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09
revista
01
janeiro junho
2021
nº
ISSN 2238-2496
As Percepções Ambientais e
os Saberes Tradicionais das
Comunidades Locais de Boca
do Mato, Paraíso e Guapiaçu no
Entorno do Parque Estadual dos
Três Picos (RJ)
Petrópolis, as Marcas da
Sociedade na Natureza:
história ambiental e leitura das
paisagens
Transformando a Percepção
sobre a Etnia Guarani-Mbyá:
relato de uma experiência na
escola
Governo do Estado do Rio de Janeiro
Cláudio Castro, governador
Diretoria de Pós-Licença
Fabio Costa, diretor
revista
Coordenação editorial
Carlos Couto
Tania Machado Denise Rambaldi
Fabio Mostacato
Revisão Heliana Vilela
Sandro Carneiro
Inara Carolina da Silva Batista
Ricardo Reys
José Edson Falcão
Normalização Luiz Constantino da Silva Jr.
Wellington Lira Moema Versiani Acselrad
Neise Ribeiro Vieira
Diagramação
Renata Teixeira
Thiago Duarte
Eduarda Cascaez Telmo Borges
Victor Maluf
Capa
Foto: Pedro Lobo, 2005 © Instituto Estadual do Ambiente (INEA)
E-mail
inea.gepat@gmail.com
6
Olho no Verde: experiências e
desafios do projeto
Roberta Brasileiro
Vitória Araújo
40
As Percepções Ambientais e
os Saberes Tradicionais das
Comunidades Locais de Boca
do Mato, Paraíso e Guapiaçu
no Entorno do Parque
Estadual dos Três Picos (RJ)
Wallace Marcelino de Silva
54 Petrópolis, as Marcas da
Sociedade na Natureza:
história ambiental e leitura
das paisagens
Valério Winter
70 Transformando a Percepção
sobre a Etnia Guarani-Mbyá:
relato de uma experiência na
escola
Gabriela Rodrigues
Kenny Tanizaki-Fonseca
Viviane Fernandez
editorial
Phillipe Campelo área. Esse e outros resultados são elencados no primei-
presidente do Instituto Estadual ro artigo desta edição da Ineana, intitulado Olho no
do Ambiente (INEA) Verde: experiências e desafios do projeto. O traba-
lho faz um retrospecto dos cinco anos de execução do
Thiago Pampolha Olho no Verde, apresentando a metodologia utilizada,
secretário de Estado do Ambiente e os avanços alcançados, as dificuldades enfrentadas e
J
Sustentabilidade (SEAS) as ações a serem implementadas futuramente.
unho, mês em que se celebra o Dia Mundial Com relação à disponibilidade hídrica, a SEAS e o
do Meio Ambiente, chega ao fim com o INEA lançaram este ano o Programa Estadual de Se-
lançamento de mais uma edição da revista gurança Hídrica (PROSEGH). Além de ofertar água
Ineana e com o Estado do Rio de Janeiro
em quantidade e com qualidade suficientes para
tendo vários feitos a comemorar na área ambiental,
atender às necessidades da sociedade fluminense, o
muitos dos quais se devem ao trabalho que a SEAS
programa busca contribuir para o alcance das me-
e o INEA vêm fazendo pela conservação das nossas
tas da Agenda 2030 relacionadas, principalmente, ao
riquezas naturais e pelo desenvolvimento sustentável.
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) n° 6:
Nosso estado possui 1.312.980 ha de cobertura flores- assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da
tal – o equivalente a 30% do território – inseridos em água e saneamento.
áreas protegidas. Desse total, 477 mil encontram-se
Dialogando com essa temática, temos o artigo Qual
protegidos por 39 unidades de conservação esta-
é o Tempo que o Tempo do Tempo Seco tem?
duais geridas pela SEAS e o INEA. Um marco. Assim
Plano de Ações de Mediação para a Implanta-
como outro alcançado neste mês: o reconhecimen-
ção dos Coletores de Tempo Seco em Favelas
to da 100ª Reserva Particular do Patrimônio Natural
da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara.
(RPPN). Com isso, as áreas protegidas privadas reco-
O trabalho trata do plano elaborado por especialistas
nhecidas pelo INEA somam, hoje, 8.414,918 ha.
em resposta ao edital lançado em 2020 para implan-
Em relação ao desmatamento, há dez anos estamos tar sistemas de coleta de esgoto em oito municípios
no grupo de estabilidade de cobertura florestal, isto é, da Região Metropolitana do Rio e, assim, diminuir a
do desmatamento zero. Para manter este status, reto- poluição da Baía de Guanabara.
mamos o Projeto Olho no Verde, que verifica e fornece
Nos últimos meses, esforços também foram empreen-
informações para subsidiar e orientar o combate ao
didos para viabilizar melhorias nas unidades de con-
desmatamento ilegal em território fluminense, a partir
servação (UCs) estaduais. O projeto do cartão vincu-
do monitoramento, via imagens de satélite, das áreas
lado, que garante aos gestores das UCs recursos para
remanescentes de Mata Atlântica.
uso em atividades rotineiras, foi retomado. Já na Câ-
Desde o início do projeto, em 2016, o Olho no Verde já mara Estadual de Compensação Ambiental, além do
realizou mais de 1,3 mil vistorias em quase 5 mil m² de projeto que deverá renovar a frota de veículos das UCs
editorial
6
Ação de fiscalização deflagrada com base em alerta
emitido pelo Projeto Olho no Verde
Olho no Verde:
p. xxjan
v. 11- 23
n.01 p.6 2019
jun 2021
- xx>>xxx
do projeto
v.09ineana
revista
revista ineana
‘Olho no Verde’ Project: experiences
and challenges
Roberta Brasileiro; Vitória Araújo
Resumo Abstract
- To strengthen the protection of forest remnants and
restais e o combate ao desmatamento ilegal, o Esta- fight against illegal deforestation, the State of Rio
do do Rio de Janeiro criou o Olho no Verde, projeto de Janeiro created Olho no Verde, a project that
que utiliza imagens de satélite para monitoramento uses satellite images to monitor forest fragments,
- generating deforestation alerts and sending them
- to inspection. This article presents the methodo-
te artigo, apresenta-se a metodologia utilizada, os logy used, the advances made in the five years of
avanços realizados nos cinco anos de execução do the project's execution, the difficulties still faced, its
- main results and the future actions that are inten-
cipais resultados e as ações futuras que se pretende ded to be developed. Noteworthy are the advan-
desenvolver. Destacam-se como avanços a distri- ces in the distribution and management of alerts
buição e a gestão dos alertas por aplicação web, a by web application, the issuance of notification via
- mail, the project's communication actions, institu-
municação do projeto, as parcerias institucionais e o tional partnerships and the leading of discussions
direcionamento das discussões sobre autuação sem on assessment without the need for on-site inspec-
necessidade de vistoria in loco - tion. As challenges still remain the identification of
the offender, the scarce inputs for inspection, and
- the difficulties in expanding the monitoring of the
pliação do monitoramento dos alertas até a efetiva- alerts until the end of due diligence. The results are
ção de diligência. Os resultados são avaliados quan- evaluated according to the existence of a rural ca-
to à existência de Cadastro Ambiental Rural (CAR), à dastre (CAR), the distribution among the main mu-
distribuição entre os principais municípios em que foi nicipalities where illegal deforestation was found,
constatado desmatamento ilegal e aos domínios ge- and the corresponding geomorphological domains
omorfológicos correspondentes (serra, colina, mor- (mountains, hills, hills, etc.). Finally, the intended
future actions are presented, such as standardiza-
pretendidas, como normatização da autuação por tion of the infraction notice prosecution by satellite
imagem, reinvestimento em ações de comunicação image, reinvestment in communication actions, and
e reavaliação da metodologia utilizada. reassessment of the methodology used.
