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WALTER BENJAMIN1
RESUMO
1
Trabalho apresentado no GT [Estéticas, imagens e mediações].
2
Mestranda do Programa de Mestrado em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
– PUC Minas
3
Mestranda do Programa de Mestrado em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
– PUC Minas
4
Mestre em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais
a moda como assunto que transita entre o costume e as disputas entre diferentes
grupos sociais; entre o luxo, o desperdício e a arte de vestir; entre as formas de
consumo e os discursos diante dos significados sociais; como objeto consagrado ao
novo e à morte.
5
Imagem dialética, imagem onírica, fetichismo, limiar, morte, catástrofe, ruínas, aura etc
6
Mônada, alegoria, estrutura constelar do texto, dialética etc
2
Segundo Otte (2004), Benjamin introduziu a temática moda nas suas reflexões sobre
a filosofia da história em função da capacidade que ele atribuía à moda não só de antecipar
o futuro, mas também de citar o passado. Ainda segundo esse autor, essa escolha também
se deve ao fato de Benjamin valorizar o cotidiano, ou seja, os fenômenos considerados por
muitos como insignificantes e banais, como materiais de grande potencial explicativo sobre
as formas de agir e de pensar de uma dada época. Na sua visão,
7
Consideramos que a memória coletiva trata por Otte faz referência ao caráter de repertório, trabalhado por
Jameson ao falar do pastiche, por exemplo; e não do lugar de fala de Benjamin, que considera a memória
coletiva inserida no contexto da experiência (Erfahrung).
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as proustianas, formulando outra dicotomia, na qual a “memória voluntária” seria parte da
vivência e a “memória involuntária” seria parte da experiência. Ou seja, a moda, por seu
caráter modelador se remete a uma memória voluntária, sendo incapaz de representar uma
forma de experiência (Erfahrung) 8.
Ou seja, se de um lado temos a experiência da mera experimentação, onde se
vivencia momentos fabricados e articulados a fim de causar uma sensação previamente
descrita, de outro temos a experiência como um conceito que vai além da mera
‘participação’ daquilo, e sim uma apreensão da sua potência, principalmente a
subjetivadora, sendo capaz de mudar a sua própria forma de viver e ser contato com o
mundo. Para Benjamin, esta segunda forma de experiência foi sentenciada à morte na
modernidade.
Sua morte teria começado com as mudanças sociais causadas no século XVIII,
como o êxodo rural e a revolução industrial, além disto, a nova experiência urbana teria
culminado com o surgimento do romance e a individualidade que ele impõe, logo “a
tradição comum já não oferece nenhuma base segura, outras formas narrativas tornam-se
predominantes.” (GAGNEBIN, 1994; p.14). Assim, esses dois tipos de experiência e suas
distinções ficam ainda mais evidentes: a) a coletiva, que congrega o homem com a
sociedade em que ele vive (Erfahrung) e b) a individual e cotidiana, relacionada aos
sentidos, que pode ser vista também sob o nome de vivência (Erlebnis). Benjamin entende
que o que se empobrece é a experiência como vivência comum, mas que novas formas de
‘experimentar’ aparecem e assim mesmo o devem, pois o homem está diferente, a vivência
está diferente e “não se deve imaginar que os homens aspirem a novas experiências”
(BENJAMIN, 1933; p.118). Então não é que a experiência pare de existir, é que ela se
reconfigura para atender a uma demanda social diferente da que estava previamente
inserida, uma demanda que não mais prima pela relação do narrador e do ouvinte “através
da transmissão orgânica, ritmada da experiência de uma para o outro” (FILHO, 2011; p.
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Erfahrung (do verbo fahren, ir através de, atravessar, ir até o fim, percorrer) é um conceito de articulação no
duplo sentido de expressão e de arranjo/concatenação (Verknüpfung): “Erfahrung é uma dimensão da práxis
humana na qual é articulada a relação consigo mesmo e com o mundo, de modo que a relação com o mundo
se torne articulável como relação consigo e vice-versa. (WEBER apud QUEVEDO. Op. cit., p. 105)
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90), por exemplo, mas prevê uma relação individual e que não mais transmite experiências,
torna-se muda.
