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AULA 3

NEUROCIÊNCIA EDUCACIONAL

Prof. Wagner Allan Cagliumi


CONVERSA INICIAL

Na aula anterior, pudemos analisar que o processo de formação da


memória está diretamente relacionado com as experiências vividas, e que a
aprendizagem não pode ser definida apenas pelas funções consideradas
executivas.
Infelizmente, dissociamos das habilidades motoras – equivocadamente –
habilidades como atenção, memória, linguagem, leitura e escrita.
Em nossa primeira aula, discutimos a evolução neuroanatômica do ser
humano e o desenvolvimento de suas habilidades: o crescimento do córtex
cerebral, o início da marcha bípede, o desenvolvimento das percepções e suas
relações espaciais e temporais, que pouco a pouco foram oferecendo ao ser
humano um vasto repertório de respostas ambientais, nos tornando seres
altamente complexos e adaptados ao meio.
Na segunda aula pudemos estudar o desenvolvimento das percepções e
da memória. Dessa forma, não poderíamos deixar de discutir as habilidades
neuromotoras, para que você possa compreender o desenvolvimento da
linguagem e, consequentemente, a aquisição da leitura e da escrita, bens tão
preciosos, que nos permitem arquivar memórias externas ao nosso corpo
biológico e transferir o conhecimento adquirido para as futuras gerações.

CONTEXTUALIZANDO

Nesta aula conheceremos os fundamentos do desenvolvimento


neuropsicomotor, o desenvolvimento da linguagem e suas relações com a
aprendizagem da leitura e da escrita.
Muitas vezes pensamos que, para que uma criança possua condições de
aquisição da leitura e escrita, basta que tenha um vasto repertório linguístico, sem
que consideremos seu desenvolvimento psicomotor. Devemos refletir: O ato de
escrever não depende da motricidade? Não existem implicações de um repertório
motor, de experiências, de vivências para que o universo seja codificado em
palavras escritas?

TEMA 1 – DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR

A motricidade pode ser entendida como uma ciência que tem como objeto
de estudo o ser humano por meio de seu corpo em movimento e em relação aos
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seus meios interno e externo. A motricidade está diretamente relacionada aos
processos de maturação; corpo e movimento dão origem às aquisições cognitivas,
afetivas e orgânicas. A motricidade é sustentada por, basicamente, três áreas: do
movimento, do intelecto e da afetividade.
Podemos empregar o termo “psicomotricidade” em uma concepção de
movimento organizado e integrado, em função das experiências vivenciadas pelo
ser humano, cuja ação é resultante de sua linguagem, individualidade e
socialização.
Em 1993, o então Ministério da Educação e do Desporto e a Secretaria de
Educação Especial definiram psicomotricidade como a integração das funções
motrizes e mentais, sob o efeito do desenvolvimento do sistema nervoso,
destacando as relações existentes entre motricidade, mente e afetividade do
indivíduo. Vejam, portanto, que não podemos dissociar o desenvolvimento motor
das experiências vividas nos campos biológicos – considerando as neurociências
–, tampouco no meio social.
Devemos ressaltar que a habilidade de perceber é um conjunto de
processos que dependem primeiramente das experiências sensoriais. Dessa
forma, essas experiências deverão ser organizadas e posteriormente
interpretadas, produzindo as memórias evocadas na interpretação das
informações, o que chamaremos de “percepção”. Para tanto, todas as estruturas
nervosas deverão ser funcionais, isto é, íntegras, para que os estímulos externos
e internos sejam aferidos por meio dos órgãos sensoriais, sendo processados
para que possamos interpretar os referidos estímulos. Podemos entender que, em
uma criança, para que haja o desenvolvimento de um repertório perceptivo, tanto
os receptores nervosos quanto os órgãos dos sentidos e as estruturas superiores
do sistema nervoso deverão estar anatômica e funcionalmente íntegros para que
não haja um prejuízo no desenvolvimento neuropsicomotor.
Ao nascer, o ser humano está biologicamente preparado para receber os
estímulos do meio ambiente por meio dos órgãos dos sentidos; ao passo em que
experimenta novos estímulos, desenvolve novas interpretações e respostas
ambientais.
Ainda que o recém-nascido não tenha a capacidade de interpretar
determinadas informações, como diferenciar seu próprio corpo do meio que o
cerca, sua programação biológica permite que reconheça a voz da mãe, perceba
luz e sombra, além de estar programado para uma série de respostas motoras