Palavras-chave Keywords
Olho no Verde. Desmatamento. Monitoramento Olho no Verde. Deforestation. Forest Monitoring.
Florestal. Geotecnologias. Geotechnologies.
7
1. Introdução
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600 830,00
820,00
400
810,00
200
800,00
0 790,00
2005- 2008 -2010 2012- 2013- 2014- 2015- 2016- 2017-
2008 -2010 2012- 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Desmatamento
Figura 1 - Histórico de desmatamento detectado e vegetação mapeada
Fonte: SOS Mata Atlântica, 2019 Vegatação
Figura 3 - Comparação da visualização da área do aeroporto do Galeão: à esquerda, imagem de 50 centímetros de resolução
espacial oriunda do satélite World View 2 em escala 1:10.000 e composição verdadeira R1G2B3; à direita, imagem de 30 metros
de resolução oriunda do satélite Landsat 8 em escala 1:10.000 e composição verdadeira R4G3B2
Fonte: Projeto Olho no Verde
10
2. Métodos e desenvolvimento do ção imagens históricas desde 1999 até os dias atuais,
Figura 4 - Frequência de alertas distribuídos por intervalos de áreas (em m2), jan/2016 a dez/2019
Fonte: Projeto Olho no Verde
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Figura 5 - Antes e depois, com destaque para o polígono de detecção de desmatamento. Imagens oriundas do sensor Geoye, em
composição verdadeira R1G2B3, escala 1:1.500
permitisse otimizar a fiscalização e utilizar todos parcerias institucionais para a expansão das ativi-
os alertas detectados, mesmo aqueles que por- dades de fiscalização. Uma das primeiras parce-
ventura não foram encaminhados para fiscali- rias estabelecidas foi a incorporação dos alertas
zação (seja pela dificuldade de acesso, seja pelo da plataforma Mapbiomas4 à sala de situação do
tamanho ou histórico do local), foi implementada Olho no Verde, expandindo a área monitorada
a notificação via correio. Notificações administra- para todo o estado, ainda que em uma menor re-
tivas são enviadas com uma breve apresentação solução espacial do que os 10.000 km² monitora-
sobre o projeto e com uma solicitação para o pro- dos diretamente pelo projeto.
prietário do terreno buscar a unidade administra- Neste mesmo ano, também foi publicada a
tiva do INEA mais próxima para prestar esclareci- Resolução SEAS nº 22, de 3 de julho de 20195, es-
mentos sobre a supressão detectada (Figura 7). tabelecendo o programa Parceiro Olho no Verde,
Em 2018, foram realizados investimentos em que procurava incentivar os municípios a atuarem
ações de comunicação, visando à divulgação do também na fiscalização de alertas do projeto. A
projeto e à consequente prevenção de novos des- SEAS enviaria os alertas aos fiscais municipais e,
matamentos. Para isso, foram instaladas 92 pla- em contrapartida, o município enviaria o resulta-
cas viárias (Figura 8) e foram adquiridas 2.000 do da vistoria. A resolução visou principalmente
placas de PVC a serem instaladas durante as vis- ao encaminhamento de alertas localizados em
torias (Figura 9). áreas urbanas, onde os municípios habilitados
Figura 7 - Notificação enviada via correio aos proprietários de terrenos que sofrem algum tipo de desmatamento
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Fonte: Projeto Olho no Verde
para licenciamento possuem prioridade na autori- Janeiro, no momento da fiscalização, o fiscal gera
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070026/000742/2020). Nesse parecer, a Procu- quência dos alertas emitidos pelo projeto. Em 962
radoria entende que, embora o instrumento não delas (69%), foi constatada supressão de vegeta-
deva ser a regra para autuação no estado, é legí- ção irregular, ou seja, desmatamento ilegal. Dentre
timo a sua utilização para construção do auto de
as supressões irregulares, em 366 casos (38% em
constatação, desde que resguardada suas devi-
-
das limitações quanto à construção da infração.
res) foram encontrados os responsáveis, sendo ge-
Por fim, discute-se também a ampliação do
monitoramento dos alertas até a geração do auto rado algum tipo de auto administrativo (Figura 11).
de infração e/ou sanção administrativa e seu real Uma importante questão a se considerar é a
cumprimento pelo infrator. No Estado do Rio de quantidade de alertas enviados às equipes, sem-
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Figura 10 - Fluxo de atividades do projeto, destacando ações que ainda precisam ser monitoradas
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Fonte: Projeto Olho no Verde
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pre maior que a sua capacidade de resposta. Em- te sentido, se avaliarmos a quantidade de alertas
bora sobrepostos às áreas inscritas no CAR, observa-
remos que apenas 37% das áreas possuem regis-
de respostas, resultado de uma série de ações com tro (Figura 12). A identificação de proprietários
no CAR é uma das principais ferramentas utili-
que demonstra que o projeto pode alcançar pa- zadas pelo projeto, de modo que a ausência de
tamares mais elevados, desde que haja fomento cadastro em 63% das consultas prejudica a efeti-
institucional. O mesmo ocorreu em 2019, graças às vidade não só das vistorias oriundas do Olho no
Por outro lado, é perceptível o baixo número de Torna-se, portanto, imprescindível ampliar a
vistorias que ocasionaram alguma autuação ad- adesão dos proprietários fluminenses ao CAR, e,
Rural (SISCAR). A coordenação do projeto, no en- do a partir das classes de vegetação do mapea-
tanto, busca diversificar as fontes de informações mento de uso do solo do INEA, o polígono prioriza
de proprietários, buscando parcerias com muni- as bordas das unidades de conservação e exclui
cípios, para acesso à base de Imposto Predial e áreas militares e áreas com constante presença de
Territorial Urbano (IPTU), e com os cartórios, para nuvens, como é o caso da Ilha Grande. Através do
acesso aos Registros de Imóveis. mapa de calor apresentado na Figura 13, podemos
Já a avaliação da distribuição espacial dos aler- observar os locais com maior presença de visto-
tas pelo estado torna-se especialmente delicada, rias com desmatamento ilegal constatado, além
uma vez que o polígono de monitoramento não se da localização de áreas urbanas.
-
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Fonte: Projeto Olho no Verde
É possível observar uma proximidade de João da Barra, se destaca como um ambiente
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zonas urbanas com as áreas onde mais fre- plano, sem ocupação urbana próxima, e que
quentemente foi contatada supressão irregular, sofre grande pressão em sua fitofisionomia, de -
indicando um padrão de desmatamento, princi- mandando maior atenção do estado.
palmente nas bordas das cidades. Para avaliar os municípios com áreas de
Avaliando a características dos alertas em desmatamento ilegal constatada, considerando
que foi constatada supressão irregular em rela- a distribuição irregular do polígono de monito-
ção ao domínio geomorfológico do terreno em ramento pelo território, optou-se pela geração
que se encontravam, também se observa um pa- de um índice proporcional ao polígono, com-
drão de localização em serras isoladas e locais parando a soma das áreas identificadas como
(Figura 14), se assemelhando à dinâmica descrita supressão irregular com a área monitorada no
pelo trabalho de Dos Santos et al. (2020). município em questão (Tabela 1).