Para entrarmos mais ainda nessa relação de individualismo e morte da experiência,
Benjamim trata de como no Pós 1ª Guerra, os soldados que sobreviviam e retornavam das
trincheiras estavam traumatizados e não conseguiam contar suas experiências. As vivências
de mortes, selvagerias e a fragilidade do corpo humano, faziam estes homens não
conseguirem transmitir suas experiências de boca em boca e segundo Benjamin além de
crucial, este fenômeno não é estranho,
O Pós 1ª Guerra marcou pela subjugação do homem diante da técnica e com isso a
sua mudança de comportamento em relação à experiência coletiva. O homem torna-se
recluso, buscando experiências mais cotidianas e pessoais, justificando o aumento na
produção e distribuição dos romances neste período e marcando um novo tipo barbárie.
Esta barbárie é o elemento que antecede o novo. Graças à barbárie seria possível ter
contato com um novo tipo de experiência que seria a condizente com a realidade e
perspectivas do homem moderno. O homem moderno é este que vive sob o tempo
mecânico, passeia pelas multidões e trabalha dentro das indústrias, seu dia a dia é recolhido
5
e defensivo, procurando se preparar para a vivência entre “choques” 9 de estímulos sociais
causados pelas novas condições cotidianas a ele, ou seja “assim como num bom automóvel
a própria carroceria obedece à necessidade interna do motor. (…) ao que está dentro, e não
à interioridade: é por isso que elas são bárbaras”. (BENJAMIN, 1994; p. 116, grifo nosso).
Porém, da mesma forma que esta barbárie impele-nos a seguir em frente, ela também o
matem inerte. Inerte porque a sua experiência (como concepção tradicional) teria se esvaído
e se tornado um mero reflexo de uma individualidade coletiva. Ou seja, uma sociedade que,
por mais que viva junta, não consegue conviver coletivamente.
E já que Benjamin observa este homem moderno, torna-se claro a ele que existe sim
o ambiente alienável de rotina, vivendo em um tempo transitório, no entanto também
possível de ser rompido, então “observamos que o diagnóstico de Benjamin sobre a perda
da experiência não se altera, embora sua apreciação varie” (GAGNEBIN, 1994; p. 10). É
preciso ressaltar que a questão nesta “contradição” é que Benjamin vislumbra algumas
possibilidades de ruptura com as condições de realização nesta sociedade do capitalismo
moderno. Mesmo raras, quando estas rupturas são alcançadas, o resultado é uma visita ao
passado sem se ater a historicidades e repetições, assim como na psicanálise, esse
rompimento pretende reativar um passado adormecido e por vezes reprimido e esquecido
pela própria condição moderna.
É necessário dizer neste momento, que na medida em que a Erfahrung transformou-
se e ficou muito mais próxima da Erlebnis, o passado também foi se modificando. Não o
9
Com a transmissão da Erfahrung para a Erlebnis o cotidiano do homem moderno seria repleto de choques,
que seriam estímulos externos que o levam a responder as coisas de forma automática, como um reflexo a um
estímulo. “Benjamin, inspirado em Baudelaire, transformou em experiência esse constante vivenciamento dos
choques aos quais é submetido o homem moderno, nesse caso, “experiência do choque”.” (TOMAIN, 2004;
p.106).
6
passado histórico, em termos de acontecimentos, mas o passado visto como memória e
tradição. Com o declínio da narração tradicional e a interrupção da narração linear,
Benjamin faz uma análise de uma imagem dialética, convergindo-se com a técnica e
possibilitando a visão do passado de outra forma.
Com a arte de narrar tradicionalmente extinta, ao homem moderno sua conexão com
o passado é um desafio grande, pois sua memória involuntária não recebeu subsídios para
um contato de experiências. Ou seja, pela falta de relação que este tem com a experiência
coletiva, ou pobreza de experiências, ele não tem habilidade na hora de narrar, o que o leva
a uma procura de uma nova forma de narrar, para assim, obter uma nova experiência.
