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1
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 3
1. Linguagem e Direito ............................................................................................................ 4
1.1. Linguagem e semiótica – objeto.................................................................................... 4
1.2. A representação da língua pela escrita .......................................................................... 5
2. Direito e Argumentação ...................................................................................................... 7
2.1. A retórica de Aristóteles ................................................................................................ 7
2.1.1. Os topoi e a argumentação jurídica ....................................................................... 8
2.2. A nova retórica de Perelman ......................................................................................... 9
2.2.1. O Tratado de Argumentação ............................................................................... 11
3. Argumentação e retórica no Direito – outros olhares .................................................... 13
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 15
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 16
2
INTRODUÇÃO
É inquestionável a realidade de que os estudos da linguagem, da semiótica, da
retórica, enfim, das demais componentes do discurso adquiriram, ao longo dos séculos,
relevância transversal, e que o Direito surge como uma das áreas em que a problemática
da linguagem mantém a sua atualidade. O desenvolvimento de várias áreas do saber em
torno da língua, um produto social da faculdade humana da linguagem, obrigou ao
reconhecimento de que as suas vantagens estão além do plano gramatical, existindo no
próprio uso da língua por quem a fala. Enquanto ‘invenção humana’ adquirida pelos
indivíduos e obedecendo a determinadas convenções sociais, fica evidente que a língua
nasce de um ‘contrato’ entre os membros de uma comunidade.
O objetivo deste trabalho passa sobretudo por realçar e compreender o valor dos
contributos de Saussure, Aristóteles e Perelman para estas temáticas, demonstrando o
mais simplisticamente possível a forma como tais contributos se revelam na compreensão
do Direito e dos textos jurídicos.
3
1. Linguagem e Direito
1.1. Linguagem e semiótica – objeto
Os estudos da linguística e semiótica não são certamente recentes, vindo já a ser
alvo de rebuscadas considerações, desde a Gramática, de origem grega, à Filologia, já
existente desde Alexandria, mas que conheceu alargamentos pela teoria de Friedrich Wolf
no século XVIII, tendo como objeto não a língua em particular, mas sim os textos, a
história literária, etc.; finalmente, com o surgimento da chamada Gramática Comparada
ou Filologia Comparativa1 de Franz Bopp, que dá conta que o sânscrito e as línguas
românicas e germânicas pertencem a uma única família. Contudo, foi no século XX que
estas ciências se desenvolveram e aprimoraram como integrando a ciência da linguagem.
Neste contexto, se a semiótica é entendida como a ciência geral de todas as línguas, a
linguística especifica-se no estudo da linguagem verbal.
Eu defino o signo como tudo aquilo que assim é determinado por outra coisa, chamada de
seu objeto, e assim determina um efeito sobre uma pessoa, efeito esse que chamo seu
interpretante, sendo este mediatamente determinado por aquele 3.
1
SAUSSURE, Ferdinand, Curso de Linguística Geral, BALLY, Charles e SECHEHAYE, Albert (Org.),
colaboração de RIEDLINGER, Albert, Trad. de Antônio Chelini, José Paulo Paes, Izidoro Blikstein, 20.ª
Edição, São Paulo, Editora Cultrix, 1995, p. 8.
2
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. 1ª Edição, São Paulo, Brasiliense, 1983, p.13.
3
Tradução livre de: “I define a sign as anything which is so determined by something else, called its Object,
and so determines an effect upon a person, which effect I call its interpretant, that the later is thereby
mediately determined by the former.”, em PEIRCE, Charles Sanders, The Basis of Pragmatism, Harvard,
Harvard University Press, 1902, p. 478.
4
SAUSSURE, Ferdinand, cit., p. 11.
5
SAUSSURE, Ferdinand, cit., p. 13.
4
conhecimento coletivo da comunidade, e que “além disso, os signos da língua são, por
assim dizer, tangíveis; a escrita pode fixá-los em imagens convencionais, ao passo que
seria impossível fotografar em todos os seus pormenores os atos da fala”6.
Descrever o objeto de cada uma destas ciências passa pelo reconhecimento de que,
de um lado, existe linguagem verbal que radica numa tradução visual composta por um
conjunto de símbolos denominado de alfabeto, a linguagem escrita; do outro lado, pelo
reconhecimento de muitas outras linguagens que representam o mundo e vida social. No
entanto, a resposta de SAUSSURE para o dilema do objeto da linguística7 passa por tomar
a língua como norma de todas as manifestações da linguagem – esta última que é, no seu
entendimento, uma faculdade atribuída pela Natureza; paralelamente, descreve-a como
constituindo um produto social da linguagem, adquirido e convencional, um “conjunto de
convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa
faculdade nos indivíduos”8.