Assim sendo, há um indicativo de priorização Os resultados demonstram a variabilidade
de políticas de conservação em áreas próximas de realidades no estado e não denota, a princí-
a zonas urbanas, principalmente em áreas de pio, uma dinâmica regional clara de composição
serras isoladas e locais onde ainda há fragmen- de uma frente de desmatamento.
tos de vegetação devido à dificuldade de acesso.
Em caráter excepcional, no entanto, a área
de restinga próxima ao Porto do Açu, em São
Figura 14 - Distribuição dos alertas em locais onde foi constatada supressão irregular por domínio geomorfológico (de acordo
com mapeamento CPRM, escala 1:100.000)
Fonte: Projeto Olho no Verde
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Tabela 1 – Ranking dos 15 municípios com mais alertas de desmatamento ilegal constatado,
quando comparados com a extensão do seu polígono de monitoramento
Quantidade
de alertas Área do polígono Área dos alertas
Área somada
Posição Município com supressão de monitoramento / área do polí-
dos alertas (m2)
irregular (m2) gono (%)
constatada
Armação
4 77 66.388,40 54.933.405,32 0,121
dos Búzios
Barra do
7 23 234.501,89 258.328.107,04 0,091
Piraí
Arraial do
9 13 47.127,91 60.749.200,96 0,078
Cabo
Rio de
12 90 227.819,82 330.594.732,06 0,069
Janeiro
Rio das
14 2 7.211,13 13.580.414,96 0,053
Ostras
Mangara-
15 21 81.264,75 157.738.767,57 0,052
tiba
Resumo Abstract
O Edital de Concorrência Internacional de Concessão The International Auction Notice for the Public Con-
da Prestação Regionalizada dos Serviços Públicos de cession of Water and Sewage Services of the State
Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário e dos of Rio de Janeiro foresees the implementation of
Serviços Complementares dos Municípios do Estado Dry Weather Sewage Collectors (DWSC) in slums
do Rio de Janeiro (nº 01/2020) prevê a implantação of 8 cities of the Guanabara Bay´s Basin in order
de Coletores de Tempo Seco (CTS) em oito municípios to diminish its pollution. The reaction to its terms
da Região Hidrográfica V para minimizar a poluição has stimulated the conception of an Action Plan of
da Baía de Guanabara. A reação ao edital suscitou Mediation of conflicts to be led by the Committee
um Plano de Ações para a Mediação de Conflitos, of the Water Basin of the Guanabara Bay with the
a ser liderado pelo CBH-BG com a participação de participation of key stakeholders. It was developed
stakeholders. O plano foi desenvolvido no curso de during the training course Integrated Urban Water
treinamento online de Gestão Integrada de Recursos Management, offered online by UN-Habitat and
Hídricos Urbanos oferecido pela ONU-Habitat e o the International Center for Urban Training of South
Centro Internacional de Treinamento Urbano da Coréia Korea, in Dec. 2020. The article presents the me-
do Sul, em dezembro de 2020. O artigo apresenta as thodology of the grounded theory used to analyze
metodologias da teoria fundamentada nos dados, governance issues and of the strategic and partici-
utilizada em reflexões sobre questões de governança patory Action Plan of Mediation. With focus on the
e gestão; do planejamento estratégico; e da pesquisa- criticisms and the contributions presented to the
ação-participativa do Plano de Ações de Mediação. National Social Development Bank, the proposal is
Com foco nas críticas encaminhadas ao BNDES na fase subdivided into three activities during a five years´
de consulta pública do edital, a proposta de mediação period: a) selection of the locations where to im-
subdivide-se em três atividades, a serem executadas plement the temporary solution; b) legal framework
num prazo de cinco anos: seleção de favelas a serem for the multiple uses of the bodies of waters in these
beneficiadas pelos CTS, enquadramento de corpos territories and c) monitoring program of the works
hídricos nestes territórios e monitoramento das obras and of the quality of water.
e da qualidade da água.
Palavras-chave Keywords 25
Gestão Integrada de Recursos Hídricos Urbanos. Integrated Urban Water Management. Sanitation.
Saneamento. Sustentabilidade. Sustainability.
1. Introdução
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O edital provocou uma série de manifesta- rantir o controle social da prestação de serviços
ções, contestações e propostas apresentadas – comitê de monitoramento X comitês de bacias
em artigos acadêmicos, webinários, na mídia, nas hidrográficas; e f) qualificação do verificador/
redes sociais e, sobretudo, durante a consulta certificador independente dos serviços prestados
pública. As principais críticas e reivindicações ao pela concessionária.
Anexo IV - Caderno de Encargos foram: a) ques- É importante analisar como o novo modelo de
tionamento da solução temporária de CTS; b) a concessão de saneamento afetará a governança
perda de poder do município na escolha de locais dos recursos hídricos, as relações entre os diver-
a serem beneficiados e preocupação com ônus sos níveis governamentais – União, Governo do
da manutenção; c) necessidade de delimitar em Estado e Municípios da Região Metropolitana –,
contrato as áreas irregulares que serão benefi- bem como as relações entre os órgãos colegia-
ciadas; d) necessidade de cronograma de metas dos do Sistema Nacional de Gerenciamento de
para universalização do saneamento e receio de Recursos Hídricos (SINGREH), em especial as do
prorrogação ou postergação de investimentos Comitê de Bacia Hidrográfica da Baía de Guana-
com o consequente adiamento da solução defini- bara (CBH-BG) e seus subcomitês. Afinal, uma das
tiva; e) questionamento da governança para ga- questões mais intrigantes é compreender porque
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2. Material e métodos
- Planejamento Estratégico, Controle Social e Gestão Financeira - Fortalecer e estabelecer instrumentos de gestão
2019-2022 - metodologia do Dragon Dreaming
Quanto ao conceito de participação social, des- anos, o planejamento estratégico do mundo dos ne-
tacam-se como referências o famoso artigo sobre gócios foi migrando, ou melhor, sendo incorporado
participação cidadã de Sherry Arnstein (ARNSTEIN, por outras disciplinas e pela administração pública.
