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Diário de uma pesquisa offroad

Chapter · August 2007

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1 author:

Karla Saraiva
Universidade Luterana do Brasil
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A educação do homem endividado View project

Educação e governamentalidade contemporânea View project

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UNIVERSIDADE FEDERAL
m
J..•....
~,
DE ALAGOAS ,
Reitora
Ana Dayse Rezende Dorea INDICE
Vice-reitor
Eurico de Barros Lôbo Filho

Diretora da Edufal
Sheila Diab Maluf
APRESENTAÇÃO 07
Conselho Editori u1
Sheila Diab Maluf (Presidente) Taís Ferreira e Shaula Sampaio
Cicero Péricles de Oliveira Carvalho
Elton Casado Fireman
Roberto Sarmento Lrma
Iracilda Maria de Moura LIma
PREFÁCIO 09
Lindemberg Medeiros de Araújo Maria Lúcia Castagna Wortmann
Leonardo Bittencourt
Eurico Eduardo Pinto de Lemos
Antonio de Pádua Cavalcante
Cristiane Cyrino Estevão Ohveira
1. DIÁRIO DE UMA PESQUISA OFF-ROAD:
análise de textos como problematização
Capa: AmaisD [arquitetura+design] . Flávia Gil c Francisco Sampaio
Diagramaçao: Emanuelly Batista da ilva de regimes de verdade 13
Supervisão gráfica: Márcio Roberto Vierrn de Meio
Karla Saraiva
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central - Divisão de Tratamento Técnico 2. PECURSOS E DESAFIOS nos modos de fazer
Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale
pesquisa na Educação Infantil e nos Anos Iniciais
E74 Escritos metodológicos : possibilidades na pesquisa contemporânea em do Ensino Fundamental 35
Educação I Tais Ferreira, Shaula Maíra Vicentini Sampaio (organiza- ----------------------------------
doras). - Maceió : EDUFAL, 2009. Mirtes Lia Pereira Barbosa
179p.
Rodrigo Saballa de Carvalho
Inclui bibliografia.

I. Pesquisa educacional - Metodologia. 2. Pós-Estruturalismo


3. DELINEANDO DESCAMINHOS:
3. Estudos culturais. I. Ferreira, Tais, org. 11. Sampaio, Shaula Maira discutindo práticas no espaço escolar 55
Vicentini, org.
Ana de Medeiros Arnt
CDU 37.012

ISBN 978-85-7177-512-1
4. PESQUISA EM ESPAÇOS ESCOLARES:
construindo caminhos e possibilidades de olhar 71
Editora afiliada: Anelise Scheuer Rabuske
Oircitos desta edição reservados à
l-duía! - Editora da Universidade Federal de Alagoas Fátima Hartmann
('umpus /I C Snnões,
Iubuleiro do Maruns
I 11",,1 'd"lal'rI'cdllful
BR 104, Krn, 97,6 - Fone/Fax'
- CEP 57.072-970
ufat br - Site: wwwedufal
- Maceió - Alagoa
ufal.br
(82) 3214 IIII

De
ASSOOAÇAQ
fDlTORAS
I
BRASILEIRA
U-.Nf"ANTAAIAS
Tais Ferreira
Shaula Maira Vicentini Sampaio
(organizadoras)

( 01110 de tacou Saraiva, em um dos texto que compõem este


I1 111 l ouhcccr as ferramentas que já foram inventada pode ser útil na

mvcuçao das nossas próprias" (p.9). Os textos aprc sentados neste livro IÁRIO DE UMA PESQUISAOFF-ROAD:
(' pocm muitas dessas "ferramentas"; além di so. propõem articulações
nálise de textos como problematização
com outros campos de conhecimento, passando, além do que é usualmente
cun .cbido como próprio ao âmbito da educação. Dcs: a forma, neles se de regimes de verdade
I -i 11 cntam práticas, ações e entendimentos que conduz m à ampliação
do repertório analítico dos Estudos Culturais, sendo essa uma prática muito
Karla Saraiva
alorizada por aqueles/aquelas que vêm trabalhando sob a inspiração desse
campo. E esses são, certamente, outros motivos que me levam a aconselhar
os educadores e educadoras preocupados/as em imprimir a seu trabalho
LIma dimensão política, que considere as relações de poder que se - O senhor poderia me-dizer, por favor, qual o
estabelecem nas relações materiais e discursivas processadas nas ações caminho que devo tomar para sair daqui?
pedagógicas, que façam uma leitura muito atenta de tais textos. - Isso depende muito de para onde você quer ir
- respondeu o Gato.
- Não me importo muito para onde ...- retrucou
Alice.
Maria Lúcia Castagna Wortmann - Então não importa o caminho que você escolha
- disse o Gato .
.. .contanto que dê em algum lugar - Alice
completou.
Porto Alegre, março de 2007. - Oh, você pode ter certeza que vai chegar -
disse o Gato - se você caminhar bastante.
(Carroll,2006)

