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Eduardo Sequeiros de Sousa Nunes

Justiça social e direito de propriedade: a progressividade


do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares

Trabalho científico relativo à disciplina de imposto sobre o


rendimento, ministrada no Curso de Mestrado em Direito
Tributário, pela Professora Doutora Cláudia Sofia Melo
Figueiras

Janeiro de 2018



SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1
2. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS .............................................................................................. 1
2.1. JUSTIÇA SOCIAL .......................................................................................................................... 1
2.2. DIREITO DE PROPRIEDADE ...................................................................................................... 4
2.3. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO PESSOAL ........................................................................ 6
3. ESCALÕES DO IMPOSTO ............................................................................................................... 7
4. LIMITES À TRIBUTAÇÃO PROGRESSIVA .................................................................................. 9
4.1. DOUTRINA .................................................................................................................................. 10
4.2. JURISPRUDÊNCIA ...................................................................................................................... 12
5. CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 14
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................. 16



1. INTRODUÇÃO

Recentemente Portugal atingiu o menor grau de desigualdade social de sua história1.


Nesse sentido, o Estado português avança em comunhão com o objetivo constitucional da
construção de uma sociedade mais justa, e utiliza o sistema fiscal como um de seus
instrumentos.
Nessa busca, o comando constitucional de um imposto pessoal progressivo legitima
carga tributária mais pesada para os contribuintes com maior capacidade contributiva que,
dessa forma, veem seu patrimônio afetado de forma mais drástica, podendo, a depender das
taxas adotadas nessa progressividade, ser alcançado o nível confiscatório.
Surge, então, o embate entre o legítimo propósito de justiça social e o direito de
propriedade, ambos de matiz constitucional, confronto que também ocorre no Brasil em meio
à luta pela diminuição das graves disparidades económicas.
O presente trabalho tem por meta verificar, do ponto de vista dos sistemas legais
português e brasileiro, qual seria o limite da taxação sobre o rendimento das pessoas
singulares que atende ao comando de progressividade e preserva o direito de propriedade,
afastando assim a ocorrência do confisco.
Para atingir esse objetivo o presente trabalho está dividido em quatro partes. Na
primeira serão descritas as principais disposições constitucionais, no Brasil e em Portugal,
relativas à promoção da justiça social, ao direito de propriedade e à tributação do rendimento
das pessoas singulares. A segunda tem por finalidade descrever como foi operacionalizada a
progressividade na legislação infraconstituicional desses países. Conhecidas as referidas
disposições constitucionais e infraconstitucionais, na terceira parte, verifica-se o
posicionamento doutrinário e jurisprudencial relativo aos limites da progressividade face ao
direito de propriedade. Por último, a conclusão contém um breve resumo do que foi
apresentado e os resultados inferidos pelo autor.

2. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS

2.1. JUSTIÇA SOCIAL

Produto do processo que culminou com a revolução de 25 de Abril de 1974, a


Constituição da República Portuguesa, apesar das revisões que atenuaram a carga ideológica


1
Conforme reportado pelo Observatório das Desigualdades do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de
Lisboa em https://observatorio-das-desigualdades.com/2017/12/06/reducao-da-desigualdade-e-da-pobreza/, acessado em 11/12/2017.

1

socialista da redação original2, manteve como um de seus princípios fundamentais a
construção de uma sociedade mais justa.
Conforme bem colocam Canotilho e Moreira (2007, p.33):

Desapareceu sem dúvida a diretriz socialista que informava a constituição


económica, mas não se estabeleceu uma orientação anti-socialista, tendo-se mantido
numerosas indicações constitucionais adversas ao domínio da economia pelo capital
oligárquico.

A relevância do princípio do Estado Social pode ser confirmada pelos inúmeros


dispositivos ao longo do texto constitucional que demonstram a firme intenção de concretizar
a sua efetividade.
Assim sendo, a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 1º), redação
introduzida na segunda revisão constitucional, não é uma fórmula vazia de conteúdo.
O Estado de direito democrático que visa a “realização da democracia económica,
social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa” (art. 2º) consagra a
perspectiva de realização da democracia em todas as suas vertentes (CANOTILHO;
MOREIRA, 2007).
Tal magnitude conferida à justiça social levou o poder constituinte originário a elevar,
ao nível de tarefa fundamental do Estado, a promoção do bem-estar, da qualidade de vida do
povo, e da igualdade real entre os portugueses (art. 9º, letra “d”).
Na Parte I, relativa aos direitos e deveres fundamentais, densifica essa linha mestra ao
garantir a todos o direito à segurança social (art. 63º); ao assegurar o direito,
independentemente da condição económica do cidadão, de protecção da saúde (art. 64º); ao
declarar o direito à habitação para todos (art. 65º); ao proteger a instituição familiar (art. 67º);
ao resguardar o direito à segurança económica na terceira idade (art. 72º); e ao contribuir para
a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais por meio da democratização da
educação e da cultura (art. 73º).
Na Parte II, dedicada à organização económica, prioriza o aumento do bem-estar
social e económico, especialmente para os mais desfavorecidos, e da justiça social, corrigindo
as desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento (art. 81º). Determina, como
objetivo, nos planos de desenvolvimento económico e social, a justa repartição individual e
regional do produto nacional (art. 90º); na política agrícola, a melhoria da situação
económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e agrícolas (art. 93º); e, em relação ao
sistema fiscal, a repartição justa dos rendimentos e da riqueza (art. 103º).