1969) e a obra seminal do cientista político Norber- Ressalte-se que o edital prevê que a concessionária
to Bobbio O Futuro da Democracia: uma defesa apresente um plano de ação à agência reguladora,
das regras do jogo (BOBBIO, 1986). Ressalte-se que no máximo 180 dias após a assinatura do termo de
a crítica à manipulação como forma ilusória de par- transferência, o qual terá de ser revisto a cada cinco
ticipação, do final dos anos 1960, e da qual Arnstein anos. No urbanismo, o Planejamento Urbano Estra-
foi um dos expoentes, se insurgiu contra os projetos tégico, também conhecido como Projetos de Reno-
de renovação urbana e de combate à pobreza que vação Urbana, começou a ganhar espaço após o
haviam adotado alguns expedientes participativos paradigmático Plano de Reestruturação Urbana de
em benefício do grande capital e dos setores afluen- Barcelona para os Jogos Olímpicos de 1992. Hoje em
tes da sociedade. A crítica atual, por outro lado, é ao dia, o Planejamento Urbano Estratégico é considera-
engajamento cidadão nas políticas de adaptação à do um tipo de governança. O geógrafo Jordi Borja e
mudança climática, visto como uma transferência de o sociólogo Manuel Castells, no livro Local y Global
responsabilidades. Bobbio, nos anos 1970, já havia (BORJA; CASTELLS, 1998), definiram o Planejamento
nos alertado que a participação de todos os cida- Estratégico Urbano como:
dãos em todas as decisões a eles pertinentes é uma
Um projeto que unifica diagnósticos, es-
proposta insensata para as modernas sociedades
pecifica ações públicas e privadas e es-
industriais, pois, além de materialmente impossível,
tabelece um quadro de referências coe-
é indesejável do ponto de vista do desenvolvimento
rente de mobilização para a cooperação
ético e intelectual da humanidade. Faz-se necessário,
de atores sociais urbanos. Um processo
como buscou o autor, desfazer equívocos como o de
participativo é uma prioridade na defini-
opor a “democracia direta” à “democracia represen-
ção de conteúdo na medida em que será
tativa”, ou o de desmantelar o Estado do Bem-Estar
a base para a viabilidade dos objetivos
Social (Welfare State) para combater o excesso de
e ações propostas. O resultado do Plano
Estado representado pela burocratização, o corpo-
Estratégico não deve ser necessariamen-
rativismo e o assembleísmo. Em resumo, para evitar
te a criação de resoluções ou de um pro-
extremos, as regras do jogo democrático precisam
grama de governo (embora sua adoção
ser respeitadas.
pelo Estado e o Governo Local deva ins-
No que concerne ao referencial teórico-concei-
tigar regulamentos, investimentos, medi-
tual do Plano de Ação (Action Planning), é impor-
das administrativas, políticas, iniciativas
tante esclarecer que se trata de um método es-
etc) mas sim de um contrato de política
tratégico que começou a ser usado nos anos 1980
entre as instituições públicas e a socie-
por grandes companhias para ajudar no foco e na
dade civil. Por essa razão, o processo que
definição das etapas necessárias ao alcance de de-
se segue à aprovação do plano e o mo-
terminados objetivos, e que até hoje é um aspecto
nitoramento e a implementação de me-
importante do gerenciamento estratégico. Várias
didas ou ações é tão ou mais importante
empresas e firmas de consultoria desenvolveram
do que o processo de elaboração e de
ferramentas analíticas e técnicas para auxiliar no
aprovação consensual.
planejamento estratégico, como, por exemplo, a
análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportuni-
ties and Threats), ou, em português, FOFA (Forças,
Oportunidades, Fraquezas e Ameaças). Ao longo dos
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revista ineana v. 09 n.01 p.24 - 39 jan > jun 2021
2.1 Plano de Ações de Mediação inundações e graves consequências para a saúde
pública, como ilustrado na Figura 4.
O Plano de Ações de Mediação apresentado a Em seguida, discutiu-se quais seriam as solu-
seguir foi elaborado no curso de treinamento ções para esses problemas e descartou-se, em co-
Integrated Urban Water Management (IUWT), mum acordo, ações de remoção de habitações nas
oferecido pela ONU-Habitat e o International Urban margens dos rios, pois nem todas as três cidades
Training Center em Hongcheon-gun, na Província dispõem de territórios para realocação.
de Gangwon, Coréia do Sul, em dezembro de 2020, Foi elaborado, então, um perfil de cada cidade,
em colaboração com dois autores: Dr. Abbu Bakar composto por: população; área; recursos hídricos;
Siddique, de Bangladesh, e Thanh Nguyen Thai, do Produto Interno Bruto per capita; principais
Vietnã. A apresentação conferiu aos autores do tendências de crescimento econômico, populacional
plano o prêmio de melhores Action Plan Developers e meios de transporte; principais problemas e
do curso. O grupo multinacional discutiu quais ameaças; a visão para 2030 com objetivos para três e
seriam as características e problemas comuns a cinco anos; análise de sustentadores (stakeholders);
três cidades: Rio de Janeiro, no Brasil; Faridpur, em levantamento de leis e regulamentos-chave e da
Bangladesh; e Ho Chi Minh, no Vietnã. Concluiu- estrutura institucional relevante para o planejamento;
se que as três cidades enfrentam problemas de identificação de soluções e ações; priorização das
habitação informal em áreas não urbanizadas e ações; e o desenho do plano e de sua implementação
poluição da água, com rios negros e odoríferos, realçando as oportunidades e riscos.
City's problem
Figura 4 - Plano de Ação Waste Water Treatment Action Plan 2020. No alto à esquerda: comunidade no Rio de Janeiro (Foto:
Pedro Lobo)
31
revista ineana v. 09 n.01 p.24 - 39 jan > jun 2021
Na sequência, foram definidas quais metas da Essas soluções/ações foram, então, priorizadas
Agenda 2030/Objetivos do Desenvolvimento Susten- em função de quatro critérios: a) relevância para ne-
tável seriam trabalhadas: 6.3 - reduzir pela metade a cessidade da população; b) urgência; c) efetividade;
proporção de águas residuais sem tratamento; 11.3 e d) viabilidade técnica e financeira. A Ação 1 foi a
- melhorar a capacidade de planejamento partici- que obteve a pontuação mais alta.
pativo, integrado e sustentável dos assentamentos Na análise de stakeholders institucionais (Qua-
urbanos; e 13.2 - integrar medidas para a mudança dro 2), foram identificados aqueles que têm poder
climática nas políticas, estratégias e planejamento direto na implementação do Edital de Concessão do
municipais. As seguintes metas foram acordadas Saneamento, posteriormente subdivididos entre os
para as três cidades até 2025: reduzir em 20% a que têm pouco interesse (Companhia Estadual de
poluição dos rios e aumentar em 25% o volume de Águas e Esgotos - CEDAE; Agência Reguladora de
águas residuais tratadas por meio de um plano para Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de
assentamentos urbanos que integrasse medidas Janeiro - AGENERSA; e Assembleia Legislativa do Es-
para a mudança climática às políticas municipais. tado do Rio de Janeiro - ALERJ) ou grande interesse
Em seguida, foram identificadas quatro solu- (ministérios de Desenvolvimento Regional e da Eco-
ções/ações para atingir as metas acordadas: nomia; Banco Nacional de Desenvolvimento Econô-
mico e Social - BNDES; Ministério Público do Estado
do Rio de Janeiro – MPE-RJ). Quanto aos atores-
Ação 1. Instalar coletores de tempo seco em fa velas.
-chave com poder indireto sobre a implementação
Ação 2. Aplicar tecnologia para reparo de tubulação do edital, foram agrupados entre os com pouco inte-
sem escavação. resse os sindicatos e as associações de moradores,
e, entre os com grande interesse, o Instituto Rio Me-
Ação 3. Construir sistema de esgotamento sanitário
trópole, as companhias privadas de saneamento e o
de separador absoluto.
setor de indústrias (FIRJAN), a Fundação Rio Águas
Ação 4. Melhorar a estrutura de gerenciamento. e a Vigilância Sanitária.
