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A RETOMADA DO CONTEXTO HISTÓRICO, REFORÇANDO OS

FUNDAMENTOS E EFETIVIDADES DA SEPARAÇÃO DO ESTADO E


RELIGIÃO PARA O ESTADO LAICO.
Anna Carolina Geschwind1

Gabrielle Teixeira2

Joice Lechinski3

Vanessa Steigleder Neubauer4

RESUMO
A escolha do tema que envolve a associação do Direito com a Religião Católica, foi
feita com o intuito de fazer um estudo sobre as colaborações e influências dogmáticas, tanto
as considerações positivas como negativas, para o Direito. O desenvolvimento deste trabalho
procura embasar-se nas características da parte histórica, englobando os assuntos acerca do
sistema inquisitório e o poder da igreja, até a descentralização da religião católica e o
fortalecimento da busca da justiça pelo Direito, até chegarmos ao Estado Laico.
Não é de forma alguma nossa intenção, provar a existência de Deus ou sua
inexistência, mas sim fazer uma retomada das ações da igreja cristã e seus dogmas religiosos
e questionar quais foram os fundamentos que levaram a se pensar sobre uma separação do
estado e religião. Tendo em vista as colocações acima, não há dúvidas de que este tema é
polêmico e nos traz certas indagações, as quais buscaremos esclarecer ao longo do trabalho,
através da metodologia dedutivo de cunho bibliográfico.

Palavras-Chave: Religião, Laicidade, Contexto histórico, Inquisição.

ABSTRACT
The choice of topic that involves the association of law with the Catholic Religion,
was made in order to make a study about the collaborations and dogmatic influences, the
positive and negative considerations for the law. The development of this work seeks to base

1
Acadêmica do segundo Semestre do Curso de Direito – Universidade de Cruz Alta - Unicruz.
E-mail: anninhageschwind@gmail.com
2
Acadêmica do segundo Semestre do Curso de Direito – Universidade de Cruz Alta - Unicruz.
E-mail: gabrielleteixeira@hotmail.com
3
Acadêmica do segundo Semestre do Curso de Direito – Universidade de Cruz Alta - Unicruz.
E-mail: joyce-lechinski@hotmail.com
4
Docente Universidade de Cruz alta – Unicruz , Doutoranda em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos - Unisinos, Bolsista CAPES.
E-mail: borbova@gmail.com
on the characteristics of the historical part, encompassing the issues about the inquisitorial
system and the power of the church, to the decentralization of the Catholic religion and the
strengthening of the search for justice by law, until we get to the Secular State.
It is not at all our intention to prove the existence of God or does not exist, but to make
a return of the shares of the Christian church and its religious dogmas and question what were
the reasons which led to think about a separation of state and religion. In view of the above
settings, there is no doubt that this issue is controversial and brings certain questions, which
seek to clarify throughout the work, through deductive methodology of bibliographic nature.

Keywords: Religion, Secularism, historical context, Inquisition.

