chances, muitos da nossa congregação não estavam
mais impressionados. Assim, certo domingo de manhã (na mesma
semana que eu dirigira uma conferência sobre pregação em outro
estado), pedi a todos que me escutavam em minha própria
congregação aquilo que jamais imaginei que eu lhes pediria: “Vocês
me ensinam a pregar? Preciso de sua ajuda”.
As pessoas estavam, por muitas razões, deixando a nossa
congregação em turmas. Uma das razões era a minha pregação. Eu
tinha três escolhas. Desistir, estourar usando a minha autoridade
(como os conselheiros jovens de Roboão fizeram), ou me humilhar e
escutar o que o conhecimento local tinha a dizer.
Às vezes eu queria desistir e ter um acesso de raiva. Mas confiar
em Jesus significa que você e eu temos de fazer o que não
queremos, a fim de que aqueles a quem servimos vejam o que
precisam ver em Jesus (Jo 21.18).
Portanto, eu me humilhei, e estabelecemos várias casas abertas.
As pessoas vinham e me diziam o quanto eu poderia melhorar
minha pregação. No meu orgulho eu reclamava a Deus: “Com
certeza eles se ofenderiam, e com razão, se eu entrasse em seus
escritórios, sem treino ou experiência naquilo que fazem, e lhes
dissesse como deveriam fazer melhor o seu trabalho”. Então eu
gritava ainda mais alto a Deus. “Não mereço isto. Algumas dessas
pessoas querem até mesmo me ferir. Não querem me amar.
Querem que eu produza a experiência que eles desejam, ou vão
embora para outro lugar”.
Era a ameaça do consumidor de “ir para outro lugar”. Às vezes os
pastores desejariam fazer a mesma ameaça. Mas daí viriam os
lobos, e de que adiantaria?
Finalmente, as brandas graças vinham como as chuvas suaves,
lembrando-me nas vigílias da noite de que eu não sou empresário,
mas pastor de ovelhas, não sou um servo contratado, mas um
pastor com a tarefa de prover cuidado espiritual a um povo amado
por Deus. Minha vida não me pertence. Nem a sua.
Então, que textos há para nos ensinar sobre fazer caminhos que
contribuam para o que é nativo em vez de dinamitar o caminho da
congregação com a nossa visão?

Tito
Creta era uma igreja iniciante, precisando de ajuda real e difícil
labor. Era distante, sem prestígio e sem reputação, exceto de ser
notoriamente corrupta. Mas havia uma história se fazendo em Creta.
Jesus tem algo a dizer ali. O que Tito, esse grande homem com
dons superiores deveria fazer por Jesus quando chegasse ali?
Paulo nos diz:
• Fique conhecendo pessoas comuns do local e comece a instruir
aqueles que têm dons de liderança (“para que... constituísse
presbíteros”, Tt 1.5). Tito deverá aprender o nome e a história das
pessoas do local.
• Gaste tempo conhecendo cada cidade próxima e, desta forma,
busque o bem delas (“em cada cidade”, v. 5). Tito deverá
aprender o nome, a condição e as necessidades das cidades de
sua região.
• Fique sabendo das narrativas locais que se opõem ao evangelho
(“Porque existem muitos insubordinados... É preciso fazê-los
calar...”, vv. 10–11). Tito deverá gastar tempo aprendendo os
ensinos, os preconceitos e as personalidades que desafiam o
evangelho.
• Gaste tempo para conhecer as famílias do local para cuidado
pastoral (“porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o
que não devem”, v. 11). Tito deverá equipar as famílias em seu
andar com Jesus em meio a esses desafios locais.
• Familiarize-se com a história e literatura do lugar (“Foi mesmo,
dentre eles, um seu profeta [poeta], que disse: Cretenses, sempre
mentirosos...”, v. 12 ). Tito precisa ler as notícias e os porta-vozes
locais.
• Cultive uma cultura congregacional que seja de ética relacional
(homens mais idosos, homens mais jovens, mulheres mais
velhas, mulheres mais jovens, 2.1–6). Tito deve cuidar da
formação de um ambiente relacional, em que vivam a vida juntos.
Nada disso acontece em um só dia.
Eis algumas coisas que nos fazem andar mais devagar, deixando-
nos atentos antes de acender um fusível ou levar seu órgão portátil
à tundra.

Palavras e Memórias
Primeiro, lembre-se de que essa cultura e essas pessoas existiam
antes de você chegar. Eles já usaram palavras e deram a elas seus
significados, algo que todos nós fazemos.
Mencione a mim a palavra Mamaw, e minha memória desperta.
Ouço a voz dela dizendo: “As minhas terras”, ou: “ele é um peralta”,
ou se referindo a mim como “Charlie Brown”. Eu a vejo assistindo
programas de viagens na televisão, usando blusa amarela de
manga curta, andando pelo quintal catando os pedaços de pau ou
sentada calmamente com os sentidos não falados que às vezes
dançavam e às vezes choravam em seus olhos no Natal. Sinto o
cheiro de seu perfume ou o efeito de suor na pele, das horas gastas
cozinhando vagens com bacon. Vejo a sujeira debaixo de suas
unhas por cavoucar seu jardim e horta, nos quais plantava e colhia
as mesmas vagens. Sinto o cheiro do sabonete após um banho de
chuveiro, da madeira bolorenta das escadas que Papaw construiu.
Sinto o sabor de sua macarronada com tomates, os franguitos que
ela me trazia depois do trabalho quando eu era menino, e das
lágrimas que beijei em seu rosto antes dela morrer. Sinto seu abraço
na varanda quando ia voltar para a faculdade. Sinto seu cabelo
escuro seco e entregue sobre sua fronte quando ela estava na casa
de repouso.
Mencionar a palavra Mamaw de modo leviano, até mesmo de jeito
inofensivo, é entrar em minha história e revirar as águas emotivas
de meu ser. Meu ser desperta com sentimentos.
Quando se diz qualquer palavra, tal como mamaw, filhos, morte,
teologia, Bíblia, evangelismo ou graça, você o faz num contexto de
significados estabelecidos antes de você chegar. Talvez tenha de
esclarecer o que quer dizer por algum tempo, e aprender deles o
que eles estão querendo dizer. Fazer isso não é enfrentar
problemas indevidos, mas se envolver no trabalho pastoral
normativo.

Conhecimento local dos pastores


Segundo, isso também significa que você não é o primeiro pastor na
vida de alguém neste lugar.
As experiências positivas que pessoas tiveram com pastores
anteriores aparecerão em seus comentários e lembranças. Eles vão
lhe dizer as coisas maravilhosas que o pastor anterior (ou os
pastores anteriores) disseram ou fizeram e lembrá-lo (sem maldade
e bastante inconscientemente) de como todos esses outros pastores
teriam tratado alguma coisa de maneira diferente de você.
Os que tiveram experiências sofridas com pastores estarão
nervosos perto de você, ainda que você não tenha feito ou dito nada
que pudesse ofendê-los ou prejudicá-los.
Se você for casado, e se tiver filhos, ouvirá que a esposa do pastor
anterior fazia assim ou assado. Os filhos do pastor de dois
pastorados anteriores eram isso ou aquilo.
Em tudo isso, somos propensos a pensar que chamado quer dizer
que nós falamos alguma coisa e a igreja obedece. A falta de
confiança e comparações, suspeitas ou hesitações regulares
ofendem nosso orgulho. Mas demora um tempo para desenvolver
confiança e fidelidade. Não podem ser exigidos quando se aceita
um chamado nem podem ser adulados por nossas credenciais.
Durante este estágio, muito do que as pessoas não gostam a
nosso respeito tem pouco a ver conosco e mais a ver com como
eles estão tentando se ajustar à ausência do outro pastor. Ansiamos
pelo dia (em nossos melhores momentos) quando seremos
criticados porque alguém nos conhece. Por amor, eles nos trazem
suas perguntas ou preocupações em nossos próprios termos, sem
atribuir maus motivos a nós nem lamentar nossa óbvia (para eles)
falta de amor por Jesus em comparação ou contraste a esta ou
aquela outra pessoa.
Meu ponto é que estou descrevendo algo típico para a mudança
cultural, algo que não é singular a você. Aprender a ficar atento a
fim de navegar nesse terreno faz parte normal do trabalho pastoral.