Neste contexto, cabe ressaltar que, para Benjamin, a história está sendo
continuamente construída, pois, na sua visão, o passado é algo inacabado, que não está
fechado, pauta-se pela descontinuidade, “opera pela interrupção e se constitui em imagem,
as quais são efêmeras como a instabilidade de sua compreensão” (SANT’ANNA, 2006,
p.17). Segundo Rouanet (1987), toda moda, na visão de Benjamin, é uma forma de
rememoração prática e imita a história descontínua, cuja estrutura está baseada na ruptura e
na não uniformidade. Assim, ela é um “salto de tigre em direção ao passado” (BENJAMIN,
1994, p.230), mesmo sendo este salto comandado pela classe dominante. Na visão de Otte
(2004, p.5), “o ‘salto de tigre’ não se refere apenas à superação de grandes distâncias, mas
também à idéia de o passado, à maneira do animal selvagem, ficar à espreita no
‘emaranhado do acontecido’ para, com seu ‘faro pela atualidade’, surpreender o presente”.
7
Para Benjamin (1994, p.230), a moda tem um “faro para o atual”, sabendo
identificá-lo em qualquer lugar do passado. Além disso, o autor considera extraordinária a
sua capacidade de antecipação, sendo esta, inclusive, superior à da arte. Isto se deve ao fato
dela estar “em contato muito mais constante, muito mais preciso, com as coisas vindouras
graças ao faro incomparável que o coletivo feminino possui para o que nos reserva o
futuro” (BENJAMIN, 2007, p.102). Assim, quem souber ler os sinais secretos das coisas
vindouras, “[saberá], antecipadamente, não só quais [serão] as novas tendências da arte,
mas também a respeito de novas legislações, guerras e revoluções” (BENJAMIN, 2007,
p.103). Segundo Otte (2004, p.5), Benjamin, por meio dessas afirmações, reforça a
idéia de que o presente e o futuro não se encontram numa relação de causa e efeito,
mas que o futuro já está presente no presente, do mesmo modo que o passado ainda
está presente no presente. A “antecipação”, portanto, não envolve contatos secretos
com um mundo sobrenatural, mas com o mundo natural e material. Ou seja, trata-
se da constatação de que o passado, o presente e o futuro são do mesmo mundo e
que a diferenciação de níveis temporais sucessivos perde o sentido diante da real
justaposição das coisas no espaço, mesmo que seja na forma de ‘ruínas’.
Neste contexto, Benjamin (2007, p.103) dá o tom quando ele emerge “entre as
coisas mais antigas, mais passadas, mais habituais”, sendo que o “espetáculo dialético” da
moda se deve à constituição do totalmente novo a partir daquilo que passou. Entretanto, a
moda é também um agente do sempre igual, pois, como “funcionária da mercadoria”, sua
função é apresentar o indiferenciado como singular, o idêntico como único. Da mesma
forma, ela introduz um hoje eterno que só pode ser superado pela política, ou seja, pelo
gesto político de trazer o passado para o presente, permitindo uma abertura para a utopia.
Nesse contexto, Sant’Anna (2006, p.17) ressalta que a principal função do historiador seria,
então, a de “interromper o acervo memorial a partir de uma questão premente do presente e
em vista de uma proposição ao futuro”. Trata-se, portanto, de um ato revolucionário de
parar o tempo linear e inaugurar uma nova era. Assim, segundo Sant’Anna (2006, p.17),
Benjamin
propôs aos historiadores que fizessem com a memória aquilo que a Moda fazia à
matéria (...): se o vestir tornou-se uma arte com a moda, o passado, manipulado a
partir da memória construída no presente, fez da história uma arte, que seria tão
boa quanto fugisse das regras do convencional, do esperado, do previsível e
propusesse uma experiência sensitiva inusitada entre tempos diferentes.
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Sant’Anna (2006, p.3) ressalta, ainda, que os objetos de moda aguçam,
permanentemente, o desejo, o qual permite a “poética diária do vestir”. Na medida em que
esses produtos encarnam o novo, eles desenvolvem a “aptidão para a apreciação do fugaz”,
ou seja, estimulam a “paixão por tudo que é novo e uma prontidão toda especial para o
inusitado”, além de satisfazerem à necessidade dos sujeitos modernos por sensações. Ao
mesmo tempo, eles são instrumentos vitais às estratégias de poder, pois disfarçam o desejo
da classe dominante de que não ocorram grandes transformações.
