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CENTRO DE HUMANIDADES
CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
FORTALEZA - CEARÁ
2021
WESLEY SOUSA SAMPAIO
FORTALEZA - CEARÁ
2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Sistema de Bibliotecas
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Orientadora: Profª Drª. Mônica Dias Martins (Orientadora)
Centro de Humanidades - CH
Universidade Estadual do Ceará – UECE
________________________________________________________
Profª. Drª. Natália Monzón Montebello
Centro de Humanidades - CH
Universidade Estadual do Ceará – UECE
_________________________________________________________
Prof. Ms. Luís Gustavo Guerreiro Moreira
Universidade Federal do Ceará – UFC
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, Ana Alice Freitas de Sousa, por seu esforço e por acreditar no meu
potencial.
À Prof.ª Dr.ª Mônica Dias Martins por sua generosidade e paciência. Por sua
disposição para ensinar e compartilhar seus conhecimentos.
Our study discusses the relation between memory/forgetfulness and its function of
promoting social cohesion through the creation of subjectivities and collective
identities. This mechanism enables the formulation of discourses that aim to
legitimize values and demands of social and political groups. By appropriating
Benedict Anderson's category of imagined communities, it is interpreted that
nationality is formed aiming to arouse feelings of belonging, fraternity, and
simultaneity among social subjects. The concept of collective memory is also used to
deepen this discussion and to understand the impacts caused by the revisionism on
the Coup of 1964 proposed by the new Brazilian right-wingers. Having as
background a retrospective of the facts that make up the historical event, we seek to
delimit the role of the military in politics taking into consideration the concept of the
State of Exception. It also discusses who the new right-wingers are and their impact
on the formation of the national imagination. To observe this phenomenon, a
comparative methodology is applied on the documentaries Setenta (Emilia Silveira,
2014) and 1964: O Brasil entre armas e livros (Lucas Ferrugem, 2019), which are
used as instruments of analysis to apprehend their narrative divergences and the
respective ideological interests behind the works. In this way, the functionality of
cultural productions to apprehend and study reality is demonstrated. Finally, it aims
to achieve an understanding of power relations and subjectivation as mechanisms of
social cohesion and legitimation of values and interests.
1 INTRODUÇÃO……………………………………………………………………….9
4 O REVISIONISMO………………………………………………………………….69
5 CONCLUSÃO……………………………………………………………………….87
REFERÊNCIA……………………………………………………………………....92
9
1 INTRODUÇÃO
O tema deste trabalho foi concebido por meio de um olhar crítico aprimorado
por essa experimentação, observando manifestações culturais para capturar a
relação memória/esquecimento com a constituição de narrativas históricas e seu
efeito na formação de uma consciência coletiva.
No dia 02 de abril de 2019 uma reportagem chamava atenção por afirmar que
um “filme pró-golpe militar” fora exibido devido a um erro nas salas de uma rede de
cinema em cinco cidades do país1. O que mais incomodava na notícia era a data do
seu lançamento, 31 de março de 2019, quando se completava 55 anos do golpe de
1964. A nota de esclarecimento da rede Cinemark emitida no dia 1º de abril,
assegurava que além de ter sido um erro, a empresa não se envolvia com questões
político-partidárias. Essa fala despertou críticas de diferentes vertentes políticas, e
resultou em proposta de boicote à distribuidora de cinema e acusações de censura2.
O objeto dessa discussão foi o documentário da produtora gaúcha Brasil Paralelo3,
1
"Filme pró-golpe militar foi exibido por erro, informa Cinemark". Folha de S. Paulo. Disponível em
<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/04/filme-pro-golpe-militar-foi-exibido-por-erro-informa-ci
nemark.shtml>. Acesso em 01 de março de 2021.
2
"Cinemark exibe filme pró-ditadura, pede desculpas e gera polêmica na internet". Brasil
Econômico. Disponível em
<https://economia.ig.com.br/empresas/2019-04-02/cinemark-exibe-filme-pro-ditadura-pede-desculpas-
e-gera-polemica-na-internet.html>. Acesso em 01 de março de 2021.
3
A Brasil Paralelo (nome fantasia para LHT HIGGS Produções Audiovisuais LTDA), é uma empresa
fundada em Porto Alegre, em 2016. Entre suas produções estão documentários, filmes, séries,
trilogias, cursos e podcasts. A Empresa também é responsável por distribuir, lançar e comercializar
10
intitulado 1964: O Brasil entre armas e livros, que visa apresentar uma narrativa
revisionista dos eventos que levaram ao golpe e dos fatos que marcaram os 21 anos
de governos militares.