Estudo de Caso de Gerenciamento de Águas Urbanas: Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara (cidade do Rio de Janeiro +
16 municípios)
Projeto: descontaminação de rios e lagoas de efluentes e resíduos sólidos
Solução 1: privatização + coletores de tempo seco em favelas (urbanizadas e não urbanizadas)
INTERESSE
Fonte: Lobo, Siddique e Minh (Waste Water Treatment Action Plan 2020)
32
revista ineana v. 09 n.01 p.24 - 39 jan > jun 2021
Quadro 3 - Oportunidades (O) e riscos (R) para a implementação do sistema de Coletores de
Tempo Seco
Capacidade técnica e
Fatores Financeiros Fatores Humanos Ambiental
tecnológica
Fonte: Lobo, Siddique e Minh (Waste Water Treatment Action Plan 2020)
33
revista ineana v. 09 n.01 p.24 - 39 jan > jun 2021
Fonte: Lobo, Siddique e Minh (Waste Water Treatment Action Plan 2020)
Dengue Chikungunya
Municípios
Nº de casos Incidência em Nº de casos pre- Incidência em
previsíveis 100.000 hab visíveis 100.000 hab)
Destaque-se também a análise de potenciais im- também poderá contribuir com informações valio-
pactos à saúde da população fluminense frente ao sas para as oficinas participativas.
edital de concessão de saneamento, realizada por Recomenda-se que a metodologia para essas
pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (FIO- oficinas seja a de Avaliação Participativa Rápida
CRUZ) e da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) com utilização de Dispositivos de Análise de Percep-
(SOTERO-MARTINS et. al, 2020). Nela, dados secun- ção, os quais permitem o anonimato dos participan-
dários relacionados a indicadores de saneamento tes, viabilizando, assim, a aprovação no Comitê de
foram correlacionados a indicadores de saúde e Ética em Pesquisa do Conselho de Saúde.
georreferenciados para os municípios do Estado do 2) que a Classe IV, prevista na Resolução CONAMA
Rio de Janeiro e para os bairros da capital, incluindo nº 357/2005, seja excluída do Enquadramento de
taxas de incidência da Covid-19. Corpos Hídricos.
A pesquisa Saúde Urbana: doenças de veicula- O enquadramento e, depois, o monitoramento da
ção hídrica e doenças associadas à falta de coleta qualidade da água nos corpos hídricos que serão be-
de esgoto, linha de pesquisa 13 do edital de apoio à neficiados pelos CTS são fundamentais. Essas ações
pesquisa da RHV (Chamamento Público 010/2020), previstas no Plano de Ações de Mediação contribui-
36
revista ineana v. 09 n.01 p.24 - 39 jan > jun 2021
rão para o atingimento das metas de universaliza- (ANA, 2013). E, do ponto de vista de gestão, deve-se
ção do saneamento. Mas é preciso que as metas se- considerar que:
jam estabelecidas apenas para as classes especial,
Muitas vezes, os benefícios gerados por
I, II e III, de modo que os rios deixem de ser valões.
ter uma boa qualidade de água acabam
É o que se espera que aconteça quando o esgoto
por superar, em muito, os custos de in-
passar a ser encaminhado para as ETEs, ao invés de
vestimento em estações de tratamento
ser despejado in natura nos corpos hídricos, pelo
de esgoto. Portanto, é preciso promover
menos durante o tempo seco. Essa proposta foi ado-
a articulação dos vários níveis de plane-
tada com sucesso pelo Comitê da Bacia Hidrográfi-
jamento, como os recursos hídricos, meio
ca Piracicaba, Capivari e Jundiaí e é advogada pela
ambiente, saneamento e uso do solo.
S.O.S. Mata Atlantica e por outras organizações da
(ANA, 2013)
Frente Parlamentar Ambientalista. (RIBEIRO; TRE-
MAROLI, 2020). 3) que o monitoramento da qualidade da água
O art. 3 da Resolução nº 91/2008 do Conselho dos rios que serão interceptados pelos CTS e que te-
Nacional de Recursos Hídricos estabeleceu que “a rão seus trechos enquadrados entre as classes I e III,
proposta de enquadramento deverá ser desenvolvi- com parâmetros e prazos específicos para diluição
da em conformidade com o Plano de Recursos Hí- da carga orgânica poluente, seja acompanhado pela
dricos da Bacia Hidrográfica, preferencialmente du- observação voluntária do tipo ciência cidadã.
rante a sua elaboração”. Este é o caso do Plano da Para concluir, esperamos que o Plano de
CBBH, atualmente em atualização, sendo essa, por- Ações de Mediação proposto possa vir a ser exe-
tanto, a oportunidade ideal para a aplicação desse cutado, em resposta à questão que angustia to-
instrumento. O enquadramento, inclusive, também é dos os fluminenses: qual é o tempo que o tempo
previsto pelas políticas estaduais de recursos hídri- do tempo seco tem?
cos e, de modo geral, deve ser usado como referên-
cia para a outorga e cobrança de recursos hídricos.
Referências bibliográficas
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2019-2022. Rio de Janeiro, 2019. executivo. [S.l.: s.n.], 2019.
39
Foto: Silva, W.M.
Palavras-chave Keywords
Percepções Ambientais. Parque Estadual dos Três Picos. Environmental Perceptions. Three Peaks State 41
Saberes Tradicionais. Mata Atlântica. P ark (RJ). Traditional Knowledge. Atl antic Forest.
1. Introdução 1.1 As unidades de conservação e os saberes
revista ineana v. 09 n.01 p.40 - 53 jan > jun 2021
tradicionais
O ser humano transforma e é transformado
A humanidade sempre protegeu determinadas
em sua relação com o ambiente em que vive.
-
Nesta relação com o espaço vivido, surgem inte-
rém, a proteção pura e simples para a preserva-
rações antagônicas com os lugares e uma diver-
ção dos recursos naturais iniciou-se no século XIX,
sidade de formas culturais cada vez mais com-
com a criação do Parque Nacional de Yellowstone,
plexa (TUAN, 1980). As comunidades locais que
nos Estados Unidos.
vivem e possuem uma história construída nos
O surgimento das primeiras áreas naturais pro-
territórios que constituem as áreas protegidas
tegidas propiciou uma evolução histórica na gestão
possuem percepções ambientais que diferem
de áreas protegidas ao redor do mundo, ao instituir
de lugar para lugar e que podem ser utilizadas
um modelo no qual, dentro dessas áreas, o ser hu-
como importante fonte de saberes tradicionais
mano seria um visitante e nunca mais um morador.
para a educação ambiental.