2
Desde a sua promulgação em 1976, a Constituição foi objeto de sete revisões. As alterações mencionadas ocorreram especialmente na
primeira e na segunda revisões constitucionais, levadas a efeito pelas LC nº 1/82 e LC nº 1/89.

2

Logo, resta inequívoca a orientação da Carta Magna portuguesa no sentido da
dignificação do ser humano, com a busca da diminuição das desigualdades sociais existentes.
Nesse sentido, a conclusão de OTERO (2010, p.49): “Em suma, a Constituição de
1976 permite observar todas as condições para ser possível a edificação de um genuíno
Estado de direitos humanos [...]”.
De forma diferente da via revolucionária portuguesa, o término do regime autoritário
que vigorou no Brasil de 1964 a 1985 resultou de uma distensão lenta e gradual. Fruto
necessário dessa redemocratização, a Constituição de 1988, embora com menos realce que na
sua congênere lusitana, também privilegia a justiça social.
Elege como objetivo fundamental, na exata dicção do artigo 1º da Carta portuguesa,
construir “uma sociedade livre, justa e solidária”, acrescentando a erradicação da pobreza e da
marginalização, e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º).
Lista os direitos sociais a garantir: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia,
transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, e a
assistência aos desamparados (art. 6º).
No âmbito da ordem económica e financeira, assegura a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social (art. 170º), e confere à política urbana e rural um caráter
eminentemente social (arts. 182º e 184º).
O bem-estar e a justiça sociais compõem os objetivos da ordem social (art. 193º),
sendo garantida a universalidade da cobertura e do atendimento da seguridade social (art.
194º), o acesso aos serviços de saúde (art. 196º) e de assistência social (art. 203º), a quem
deles necessitar, bem como o direito à educação, à cultura, ao desporto e ao lazer, como forma
de promoção social (arts. 205º, 215º e 217º). Em seu artigo 227º assegura proteção prioritária
à criança, ao adolescente e ao jovem.
Ressalte-se a preocupação em definir como competência comum das três esferas de
governo – federal, estadual e municipal – o combate às causas da pobreza e da marginalização
para promover a integração social dos setores desfavorecidos (art. 23º, inciso X).
Da análise dos dispositivos contidos nas constituições portuguesa e brasileira resta
patente a maior ênfase outorgada pela Carta lusa à justiça social. O vocabulário utilizado
demonstra uma maior inquietação com a correção das desigualdes, a marcar de forma mais
específica essa prioridade. Conquanto tenha abraçado o Estado social e avançado nessa
questão, a Constituição de 1988 o faz de forma mais genérica, e não pontua com a devida
vênia o primado da justiça social. Nas palavras de Silva (2005, p. 122):

3

[...] a Constiuição não prometeu a transição para o socialismo mediante a realização
da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia
participativa, como o faz a Constituição portuguesa, mas com certeza ela se abre
também, timidamente, para a realização da democracia social e cultural, sem
avançar significativamente rumo à democracia econômica [...]

2.2. DIREITO DE PROPRIEDADE

Posicionado em capítulo dedicado aos direitos econômicos, o direito de propriedade na