Três anos antes, o país havia enfrentado seu segundo impeachment desde a
redemocratização; Dilma Rousseff foi afastada da presidência e sua queda
representou o fim do ciclo do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder executivo4.
Escândalos de corrupção novelizados diariamente por meio do acompanhamento
midiático da operação lava-jato, crescimento de produções culturais de teor
revisionista, manifestações nas redes sociais e protestos de rua como as
emblemáticas jornadas de junho de 2013, são exemplos do cenário que culminou na
derrocada do PT, em particular, e na insatisfação com a política, de modo geral.
seus produtos, além de oferecer assinaturas aos membros de sua comunidade. Seus conteúdos são
voltados aos aspectos sociais, políticos e econômicos brasileiros.
4
"Queda de Dilma sela fim da era PT no poder". El País Brasil. Disponível em
<https://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/31/politica/1472649402_496679.html>. Acesso em 01 de
março de 2021.
5
"Eles saíram das ruas direto para as câmaras municipais". El País Brasil. Disponível em
<https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/04/politica/1475609311_351060.html>. Acesso em 01 de
março de 2021.
11
6
"Governo Bolsonaro ganha aval da Justiça para celebrar o golpe de 1964". O Povo. Disponível em
<https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2021/03/17/governo-bolsonaro-ganha-aval-da-justica-para
-celebrar-o-golpe-de-1964.html>. Acesso em 18 de março de 2021.
12
7
Lucileide C. Cardoso (2011) relata celebrações dos militares sobre os episódios ocorridos em 1964,
abordando suas justificativas para o golpe contra uma "revolução comunista" e para a estruturação do
regime militar que durou até 1984-85. Apresenta os materiais de sua pesquisa como “lugar de
memória” afetivo e de respaldo às declarações que atribuem aspectos positivos à conduta adotada
durante este período histórico.
14
Silveira, e o já citado 1964: O Brasil entre armas e livros (2019) da produtora Brasil
Paralelo.
Para entender esta disputa pela história, iremos fixar nossa atenção sobre os
eventos de 1964 na nação brasileira e como estes são lembrados na
contemporaneidade. Porque é importante dominar a narrativa sobre 1964? Quais os
impactos de uma ou de outra perspectiva para a compreensão da história? Como
isso pode influenciar na construção de uma consciência coletiva?
17
Como definir o que é uma nação? Existe uma verdadeira mitologia que
compõe o significado do termo e sua aplicação no campo teórico e na prática
política. Em sua trajetória histórica ele adquire diferentes significados e recebe
atributos correspondentes ao contexto do seu locutor ou no qual é apreendido. Não
há um consenso que apresente um conceito definitivo e universal. Segundo Otto
Bauer, apesar de sua necessidade certa e, até mesmo no inflamar de conflitos
nacionalistas no correr da história, não nos deparamos como uma teoria satisfatória
sobre o que é nação; apenas constatamos o romantismo que a envolve, os afetos
que alimentam as ideologias nacionais em todo o mundo e a emoção que nutre os
sujeitos que a constituem (BAUER, 2000).
8
Comunidades Imaginadas foi originalmente publicado em 1983, sofrendo revisões do próprio autor
em 1991, recebendo adesões e correções como a inclusão do capítulo Senso, mapa e museu.
19
10
Com “Revoluções do ‘velho mundo’” me refiro às revoluções ocorridas na Europa e que consistem
em transformações drásticas na cultura, economia e política. Estas são a Revolução Francesa
(1789-1799) e a Revolução Industrial que data dos séculos XVIII e XIX.
22
Aos membros das comunidades nacionais, por meio dos censos são
atribuídos substantivos que os definem quanto a fatores étnicos, religiosos,
linguísticos, econômicos, etc. É posto em prática um sistema classificatório que visa
coordenar e controlar a população de um determinado território. Nota-se uma ação
simultânea entre os censos e mapas, imaginando limites físicos que delimitam “até
onde se é” de uma ou outra nacionalidade, e “quem” se é, ou deixa-se de ser dentro
dos limites da nação.
