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Murilo Cleto1
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Doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná – bolsista Capes.
murilopcleto@gmail.com
“Brasil: a Última Cruzada” é, portanto, parte constitutiva desses esforços.
Dividida em seis episódios, a série documental – concluída em 2018 – mostra bem a
que vieram as novas direitas no Brasil contemporâneo. “Novas” porque, como
demonstra uma leitura atenta da tese de Doutorado da cientista política Camila Rocha
(2018), “’Menos Marx, Mais Mises’: a gênese da nova direita brasileira”, não seria
muito preciso identificar nas lideranças políticas e intelectuais das direitas mais
tradicionais o protagonismo dessa guinada que resultou no impeachment de Dilma
Rousseff e na eleição de Jair Bolsonaro, em 2018.
Segundo Rocha (2018), embora a origem do pacto ultraliberal-conservador em
ascensão nos últimos anos remonte à década de 1940, é no auge do lulismo que ele
ganha os principais contornos do que se vê hoje. 2006, além de ano eleitoral – o
primeiro depois da vitória do PT em 2002 –, também sente os efeitos da primeira grande
crise do governo, o Mensalão. Neste período, também verifica-se um boom significativo
nas plataformas digitais que passaram a funcionar como verdadeiros fóruns.
Esse também é o período em que Olavo passa a ministrar cursos à distância e a
consolidar seu sistema de crenças. Com a escalada da crise política, especialmente após
a reeleição de Dilma Rousseff, os contra-públicos2 digitais ganharam espaço nas ruas,
nos meios de comunicação e no mercado editorial. O slogan “Olavo tem razão” passou
a aparecer nos protestos de rua pelo impeachment. Com a eleição de Bolsonaro, a venda
dos livros do ideólogo multiplicou-se exponencialmente (MONNERAT; SARTORI,
2019). Não seria forçoso admitir, portanto, que há uma afinidade bastante significativa
entre a Brasil Paralelo e o bolsonarismo.
Entre as personalidades que figuram nos vídeos da produtora, diversas são as
que apoiam ou mesmo integram o governo. Os exemplos são vários: Rafael Nogueira,
presidente da Biblioteca Nacional; Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação; e o
próprio Olavo de Carvalho, que embora não exerça cargo algum no executivo federal
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Para Nancy Fraser, os contra-públicos seriam grupos subalternos, formados pela massa de excluídos
pelos limites da esfera pública habermasiana: operários, mulheres, negros, etc. Essa noção é ao menos
ampliada por Camila Rocha através do crítico literário Michael Werner e dos estudiosos da Comunicação
John Downey e Natalie Fenton para sustentar a ideia de que, especialmente com a popularização da
internet, podem compor esses contra-públicos quaisquer grupos que, fora dos espaços consagrados de
produção e difusão de informação, constituíssem um tipo de identidade própria com a finalidade de
estreitar laços e expandir sua atuação. Nesse sentido, são contra-públicos tanto os zapatistas no México de
1994 quanto os negacionistas do Holocausto na Alemanha, por exemplo.
brasileiro, tem servido Bolsonaro com diversos ex-alunos, como Vélez Rodrigues – que
também comandou o MEC – e o assessor para assuntos internacionais da presidência
Filipe Martins, autor de longas cadeias de tuítes em defesa de um ambicioso projeto
direitista de poder (COSTA, 2019).
Foi durante o governo Bolsonaro, inclusive, que “Brasil: a Última Cruzada”
ultrapassou os limites do YouTube e foi parar na TV Escola, emissora vinculada ao
MEC, que o presidente acusou de promover “ideologia de gênero” e “deseducar” com
uma programação “totalmente de esquerda” (MAZUI, 2019). Em 2019, quando era
cogitado para assumir a embaixada brasileira nos EUA, Eduardo Bolsonaro disse que se
preparava para sabatina no Senado estudando com os vídeos da Brasil Paralelo
(ROMANO, 2019).
REFERÊNCIAS
BOSCO, Francisco. BOSCO, Francisco. Da cultura à política. In: _____. A vítima tem
sempre razão?: Lutas identitárias e o novo espaço público brasileiro. São Paulo:
Todavia, 2017. p. 31-54.
COSTA, Ana Clara. Quem é Filipe Martins, os olhos e ouvidos de Olavo de Carvalho
no Planalto. Época, 28 jun. 2019. Disponível em <https://epoca.globo.com/quem-filipe-
martins-os-olhos-ouvidos-de-olavo-de-carvalho-no-planalto-23556449>. Acesso em 04
ago. 2020.
FICO, Carlos; POLITO, Ronald. A história no Brasil (1980-1989): elementos para uma
avaliação historiográfica. Ouro Preto: UFOP, 1992.
ROCHA, Camila. “Menos Marx, mais Mises”: uma gênese da nova direita brasileira
(2006-2018). 232 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2018.