Constituição portuguesa foge à concepção liberal de direito fundamental e absoluto. Fora do
rol dos “direitos, liberdades e garantias pessoais”, conserva sua importância, embora exaurido
da dimensão quase divina que possuía na tradicional ideia da indissociabilidade entre
liberdade e propriedade (CANOTILHO; MOREIRA, 2007, p. 800).
Na dicção do artigo 62º, o direito à propriedade e à sua transmissão deve ser exercido
nos termos da Constituição. Dessa forma, subordina-se às restriçoes contidas no próprio texto
constitucional e nas leis, quando a Carta Magna a elas se refira, ou “quando se trate de revelar
limitações constitucionalmente implícitas”. Isto ocorre, por exemplo, em matéria ambiental,
territorial e urbanística, económica e social (CANOTILHO; MOREIRA, 2007, p. 801). Prevê,
ainda, nesse mesmo artigo, a possibilidade de requisição e expropriação por utilidade pública,
subordinadas ao princípio da legalidade, mediante justa indemnização.
O constituinte originário, nos artigos 82º, 83º, 88º e 94º, criou uma distinção entre
propriedade privada de meios de produção e outros tipos de propriedade privada,
prescrevendo um regime especial que estabelece maiores restrições ao exercício da
propriedade daqueles. Essa clivagem, de inspiração socialista, demonstra o valor dado à
detenção dos meios de produção como uma forma de construir uma sociedade mais justa
(CANOTILHO; MOREIRA, 2007, p. 800-801).
Note-se, também, que o conceito de propriedade em comento avança além do círculo
mobiliário e imobiliário, posto que abrange a propriedade intelectual (direitos autorais e
propriedade industrial) com a devida proteção dos direitos de autor (art. 42º).
Importante ressaltar que, definida como direito económico, a propriedade não está
inserida no contexto dos direitos, liberdades e garantias. Essa indicação não é supérflua. Parte
de uma opção consciente do legislador constituinte em hierarquizar os diversos direitos.
No entanto, há forte consenso doutrinário e jurisprudencial no sentido de que se aplica
o regime dos direitos, liberdades e garantias fundamentais ao direito à propriedade privada,
nos moldes dos artigos 17º e 18º da redação constitucional (FERREIRA, 1996, p.390).
Portanto, não obstante desidratado de sua onipotência jusnaturalista como direito
natural de origem divina (LOCKE, 1988, p.144-159), o direito de propriedade mantém uma

4

posição de destaque no ordenamento constitucional português, estando garantida, assim, a sua
legítima proteção.
Na Constituição brasileira o direito à propriedade faz parte do elenco dos direitos e
garantias fundamentais. Figura ao lado do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à
segurança, todos tidos como invioláveis (art. 5º).
Nesse mesmo artigo, reitera-se o direito de propriedade (XXII), restringe-o ao
atendimento de sua função social (XXIII) e fixa a possibilidade de desapropriação por
necessidade, utilidade pública ou interesse social mediante justa e prévia indemnização em
dinheiro, nos termos da lei, excetuados os casos previstos em seu texto (XXIV). Disciplina,
em caso de iminente perigo público, o uso de propriedade particular, assegurada
indemnização posterior no caso de danos (XXV). Em consonância com sua similar lusa, o
conceito de propriedade também alcança toda a esfera patrimonial material ou imaterial
passível de apropriação privada (XXVII a XXIX) sendo assegurada a sua transmissão por
herança (XXX).
No capítulo dedicado à atividade económica, são definidos como princípios da ordem
económica a propriedade privada e a função social da propriedade (art. 170º, II e III), fazendo
eco ao artigo 5º.
São previstas a possibilidade de desapropriação de imóvel rural para fins de reforma
agrária, fixando-se os critérios para tal (arts. 184º a 186º); ou de imóvel urbano (art. 182º, §
4º, III), desde que não estejam cumprindo suas funções sociais, mediante justa e prévia
indenização, devendo, em ambos os casos, atender ao devido processo legal (art. 5º, LIV). No
caso de imóveis rurais, torna insuscetíveis de desapropriação a pequena e média propriedades,
como definida em lei, e as propriedades produtivas.
Esse novo desenho constitucional da propriedade privada informa que esta não pode
ser mais percebida como um direito individual exclusivamente privatístico. No entender de
Silva (2005, p. 270-271) esta instituição:

[...] deveria ser prevista apenas como instituição da ordem econômica, como
instituição de relações econômicas, como nas constituições da Itália (art. 42) e de
Portugal (art. 62). É verdade que o art. 170 inscreve a propriedade privada e a sua
função social como princípios da ordem econômica (incs. II e III). Isso tem
importância, porque, então, embora prevista entre os direitos individuais, ela não
mais poderá ser considerada puro direito individual, relativizando-se seu conceito e
significado, especialmente porque os princípios da ordem econômica são
preordenados à vista da realização de seu fim: assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social.

5

Por conseguinte, considerado o princípio da função social da propriedade, houve uma
mudança na estrutura e no conceito desta, transmutando-a numa instituição de Direito
Público, de tal feita que o Direito Civil não mais a disciplina, pois regula tão somente as
relações civis a ela inerentes (SILVA, 2005).
Do exposto, conclui-se que o tratamento conferido ao direito de propriedade contém
inúmeros pontos de aproximação nos dois ordenamentos constitucionais, sobre os quais paira
a figura da função social da propriedade.
Na Constituição brasileira, o posicionamento entre os direitos fundamentais indica
uma maior proteção conferida ao instituto, embora este também sofra diversas limitações em
seu exercício. Na Carta portuguesa, especificamente pelo tratamento outorgado à propriedade
dos meios de produção e pela classificação como um direito económico, transparece um
tratamento mais restritivo ao direito de propriedade.