Podemos decifrar um pouco da natureza desse amor político nas formas com
que as línguas descrevem o seu objeto, seja em termos de progenitura
(motherland, Vaterland, pátria) ou de lar (Heimat ou tanah air [“terra e água”,
expressão dos indonésios para o seu arquipélago natal]). Os dois
vocabulários designam algo ao qual se está naturalmente ligado. (Ibidem, p.
201).
Gopal Balakrishnan (2000), diz que a sociedade moderna não é uma "jaula de
ferro" weberiana. Por mais que a complexificação das relações humanas seja nítida,
ao contrário de um "desencantamento do mundo", as nações possibilitaram o
reencantamento a partir da constituição de uma "divindade cívica". O
reconhecimento do poder imanente dos corpos sociais possibilita o estímulo de
artefatos simbólicos próprios do Estado secular. O "culto aos ancestrais" moderno é
a divinização do túmulo do soldado desconhecido. Estes novos "santos
martirizados", são arquétipos da mitologia da origem nacional, despertam a conexão
entre os sujeitos através do elemento semiótico do romantismo intrínseco que
alimenta o amor à pátria ou à terra-mãe. Esse martírio é o que possibilita os atos
violentos citados por Renan.
(...) Durante o curso de minha vida, o grupo nacional de que fazia parte foi o
teatro de um certo número de acontecimentos, dos quais digo que me lembro,
mas que não conheci a não ser pelos jornais ou pelos depoimentos daqueles
que deles participaram diretamente. Eles ocupam um lugar na memória da
nação. Porém eu mesmo não os assisti. Quando eu os evoco, sou obrigado a
confiar inteiramente na memória dos outros, que não vem aqui completar ou
fortalecer a minha, mas que é a única fonte daquilo que eu quero repetir.
Muitas vezes não o conheço melhor, nem de outro modo, do que os
acontecimentos antigos que ocorreram antes de meu nascimento. Carrego
comigo uma bagagem de lembranças históricas, que posso ampliar pela
conversação ou pela leitura. Mas é uma memória emprestada e que não é
minha (...). (HALBWACHS, 1990, p.54).
para configuração de algo maior, exterior, anterior e coletivo. Contudo, isto forma-se
de lembranças ou pensamentos individuais. Só o exercício do pensar autônomo,
traça o pensar coletivo e torna possível "imaginar" a comunidade, atribuir-lhe
símbolos e significados, dando-lhe substância e consequentemente uma memória
comungada. Em suas dimensões físicas, as comunidades estabelecem limites e
determinam mecanismos que os legitimam, nos quais se pode pensar o coletivo.
Falamos sobre o que Anderson nos apresentou como censos, mapas e museus
(ANDERSON, 2008).
A documentação dos fatos é o que resta após a total perda dos sujeitos que
os vivenciaram. A experiência e suas percepções são extraídas e não podem mais
ser compartilhadas integralmente, ainda são lembradas, mas não dotadas
necessariamente de sentimento.
Isto abre espaço para pensar a composição dos cenários ditatoriais. Agamben
nos apresenta a linha tênue entre o que pode ser chamado de ditadura
constitucional que visa por meio de qualquer medida necessária restabelecer a
ordem, e a ditadura inconstitucional, definida pela derrubada da constituinte. Mas
quais os processos que diferenciam uma modalidade e outra? Devem-se considerar
as medidas excepcionais aplicadas em resposta às irregularidades que levam à
tomada do poder. Como citamos no exemplo do golpe de 1964, pairava o discurso
de que para garantir a ordem os militares revolucionários reivindicaram o executivo
com o intuito de em pouco tempo, devolver o governo aos civis através de eleições.
Contudo, alterações foram feitas à legislação eleitoral em um primeiro momento por
meio de instrumentos normativos excepcionais, instituindo eleições indiretas para
governador e presidente (GOMES; MATOS, 2017, 1772). Mais alterações foram
feitas, instituídas pelos AI’s, sendo o AI-5 (1968-1978) considerado o marco da
ditadura militar.
Giorgio Agamben (2004) cita Rossiter e seu estudo sobre ditadura, contudo,
ressalta que mesmo apresentando 11 critérios que distinguem ditaduras
constitucionais de ditaduras inconstitucionais, o pensador em momento algum pode
estabelecer uma distinção substancial entre ambas. A excepcionalidade mostra-se
como regra no que tange a soberania do Estado nacional e sua essência
democrática. Paradoxalmente, para defender o livre exercício da democracia,
justifica-se o uso de aparatos antidemocráticos, legitimando paradigmas totalitários.