Recebi o convite para escrever sobre a metodologia de pesquisa


11111,; venho utilizando em minha Tese de Doutorado -Outros Tempos,
( tutros Espaços: Internet e Educação- com grande satisfação, mas
t.unbém com alguma apreensão. Como escrever sobre algo que está em
onstante transformação? Como indicar um caminho que crio no próprio
ItO de caminhar e que resta apenas como leves sulcos na areia? Após
14 Taís Ferreira I SCRITOS METODOlÓGICOS:
Shaula Maíra Vicentini Sampaio Possibilidades na pesquisa contemporânea em educação 15
(organizadoras)

uma certa perplexidade inicial, resolvi encarar o desafio e narrar um pouco até aí permanecia com as mesmas crenças em relação à forma de realizar
desta experiência de caminhar sem mapa e sem bússola: dos sobressaltos lI~a ~esquisa: descobrir uma questão que fosse relevante, determinar
e delícias que tenho passado nesta viagem em que nunca tenho muita objetivos e escolher uma metodologia para atingi-Ios. Nesse sentido
certeza sobre onde exatamente irei chegar. Somente sei que para chegar pensava que os problemas estavam no mundo esperando que alguém s~
tenho que caminhar bastante ... propusesse a pesquisar uma solução para eles e que essa solução seria
Pensei, então, como tudo teria sido fácil há alguns anos atrás, encontrada po~meio de métodos já existentes que, no máximo, exigiriam
quando ainda desenvolvia pesquisas no campo da Engenharia, mais algu~ aperfeiçoamento para atingir os objetivos. Cabe notar que ao
precisamente na área conhecida como Mecânica Computacional. Desde acreditar ser possível encontrar uma resposta à questão escolhida
o início de um trabalho havia um problema bem delineado e um método cnten~ia que existiam respostas pré-existentes ao próprio trabalho d~
seguro para realizarmos a investigação proposta. Já no anteprojeto a pesquisa, que só não eram conhecidas porque ninguém ainda as
metodologia estava posta e mantinha-se praticamente invariável até o ?
cn.co~t~ara. método para encontrar a resposta estaria baseado em
término do trabalho. pnncrpios científicos, determinando uma solução cientificamente
comprovada e, por conseguinte, verdadeira.
Tudo isso começou a mudar quando, um certo dia, resolvi ler o
livro Vigiar e Punir, de Michel Foucault (1999). Naquele momento, eu " Nessa concepção, os objetos estão no mundo e independem dos
começava a queimar os mapas e soltar amarras, lançando-me numa viagem sujeitos. Cabe ao pesquisador descobrir uma questão relevante e digna
rumo ao incerto e desconhecido. de .serestudada e, posteriormente, encontrar sua resposta, ligando esses
dOISeleme?~os, que seriam pré-existentes ao trabalho de pesquisa. E o
que garant~na que o pesquisador havia encontrado a resposta certa? A
U MA VIRADA EPISTEMOLÓGICA metodologia científica utilizada, fiel guardiã da verdade. .
A partir da leitura da obra de Michel Foucault essas certezas
() tema ti minha pesquisa roi tramado na trajetória que venho começar~ a ruir. Comecei a perceber que o mundo não está povoado
pcrcorr '11(10 dcsd há muito I .mp i, por .aminhos vário, tortos, cheios de questoes e respostas ocultas em cantinhos, aguardando para serem
de intcrru] Ç( 'S, 'lII' a•.•bruscas. I~101 nu minhu própria caminhada que os descobert.a.s. E que a verdade é uma invenção que já ninguém lembra
caminh s Iorum S indo in .ntudos, nptu .ccndo e, por vezes, q~ando fOIinventada. "Como assim?" devem estar se perguntando alguns
desaparecendo de forma urprccndcntc.obri ando-me a parar e buscar leitores. Vamos devagar. Voutentar explicar melhor.
uma nova direção.
Desde 1987 atuo como professorajunto a cursos de Engenharia,
A FABRICAÇÃO DA VERDADE
Em 1994, comecei também a trabalhar em projetos no campo da
Informática na Educação e, em seguida, estive envolvida também com
projetos que tinham por objetivo a melhoria do ensino nos cursos de r ~ar~ ~o.ueault(2003) existem duas histórias da verdade: a primeira
Engenharia. Meu envolvimento e interesse foram crescendo e comecei ~ um~ histona interna, mostrando uma verdade que se corrige e que está
a pensar a possibilidade de fazer um doutorado em Educação. Porém, 111 enda num processo progressivo de aperfeiçoamento, conforme aparece
Taís Ferreira ISCRITOS METODOLÓGICOS:
Shaula Maíra Vicentini Sampaio Possibilidades na pesquisa contemporânea em educação
17
(organizadoras)

história da ciência. A segunda é uma história que toma a verdade em


Ilil sa abordagem formalista buscavam criar instrumentos que descrevessem
11l.!