2.3. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO PESSOAL

Na esteira dos objetivos traçados pelo sistema fiscal (art. 103º), em que é inafastável a
natureza financeira de atendimento das necessidades estatais, o imposto sobre o rendimento
pessoal (art. 104º) externa somente a realização do objetivo extrafiscal da diminuição das
desigualdades. O realce constitucional de tal fim redunda na seguinte fórmula: a adoção da
unicidade e da progressividade como informadoras desse imposto.
Na lição de Canotilho e Moreira (2007, p. 1099):

Daí que ele não possa deixar de ser único e progressivo. A unicidade quer dizer que
todos os rendimentos pessoais devem ser englobados em um único imposto, de
forma a tomar em conta o seu montante global. A progressividade quer dizer que a
taxa deve ser tanto maior quanto mais elevado for o rendimento global.

Exsurge, assim, da letra constitucional, um imposto sobre o rendimento pessoal que se


quer único, englobando todos os rendimentos, em contrapartida ao regime cedular anterior;
progressivo, onerando gradualmente de forma mais pesada os rendimentos mais elevados; e
que considera as necessidades e os rendimentos do agregado familiar, de forma a atentar não
somente aos proventos conjuntos da família, mas também às despesas com a satisfação dos
direitos sociais mínimos atinentes ao Estado Social português.
Na Constituição brasileira o imposto de renda e proventos de qualquer natureza é de
competência federal e consta do inciso III, do artigo 153º. Importante ressaltar que esse
dispositivo abrange tanto o rendimento das pessoas singulares como o das pessoas coletivas.

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Este imposto, nos termos do inciso I, § 2º do artigo 153º, deverá obedecer aos
princípios da generalidade, alcançando todos os sujeitos que auferirem rendimentos; da
universalidade, abrangendo todas as rendas e proventos; e da progressividade, com a
majoração das taxas aplicáveis em função do aumento do valor da renda a tributar.
Impõe-se também a obediência aos princípios da pessoalidade e da capacidade
contributiva (art. 145º, § 1º). Nas palavras de Torres (2013, p. 3411):
A Constituição Federal, mediante o princípio de capacidade econômica, insculpido
no § 1º do art. 145, institui o dever de o legislador garantir a observância, na edição
de leis sobre impostos, dos princípios de pessoalidade e de capacidade contributiva,
como proteções do direito de propriedade e dos limites de ação fiscal
exclusivamente à pessoa do contribuinte sobre o qual recai a exigibilidade, e
segundo suas circunstâncias.
O recorte da tributação do rendimento pessoal na lei maior, em Portugal e no Brasil,
estabelece critérios semelhantes. A unicidade possui a carga valorativa do princípio da
universalidade; a consideração dos rendimentos e despesas do agregado familiar se coaduna
com os princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva. A sujeição do imposto a
todos que obtém rendimentos, princípio da generalidade na constituição fiscal brasileira, é
consectário lógico do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição
portuguesa.
Por fim, a progressividade, meio técnico e princípio que preconiza a elevação das
taxas à medida que cresce o montante tributável (COÊLHO, 2006, p. 411), está presente em
ambas as constituições como instrumento de realização do Estado Social.
Cotejadas as disposições contitucionais, verificaremos como, e em que grau, foi
adotada a progressividade na legislação infraconstitucional.

3. ESCALÕES DO IMPOSTO

A unicidade e a progressividade constituiconais do imposto de renda pessoal lusitano


não foram aplicadas, de forma cabal, ao universo de possíveis redimentos. Nesse sentido, a
existência de taxas proporcionais liberatórias, especiais e autónomas (previstas,
respectivamente, nos arts. 71º, 72º e 73º do Decreto-Lei nº 442-A/88) é motivo de crítica por
ilibada doutrina.

Afirma Morais (2014, p. 159):


[...] o IRS só formalmente é um imposto único, pois a tributação a taxas progressivas
dos rendimentos englobáveis coexiste com a tributação a taxas proporcionais de
outros rendimentos.
Porém, neste estudo, importa apenas verificar a progressividade como foi aplicada
pelo legislador infraconstitucional.

7

No Decreto-Lei nº 442-A/88, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Singulares (CIRS), as taxas gerais do imposto obedecem à seguinte escala de progressividade
(art. 68º):

Rendimento coletável (€) Taxas (%)

Até 7.091,00 14,50

De 7.091,01 até 20.261,00 28,50

De 20.261,01 até 40.522,00 37,00

De 40.522,01 até 80.640,00 45,00

Superior a 80.640,00 48,00

O artigo 68º-A prevê uma taxa adicional de solidariedade de 2,5% a ser aplicada aos
rendimentos coletáveis na faixa de 80.000,01 € a 250.000,00 €, e de 5%, para valores acima
de 250.000,00 €.