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reflexas, isto é, que não dependem de experiências anteriores ou de
aprendizagem. Essas respostas são denominadas “reflexos hereditários”,
conhecimento genético que permite a sobrevivência dos seres vivos ao nascer,
como, por exemplo, o reflexo de sucção, tão importante para os mamíferos. Para
ilustrar essa questão, imagine que, num passado distante, precisássemos
aprender a sugar. Seguramente não teríamos sobrevivido.
Dentre uma variedade significativa de reflexos hereditários, vamos
descrever apenas os que de alguma forma têm uma relação direta com os
propósitos desta aula. Assim, vamos destacar o reflexo de sucção, de preensão
palmar e de marcha reflexa, ou andar automático.
O reflexo de sucção refere-se a quando tocamos levemente na boca de um
recém-nascido, momento em que ele começa a sugar e a chupar. Esse reflexo
tem, obviamente, fundamental importância para a sobrevivência. Devemos
lembrar que, por ser um reflexo, o bebê sugará qualquer objeto colocado em sua
boca, sejam os seios da mãe para mamar ou seus próprios dedos.
O reflexo de preensão palmar é desencadeado por pressão da palma da
mão, resultando na flexão dos dedos. Podemos observar essa mesma resposta
nos pés do bebê.
A marcha reflexa, ou andar automático, ocorre quando oferecemos apoio
plantar – apoio na planta dos pés – ao recém-nascido. Haverá inclinação do tronco
e um cruzamento das pernas, uma à frente da outra. Quanto a esse reflexo, é
curioso mencionar que, de tempos em tempos, podemos ver, sobretudo nas redes
sociais, filmagens de recém-nascidos “andando” precocemente. Agora que você
conhece os reflexos primitivos, já pode entender quão falsas são essas notícias;
não há nada de extraordinário em um recém-nascido “imitar” o andar.
Os reflexos hereditários são nada mais que movimentos primitivos que
asseguram ao recém-nascido formas de sobreviver no meio externo,
posteriormente dando lugar aos movimentos voluntários, refinados e complexos,
que permitirão o desenvolvimento de habilidades executivas em nosso meio
ambiente.
Pouco a pouco, o bebê toma consciência de seu poder de agir e de
influenciar o meio que o rodeia. Quando em estado de desconforto, como fome,
sede e dor, ele começará a chorar e a gritar.
O desenvolvimento motor se relaciona com a coordenação de movimentos
amplos e finos. As habilidades motoras amplas são aquelas que envolvem os

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músculos grandes do corpo, como arrastar, engatinhar, andar, saltar, correr,
chutar e arremessar bola. Já as atividades motoras finas envolvem o uso das
mãos e dedos, movimentos e ações mais sofisticados, como encaixar, empilhar,
atividades que utilizem ferramentas como tesoura, lápis e cola.
À medida que a criança cresce, suas habilidades motoras vão se
aprimorando, e a capacidade de controlar seus músculos e mover-se com
desenvoltura aumenta consideravelmente. Nesse estágio, os estímulos são
importantes, mas é necessário tomar cuidado e não forçar esse processo, pois,
como já vimos, há uma hierarquia temporal para a maturação neuropsicomotor; o
excesso de estímulos poderá causar prejuízos. Devemos oferecer uma variedade
de experiências à criança, mas compatíveis com sua idade e ambientes que
percorre. É necessário que músculos, ossos e sistema nervoso tenham atingido
determinado estágio de desenvolvimento para que, naturalmente, a criança possa
desempenhar atividades específicas.

1.1 Teoria da Aprendizagem de Piaget

Para que sigamos adiante na compreensão do desenvolvimento


neuropsicomotor, não podemos deixar de conhecer a teoria de Jean Piaget,
considerado um dos mais importantes pensadores da Educação do século XX.
Esse biólogo, epistemólogo e psicólogo tem em sua Teoria da Aprendizagem sua
maior representatividade. Não nos esqueçamos, porém, que Piaget desenvolveu
uma teoria, e não uma metodologia.
Essa teoria contempla que os princípios da lógica humana se iniciam antes
da aquisição da linguagem, por meio das atividades sensoriais e motoras nas
relações com o meio, sobretudo sociocultural, terminando na idade adulta.
Em sua teoria, Piaget descreve alguns estágios de desenvolvimento, os
quais apresentaremos de forma bastante sucinta.
Esses estágios são denominados Sensório-Motor, Pré-Operatório,
Operacional Concreto e Operacional Formal. Cada um deles possui
características específicas e hierárquicas para a aprendizagem, bem como faixas
etárias específicas.
No Estágio Sensório-Motor – que, para Piaget, está entre zero e dois anos
de vida – as características principais de aprendizagem estão relacionadas com a
compreensão do próprio corpo, com os espaços e objetos que compõem o meio.