.uuc:.tcrioridade, procurando compreender sua formação, quais as regras fiele transparentemente o mundo. A partir dessa compreensão, a linguagem
que a definem num determinado momento e como as práticas sociais deve ser aperfeiçoada tendo como meta uma linguagem ideal, cuja
tornam possível a invenção de determinados regimes de verdade, ou seja, racionalidade elimine por completo a ambivalência, permitindo apreender
quais as condições que tornam possível um discurso ser enunciado e de modo preciso a realidade.
considerado verdadeiro num determinado contexto social. Esse conceito formalista de linguagem foi problematizado a partir
A verdade, nessa perspectiva, é produzida nesse mundo graças a de meados do século XX. A obra de Ludwig Wittgenstein pode ser tomada
múltiplas coerções e se desdobra em efeitos sobre ele. Ela se estabelece como um marco nessa ruptura da tradição formalista e do surgimento de
através de lutas pela imposição de significados, ou seja, pela legitimação uma outra noção de linguagem, que a retira da transcendência de uma
das regras que permitem distinguir o verdadeiro do falso (MACHADO, Ii nguagem ideal e a coloca na imanência do fluxo da vida, aceitando sua
2000). "A verdade, espécie de erro que tem a seu favor o fato de não mcompletude e contingência, A segunda fase do trabalho desse filósofo
poder ser refutada, sem dúvida porque o longo cozimento da história a mostra que não existem pontos de apoio para a instituição dos significados
tornou inalterável" (FOUCAULT, 2000, p.19). que estejam fora da linguagem (VEIGA-NETO, 1996). Essa mudança
°
encontro com a obra de Michel Foucault foi para mim,
inicialmente, motivo de desconforto e desassossego; Contudo,
de percepção da linguagem, conhecida como ''virada linguística", faz com
que ela deixe de ser pensada como um recurso para simplesmente descrever
iI realidade e passe a ser entendida como o que constitui aquilo que conta
gradativamente fui percebendo as potencialidades novas que se abriam a
corno realidade para nós.
partir dessa perspectiva (ainda que meu sossego eu jamais tenha
recuperado ...). A noção de verdade como uma invenção datada e Com isso não desejo dizer que não exista nada fora do discurso.
localizada foi talvez o que mais fortemente me marcou e me atraiu quando Não pretendo fugir do formalismo materialista para cair num idealismo
cultural, ou seja, substituir uma forma de reducionismo por outra (HALL,
comecei a estudar o pensamento foucaultiano. Trabalhar a partir de unia
abordagem que não pretende encontrar a verdade, mas que se ocupa em 1')97). ° que tomo como argumento é que toda prática social está
relacionada com a instituição de sentidos. Fatos e objetos só passam a
mostrar seu caráter construído e arbitrário, foi romper com minhas certez~
cartesianas.A insegurança inicial foi sendo substituídapor uma certa alegria rx istir para o sujeito a partir da produção de significados. Esse
de poder pensar de outra maneira, de compreender o mundo de outra -ntendimento não nega a materialidade, mas mostra que os fatos e objetos
forma. A grande verdade, que pesara tantos anos sobre meus ombros, se óestarão inseridos dentro daquilo que chamamos "realidade" a partir
diluía numa miríade de caminhos possíveis. Troquei parte de minha do momento que existam saberes e que se constituam narrativas sobre
segurança por um bocado de liberdade (BAUMAN, 2001). os mesmos.
Essa invenção chamada verdade é tramada através dos jogos de A partir desse entendimento de linguagem é que argumento que os
Ii11 ungem. Na perspectiva em que trabalho, a linguagem não é aquilo que
I objetos de estudos são criações dos pesquisadores, tornadas possíveis a
I prescrita o mundo, mas o que o constitui. Na Modernidade foi criada partir de determinadas redes de significação tecidas dentro de uma
umu percepção da linguagem como o que descreve o mundo, até hoje perspectiva teórica, ou, dito de outro modo, criadas a partir de uma
rinda muito difundida. Os estudos da linguagem que se desenvolveram d 'terminada compreensão da realidade. Ou seja, o quadro teórico sobre
Taís Ferreira
IX ESCRITOS METODOLÓGICOS:
19
Shaula Maíra Vicentini Sampaio POSSibilidades na pesquisa contemporânea em educação
(organizadoras)

I) li ual
cada pesquisador se apóia implica não somente uma forma distinta descrevem uma lenta curva, com descontinuidades e inflexões
de análise, mas também uma forma distinta de perguntar. Numa perspectiva (FOUCAULT, 2002). Esses diferentes enunciados sinalizam diferentes
construtivista, por exemplo, pode-se tentar responder à questão: qual a momentos na minha produção intelectual. Para que eu chegasse a formular
melhor forma de ensinar pela internet? Numa perspectiva foucaultiana essa minha proposta de trabalho foi necessário percorrer um longo caminho,
pergunta perde o sentido. Nesse caso, a própria noção do que seja "ensinar onde se atravessaram múltiplas leituras. Utilizei-me desses subsídios
melhor" deveria ser problematizada. Trabalhar com Foucault significa teóricos como de uma caixa de ferramentas, tomando de cada autor aquilo
produzir estranhamentos em relação ao que parece familiar, de naturalizar que fosse útil para meu trabalho, sempre com rigor e com o cuidado de
o que parece natural. "Existem momentos na vida onde a questão de saber preservar o que fundamenta cada obra. Para muitos pode parecer estranho
se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber que para realizar uma pesquisa que trate da EaD eu tenha utilizado obras
diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a como História da Sexualidade (FOUCAULT, 2001), Adeus ao Corpo
refletir" (FOUCAULT, 2001, p.13). (LE BRETON, 2003) e A Corrosão do Caráter (SENNETT, 2003),
entre outras. Porém, trabalho numa abordagem que não se fixa numa
E foi apoiando-me no trabalho de Foucault e situando-me numa
disciplina e muitas das idéias nasceram a partir de leituras que, num primeiro
perspectiva pós-estruturalista que construí minha Tese. Escolhi como foco
momento, não pareciam ter relações com o tema. Penso que essa é uma
de meu questionamento a Educação a Distância, com o intuito de articular
lição que podemos aprender com a leitura da obra de Foucault: devemos
minhas vivências profissionais com a investigação a ser realizada, o que,
olhar para o entorno de algo se o queremos compreender. Numa
egundo Sommer (2005), é muito comum entre pesquisadores iniciantes.
perspectiva foucaultiana, o que nos interessa não é a ordem interna de um
A proposta de trabalho que criei não seria possível de ser concebida dentro
campo de conhecimento, mas suas relações com a exterioridade. Para
do quadro teórico em que me apoiava anteriormente. Apesar de continuar
liue eu pudesse compreender o que deu condições para o surgirnento das
pensando a Educação a Distância, a adoção de uma abordagem pós-
utuais narrativas sobre a EaD foi preciso estudar as transformações que
e truturalista provocou uma completa mudança nas pro blematizações,
.stão acontecendo na sociedade contemporânea.