O resultado do cômputo dessas taxas de solidariedade no imposto pessoal sobre o


rendimento é o aumento da carga total desse tributo sobre os valores superiores a 80.000,00€,
com a respectiva criação de novas faixas de tributação, conforme pode ser verificado na tabela
apresentada ao topo da próxima página.

Ressalte-se que a tabela adotada é a vigente em 2017, não tendo sido consideradas as
alterações promovidas em função da aprovação do Orçamento do Estado para 2018, com a
criação de duas novas faixas intermediárias de 23% e 35%.

A legislação infraconstitucional brasileira do imposto de rendimento pessoal também


convive com taxas proporcionais para certas categorias de renda sujeitas a tributação
exclusiva/definitiva que não serão aqui abordadas.

A Lei nº 11.492/2007, atualizada pela Lei nº 13.149/2015, fixou a partir de abril de


2015 a seguinte tabela progressiva anual:

Rendimento coletável (€)3 Taxas (%)

Até 5.988,61 0

De 5.988,62 até 8.890,70 7,50

De 8.890,71 até 11.798,23 15,00

De 11.798,24 até 14.671,88 22,50

Superior a 14.671,88 27,50


3
Na conversão de real para euro foi utilizada a taxa de câmbio vigente em 06/12/2017 em que 1 € = R$ 3,81520.

8

Ajustando a tabela progressiva portuguesa com a adição da taxa de solidariedade, e
reunindo a tabela brasileira obtém-se:

PORTUGAL BRASIL

Rendimento coletável (€) Taxas (%) Rendimento coletável (€)4 Taxas (%)

Até 7.091,00 14,50 Até 5.988,61 0

De 7.091,01 até 20.261,00 28,50 De 5.988,62 até 8.890,70 7,50

De 20.261,01 até 40.522,00 37,00 De 8.890,71 até 11.798,23 15,00

De 40.522,01 até 80.000,00 45,00 De 11.798,24 até 14.671,88 22,50

De 80.000,00 até 80.640,00 47,50 Superior a 14.671,88 27,50

De 80.640,01 até 250.000,00 50,50

Superior a 250.000,00 53,00

Analisando as tabelas progressivas percebe-se que ao mínimo de existência previsto


no artigo 70º do Decreto-Lei nº 442-A/88 corresponde a taxa zero do primeiro escalão
brasileiro.

Patente, ainda, que a curva de progressividade portuguesa é mais acentuada que a


brasileira, com uma taxa máxima de 53% para rendimentos coletáveis acima de 250.000,00 €,
considerada a taxa adicional de solidariedade, em contraste com o escalão mais elevado de
27,50% praticado no Brasil.

Como visto, não há limites expressos nos ordenamentos português e brasileiro ao


alcance da progressividade. Cabe, então, os buscar na doutrina e na jurisprudência desses
países.

4. LIMITES À TRIBUTAÇÃO PROGRESSIVA

Nos Estados sociais democráticos de direito, a busca da justiça social e seus custos
associados criam uma tensão permanente entre tributação e propriedade. Portugal e Brasil,
inseridos nessa categoria de Estado, utilizam a progressividade do imposto de renda pessoal
como instrumento de diminuição de desigualdades. Porém, apesar da nobreza do motivo, não
pode o Estado capturar a propriedade particular por meio de imposição tributária excessiva,
sob pena de configurar confisco com o consequente desrespeito ao direito de propriedade
constitucionalmente garantido.


4
Na conversão de real para euro foi utilizada a taxa de câmbio vigente em 06/12/2017 em que 1 € = R$ 3,81520.

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Logo, a proibição do confisco em matéria tributária é o cerne da questão em comento,
pois a carga tributária não pode ser de tal monta que aniquile o direito de propriedade. O
problema que se coloca é como definir o momento a partir do qual um tributo assume caráter
confiscatório.
Pela inexistência de limites legais expressos, passamos a verificar o posicionamento
doutrinário e jurisprudencial.

4.1. DOUTRINA

No entender de Campos (2013, p.101), o imposto pode ser percebido como uma
restrição ao direito de propriedade, portanto, devem ser fixados limites à tributação de forma a
garantir condições económicas dignas ao contribuinte:
Constituindo o imposto uma limitação do direito de propriedade, a proibição do
confisco representa, não só uma protecção da pessoa humana, directamente, como
também um princípio material de protecção do direito de propriedade. Entendido
este como englobando todos os interesses que uma pessoa pode ter fora de si
mesma, da sua vida materiais da sua liberdade. Mesmo sem atingir 100% dos bens
tributáveis, o imposto terá carácter confiscatório se puser em causa o essencial dos
interesses que integram o direito de propriedade e, através dele, a pessoa humana.
O embasamento da proibição ao confisco teria fulcro nos artigos 1º e 2º da Carta
portuguesa, no que diz respeito à dignidade da pessoa e à realização da democracia plena; e
no artigo 62º, quanto à garantia do direito de propriedade.