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Essa estruturação permitirá que a criança desenvolva um repertório estruturado
de ações perceptivas e motoras.
O Estágio Pré-Operatório está significativamente relacionado com o
desenvolvimento da linguagem, dos dois aos sete anos; nele, a fantasia se mescla
com as realidades, compondo a base da compreensão cognitiva do universo que
a cerca; nesse estágio há o desenvolvimento de significados para os estímulos
externos.
As habilidades relacionadas ao desenvolvimento do lobo frontal, como
consciência, antecipação e julgamentos, são características do Estágio
Operacional Concreto, que vai dos sete aos doze anos, havendo um aumento na
capacidade de solucionar problemas e maior preocupação com o social.
A partir dos 12 anos, no Estágio Operacional Formal, já com vasto
repertório sensorial, corporal e de linguagem, serão promovidas a identidade, a
individualidade e a capacidade de argumentação.

1.2 Habilidades psicomotoras

A Teoria da Aprendizagem de Piaget nos oferece fundamentos para


compreender os principais fatores relacionados ao desenvolvimento psicomotor,
que abrange o desenvolvimento funcional de todo o corpo e de suas partes. Esse
desenvolvimento está dividido em várias habilidades psicomotoras, entretanto,
para o nosso estudo, vamos descrever brevemente as sete habilidades que o
psicopedagogo e psicomotricista português Vitor da Fonseca (1988) apresenta:
tonicidade, equilíbrio, lateralidade, noção corporal, estruturação espaço-temporal
e praxias fina e global.

1.2.1 Tonicidade

A tonicidade, que indica o tono muscular, tem papel fundamental no


desenvolvimento motor. É ela que garante atitudes, postura, mímicas e emoções
das quais emergem todas as atividades motoras humanas. Cabe descrevermos
sucintamente que, na etimologia, “tono muscular” significa “tensão”: uma leve
tensão dos músculos em estado de repouso. Assim, esse estado parcial de
contração muscular ajuda a manter a postura corporal para cada um dos
movimentos. Cabe ainda definir que podemos apresentar um estado de
hipotonicidade, no qual a contração parcial é inferior ao desejável, e um estado

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de hipertonicidade, em que a tensão é superior, impedindo a harmonia dos
movimentos. Na próxima aula abordaremos novamente esses termos no estudo
das deficiências neuromotoras.

1.2.2 Equilíbrio

A segunda habilidade psicomotora descrita por Fonseca (1988) é o


equilíbrio, que reúne um conjunto de aptidões estáticas e dinâmicas, abrangendo
o controle postural e o desenvolvimento das aquisições de locomoção. Temos o
equilíbrio estático e o equilíbrio dinâmico. Podemos caracterizar o equilíbrio
estático como aquele conseguido em determinada posição, ou que apresenta a
capacidade de manter certa postura sobre uma base. Já o equilíbrio dinâmico é
alcançado com o corpo em movimento, determinando sucessivas alterações da
base de sustentação.

1.2.3 Lateralidade

A definição de lateralidade pelo ponto de vista psicomotor refere-se à


preferência de uso da mão, do pé e do olho em um mesmo lado do corpo. Esse
padrão não é adquirido socialmente, mas é fruto de uma dominância interna do
corpo, relacionada a estruturas corticais, como o lobo parietal, e ainda a outras
habilidades psicomotoras, como orientação espacial e noção corporal.
O momento exato em que se estabelece a dominância lateral é bastante
controverso, no entanto, podemos observar, na literatura, que ele se dá a partir
do final do primeiro ano de vida, ou no início dos dois anos de idade, sendo
definido por volta dos quatro ou cinco anos – ou, ainda, por volta dos sete anos.
A preferência pela realização de tarefas pelo lado esquerdo ou direito do corpo
não define capacidades ou desvantagens em uma criança. Porém, encontramos
relatos em que a lateralidade cruzada entre pés, mãos ou olhos, ou a indefinição
de dominância lateral após os sete anos costuma gerar dificuldades na orientação
espacial e na direção gráfica durante a aquisição da escrita e da leitura. Isso não
significa que uma criança com lateralidade cruzada ou indefinida tenha
obrigatoriamente alguma dificuldade na aquisição da escrita e da leitura,
sobretudo antes dos sete anos de vida.