Adicionalmente, a autora afirma que os objetos de moda se constituem como tais
não por suas características físicas intrínsecas (cor, textura, corte etc), mas pelos discursos
construídos em torno desses elementos de sua constituição, transformando-os em signos do
novo, em significados construídos a partir do significante moda. Nesse contexto, Sant’Anna
(2006, p.3) define moda como “um ethos da sociedade moderna e individualista, que,
constituído em significante, articula as relações entre os sujeitos sociais por meio da
aparência e instaura o novo como categoria de hierarquização dos significados”.
Para a autora, ethos deve ser entendido como uma forma de pensar, sendo
responsável pela constituição de uma visão de mundo. Citando Geertz, a autora informa,
ainda, que “o ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo
moral e estético e sua disposição, é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu
mundo que a vida reflete”. Portanto, a moda é o
Nesse contexto, cabe destacar que, de acordo com Benjamin (2007, p.103), “toda a
energia onírica da sociedade [do século XIX] se refugiou com dupla veemência no reino
nebuloso, silencioso e impenetrável da moda”. Para ele, a moda “é a precursora, não, a
eterna suplente do Surrealismo”. Segundo Sant’Anna (2006, p.18),
se o surrealismo, como movimento artístico, teve sua fase, a moda, como ethos de
um mundo que abomina o já visto, permanece gerando ensaios, tentativas,
9
experiências infinitas de reinvenção do mundo com o único intuito de que o
inventado não dure mais que o tempo do prazer que proporciona, ou seja, a moda é
a desejo pelo novo tanto quanto a busca constante da morte dele.
Para Benjamin (2007), na modernidade, produtos são criados para se tornar moda,
eles não surgem em algum lugar e depois se tornam moda. E esta questão é de particular
interesse, pois na visão do autor, a invenção da moda integra-se, cada vez mais, à
organização objetiva do trabalho da economia. Reforçando, Sant’Anna (2006, p.18)
argumenta que a moda “cadencia o sistema econômico, dando ao capitalismo sua
sobrevivência ilimitada”.
10
Citando Fuch, Benjamin (2007) aponta três causas para as mudanças freqüentes da
moda: (a) necessidade de distinção de classe; (b) exigência do modo de produção capitalista
privado no sentido de aumentar suas possibilidades de venda no interesse de sua margem de
lucro e (c) necessidade de proporcionar estímulo erótico, pois este é mais bem obtido
quando os atrativos do homem ou da mulher chamam atenção de modo sempre diferente.
Acrescentando, o autor afirma “é o comércio do vestuário e não mais a arte que criou o
protótipo do homem e da mulher modernos. Imitam-se manequins e a alma se faz à imagem
do corpo”. (POLLÈS, citado por BENJAMIN, 2007, p.116). Essa é a fantasmagoria da
moda – ela inventa uma humanidade artificial (BENJAMIN, 2007, p.118). Segundo
Benjamin (2007, p.117), “a moda defende os direitos do cadáver sobre o ser vivo”, sendo
que “o fetichismo que subjaz ao sex appeal do inorgânico é seu nervo vital”.
Ao fim, pode-se afirmar que a moda, na concepção de Walter Benjamin, estabelece
uma relação estreita entre passado, presente e futuro; fetichismo e desejo; morte e
renascimento; submissão e revolução. Constitui-se, portanto, como uma imagem dialética
representativa da modernidade, indo além, capaz de nos introduzir numa clara visualização
da superlativação dessas características no período contemporâneo.
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O fascínio generalizado sobre aspectos da vida cotidiana surgiram na modernidade e
vêm sendo cada vez mais supervalorizados e exteriorizados socialmente. Segundo Debord
(1967), a sociedade passa a se organizar através do consumo de espetáculos e as relações
sociais a serem mediadas por imagens. Em uma sociedade que valoriza as representações e
se inter-relaciona através das imagens, o espetáculo, segundo Novaes (2004), torna-se
sinônimo de cultura, ou seja o centro de significação de uma sociedade sem significação
que transforma o seu “ser” em “ter” e o seu “ter” em “parecer”.
Giddens (2002), fala que a tradição, que anteriormente oferecia um meio de
organizar a vida social, deixou de desempenhar seu papel chave em nível comportamental e
de relacionar o futuro com o passado, deixando a vida cotidiana permeada pela incerteza.