Nabais (2015, p.154), nessa mesma linha, afirma que a capacidade contributiva seria o
pressuposto e o critério da tributação, por esse motivo deveriam ser excluídos da imposição
tributária tanto o “mínimo existêncial”, como o “máximo confiscatório”.

O citado princípio da capacidade contributiva, sem referência expressa na Constituição


portuguesa, encontra esteio nos artigos 13º (princípio da igualdade), 103º, 1 (repartição justa
dos rendimentos e da riqueza) e 104º, 1 (progressividade). Trata-se da obrigação de modular a
tributação de acordo com a possibilidade de seus destinatários em suportar esse ônus,
permitindo que estes, após submeterem-se a essa diminuição de seu património, continuem a
gozar de condições mínimas de dignidade.

Logo, a capacidade contributiva é pressuposto da tributação em virtude de o Estado só


poder tributar os que têm condições de arcar com o ônus; é critério no sentido de que a maior
ou menor capacidade contributiva vai guiar o peso da carga imposta.
Nesse sentido, o “máximo confiscatório” e o “mínimo existêncial” referidos por
Nabais (2015, p.154) e presentes em Campos (2013, p.101), operam numa mesma situação.

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Há confisco quando após a tributação é comprometido o mínimo existêncial, isto é, as
condições em que se mantém a dignidade da pessoa humana.
Sob essa ótica doutrinária, o legislador teria agido corretamente ao não fixar um
patamar para as taxas do imposto sobre o rendimento pessoal, visto não ser possível, pela
simples análise da taxa máxima, concluir se foi comprometido o mínimo existêncial. A
verificação passaria obrigatoriamente pelo estudo específico da situação de cada contribuinte,
tendo de ser considerada toda a carga tributária por ele suportada.
Importante observar que não se trata, então, de confisco propriamente dito, pois o
nível confiscatório da tributação não se expressa pelo esvaziamento completo da essência
económica do que é tributado. A Consituição brasileira, operando nessa direção, veda de
forma expressa a utilização de “tributo com efeito de confisco” (art. 150º, IV).
Certo que a proibição do “efeito de confisco” é um conceito impreciso que, embora
seja aceito e adotado em diversos ordenamentos, carrega a dificuldade de sua caracterização,
existindo poucos exemplos no direito comparado em que houve a tentativa de fixar limites
quantitativos à tributação (SCHOUERI, 2016, p.357-360).
Schoueri (2016, p.364) indentifica com muita propriedade a complexidade de
caracterizar o efeito confiscatório da tributação:
Evidencia-se do debate a dificuldade quanto à quantificação do confisco. Melhor,
daí, vê-lo como conceito indeterminado, afastando discussões quanto à existência de
um número mágico, a partir de quando haverá confisco. Por um critério qualitativo,
o efeito confiscatório se relaciona com o caráter insuportável da tributação.
A necessidade de cotejamento da carga tributária geral individual para conluir sobre o
atingimento de um patamar confiscatório também é vislumbrada pelo ilustre professor Ives
Gandra da Silva Martins (MARTINS, 1988, p. 141), ao analisar o impedimento da tributação
com efeito de confisco:
[...] não posso examiná-lo a partir de cada tributo, mas da universalidade de toda a
carga tributária incidente sobre um único contribuinte. Se a soma dos diversos
tributos incidentes representa carga que impeça o pagador de tributos de viver e se
desenvolver, estar-se-á perante carga geral confiscatória, razão pela qual todo o
sistema terá que ser revisto, mas principalmente aquele tributo que, quando criado,
ultrapasse o limite da capacidade contributiva do cidadão. Há, pois, um tributo
confiscatório e um sistema confiscatório decorrencial. A meu ver, a Constituição
proibiu a ocorrência dos dois, como proteção ao cidadão.
O posicionamento doutrinário em Portugal e no Brasil informa que não é
exclusivamente por meio da análise da taxa máxima imposta que seria configurada uma
tributação confiscatória, limite para a tributação em geral e, no caso específico em comento,
para a progressividade no imposto sobre os rendimentos individuais.

11

Determinada alíquota máxima de imposto sobre o rendimento, mesmo que aplicada a
pessoas singulares que possuam exatamente a mesma renda, poderia ocasionar o
comprometimento do mínimo existêncial somente para alguns destes, fato que dependeria da
situação específica de cada um.
Inafastável, assim, que seja verificado não somente o ônus do imposto de renda
pessoal, mas a carga tributária total incidente sobre cada contribuinte.
Passemos, então, a análise da postura dos tribunais constituicionais português e
brasileiro.

