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A solução grega para a primeira crise da Matemática

(O Método de Exaustão)

A falta de uma explanação quantitativa para os fenômenos de

movimento e variabilidade foi, com efeito, uma das principais razões para as
dificuldades implícitas nos argumentos de Zenão. Platão (428/7-348/7 a.C.)
1
, o grande filósofo de Atenas, já tinha percebido este abismo entre a

geometria e a aritmética, e sugerido, por conseguinte, a construção de uma

“ponte” através de uma construção axiomática do conceito de número,

independente de qualquer base geométrica – assim, com uma antecedência

de mais de 2000 anos, o grande mestre parecia adivinhar a discussão que se

daria no final do século XIX.

Platão, no entanto, não dá uma resposta direta aos paradoxos de

Zenão e ao problema da incomensurabilidade. Apesar de ter sido

influenciado em seus pensamentos pelas escolas pitagórica e de Abdera,

Platão rejeita a mônada pitagórica e o atomismo matemático de Demócrito,

por estas teorias atribuírem uma espessura aos seus elementos

“infinitamente pequenos”. Tais conceitos apelavam por demais para a

experiência sensível para ser do agrado de Platão. O filósofo de Atenas

preferiu interpretar o seu conceito de infinitesimal a partir do conceito


2
altamente abstrato do apeíron ou indeterminado ilimitado. De acordo com

Platão, o contínuo poderia ser melhor interpretado pelo “fluir do apeíron”

do que através de um agregado infinito de elementos indivisíveis. Segundo

Boyer (1949), esta visão platônica representa a fusão do contínuo e o

1
Embora ele próprio não se considerasse um matemático, Platão deixou bem claro o seu interesse e
habilidade na solução de problemas geométricos.
2
Segundo Mora (2000, p.37), o vocábulo apeíron, tal como emprega o filósofo Anaximandro, significa
“sem fim” ou “sem limite”; costuma-se traduzir como “o infinito”, “o indefinido”, “o ilimitado” etc., e lhe
foram dadas interpretações diversas entre os seus próprios discípulos. Também outros pré-socráticos,
Platão (Filebo) e Aristóteles (Física, III, 203) utilizaram o termo.
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discreto, bem próxima do Intuicionismo moderno de Brouwer. Assim,

como observou Boyer, a noção de infinitamente pequeno está, com efeito,

muito mais próximo do “infinitesimal generative” de Leibniz, ou mesmo da

“magnitude infinitamente pequena intensiva” que apareceu na filosofia


idealista do século XIX, do que do processo de subdivisão contínua de

Demócrito. De fato, a noção de infinitesimal de Platão está presente nas

variáveis infinitesimais do Cálculo de Newton quanto no Cálculo de Leibniz.

Tal fato, acrescido da alusão à “ponte” aritmética-geometria, fez com que

Boyer (1949) defendesse inclusive para Platão o legítimo título de um dos

descobridores do Cálculo. Segundo o historiador, se à especulação

metafísica Platão fosse acrescida uma concepção geral de número real e,

consequentemente, de variável algébrica contínua, o Cálculo não precisaria

esperar mais dois mil anos para ser “inventado”. Infelizmente, os

matemáticos gregos estavam muito mais preocupados em preservar a

precisão lógica do que em investigar com mais profundidade esta dualidade

essencial do Cálculo: o par discreto/contínuo. A dificuldade de sobrepor o

obstáculo numérico provocado pela descoberta dos segmentos

incomensuráveis foi também um dos principais inibidores dessa empreitada:

a ponte platônica aritmética-geometria foi ignorada pelos matemáticos

gregos. A construção de tal ponte teve que ser adiada para o longínquo final

do século XIX.