INTRODUÇÃO
As religiões e seus dogmas sempre estiveram presentes nas civilizações, desde a pré-
história aos dias atuais, e é irrefutável dizer que, de uma forma ou de outra, indireta ou
diretamente, a religião ou seus representantes sempre exerceram influências nas principais
decisões na história. Um exemplo disso seriam os reis, faraós, soberanos de todo um povo.
Este tinha o poder de decretar leis, de prestar justiça, de arrecadar impostos, de comandar
exércitos, etc.; tudo isso sustentado com a ideia de que tudo o que era dito por eles, era a
vontade expressa da Divindade.
Como citou Le Bret, um jurista francês em seu livro Tratado da Soberania do Rei
(1932), ao referir-se ao Catolicismo Medieval: “[...]o Rei recebeu seus poderes diretamente de
Deus e por isso eles devem ser ilimitados, suas ordens acatadas, mesmo quando forem
injustas” (LE BRET, 1980. História das Sociedades p. 33). Não só Le Bret, mas também
Jacques Bossuet faz uma citação em referência ao poder soberano aliado ao poder divino na
sua obra “Política Segundo a Sagrada Escritura”:
“[...] como não há poder público sem a vontade de Deus, todo o governo,
seja qual for sua origem, justo ou injusto, pacífico ou violento, é legítimo;
todo depositário da autoridade, seja qual for, é sagrado; revoltar-se contra ele
é cometer um sacrilégio” (BOSSUET, 1980. História das Sociedades p. 33).
Diante destas duas citações, fica claro que na monarquia absolutista, como nas
diversas monarquias, qualquer ação da igreja era considerada divina. Ninguém procurava
explicações acerca do porquê de estarem sendo condenadas ou por estarem sofrendo, a única
resposta que sempre obtinham era de que tudo era resultado da vontade de Deus. A religião e
seus dogmas foram responsáveis pelas primeiras impressões de moral e ética, porém, ela
construía uma moral baseada nos sagrados escritos, tudo o que estivesse fora dos escritos da
bíblia era tido como impróprio e de que a pessoa seria punida por Deus por seus atos
impróprios ou condenáveis. Algo interessante acerta deste ponto, sobre os Sagrados Escritos
era de que antigamente por volta do século XIV, nos monastérios poucas pessoas sabiam ler e
a bíblia não era disponibilizada a todos, os únicos que tinham acesso a ela eram poucos
monges.
Durante as missas e sermões eram contadas passagens da bíblia porém, da visão e
interpretação daquele que a contava, ou seja, eram seguidos passos de escritos que nem sequer
tinham contato, e na verdade muita das vezes, as palavras de Deus eram bem mais brandas em
relação ao que era dito ao povo. Por outro lado, para além dos dogmas haviam as relíquias,
que tinham como promessa a garantia de entrada no céu. Quem não pagasse taxas ou
penitências ficaria no purgatório eternamente. Também era possível pagar por entes já
falecidos, sendo que nada disso estava escrito na bíblia mas era repassado pelos padres como
se o fosse.

As civilizações antigas acreditavam que os legisladores não eram os autores das leis,
afirmando que as leis eram oriundas dos Deuses. Atendo-se ao fato de que legislador é quem
escreve a lei através de sua competência intelectual e a impõe aos outros. Tampouco a lei veio
do povo diretamente, ela vem de algo muito mais antigo e estável, das Crenças Antigas,
experiências positivas e negativas e da tradição. Como Edmond Faral observou:

“Religião e moral são, na Idade Média, noções indissoluvelmente


associadas, mas estreitamente ligadas entre si que em qualquer época. A
religião está associada a todos os atos da vida. Comanda, segundo sua lei e
dita aos homens todos seus deveres, mesmo sociais.” (Edmond Faral, La Vie
Quotidienne, p. 219).

Neste trecho, Faral deixa explícito a relação da religião cristã com a moral como algo
indissolúvel, portanto é difícil pensarmos em uma igreja dissociada do poder estatal, mas
ainda mais dos costumes sociais. A força e poder da religião e da fé (principalmente da igreja
Católica), vai ser realmente apresentada e provada por meio da inquisição. A primeira
inquisição de que se tem notícias, a que deu origem a todas as outras foi a Inquisição no
período medieval, fundada em 1184 no Languedoc, sul da França, para combater a heresia dos
cátaros ou albigenses. A Inquisição romana ou “Congregação da Sacra, Romana e Universal
Inquisição do Santo Ofício” existiu entre 1542 e 1965, e neste meio tempo de 400 anos,
houveram várias outras inquisições que lutavam por motivos diferentes.
É horrível pensar que por um motivo que deveria ser orgulho, tornava-se a sentença de
morte para alguns, sua própria religião. Não se podia professar sua fé, a não ser que ela fosse
de origem católica, sem ser condenado; não podia-se praticar seus ritos dentro de sua própria
casa, sem ser perseguido e queimado vivo (na melhor das hipóteses); e assim era o Tribunal
do Santo Ofício. Isso nos leva a pensar sobre todas as guerras e os milhares de pessoas que já
morreram por causa de uma religião, algo que supostamente deveria lhes trazer paz e
teoricamente a salvação eterna. Então porque não pensar em um estado Laico? Um estado
onde todos fossem livres para acreditar e orar para quem fosse, sem ser discriminados e ainda
sim pudessem ser amparados juridicamente de forma justa sem maiores classificações. Para a
época isso era uma loucura, algo que nem em sonhos era real, mas agora podemos ver que
isso foi possível graças a lutas de muitos.
No início O tribunal do Santo Ofício apenas perseguia aqueles que eram hereges
católicos que de alguma forma se corromperam ou negaram os dogmas, porém com o
aumento do poder, a inquisição tornou-se mais forte e essa perseguição estendeu-se para os
judeus, ateus, e todos aqueles que não aceitavam a religião católica, pois pelo fato de que não
havia uma constituição vigente na época, a lei era regulada com base na bíblia e seus dogmas
(Os chamados Regimentos inquisitoriais que eram a base do conjunto de normas que
orientava as práticas judiciárias da Igreja, e as poucas leis eram aquelas ditadas pelo Rei). A
partir do momento em que a igreja percebeu que seus fiéis estavam abandonando a mesma e
sua forma, ou continuando com suas crenças mesmo que isso os levasse a morte, a igreja
começou inclusive a intimidar os reis para que algo fosse feito em relação a isso.
A fim de cumprir os objetivos deste artigo, ele está subdividido em dois momentos: O
primeiro, As Influências Doutrinárias Históricas Para o Direito, onde objetivo do texto será
relatar as associações entre a Religião e o Direito, representando as Leis dos Homens e sua
importância, esclarecer quais foram as influências que a ação da igreja, no momento
inquisitório e de maior poder diante das civilizações antigas, para o Direito e formação do
Estado; e no segundo, a Separação entre Direito e Religião Para a Formação do Estado Laico,
Enfatizando os Termos de Laicidade na Constituição Federal de 1988, onde o principal
objetivo será estabelecer a separação do divino para com o Direito, permitindo assim a
existência de uma ordenação social não mais baseada em sua totalidade nos Sagrados Escritos
ou nos ideais religiosos, mas sim em critérios morais e éticos visando o bem comum,
indiferentemente das ordenações religiosas de cada indivíduo, mas deixando claro de que, em
momento algum, mesmo após a formação do Estado Laico, o Estado e a sociedade se
desvincula totalmente dos preceitos religiosos que cercam a história humana desde os
primórdios e nem força a perda dos costumes e rituais que a religião firmou. Portando a
conquista de uma constituição laica, seria uma vitória e celebração da maturidade do povo.