Após muitas tentativas, consegui estabelecer as questões centrais


CONSTRUINDO PERGUNTAS til' minha Tese. Assumi como proposta de trabalho problematizar a
nnturalização das certezas presentes nos discursos sobre EaD e verificar
II entrelaçamento de sua emergência com a própria constituição da
Os pressupostos teóricos que deram suporte à investigação que
.ociedade contemporânea. Com isso, elaborei em minha Tese análises
real izci no doutorado fizeram com que eu deixasse de perguntar como
11 IIC apontam algumas descontinuidades entre aquilo que vem sendo
Iorna r mais qualificada a Educação a Distância (EaD) para questionar as
pensado como práticas 1da EaD mediada pela internet e as práticas da
condições que tornaram possível a emergência dessa questão. Qual o
TI) Ia moderna, entendendo essas descontinuidades não como um sinal
I L' ime de verdade e quais os acontecimentos
I que estão implicados no
I 11~'lIlIL'Il(O das narrativas sobre a eficiência dessa modalidade educacional.
I 1111110 práticas no sentido amplo, compreendendo-as, a partir de uma abordagem foucaultiana,
s Iransforrnações de minhas problematizações formam uma série 1I1110 constituídas a partir de elementos discursivos e não-discursivos, Cabe salientar que não
li Illllll i:ldos, que podem ser tomados como pontos que interligados '''"10 as práticas discursivas e não-discursivas como elementos isolados, mas como imbricadas
111 -paráveis como as faces de uma moeda.
Taís Ferreira
20 Shaula Maíra Vicentini Sampaio
I CRITOS METODOLÓGICOS:
21
1'0 Ibllldades na pesquisa contemporânea em educação
(organizadoras)

de progresso, mas como uma outra maneira de pensar a educação. Modos corpus. Construir o caminho durante a viagem contém a excitação da
de pensar que só se tornam possíveis na episteme I contemporânea, que novidade e os perigos do desconhecido. Podemos descobrir que chegamos
\
não estariam na ordem do discurso da sociedade moderna. As análises li um ponto sem saída, um despenhadeiro, uma corredeira e que é

foram realizadas a partir de três eixos: os significados e uso do espaço e 11 cessário voltar e contornar o obstáculo. Arrisca-se o pesquisador em

do tempo, o governamento dos sujeitos e as representações de corpo. desbravar terrenos desconhecidos, mas, para mim, o gosto dessa aventura
.ompensa as facilidades de uma estrada asfaltada.
Quero enfatizar que a perspectiva em que me situo caracteriza-se
por ter uma menor pretensão em seus propósitos. As análises que produzi A escrita desse artigo não pretende apresentar nenhum método
não estão revestidas do status de verdade. É apenas um modo de que possa ser seguido por aqueles que irão se lançar em novas
compreender as narrativas sobre a EaD, nem melhor, nem com maior investigações. Não tenho como apontar caminhos, nem mesmo como
validade que outros possíveis. Portanto, não me proponho a desvelar mostrar uma técnica de construção. É preciso paciência e engenhosidade.
verdades, nem a indiear modos seguros e acabados para entender a
realidade, mas apenas dar alguma contribuição na produção de outros Não tenho um método que aplicaria, do mesmo
sentidos para aquilo que vem sendo estabelecido e naturalizado, com a modo, a domínios diferentes. Ao contrário, diria
intenção de causar estranhamentos e de produzir deslocamentos no modo que é um mesmo campo de objetos, um domínio
de compreender o presente. de objetos que procuro isolar, utilizando
instrumentos encontrados ou forjados por mim,
A partir da ideia de analisar o entrelaçamento das narrativas sobre
no exato momento em que faço a minha pesquisa,
EaD com as transformações da sociedade contemporânea, lancei-me à
mas sem privilegiar de modo algum o problema
tarefa de construir uma forma de cumprir aquilo do qual me incumbi. Que
materiais utilizar na investigação? Como lidar com esses materiais e realizar do método (FOUCAULT, 2003a, p. 229).
as análises?
o que aqui escrevo,em primeiro lugar, é útil para mim mesma,
Segundo Veiga-Neto (1996a, p.30) "não há um porto seguro, onde pois funciona como um relatório de viagem, um diário de bordo. E
p ssamos ancorar nossa perspectiva de análise, para, a partir dali,' espero que sirva a outros para inspirar novas criações, para suscitar
conhecer a realidade. Em cada parada nós no máximo conseguimos nos inquietações, para afastar cada um de si mesmo e destruir com
amarrar às superfícies". Não há terra firme onde possamos nos agarrar, marteladas as certezas reconfortantes.
nem pontos de chegada onde mirar. Inspirar-se em Foucault é aceitar os
riscos de uma viagem sem bússola e sem mapa. Se existe uma metodologia, UM MODO DE FAZER
ela consiste em não reconhecer a existência de um caminho previamente
t inçado e pavimentado, mas teimosa e obstinadamente entregar-se ao ato
de construir uma rota própria por entre os objetos, nos entremeios do Nessa parte do trabalho passo a descrever os procedimentos
que utilizei para realizar a pesquisa. Não penso que outros possam se
I 1" tcuu dcsi 'lia um conjunto de condições, de princípios, de enunciados e regras que regem
valer das mesmas estratégias, mas conhecer as ferramentas que já foram
111 di I1 illIllç,lo que tuncionam como condições de possibilidade para que algo seja pensado
11111111 dI! 1111111,,,1,1 época' (Verga-Neto. 2003 , p.115).
Taís Ferreira I CRITOS METODOLÓGICOS:
23
Shaula Maíra Vicentini Sampaio Possibilidades na pesquisa contemporânea em educação
(orga n izadoras)