Lembranças locais de tempo


Vale a pena perguntar: “Quantos pastores estiveram aqui antes de
mim e por quanto tempo eles permaneceram?”
Se os pastores anteriores ficavam uma média de três anos, muitos
de sua congregação têm uma espécie de relógio na cabeça (sem
nem mesmo perceber). Conterão os níveis de confiança porque
assumem que você também vai deixá-los logo. No aproximar do
terceiro ano, poderão até ficar nervosos com você sem saber o
motivo.
Não era surpresa, portanto, que um membro chave de nossa
congregação me encontrasse para um café no meio de meu terceiro
ano e me perguntasse claramente (com humilde bondade): “Então,
penso que você está aqui a uns três anos agora. Não quero ser
indiscreto, mas muitos de nós estamos gratos, e temos nos
perguntado se você está com intenção de ir a outro lugar qualquer
ou se está pensando em assumir a causa e ficar conosco por um
tempo.”
Na mesma época, por acidente, os presbíteros e eu nos
aproximamos mais. Eu calculei que eles estivessem querendo
secretamente que eu fosse embora. Acontece que eles achavam
que eu provavelmente iria lhes dizer que estava saindo (já que eu
estava ali por mais de três anos). Ambos descobrimos que nenhum
dos lados queria deixar o outro. Rimos e choramos. Desde aquela
época, também confiamos mais.
Enquanto escrevo isso, quase quatro anos se passaram desde
que ocorreram aquelas conversas. Uma vez que as pessoas sabiam
que eu estava com elas por um tempo (e eu o soube em reverso),
muita coisa mudou. Cresceu a confiança. Também cresceu nossa
próxima temporada de vida e ministério juntos.
Cultura da liderança local
Terceiro, alguém liderou antes de você chegar. Essas pessoas não
têm necessariamente o título de líder, mas você sabe quem são,
porque quando é necessário que se tome uma decisão numa
reunião, são delas as vozes que as pessoas esperam ouvir. A
congregação espera por essas vozes de liderança por causa de
uma longa história de sabedoria encontrada ali. Você não conhecerá
esses líderes a não ser que tenha tirado o tempo para conhecer as
pessoas. É mais provável que tais líderes silenciosos provem ser de
ajuda enquanto você procura conhecer e aprender dos outros, e
busca o bem da congregação. Sem esse cuidado atencioso, alguns
de nós jamais reconhecemos que empurramos para longe essa
espécie de líder, para fora do caminho, quando logo que chegamos
empurramos a nossa visão.
Outras vezes, porém, as congregações aguardam essas vozes de
liderança porque elas estão com medo e cansadas. Sabem que
discordar é trazer conflito. Assim, muito tempo atrás, eles
aprenderam a ficar calados e aguentar. Uma cultura se
desenvolveu, onde as pessoas pisam em ovos com esse líder, que,
cego, talvez pense que isso acontece por ele ser sábio e forte.
Essas pessoas sabem o que estão fazendo, e ficam fazendo isso
porque dá certo. Conseguem o que querem.
Com o tempo, você poderá ensiná-los e redirecioná-los, e
descobrirá que outras pessoas que foram maltratadas começam a
se sentir protegidas pela primeira vez em anos. Algumas começarão
a ajudar. Outros, porém, podem sentir medo de que você não vá
permanecer. Se você os confrontar, e eles se juntarem a você, mas
depois você for embora cedo, eles ficam sem saída. Mas, à medida
que as pessoas veem que você tem um intento fiel, aprenderão com
você e o seguirão. Além disso, bem à parte desse líder assustador,
você continua a investir na congregação como um todo. As pessoas
começam a agradecer por sua liderança e aquilo que estão
aprendendo com você. Enquanto isso acontece, aos poucos esse
líder assustador está recebendo a oferta de uma oportunidade no
evangelho. Talvez pela primeira vez em muitos anos, ele esteja
sendo convidado a mudar e crescer. Com o tempo, ele terá de
decidir se quer se entregar ao convite ou se quer endurecer e lutar.
Tenho visto ambas as reações. A primeira é incrivelmente bela. O
segundo caminho não é bonito.
Em tudo isso, não subestime duas verdades óbvias. (1)
Frequentemente, o líder primário que o levou para a igreja como seu
maior defensor no começo lutará contra você no final. Um líder com
essa espécie de influência não entrega facilmente sua liderança
quando você chegar. (2) As diferenças de personalidade entre você
e o pastor anterior ou líderes antigos causa mais destruição do que
geralmente sabemos. Se o pastor anterior era um poeta introvertido,
que usou metáforas por seis anos, e você aparece com pontos
salientes e extrovertidos, prosa sucinta e seca e listas para tudo,
todo mundo (pelo menos dessa cultura orientada pelo consumismo)
terá de se ajustar.

Cultura teológica local


Quarto, lembre-se de que antes de você chegar, as pessoas já
tinham um modo de pensar, segundo as culturas teológicas pelas
quais observavam o mundo. Uma forma de pensar nisso é por meio
de uma rubrica chamada de Valsa do Evangelho.72 Adaptado para
os propósitos de minha igreja local, ela fala de três movimentos na
vida do evangelho:
• confessar nossa confusão (pecado e sendo vítimas do pecado
de outros),
• receber o amor de Cristo (voltar para Jesus como filhos
perdoados e mui amados),
• andar nos seus caminhos (conformar nossa vida a Jesus e segui-
lo em obediência).
Esses três movimentos frequentemente são quebrados de alguma
forma. As congregações terão variadas ênfases de dois passos
antes da sua chegada:
• Alguns tentam confessar e andar sem ter recebido. Essa gente
se esforça muito. Eles fazem cara feia para graça, alegria e
descanso. Quando se fala de graça, se preocupam com você.
• Alguns estão tentando receber e andar sem confessar. Essas
pessoas continuam fortes. Franzem o cenho aos que aparentam
carência de perdão ou imperfeição. Assim, quando se fala sobre
humildade, compartilhar os fardos, sentir emoções sem tentar
manter as aparências, eles se preocupam por você.
• Alguns tentam confessar e receber sem andar. Essas pessoas só
querem relaxar. Fazem careta quando se fala em obediência.
Quando se fala sobre a mudança de direção que a graça de
Jesus faz sobre nossos atos e modo de viver, eles passam a se
preocupar com você.
Identifique os tipos de preocupações que as pessoas expressam,
e você receberá dicas quanto à área de ensino e cuidado pastoral
que necessitam, bem como por que as diferenças culturais com
você estão causando conflitos. Comece a escutar. Se as pessoas
estão preocupadas com a graça ou quebrantamento não velado ou
obediência, pergunte a razão. De onde veio isso em sua história
local? O que eles têm medo que possa acontecer? Como isso foi
mal-usado na vida delas? Que espécie de ensino tiveram sobre
essas questões?
Outra rubrica que ajuda a escutar são as três tentações de ser
tudo sobre as quais já falamos. Preste atenção a esta pergunta: O
jeito de ser e fazer nesta congregação louva mais a você ou aos
seus líderes quando parece que você é sabe-tudo (se relaciona com
eles como um especialista que tem todas as respostas), ou
conserta-tudo (tem poder e capacidade para apresentar soluções)
ou é do tipo em-todo-lugar-para-todos (sempre acessível)? Sobre
quais desses aspectos você ou outros líderes recebem mais críticas:
habilidades, soluções ou acessibilidade?
Escutar nesse modo de valsa do evangelho e de tentações toma
bastante tempo e atenção. Duas coisas emergem disso. (1) Você
começa a ter sabedoria pastoral com respeito ao que e quando
ensinar em seus sermões e estudos bíblicos, de modo a ajudar a
igreja a crescer com compaixão e sabedoria, enquanto as Escrituras
os apontam para Jesus. (2) Você pode começar a afirmar aquilo que
os assusta ou preocupa quanto a determinado assunto, e então
conduzi-los ao que as Escrituras afirmam sobre isso, a fim de livrá-
los de seus temores e preocupações.
Acrescente a isso mais uma pergunta: Que cultura teológica de
evangelismo e alcance tem sido cultivada nessa congregação? Que
barreiras ao evangelho essa congregação coloca sem querer, que
tornam difícil ouvir e crescer em Jesus aos não cristãos?
No nosso contexto, comecei a perceber que muitas pessoas
chegam à nossa congregação com verdadeiras suspeitas,
sofrimentos e cinismo quanto às igrejas em geral, mas estão
compelidas pela pessoa de Jesus. Eu comecei a adaptar o meu
ensino nessa direção. Em vez de dar uma aula ou fazer uma série
de sermões sobre teologia sistemática, enfocamos o que Jesus crê
sobre a Bíblia, sobre Deus, sobre ele mesmo, sobre o mundo, sobre
o pecado, sobre a igreja e sobre a vida futura. Ainda estamos com
esse enfoque. Acessamos as outras doutrinas explicitamente pela
centralidade de como Jesus lhes fala. Essa abordagem acaba
sendo de ajuda também para os crentes, não só para eles mesmos,
também para aprender a compartilhar essas doutrinas de maneira
que seus vizinhos possam entender.
Uma mudança como essa, nascida devagar, do conhecimento
local, e então ensinada antes de ser imposta, pode fazer com que
os “sabe-tudo”, por exemplo, fiquem inquietos. Querem nos ouvir
usando linguagem teológica mais histórica para nossa herança
(ainda que eles mesmos não tenham aprendido tal linguagem até
muitos anos depois de andar com Jesus). Eles se esquecem disso e
esperam que as pessoas comecem sua caminhada com Cristo no
ponto em que eles já chegaram. Acima de tudo, eles temem uma
mudança cultural em que tenham de aprender teologia por uma
lente explícita de Jesus. O desconhecido os torna hesitantes e
suspeitosos de que nós estejamos ficando mais liberais. Os que
tentam receber e andar sem confessar sua confusão, ficam
nervosos com a ideia de que pessoas abertamente quebradas
poderão começar a frequentar mais a igreja.