Em sentido oposto ao pensamento de Platão, mas correspondendo às

expectativas de precisão lógica dos matemáticos gregos, Aristóteles (387-

322 a.C.), o grande filósofo grego, sugere que se expurgue toda noção de

infinitamente grande ou infinitamente pequeno da ciência em geral. O que

3
Concepção fundamental de L. Brouwer que afirma serem as entidades da Lógica Matemática livres
criações do pensamento, independendo de origens empíricas, e sustentadas pela clareza que lhes confere
seu caráter intuitivo – (Ferreira, 1999).
Aristóteles propõe, na verdade, é uma espécie de “exorcismo do conceito de

infinito”. A favor do seu pensamento argumenta que:


Na realidade, eles (os matemáticos) não precisam e nem usam o infinito. Eles apenas
postulam que a linha reta pode ser estendida como quiserem. 4
(apud Baron & Bos, 1985, v.1, p.27)

E acrescenta que é desnecessário usar a idéia de infinitamente

pequeno ou infinitamente grande pois:


Se adicionarmos continuamente a uma quantidade finita, excederemos qualquer
grandeza dada e, do mesmo modo, se subtrairmos continuamente dela chegaremos a
alguma coisa menor do que ela. 5
(apud Baron & Bos, 1985, v.1, p.27)

É desse modo, descartando e evitando o uso do conceito de infinito

em suas ações, que os matemáticos gregos procuraram resolver a anomalia

que Zenão havia identificado. Eudoxo (408-355 a.C.), membro da antiga

escola de Pitágoras, desenvolve a teoria das proporções e o seu "método de


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exaustão" , onde a teoria dos números é incorporada à estrutura

geométrica e o conceito de infinito é evitado. Dois grandes matemáticos,

Arquimedes e Euclides, assimilam, desenvolvem, e aplicam o método de

exaustão de Eudoxo a problemas geométricos. Usam este método para

manipular operações com limites sem invocar o conceito de infinito. Euclides


7
explicita claramente em sua obra Elementos os princípios que norteiam tal

método.
(Elementos V - definições básicas da teoria das proporções de Eudoxo)
3. Uma razão é uma espécie de relação entre o tamanho de duas grandezas de mesma
natureza.
4. Diz-se que duas grandezas de mesma natureza possuem uma mesma razão entre si
quando, multiplicando-as, uma excede a outra.

4
Este é exatamente o teor do segundo postulado dos Elementos de Euclides.
5
Tal enunciado consiste basicamente no axioma de Eudoxo-Arquimedes, comumente usado na
introdução de um curso inicial de Análise Real.
6
O batismo do método desenvolvido por Eudoxo como “método de exaustão” será realizado apenas no
século XVII, por Grégoire de Saint-Vicent.
7
O livro V dos Elementos de Euclides é uma exposição magistral da teoria das proporções de Eudoxo.
No livro VI são apresentadas as aplicações da teoria eudoxiana das proporções à geometria plana.
(proposição 1, Elementos X – a versão euclidiana do axioma de Eudoxo-Arquimedes)
Considerando duas grandezas distintas, se subtrairmos da maior uma outra maior do que
sua metade, e desta uma outra maior do que sua metade e assim por diante, obteremos
finalmente alguma grandeza que será menor do que a menor grandeza considerada.
(apud Baron & Bos, 1985, v.1, p.28)

A definição de razão (3, Elementos V) como uma “espécie de relação”

não parece muito esclarecedora. É, no entanto, na definição posterior, que

Euclides deixa claro que não pode haver razões entre grandezas de espécies

diferentes; ou seja, não pode haver razões entre superfícies (áreas) e retas

(comprimentos), ou sólidos (volumes) e superfícies (áreas) e etc., o que é

frontalmente contra a teoria matemática dos indivisíveis, desenvolvida pelos

pitagóricos. Outro fato que deve ser aqui observado é que estas definições,

agregadas ao corpo da teoria a que fazem parte – a teoria das proporções

de Eudoxo -, é que vão suprir a carência grega de um conceito de número. O

não enfrentamento do problema da incomensurabilidade fez que com que

prevalecesse no “Cálculo grego” os procedimentos (indiretos) de

comparação. Assim, para os gregos a questão que se coloca não é “Qual é a

área de um círculo?”, mas “Qual é a razão entre as áreas de dois círculos?”,

de modo que, ainda que cada área seja incomensurável (irracional), é possível

estabelecermos uma razão (racional) entre elas, e o problema da

incomensurabilidade não se torna um obstáculo para o processo de

comparação. Com isto, fica evidente que, por mais que a precisão e o rigor

estejam nas metas da proposta paradigmática para a crise da matemática

grega, a teoria das proporções, o alicerce dessa proposta, se fundamenta

numa representação intuitiva e geométrica de número irracional.