inventadas pode ser útil na invenção das nossas próprias. Muitas vezes, Havendo optado pela análise de artigos, surgiu a necessidade de
ao ler uma tese fico pensando como o autor lidou com o material, que impor um recorte em relação às fontes que iriam compor o material de
in trumentos ele criou para cumprir com a sua tarefa investigativa. Penso pesquisa. Depois de analisar diversas possibilidades, optei por tomar quatro
que esses subterrâneos da pesquisa poderiam receber mais luz. Mostrar periódicos: Tecnologia Educacional, Informática na Educação: Teoria
as idas e vindas, os borrões, os entulhos. Levantar a assepsia das análises (' Prática, Colabor@, Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a
bem acabadas, dos textos bem escritos, para mostrar a terra revirada, Distância. Ainda na fase de preparação do Projeto de Tese, fiz um
as mãos sujas de barro. As (des)organizações que vão surgindo ao longo levantamento para verificar o número de edições de cada um desses
do trabalho. periódicos e o número de artigos existentes. O levantamento do número
de edições foi realizado através dos sites dos periódicos, para que eu
Conforme já coloquei anteriormente, localizei meu foco de interesse
pudesse me certificar de tê-Ias todas. O número de artigos foi estabelecido
nas narrativas sobre a Educação a Distância através da web, com o intuito
por meio da verificação dos sumários. Um último levantamento que foi
de analisar seu entrelaçamento com os modos de viver e de pensar na
realizado ainda na fase de projeto resultou, através da análise dos títulos
Contemporaneidade, com especial ênfase para os significados espaço-
dos artigos, na eliminação daqueles que já mostravam não ter relação
temporais, o governamento dos sujeitos e as representações do corpo.
com a proposta. Os resultados desse levantamento estão no Quadro 1.d
Para desenvolver a investigação, foi necessário selecionar onde eu iria
buscar esses discursos. Poderia utilizar, entre outras possibilidades, Ano N. de Total de Artigos
Periódico Artigos
entrevistas com alunos, com professores ou artigos publicados em Inicial Edições a Aoq'~ ~
periódicos. Todas alternativas pareciam interessantes. Optei por utilizar
os artigos publicados em periódicos, que iriam me mostrar o que estava Iecnologia Educacional 1997* 23 253 83
sendo produzido e legitimado como verdadeiro nesse campo, uma vez
Informática na 1998
que expressam a posição de especialistas e pesquisadores. Esses sujeitos 12 106 62
Educação: Teoria e
ocupam uma posição privilegiada na produção de regimes de verdade',
Prática
justificada pela superioridade concedida à ciência e aos estudos
acadêmicos sobre saberes ditos populares. Ainda que eu mesma reconheça olabor@ 2001 9 46 39
que muitas das narrativas que aparecem nos artigos não encontram
correspondência nas práticas de professores e alunos em EaD, o que me Revista Brasileira de
Aprend izagem Aberta e 2002 5 59 55
importa nesse momento não é saber o que está "mesmo" acontecendo
a Distância
com a EaD, mas como vem sendo pensado que ela deva ser. Importa o
que é possível ser pensado e ser dito dentro da episteme atual, constituindo Total 239
11m regime de verdade sobre a EaD.
Quadro 1 - Relação dos Periódicos que Compõem
o Material de Pesquisa
••A revista Tecnologia Educacional é pub1icadadesde 1976, mas será pesquisada apenas
'Int de verdade como um conjunto de regras internas de um campo discursivo que
p 11 11 (I verdadeiro do falso. I partir de 1997, ano em que aparecem os primeiros artigos sobre uso da internet.
24 Taís Ferreira ESCRITOS METODOLÓGICOS:
25
Shaula Maíra Vicentini Sampalo J osslbllidades na pesquisa contemporânea em educação
( organizadoras)