O que divide opiniões nos estudos sobre o assunto.
12
CUNHA, 2018, P. 26.
13
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1985, P. 55.
39
ação” das Forças Armadas (CORREIA NETO, 2005). Segundo Maria Cecília Spina
Forjaz
Os registros históricos revelam que esta “Política do Exército”14 que visava eliminar
a “política no exército”, não conseguiu se efetivar, sendo documentadas revoltas
constantes e novas formas de conflitos. A proibição da ANL foi seguida pelo levante
de novembro de 1935. Desencadeada pelo Partido Comunista, a tentativa de
insurreição que ficou conhecida por Intentona Comunista, teve como cenário os
quartéis, sendo prontamente sufocada. Outras versões afirmam que a ação
subversiva teria sido incentivada por influências externas vindas de Moscou15.
14
CUNHA, 2018, P. 28-29.
15
Ibidem, P. 30.
16
A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi um movimento político brasileiro fundado em 1932 por Plínio
Salgado. Seu ideário básico consiste no ultranacionalista, corporativismo, conservadorismo e o
tradicionalismo católico de extrema-direita.
41
obter o contingente de tropas que era preciso levou a cúpula das Forças Armadas a
aceitar a voluntariedade de oficiais comunistas que haviam sido punidos em 1935.
Com o fim da guerra, a FEB foi desmobilizada antes mesmo de retornar ao solo
nacional. Vargas foi deposto e a lei de anistia foi acionada, libertando centenas de
presos políticos e possibilitando o retorno de figuras como Prestes. Teve início um
período democrático que se estendeu de 1945 a 1964.
Os anos de 1962, 1963 e 1964 foram marcados pelo rápido crescimento das
lutas populares. A aceleração da luta por reformas estruturais ocorreu a partir
do momento em que Goulart conseguiu, por meio de um plebiscito que lhe
deu esmagadora maioria, derrubar o parlamentarismo impingido pelos
militares. Os trabalhadores sindicalizados, em que pese debilidades evidentes
na sua organização de base, tinham desenvolvido uma ampla capacidade de
mobilização, com a incorporação de um número cada vez maior de sindicatos
às lutas pró ‘reformas de base’ propostas por Goulart. (ARQUIDIOCESE DE
SÃO PAULO, 1985, p. 57).
Este cenário que se estende de 1962 a 1964 é marcado por alta inflação,
reajustes salariais, aumento do custo de vida e a formação das ligas camponesas.
De 1963 a 1964 houve mobilização dos militares como a Revolta dos Sargentos em
setembro de 1963. A alta cúpula das Forças Armadas se organizou para pressionar
Goulart e enfraquecer seu governo. A disciplina e a hierarquia foram meios usados
para minar os grupos simpatizantes da proposta política trazida por Jango, impondo
condições corporativas que contraditoriamente pregavam o “apoliticismo” no interior
da caserna. Enquanto que o Clube Militar hospedou conflitos ideológicos diversos,
embates pela diretoria da entidade entre facções defensoras de uma política
conservadora e agrupamentos nacionalistas (CUNHA, 2018, p. 40-41). As respostas
do governo não fizeram frente significativa e possibilitaram o avanço da direita. A
propaganda anticomunista fomentada por partidos políticos, setores da igreja
católica e, principalmente, pela Escola Superior de Guerra deram forma a “marcha
da família, com Deus, pela liberdade”, que se opunha ao governo de Jango.
Nos quartéis foi despertada uma preocupação com a formação dos cadetes
para assegurar a disciplina e a hierarquia. O Coronel da aeronáutica Sued Castro
Lima, em seu artigo A Formação de Oficiais e a Democracia Brasileira (2018),
apresenta relatos (alguns pessoais) sobre como se estabeleceu o aprendizado para
os oficiais a partir dos anos 1960. Constata que o aperfeiçoamento e a boa formação
dos profissionais são preocupações recorrentes, entretanto, a sistematização
hierárquica e o ensino são mecanismo que sujeitam os cadetes à doutrinação
durante seus anos de estudo alinhando-os a condutas e objetivos políticos e
ideológicos da alta cúpula da instituição (LIMA, 2018). O golpe de 1964 ao invés de
estabilizar o cenário político nacional, possibilitou a formação de uma extrema direita
militarizada e o conflito entre as facções no interior das três Armas.