4.2. JURISPRUDÊNCIA

Cabe registrar, incialmente, que tanto em Portugal quanto no Brasil foram raras as
oportunidades em que os tribunais constitucionais se manifestaram sobre a tributação
confiscatória. Dessa forma, foram selecionados os julgados mais representativos, que tiveram
sua fundamentação utilizada como parâmetro em decisões posteriores.
No exercício da competência de fiscalizar a conformidade das normas jurídicas com a
Constituição, o Tribunal Constitucional teve a oportunidade de se pronunciar sobre os limites
confiscatórios dos tributos no Acórdão nº 187/13, de 5 de abril de 2013.
Estava sob análise, em função de pedidos formulados pelo Presidente da República e
por deputados de alguns partidos políticos, a constitucionalidade de diversos artigos da Lei nº
66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2013.
Dentre as diversas questões suscitadas, interessa ao presente estudo a apreciação
realizada quanto aos nº1 e nº 2 do artigo 78º da referida lei, que estabelecia uma contribuição
extraordinária de solidariedade progressiva, especificamente em relação ao argumento oposto
pelos requerentes de que haveria inconstitucionalidade pela violação do “núcleo de direitos
patrimoniais de propriedade, garantidos pelo nº 1 do artigo 62º da CRP e de acordo com o
disposto no nº 2 do artigo 18º da Constituição”. Isto é, as taxas progressivas fixadas teriam
alcançado nível confiscatório.
O dispositivo legal estava assim colocado:

1 - As pensões pagas a um único titular são sujeitas a uma contribuição


extraordinária de solidariedade (CES), nos seguintes termos:
a) 3,5 % sobre a totalidade das pensões de valor mensal entre (euro) 1350 e (euro)
1800;
b) 3,5 % sobre o valor de (euro) 1800 e 16 % sobre o remanescente das pensões de
valor mensal entre (euro) 1800,01 e (euro) 3750, perfazendo uma taxa global que
varia entre 3,5 % e 10 %;
c) 10 % sobre a totalidade das pensões de valor mensal superior a (euro) 3750.
2 - Quando as pensões tiverem valor superior a (euro) 3750 são aplicadas, em

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acumulação com a referida na alínea c) do número anterior, as seguintes
percentagens:
a) 15 % sobre o montante que exceda 12 vezes o valor do IAS mas que não
ultrapasse 18 vezes aquele valor;
b) 40 % sobre o montante que ultrapasse 18 vezes o valor do IAS.
Decidiu o Tribunal Constitucional pela constitucionalidade da norma do artigo 78º
argumentando, quanto ao suposto desrespeito ao direito de propriedade:

A variável quantitativa não é, contudo, contrariamente ao que possa parecer, única


ou determinante. Para a aferição do que seja ou não imposto confiscatório, apela-se
a uma ideia de equidade ou «tributação equitativa»: «saber se um imposto tem
efeitos consfiscatórios não depende apenas dos montantes das respetivas taxas.
Importa, isso sim, aferir desses efeitos confiscatórios em relação a determinado
contribuinte em concreto. O fator decisivo não é aquilo que o imposto retira ao
contribuinte, mas o que lhe deixa ficar» (Luis Vasconcelos Abreu, “Algumas notas
sobre o problema da confiscatoriedade tributária em sede de imposto sobre o
rendimento pessoal”, in Fisco, nº 31, maio 1991, pp. 26 e segs).
Conclui aplicando o raciocínio ao caso concreto:
Transpondo esta doutrina para o caso aqui em análise, considerando que as taxas
adicionais de 15% e 40% são aplicadas só a partir de rendimentos especialmente
elevados e deixam ainda uma margem considerável de rendimento disponível, e –
como se referiu já – revestem caráter transitório e excecional, não se afigura que se
lhes possa atribuir caráter confiscatório.
Importante ressaltar que, embora tenha invocado doutrina que advoga a necessidade de
que os efeitos confiscatórios sejam averiguados em relação a um contribuinte específico,
julgou que as taxas adicionais de 15% e 40% não seriam confiscatórias para um conjunto de
contribuintes com rendimentos “especialmente elevados”, concluindo que haveria ainda “uma
margem considerável de rendimento disponível”, fato que, a considerar a doutrina arrolada, só
poderia ser verificado de forma individualizada.
O Supremo Tribunal Federal, ao conceder medida cautelar na Ação Direta de
Inconstituicionalidade nº 2.0105, que versava sob a arguição de inconstitucionalidade da
contribuição para a previdência social dos servidores públicos (Lei nº 9.783, de 28 de janeiro
de 1999), apreciou a hipotética carga fiscal confiscatória aventada:

A proibição constitucional de confisco em matéria tributária nada mais representa


senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que
possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou
em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes,
pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência
digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de
suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo).
Definiu, em seguida, que a forma de identificação do efeito confiscatório:

[...] deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação
da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza
(renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele


5
Julgado em 30/09/1999 e publicado em 12/04/2002.

13

deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver
instituído [...]
Importante ressaltar que, em virtude de alterações legais posteriores, a referida ação
foi extinta pela perda do objeto.