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1.2.4 Esquema corporal

O desenvolvimento do esquema corporal compreende a formação da


identidade individual, ou seja, da personalidade; a criança vai tomando
consciência de seu corpo e das possibilidades de expressão por meio dele. A
evolução da criança é sinônimo de conscientização e de conhecimento cada vez
mais profundo do seu corpo; é por meio dele que ela elabora todas as experiências
vitais e organiza toda a sua personalidade. A noção do corpo em psicomotricidade
não avalia forma ou realizações motoras, mas procura outra linha da análise,
centrando-se no estudo da sua representação psicológica e linguística e nas suas
relações inseparáveis com o potencial de alfabetização. Esse fator resume a
totalidade do potencial de aprendizagem não só por envolver um processo
perceptivo multissensorial complexo, como também por integrar e reter a síntese
das atitudes afetivas vividas e experimentadas.

1.2.5 Estruturação espaço-temporal

Não podemos nos esquecer da estruturação espaço-temporal, que decorre


da organização funcional da lateralidade e do esquema corporal, pois precisamos
desenvolver a conscientização espacial interna do corpo antes de projetar o
referencial somatognósico, que é o primeiro espaço percebido e vivenciado pela
criança, em seu próprio corpo e em relação ao seu eixo, no espaço exterior. Esse
fator emerge da motricidade, da relação com os objetos localizados no espaço,
da posição relativa que ocupa o corpo – enfim, das múltiplas relações integradas
de tonicidade, equilíbrio, lateralidade e esquema corporal. A estruturação espacial
leva à tomada de consciência, pela criança, da situação de seu próprio corpo em
um determinado meio ambiente, permitindo-lhe conscientizar-se do lugar e da
orientação no espaço que pode ter em relação às pessoas e às coisas.

1.2.6 Praxia global

A sexta habilidade apresentada por Fonseca (1988), refere-se à praxia


global. A palavra praxia, ou práxis, tem por definição a capacidade de realizar a
movimentação voluntária pré-estabelecida como forma de alcançar um objetivo.
A praxia global está relacionada com a realização e a automação de movimentos
globais complexos, que se desenvolvem num determinado tempo e exigem a
atividade conjunta de vários grupos musculares.

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1.2.7 Praxia fina

A última habilidade, a praxia fina, compreende todas as tarefas motoras


finas, associando-se à função de coordenação dos movimentos dos olhos durante
a fixação da atenção e manipulação de objetos que exigem controle visual, além
de abranger as funções de programação, regulação e verificação das atividades
preensivas e manipulativas mais finas e complexas.
Com base no conhecimento adquirido até agora sobre as habilidades
neuropsicomotoras, vamos apresentar uma breve descrição das principais
habilidades esperadas de acordo com a faixa etária de zero a seis anos.