A proposição (1, Elementos X) é a versão euclidiana para o axioma de

Eudoxo-Arquimedes – axioma fundamental para o desenvolvimento do

“método de exaustão”. Pode ser considerada também como a “célula mãe”

daquilo que conhecemos hoje como a operação de limite. É o axioma que irá
exorcizar de vez o conceito de infinito da matemática grega. Tal fato é, no

mínimo, curioso, uma vez que este axioma, sendo a “célula mãe” da operação

de limite, será usado para negar aquele que é o “regente básico” desta

operação. Mas, afinal, em que consiste o "método de exaustão"?

M. Baron e H. Bos (1985) afirmam em seu livro que, para entendermos

os gregos, é preciso que aprendamos a utilizar os seus instrumentos.

Procuraremos, portanto, responder a tal questão, analisando um exemplo da

aplicação deste método. Selecionamos um texto de Arquimedes (287-212

a.C.) por razões que justificaremos mais tarde.

(proposições 21, 22 - Sobre Conóides e Esferóides)


Qualquer segmento de um parabolóide de revolução é novamente metade do cone ou
segmento de um cone que tem a mesma base e o mesmo eixo.

Suponha que a base do segmento é perpendicular ao plano do papel, e suponha que o


plano do papel seja o plano que passa pelo eixo do parabolóide que corta a base do
segmento em ângulos retos em BC e torna seção parabólica BAC.
Seja EF aquela tangente à parábola que é paralela a BC e seja A o ponto de contato.
Então (1), se o plano da base do segmento é perpendicular ao eixo do parabolóide, este
eixo é a reta AD que bissecta BC em ângulos retos em D.
(2) se o plano da base não é perpendicular ao eixo do parabolóide, trace AD paralelo ao
eixo do parabolóide. AD então bissecta BC, mas não em ângulos retos.
Trace por EF um plano paralelo à base do segmento. Este tocará o parabolóide em A,
que será o vértice do segmento e AD o seu eixo. A base do segmento será um círculo
com diâmetro BC ou uma elipse com eixo maior BC.
Pode-se encontrar um cilindro, ou tronco de um cilindro, passando pelo círculo ou elipse
e tendo como eixo AD (proposição 9); do mesmo modo, pode-se traçar um cone ou um
segmento de um cone, passando pelo círculo ou elipse tendo como vértice A e como eixo
AD (proposição 8).
Seja X um cone igual a 3 (cone ou segmento de cone ABC)
2
O cone X é portanto igual à metade do cilindro ou tronco de um cilindro EC (proposição
10).
Mostraremos que o volume do segmento do parabolóide é igual a X. Caso contrário, o
segmento deve ser maior ou menor do que X.
Podemos então inscrever e circunscrever, como na última proposição, figuras
constituídas de cilindros ou troncos de cilindros com mesma altura e tais que

(figura circunscrita) - (figura inscrita) < (segmento) - X

Seja o maior dos cilindros ou tronco formando a figura circunscrita aquele cuja base é o
círculo ou a elipse ao longo de BC , com eixo OD, e seja o menor deles aquele cuja base é
o círculo ou a elipse ao longo de PP' com eixo AL.
Seja o maior cilindro formando a figura inscrita aquele cuja base é o círculo ou a elipse
ao longo de RR' com eixo OD, e o menor aquele cuja base é o círculo ou elipse ao longo
de PP' em eixo LM.

figura 9

Faça com que todos os planos das bases dos cilindros ou troncos interceptem a
superfície do cilindro completo ou tronco EC.