45
Todos estes grupos poderiam facilmente ser taxados como “terroristas”, o que
facilitava dissociá-los da sociedade civil e aplicar os mecanismos de repressão
necessários. Contudo, devido ao constante controle do governo sobre os
movimentos políticos, sociais e sindicais, a sociedade encontrava voz através dos
movimentos estudantis. Estes movimentos causam riscos à ditadura pela dificuldade
de taxá-los como simples condutas subversivas, devido ao crivo crítico da opinião
pública. Estes movimentos de estudantes são observados desde 1965 (PRIORI, A.,
et al., 2012), girando em torno da iniciativa da União Nacional dos Estudantes
(UNE). “A onda de passeatas teve seu auge no dia 26 de junho de 1968, quando
uma passeata reuniu 100 mil pessoas no Rio de Janeiro. No mês de junho
ocorreram outras 16 passeatas em vários Estados do país” (Ibidem, p. 209). Outros
setores mantiveram constantes manifestações como a intelectualidade com
produções musicais e cinematográficas. Os sindicatos voltam a se manifestar nos
anos de 1970 com o enfraquecimento das políticas econômicas e o descontrole da
inflação.
psíquicos. (SANTOS; COSTA; SILVA, 2012). Sua linguagem também pode ser vista
como um meio de comunicação envolvendo um interlocutor e uma mensagem a ser
compreendida. A interação dos sujeitos leva a formação de enunciados e discursos
cumprindo o papel de estabelecer um contato e transmitir informações.
17
ALMEIDA, Milton José de. Cinema Arte da Memória. Campinas: Autores Associados, 1999.
50
18
Cf. Alzira Alves de ABREU et al (coords.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – Pós-1930. Rio
de Janeiro: CPDOC, 2010. Disponível em:
<http://fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/bucher-giovanni-enrico>. Acesso em: 26
mar. 2020.
53
19
EDITOR, O. Linha do tempo da resistência à ditadura militar no Brasil (1960-1985). Estudos
Avançados, v. 28, n. 80, p. 153-184, 1 jan. 2014.
20
GUEDES, Matheus. Em 1965, o Brasil se alinhava aos EUA em intervenção na República
Dominicana. Acervo O Globo: 21 de maio de 2015.
54
21
“(...) O pau-de-arara consiste numa barra de ferro que é atravessada entre os punhos amarrados e
a dobra do joelho, sendo o ‘conjunto’ colocado entre duas mesas, ficando o corpo do torturado
pendurado a cerca de 20 ou 30 cm do solo. Este método quase nunca é utilizado isoladamente, seus
‘complementos’ normais são eletrochoques, a palmatória e o afogamento. (...)”. ARQUIDIOCESE DE
SÃO PAULO. Castigo cruel, desumano e degradante. In:______. "Brasil: Nunca Mais". Petrópolis,
Vozes, 1985. P. 32.
55
A narrativa do filme deixa claro que seu principal objetivo não é relatar pura e
simplesmente um episódio histórico, mas buscar o reconhecimento de pares,
despertar empatia no espectador e transmitir as sensações, os medos e a angústia
de ser um preso político. É denunciar as injustiças e os crimes cometidos durante a
ditadura e lembrar que o período foi marcado por forte repressão, censura e tortura.
Reinaldo Guarany, ex-guerrilheiro da ALN, narra suas vivências, ora com bom
humor, ora com tom nostálgico. Seu semblante se torna abatido e melancólico ao
recordar a morte de alguns militantes no cárcere e, em particular, de sua
companheira Maria Auxiliadora Lara Barcelos, com quem viveu os anos de exílio.
“Dora”, foi uma guerrilheira integrante da Vanguarda Armada Revolucionária
Palmares (VAR-Palmares), suicidou-se em 1976 ainda durante o exílio na Alemanha
Ocidental. Os relatos de “Guarany” deixam clara a falta de coordenação de grupos
como a ALN e a VAR-Palmares para o desenvolvimento efetivo de atos de guerrilha.
“Quem não era suicida em 1969, já via que não daria. Nós já estávamos em uma
descida alucinante”.
sobre o dia a dia de estar fora, longe de suas famílias e de como faziam para manter
uma vida normal sabendo do que acontecia em sua pátria e tendo de conviver com
as consequências das violências sofridas.
Como exemplo dos males causados podemos citar a fala de Frei Oswaldo
sobre a militância de Frei Tito. O cearense Tito de Alencar passou seus últimos
momentos de vida na França. Aos poucos as marcas da tortura se mostravam cada
vez mais profundas. Ele visualizava seus torturadores, não se sentia seguro. Frei
Tito cometeu suicídio em 1974.