Ouvir o chamado de Deus


Tendo isso tudo, vamos nos lembrar de duas importantes
compreensões sobre entrar na cultura de uma congregação.
Primeiro, todos sabemos que, idealmente, o pastor é agente de
transformação nas mãos de Deus para o bem de uma congregação.
Agora, como um pastor mais experimentado, tenho tentado
trabalhar muito e fielmente nesse aspecto de nossa vocação. Mas
estou aprendendo algo igualmente, se não mais importante e
raramente valorizado entre nós, pastores. Estou aprendendo que
uma congregação é um agente de transformação nas mãos de Deus
para o bem do pastor também. Deixar de reconhecer o papel da
congregação na formação espiritual do pastor e na transformação
evangélica de uma comunidade altera, de modo negativo, a maneira
de enxergarmos o que o pastor deve ser e fazer. Deus usa uma
congregação e seus vizinhos para mostrar as coisas a seu respeito
que de outra feita você não enxergaria. Noutras palavras, pastor, a
vida congregacional não trata primariamente de você. Deus precede
a ambos, tanto o pastor quanto a igreja.
Segundo, às vezes Deus nos chama para uma congregação
quando ainda não temos aquilo de que ela precisa. Às vezes não
podemos ajudar as pessoas até depois que tenhamos estado com
elas durante algum tempo, e estar com elas é o meio que Deus usa
para ensinar aquilo que ele quer que lhes ofereçamos. Por alguma
razão, o modo como lidamos com nossa dolorosa incapacidade
junto a Jesus dia a dia se torna formativo para aqueles que ficam
conosco. Como eles permanecem com nosso ser incapaz torna-se
formativo também para nós. Aos poucos, emerge o que ambos
temos a oferecer, porque Deus nos ajuntou e porque precisamos
uns dos outros.
Em tudo isso, o que acontece se as coisas que temos de ensinar
uns aos outros não podem se formular a não ser que primeiro
confessemos aquilo que precisamos aprender uns dos outros? Uma
congregação precisa daquilo que um pastor leva a ela — provisões
centrais e essenciais como oração, direção espiritual, cuidado
pastoral, liderança e o ministério da Palavra. Mas, às vezes, o
pastor não sabe como Deus quer que ele aplique e viva essas
provisões centrais, até que tenha levado uns tropeções na presença
da sua congregação por algum tempo, fazendo com que se torne
atento ao que Deus tem feito ali muito antes dele ter chegado.

Entrevista
Sentávamos ao redor de uma mesa na sala. Nossos pratos do jantar
já haviam sido retirados e estávamos apreciando a sobremesa. Eu
estava sendo entrevistado. Eu já estivera aí tempo suficiente para
conhecer as duas grandes perguntas que os comitês norte-
americanos de procura de pastor querem saber. Já havia
respondido à primeira pergunta, e não estava certo de que tivesse
feito isso de maneira satisfatória. Essa era, claro: “Qual é a sua
visão para essa igreja?”
Anos antes, em meu primeiro pastorado, eu havia respondido a
essa pergunta com uma declaração de cinco pontos, que incluía um
diagrama preparado que entreguei a todos. “Era impressionante”,
disseram eles naquela época, e aparentemente, eu também achei
isso. Mas após todos esses anos, tendo cometido tantos erros, eu
não confiava mais como poderia saber, após passar um total de
apenas quatro dias em três meses com pessoas que nunca tinha
conhecido antes, o que eles precisavam da parte de Deus.
Antigamente eu não pensava assim. Mas isso foi antes de pensar
sobre pastores e pobres homens sábios, silêncios e não apenas
sentenças, e a obra contemplativa do servo sofredor.
Após essa caminhada, a minha visão para a igreja foi: “Não sei.
Tenho um punhado de ideias sobre o que significa amar a Deus e ao
próximo e como isso impacta a visão de qualquer congregação que
queira seguir a Jesus. Acho que Atos 2 nos oferece direção para os
tipos de ministério que qualquer congregação deve buscar. Estou
familiarizado com alguns truísmos sobre Saint Louis, tendo vivido
aqui por algum tempo, que podem provar ser de ajuda. Mas ainda
não posso responder completamente quanto a como essas
diretrizes bíblicas devem ser formuladas nessa determinada
congregação e comunidade. Precisaremos de muito mais tempo
juntos.”
Pelos olhares que se seguiram e as perguntas que recebi dessa
boa gente, era óbvio que minha resposta soou estranha. Assim,
quando chegou a segunda pergunta iminente, eu senti que não tinha
nada a perder: “Por que nós deveríamos convidá-lo para ser nosso
pastor?”
“Não tenho certeza. Nem sei se deveriam fazê-lo”, respondi.
Cada membro olhou para o outro e voltou o olhar para mim. Com
um sorriso caloroso, um membro respondeu: “Não acho que é assim
que se deve responder a essa pergunta”. Todos nós demos risadas.
“Eu sei”, disse eu. “Sei como eu deveria responder e posso lhes
dizer, se quiserem. Posso lhes dar meu currículo, minha altura,
meus anos de experiência e livros, e minha visão quanto ao que
poderei fazer por essa igreja diferentemente de qualquer outro.
Então posso dizer que Deus colocou isso em meu coração e dizer
que, para a sua glória, eu creio que poderemos nos mobilizar e
realizar grandes coisas para um futuro notável”.
“E tem problema com isso?”, um dos membros perguntou ao dar
generosa risada, se inclinando à frente.
“Sim”, acenei. “Se pudermos ser honestos um com o outro, todos
sabemos que só passamos juntos algumas horas. Têm sido ótimas,
mas ainda não nos conhecemos bem. Vocês querem um pastor, e
eu quero um trabalho. Estamos todos apresentando nossa melhor
cara. Mas daqui a um ano, as grandes coisas sobre as quais
conversamos hoje não serão importantes. Até lá, vocês conhecerão
as minhas fraquezas, feridas e pecados, e eu saberei dos seus.
Daqui a um ano, o que vai importar é se realmente amamos uns aos
outros com nossos pontos fortes e fracos, nossas dores e pecados.
Se não for assim, nossas declarações de visão e planos não vão
mesmo frutificar, não obstante quão animados ou bem-enunciados.
Assim, não sei como fazer, mas espero que haja um meio de chegar
a essa pergunta mais difícil, porém verdadeira.”
Olho para trás e fico humilhado. Não estava tentando ser modesto
ou difícil. Mas sei que não foi fácil para eles. Havia jeito melhor de
dizer essas coisas e agora vejo que eu estava mais cínico e ferido
do que queria estar. Contudo, estava sendo tão sincero quanto eu
sabia ser meu coração. Não queria que fingíssemos juntos, quer eu
me tornasse seu pastor quer não. Quaisquer que fossem nossos
grandes planos, havia ainda uma cultura de partilhar a vida juntos
com a qual teríamos de contender. Eu não queria feri-los nem ser
ferido por eles, porque não havíamos levado em conta isso. De
algum modo, em minha imperfeição, essa gente querida
graciosamente enxergou tudo e soube disso. Devemos ter sido
criados para estar juntos. Tem sido assim desde então. Existe uma
graça sobre graça.
Annie Dillard, Teaching a Stone to Talk: Expeditions and Encounters [Ensinando uma pedra
a falar], (Nova York: HarperPerennial, 1992), 36–39.
Robert Flayhart, Gospel-Centered Mentoring, D.Min Dissertation, Covenant Teological
Seminary, 2001
Robert Flayhart, Gospel-Centered Mentoring, D.Min Dissertation, Covenant Theological
Seminary, 2001.
15 | Liderança

Mas você tem de entender, existem muitas formas de se estar em um


lugar.
–T Á

Você e eu temos aprendido muitas formas de liderança e nem


todas elas vêm de Jesus. E se liderar for principalmente uma
questão de tentar incorporar aquilo que você convida os outros a
seguir?

Liderando uma reunião do presbitério


Como aprendemos a liderar as reuniões de maneira a nos ajudar a
abrir mão e resistir às tentações que enfrentamos? Posso descrever
o que cinco anos de escuta tem nos conduzido a fazer. Mas não é
uma fórmula. O conhecimento local o levará a detalhes e estratégias
diferentes. Talvez aquilo que estamos aprendendo possa lhe dar um
lugar para começar.
Uma vez reunidos, nós conversamos, às vezes rimos e outras
passamos por aqueles momentos de pausa com silêncio
embaraçoso, ouvimos um ao outro e falamos algumas coisas sobre
a semana de cada um e então eu os convido a orar. Essa é nossa
reunião mensal de presbíteros, nossa reunião do conselho. Estamos
aprendendo a dar forma, à luz do que temos examinado neste livro.
Então eu digo algo como: “Ao iniciarmos, vamos nos lembrar de que
uma reunião da igreja e uma reunião de negócios são como maçãs
e laranjas. Ambas têm seus papéis importantes, mas representam
duas coisas diferentes”.
Começo, então, por ler a primeira parte de nossa agenda, a qual
contém uma declaração. Algo que fazemos todo mês ao começar
cada reunião. Muitas vezes, sinto-me nervoso por parecer
redundante. Mas esses líderes me lembram de que precisamos
dessa redundância. A declaração da agenda os atinge por ser tão
necessária quanto o ar que respiram em seus trabalhos. Sendo
assim, eu continuo lendo:

O que fazemos: Pastoreamos o povo da Igreja Riverside com nossas


orações, presença, ensino e planejamento.

A próxima declaração diz:

Nossa tomada de decisões: Pronto-Socorro (imediato e alívio), Sala de


Diretoria (eficiência, quantidade e dinheiro) e Pastoreio.