(figura circunscrita) - (figura inscrita) < (segmento) - X

Segue-se que

(figura inscrita) > X ........................................................................... (  )

Agora, comparando sucessivamente os cilindros ou troncos com alturas iguais a OD e


formando respectivamente as partes do cilindro ou tronco EC e da figura inscrita,
temos:

(primeiro cilindro ou tronco em EC) : (primeira figura inscrita)

= BD 2 : RO2
= AD : AO
= BD : TO, onde AB intercepta OR em T,
e
(segundo cilindro ou tronco em EC) : (segunda figura inscrita)

= HO : SN, da mesma maneira,


e assim por diante.

Então (proposição 1)

(cilindro ou tronco EC) : (figura inscrita)

= (BD + HO + ...) : (TO + SN + ...),

onde BD, HO, ... são todos iguais, e BD, TO, SN, ... decrescem em progressão
aritmética.
Mas [Lema que precede a proposição 1]
BD + HO + ... > 2 (TO + SN + ...),

Portanto (cilindro ou tronco EC) > 2 (figura inscrita), ou X > (figura inscrita); o que é
impossível por (  ) acima.
Se, possível seja o segmento menor do que X.
Neste caso inscrevemos e circunscrevemos figuras como antes, mas de tal modo que:

(figura circunscrita) - (figura inscrita) < X - (segmento),


e daí segue-se que:

(figura circunscrita) < X ........................................................................ (  )

E, comparando os cilindros ou troncos que constituem o cilindro completo ou tronco CE


e a figura circunscrita respectivamente, temos:

(primeiro cilindro ou tronco CE) : (primeiro na figura circunscrita)

= BD2 : BD2
= BD : BD

(segundo em CE) : (segundo na figura circunscrita)

= HO2 : RO2
= AD : AO
= HO : TO

e assim sucessivamente.

Então (proposição 1)

(cilindro ou tronco CE) : (figura circunscrita)

= (BD + HO + ...) : (BD + TO + ...),


< 2 : 1, [Lema que precede proposição 1]
e daí segue-se que:

X < (figura circunscrita);

isto é impossível por (  ).

Assim, o segmento, não sendo nem menor nem maior do que X, tem que ser igual a ele e
portanto a 3 (cone ou segmento do cone ABC).
2
(apud Baron & Bos, 1985, v.1, p.28)
Note inicialmente que a expressão “novamente metade do cone” quer

dizer “metade do cilindro circunscrito” ou “ 3 do cone inscrito” ao


2

parabolóide. Em sua demonstração, Arquimedes denomina de X esta

quantidade. Assim, o que ele quer provar é que o volume C do parabolóide

(isto é, do segmento) é igual a X. Isto posto, podemos enumerar os

principais estágios do desenvolvimento do método de exaustão (na versão de

Arquimedes):

(1) Considere In e Cn, respectivamente, seqüências de sólidos

inscritos e circunscritos ao parabolóide do enunciado, de

modo que I1 <...< In< In+1< C <…< Cn+1< Cn<…< C1 e I1<...< In< In+1 <

X<…< Cn+1< Cn<…< C1.

(2) Suponha C > X

(3) Por escolha adequada de ‘n’, façamos Cn – In < C – X (ax. de

Eudoxo-Arquimedes - proposição 1, Elementos V)

Note que a desigualdade anterior é equivalente a

Cn – C < In – X

(4) Como Cn > C, temos que existe ‘n’ tal que In > X

(5) Por outro lado (usando resultados geométricos elementares),

obtém-se In< X

(6) Isto é: se C > X, então In > X e In < X.

Logo, C não pode ser maior que X.

(7) Suponha C < X

(8) Por escolha adequada de ‘n’, façamos Cn – In < X – C (ax. de

Eudoxo-Arquimedes - proposição 1, Elementos V)

(9) Como C - In < X – Cn e C > In, temos que existe ‘n’ tal que X > Cn
(10) Por outro lado (usando resultados geométricos elementares),

obtém-se X< Cn

(11) Isto é: se C < X, então Cn > X e Cn < X.

Logo, C não pode ser menor que X.