6
SAUSSURE, Ferdinand, cit., 23.
7
A este respeito, veja-se o que diz SAUSSURE, Ferdinand, cit., p. 16: “em nenhuma parte se nos oferece
integral o objeto da Linguística: ou nos aplicamos de um lado a um lado de apenas de cada problema e nos
arriscamos a não perceber as dualidades (…) ou, se estudarmos a linguagem sob vários aspetos ao mesmo
tempo, o objeto da Linguística nos aparecerá como um aglomerado confuso de coisas heteróclitas, sem
liame entre si. Quando se procede assim, abre-se a porta a várias ciências – Psicologia, Antropologia,
Gramática normativa, Filologia, etc. –, que separamos claramente a Linguística, mas que, por culpa de um
método incorreto, poderiam reivindicar a linguagem como um de seus objetos”.
8
SAUSSURE, Ferdinand, cit., p. 17.
9
SAUSSURE, Ferdinand, cit., p. 34.
10
SAUSSURE, Ferdinand, cit., p. 35.
5
com produções de linguagem escrita. Evidentemente que o Direito, que tem como
principal meio de comunicação entre os seus especialistas a linguagem escrita, sendo uma
das áreas ‘vítimas’ deste fenómeno de prestígio da escrita sobre a fala, não poderá ignorar
a linguística e simplesmente não se ocupar da mesma. Não é descabido concordar com
SAUSSURE quando o mesmo afirma que:
A língua literária aumenta ainda mais a importância imerecida da escrita. Possui seus
dicionários, suas gramáticas; é conforme o livro e pelo livro que se ensina na escola; a língua
aparece regulamentada por um código; ora, tal código é ele próprio uma regra escrita,
submetida a um uso rigoroso: a ortografia, e eis o que confere à escrita uma importância
primordial11.
No entanto, esta predominância da linguagem escrita não deve ser fator de exclusão
das questões alusivas à retórica e argumentação, porquanto elas estão igualmente
presentes na produção escrita como na linguagem verbal, sendo sempre possível
identificar técnicas argumentativas nos textos jurídicos. Isto porque argumentar
pressupõe algo mais além do recurso à linguagem, necessitando de prescrições,
interrogações, afirmações, etc., para efetivamente se estar perante um argumento.
11
Ibidem.
12
Cumpre destacar a palpável globalidade deste fenómeno, tal como vem apontada por MENDES, Ludmyla
Oliveira Calmon, A Linguagem Jurídica e a efetivação do acesso à Justiça, 2016, texto disponível em
https://core.ac.uk/works/54430929 [1/12/2022], p. 24, que demonstra a mesma realidade na formação
jurídica no Brasil.
13
PETRI, Maria José Constantino, Manual de Linguagem Jurídica, 2ª edição (2ª tiragem), São Paulo,
Editora Saraiva, 2010, p. 31.
14
AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes, Contribuições da teoria da argumentação e semiótica jurídica
para a compreensão do Direito, in Revista Jurídica – CCJ/FURB, Vol. 12, n.º 24, jul/dez 2008, texto
disponível em https://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/869 [4/12/2022], p. 69.
6
2. Direito e Argumentação
Já estabelecidas as bases linguísticas dos estudos de Direito, o propósito da reflexão
que se segue terá como ponto de partida o reconhecimento da preponderância da
argumentação na prática jurídica. A este respeito, traz-nos MANUEL ATIENZA que “a
qualidade que melhor define um ‘bom jurista’ talvez seja a sua capacidade de construir
argumentos e manejá-los com facilidade”15. Aqui hão de incidir teorias da argumentação
jurídica que, no âmbito da filosofia do Direito, se focam nas práticas dos demais
profissionais jurídicos16. Naturalmente que, para as teorias da argumentação jurídica,
interessam os argumentos produzidos em contexto da atividade jurídica17.
15
ATIENZA, Manuel, As Razões do Direito: Teorias da Argumentação Jurídica, Trad. de Maria Cristina
Guimarães Cupertino, 3ª edição, São Paulo, Landy Editora, 2006, p. 18.
16
AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes, cit., p. 65.
17
ATIENZA, Manuel, cit., p. 18.
18
Aristóteles alerta, porém, para o perigo de discutir com toda e qualquer pessoa, porquanto a busca cega
de chegar à conclusão pretendida perante um adversário que demonstra a mesma convicção em se esquivar,
perde-se frequentemente a qualidade e elegância da argumentação.