Além do contexto de incerteza, existem as múltiplas possibilidades oferecidas pela
contemporaneidade inserida na globalização e a pouca ajuda oferecida sobre que opções
selecionar. Na medida em que a tradição foi perdendo seu domínio, de acordo com Giddens
(2002), e a cultura local se fundindo com a cultura global, os indivíduos foram sendo cada
vez mais forçados a fazer suas escolhas, a seguir um estilo de vida.
Um estilo de vida pode ser definido como um conjunto mais ou menos integrado
de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem
necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular
de auto-identidade. (GIDDENS, 2002. p.79.)
Cada escolha realizada pelo indivíduo, além de indicar ações e práticas, que ao
serem incorporadas ao dia a dia tornam-se rotineiras, vão formar elementos que constituem
a identidade do mesmo. O indivíduo moderno que caminha para a pós modernidade vive,
então, em um contexto de quebra dos valores tradicionais e das referências sociais advindos
principalmente da família, escola, religião, trabalho. Ao se ter esses vínculos enfraquecidos,
o indivíduo perde sua base quanto ao que ele é, sua história, tradição, origem familiar, o
que, segundo Freitas (1999) implica a perda de um núcleo indenitário estável e coeso, não
permitindo a adaptação às exigências da mudança. Giddens (2002) fala que essa quebra ou
segregação de experiências do cotidiano vai contribuir para a formação de um indivíduo
frágil, quebradiço, fraturado, fragmentado.
Voltado para si e se fechado para o mundo, cada vez mais individualista, assume
atitudes que, de acordo com Russ (1999), privilegia o indivíduo em relação ao coletivo.
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Esse indivíduo encontra-se, segundo Freitas (1999) como dono de si, sua própria
propriedade, livre para escolher o que quer defendendo o que é de seu desejo particular –
acredita, pois, ser o centro de tudo, gerando uma característica imediata de auto referência,
ou narcísica. Assim, por não ter onde se apoiar para construir suas identificações, o
individuo passa a se utilizar como sua própria referência, acreditando que ele é o ideal de
ser humano – em vista de que ele não conhece o outro a fundo – e que tudo deve ser à sua
imagem; repudiando, muitas vezes inconscientemente, a diferença.
Para Freitas (1999), o indivíduo narcisista, mesmo tendo a si como referência, ainda
precisa da aprovação do outro e da sociedade e ainda, de que o outro acredite no papel de
individuo ideal que o narcisista representa. Esta representação é, todavia, inconsciente, já
que o indivíduo pode saber que é uma farsa, mas não sabe de sua fragilidade ou o porquê de
sua necessidade de representar. As representações vão constituir as relações interpessoais,
variadas, porém, superficiais, para que a máscara do narcisista não caia deixando
transparecer quem ele é. O contrário, a máscara do outro, também não deve cair, uma vez
que o que o narcisista deseja é se iludir, imaginando que o outro é como ele, é uma
extensão de seu ser.
Um outro aspecto do narcisismo, segundo Giddens (2002), é o deslocamento da
sensualidade para o corpo, tendo um tratamento do corpo como um instrumento sensual,
em vez de relaciona-la com a comunicação com o outro. Dadas as relações constantemente
superficiais, o indivíduo sofrerá um agravamento quanto à sua identidade (pela falta de
identificações). Se o indivíduo não entra em contato direto com o outro, se expondo
realmente, ele não deixa transparecer quem ele é, como pensa na verdade e quais são seus
defeitos. Assim, nem o outro e nem ele próprio sabe qual é sua verdadeira identidade,
configurando-se uma relação de aparências, de mera cordialidade. Essa situação é, claro,
mais cômoda, mas resulta no vazio interior. O vazio consiste, segundo Freitas (1999) em
uma indiferença, anestesia ou tédio de viver. A incompletude do indivíduo e a busca pelo
preenchimento do vazio incitam a busca por atividades prazerosas ou criativas, que
referem-se a uma experiência além da mecanicidade típica do cotidiano, além da
simplicidade, automatismo e distanciamento com que a maioria das atividades é executada.
Uma experiência meramente estética.