Embora a pesquisa não tenha caráter quantitativo, entendi ser Classificar os excertos conforme os eixos de pesquisa nem sempre
útil realizar esse levantamento inicial para ter uma idéia do volume de roi fácil, pois às vezes estavam entrelaçadas, num mesmo enunciado,
material que deveria ser analisado para compor o corpus da pesquisa. referências aos significados espaço-temporais e ao governamento, por
Ainda durante a elaboração do Projeto, fiz uma análise preliminar exemplo. Fui adotando classificações em função do que naquele momento
de 16 artigos selecionados, com o intuito de verificar a viabilidade do parecia-me mais interessante para o trabalho, ainda que sabendo da
provisoriedade e instabilidade desse processo. O uso da planilha eletrônica
trabalho proposto. Nesse momento, quando eujá tinha inventado as
questões centrais da investigação e definido o material a ser utilizado loi muito importante para eu organizar os excertos selecionados e meu
para cumprir com essa tarefa, deparei-me com uma nova dificuldade. próprio pensamento. Ao copiar cada excerto, pude criar novos sentidos
~omo deveria trabalhar com o material? Era uma questão aparentemente para eles. À medida que eu avançava na seleção e cópia desses fragmentos
simples, que parecia implicar apenas num modo de organizar o trabalho. de textos, parecia-me que eu andava em tomo de meu objeto e o observava
Porém, acabei compreendendo que a definição de como se irá proceder de diferentes ângulos. Ao término da leitura e seleção de excertos dos 16
já é uma parte da análise. O modo como se interage com o material já é artigos utilizados na análise preliminar, passei a tentar compreender as
em si, uma imposição de significados. ' continuidades e descontinuidades que surgiam nessas séries.

. Decidi durante a leitura marcar nos textos tudo que me parecesse Como os excertos já estavam classificados a partir de suas
relacionado a um dos três eixos de pesquisa, ainda sem saber muito relações com os eixos temáticos, criei filtros que me permitiram visualizar
bem como utilizar esses fragmentos. Após ter lido alguns artigos, dei-me somente os fragmentos relacionados a um determinado eixo. Ou seja,
conta que seria bastante difícil lidar com os diversos excertos do modo enquanto eu estivesse querendo dirigir minha atenção ao eixo espaço-
como eles estavam dispersos entre as publicações. Percebi que seria tempo, isolava apenas as seleções referentes a esse eixo, ocultando
necessário recortar o que eu havia marcado e reunir esses excertos para aquelas referentes aos eixos governamento e representações de corpo.
que eu pudesse compará-l os mais facilmente. A introdução de mecanismos de filtragem dos dados auxiliou muito no
processo de análise.
Foi então que decidi criar uma planilha eletrônica com as
eguintes colunas: ... Conforme fui observando os excertos relativos a um determinado
ixo, fui procurando estabelecer conexões entre os mesmos. Li e reli
• Eixo - para indicar a que eixo o excerto estava relacionado' , aqueles pequenos textos. Por vezes esses conjuntos pareciam um
• Excerto - onde eram copiados os fragmentos do texto que daqueles jogos de ilusão de ótica, nos quais se pode perceber uma figura
eu selecionara. Algumas vezes eu fazia anotações em somente se se ficar olhando para o mesmo fixamente durante um certo
vermelho ao lado do excerto, com sinalizações a serem tempo. Eu começava a desenrolar o emaranhado dos enunciados e
utilizadas na análise; perceber relações. Mexendo com essas peças, fui percebendo
aproximações. Dentro de cada eixo, vi que poderia agrupar enunciados
• Referência - para localizar o artigo e facilitar sua posterior
li partir de entendimentos de correlações que os aglutinavam. Aos poucos,
referenciação.
Iui formando esses grupos e enunciando significados para essas
iglutinações. Decidi chamar esses agrupamentos de categorias de
26 Taís Ferreira I ,(RITOS METODOLÓGICOS: 27
Shaula Maíra Vicentini Sampaio 1'11 Ibllldades na pesquisa contemporânea em educação
(organ izador'as)

