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Uso de óleos essenciais


como alternativa para
anestésicos sintéticos na
aquicultura
Eduardo da Silva*, Gabriel Deschamps, Adolfo Jatobá, Delano Dias Schleder, Artur
de Lima Preto, Fernanda Guimarães de Carvalho, Jaqueline Inês Alves de Andrade,
Carlize Lopes e Robilson Antonio Weber
Laboratório de Aquicultura
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense - IFC, Campus Araquari
Araquari, SC
*eduardo.silva.pr.em@gmail.com

A
anestesia geral tem sido utilizada em huma- utilizada, onde o fármaco é absorvido pelas brânquias
nos desde a década de 1840. Entretanto, e transportado via corrente sanguínea até o sistema
apenas foi introduzida na piscicultura em nervoso central (SNC), promovendo depressão do-
1930, quase um século depois (Hoskonen e Pirho- se-dependente e levando a um estado de anestesia
nen, 2004), de modo a facilitar os manejos realizados, induzida (Ross e Ross, 2008; Summerfelt et al., 1990).
e desde então, o uso de anestésicos vem sendo pre- Vários produtos químicos sintéticos vêm sendo uti-
conizado numa escala cada vez maior na aquicultura. lizados com função anestésica na aquicultura, sendo os
Anestesia pode ser definida como a perda geral ou mais comuns: MS222 (metanosulfonato de tricaína),
parcial da sensibilidade a estímulos externos, ou seja, a benzocaína, quinaldina, metomidato, 2-fenoxietanol
perda da capacidade de resposta a esses estímulos por (Ross e Ross, 1999; Hoskonen e Pirhonen, 2004; Oli- JAN/FEV 2019
intermédio de agentes químicos ou físicos (Summer- veira et al., 2009). Entretanto, alguns produtos podem
felt et al., 1990), e é exatamente isso que se busca em oferecer riscos ao manipulador e meio ambiente, além
um procedimento invasivo ou estressante. A ação de de necessitar um período de carência ao consumo do
anestesiar pode ser executada de duas maneiras, por peixe exposto (Summerfelt et al., 1990) e apresentar
via injetável ou por meio da imersão dos peixes em dificuldade em ser adquirido ou ainda, apresentar alto
uma solução anestésica, esta última mais difundida e custo de aquisição (Roubach e Gomes, 2001).

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Anestésicos alternativos
Nos últimos anos, pesquisas para avaliar produtos Seguindo a linha de produtos naturais, os extrativos
alternativos foram intensificadas (Weber et al., 2009; vegetais tem papel fundamental no avanço das pesqui-
Hajek, 2011; Silva et al., 2012; Zeppendfeld et al., sas, visto que alguns óleos essenciais (OE’s) já estão
2014; Parodi et al., 2014; Boijink et al., 2016; Ribeiro bem estabelecidos, como é o caso dos compostos eu-
et al., 2016; Barbas et al., 2017) com intuito de buscar genol e o mentol, provindos principalmente do óleo
uma anestesia (produto/técnica) adequada e que não de cravo (Eugenia caryphollata) e da menta (Mentha
possuísse inconvenientes. sp.), respectivamente (Ross e Ross, 1999; Hoskonen
e Pirhonen, 2004; Oliveira et al., 2009). Além destes,
Alguns dos motivos mais relevantes que justifica-se
nos últimos anos a pesquisa tem apesentado outras
estudar o uso de agentes anestésicos é o apelo rela- opções de OE’s como a Lúcia-lima - Aloysia tryphi-
cionado ao bem-estar animal por parte do mercado la (Gressler et al., 2012; Teixeira et al., 2017), erva
consumidor, que cada vez mais exige um produto com cidreira brasileira - Lippia alba (Cunha et al., 2010;
selo de comprovação dessa natureza (Simões e Go- Becker et al., 2012), melaleuca - Melaleuca alternifolia
mes, 2009), além das exigências das Comissões de Éti- (Correia et al., 2018), alfavaca - Ocimum gratissimum
ca no Uso de Animais, que requerem gradativamente (Silva et al., 2012), jambú - Spilanthes acmella (Barbas
menos situações estressantes e dolorosas aos indiví- et al., 2016; 2017), apresentando resultados bastante
duos utilizados em experimentos. satisfatórios, conforme vemos à seguir:
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• Cravo da índia
O cravo-da-Índia (Eugenia caryphollata), como popularmente é
conhecido, é uma árvore aromática nativa da Indonésia que per-
tence à família Myrtaceae (Frutuoso et al., 2013). O óleo de
cravo é muito utilizado na aquicultura, teve sua atividade anes-
tésica comprovada em diversas espécies como a Amphiprion
clarkii, 50 µL L-1 (Correia et al., 2018); Arapaima gigas, 30
mg L-1 (Honczaryk e Inoue, 2009); Solea senegalensis, 30
mg L-1 (Weber et al., 2009); Astyanax altiparanae, 50 mg
L-1 (Pereira-Da-Silva et al., 2009); Brycon hilarii, 100 mg
L-1 (Fabiani et al., 2013); Centropomus parallelus, 37,5 mg
L-1 (Souza et al., 2012); Oncorhynchus mykiss, 25 mg L-1
(Cotter e Rodnick, 2006); Oreochromis niloticus, 80 mg L-1
(Deriggi et al., 2006); Piaractus mesopotamicus, 50 mg L-1
(Gonçalves et al., 2008); Rhamdia quelen, 20 mg L-1 (Cunha
e Rosa, 2006). Sabe-se que o Eugenol (principal componente),
deprime o SNC, atuando como anestésico e analgésico (Correia
et al., 2018).