Lembramo-nos de que as decisões de “pronto-socorro” dependem


de rapidez e alívio. As decisões de “sala de diretoria” destacam
eficiência, quantidade e dinheiro. Às vezes os presbíteros precisam
um do outro, mas nenhuma dessas é nossa norma. A maior parte do
tempo, o crescimento a que Jesus nos conduz não vem de
imediatismos, não necessariamente nos alivia, e não é muito
eficiente.
Então lemos 1Pedro 5.1–5, onde está escrito: “pastoreai o rebanho
de Deus que há entre vós...”
Depois de ler, eu pergunto: “O que este versículo destaca para
você hoje?” Depois de uma boa e longa pausa, alguém diz: “não por
sórdida ganância”.
Pelos próximos poucos minutos compartilhamos uns com os
outros a tentação de usar nosso trabalho como presbíteros de modo
a lucrar pecaminosamente das pessoas a quem servimos. Como
quando segurar um copo para que nosso membro da igreja com
paralisia cerebral tome com um canudo se torna uma tenebrosa
tentação de ser visto pelos outros pelo modo como cuidamos das
pessoas. Voltamos essa conversa para a oração. Então eu
simplesmente leio até a próxima secção de pontos de destaque.
Lembramos:
• Uma reunião da igreja não é reunião de negócios. Nossa linha
mestra é totalmente diferente.
• Como norma, nosso alvo não é fazer grandes coisas de modo
notório e com a maior rapidez possível.
• Nenhum relacionamento está na linha de discussão hoje. Damos
a cada um o benefício da dúvida.
• Na maioria das vezes, a pressa não nos ajudará.
• Edificar os relacionamentos e compartilhar nossa vida faz parte
de nossa agenda e não é perda de tempo.
• Frequentemente, diferimos ou discordamos por questão de
temperamento e perspectiva, e não por um de nós estar pecando
enquanto o outro está certo.
• Somos rápidos em dar e receber perdão quando pecamos um
contra o outro.
• Procuramos realizar nossas reuniões do modo que presbíteros
façam seu ministério.
• Isto que fazemos é sobre Jesus; não é a nosso respeito.
Agora já se passaram trinta minutos da nossa reunião.
Compartilhamos histórias, repetimos nosso propósito, e brevemente
vasculhamos nossos corações com a Palavra de Deus.

Praticando à velocidade do jogo


Praticar segundo a velocidade do jogo é correr, pegar, ou chutar a
bola durante o treino no mesmo ritmo ou compasso que o jogo vai
requerer. Mas o que acontece se a velocidade de certo presbítero
nos força a ir mais devagar? Afinal de contas, um pastor é alguém
que retorna, que humanamente está limitado, mas ao mesmo
tempo, como um pobre sábio, quer escutar a história de outra
pessoa com paciência, discernimento, com disposição para ouvir e
com oração. Por que não cultivar um modo de fazer as reuniões
praticando a velocidade que o trabalho pastoral exige?
Se toda vez que nos encontramos, dermos relatórios e falarmos
sobre números e cifras à guisa de eficiência e cuidado relacional,
acabamos praticando um certo tipo de reunião mês após mês, ano
após ano. Três anos fazendo as reuniões desse jeito, acabamos
criando uma cultura de liderança que depende da quantidade de
linguagem, ritmo impaciente e habilidades relacionais
empobrecidas. Essa cultura, na maioria das vezes, difere
dramaticamente da verdadeira linguagem, compasso e habilidade
que um membro da congregação precisará de nós como pastores.
Sendo assim, em seguida na nossa agenda, com frequência lemos
algo relacionado ao ministério em tempo real, para então
conversarmos a esse respeito. Esse tempo de recursos faz duas
coisas. Permite que nos envolvamos em mentoria contínua com
respeito à nossa tarefa. Também, requer que caminhemos mais
devagar, escutemos outra pessoa ler, e conversemos juntos sobre
coisas importantes, de maneira hospitaleira.
Quando começamos a fazer isso, a maioria de nós ficou inquieta.
Tínhamos a forte impressão de que estávamos desperdiçando
nosso tempo. Talvez, em comparação com outros tipos de reunião,
estivéssemos mesmo. Mas essa espécie de velocidade do jogo nos
capacita a praticar o que os presbíteros devem se tornar em
primeiro lugar. Essa espécie de prática também tem seu valor
sempre que a tirania do imediato e do alívio lançarem sua
tempestade de crise dentro de nós, e temos de agir rapidamente.
Temos uma chance melhor de responder ao invés de reagir, devido
à persistência de maratona que temos treinado.
Depois desses sessenta minutos de relembrar, compartilhar
histórias, orar, recordar, leitura de recursos e discussão, passamos a
falar a respeito do cuidado pastoral dos ministérios e pessoas,
finanças e planejamento. Não é que não conversemos sobre
números ou programas. Em vez disso, esses têm de tomar seu
lugar mais para trás na fila, cercados de um contexto relacional. Isso
leva esforço doloroso e irrequieto —muitos pedidos de desculpas,
perdoar, novas tentativas, e impaciência. Desintoxicação e deserto
se inserem em nós por um tempo. Sermos despidos de nossos
anseios por consertar tudo rapidamente, saber tudo, e estar em todo
lugar para todos, ao mesmo tempo, altera os hábitos de nossa vida
interior. Mudança de cultura demora.

Treinando novos líderes


À luz disso, tivemos de ajustar o modo de treinar novos presbíteros
e outros líderes. Quando comecei como pastor, os meus maiores
erros tinham a ver com a liderança — claro, eram os meus erros,
mas era também o meu modo de treinar os líderes. Eu
simplesmente não sabia como fazer. Eu oferecia treze ou dezesseis
sessões em sala de aula com ênfase na teologia, destacando o
grandioso chamado pelo qual lutamos, encorajando cada um a
valorizar os seus dons e a encontrar um modo de fazer diferença em
nossa congregação. Sem perceber, entrei diretamente no jogo que
habita em todos nós, de saber, consertar e ser tudo para todos, com
fome de fama. Pagamos um alto preço por isso. Os presbíteros
eram treinados, mas não nas tarefas de seus trabalhos, não como
aqueles que retornam e são servos contemplativos, sabedores dos
modos do deserto, capazes de sustentar com uma palavra aquele
que está cansado.
Todo contexto pastoral é diferente. Cada um de nós encontra o
caminho e métodos com o Senhor, onde estivermos. Mas talvez
haja aqui algo que seja de ajuda para você. Agora, é assim que nós
treinamos:
1. Uma vez por mês durante três meses. Um candidato ao
presbiterato se encontra comigo uma vez por mês, durante três
meses.
2. Sessões de ensino. Quando nos encontramos, conversamos
por duas horas a respeito de:
2.1. Primeira sessão: O que é um presbítero? (1Tm 3.1–7; Tt
1.5–9)
2.2. Segunda sessão: O que é amor e o fruto do Espírito? (1Co
13.1–8; Gl 5.16–26)
2.3. Terceira sessão: Qual é a cultura de nossa igreja específica?
(História, propósito, liderança cultural, forças e fraquezas — os
pressupostos que acabo de delinear na seção acima sobre
liderar uma reunião)
3. Conversas como tarefas para casa. Entre essas sessões, o
restante do mês deve ser para tarefas em casa e exame
ponderado.
• Depois de descobrir pela Bíblia o que é um presbítero, o
candidato pergunta à sua esposa (ou amigo mais próximo, se for
solteiro) uma ou duas qualificações do presbítero que, pela
graça, já são fortes e quais as suas fraquezas, necessidade de
graça na vida.
• Após descobrir da Bíblia o que é o amor e qual o fruto do
Espírito, o candidato pergunta o mesmo para sua esposa.
• Depois de descobrir a cultura de nossa igreja, o candidato
pergunta para a esposa (ou amigo mais próximo, se for solteiro)
quanto a seus pressupostos quanto à igreja. Uma coisa é ser
qualificado em geral para servir como presbítero. É questão
igualmente importante se alguém está disposto e é capaz de
trabalhar pacificamente e respeitosamente com uma equipe e
trabalhar pacientemente com as forças e fraquezas da
congregação, reconhecendo que Deus os precedeu. Quanto a
isso eu faço uma importante pergunta: “O que você mudaria em
nossa igreja se pudesse?” Se o candidato responde: “Eu não
mudaria nada; é perfeita!”, é possível que ainda não esteja
pronto para servir como presbítero. À primeira vista, parece que
ele não conhece bem a Riverside. Conheça-nos melhor, e as
nossas diversas necessidades de graça, crescimento e
transformação prontamente aparecerão. Por outro lado, se o
candidato oferece uma lista de todas as coisas que mudaria, ou
mudanças que quer fazer contrárias à declaração de propósito e
cultura da igreja, possivelmente esse candidato não esteja
pronto. Trabalhar com nossa equipe por amor por àquilo que
graciosamente Deus nos abençoou requer tempo e paciência
que poderão se mostrar difíceis demais naquele momento.
• A razão de pedirmos aos candidatos que conversem com suas
esposas sobre essas coisas é dupla. (1) É importante um
presbítero ser capaz de falar disso intimamente e não
defensivamente com a esposa. Se isso não for possível,
provavelmente ele não está pronto para servir como presbítero.
(٢) É importante que um presbítero fale a respeito de força
pessoal com humildade e sobre a necessidade pessoal que tem
de Jesus. Um presbítero que não consegue falar com
transparência sobre a sua necessidade pessoal da graça tornará
difícil para as pessoas da congregação, que se conhecem como
pecadoras, virem a conversar com ele a esse respeito.
• Enquanto isso, os candidatos a presbítero leem os padrões
teológicos de nossa igreja (em nosso caso, a Confissão de Fé
de Westminster), mantendo um caderno de notas e perguntas.
Após os três meses, o candidato e eu (ou um outro presbítero)
nos encontramos para um almoço prolongado ou café uma ou
duas vezes para passar pelas questões levantadas e conteúdos
destacados. Isso leva mais tempo, mas a interação pessoal com
teologia e café oferece um ambiente diferente da interação em
grupo, numa sala de aula. Isso pode revelar muito — não
apenas sobre a teologia em si, conforme o candidato a entende
— mas também sobre como ele realmente fala a esse respeito.
Ser capaz de falar com humildade e caridade sobre teologia
num contexto relacional, como o de tomar café juntos, faz parte
do trabalho do presbítero.
4. Entrevista. No nosso quarto mês, convidamos o candidato que
completou suas sessões e tarefas de casa para uma entrevista.
Posso estar presente ou não. A ocasião de entrevista tipicamente
é composta de dois presbíteros e dois diáconos. Eles fazem
perguntas dentro de um contexto positivo e relacional sobre as
sessões do candidato, suas conversas com a esposa (que
também está presente na entrevista). Em nenhum momento esse
processo será um interrogatório. Somos uma família unida em
Jesus, que com oração buscamos discernir juntos duas coisas:
(1) se ele foi chamado para servir como presbítero, e, se for (2)
se essa é a hora certa, à luz de seu ritmo de vida e suas outras
responsabilidades.
5. Pedimos que espere. Se houver causa para hesitação surgida
dentro desse processo, pedimos ao candidato que espere. Nós o
convidamos a se encontrar comigo ou com outro presbítero no
decorrer do próximo ano uma vez por mês, para continuar a
desenvolver juntos um relacionamento e ver o que o Senhor nos
mostrará. Geralmente, nesse ponto, o caráter do candidato se
mostra no modo como ele reage. Se ficar profundamente
ofendido, soprar e bufar e sair da igreja (presumindo, claro, que
fomos gentis, cheios de amor e fizemos um feliz convite de
continuar nos reunindo uma vez por mês), então talvez esse
candidato não estivesse pronto, e o processo o revelou. Outros
candidatos reagirão com orgulho ferido, mas também corações
ensináveis e humildes. Um ou dois anos mais tarde, essas
pessoas provavelmente estarão servindo como presbíteros.
6. Aprendizado. Se um candidato for convidado a seguir em frente
depois dessa entrevista, a próxima fase é um aprendizado de
seis meses. Ele frequenta todas as reuniões do conselho, recebe
correspondência, observa calmamente, e se encontra comigo ou
com outro presbítero uma vez por mês no almoço para processar
aquilo que está observando e aprendendo sobre o presbiterato
em geral, e em nossa equipe em especial. Depois de seis meses,
apresentamos o candidato à congregação para ser reconhecido e
confirmado. A essa altura, o candidato foi treinado por quase um
ano.