Tal corrente de pensamento, que defende a separa-
Na Mata Atlântica, ecorregiões com expressi-
ção homem-natureza, é chamada de conservacionis-
vas riquezas biogeográficas se traduzem em uma
ta, uma vez que entende o indivíduo como um fator
grande diversidade de paisagens e culturas deri-
gerador de grande impacto no mundo natural (DIE-
vadas dos diferentes povos que interagem com
GUES, 2008; PEREIRA, 2018). Outra corrente de pen-
a floresta ao redor, construindo paisagens dis-
samento, denominada preservacionista, admite uma
tintas de acordo com as formas de apropriação
relação mais próxima entre culturas humanas e áreas
do espaço (DEAN, 1996; SANTOS, 1996; DIEGUES,
protegidas, pois parte do princípio que as sociedades
ARRUDA, 2001). Desta forma, a escolha do Par-
humanas também fazem parte do que conhecemos
que Estadual dos Três Picos (PETP), uma unidade
como natureza e, portanto, podem e devem fazer
de conservação de proteção integral, como obje-
parte de áreas protegidas (DIEGUES, 2008).
to deste estudo, mostra-se de suma importância
Os modelos para a criação de tais áreas surgiram
para o estabelecimento de diretrizes socioam-
a partir de experiências norte-americanas em seus
bientais que protejam a diversidade biológica e
parques naturais e das recomendações da União In-
geológica da região, assim como a riqueza cul-
ternacional para a Conservação da Natureza (IUCN,
tural das comunidades que vivem no entorno ou
na sigla em inglês). Esta política conservacionista
dentro do parque.
quase sempre considera o homem o causador da
A pesquisa realizada buscou analisar as per-
destruição do meio ambiente, motivo pelo qual defen-
cepções ambientais e os saberes tradicionais das
de a manutenção de ilhas conservadas de natureza
comunidades Boca do Mato, Guapiaçu e Paraíso,
“intocável” como uma espécie de testemunho vivo do
em suas relações culturais com a área protegida
que eram esses territórios antes do estabelecimento
na qual estão inseridas. O estudo da relação das
humano, tal qual descrito na obra O Mito Moderno
comunidades locais com o PETP pode estabele-
da Natureza Intocada (DIEGUES, 2008).
cer novos parâmetros de sustentabilidade frente
O poder destruidor do homem pré-revolu-
aos conflitos sociais que ocorrem em unidades de
ção industrial também é corroborado por auto-
conservação. Sob essa perspectiva, a criação de
res como Dean (1996) e Coimbra-Filho & Câmara
empregos, a educação ambiental e os serviços
(1996), cujos estudos mostram o impacto de po-
ambientais decorrentes da conservação do ar,
pulações ditas equilibradas sobre a Mata Atlântica
da água, do solo, da fauna e da flora despontam
brasileira. As unidades de conservação, a despeito
como benefícios sociais essenciais para todos
das diferenças entre as correntes conservacionis-
aqueles grupos que vivem no entorno ou dentro
ta e preservacionista, apresentam-se como uma
no parque, auxiliando também na preservação
das principais alternativas viáveis de conservação
42 dos saberes locais.
seu seio cultural (DIEGUES, ARRUDA). Finalmente,
visa dos estados do Rio de Janeiro e de Minas Ge- discutidas por vários setores da sociedade. Isso à
rais. (MEDEIROS, 2006). No entanto, desde a sua parte, a ética com o trato dos recursos naturais
criação, no ano de 1937, houve no Brasil uma evo- torna-se cada vez mais importante, à medida que
lução nos instrumentos legais para a criação de a procura e o uso de recursos naturais aumentam
áreas protegidas. Hoje existem várias tipologias, com a evolução da técnica, conforme analisado na
entre as quais a categoria “parque estadual”, que obra A Natureza do Espaço (SANTOS, 1996).
equivale à “unidade de proteção integral” constan- Os povos do planeta, com suas diferentes cul-
te no SNUC (2000). O PETP possui inúmeros servi- turas, mantém uma relação bem antagônica com
ços ambientais em seus limites. A gestão correta o meio que os cerca. Por conta disso, a percepção
ambiental é essencial para que as pessoas desen-
públicas, a sociedade civil e as comunidades locais volvam novas relações com o planeta e com os
que lutam por sua manutenção, em benefício pró- recursos naturais (CUNHA, LEITE, 2009). Pinheiro
tradicionais, populações locais, culturas locais ou zação ambiental e sensibilização ambiental. A per-
comunidades tradicionais possuem forte carga de cepção seria entender com a ajuda dos sentidos, a
ambiguidade ou se baseiam em conceituações uti- sensibilização teria um caráter mais profundo que
lizadas sem critérios mais precisos. Esta confusão a percepção, e a conscientização, adquirida depois
equívocos. As maiores diferenças dizem respeito biente, servindo, ainda, de exemplo para mudan-
nia e ao reconhecimento da cultura ancestral, bem grau de seletividade de nossos sentidos frente aos
distinta da cultura que domina os grandes centros estímulos da paisagem que nos cerca. Isto é, a nossa
urbanos ou espaços rurais. Para serem reconheci- imagem do mundo vai sendo construída através dos
dos, os povos nativos ou tradicionais precisam os- estímulos recebidos em nossas relações com o meio.
e interpessoal com grupos culturais diferentes. ras nuances frente ao mundo que vemos e em que
Além disso, necessitam ter idiomas e/ou dialetos fomos criados. A percepção ambiental nos oferece
próprios, muitas vezes em desacordo com aque- uma natureza pessoal, de acordo com nossos elos
le predominante em nível nacional, e apresentar e relações afetivas com os lugares em que fomos
instituições sociopolíticas singulares dentro do criados e com o qual possuímos uma história.
43
A área do PETP é um ambiente essencialmente Corrêa (2012) sustenta que uma das possibilida-
revista ineana v. 09 n.01 p.40 - 53 jan > jun 2021
são estética. As paisagens podem ser ideológicas pelo Decreto nº 31.343, de 5 de junho de 2002.
ou até mesmo servir como guia dos serviços do Sua área, de difícil acesso nas regiões mais altas,
espaço, entre outras características. Por con- compreende terras dos municípios de Cachoeiras
ta disso, a paisagem vista no PETP possui uma de Macacu (49,01%), Teresópolis (19,09%), Nova
natureza singular, de acordo com a cultura das Friburgo (19,07%), Silva Jardim (7,01%) e Guapi-
comunidades locais. Novamente, o conceito de mirim (4%). Com 65.113 hectares, foi ampliado em
“povos da floresta” pode fazer com que essas po- 2009 e está localizado no leste do estado, na Ser-
pulações tenham dificuldades em ver e perceber ra do Mar, possuindo paisagens de grande beleza,
a paisagem como um todo, visto que a arqueolo- diferentes ecossistemas e um contexto complexo
gia da paisagem demora um certo tempo para se em termos de cultura, biodiversidade e geodiver-
constituir (CLAVAL, 2007). sidade (INEA, 2013).
44
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Figura 1 - Mapa atual do Parque Estadual dos Três Picos
Fonte: INEA (www.inea.rj.gov.br)
45
barragem. As saídas de campo preliminares aconte-
de de riquezas naturais, como recursos hídricos
ceram em janeiro de 2014, nos finais de semana utilização de recursos naturais do parque, como
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49
Rio Guapiaçú e suas águas límpidas
Foto: SILVA, W. M.
possam ser apontados como alguns dos motivos.
revista ineana v. 09 n.01 p.40 - 53 jan > jun 2021
Atualmente, a Mata Atlântica da região engloba as palmito da espécie Euterpe edulis, conhecido po-
áreas mais preservadas do Estado do Rio de Janei- pularmente como palmito-juçara, era extraído na
ro, mesmo com o aumento populacional iniciado em -
1951, com projetos do Instituto Nacional de Coloniza- bientais em várias regiões de Mata Atlântica do país.