1. As Influências Doutrinárias Históricas para o Direito


É importante, antes de qualquer coisa, destacar o que influenciou o Direito a
modificar-se e tornar-se em prol de todos, em busca da justiça de forma equivalente.
Logicamente que essas influências podem ser tanto positivas quanto negativas, por isso que
neste momento procuraremos definir e esclarecer quais seriam estas influencias e quais foram
realmente suas colaborações para o Direito. Sabemos que a religião sempre procurou
aprimorar o homem, ensinando-lhe as verdades éticas e morais, assim como, as lições de fé,
esperança e perdão.
Na antiguidade a Igreja considerava que não cabia ao homem a investigação do crime,
esse assunto era colocado nas mãos de Deus, sendo o Senhor que “julgava” as pessoas em
culpadas ou não culpadas, este processo apresentava várias falhas. Mesmo sendo influenciado
pelos dogmas da Igreja o Direito conseguiu se organizar de modo racional, desenvolvendo-se
assim em prol do bem comum. O Direito e a Religião sempre lidaram com ritos, formas e
preceitos. As religiões no uso de seus preceitos e sacramentos operam na vida de seus
praticantes e o Direito se torna efetivo através de leis, das ordens e obrigações de cada ser
humano. O Direito modifica-se na Idade Média devido a necessidade e desígnio de manter a
ordem de acordo com os anseios da vida em sociedade e dos preceitos divinos estabelecidos e
divulgados pela Igreja, porém visando um julgamento justo, não baseando-se apenas nos
Escritos Sagrados.
Retomando as abordagens do contexto histórico, pode-se afirmar que as leis surgiram
através da religião e tiveram nela a base de sua fundamentação. Os 10 mandamentos foram
uma das primeiras regras originadas da antiguidade enfatizando que as respectivas leis eram
baseadas através da Bíblia. Já a lei das 12 tábuas se destacava pela descrição de seus ritos
religiosos, inclusive os povos antigos acreditavam e afirmavam que as leis eram oriundas dos
deuses e não pelo fato de serem escritas por legisladores. De fato as a leis vieram do povo
diretamente, elas vêm de algo muito mais antigo e estável, das Crenças Antigas. Mesmo
quando o homem adquiriu o direito de sua própria vontade ainda necessitava do
consentimento da religião, pois acima dele ainda havia de passar pela aprovação dos
pontífices, razão pelo qual o povo respeitava as leis por considerarem-na não prevista pelo
homem e sim por ser sagrada e divina.
Naquela época, se o homem desobedecesse a essa divindade era considerado como
sacrilégio, tendo como exemplo a citação de Platão: “Desobedecer as leis era desobedecer aos
deuses. Ele mostra-nos Sócrates, que fez o que a lei lhe exigiu, entregando-lhe sua vida”
(COULANGES, 2008. A Cidade Antiga. p. 209). Surge um contexto de Direito Natural, aquele
em que as leis eram passadas de pais para filhos, como determinada tradição, pois as leis não
necessitavam serem escritas e quando teve início a sua escritura continuava a ter um amplo
vínculo ao naturalismo religioso, elas obtinham semelhanças aos versículos dos livros
sagrados, que alegavam que as leis eram cantadas antes mesmo de serem escritas.
Não se tem dúvidas de que para as crenças doutrinárias a lei é um aspecto da religião
que havia de ser acreditada e respeitada por todos. A religião influenciou desde sua parte
doutrinária histórica até os dias de hoje, ela influenciou nas formações das leis e até mesmo
nas leis positivas, que antes de serem postas eram repetidas por gerações na forma de
costumes, a religião se designa ao direito atual quando compartilha citações no caput da
Constituição Federal de 1988 e também constando em um de seus artigos a liberdade religiosa
do Estado.
Dentro das demais regras estabelecidas por parte da religião, havia também uma
restrição ao povo, que só podia se manifestar em dias autorizados por suas crenças. O
princípio religioso para os antigos não era elevar a inteligência humana a uma concepção
absoluta ou abrir um caminho com que o homem pudesse se relacionar a deus, que pode ser
melhor entendido pela passagem do livro “Cidade Antiga”: “A religião era um vínculo
material, uma cadeia que mantinha o homem em escravidão.” ( COULANGES, 2008. A Cidade
Antiga. p. 147). Ainda neste mesmo livro, podemos destacar que:
“A palavra religião não significava o que significa para nós; sob essa
palavra entendemos um corpo de dogmas, uma doutrina sobre Deus,
um símbolo de fé sobre os mistérios que estão em nós e ao nosso
redor; essa mesma palavra, entre os antigos, significava ritos,
cerimônias, atos de culto exterior.” (COULANGES, 2008. A Cidade
Antiga. p. 147.)