7
eloquência, o bem-falar, é a verdade dessa retórica em que aquele que fala possui a
legitimidade e a autoridade moral para fazê-lo”19. Na área jurídica, estas três componentes
radicam no género judiciário20, o qual determinará se uma ação é ou não justa, revelando-
se o páthos nas paixões e emoções despertadas no auditório e que o leva a uma das duas
conclusões.
19
Vide MAYER, Michel, cit., p. 22-23, sobre o pensamento aristotélico. A linguagem é apenas uma das
componentes do logos, juntamente com o discurso e a racionalidade.
20
Como aponta MAYER, Michel, cit., p. 28, a retórica aristotélica compreende três géneros: o epidíctico,
o jurídico e o deliberativo, cada um dos quais encontra diferentes manifestações da tríade éthos, páthos e
logos de acordo com os tipos de decisões inerentes a cada um desses géneros.
21
Os topoi podem ainda ser classificados como universais ou específicos, consoante sejam utilizados
transversalmente por qualquer ciência ou apenas por determinadas ciências, vide HAYASHI, Renato, Os
topoi do entimema Aristotélico: alicerces da argumentação jurídica, in A retórica de Aristóteles e o
Direito: bases clássicas para um grupo de pesquisa em retórica jurídica, ADEODATO, João Maurício
(Org.), Curitiba, Editora CRV, texto disponível em
https://www.academia.edu/31142708/A_RETÓRICA_de_ARISTÓTELES_e_o_DIREITO_Bases_clássic
as_para_um_grupo_de_pesquisa_em_retórica_jurídica [2/12/2022], p. 69.
22
O entimema omite uma das partes que constituem o silogismo – premissa maior, premissa menor ou
conclusão. Vide HAYASHI, Renato, cit., p. 70: “Apesar de ser um silogismo o entimema não se confunde
com o silogismo subsuntivo, pois este possui obrigatoriamente uma estrutura formada por três partes:
premissa maior, premissa menor e conclusão. A inferência do silogismo subsuntivo é de forma dedutiva,
ou seja, parte-se do geral para o particular.”
8
comunidade – os já mencionados topoi, que adquirem uma função calibradora dos
processos de argumentação. Ora, a busca de respostas no Direito recorre-se desses topoi.
À fundamentação da sentença25 estará implícito o uso dos topoi, uma vez que, como
já estabelecido, os mesmos têm na sua génese uma intenção persuasiva em virtude da sua
própria estrutura racional.
23
ALEXY, Robert, Teoria da Argumentação Jurídica, Trad. de Zida Hutchinson Schild Silva, 2ª edição,
São Paulo, LANDY, 2001, p. 218.
24
HAYASHI, Renato, cit., p. 87.
25
Para ver aplicado um dos topoi aristotélicos, na forma de argumento a contrario sensu aplicado a lacunas
da lei, veja-se, a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/1/1996, Proc. n.º
004336 (CARVALHO PINHEIRO).
26
A propósito do descrédito de Kant pela retórica, veja-se ROHDEN, Luiz, O Poder da Linguagem: A arte
retórica de Aristóteles, Porto Alegre, EDIPUCRS, 1997, p. 184.
9
os raciocínios analíticos de Aristóteles27. O seu principal contributo computa-se ao
recurso à racionalidade retórica para deliberar de questões controvertidas e persuadir
acerca da validade de determinada escolha28. Pois bem, que realidade melhor espelhará
os resultados de uma aplicação da nova retórica senão a jurídica? Aquilo que mais trata o
Direito são questões controvertidas.
Decorre de tudo isto uma renovada lógica formal30 preconizada em conjunto com
OLBRECHTS-TYTECA que culmina no ‘Tratado da Argumentação’ ao qual iremos
chegar. Partindo da verificação de uma ausência da lógica específica dos juízos de valor,
os dois viram-se confrontados com a realidade de que, perante questões controvertidas,
na sua discussão e deliberação, frequentemente se recorria a técnicas argumentativas. Se
é certo que se ‘impõe’ ao juiz chegar a conclusões equitativas, razoáveis, como poderão
elas ser alcançadas nos casos de “noções eminentemente controvertidas”? O
‘prolongamento’ da controvérsia persiste apenas na falta de métodos de discussão dotados
de objetividade, como serão aqueles em que se decide sobre o justo ou o injusto; nestes
casos, a resposta passa pelo recurso a métodos dialéticos e retóricos, raciocínios que
27
Considera-se que Perelman foi pioneiro na recuperação dos ensinamentos aristotélicos para os estudos
da retórica, porquanto estes não despertavam grande interesse nos filósofos seus contemporâneos.