Tomar decisões
Como a nossa tentativa de valorizar coisas pequenas, geralmente
negligenciadas, que são importantes em longos períodos de tempo,
formam o modo como procuramos tomar decisões como
presbíteros? De início, eu me encontro com cada presbítero uma
vez por mês para almoçarmos juntos, e tentamos aos trancos e
barrancos achar tempo para gastar juntos, de modo prático na vida
da igreja. Queremos nos conhecer bem quando não há em pauta
nenhuma decisão a tomar para que, quando chegarem as crises de
tarde da noite, tenhamos confiança relacional suficiente para
enfrentar momentos onde qualquer um de nós não esteja em sua
melhor hora.
Então nos movemos, embora imperfeitamente, em direção à
tomada de decisões, com um arcabouço de três perguntas que
encontramos nas palavras de Paulo em 2Timóteo 2.23–26.

1) Essa é a coisa certa?


Timóteo tem de ensinar a Palavra e corrigir os opositores.
Contudo, ao mesmo tempo, ele “repele as questões insensatas e
absurdas, pois sabes que só engendram contendas” (2Tm 2.23).
Como os líderes decidem se um conflito surge devido ao que diz a
Palavra de Deus ou por um mau uso dela, uma tentativa de
promover as próprias agendas, especulações ou compromissos
habituais? Uma resposta dessas não é facilmente discernida às
pressas.
Imagine uma cena que trate do espaço para o pastor estacionar.
Alguns diáconos defendem que o pastor deve estacionar mais longe
da igreja. Outros diáconos discutem pedindo espaços mais perto da
igreja. A discórdia adota tons bíblicos.
Um lado defende que é mais bíblico estacionar mais longe, porque
o pastor dará exemplo e servirá ao próximo. O outro lado declara
que é mais bíblico o pastor estacionar mais perto, porque digno de
honra é o que lidera. Embora a Bíblia não trate de onde o pastor
deve estacionar o seu carro, os dois lados acreditam que estão
lutando por uma verdade em sua igreja.
No final, porém, o ministério do evangelho é emperrado, a
liderança é dividida, os relacionamentos são abalados, e as famílias
vão embora porque os cristãos discordavam quanto a um lugar no
estacionamento em nome de ficar firme pela verdade em sua
geração.
Delegando os sonhos
Seguindo essas linhas, múltiplas decisões têm pouco a ver com
mandados bíblicos. Boletins do culto de adoração, as cores da tinta,
pia batismal, carpetes, horários de reuniões, estilos de ministério,
corais e estacionamentos são o que considero “decisões sobre
carpetes”. Não importa se o tapete é desta ou daquela cor, isso
jamais deveria dividir uma congregação ou ser usado para ferir um
membro dela em nome de Jesus. Isso começa com o pastor e os
presbíteros. Eu tenho cometido erros demais nessas questões.
Considere o que você pensa sobre essa curta cena. Depois de nos
reunirmos numa escola alugada por doze anos, compramos um
velho prédio de uma igreja na cidade. Um jovem amigo no ministério
perguntou se eu andaria com ele pelo prédio para compartilhar
meus sonhos para a igreja. Quando eu era jovem pastor eu teria
amado isso! Mas a primeira coisa que me achei dizendo agora ao
amigo era que eu delegara a maior parte dos sonhos.
“O que você quer dizer com isso?”, ele perguntou. Então, olhando
o templo vazio de tinta raspada, cheia de andaimes, ele disse: “Você
não quer que as coisas do templo pareçam de determinada forma
ou assumam formato específico? Qual é a sua visão para tudo
isso?”
Ri um pouco e repeti o que eu tentara dizer. “Deleguei a maior
parte disso. Tem pessoas talentosas, com habilidades em diversas
áreas que estão liderando equipes múltiplas de voluntários, os
quais, por sua vez, estão sonhando com o desenho de cada área da
igreja”.
Na pausa, percebi que precisava explicar. “Isso não significa que
eu não tenha nada a dizer. Dei os parâmetros amplos junto com os
presbíteros, mas cada equipe faz com liberdade o que é qualificada
a fazer, dentro desses parâmetros. Quer dizer que ficarei sabendo
como o santuário se parecerá em termos de cores, decoração e
design não muito antes que você”.
“Mas o que acontece se você não gostar de alguma coisa que
alguém escolheu?”, ele me perguntou.
“Bem, quase todo mundo na congregação poderá não gostar de
alguma coisa que alguém tenha escolhido. Nisso eu não sou
diferente de outro qualquer. Mas eu não creio mais que ser pastor
signifique que Deus tenha favorecido a minha cor predileta”. Isso eu
disse com um pouco de riso.
“Por que você sente desse jeito?”, perguntou. “É totalmente
diferente do jeito que eu pensava que os pastores tratariam essa
espécie de coisa”.
Fiz uma pausa. Eu enxergava a seriedade das perguntas.
“Personalidade e poder em demasia”, eu disse. “Se todos estiverem
envolvidos no uso de seus dons, uma congregação como um todo, e
não a minha personalidade como indivíduo dará sustentação ao
lugar. Isto tem importância porque algum dia nesta vida eu não
estarei mais aqui, mas muitos deles ainda estarão. Além do mais,
muitos dessa gente querida me consideram tanto que se eu
dissesse que queria alguma coisa, eles fariam isso acontecer. Isso
seria poder demais a respeito de coisas que, afinal, não têm nada a
ver com a Bíblia”.
“Não entendo como isso vai dar certo. Parece que esse uso da
personalidade e do poder faz parte da liderança”, disse ele.
“Entendi. E são mesmo. Mas se eu os utilizar dessa forma no
momento, provavelmente estaria perdendo meu papel principal de
pastor, e é realmente isso que quero ser, a razão pela qual fui
chamado”.
Outra pausa.
“Estou dizendo que se eu tenho uma opinião declarada sobre o
tipo de banco ou cadeira, por exemplo, ou se acho que elas devem
ser colocadas neste lugar em vez de naquela posição, eu estarei de
um lado. Se nosso talentoso time de voluntários acha determinada
coisa sobre o tipo e colocação da cadeira em contraste ao outro
time de voluntários, eu não serei mais um agente honesto capaz de
pastorear essas pessoas. Com a minha ausência de preocupação
quanto à cadeira, dentro de meu interesse maior pela visão geral e
cuidado pastoral individual de cada membro, eu posso ser seu
pastor, e conseguiremos passar por tudo e ir adiante juntos.”
Penso em retrospectiva naquela conversa, e minha memória se
enche de histórias daquele tempo do ministério. Delegar o sonho na
verdade envolveu múltiplas partes que se moviam, equipou os
voluntários, exigiu comunicação constante, significou algumas
desavenças pelas quais trabalhar para chegar a um acordo,
esclareceu os processos, esclareceu os parâmetros gerais,
fortaleceu a confiança relacional, e, com oração, significou
resistência a qualquer tentação de tomar de volta o que eu disse
que outros poderiam fazer. Além disso, não era sempre fácil resistir
às minhas próprias preferências de cores ou colocação de pia
batismal, cor do carpete ou detalhes de ar condicionado. Mas se
uma equipe concordar, e elas todas fazem esse tipo de coisa com
profissionalismo, então eu também me torno alguém que valoriza os
dons dos outros e abro mão de minhas preferências pessoais por
amor de permanecermos unidos e focados no alvo bíblico que está
diante de nós.
O mandamento de amar uns aos outros e a crença de que “Deus
me disse que o logotipo da igreja deve ser assim e assado”,
simplesmente não estão no mesmo plano.

2) Qual é o jeito certo de fazer isso?