ção e Reforma Agrária (INCRA) (SILVA, 2015). Hoje, a retirada do palmito na área do parque é mais
Outro uso do parque muito citado (por 19% dos rara. Já o uso de plantas medicinais foi relatado por
moradores) foi o da água. Nas três localidades es- quatro pessoas (8% do total amostrado). Na Boca do
tudadas, ela é captada de nascentes ligadas aos Mato, apenas uma moradora, descendente quilom-
rios que fazem parte da Bacia do Rio Macacu (Boca
do Mato), das bacias dos rios Caceribu e Guapiaçú parque, hábito que adquiriu depois de ter aprendido
(Guapiaçú), e da Bacia do Rio Paraíso (Paraíso). -
Segundo o plano de manejo do PETP (INEA, 2013), das na mata com sua falecida avó. Também é digno
a água do parque é de boa qualidade e abastece de nota o uso religioso de áreas protegidas por parte
a região mais preservada da Baía de Guanabara, de protestantes na comunidade Paraíso.
cujos rios drenam para a Área de Proteção Ambien- -
tal (APA) Guapimirim. A qualidade da água é ates- dos, como a proibição ao corte de árvores e à cons-
tada também pela presença de empresas de água trução de novos imóveis em áreas que atualmente
mineral ao redor dos municípios em que o PETP está
inserido e pelas inúmeras quedas d’água utilizadas -
pelos moradores nas épocas de grande calor desde
antes da criação do parque. Esse novo cenário é decorrente da criação e esta-
O uso de áreas do parque para atividades de belecimento do PETP, que proporcionou um melhor
lazer e turismo, como banhos de cachoeira, trilhas, ordenamento do solo, segundo relato de um mo-
descanso, apreciação da beleza da paisagem e lei- rador da Boca do Mato, e, também, do êxodo rural
tura de livros, também foi citado. Se antes da criação ocasionado pela diminuição das atividades agrope-
do PETP 11% dos moradores entrevistados o utiliza- cuárias nas imediações do parque (principalmente
- na Boca do Mato).
des de lazer. Contribui para esse pouco uso o fato de Na região da comunidade Guapiaçu, a criação
o núcleo do PETP em Paraíso ser fechado à visitação. da Reserva Ecológica de Guapiaçu (REGUA) tam-
Não há atualmente qualquer cultura ou ativida- bém contribuiu para mudanças semelhantes, em
de de agricultura nas localidades das entrevistas. razão das atividades lá desenvolvidas, ligadas à
5. Conclusões
4.3 Conflitos ambientais e relações com os
gestores do PETP
A região do Parque Estadual dos Três Picos possui
Ao redor do mundo, as áreas protegidas lidam um imenso potencial de belezas naturais a serem des-
com várias problemáticas em relação ao seu uso. frutadas e mais bem geridas de acordo com o SNUC.
As relações entre diferentes atores sociais (mem- Esse é o melhor caminho para que sejam construídas
bros da sociedade civil, gestores, turistas etc.) se estratégias de preservação, como políticas públicas
materializam, muitas vezes, de forma antagônica, que tragam renda para a população das comunida-
necessitando da intermediação de pessoas que des instaladas dentro ou no entorno do parque e, ao
possuem técnicas e procedimentos corretos para mesmo tempo, protejam a própria Mata Atlântica, sua
mitigar os efeitos danosos decorrentes de even- bidoversidade e sua geodiversidade.
tuais conflitos. A importância estratégica do parque e seu entor-
O PETP, atualmente, não registra graves pro- no também deve ser enfatizada, principalmente em
blemas ambientais, como observado antes da relação aos abundantes recursos hídricos da região,
sua criação, uma vez que trouxe melhor ordena- que, além de inúmeras nascentes, abriga rios como
mento para o uso do solo e protegeu a floresta da
ação descontrolada de palmiteiros, caçadores e da Baía de Guanabara –, muito cobiçados por em-
lenhadores, trazendo inúmeros benefícios para os presas de água mineral e pelo estado, interessados
serviços ambientais diretos e indiretos da região. em atender ao imenso cotingente populacional do
No entanto, é necessário melhorar as relações Recôncavo da Guanabara.
entre os moradores e os gestores do parque, que Recentemente, nos anos de 2015 e 2016, vários
muitas vezes são vistos apenas como repressores agricultores e moradores de Guapiaçu ofereceram
de antigas práticas. ampla resistência aos planos do governo estadual
É de extrema importância estabelecer com os para o estabalecimento de uma barragem na lo-
moradores uma relação mais amistosa, para que calidade conhecida como Serra Queimada. Além
eles se transformem em mantenedores do parque. de afetar terras férteis do município de Cachoei-
Essa estratégia foi utilizada em uma reserva par- ra de Macacu, e deixar submersos remanescentes
ticular no entorno do parque, cujo dono passou a -
oferecer emprego para antigos caçadores. to o parque. A resistência, no entanto, deu certo,
Os parques e demais unidades de conserva- e a população continua de prontidão contra essa
ção no Brasil sofrem com a constante negligência ameaça a uma das regiões do estado de maior be-
do poder público e com a ganância do setor pri- leza e riqueza biológica e cultural.
vado. Os próprios moradores poderiam denunciar A expectativa é que essa pesquisa ajude na se-
às autoridades competentes – como já fazem – as dimentação de conceitos e no debate de assuntos
invasões por depredadores pouco preocupados cada vez mais importantes relacionados à sustenta-
com a finitude dos recursos naturais do Parque bilidade ambiental, como a percepção do ambiente
Estadual dos Três Picos. e os saberes tradicionais das comunidades Boca do
Além dissso, os saberes tradicionais sobre as
trilhas, animais e plantas poderiam se tornar um bem como as entrevistas que tornaram possíveis as
forte aliado do saber científico. Todo saber é vá- discussões e os resultados, foi feita com os embasa-
lido. O que importa é a sua aplicação em prol da mentos teóricos, conceituais e epistemológicos ne-
51
cessários para o alcance dos objetivos propostos e para garantir o desenvolvimento sustentável de re-
revista ineana v. 09 n.01 p.40 - 53 jan > jun 2021
para uma satisfatória interpretação dos fenômenos manescentes da Mata Atlântica. As demandas cole-
sócioambientais, de acordo com a escala envolvida tivas da sociedade são cada vez mais importantes
e com as áreas escolhidas do PETP. em um mundo em que áreas com alta diversidade
A seguir, são apresentadas algumas estraté-
gias para auxiliar na conservação da Mata Atlânti- com paisagens belíssimas, muitas vezes sem qual-
ca, aproximar as comunidades instaladas no PETP quer estudo aprofundado, por conta do uso insus-
- tentável do sistema econômico-político vigente.
tores do parque: O estudo apresentado neste trabalho busca
contribuir para outros envolvendo as relações entre
1. Aplicação de trabalhos de conscientização em as populações humanas e as áreas protegidas no
salas de aula, no entorno das escolas e nos lugares Brasil. O Parque Estadual dos Três Picos é a maior
unidade de conservação administrada pelo gover-
- no estadual do Rio de Janeiro e conservá-lo para
ções futuras; as futuras gerações é essencial em tempos de es-
2. cassez de água, extinção de espécies da fauna e da
sobre educação ambiental e a história da devasta-
ção da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro; aumento do interesse público por soluções para as
3. Realização de mutirões com representantes de crises ambientais que vivemos no mundo atual.
órgãos públicos e da sociedade civil para a limpe-
-
-natureza. Sociologias, Porto Alegre, ano 20, n. 49, p.
338-366, 2018.