O Supremo Tribunal Federal viria a utilizar os mesmos fundamentos no julgamento do


Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 448.4326, em que se analisava o aumento da
taxa do Imposto de Importação de 4% para 14%. No relatório, da lavra do Ministro Joaquim
Barbosa, foi replicado excerto do Acórdão exarado na ADI nº 2.010, acima citada.

Constou da ementa do Acórdão:

1. A caracterização do efeito confiscatório pressupõe a análise de dados concretos e


de peculiaridades de cada operação ou situação, tomando-se em conta custos, carga
tributária global, margens de lucro e condições pontuais do mercado e de conjuntura
social e econômica (art. 150, IV da Constituição).
2. O isolado aumento da alíquota do tributo é insuficiente para comprovar a
absorção total ou demasiada do produto econômico da atividade privada, de modo a
torná-la inviável ou excessivamente onerosa. [...]
Considerando o posicionamento da jurisprudência referenciada, percebe-se um
alinhamento do entendimento dos tribunais constitucionais, em Portugal e no Brasil, com a
doutrina consultada.
Dessa forma, resta patente que a ocorrência de carga fiscal confiscatória não pode ser
definida em função da taxa máxima fixada para determinado tributo e, no caso deste estudo,
na gradação máxima da tributação progressiva adotada para o imposto sobre o rendimento das
pessoas singulares.
O limite superior da progressividade que respeita a proibição do efeito confiscatório há
que ser obtido da análise da situação individual de cada contribuinte, de forma a impedir que
haja o compromentimento da dignidade de sua existência.

5. CONCLUSÃO

No intuito de descobrir qual seria o limite à progressividade do imposto sobre o


rendimento das pessoas singulares que, sob a perspectiva dos sistemas jurídicos português e
brasileiro, atende ao objetivo constitucional de construção de uma sociedade mais justa, sem
desrespeitar o direito à propriedade, o presente estudo inicia com o levantamento das
principais disposições constituicionais relativas à justiça social, ao direito de propriedade e à
tributação do rendimento das pessoas singulares.


6
Julgado em 20/04/2014 e publicado em 28/05/2010.

14

Desse levantamento, resta clara a maior carga valorativa concedida à correção das
desigualdades sociais pela Constituição portuguesa, o tratamento mais protetivo ao direito de
propriedade na Carta brasileira, apesar de adotarem o Estado Social como modelo, e o
tratamento similar da tributação sobre o rendimento pessoal conferido por ambas as
Constituições, que adotaram a progressividade como forma de alcançar maior justiça social.
Importante ressaltar que, apesar do tratamento diferenciado, a busca da diminuição das
desigualdes e o respeito ao direito à propriedade são valores reconhecidos e protegidos
constitucionalmente em Portugal e no Brasil.
Prosseguindo a pesquisa, apurou-se como a progressividade foi tratada na legislação
infraconstitucional. Na comparação entre as tributações portuguesa e brasileira, verificou-se
que o ônus do imposto sobre o rendimento pessoal em Portugal é bem mais elevado que no
Brasil, com uma taxa máxima de 53,00% em comparação com a taxa máxima de 27,50% do
ordenamento brasileiro.
Por fim, colocionou-se o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, em ambos os
países, no que concerne ao patamar a partir do qual a tributação poderia ser considerada
confiscatória.
A partir da análise das informações obtidas nesta pesquisa, foi possível concluir que,
no âmbito do panorama jurídico-doutrinário-jurisprudencial luso-brasileiro, o limite à
progressividade do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares não está relacionado a
uma taxa máxima a ser aplicada a determinado escalão de rendimentos.
O patamar máximo a partir do qual a tributação avança de forma inconstitucional
sobre o direito à propriedade será obtido da análise da situação específica de cada
contribuinte, considerando a carga tributária total por ele suportada, de modo que seja
mantido um nível económico que preserve a sua dignidade, garantindo o mínimo existêncial.
Esta forma de averiguar o limite à progressividade do imposto de renda pessoal cria
grave problema jurídico quando do aumento da taxa aplicável ao escalão superior, ou da
criação de novos escalões de tributação mais elevada. Não existindo um limite máximo
estabelecido pela lei, doutrina ou jurisprudência, não há como questionar de forma genérica a
inconstitucionalidade da lei que o promoveu, sendo necessário provar o efeito confiscatório
em relação a cada contribuinte.

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