É possível também fazer a coisa certa do jeito errado. Quando
Timóteo ensina e corrige, ele deve ser “bondoso para com todos”
(2Tm 2.24), “com mansidão” (v. 25), e sem “discórdias” (v. 24). Paulo
diz que o servo do Senhor não deve corrigir os outros entrando em
discórdia ou com altivez. Noutras palavras, estar certo não justifica
arrogância, intimidação, rudez ou dureza no trato. Ter a posição
certa na argumentação jamais justifica trair o caráter de Jesus.
Imagine um cenário em que um presbítero escreve um artigo de
quinze páginas identificando por que o divórcio é pecado. Ele inclui
argumentos do grego e exortações quanto à tendência liberal de
nossa cultura. Os presbíteros enviam este artigo à congregação em
massa via e-mail, definindo-a como a posição oficial da igreja. O
resultado não intencionado é de confusão geral, profundos
sofrimentos de pesar e estímulo à autojustificação, porque,
conquanto o escrito declare a razão pela qual o divórcio é pecado,
ele não trata de como o evangelho se aplica àqueles que já são
divorciados. O e-mail não levou em conta as circunstâncias variadas
e muitas vezes trágicas daqueles de sua congregação que são
divorciados. Não houve tratamento para aqueles que foram
abandonados por outro ou que fizeram tudo que podiam, em
desespero, para salvar o casamento, ou que sofreram maus-tratos
ou perigo físico.
Os sabe-tudo quase sempre identificam as reações negativas
quanto às suas decisões como o preço a pagar por defender a
verdade e sofrimento pelo Senhor. Porém, os líderes podem não
perceber que, às vezes, ferem erradamente as pessoas, mesmo
que pelas coisas certas. Uma vez que determinamos, com oração,
aquilo que é certo a fazer, ainda teremos de contemplar a maneira
correta de fazê-lo.
Às vezes, homens fracos usam esse apelo à brandura e bondade
para justificar sua passividade. Jesus, porém, estava longe de ser
passivo. Ele seguia ativamente a tomada de decisões. Ele
interrompia o mal. Expunha esquemas manipulativos e cultivava
movimentos relacionais em meio à sua fidelidade para com a
vontade do Pai. Brandura não é igual à passividade, nem desculpa.
De modo inverso, outros, no nome de forte liderança, resistem a
posturas de gentileza e bondade. As normas culturais e os
ambientes dos negócios muitas vezes identificam os frutos do
Espírito como fraqueza. Contudo, Jesus falava diretamente, sem
usar de postura intimidante, severa ou feroz. Isso é força verdadeira.
Alguns, porém, dirão que gentileza e bondade são ineficientes.
Conter-se de usar a coação forçada faz com que as coisas andem
mais devagar. Mas, talvez Deus já tenha levado em conta e valorize
o passo mais vagaroso. Ainda assim, se a maneira de Deus não
parece dar certo, ou parece muito lenta, nos atrasando, aos servos
do Senhor é requerido uma liderança diferente daqueles que não o
seguem.

3) Seria essa a melhor hora?


Timóteo também tem de suportar pacientemente o mal (2Tm 2.24).
“Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige,
repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina”. (2Tm 4.2).
Considere o conselho de um presbitério que crê que seja certo
descansar do trabalho aos domingos. Será que os presbíteros terão
a humildade de reconhecer o longo debate doméstico a respeito
desse assunto, entre autênticos seguidores de Jesus, e de forte
compromisso com ele?
Eles buscarão o jeito certo de apresentar esse ponto de vista à
congregação com gentileza pessoal e pública, bondade e ensino?
Agora surge a questão sobre o tempo certo. Várias famílias têm os
filhos em escolinha de futebol aos domingos. Como membros da
igreja, eles têm participado dessas ligas nos últimos cinco anos.
Será que os presbíteros equiparão os pais com a mesma quantia de
tempo e acesso aos mesmos recursos que eles mesmos
precisaram, a fim de que eles cheguem a essas convicções? Além
do mais, será que os presbíteros ajudarão os pais a se lembrar de
que seus filhos mais velhos necessitam de tempo igual a esses mais
novos?
Alguém pode objetar que a coisa está errada e deve ser
interrompida imediatamente. Mas o fazem esquecendo-se do que
eles mesmos precisaram receber de Jesus para saber o que é certo.
Também se esquecem que existem muitas coisas erradas que
devem ser interrompidas. Enquanto Deus trabalha conosco quanto a
um pecado, ele nos suporta em multidões de outros pecados que
temos. Ele o faz até a hora em que podemos suportar ouvi-lo quanto
a essas outras questões.
Uma pessoa sabe-tudo ou conserta-tudo faz uma decisão e
espera obediência imediata, enquanto é cego quanto ao tempo que
ele ou ela precisou para aprender, e cego quanto à paciência que é
estendida a ele em suas muitas outras desobediências e erros.

O círculo interno
No contexto de tomada de decisões, tenho descoberto o que C. S.
Lewis chamava de “Círculo interno” como sendo o desafio mais
difícil à liderança. Isso nos tenta a abrir mão de “amigos a quem
realmente amamos e cuja amizade poderia ter durado a vida inteira,
a fim de cortejar as amizades daqueles que parecem ser mais
importantes”.73
O que é uma roda interna ou círculo interior? “Do lado de fora, se
você já se desesperou por não conseguir penetrá-lo, você os chama
de ‘aquela turma’ ou ‘eles’ ou ‘fulano de tal e sua panela’”.74
Diáconos, presbíteros, conselhos, mesas administrativas,
assembleias, rol de contribuintes, lista de votantes, comitês, equipes
ministeriais, autoridades, amizades, famílias — todos esses
funcionam como círculos internos. No pior cenário, os círculos
internos locais expõem “nosso anseio por fazer parte deles, nossa
angústia quando somos excluídos, e a espécie de prazer que
sentimos quando conseguimos entrar”.75
O ídolo do círculo interior expõe a razão porque somos propensos
a desculpar um líder colega a quem amamos, mesmo quando ele ou
ela estiver prejudicando outras pessoas. Vemos a dignidade ou os
dons desse líder com tanta clareza que, quando experimentamos
dor ou preocupação pelo lado mais obscuro de seu caráter, sentimo-
nos desorientados, encontramos meios de racionalizar ou ficamos
ansiosos quanto a perder nosso relacionamento ou nosso emprego
ou desconcertar a outros. A sabedoria de julgar com lentidão as
fraquezas do próximo passa à loucura de fazer um catálogo de
desculpas esfarrapadas.
Lembro-me de um homem que foi candidato a presbítero numa
das igrejas em que eu servi. Surgiu uma divisão entre os outros
líderes quanto a este homem ser capacitado para o serviço. Aqueles
que expressaram cautela e acharam que era melhor esperar
perderam no voto. Duas coisas dolorosas vieram à tona quase
imediatamente.
Primeiro, apenas algumas semanas depois de eleito, esse
presbítero encurralou um membro da igreja depois de uma reunião
da congregação, tomando sobre si a tarefa de corrigi-lo
intensamente por uma resposta dada na reunião. O membro da
igreja, quase em lágrimas e confuso, gritou pelo corredor pedindo
ajuda ao pastor.
Segundo, veio à luz que, na realidade, nenhum membro da
congregação tinha apresentado o nome desse homem para a
liderança. Somente os seus amigos que já eram presbíteros o
fizeram. Ingenuamente, esses homens bem-intencionados, por
lealdade e amor a um amigo, haviam usurpado a prática sábia.
Sabiam que ninguém na congregação reconhecia quaisquer dons
de pastoreio nessa pessoa. Mas desculparam isso, porque a seus
olhos o homem tinha qualificações e eles, afinal, eram os líderes.
Fecharam os olhos ao fato de que ele não tinha sido provado em
seu cuidado para com as pessoas comuns. Como resultado, o
presbítero foi defendido (mas não ajudado a crescer). Enquanto
isso, a congregação foi mal-usada. A fim de minorar os danos feitos
por líderes do círculo íntimo, Paulo relembra a Timóteo:

Conjuro-te, perante Deus, e Cristo Jesus, e os anjos eleitos, que


guardes estes conselhos, sem prevenção, nada fazendo com
parcialidade. A ninguém imponhas precipitadamente as mãos. Não te
tornes cúmplice de pecados de outrem... Os pecados de alguns
homens são notórios e levam a juízo... ao passo que os de outros só
mais tarde se manifestam. (1Tm 5.21–24).

Por outro lado, um líder de ministério poderá enfrentar a


intimidação de uma congregação com seus diversos bolsões de
círculos íntimos. Amigos bem-intencionados poderão rapidamente
empilhar críticas sobre o líder. Se uma pessoa de um pequeno
grupo intimamente unido começa a criticar o pastor, por exemplo,
essa crítica pressiona as lealdades do restante do grupo. Após
reconhecer um padrão dessa espécie de críticas ao pastor, será que
eles arriscarão o relacionamento com o amigo, sugerindo que o
grupo não seja o fórum para dilacerar o pastor, ou que o jeito de
falar sobre o pastor provavelmente não está de acordo com quem é
Jesus na vida dele? O desejo de cada um de permanecer sendo
aceito pelo grupo íntimo faz com que cada um seja tentado ou a
permanecer consistentemente quieto ou a participar das críticas.
Para diminuir o mal que círculos internos podem causar dentro das
congregações, Paulo aconselha Timóteo: “Devem ser considerados
merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem
bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no
ensino... Não aceites denúncia contra presbítero, senão
exclusivamente sob o depoimento de duas ou três testemunhas”
(1Tm 5.17, 19).
Ser parcial para preservar os crentes do círculo íntimo faz parte de
uma cultura organizacional que defende aquilo que deve ser
abandonado e abandona aquilo que deve ser defendido, deixando a
ambos, os abandonados e os defendidos, sem o evangelho.
O que significa confiar em Jesus, em vez de em nosso círculo
interno, para nos salvar? Tal confiança cria líderes de espécie
diferente. A graça em tudo isso sopra sobre nós e nos liberta.
C. S. Lewis, “The Inner Ring” em The Weight of Glory [O Peso de Glória], (New York:
Harper-Collins, 2001), 150.
Ibid., 145.
Ibid., 149.
16 | Realismo Romântico

Nada é mais doce neste mundo triste do que o som de alguém a quem
você ama chamando-o pelo nome.
K D

Criaturas no Éden,
almejando.