Quadro 1 – Principais habilidades – 0 a 6 anos

PARTE DO
CORPO/ MOVIMENTO/HABILIDADE
POSIÇÃO
CRIANÇA DE ZERO A 1 ANO
Cabeça Levantar ligeiramente quando deitado de costas ou de bruços; se deitada de
bruços, sustentar cabeça e peito, apoiada nos antebraços; manter a cabeça ereta e
firme quando carregada em pé; manter a cabeça levantada quando em decúbito
ventral, durante alguns segundos; mexer quando deitada em decúbito ventral, para
cima, de um lado para o outro; virar a cabeça livremente quando o corpo está
apoiado.
Braços + pernas Estender para os lados, sem direção; inclinar tanto os braços como as pernas para
a frente, de forma que, quando de bruços pareça arrastar-se; dar pontapés com
força quando deitada em decúbito dorsal.
Cabeça + ombro Controlar a cabeça e ombros, sentada, apoiada em almofada ou travesseiro; tenta
pegar objetos acerca de 20 cm à sua frente.
Mãos Agarrar objetos mantidos 10 cm à sua frente; reter objetos, usando preensão
palmar durante alguns segundos, soltando involuntariamente; tentar alcançar e
agarrar com preensão objetos à sua frente; alcançar objeto predileto; colocar
objetos na boca; largar um objeto para pegar outro; pegar e deixar cair objetos;
atirar objetos para todos os lados; sentada, transferir objetos de uma mão para
outra; reter dois cubos de 3 cm em uma das mãos; usar preensão radial para pegar
objetos; tentar alcançar coisas com uma das mãos; ficar de pé com o mínimo de
apoio; virar vasilha despejando objetos; fazer movimento de enfiar ou tirar com
colher ou pá; colocar objetos grandes em um recipiente; bater palmas.
De bruços Virar de bruços para o lado; estando de bruços, tenta se movimentar para frente;
rolar de bruços para de costas; rolar de costas para o lado; virar de costas para de
bruços; quando agarrada nos dedos do adulto, tenta se sentar; passar de bruços
para posição sentada.
Sentada Manter posição sentada durante alguns minutos; manter-se sentada com apoio das
mãos para a frente; arrastar-se para a frente para pegar objetos; da posição
sentada, passar para a posição de gatinho; sentar-se sem apoio das mãos
Em pé Ficar em pé com apoio; se apoiada, pular para cima e para baixo quando em
posição de pé; dar alguns passos sem apoio
Mãos + joelhos Balançar para trás e para a frente apoiada sobre mãos e joelhos; engatinhar.
CRIANÇA ENTRE 1 E 2 ANOS
Mãos + joelhos Engatinhar escada acima; engatinhar escadas abaixo com os pés em primeiro
lugar.
Sentada Passar da posição sentada para em pé; se sentar em cadeira pequena.
Em pé Subir em cadeira de adulto, virar-se e se sentar; caminhar de forma independente;
curvar-se na altura da cintura para apanhar objetos sem cair; empurrar e puxar
brinquedos enquanto anda; usar cavalo de balanço; subir escada com ajuda, ficar
de cócoras e volta a ficar em pé.
Mãos Colocar aros em um pino; tirar e colocar pinos grandes de uma prancha; construir
torre com 3 cubos; fazer rabisco com lápis de cera ou lápis; virar páginas de um
livro – várias folhas por vez; segurar o lápis em preensão radial; imitar movimento
circular.
(continua)
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(continuação do Quadro 1)
CRIANÇA ENTRE 2 E 3 ANOS
Mãos Virar trincos e maçanetas de portas; atirar bola para o adulto a um metro e meio
sem o adulto mover os pés; construir torre de cinco ou seis cubos; virar páginas
uma por vez; desembrulhar objetos pequeno; dobrar papel; separar e juntar
brinquedos que se completam de formas simples; desparafusar brinquedos de
encaixe.
Em pé Saltar sobre dois pés; saltar o último degrau da escada com um pé na frente do
outro; caminhar para trás; descer escadas com ajuda; dar pontapés em bolas
grandes.
CRIANÇA ENTRE 3 E 4 ANOS
Mãos Martelar pinos; juntar quebra-cabeças de três peças ou prancha de formas; cortar
com tesoura; agarrar bola com as duas mãos; usar moldes.
Em pé Pular de uma altura de 24 cm com os dois pés unidos; dar pontapé em bola grande
quando rolam para ela; andar na ponta dos pés; dar cambalhota para frente; subir
escada alternando os pés; andar de forma independente.
Sentada Pedalar triciclo; balançar no balanço quando este é posto em movimento; trepar e
escorregar para baixo em escorregador pequeno.
CRIANÇA ENTRE 4 E 5 ANOS
Em pé Ficar apoiada num pé só, sem ajuda por quatro ou cinco segundos; correr mudando
a direção; caminhar sobre tábua de equilíbrio; pular para a frente 10 vezes sem
cair; pular sobre fio a um palmo acima do chão; pular para trás; descer escadas
com pés alternados; pular sobre um dos pés cinco vezes.
Mãos Bater e agarrar bola grande; fazer formas de argila compostas por duas a três
partes; recortar curva; parafusar objeto rosqueado.
Sentada Pedalar triciclo virando esquina.
CRIANÇA ENTRE 5 E 6 ANOS
Em pé Caminhar sobre barra de equilíbrio para a frente, para trás e para o lado; saltar
rapidamente; subir degraus de escada íngreme; driblar bola com direção; pular
corda sozinha; patinar para a frente cerca de dois metros; caminhar ou brincar na
água até a cintura; pular e cair sobre a ponta dos pés; permanecer num pé só, sem
apoio, com olhos fechados, durante 10 segundos.
Sentada Balançar em balanço começando e sustentando movimento; andar de bicicleta.
Mãos Abrir bem os dedos tocando o polegar em cada dedo; bater com martelo em prego;
usar apontador de lápis; segurar bola macia ou saco com areia com uma das mãos;
bater na bola com bastão ou vareta; pegar objeto do chão enquanto corre; segurar-
se por alguns segundos a uma barra horizontal, sustentando o próprio peso nos
braços.