(12) Como C não pode ser maior e nem menor que X, temos que C =

Note, por exemplo, que se Arquimedes fizesse n   , nas duas

desigualdades descritas em (1), obteria direto C = X. Não fez isto porque

queria evitar, como sabemos, o uso do conceito de infinito. Por isso, para

mostrar que C = X, mostrou que se considerássemos qualquer outra

possibilidade além desta (isto é: C > X ou C < X), chegaríamos, através do

axioma de Arquimedes-Eudoxo e das propriedades geométricas das figuras

construídas, a situações contraditórias. Assim, além do seu evidente desvio

numérico, o método de exaustão é um processo indireto de demonstração

que, em geral, não possibilita conhecer a origem real das descobertas dos

resultados. Como será que Arquimedes descobriu o tal “cone” que serve

como referência para a determinação do volume do parabolóide? Teria o

grande matemático usado “a passagem direta ao limite” nas expressões dos

sólidos inscritos e /ou circunscritos ao parabolóide? Teria usado os

infinitesimais? A resposta para este problema específico pode ser dada,

usando as palavras do próprio Arquimedes que, em uma mensagem enviada a

Eratóstenes (~250 a.C.) nos diz que:


Vendo em você, como eu digo, um estudante sério, um homem de considerável
eminência em filosofia e um admirador da matemática, pensei em escrever-lhe
explicando em detalhes, no mesmo livro 8, as peculiaridades de um certo método, pelo
qual será possível iniciá-lo na investigação de alguns problemas de matemática, através
da mecânica. Este procedimento é de muita utilidade, mesmo para as demonstrações

8
O livro a que se refere Arquimedes é a sua grande obra conhecida como “O Método”, descoberto
casualmente, em Constantinopla, somente no ano de 1906. É lamentável que esta obra não tenha sido
descoberta antes.
dos teoremas; certas coisas tornam-se claras para mim, primeiro por um processo
mecânico, embora eles tenham que ser demonstrados depois por argumentos
geométricos, pois a investigação pelo método citado não fornece uma demonstração.
Uma visão antecipada, obtida pelo método, do teor das questões contribui para o
processo de demonstração mais do que se não possuíssemos nenhum conhecimento
prévio. (grifo nosso)
(apud Baron & Bos, 1985, v.1, p.50)

Note, pelas palavras do próprio matemático, o destaque que ele dá ao

método na busca de uma “visão antecipada” do “teor das questões”

(essências dos resultados matemáticos). O grande mestre observa ainda o

quanto ”este procedimento [método] é de muita utilidade, mesmo para as

demonstrações dos teoremas”. Ressalta, entretanto, a necessidade da

elaboração de uma demonstração mais rigorosa (o método de exaustão).

Mas, afinal, em que consiste tal “método mecânico”?

Deixamos ao leitor a grata surpresa de descobrir, de uma só vez, as


9
respostas para as duas questões aqui levantadas. O texto, a seguir,

apresenta outra solução para o problema do volume de um parabolóide, em

que Arquimedes usou o tal método mecânico:


(Arquimedes , O Método, proposição 4)
Qualquer segmento de um conóide reto (isto é, um
parabolóide de revolução) secionado por um plano
perpendicular ao eixo é igual a 1 1 vezes o cone que
2
tem a mesma base e o mesmo eixo do segmento.

Isso pode ser investigado por nosso método como


segue. Cortemos um parabolóide de revolução por
um plano através do eixo obtendo a parábola BAC.

Corte também com um outro plano perpendicular


ao eixo que intercepte o primeiro plano BC.
Seja DA o eixo do segmento, prolongue-o até H de
tal modo que HA = AD. figura 10
Imagine que HD seja a haste de uma balança e A o
seu ponto médio. A base do segmento sendo o

9
Como será que Arquimedes descobriu o tal “cone” que serve como referência para a determinação do
volume do parabolóide? Em que consiste tal “método mecânico”?
círculo onde BC é o diâmetro, e em um plano perpendicular a AD, imagine (1) um cone
obtido com o círculo em questão como base e A como vértice, e (2) um cilindro com o
mesmo círculo como base e AD como eixo.