Este homem, esta mulher,


vistos por pastores, esses

que retornam,
como pobres homens sábios em lugares pequenos,
esquecidos por aqueles que eles ajudam a libertar,
mas por Ele conhecidos, a quem eles contemplam
nos silêncios, escutando, momento a momento
para sustentar com uma palavra,

uma viúva, um lavrador,


um pastor com um nome e cidade,

esses nossos heróis,


seguidores invisíveis
dos que são tímidos de fama.

Viúvas e lavradores
Sei que o chamado para ser um profeta e rei soa mais nobre do que
ser viúva ou lavrador. Afinal, profeta e rei significam grandes
posições, para momentos heroicos em uma geração. Não desprezo
isso. Ansiamos por uma geração na qual Deus nos conceda tais
líderes. Tomemos, por exemplo, a Elias no Monte Carmelo, e
desejamos que nós também possamos permanecer firmes contra os
falsos ensinos e falsos profetas de nossa época, com a mesma
coragem. Não é de se maravilhar! Considere que nos dias dos
juízes, quando “cada um fazia o que achava mais reto” (Jz 21.25),
Deus levantou homens e mulheres para feitos poderosos e eventos
de campeão. “Suscitou o S juízes, que os livraram da mão
dos que os pilharam” (Jz 2.16). Ah! Levantar-se como Débora ou
Gideão ou Sansão, não com espadas, mas com verdadeiro poder
espiritual! Olhamos para nossos tempos. Vemos todos fazendo o
que acham certo aos próprios olhos. Nós também ansiamos
justamente por tal reforma e avivamento. Os que são propensos a
resignar-se precisam que Jesus desperte esses desejos para a
nossa geração.
Mas, aqueles entre nós que foram chamados ao trabalho pastoral
precisarão da ajuda do lavrador e da viúva mais frequentemente.
Esses heróis improváveis nos ensinam algo vital sobre Deus e a
nossa vocação.
Primeiro, existem heróis que nunca receberam os holofotes de sua
geração. Enquanto os juízes participaram publicamente em
transformação cultural substancial, um fazendeiro de nome Boaz
calmamente andava pelos campos enlameados, plantava seus
grãos, tratava bem os seus empregados, e buscava o bem comum
de sua comunidade com trabalho diário, duro e cheio de oração.
Esse lavrador amava a mulher gentia e sua família. Tinham uma
vida ordinária, de verdadeiro amor, juntos. Eles amavam a Deus.
Aqueles que conhecem a história argumentarão que esse amor
comum, nessa vida comum, provou ser igual, se não maior, do que
os grandes feitos dos juízes naquela geração.
Segundo, momentos heroicos são celestiais, mas não são o céu.
Que alívio, que celebração, que gratidão e felicidade surgem
quando uma pessoa é livrada da opressão, corrupção e maus-
tratos; quando as almas são despertadas; quando dignidade e
integridade e decência não são somente divisas, mas as ações
dessa terra! Contudo, os efeitos dos momentos heroicos
desvanecem. Isso era verdade nos tempos dos juízes. O coração
humano não foi mudado intrinsecamente, de modo universal, pelos
feitos poderosos. Em pouco tempo surgia outra geração que
precisava de outro juiz. Mesmo essas poderosas libertações não
puderam devolver a família de Noemi ou o marido de Rute. Vieram
os avivamentos, mas as lápides dos túmulos permaneceram em
Moabe.
Terceiro, às vezes as visitas de Deus são vistas quando pão
comum é colocado sobre a mesa de uma família comum (Rt 1.6). Às
vezes, o auxílio de Deus é encontrado na provisão de um grão
corriqueiro ou em um amigo comum.
Quarto, os momentos heroicos têm como alvo a recuperação
daquilo que é ordinário e comum. Débora e Gideão foram
levantados por Deus para que todos pudessem voltar para suas
casas, com uma vida em paz. O grande triunfo de um Super-homem
na ficção é libertar do mal os cidadãos de Metrópoles, para que
possam voltar para o trabalho, casar-se, viver e comer e encontrar
significado nisso. O grande triunfo da “Grande Geração”76 foi livrar o
mundo da tirania para que as pessoas pudessem voltar à bendita
alegria da vida diária e do amor. O verdadeiro ato de heroísmo em
Jesus na cruz e no túmulo vazio é para que o seu povo retorne para
a graça de viver a vida com Deus, em um lugar, com amor por
nossos vizinhos, e com a liberdade de gozar a Deus no trabalho,
lazer, descanso e amor que ali ele nos dá.

Romantismo e resignação
Sem essas lembranças, alguns de nós nos desgastamos com o
romantismo. Não conseguimos encontrar Deus nas coisas comuns,
no ordinário. Mexemo-nos, inquietos, de um grande momento para o
próximo. Com regularidade, empurramos os outros para o mesmo
redemoinho. Damos pouco espaço no ministério para uma Noemi,
que não tem o marido de volta, ou para um local onde a grande
visitação de Deus seja o fato de que as comuns mesas de jantar
tenham novamente o que comer. Temos dificuldades em glorificar a
Deus comendo, aprendendo a amar, indo dormir, levantando na
manhã seguinte para ir ao mesmo trabalho. A ideia de viver e
ministrar em um ou dois lugares desconhecidos e comuns por
cinquenta anos, para então ir para casa estar com o Senhor soa
como a morte. De que vale, para Deus, uma vida comum nos
campos de trigo?
Outros se deterioram internamente pela resignação. Se há alguns
de nós que não encontram Deus nas coisas comuns, há muitos que
desistiram de qualquer coisa extraordinária dada por Deus ou
realizada por nós. Dizemos com Noemi: “Não me chameis Noemi;
chamai-me Mara, porque grande amargura me tem dado o Todo-
Poderoso” (Rt 1.20). Nenhum amor encontrará de novo a Rute.
Nenhum pão virá à nossa mesa. Nenhum juiz nos salvará. Tudo é
amargo e sem razão de ser; não adianta tentar. Acho que meu
amigo pastor que tirou sua própria vida aterrissou aqui. O que
adianta para Deus uma vida comum nos campos de trigo?
O resultado é um tipo de pensamento de “tudo ou nada”. Ou tudo
é maravilhoso ou não existe nada de bom — de qualquer jeito, um
campo de trigo não é suficientemente grandioso (por exemplo, Adão
e Eva no Éden). O romantismo e a resignação têm esse lema em
comum.
Em contraste aos dois, Jesus nos conclama ao realismo
romântico. Ele comprou isto por nós na cruz. Ansiamos por
momentos heroicos, mas reconhecemos que eles não são o céu e
que mais provavelmente, outra pessoa entre uns poucos e raros
terá esse papel momentâneo. Somos realistas quanto ao fato de
que os momentos heroicos não são o modo normal em que Deus
visita diariamente o seu povo. No entanto, ainda cremos que Deus
está fazendo algo maior do que conseguimos enxergar atualmente.
Em seu amor por nós, ele está recuperando em Jesus aquilo que foi
perdido. Somos realistamente românticos. Vemos pão sobre a mesa
e damos graças a Deus! Pão não é mais apenas pão. Pão é uma
dádiva, um dom — Deus se lembrou de nós. O amor comum, do
jeito que deve ser, junto com uma longa vida de corriqueira
fidelidade a Deus, realiza muito mais do que sabemos. Um
fazendeiro, uma viúva e uma gentia, em um lugar desconhecido por
toda sua vida, poderão revelar, no fim, a verdadeira grandeza de
Deus. O realista romântico fala desse modo:

Se você fosse marcar as pessoas mais importantes na geração dos


juízes, quem seriam? Gideão? Débora? Sansão? Que feitos
poderosos! Que ajuda Deus trouxe por intermédio deles. Mas Jesus
comprou novos olhos para ver mais do que os juízes heroicos. Mateus,
no primeiro Evangelho do Novo Testamento, nos conta de outros dois
que viveram no tempo desses juízes impressionantes. Ele recorda
para nós “o livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de
Abraão” (1.1). Nos versículos 5 e 6, Mateus diz o seguinte: “Boaz; de
Rute, gerou a Obede; e Obede, a Jessé; Jessé gerou ao rei Davi;”

Enquanto todo mundo fazia o que era certo aos próprios olhos e
os reformadores procuravam virar com poder a maré espiritual, a
promessa de Genesis 3.15 estava sendo buscada por Deus em uma
simples fazenda, em meio a sonhos esmiuçados e recuperados de
amor e vida comuns.
Os romantizados e os resignados — nenhum deles teria visto a
Rute como senhora real na linha do Rei. Enquanto os romantizados
ficavam na fila para conseguir o autógrafo de alguém como Gideão,
e enquanto os resignados ficaram em casa reclamando do exagero,
ninguém teria notado o tremendo mover de Deus em seu meio.
Não importa quão grandes ou talentosos somos, Deus nos convida
para ele por amor local, a pessoas locais, em uma localidade
definida, com a longa sabedoria aprendida pelo conhecimento local
em Jesus, até que ele venha. Isto quer dizer que, se você estiver se
desgastando, tentando ser e fazer mais do que isso, Jesus o chama
para parar com todo esse pisoteio por todo lado e vir finalmente
para casa. A grande obra a ser realizada está bem à nossa frente,
com as pessoas e nos lugares que a sua providência nos concedeu.
Para mim, isso quer dizer ler os jornais Webster-Kirkwood Times ou
St. Louis Post Dispatch, quando soaria muito mais atraente e
importante ler o New York Times ou o USA Today. Posso ler os
jornais anteriores sem os últimos, mas não vice-versa, porque aqui é
o lugar para onde ele me chamou. É aqui que ele está operando.
Aqui está meu posto, meu lugar, minha vida, a sua glória.