28
PIERETTI, Antonio, I Quadri socio-culturali della “Retorica” di Aristotele, s/d, Edizione Abete Roma,
p. 3-4.
29
PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica: Nova Retórica, Trad. de Vergínia K. Pupi, São Paulo, Martins
Fontes, 2000, p. 135-147.
30
Não obstante o uso desta conceção, veja-se o que diz ATIENZA, Manuel, cit., p. 74-75: “a lógica jurídica
não é, para Perelman, um ramo da lógica formal aplicada ao Direito, porque os raciocínios jurídicos não
podem absolutamente ser reduzidos a raciocínios lógico-formais (…), sendo na verdade (…) um ramo da
retórica: a argumentação jurídica é, inclusive, o paradigma da argumentação retórica”.
10
visam “estabelecer um acordo sobre os valores e sobre [a] sua aplicação, quando estes
são objeto de uma controvérsia”31.
Por outro lado, é quase como dogmática a ideia de que o orador deve ele próprio
adaptar o seu discurso ao auditório, moldando a argumentação às suas circunstâncias.
31
PERELMAN, Chaïm, cit., p. 138-139.
32
PERELMAN, Chaïm, OLBRECHTS-TYTECA Lucie, Tratado de Argumentação, Trad. de João Duarte,
Liaboa, Instituto PIAGET, 2006, p. 25.
33
ALEXY, Robert, cit., p. 130.
34
PERELMAN, Chaïm, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie, cit., p. 28.
11
Como há o orador de se adaptar à multiplicidade possível de auditórios, dotados de
características e particularidades distintas? A procura por uma objetividade na
argumentação, pela construção de uma técnica argumentativa transversal a todos os
auditórios, implica necessariamente a distinção entre ‘persuasão’ e ‘convencimento’:
“propomo-nos chamar persuasiva uma argumentação que só pretende ser válida para um
auditório particular e chamar convincente aquela de que se espera que obtenha a adesão
de todo o ser dotado de razão”35.
Aquilo a que habitualmente se chama o senso comum consiste numa série de crenças aceites
no seio de uma sociedade determinada e que os seus membros presumem partilhadas por
todos os seres racionais. Mas ao lado dessas crenças, existem acordos, próprios aos adeptos
de uma disciplina particular (…). Esses acordos constituem o corpo de uma ciência ou de
uma técnica, podem resultar de certas convenções ou da adesão a certos textos, e caracterizam
certos auditórios36.
Uma vez que a área central deste trabalho é, indubitavelmente, o Direito, e porque
a argumentação em que nos temos focado tem propósito persuasivo, cumpre olhar para a
relação orador-auditório no sentido de um auditório particular, aquele com interesse nas
questões jurídicas37. O auditório jurídico caracteriza-se pela sua linguagem técnica
específica, própria dos seus intervenientes e que se diferencia da linguagem quotidiana38
utilizada pelos demais, membros de um auditório mais geral.
35
PERELMAN, Chaïm, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie, cit., p. 36.
36
PERELMAN, Chaïm, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie, cit., p. 111.
37
É certo que, se considerarmos – corretamente – que o juiz procura persuadir um auditório, o mesmo pode
ser concebido em três níveis: o auditório constituído pelas partes integrantes no litígio, aquele composto
pelos profissionais jurídicos e, finalmente, a opinião pública, portanto, a sociedade no seu todo.
Eventualmente, poderá existir ainda um último auditório específico, se tomarmos os casos em que é também
intenção do juiz alcançar, com a sua argumentação, a atenção da comunicação social.
38
Destaca-se aqui a consideração dos autores acerca da linguagem jurídica, quando estes afirmam que, na
disciplina jurídica, não obstante ser comum a utilização técnica de termos da linguagem corrente, acabam
por continuar a ser estranhos, herméticos, aos seus não iniciados, porquanto pressupõe conhecimentos,
regras e presunções dos quais estes não são dotados, dificultando a compreensão dos textos jurídicos, vide
PERELMAN, Chaïm, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie, cit., p. 111.
12
advogados, não se encontram familiarizados com os demais termos da linguagem
jurídica, pelo que deve o próprio juiz moldar a sua técnica argumentativa de modo a
simultaneamente satisfazer os auditórios visados – deve existir uma alquimia
argumentativa.
Por outras palavras, a atividade decisória do juiz deve ser motivada tendo no seu
horizonte os auditórios que visa persuadir, obrigatoriamente interpretando o sistema
partindo de técnicas já estabelecidas e recorrendo-se de uma lógica informal que justifica
a ação e lhe permite chegar a uma solução razoável, que gere consenso. Para melhor
compreensão deste processo, Perelman e Obrechts-Tyteca oferecem um exemplo, o qual
diz respeito àquilo que deve ser tido como um facto.