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A estetização da vida cotidiana, ou a vida plena de experiências estéticas, configura-
se, então, como um apagamento das fronteiras entre a vida e a arte; é fazer da vida uma
obra estética, bela não só no sentido físico, mas também nos conteúdos que são as
vivências. Featherstone (1990) afirma que a estetização da vida cotidiana pode designar o
projeto de transformar a vida numa obra de arte. Ele explica ainda que este processo
consiste em reverter cada momento em uma experiência única. A busca de uma vida
convencionada boa está na tentativa do indivíduo de expandir-se, desenvolver-se através
das mais diversas vivências que levem ao gozo estético, mesmo que isso implique no
desprezo de quaisquer concessões.
Como manifestação prática dessa estetização, tem-se que os indivíduos se auto-
gratificam com vestuários, hábitos, viagens, passeios entre vários bens e serviços, que
deixam de possuir apenas seu valor funcional e ganham um valor simbólico que vai se
agregar a esse indivíduo, constituindo o estilo de vida que mais se aproxime do que foi
socialmente idealizado. Segundo Maffesoli (2005), o hedonismo considera que o prazer
individual e imediato é o único bem possível, a finalidade da vida. Assim, pensado-se na
sociedade contemporânea, esse prazer almejado, geralmente, está associado ao consumo,
que, para o indivíduo narcisista, é mais passível de ser alcançado por meio da aquisição de
mercadorias do que por meio de outras relações sociais ou pessoais. Nesse contexto, o
hedonismo pode ser pensado, também, como uma forma de escape do indivíduo narcisista
que busca preencher seu vazio existencial.
O indivíduo moderno que caminha à pós-modernidade caracteristicamente narcisista
busca a si mesmo nos bens materiais. O individualismo faz com que a lealdade, a
cooperação deem lugar à competição. Ele busca ser bem sucedido na profissão e ter o
máximo de mercadorias possíveis, porque é isso que lhe está disponível para preenchê-lo.
O mercado, então, oferece opções de estilos de vida e até os gostos pessoais que o
indivíduo pode incorporar, influenciando-o em sua visão quanto ao que é ideal. Assim,
muitas vezes, o indivíduo passa a atuar de acordo com os perfis disponibilizados por este
mercado. Os papéis e os objetos necessários à caracterização são, porém, mudados
constantemente, visto que estes não devem preencher o vazio por muito tempo ou a
indústria do consumo não se sustentaria por não precisar vender novos “personagens”. Para
14
tal fim, a mídia e, principalmente, a propaganda exaltam a troca, a mudança, a
experimentação, sem, porém, nunca satisfazer o homem por completo.
16
presente ao se expressar em imagens simbólicas” (RUIZ, 2003 apud RAHDE, 2005; p.
196).
Meramente simbólicas. Pois se adaptam para uma geração que vive de referências e
referências das referências, não precisando de uma construção de “causa e consequência”,
já que tudo já o é reconhecível. Característica que, incorporadas para uma “sociedade
industrial” (NAZARIO, 2005; p. 339), marcam a Pós Modernidade como máscaras
estilísticas que só podem ser usadas neste período. A própria deslinearidade, só possível
pelo reconhecido, pode ser apontada como um dos atributos mais presentes na moda, uma
vez que é vista nas coleções de grandes estilistas e nas ruas de qualquer cidade, onde o retrô
se encontra com o vintage, que se encontra com o futurístico, com o eco-fashion e até
mesmo com o sport style. Essa multiplicidade de gostos e referências é revestida de uma
postura ainda mais contemporânea e que pode ser vista como um reflexo da fluidez
identitária do período contemporâneo, onde não é possível se ver uma padronização de
caráter e a identidade torna-se instável, fragmentada, múltipla, permeável às mudanças que
ocorrem, quer ao nível dos sistemas de pensamento, quer das formas de sociabilidade e de
organização da vida coletiva em geral.