Palavra e Sacramento
Realismo romântico explica a razão pela qual nos entregamos à
leitura e pregação da Palavra de Deus junto à acolhida regular do
pão e do cálice.
Alguns romanticamente fazem uma encantação de um texto
bíblico, como se a mágica estivesse enterrada nas páginas e tinta.
Outros se resignam a nada mais que recitar palavras antigas sobre
uma superfície morta. Mas Paulo, o apóstolo, confunde esses dois
pontos de vista e fala de um tempo em que a pregação vem para
certa localidade, com suas pessoas, “em poder, no Espírito Santo e
em plena convicção” (1Ts 1.5).
Alguns romanticamente exageram a voz, como se a santidade
tivesse um tom alto, como se Deus falasse com uma articulação de
trombeta, carregada de tremor ou, em contraste, apenas com uma
voz tímida, sussurrando gritos de glória. Outros fazem raio-X de
brincadeiras vocais, sendo cínicos quanto ao cântico. “Voz”, dizem
eles, “ nada mais é que voz”. “A voz é limitada pelas cordas vocais,
vazia. A voz é fria como a religião”.
Mas Paulo diz o contrário. Há tempos em que a voz humana fala
em toda sua grandeza e fragilidade, mas o que a congregação ouve
é o próprio Deus, que lhes fala por meio desse texto impresso e
dessa voz humana. “Tendo vós recebido a palavra que de nós
ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens,
e sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito,
está operando eficazmente em vós, os que credes” (1Ts 2.13).
O Espírito toma essa Palavra lida e pregada. O alfabeto ordinário,
a voz comum, aqueles que dão vida pelo sopro do Espírito, e
pessoas comuns respondem a um Deus que está presente. Seu
Espírito em Jesus lhes fala, e com seus defeitos e limites eles
realmente ouvem: “deixando os ídolos, vos convertestes a Deus,
para servirdes o Deus vivo e verdadeiro e para aguardardes dos
céus o seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os mortos, Jesus,
que nos livra da ira vindoura” (1Ts 1. 9–10).
Da mesma forma, o pão e o vinho anunciam “a morte do Senhor”
(1Co 11.26). Pão e suco, hóstia ou vinho, nada mais são que isso.
Compramos em oferta no mercado da esquina. Contudo, Deus se
aproxima de nós aqui; de maneira singular nós degustamos e
provamos, vendo não somente a massa e as uvas esmagadas, mas
a própria bondade do Cristo vivo. Lembrarmo-nos dele torna-se em
recebê-lo. Ele nos encontra em verdadeira presença, enquanto pela
fé mastigamos e engolimos e oramos. A morte espreita aqui entre
os pedaços. A vida surge quando nos ajuntamos para celebrar. O
corpo do Senhor é aqui discernido. É sagrado o que comemos (١Co
11.27–29).
Estou aprendendo que o realista romântico encontra seu caminho
em direção a um longo compasso, em um lugar local. Porque pela
fé, existe mais nessa tinta e nesse texto, nessas vozes variadas de
pregadores humanos, nessas pessoas do local com as suas
histórias do cotidiano, nesse pão comprado no mercado ou assado
no forno caseiro e nesses copos de suco ou vinho barato — existe
mais aqui, estou dizendo, do que podemos ver com nossos olhos.
Deus está aqui. Essa mesma velharia, esse mesmo velho de
sempre tem asas.

Voltar para casa


Eu me lembro de mim mesmo como adulto, em meu primeiro
pastorado. Ali estava eu, sentado na varanda, comendo o bolo de
especiarias de Mamaw. Uma lembrança de mim quando menino
vem à mente. Afinal, certa vez os pastores foram crianças e netos.
Lembro-me de Mamaw chamando para o jantar. Às vezes ela
enfiava os pés nos velhos sapatos desbotados de lona vermelha e
ficava no caminho de cascalho, fora da garagem. Segurava aberta a
porta do carro com a mão esquerda. Com a mão direita ela se
inclinava e tocava a buzina com força. Em resposta à força de
Mamaw, a buzina desgastada do carro arfava e lançava ao ar dois
sonidos do tipo rosnada de ganso.
Noutras vezes, ela batia depressa numa lata velha com uma
colher de pau. Essa colher se tornava instrumento de percussão,
fazendo estrépito barulhento que subia no ar da vizinhança ao pôr
do sol. Meus tios e a meninada da vizinhança usavam a mesma lata
para o jogo que eu amava: “chuta-lata”. Eu era bem novo, e Mamaw
forçava os seus dois filhos a permitir que eu brincasse. Eles eram
jovens demais para serem os meus tios, mas não podiam fazer
nada a respeito disso. Tinham de deixar que o sobrinho fosse atrás
junto deles.
Eu amava isso. Sentia-me mais velho, como se pertencesse. É
surpreendente como uma simples lata velha podia oferecer alegria
para uma turma de meninos na vizinhança. Esse aspecto da lata às
vezes me lembra das pessoas também. Igualmente notável era
como a mesma lata tinha utilidade nas mãos de Mamaw.
Mas a buzina de ganso e o barulho da lata desvanecem em
comparação com aquelas vezes em que minha Mamaw
simplesmente optava por usar sua voz para chamar-nos para casa.
Talvez estivéssemos lá nos Guthries, escondidos como soldados
entre os arbustos ou subindo nas árvores. Ela chamava
primeiramente o nome dos meus tios e depois o meu.
“Bbbbbuuddd”. “Aaaadddddaaaammmm”. “Zzzaaacckkkk”.
Às vezes, ouvir a voz de Mamaw chamando ao vento me irritava.
O jantar estava pronto. Eu queria brincar, não comer. Queria andar
pelo bairro, não ficar sentado no mesmo lugar, à mesma velha
mesa. Era hora de ir para casa, mas eu me recusava. Era um
prenúncio de obstinação no meu coração que poderia ferir a mim e,
com o tempo, a outras pessoas.
Mas outras vezes, eu ficava emocionado ao ouvir a voz de Mamaw
chamando meu nome ao entardecer. Os meninos mais velhos nem
sempre eram justos comigo. Eles zombavam de mim em vez de me
convidarem para brincar. Eu sabia o significado de ouvir sua voz
levando nossos nomes naquela hora do anoitecer. A comida estava
esperando. Com certeza haveria livramento. Meu coração podia
saltar, minhas lágrimas podiam cessar. Era hora de voltar para casa.
E eu fazia exatamente isso.
Vejo nesse cenário uma lembrança de como Jesus chama
qualquer um de nós para essa vida e ministério. Ele nos chamou a
algum ministério, em alguma localidade, como aqueles que
pertenciam a alguém, em algum lugar, cuja família se tornara a
nossa família. Eu era das famílias Eswine e Guernsey. Eu brincava
de jogos como “chuta-lata”. Brincava de caminhõezinhos Tonka com
meu tio Adam. Bebia o caldo de picles (graças a meu tio Bud).
Finalmente ouvi meu Papaw falar de Jesus no salão da Legião
Americana em Henryville, Indiana. Era o Dia de Ação de Graças
(sim, isso mesmo).
Preguei sobre Jesus no funeral de minha Mamaw. Ela morreu no
dia de Natal. Canções que eu escrevi foram tocados no CD player,
enquanto familiares e amigos se reuniram. Eu havia sido ordenado
pregador pelo Presbitério dos Grandes Lagos. Mas naquela tarde,
falei de Jesus como neto de Pauline, o filho quebrantado de Vern e
Jan. Eu era aquele menino que Mamaw chamava de “Charlie
Brown” e de “fofura” (como ela chamava também seus outros
netos). Depois, comemos frango frito e macarrão com queijo e
tomates no salão do porão da Igreja Metodista Unida de Henryville.
Papaw morreu pouco mais de três anos depois. Apesar das
convicções doutrinárias quanto a ordenação de mulheres ao
ministério da Palavra da parte de seu neto, a pastora Wilma tinha
alimentado a fé recente de meu velho Papaw. Ela cuidara dele com
fidelidade e falou com ele sobre Jesus de coração. Enquanto todos
nós nos sentávamos no culto fúnebre, ela nos convidou ao mesmo
Salvador que havia buscado, encontrado e perdoado a Bud, o
mesmo Salvador que respondera as orações de Mamaw. Mais
frango frito seguiu ao serviço fúnebre, e então fui para casa.
Estou tentando dizer que a vida e o ministério são aprendizados
em Jesus, em que, por sua glória, ele capacita outros a fazer o
mesmo. Bernanos estava certo. “A graça está em todo lugar”.77
NT: Termo popular para se referir a geração que sucedeu à Grande Depressão que ocorreu
nos Estados Unidos a partir de 1929.
Georges Bernanos, The Diary of a Country Priest, (New York: Knoll & Graff, 2004), 298.
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