análise, a partir de sugestões de companheiros


do grupo de pesquisa", 11111 itas
vezes não aparecem em nenhum dos textos analisados, mas foram
Tomo as categorias não como uma forma de classificação dos 11unados a partir de processos de significação que eu estabeleci. Vejamos,
enunciados, mas como uma maneira de lidar com a topologia dos por exemplo, o seguinte fragmento, extraído de um dos artigos analisados:
discursos. São recortes que imponho nas séries de enunciados, em
Isso conjuntamente a diversos espaços vir-
relação a suas aproximações e modulações.
tuais, que colaborariam de forma distinta
Desse modo, construí para cada eixo diversas categorias de análise .: para a aprendizagem, trazendo elementos
Ou seja, à medida que fui conhecendo o material, fui também construindo que, do ponto de vista prático, espaços
o método. Tanto a ideia de trabalhar com categorias, quanto as temáticas presenciais não poderiam prover, tais com
das categorias não estavam previamente definidas, não faziam parte de uma convivência com uma diversidade tem-
um método já dado, mas foram sendo criadas a partir das leituras dos poral, cultural, ética cognitiva muito mais
artigos e seus excertos. Para o Projeto de Tese, eu criei sete categorias, a ampla (NOVA; ALVES, 2002, p. 59).
partir da análise preliminar dos 16 artigos selecionados. Essas categorias
são mostradas no Quadro 2.
Esse excerto foi utilizado dentro da categoria Mobilidade, por
Eixo Categorias expressar a idéia de que através da EaD os alunos conseguem chegar a
lugares que fisicamente lhes seriam inacessíveis. Observe que a palavra
Significados do espaço-tempo Mobilidade
mobilidade não é utilizada no texto original, mas que é um sentido que estou
Usos do espaço-tempo
criando para esse e outros excertos que foram trabalhados nessa categoria.
Pedagogias
A introdução das categorias de análise na pesquisa fez com que eu
Governamento dos Sujeitos Papel do Professor
acrescentasse a coluna categoria à planilha, onde eu indicava a categoria
Papel do AI uno
com a qual eu estava relacionando o excerto em questão.
Formas de controle
.. Após a defesa do Projeto, passei a ler os artigos selecionados
Representação do Corpo Ausência do Corpo Físico restantes, utilizando a mesma planilha para armazenar os excertos. Muitos
artigos pré-selecionados a partir de seu título, acabaram por serem
descartados nessa fase de leitura, pois, por diversas razões, não consegui
Quadro 2 - Categorias de análise criadas na
ver relações entre eles e minha pesquisa. Dos 239 artigos pré-
fase de projeto
selecionados, restaram 86 para análise, dos quais retirei 400 excertos
para compor o corpus.
Quero salientar que essas categorias são invenções minhas, a partir À medida que a leitura avançava, fui percebendo a possibilidade
do I ·itura dos excertos. Os termos utilizados para designar as categorias de criar novas categorias. Nesse sentido, a leitura dos 239 artigos fOI
muito proveitosa. Na defesa do Projeto, recebi a sugestão de reduzir o
I I 111 IIIC uqu: 110 Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículo e Pós-Modernidade, coordenado
I 111 1'1111 Alflcdo verga-Neto.
número de artigos, pois as idéias acabariam por se repetir, tornando inútil
28 Tais Ferreira (RITOS METODOLÓGICOS: 29
Shaula Maira Vicentini Sampaio Ibllldades na pesquisa contemporânea em educação
(organizadoras)

parte do trabalho. Mesmo concordando com esse argwnento, decidi manter Finalizada a leitura, selecionados e classificados os excertos, era
o total. Inicialmente, optei pela leitura da totalidade dos artigos por ter 111 11 a de partir para a análise. Coloquei um filtro na planilha que possibilitava

dúvidas sobre quais seriam os mais representativos e, também, por entender I ualizar os excertos de uma categoria isoladamente, facilitando o
que eu poderia encontrar em algum deles um enunciado sem similares, mhccimento do material disponível para analisar a categoria em questão.
mas com relevância para a investigação proposta, que poderia ficar 1IIIhaintenção era relacionar os fragmentos extraídos dos artigos com o
esquecido caso fosse utilizada apenas uma parte do material. 111; ulro teórico estabelecido, mostrando um entrelaçamento da emergência

Isas narrativas com os significados, práticas e modos de pensar da


Efetivamente, algumas noções apareceram em um grande número
II icdade contemporânea. Também procurei fazer relações entre esses
de textos. Porém, durante a leitura que compreendi a importância de ter
I l ortes e outras fundamentações teóricas que circulam no campo da
lido os 239 artigos: algumas idéias que apareceram repetidamente, só
I .lucação, com o intuito de mostrar que aquilo que se anuncia como novo
começaram a ter sentido para mim após eu tê-Ias lido muitas vezes, escritas
muitas vezes já foi pensado, ainda que as condições que sustentam o
por diferentes autores. A percepção e a relação entre alguns recortes dos
l' usar sejam diferentes. Em muitos casos, percebi que muitas das
artigos se reconfiguravam com a leitura: muitas vezes voltei em busca de inovações" propaladas nos artigos eram antigos conceitos, revisitados,
pontos desprezados, pois a recorrência de um determinado tipo de
Il'paginados, para que dessem conta de novas problematizações.
enunciado jogava luz em pontos que até então permaneciam na sombra.
Para maior clareza, darei um exemplo. Encontrei diversos artigos falando Conforme fui construindo as análises, percebi que numa mesma
sobre a necessidade das instituições que trabalham com EaD reverem sua ucgoria era possível fazer diversas relações diferentes, fazendo com que
organização. Mas foi apenas lá pelo terceiro artigo que tratava desse tema 1II 'sem criados novos agrupamentos de excertos. Essas relações só eram
que consegui perceber a existência de um grupo de enunciados que possíveis de serem compreendidas lendo e relendo os recortes de textos
expressavam essa idéia, fazendo com que eu criasse a categoria que nomeei 111 lima categoria. Era como se essa leitura permitisse ver por vários ângulos