Devemos esclarecer que as habilidades esperadas nas idades descritas


são, como o termo diz, habilidades esperadas, ou seja: não quer dizer que, ao
menor sinal de que a criança não consiga realizar uma ou mais atividades
esperadas para sua faixa etária, se constate atraso em seu desenvolvimento.
Como pudemos compreender na aula sobre aprendizagem e memória, o
desenvolvimento de memórias, inclusive motoras, depende das experiências
vividas; nem sempre determinada criança vivenciou uma ou outra experiência e,
consequentemente, não realizará a atividade de maneira satisfatória. Precisamos
respeitar a biografia de cada criança.
Essa breve descrição de algumas habilidades psicomotoras nos permite
sobretudo uma familiarização com o desenvolvimento neuropsicomotor, o que
será de fundamental importância para compreender, avaliar e desenvolver ações
com a criança.

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TEMA 2 – DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

“A linguagem, a maior invenção humana, alcança o que, em princípio,


não deveria ser possível. Ela permite que todos nós, até mesmo o cego
congênito, possa ver com os olhos de outra pessoa.” (Oliver Sacks)

Sabemos que todas as sensações e os processos que envolvem a


linguagem dependem da exploração do meio, ou seja, da experiência individual;
a percepção não é inata; uma pessoa não nasce sabendo reconhecer os sons, as
formas, as cores, os odores ou sabores que a cercam; nossos sentidos são
aprendidos, memorizados e evocados. Vários recursos neurológicos são
necessários para que possamos nos relacionar com o meio. Dentre eles, devo
mencionar o desenvolvimento da comunicação, com o surgimento da fala há cerca
de 125 mil anos.
Assumimos a marcha bípede há aproximadamente 2,1 milhões de anos, o
que comparativamente coloca a fala como uma habilidade bastante recente
filogeneticamente. O que dizer então do desenvolvimento da leitura e da escrita?
Habilidades que surgiram há apenas 5 mil anos ou um pouco mais.
Se considerarmos que quanto mais recente a habilidade tenha sido
desenvolvida menos ela está presente em nossa memória genética e maior será
o esforço para sua aprendizagem individual, temos que aprender a ler e a escrever
é uma tarefa bastante sofisticada neurologicamente, dependente de várias outras
habilidades, algumas aqui já estudadas, como percepção visual, percepção
auditiva, dentre outras funções executivas. Vamos descrever algumas dessas
habilidades e características, a fim de começarmos a entender esse processo
complexo e delicado.
Como já mencionado, nosso cérebro é dividido em dois hemisférios, direito
e esquerdo, com particularidades e predominância de habilidades em cada um
deles. No hemisfério esquerdo predominam habilidades como preferências
motoras lateralizadas, capacidade de identificação de objetos e animais, relações
espaciais qualitativas, habilidades para cálculos matemáticos, fala, escrita e
compreensão da leitura, ou seja, sintaxe e semântica; no hemisfério cerebral
direito predominam habilidades na compreensão da prosódia, compreensão
musical, categorização e reconhecimento de pessoas e objetos e relações
espaciais quantitativas.

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2.1 Produção da fala

Podemos descrever o caminho neurológico da produção da fala


predominantemente no hemisfério esquerdo do cérebro. No lobo temporal,
recebemos as informações dos fonemas, compreendidas na Área de Wernicke,
localizada na porção posterior do lobo temporal, responsável pelo processamento
sensorial da fala.
Projeções neurais da Área de Wernicke, no lobo temporal, levarão as
informações até a Área de Broca, na região esquerda do lobo frontal, que realizará
o processamento motor da fala, ou seja, a preparação dos órgãos
fonoarticulatórios para produção e articulação da fala. Cabe citar que lesões ou
disfunções na Área de Broca não interferem na compreensão da linguagem, mas
somente na sua produção.
Após a modulação ocorrer na Área de Broca, que preparará os órgãos
fonoarticulatórios, a informação da fala percorrerá das células piramidais do córtex
motor, por vias córtico-nucleares, ao tronco encefálico, que, por sua vez, projetará
essas informações pelos neurônios motores até a musculatura responsável pela
fonação, conforme esquema a seguir: produção da fala  lobo temporal
(fonemas)  área de Wernicke (compreensão)  área de Broca (preparação
motora da musculatura da fala) células piramidais (via córtico-nucleares) 
motoneurônios  musculatura da fala (resposta).

2.2 Aquisição da linguagem

A seguir, observe o quadro com as principais aquisições de linguagem de


acordo com a idade da criança. Saliento, mais uma vez, que devemos respeitar a
diversidade e a individualidade de cada uma, utilizando os dados apresentados
somente como parâmetro, e não como regra.