No paralelogramo EC tome qualquer reta MN paralela a BC, e por MN trace um plano


perpendicular a AD; este plano cortará o cilindro em um círculo com diâmetro MN e o
parabolóide em um círculo com diâmetro OP.
Agora, BAC sendo uma parábola e BD, OS as ordenadas,
DA : AS = BD2 : OS2
ou
HA : AS = MS2 : SO2.
Portanto,
HA : AS = (círculo, raio MS) : (círculo, raio OS)
= (círculo no cilindro) : (círculo no parabolóide).

Logo, o círculo no cilindro, no lugar onde ele se localiza, estará em equilíbrio, em torno
de A, com o círculo no parabolóide, se este último for colocado com seu centro de
gravidade em H.
Assim, como de costume, se considerarmos todos os círculos componentes do cilindro e
o segmento inteiro e os tratarmos do mesmo modo, acharemos que o cilindro, no lugar
onde está, estará em equilíbrio em torno de A com o segmento colocado com o seu
centro de gravidade em H.
Se Ké o ponto médio de AD, K é o centro de gravidade do cilindro;
logo, HÁ : AK = (cilindro) (segmento)
logo , cilindro = 2 (segmento), (Euclides, XII, 10)
e cilindro = 3(cone ABC)
logo, segmento = 3(cone abc).
(apud Baron & Bos, 1985, v.1, p.50-51)

Isto posto, fica evidente a introdução de conceitos provenientes da

mecânica (princípio dos momentos) mas, conforme observou Baron (1985,

v.1, p.52), “a coisa mais importante do método não é a ideia do peso e da

balança e sim a ideia de considerar o parabolóide (conóide) e o cilindro como


sendo construídos de seções circulares (sem espessura) que, na imaginação,
podem ser transladados e acumulados em H”. Com efeito, são essas

quantidades infinitamente pequenas (sem espessuras), o elemento

fundamental do seu “método”. Parece que voltamos a Demócrito. Ou será

que já estamos no século XVII com Cavalieri? Bem, a influência que a

“geometria dos indivisíveis” de Cavalieri possa porventura ter sofrido pelo

método mecânico de Arquimedes é questionável, uma vez que a descoberta


dos documentos originais da obra grega tenha se dado apenas no século XX.

Mas, que o método mecânico tenha sofrido uma influência direta dos

“indivisíveis matemáticos” de Demócrito parece bastante evidente, uma vez

que Arquimedes era profundo conhecedor dos trabalhos do primeiro.

Assim, pode-se dizer que, em Arquimedes, tanto as quantidades

infinitamente pequenas, como a célula-mãe da noção de limite, conviveram,

não de forma muito harmoniosa, é verdade, mas cada qual com um papel bem

definido no processo de construção do conhecimento matemático. Segundo

o próprio matemático, coube à primeira a nobre tarefa de “construção” das

idéias essenciais dos resultados matemáticos, enquanto que à segunda,

coube a árdua tarefa de fornecer o “alicerce” para a busca de uma

demonstração “mais” rigorosa. Mas, seriam esses mesmos os papéis

reservados às noções de limite e infinitésimos na construção dos resultados

do Cálculo? Estaria no procedimento infinitesimal a “essência” do

pensamento do Cálculo Diferencial e Integral? E, seria, efetivamente, a

noção de limite um sólido “alicerce” para os conceitos básicos do Cálculo?

Creio que ainda é muito cedo para discutirmos essa questão com mais

profundidade. O contexto fornecido pelo Cálculo de Arquimedes não nos

possibilita realizar uma reflexão mais profunda. Faltam, no seu Cálculo, dois

ingredientes fundamentais: um bom conceito de número e o conceito de

variável (e, consequentemente, o conceito de função). Mas isso é assunto

para outra conversa.

OBS: não se preocupe em “decorar” as demonstrações de Arquimedes apresentadas nesse


texto. Elas são apenas ilustrações dos métodos utilizados pelo matemático. Você, por

exemplo, deve entender a essência do método de exaustão.

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