22
Para maior entendimento dessa tese recomendamos a seguinte bibliografia: CARVALHO, (Gal)
Ferdinando de. Os Sete Matizes do Vermelho. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1977.
63
Enquanto isso, por ordem ou pedido da KGB a StB trabalhou, por exemplo,
as ligas camponesas, Francisco Julião. Existia expectativa que pudesse
23
The Ideal Communist City é um livro de autoria de Alexei Gutnov, arquiteto russo. A obra contaria
com um projeto arquitetônico para uma “cidade comunista” idealizada para centralizar o poder político
e afastá-lo da população.
64
surgir uma guerra civil no Brasil. E, para essa casualidade foi organizada uma
operação cujo objetivo era, caso ocorresse essa guerra, que o resultado
dessa guerra fosse canalizado para a esquerda e por esse objetivo foi feito o
contato com Leonel Brizola e ele queria armas, mas os tchecos não
forneceram. Com esse objetivo foi novamente feito contato através de um
brasileiro, um dos generais do exército brasileiro do sul. E foram feitos ainda
alguns contatos com políticos locais, justamente para criar diferentes bases
ou centros através das quais fosse possível ajudar a controlar essa guerra.
É claro, sobre isso já escreveu Ladislav Bittman, desertor da StB, que no ano
de 1968 fugiu para os Estados Unidos e lá revelou segredos da STB. E nós
encontramos confirmação nos arquivos de Praga. (...) E o objetivo foi
justamente comprometer com base em dados não verdadeiros e falsificados,
a política externa americana. Assim como acusar os Estados Unidos da
24
Podemos acompanhar a utilização dessa nomenclatura em: CUNHA, Paulo Ribeiro da. Militares na
política ou política entre os militares: Uma falsa questão? In: BARBOSA, Jeferson Rodrigues, et al.
(Orgs.). Militares e Política no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
65
pela academia, sendo pouco citados nas narrativas que se seguiram anos depois. O
terrorismo de esquerda gerou o cenário de insegurança que deu condições ao uso
da Tortura contra opositores.
A violência física usada por grupos militares passou a ser uma pauta
recorrente no discurso de oposição ao governo, e que teria sido exagerada para
gerar atritos mais intensos. O AI-5 instaurou a ditadura como resposta a pressão do
terrorismo. Contudo, os interlocutores do documentário questionam o uso da
excepcionalidade para combater a oposição civil. Argumentam que mesmo dadas as
circunstâncias, o seu uso se mostra como um grande equívoco e de teor totalitário.
Houve uma ditadura militar a partir de 1968, e o MDB teria optado pela abstenção da
concorrência à presidência como meio de protesto.
A ideologia esquerdista tomou conta não somente das mentes pelas quais
estava direcionada, mas também dos intelectuais, clérigos e professores. Não
eram as massas e sim os líderes e professores das nações, aqueles que tem
o governo sobre as almas.
67
4 O REVISIONISMO
25
Eduard Bernstein (1850-1932) foi um teórico e político membro do Partido Social-democrata da
Alemanha. É conhecido como o primeiro grande revisionista da teoria marxista, desafinado os
preceitos do materialismo histórico e das bases metafísica e dialética de origem hegeliana. Também é
referenciado como fundador do socialismo evolutivo, um dos principais pensadores da
social-democracia e criador do "revisionismo".
70
26
Pierre Emmanuel Vidal-Naquet (1930-2006), foi um historiador e intelectual Francês. De origem
judaica, lutou contra a ocupação nazista na França durante a Segunda Guerra Mundial, e teve os pais
assassinados em Auschwitz depois de serem presos pela Gestapo. Especialista em Grécia Antiga,
Vidal-Naquet também se dedicou em estudar a história judaica, História Contemporânea e a Guerra
da Argélia. Como crítico é reconhecido por se opor ao revisionismo do holocausto, à Guerra do
Vietnã, Guerra do Iraque e à situação dos palestinos na Cisjordânia e em Gaza. Junto a Jean-Marie
Domenach e Michel Foucault, foi responsável por fundar o Groupe d'iformation sur les prisons (GIP)
em 1971, que se preocupava em avaliar as prisões na França.