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Quadro 2 – Principais aquisições de linguagem de acordo com a idade da criança

 Volta a atenção a diferentes sons;


 Reconhece a voz da mãe;
 Se acalma com a voz da mãe;
De 1 a 3 meses
 Chora;
 Dá gargalhadas;
 Emite alguns sons.
 Procura de onde vem o som;
 Emite sons como se estivesse conversando;
De 4 a 6 meses
 Imita a voz humana;
 Grita.
 Encontra de onde vem os sons;
 Emite diferentes tipos de som;
 Repete palavras;
De 7 a 11 meses
 Bate palmas;
 Aponta o que quer;
 Dá tchau.
 Fala as primeiras palavras;
A partir dos 12 meses
 Imita pessoas.
 Fala aproximadamente 20 palavras;
A partir de 18 meses
 Pede algo usando uma palavra.
 Produz frases curtas com duas palavras;
A partir de 2 anos
 Reconhece aproximadamente 200 palavras.
 Reconhece cores;
A partir de 3 anos  Compreende o que ouve;
 Conjuga equivocadamente.
 Cria histórias;
A partir de 4 anos
 Compreende regras de jogos simples.
 Forma frases completas;
A partir de 5 anos
 Usa a fala de acordo com o ambiente social.

De acordo com seu repertório linguístico e neuropsicomotor, aos seis anos


a criança já estará preparada para começar a desenvolver a escrita e a leitura.

2.3 Aquisição da escrita: uma abordagem neurocientífica

A produção da escrita, com uma rota neuroanatomofisiológica muito


semelhante à produção da fala, projeta-se a partir do lobo occipital, evocando os
grafemas, projetados via giro angular para o lobo temporal, associando-se aos
fonemas. Na Área de Wernicke ocorre a compreensão desses fonemas, que
seguirão a rota para o córtex motor no lobo frontal (para a escrita não haverá
participação da Área de Broca); seguirão pelas células piramidais ao tronco
encefálico; finalmente, a escrita é produzida por meio da musculatura envolvida.
A musculatura envolvida dependerá da aprendizagem e das condições motoras,
podendo ser pelas mãos, esquerda ou direita, ou, em casos de deficiência física,
o pé ou qualquer outra musculatura desenvolvida para essa habilidade.

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Lobo Occipital (grafemas)  Giro angular (fonemas)  Área de Wernicke
(compreensão)  Células Piramidais (Via córtico-nucleares)  Motoneurônios 
Musculatura da escrita (resposta).

TEMA 3 – LEITURA: UMA ABORDAGEM NEUROCIENTÍFICA

Para desenvolver a aquisição da leitura, dependemos de quatro estágios


hierárquicos, ou seja, cada estágio é dependente do estágio anterior.
Primeiramente, precisamos da compreensão da língua falada, para que possamos
produzir a língua falada; com essa habilidade, poderemos compreender a leitura
e produzir a escrita, ou seja, a sequência letra-som-significado. Devo ressaltar que
a aquisição da leitura no deficiente visual congênito terá a rota diferenciada,
iniciando-se por áreas somatossensoriais, no lobo parietal, para então se projetar
à Área de Wernicke, áreas motoras e resposta da fala ou escrita. Já a aquisição
da leitura do deficiente auditivo se desenvolverá com base em um “pensamento
em movimento”. Essa leitura das ações se associará aos símbolos necessários
para a comunicação escrita.

TEMA 4 – IMPLICAÇÕES DA ALFABETIZAÇÃO PRECOCE

Sabemos que a leitura não se inicia na sala de aula. Esse processo tem
início desde que a criança nasce, quando começa a ouvir os sons da língua falada
do meio em que vive; dependendo do repertório, terá maior ou menor facilidade
para o aprendizado da leitura e da escrita.
O pleno desenvolvimento motor e cognitivo é muito importante para que se
dê início ao trabalho com a alfabetização. Portanto, é preciso levar em conta que
a primeira infância é uma fase lúdica; a criança precisa brincar e desenvolver a
criatividade por meio de atividades livres e de descobertas.
Quando a criança ainda está na idade de educação infantil, é comum que
faça questionamentos e demonstre interesse pela leitura e pela escrita; no
entanto, cabe a nós lidar com essas situações, porque, afinal de contas, estamos
falando de crianças que devem e precisam viver suas infâncias.
Perceberemos que a criança estará pronta para aprender a ler e a escrever
quando alguns importantes pré-requisitos forem bem desenvolvidos, ou seja,
percepções que a criança aprende antes de ir para a escola, e que consegue
realizar enquanto ainda é bem pequena; são atividades que não dependem