• Menta
A menta (Mentha sp.) pertence à família Lamiaceae e suas es-
pécies são popularmente conhecidas como menta e hortelã. O
óleo essencial de menta também já é uma realidade na anes-
tesia em peixes, visto que há um número considerável de
pesquisas comprovando sua eficácia anestésica em diversas
espécies: Centropomus parallelus, 150 mg L-1 (Souza et al.,
2012), Oreochromis niloticus, 250 mg L-1 (Simões e Gomes,
2009), Piaractus mesopotamicus, 100 mg L-1 (Gonçalves et
al., 2008), Salminus brasiliensis 60 mg L-1 (Pádua et al., 2010).
Seus componentes ativos, com propriedades anestésicas, são
o mentol e o cineol (de Oliveira Hashimoto et al., 2016). En-
tretanto, para Simões e Gomes (2009) o mentol não deve ser
considerado o anestésico de escolha para Oreochromis niloticus
por causar uma hiperglicemia, configurando estresse.

• Gênero Aloysia
É comumente encontrado na América do Sul, Norte
e Europa. Pertence à família Verbenaceae e as espécies JAN/FEV 2019

mais utilizadas para aplicação na aquicultura como anes-


tésicos são a A. triphylla, A. gratissima e A. polystachya
(Hoseini et al., 2018). Vários estudos comprovaram o
efeito anestésico da Aloysia spp. em várias espécies de
peixes: O. niloticus, 80 μL L-1 (A. triphylla; Teixeira et
al., 2017); R. quelen, 135 mg L-1 (A. triphylla; Gressler
et al., 2012); R. quelen, 100 μL L-1 (A. triphylla; Parodi
et al., 2014); P. orbignyanus, 270 mg L-1 (A. gratissima;
Benovit et al., 2012); R. quelen, 300 mg L-1 (A. gratissi-
ma; Benovit et al., 2015); E. marginatus, 100 μL L-1 (A.
polystachya; Fogliarini et al., 2017).

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• Lippia
A Lippia alba é uma planta originária da América do Sul e Cen-
tral. Tem em seu óleo essencial como principais componentes
o linalool, citral e cineole (Toni et al., 2014). Foi utilizada com
êxito como anestésico em Argyrosomus regius (Cárdenas et
al., 2016), Hippocampus reidi (Cunha et al., 2011), R. que-
len (Cunha et al., 2010) e R. quelen (Toni et al., 2014),
respectivamente nas doses de 54 mg L-1, 50 μL L-1, 100
μL L-1 e 150 μL L-1. Em doses baixas, a Lippia alba suprime
a perda iônica e o estresse oxidativo, embora provavel-
mente interfira na excreção de amônia, aumente o gasto
de energia e diminua a atividade da acetilcolinesterase no
cérebro (Azambuja et al., 2011; Becker et al., 2012; Salbego
et al., 2017). Entretanto, em doses altas induz ao estresse
fisiológico e oxidativo (Salbego et al., 2014; Toni et al., 2014).