Já que é assim, podemos apontar que essas profusão heterogênea de gostos e estilos
não falam de uma democratização e aceitação completa de gotos e tendências e sim
dialogam com a necessidade capitalista de atender nichos específicos e ao mesmo tempo
amplos. Todas essas ‘modas’ poderiam ser, assim, interpretadas como imagens frágeis de
uma imagem anterior, que sofrem uma alteração de identidade para caber na
contemporaneidade e serem vistos por ela como representações de si mesmo, mesmo que
não o sejam exatamente e mesmo que não suscitem nada. A contemporaneidade sobrevive
dessas imagens frágeis, mas que parecem inovadoras e brilhantes. Relivaldo de Oliveira,
em seu texto sobre Lady Gaga aponta que:
Percebe-se que esta realidade contemporânea, onde as linhas entre o que era antes a
arte erudita e a arte popular ficaram tão finas e ultrapassáveis que não mais se julga valor
17
sobre elas, convive-se numa “falência da estética e da arte, a falência do novo, o
encarceramento no passado” (JAMESON, 1985; p. 19 e 20). Um passado de fato, mas não
um passado que rememora e que se reconhece ali, mas um passado que se referencia de
forma contínua para não ser esquecido. Só talvez tenhamos esquecido do que é que precisa
ser lembrado.
Todas as características aqui reunidas embora ajudem a compreender o indivíduo e
a sociedade que sai da modernidade e entra na pós, alguns pontos tratados pelos autores
acima citados devem ser considerados e apontados: (a) sujeitos concebidos como sendo
indivíduos atomizados e racionais ou passivos e determinados pelas estruturas sociais; (b)
necessidade de se assumir a existência de intenções deliberadas, assim como de crenças,
valores e princípios compartilhados, a fim de explicar comportamentos e práticas sociais, o
que impede a apreensão dessas práticas como disposições (habitus); dentre outros. Sendo
assim, consideramos que além de ver o indivíduo contemporâneo como uma espécie de
‘sofredor’ passivo de influências midiáticas e de consumo, entendemos que talvez seja o
caso de transpor as concepções benjaminianas para o contexto da pós modernidade,
salvaguardando os seus pontos temporais, mas levando em conta que a contemporaneidade
se firma sobre a expansão de características observadas no modernismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
18
nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais a vincula a nós?
(BENJAMIN, 1994; p. 115).
Mas essa pobreza não deve ser compreendida como o fim das possibilidades, muito
menos o fim de toda e qualquer subjetivação por parte do indivíduo. Como tratamos na
primeira parte desse artigo, Benjamin realmente acreditava que nos estabeleceríamos em
torno de uma nova forma de experiência, assim sendo, não podemos querer promover um
anacronismos com as ideias do autor, mas podemos utiliza-las para explanar com potência
o que se observa de comportamento na pós modernidade, acerca das mesmas questões, tais
quais observamos: o uso da Moda para uma configuração de status, sua relação estreita com
referências passadas, o feitiche da mercadoria e, até mesmo, a constante necessidade de
atualização. A sociedade se estabelece como consumo e espetáculo e a Moda como
facilitadora e organizadora, como lógica, ou mesmo como mapa para o indivíduo em
transição.
O grande objetivo deste trabalho, então, reside na necessidade de questionar certas
noções enraizadas de críticas à sociedade contemporânea e o discurso de que elas seriam
hegemônicas, lançando uma perspectiva de resgate das ideias de Benjamin como sendo
cruciais para a compreensão desta mesma sociedade.
19
Figura 01: La Mode – Grandville
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas – Magia, Técnica, Arte e Política. 7ª ed. São
Paulo. Editora Brasiliense. 1994.
_____. Sobre o conceito de história. In: BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política.
São Paulo: Brasiliense, 1994.
20
_____. Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
DEBORD, Guy. (1967) Society of Spetacle, Detroit: Black and Red. ¬ (1990) Comments of
the Society of the Spetacle, London: Verso.
OLIVEIRA, Relivaldo de. Lady Gaga – uma aula de pastiche. 2010. Disponível em <
http://relivaldo.blogspot.com.br/2010/03/lady-gaga-uma-aula-do-pastiche.html> Acesso em
13 de set. 2012.
21
OTTE, G. A questão da legibilidade do mundo na “Obra das Passagens” de Walter
Benjamin. Ipotesi, Juiz de Fora, v. 8, n. 1 e n. 2, pág. 25 - 38, jan/jun e jul/dez, 2004.
Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit.
RUSS, Jacqueline. Pensamento ético contemporâneo, São Paulo, Paulus, 1999, Coleção
Filosofia em Questão.
TOMAIN, Cássio dos Santos. Cinema e Walter Benjamin: para uma vivência da
descontinuidade. Disponível em <http://seer.fclar.unesp.br/estudos/article/view/145>
Acesso em 20 set. 2012.
22