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apenas da maturidade, mas também dos estímulos que receber do convívio com
outras pessoas; atividades que desenvolvam percepção do esquema corporal,
coordenação motora global e fina, orientação espacial e temporal, lateralidade e
discriminação auditiva e visual.
De acordo com Piaget (1975), essas são atividades sensório-motoras, que
acontecem até os dois anos de idade da criança, formando a base de todas as
outras aprendizagens que virão.
Devemos respeitar o fato de que cada criança tem seu tempo de aprender,
e não é diferente com a alfabetização. O importante é não “forçar a barra”, nem
tentar fazer o papel da escola. Não devemos esquecer que o mais importante
nessa fase é desenvolver a linguagem oral e, depois, a escrita.
A alfabetização da criança terá início a partir do momento em que lhe forem
apresentadas outras linguagens importantes para seu desenvolvimento motor, ou
seja, linguagens artísticas, como dança, canto, músicas, representações de
papéis, mímicas, jogo, atividades que estimulem o contato com o mundo social, a
capacidade de interação com o meio, e não somente a apresentação de palavras
e textos como objeto principal para alfabetizar. Diferentes expressões farão com
que a criança possa se sensibilizar com o que há ao seu redor, dando
oportunidades de formar diferentes visões de seu meio.
É importante salientar que a escola deve proporcionar às crianças um
ambiente com espaços que ajustem a manutenção dos relacionamentos
interpessoais, sem se preocupar em apresentar meras salas de aulas; os
ambientes devem ser alfabetizadores, sendo as crianças as protagonistas que os
compõem; assim, a escola será uma referência para leitura e escrita, promovendo
atividades que facilitarão, pelas mediações e intervenções, o manuseio de
recursos físicos para que a criança possa descobrir códigos da escrita, oralidade,
consciência crítica e capacidade de criar.
Antecipar o processo de alfabetização das crianças priorizando a aquisição
do código escrito pode se tornar um trabalho desestimulante para elas ao longo
da sua trajetória escolar. Em nosso estudo sobre a memória, compreendemos que
atividades lúdicas, o prazer e as emoções são facilitadores para a aprendizagem.
A família e a escola devem desejar crianças que saibam muito mais do que
ler e escrever. Portanto, cabe aos educadores a valorização de outras práticas
que possibilitem o protagonismo infantil, permitindo à criança um repertório rico
em imaginar e experimentar, respeitando seu ritmo de aprendizagem.

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A efetiva participação da família e da escola, com comprometimento e
atitudes maduras e responsáveis, com respeito e compreensão do tempo de
aprendizagem da criança, é indispensável para desenvolvê-la de maneira integral.

FINALIZANDO

Nesta aula tivemos a oportunidade de estudar o desenvolvimento humano


em dois de seus principais eixos: o desenvolvimento psicomotor e o
desenvolvimento da linguagem. O desenvolvimento adequado desses dois eixos
é, com certeza, o quesito mais básico para a aquisição da leitura e da escrita. É
necessário que a criança tenha oportunidade de experimentar o mundo que a
cerca, de vivenciar sensações, movimentos e palavras, de conhecer os
significados para que possa construir um vasto repertório. Só assim terá o preparo
para codificar as palavras e, posteriormente, decodificá-las em escrita e leitura.
Além do desenvolvimento neuropsicomotor e da linguagem, você conheceu
a rota neurológica da escrita e da leitura. É com esses elementos que poderemos
entender nas próximas aulas os distúrbios de desenvolvimento, a fim de avaliar e
efetuar uma intervenção fundamentada para explorar o máximo das
potencialidades humanas.

LEITURA OBRIGATÓRIA

Texto de abordagem teórica

CARVALHO, A. J. A; LEMOS, S. M. A; GOULART, L. M. H. F. Desenvolvimento


da linguagem e sua relação com comportamento social, ambientes familiar
e escolar: revisão sistemática. CoDAS, v. 28, n. 4, p. 470-479, 2016. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/codas/v28n4/2317-1782-codas-28-4-470.pdf>.
Acesso em: 7 set. 2018.

Texto de abordagem prática

BARTOSZECK, A. B. Neurociência na Educação. Disponível em:


<http://www.geocities.ws/flaviookb/neuroedu.pdf >. Acesso em: 7 set. 2018.

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Saiba mais

PSICOGÊNESE da língua escrita. Alfaletrar Centec, 27 jul. 2016. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=gf1Bl7nonUA>. Acesso em: 7 set. 2018.

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REFERÊNCIAS

FONSECA, V. Psicomotricidade. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

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