Desterritorialização. Se durante a construção do projeto eu já havia e conjunto, fazendo surgir proximidades entre os enunciados que não
aprendido a necessidade de realizar leituras que aparentemente não teriam 11111 iam ser visualizadas numa primeira mirada.

ligação com o que se pensa pesquisar, na etapa de leitura do material de Assim, tomei grupos de enunciados extraídos dos artigos analisados
pesquisa, entendi a necessidade de explorar a maior quantidade possível t Iamei uma rede de aproximações e descontinuidades que constituem
de material para extrair enunciados. '111 idos muitas vezes novos, muitas vezes de estranhamentos para as
li \Irativas sobre EaD. Para analisar os discursos, procurei estabelecer
Lia, retirava os excertos, procurava relacioná-los com categorias.
Quando não encontrava nexos entre um excerto e as categorias que eu 11111; I compreensão "pela exterioridade dos textos, sem entrar propriamente

já havia criado, deixava para relacioná-lo depois. De tanto em tanto, 11, I ló ) ica interna dos enunciados, mas procurando estabelecer as relações

percebia outras relações que davam origem a uma nova categoria, que ulrc esses enunciados e aquilo que eles descrevem" (VEIGA-NETO,
, s vezes era desmembrada de outras já existentes, para dar conta de lI/\)(). p.185). Ou seja, na perspectiva pós-estruturalista em que tenho
uma ênfase não percebida anteriormente, às vezes era constituída por 1I rb.tlhado, a análise dos textos não é realizada na forma de uma
um novo grupo de enunciados. II uncnêutica, não tem por obj etivo extrair do interior dos enunciados os
1IIIdos verdadeiros, mas mudar o modo de olhar, jogar luz naquilo que
30 Tais Ferreira M TODOLÓGICOS: 31
Shaula Maira Vicentini Sampaio n, p squlsa contemporânea em educação
(organizadoras)

estava na sombra. A análise que realizo toma os discursos em sua 1I,IIl teria fim, mas ao qual num determinado momento impus um corte,
exterioridade, naquilo que Foucault (2002) chama de uma leitura IlIl! l' preci o colocar marcos que sinalizem as paradas provisórias
II I ' sárias para que se faça valer a caminhada.
monumental. O que me importa "é o fato de que alguém disse alguma
coisa em um dado momento. Não é o sentido que eu busco evidenciar,
mas a função que se pode atribuir uma vez que essa coisa foi dita naquele
momento" (FOUCAULT, 2003b, p. 255). PORQUE É PRECISO FINALIZAR

Na elaboração da análise, surgiu por vezes a necessidade de


retomar a leitura de textos que serviram para elaborar o quadro teórico Já encaminhando para o fim desse artigo, gostaria de deixar alguns
I 111icntários sobre o processo investigativo que tenho utilizado em minha
que deu sustentação ao trabalho, bem como a necessidade de buscar
outras leituras que tomassem possível aprofundar alguns achados nesse 111 li LIisa. Trabalhar sempre inquieta, sendo a única coisa que posso tomar
, 111110 permanente a provisoriedade das posições e das idéias, tanto exaspera
processo de garimpar enunciados. Como venho frisando, o tipo de
1111; mto alegra. Exaspero-me por saber que em nada que produzo posso colocar
metodologia que adoto não tem uma linearidade, uma seqüência de passos
11111 ponto final, que nunca uma tarefa estará concluída, que não existe um
bem definida. O pesquisador encontra-se em permanente instabilidade,
ouvidos aguçados, olhos atentos, procurando perceber oscilações mínimas I 01110 de chegada. Exaspero-me porque preciso continuamente criar novas
que sinalizem a necessidade de corrigir a rota. Ainda que eu venha I I rarnentas, novas trilhas, deslocar-me atrás de outros pontos de vista.
desenhando nesse texto algumas etapas de trabalho, elas nunca são I' ;ispcro-me pois na perspectiva pós-estruturalistaem que me situo não existe
(I. .scgo, apenas estranhamentos. Mas também me alegro por saber da
estanques. A qualquer momento pode ser necessário voltar atrás e refazer
111ovisoriedade das posições e das idéias e pela possibilidade de jamais colocar
partes do percurso.
III! 1 ponto final e de nunca acreditar estar no ponto de chegada. Alegro-me
Procedi a escrita da Tese entrelaçando blocos com excertos e sua 11111 saber que sempre será possível voltar atrás, refazer, criar outros sentidos
análise. Conforme esses excertos foram sendo incorporados à Tese, I "'I aquilo que chamamos realidade. Pesquisarna perspectiva pós-estruturalista
marcava suas células na planilha em amarelo, de modo a poder visualizar I' ti .ixar as certezas apolíneas do pensamento moderno para trás e, para o
o quejáhavia utilizado. Nem todos os fragmentos foram incorporados, lvm c para o mal, assumir as instabilidades da força dionisíaca.
na maioria das vezes porque uma mesma idéia era repetida
demasiadamente, resultando em vários excertos muito semelhantes. Caso
todos estivessem presentes no texto, sua leitura ficaria enfadonha. Tomei
como limite quatro, no máximo cinco, excertos em cada bloco de análise.
Referências bibliográficas
As categorias criadas durante a leitura dos artigos sofreram novas 1\, UMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge
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