• Melaleuca alternifolia
Pertencente à família Myrtaceae, a Melaleuca alternifolia se mostra
um bom anestésico para uso em peixes (Hajek, 2011; Correia et
al., 2018). Arbórea nativa da Austrália, conhecida por “tea tree”
(árvore de chá) é muito utilizada na medicina popular, além de
propriedades anestésicas e analgésicas possui características
antifúngicas, antibióticas e anti-inflamatórias. Tem como
principais componentes o terpinen-4-ol e γ-terpineno
(Carson e Riley, 2001; Carson et al., 2006). Foi comprovada
sua atividade anestésica em Amphiprion clarkia (Correia et
al., 2018); Cyprinus carpio L (Hajek, 2011); Rhamdia quelen
(Souza et al., 2018) nas doses de 500 µl L-1, 0,4 mL L-1 e 1000
μL L−1, respectivamente.

• Gênero Ocimum
O Ocimum é uma planta aromática originária da Ásia e Áfri-
ca, utilizada na culinária e no tratamento da ansiedade, tosse e
êmese (Lorenzi & Matos, 2002), pertence à família Lamina-
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ceae, os OE’s do gênero Ocimum proporcionam anestesia


local e possuem atividade depressora do SNC (Pandey et
al., 2014), tem como componentes predominantes o eu-
genol e 1,8-cineole (Barbosa et al., 2007; Boijink et al.,
2016; Ribeiro et al., 2016). O Ocimum americanum supri-
me o aumento nos níveis de cortisol (Hoseini et al., 2018)
quando utilizado como anestésico, porém os níveis de gli-
cose foram encontrados mais elevados (Silva et al., 2015).
O O. americanum já foi utilizado com êxito em R. quelen com
dose de 200 mg L-1 (Silva et al., 2015). O grande protagonista
do gênero Ocimum, ainda é o O. gratissimum. Foi utilizado em
B. cephalus (Ribeiro et al., 2016), C. macropomum (Boijink et al.,
2016), P. orbignyanus (Benovit et al., 2012) e R. quelen (de Lima Silva

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et al., 2012) nas doses de 20, 50, 50 e 30 μL L-1, respec-
tivamente. Entretanto, de Lima Silva et al., (2012) observou
aumento do volume corpuscular médio (VCM) e hemoglobina
corpuscular média (HCM), além de hiperamonemia e hipergli-
cemia. Acredita-se que o mecanismo ao qual o OE faz uso para
causar anestesia são os receptores GABA α-benzodiazepínicos
(de Lima Silva et al., 2012).

• Spilanthes acmella
A Spilanthes acmella pertence à família Asteraceae e é
comumente encontrado na América, África e Ásia. A varie-
dade oleracea é conhecida popularmente como Jambú e é
uma erva típica da região norte do Brasil. Acredita-se que
o composto com potencial anestésico contido na planta
seja o spilantol (Nomura et al., 2013). Com 20 mg L−1
é capaz de induzir à anestesia no Colossoma macropomum
(Barbas et al., 2016). Segundo Barbas et al. (2016), durante
a recuperação causa algumas alterações fisiológicas leves no
sangue.

Figura 1. Uso de anestésico em peixes: a) Peixe ainda consciente; b) e c) Peixe sedado apresentando perda de equilíbrio.
© Eduardo da Silva

A. B.

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Conclusão
C. É possível concluir que atualmente os óleos essen-
ciais já são uma realidade implantada no universo dos
anestésicos disponíveis para uso na aquicultura, e mui-
tas são as alternativas com eficácia anestésica já com-
provadas e seguras.

Consulte as referências bibliográficas em


www.aquaculturebrasil.com/artigos

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