Podemos ver portanto que as características do naturalismo religioso de antigamente


influenciou fortemente para a livre vontade de direito do homem atual e que certamente, as
leis eram influenciadas e muitas vezes confundidas com a religião, sendo indispensável a
necessidade da separação entre essas duas partes, Religião e Estado.
2. Separação entre o Direito e Religião para a Formação do Estado Laico,
Enfatizando os Termos de Laicidade na Constituição Federal de 1988
Antes de começarmos a falar sobre a laicidade em si, é importante frisarmos o que
levou ao desejo de separação do Estado e Religião, bem como sobre como se deu essa
separação, pois é a partir deste momento que será viável e possível a efetivação de um Estado
Laico. A separação entre o Direito e Religião foi um passo fundamental para a evolução da
sociedade ocidental, com a separação do divino para o temporal contribuiu para que existisse
uma ordenação social não mais baseada no sagrado, mas sim nos critérios do estabelecimento
de regras criados pela racionalidade humana, ou seja, agir, criar, decidir e resolver conflitos a
partir das próprias capacidades e potencialidades.
Apesar de que a autoridade jurídica tenha passado a fundar as normas com base nos
princípios da racionalidade humana, os valores das crenças religiosas predominantes ainda
prevaleciam, inclusive, inseridos no Direito. Contudo, a separação do Direito e Religião é um
pressuposto aceito, mas sem se saber ao certo como estabelecer o limite ou o que realmente
isso significa.
A laicidade sem sombra de dúvidas foi uma grande conquista cultural para o Direito
Ocidental, lembrando que a religião apesar dos demais fatos históricos ocorridos sempre ter
contribuindo para a tradição jurídica. A conquista Constitucional da liberdade religiosa é a
verdadeira consagração da maturidade de um povo. No livro Filosofia da história, de Rossano
Pecoraro, é feita uma menção à Voltaire e seu pensamento sobre a presença constante da
religião na vida humana:
“[...] Voltaire afirma uma concepção laica da história na qual o centro é
ocupado por uma teoria de desenvolvimento progressivo da civilização
humana. Deus é eliminado da esfera de ação da história. Finalismo e
necessidade, no entanto não são questionados: eles continuam sendo os
pilares de uma filosofia da história secularizada na qual o papel da
Providência é assumido pelo desenvolvimento da razão humana”.
(PECORARO. 2009 p. 24.)