O que é admitido como um facto de senso comum pode estar privado de toda a consequência
jurídica. É por isso que o juiz «de modo algum está autorizado a declarar que um facto consta
do processo, apenas por ter adquirido pessoalmente, fora do processo, conhecimento positivo
do mesmo». A intervenção do juiz arriscar-se-ia a modificar as pretensões das partes, ora são
as partes que, no quadro da lei, determinam o processo 39.
Efetivamente, para um jurista, aquilo que deve ser considerado como um facto é
aquilo que os textos – da lei – permitem ou exigem que seja tratado como tal, e não aquilo
que pode ter “pretensões ao acordo do auditório universal”40.
39
PERELMAN, Chaïm, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie, cit., p. 114.
40
Sobre o auditório universal, veja-se PERELMAN, Chaïm, OBRECHTS-TYTECA, Lucie, cit., p. 39-43.
41
Para uma diferenciação entre lógica, dialética e retórica, vide AQUINHO, Sérgio Ricardo Fernandes, cit.,
p. 72.
42
ATIENZA, Manuel, El derecho como argumentación. Barcelona, Ariel, 2006, p. 248-260.
43
KOCH, Ingedore Grünfeld Villaça, Argumentação e Linguagem, São Paulo, Cortez, 2002, p. 17.
13
No escopo do Direito, veja-se aquilo que diz GUIMARÃES44, recuperando as
ideias de PETRI, que sustenta o discurso jurídico na sua argumentação e o classifica como
sendo constituído de estratégias baseadas em valores que, no fundo, são meros pretextos
para fundamentar enunciados normativos.
Por outro lado, não se descura o contributo destes dois autores na edificação de uma
nova retórica, contudo, a sua teoria não existe sem críticas. A mais relevante no seio do
nosso trabalho será a que vem invocada por ATIENZA, especificamente virada para o
Direito:
[O] facto de Perelman situar o centro de gravidade do discurso jurídico no discurso judicial
e, em particular, no discurso dos juízes das instâncias superiores, supõe a adoção de uma
perspetiva que distorce o fenómeno do Direito moderno (se se prefere, do Direito dos Estados
pluralistas, quer dizer, dos Estados capitalistas democráticos), na medida em que atribui ao
elemento retórico – ao aspeto argumentativo – um peso maior do que ele realmente tem46.
Talvez seja de concordar com o facto de o Direito do Estado moderno estar agora
mais associado à institucionalização da função jurídica e a um foco na aplicação efetiva
dos meios de coação, deixando o discurso jurídico para segundo plano. Não obstante, a
tendência ainda atual centra-se numa intenção de informalização da justiça, porventura
atendendo à sua linguagem elítica, o que poderá novamente atribuir novo palco à retórica
jurídica47.
44
GUIMARÃES, Doroti Maroldi, O Uso dos Argumentos na Prática do Direito, in Direito e
Argumentação, CORRÊA Leda (Org.), São Paulo, Manole, 2008, p. 142.
45
ATIENZA, Manuel, cit., p. 90.
46
ATIENZA, Manuel, cit., p. 87.
47
SANTOS, Boaventura de Sousa, O discurso e o poder, ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica,
Coimbra, 1980 (separata do número especial do boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Teixeira Ribeiro, 1979), p. 91.
14
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A interligação dos conceitos de linguagem, retórica e argumentação poderá não
parecer tão evidente ao olho nu, contudo, verificou-se o modo como todas estas conceções
influenciam as atividades mais dependentes do discurso, como se reconhece ser o Direito.
15
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert, Teoria da Argumentação Jurídica, Trad. de Zida Hutchinson Schild
Silva, 2ª edição, São Paulo, LANDY, 2001.
PEIRCE, Charles Sanders, The Basis of Pragmatism, Harvard, Harvard University Press,
1902.
PERELMAN, Chaïm, Lógica Jurídica: Nova Retórica, Trad. de Vergínia K. Pupi, São
Paulo, Martins Fontes, 2000.
16
PERELMAN, Chaïm, OLBRECHTS-TYTECA Lucie, Tratado de Argumentação, Trad.
de João Duarte, Liaboa, Instituto PIAGET, 2006.
PETRI, Maria José Constantino, Manual de Linguagem Jurídica, 2ª edição (2ª tiragem),
São Paulo, Editora Saraiva, 2010.
17