71
revisionismo não está isento deste propósito. Revisar a historiografia é propor novas
narrativas e deste modo afetar as relações de poder. É imprimir novas sensações à
memória coletiva e transformar a forma como os sujeitos percebem o passado,
vivenciam o presente e projetam o futuro.
Ainda assim, alguns fatos são postos como mitos ou inverdades e na tentativa
de abrandar, nega-se alguns pontos, como nos chamou a atenção a fala trazida à 1
hora e 28 minutos do filme
27
Conceito desenvolvido como resposta à teoria de Jürgen Habermas sobre a formação da esfera
pública. A perspectiva habermasiana, descreve a constituição de um público unificado
correspondente a normativas discursivas estreitas e excludentes que delimitam um campo de debate
democrático. Porém, esta noção desconsidera a ação de públicos alternativos e marginais à
representatividade política, estes passam a ser denominados como Contra-públicos. (ROCHA, 2018,
P. 19).
77
No último capítulo do livro, o autor afirma que “dos 21 anos do regime militar,
dez podem ser considerados uma ditadura”, pois, apenas nesse período (no qual
vigorou o Ato Institucional nº 5) “o Executivo teve plenos poderes e os exerceu de
forma ditatorial” (VILLA, 2014, p. 370). Do mesmo modo, os anos 1964 - 1968 não
podem ser considerados como ditadura nem mesmo através do “sentido da
28
Villa, possui graduação, mestrado e doutorado em história pela Universidade de São Paulo (USP),
é Historiador, escritor, comentarista do Jornal da Manhã da Jovem Pan, Colunista na ISTOÉ, Correio
Braziliense e Estado de Minas, além de contar com a publicação de artigos pelos veículos Folha de
S. Paulo, Estadão, O Globo, La Nación dentre outros, vinte livros de própria autoria e mais doze como
coautor.
29
VILLA, Marco Antonio. Ditadura à brasileira. Folha de S. Paulo. Disponível em
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0503200908.htm>. Acesso em 20 de janeiro de 2021.
80
Villa enfatiza que o cinema e a música não foram “vítimas fatais” da censura,
contando com o Cinema Novo que se referia ao regime em suas produções, e com
festivais de música que consagraram cantores e compositores; O movimento
estudantil, principalmente a União Nacional dos Estudantes (UNE), foi uma das
bandeiras mais ativas contra os governos Castelo Branco e Costa e Silva; por fim, as
liberdades não foram totalmente comprometidas, apesar dos crimes contra os
direitos humanos.
Mesmo os dez anos que são delimitados pela vigência do AI-5 (13 de
dezembro de 1968 a 31 de dezembro de 1978), e aqui defendidos como anos de
ditadura pelo autor, são dignos de ressalvas pela existência de um suposto partido
de oposição e pela ocorrência de eleições. Já os seis anos finais do regime não são
considerados como ditadura. Villa sustenta o argumento baseado na aprovação da
lei de Anistia em 1979. Esse acontecimento possibilitou o reavivamento da política
nacional e o crescimento de movimentos sindicais e de esquerda. Todavia, o que
não é comentado é que a anistia também se aplicou aos militares e que sua
aprovação foi votada com o intuito de apaziguar os conflitos, isentando membros da
caserna e agentes do Estado de crimes contra os direitos humanos.
A legitimidade das urnas era a pedra de toque do regime. Mesmo que certos
setores das Forças Armadas desprezassem a política - identificada com o
passado “corrupto e subversivo”. A diretriz era sempre vencer as eleições. A
vitória era o combustível para a continuidade dos seus postulados, enquanto
se aguardava o momento adequado de devolver o poder aos civis. (Idem).
o livro de Antonio Villa sustentam a narrativa de que o golpe foi uma necessidade e
uma demanda da sociedade civil, com base nos seguintes argumentos:
Giorgio Agamben afirma que entre as duas definições existe uma linha muito
tênue, pois se originam de cenários muito semelhantes, mas a análise aprofundada
possibilita entender suas divergências. Já Stoppino, compreende que estabelecer
essa bivalência é uma proposta muito precipitada e equivocada, pois, as duas
definições não são na realidade tão homogêneas. A história revela que a ditadura
romana se estabeleceu por séculos servindo ao propósito de manutenção da ordem
constitucional. Todavia, o que presenciamos na contemporaneidade, tanto na
Europa como nas Américas, resultou da atuação de governos de crise que atingiram
o extremo oposto, a destruição da ordem instituída.
5 CONCLUSÃO
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