Voltaire não se refere especificamente ao Brasil, tanto que à época de seu pensamento
sobre laicidade nosso país nem trabalhava em cima de termos práticos, muito menos teóricos
para efetivação do Estado Laico. Atualmente o Brasil é um país em que o Estado é Laico, não
apenas no senso comum mas sim legalmente, pois é previsto por lei no Art. 5º incisos VI, VII
e VIII da Constituição Federal Brasileira de 1988, e por fim pode-se dar como exemplo a
citação do Advogado e escritor Alexandre de Moraes:

“[...] a evocação à ‘Proteção de Deus’ no preâmbulo da Constituição Federal


reforça a laicidade do Estado, afastando qualquer ingerência estatal arbitrária
ou abusiva nas diversas religiões e garantindo tanto a ampla liberdade de
crença e cultos religiosos, como também ampla proteção jurídica aos
agnósticos e ateus, que não poderão sofrer quaisquer discriminações pelo
fato de não professarem a fé.” (MORAES, 2014, p.47).

Apesar de a Constituição Federal Brasileira de 1988 não deixar declarado


expressamente em seu teor que a forma de Estado é laica, ela traz em todas as suas cláusulas
elementos que deixa explícito essa questão, isto porque, nosso estado Democrático é
caracterizado por dar garantia da igualdade e liberdade em toda sua forma, seja ela cultural,
racial ou religiosa. Sendo assim, temos visto que há oculto uma determinação da separação do
Estado da Religião para que haja uma efetivação positiva da laicidade.
O Brasil institui constitucionalmente a separação do Estado e Igreja (não só a igreja
católica mas também qualquer forma de religião). No âmbito privado todas as pessoas são
livres para exercerem sua fé da forma como quiserem, sendo livres para escolher ou não
qualquer religião. Já no âmbito público e jurídico não pode haver essa caracterização por parte
das entidades públicas e nem a distinção do público por parte de sua religião. Podemos ver
isso assegurado nos Direitos e Garantias fundamentais (Artigo 5º da Constituição Federal), e
reiterado no Artigo 19, Inciso I, onde diz:
“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embarcar-lhes o


funcionamento ou manter eles ou seus representantes, relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de
interesse público.” (Constituição Federal Brasileira de 1988, Artigo 19).

Constituição Federal de 1988 tratou dos direitos e garantias fundamentais em cinco


capítulos específicos (artigos 5º a 17), assegurando a plena inserção destes comandos em
nosso ordenamento jurídico máximo. O Artigo 5º da Constituição Federal, por sua vez, como
é um dos artigos que fala sobre essas garantias de direitos, vem justamente para assegurar o
direito de todos a liberdade de prática e expressão religiosa em toda sua forma, desde que as
mesmas não interfiram na vontade alheia ou em qualquer outro direito assegurado igualmente
pela nossa Constituição. Diante da garantia desses direitos religiosos também lhes garantiu a
proteção para que não sofressem discriminação. Eis que o artigo 5º da Constituição Federal
Brasileira de 1988 assegura o seguinte:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza
[...]

VI – É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o


livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas
entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de


convicção filosófica ou política, salvo se invocar para eximir-se de obrigação
legal e todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em
lei;” (Constituição Federal Brasileira de 1988, Artigo 5º).

É importante frisar que, apesar de ter os direitos garantidos aos que praticam cultos religiosos,
os mesmos são garantidos a todos, aos ateus, etc. Mas mesmo com a teoricamente clara separação
da religião e Estado, há de se questionar sobre a questão simbólica predominantemente
presente de diversas formas em instituições e órgãos públicos. Um exemplo disso seria o uso
de crucifixos e outros assessórios religiosos em locais de acesso público, como ocorre no
Plenário do Nacional e do Supremo Tribunal Federal, onde crucifixos continuam expostos
mesmo após alguns questionamentos, algum dentre estes até mesmo judiciais.
Esta é uma questão cultural intrínseca a sociedade brasileira. Essa separação é prevista
de uma forma restrita, pois mantém de certa forma vedada à União, aos Estados e municípios
subvencionar, organizar ou tomar parte de parte religiosa, porém nada expressa sobre a
qualquer possibilidade (ou não) de relação, aliança e dependência com cultos e igrejas. Sendo
assim é natural que um país com miscigenação de povos e culturas possua a religião com
características presentes tão fortes e com isso é essencial garantir o direito de todos,
eliminando toda e qualquer forma de discriminação, tanto racial quanto religiosa. Um país que
é reconhecido mundialmente por sua ampla garantia de direitos ao povo, evidentemente
deveria adotar a laicidade a fim de diminuir as diferenças entre todos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contudo fica claro que apesar de vivermos em um Estado amparado por uma
Constituição Federal, a qual garante como Direito Fundamental a liberdade religiosa e com
denominação de Estado Laico, existe amplamente difusa na cultura brasileira a prática
religiosa. Desde os primórdios a prática de cultos religiosos esteve presente nas sociedades, e
com o passar do tempo ela tornou-se uma forma de controle de disciplina entre seus
representantes. A cultura de enterrar seus semelhantes, respeitar os que faleceram e até na sua
organização é influenciado pela crença religiosa.
Isso, com o passar dos séculos tomou proporções gigantescas que pode ser visto
quando ocorreu a instituição da Inquisição (Tribunal do Santo Ofício), que surgiu devida a
perda de fiés da igreja católica para outras práticas religiosas, caracterizando um excessivo
pensamento na fé e esquecendo da razão.
Foi debatida a questão da presença religiosa aliada a razão por São Tomás de Aquino,
originando na chamada Filosofia da Religião Tomista. Essa filosofia tratava da religião como
algo de princípios morais de virtude, na qual deveria ser aliada ao caráter celestial de justiça.
Para ele, nenhum ato humano bom ou mau praticado poucas vezes irá caracterizar uma pessoa
como boa ou má em sua essência, isso se dará pela repetição e constituição de um vício. A
virtude seria o Ato bom e puro. Sendo assim caracteriza a religião como uma virtude moral
anexa a virtude moral da justiça. (AQUINO, Summa Theologiae “Suma Teológica” II-II,
1235-1273)
A inquisição caracterizou-se pelo fato da Igreja ter total poder jurídico, de julgar,
absolver e condenar os hereges, era a injustiça que predominava. Aqueles que não se
convertiam eram condenados e isso fez com que a sociedade se questionasse acerca dos seus
direitos, pois na antiguidade a Igreja considerava que não cabia ao homem a investigação do
crime. Com a busca pelos Direitos, foi possível, apesar da forte influencia religiosa,
conquistar e garantir direitos baseados na racionalidade e priorizando o bem comum
indiferente das crenças e praticas de cada indivíduo.
A conquista da laicidade pela Constituição Federal de 1988, com garantias nos direitos
fundamentais foi um marco muito importante. A partir dai, todos seriam tratados iguais pelas
entidades nacionais sem serem discriminados, agora não só pela sua cor, raça ou cultura, mas
também pelas suas crenças e práticas religiosas e além disso teriam seus direitos garantidos.
Mesmo não sendo expresso na constituição com as palavras “este estado é laico”, possuímos
diversas cláusulas que garantem a livre expressão da religião.
A forte presença dos símbolos e praticas religiosas dentro da cultura e cotidiano dos
brasileiros não exclui ou diminui em momento algum a laicidade do país, sendo que é vedada
a adoção e pratica religiosa por parte dos órgãos e entidades públicas, a fim de não
constranger ou discriminar a ninguém, pois é dever do Estado assegurar direitos e proteção
jurídica a todos, independente de sua raça, crença e religião.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

GIORDANI, Mário Curtis. História do Mundo Feudal. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1997.

AQUINO, Rubim Santos Leão de; REZENDE, Clymene Vieira de; FRANCO, Denize de
Azevedo; LOPES, Oscar Guilherme. História das Sociedades. Rio de Janeiro, RJ: Editora
Ao Livro Técnico, 1980.

CHAUNU, Pierre. A Civilização da Europa das Luzes. Lisboa, Portugal: Editorial Estampa,
1985.

DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa, Portugal: Editorial Estampa,


1983.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 30ª Edição. São Paulo, SP: Editora Atlas,
2014.

VOLTAIRE. Traité Sur La Tolérance. Paris, França. Tradução por NEVES, Paulo. Tratado
Sobre a Tolerância, 1ª Edição. São Paulo, SP. Editora Martins Fontes: 1993.

COULANGES, F. A Cidade Antiga. São Paulo, SP. Editora saraiva: 2008

PECORARO, Rossano. Filosofia da História. Rio de Janeiro, RJ. Editora Zahar: 2009

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