2019
jun 2021
- xx>>xxx
história ambiental e leitura
p. xxjan
v. 11- 69
n.01 p.54
das paisagens
v. 09ineana
revista
revista ineana
Petrópolis, the Marks of Society in Nature:
environmental history and reading of
landscapes
Valério Winter
Resumo Abstract
O município de Petrópolis RJ foi tema de diferentes The municipality of Petrópolis RJ has been the sub-
estudos, mas em nenhum deles a relação histórica so- ject of different studies, in none of which the histo-
ciedade/natureza foi o objeto principal. O objetivo do rical relationship between society and nature was
estudo, cujos resultados aqui apresentamos foi inves- the main object. The objective of the study, which
tigar como que, ao longo da história, formas e percep- we present the results here, was investigated as if
ções da natureza condicionaram a ocupação, defini- throughout history, forms and perceptions of nature,
ram funções e influenciaram as paisagens verificadas conditioned the occupation, defined functions and
no lugar. Como base, utilizamos autores oriundos da lead in the landscapes verified in the place. We use
Geografia Cultural e História Ambiental. Concluiu-se authors from Cultural Geography and Environmen-
que a percepção histórica da natureza foi fundamen- tal History. It was concluded that the historical per-
tal na construção da paisagem atual e problemas ception of nature was completed in the construction
ambientais a ela relacionados. Ao longo de 300 anos, of the current landscape and related environmental
a percepção social da natureza foi caracterizada por problems. Over 300 years, the social perception of
movimentos evolutivos, estagnações e retrocessos, nature was characterized by evolutionary move-
nos quais a necessidade por espaço e a ideia de natu- ments, stagnations and setbacks, where the need
reza influenciaram na artificialização e impactação do for space and the idea of nature influenced the arti-
meio natural, condicionando formas e funções. ficialization and impact of the natural environment,
conditioning forms and functions.
Palavras-chave Keywords
Geografia. História Ambiental. Cultura. Paisagem. Geography. Petrópolis. Culture. Landscape. Nature.
55
1. Introdução
revista ineana v. 09 n.01 p.54 - 69 jan > jun 2021
banha não ultrapassa os 80 metros de largura. “A cultura não é algo que funciona através dos seres
A profundidade média e a grande incidência de humanos; pelo contrário, têm que ser constante-
seixos rolados e trechos encachoeirados, ao lon- mente reproduzida por eles em suas ações” (COS-
go do seu percurso impossibilitam a navegação GROVE,1998).
(LORDEIRO, 2006). Ao pensar nas dinâmicas transformadoras da
paisagem, o pesquisador ambiental utiliza como
arma a interdisplinariedade, abordando conhe-
2. Natureza, paisagem e história cimentos de geomorfologia, espaço e história. A
ambiental geomorfologia permite que pensemos a paisagem
como unidade, mas é a partir da relação da socie-
dade com a natureza que chegamos a uma refle-
Para os professores Carvalho e Visentini, (1991), xão diferenciada, contrapondo os elementos físicos
a relação homem/natureza é um dos pressupostos da paisagem com as influências culturais, o que nos
para as relações dos homens com seus semelhantes. leva à história ambiental.
O ser humano é fundamentalmente constituído pela Oliveira (2007) entende a história ambiental
natureza. As diferentes ideias de natureza concebi- como um “campo de estudo” interdisciplinar, capaz
das pelos homens em cada período histórico refle- de reunir a história da interação sociedade/natu-
tem a sua propria evolução. Há uma multiplicidade reza, como a estrutura física e aspectos biológicos
de maneiras de se relacionar com a natureza. Tais do meio natural. Uma área de conhecimento muito
diferenças são resultado de construções históricas, próxima da geografia que trouxe novas discursões
acordos sociais e aspectos culturais. Quando aproxi- também para as demais ciências humanas.
mamos nosso olhar sobre um determinado período, A história ambiental recebeu forte influência de
conformação social ou cultural, podemos também autores franceses das décadas de 1920 e 1940, os
encontrar diferentes formas de conceber e entender quais publicavam seus artigos na revista Anaales.
a natureza e encontrar sua expressão visível, a pai- Para aquele grupo de estudiosos, a história não
sagem (CARVALHO; VISENTINI, 1991). deveria ser estudada como sequência de aconte-
Em O Homem e a Terra: a natureza da reali- cimentos, mas sim como processo em construção,
dade geográfica, Eric Dardel descreve a geografia utilizando diferentes fontes: arqueológicas, econômi-
como “a ciência da relação entre o indivíduo e a su- cas, sociais, culturais, entre outras. O salto conceitual
perfície terrestre”, Seria a "geograficidade", uma re- produzido pela escola dos Anaales promoveu uma
lação visceral que implica na existência e destino do crescente interdisciplinaridade com as demais ciên-
indivíduo (DARDEL,1952). Dardel afirma que "muito cias. Pesquisadores como Marc Bloch e Lucien Feb-
mais que uma justaposição de detalhes pitorescos, vre já apontavam para a importância das questões
a paisagem é um conjunto, uma convergência, um ambientais. Em 1949, Fernand Braudel, em O Medi-
momento vivido, uma ligação interna, uma impres- terrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de
são, que une todos os elementos" (DARDEL,1952). A Felipe II, chama a atenção para as paisagens geo-
paisagem é o reflexo das sociedades humanas no lógicas sobre as quais ocorrem os processos socioe-
espaço, comporta marcas gravadas pela vivência, conômicos e políticos (SOUZA, 2011).
existe porque existem homens. A paisagem é o resul- No Brasil, a história ambiental e a geografia con-
tado visível do mundo humano. fundem-se com a literatura. O professor Rui Ribeiro
A paisagem e seus significados encontram-se de Campos, no livro Breve Histórico do Pensamento
ocultos no cotidiano dos lugares, e é justamente nele Geográfico Brasileiro nos Séculos XIX e XX, apre-
que são reforçadas as relações sociedade/natureza senta obras literárias caracterizadas pela reação ho-
mediadas pelas técnicas e representações culturais: mem/natureza, antes da geografia como disciplina
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acadêmica ou de qualquer conceituação de história Castro (2003) conclui que os geógrafos, ao refletirem
ambiental. Campos ressalta que Euclides da Cunha sobre as diferentes concepções da geografia, intro-
(1866-1909), em seus estudos dos aspectos naturais duzem algumas questões essenciais para a história
nordestinos e textos sobre a Amazônia, buscou re- ambiental, como: a influência do meio sobre as socie-
lacionar os aspectos históricos, naturais e socioeco- dades, das cidades sobre o meio ou ainda a influência
nômicos da região. Sua obra era mais completa e recíproca entre o homem e o meio, o que fica clara-
avançada do que a geografia descritiva da época, mente refletido na paisagem. Segundo Morais (1991),
“ao mesmo tempo em que levantava hipóteses so- isso seria a paisagem como “registro de época e um
bre o solo amazônico e explicava o fenômeno das documento de cultura”. Para a história ambiental, essa
terras-caídas (assoreamento)” (CAMPOS, 2011). definição é fundamental, uma vez que introduz na pai-
Outro precursor do tema foi Sérgio Buarque de sagem o tempo e a cultura, o que também subsidia
Holanda (1902-1982). Em Raízes do Brasil (1963), o o estudo das relações sócio econômicas que surgem.
autor procura inserir culturas e processos sociais no Como escreveu Worster (1991), a pesquisa em his-
contexto ambiental de ocupação do território pelos tória ambiental, apesar de trabalhosa pela interdisci-
bandeirantes. Além de descrever técnicas e práticas plinaridade, é também extremamente gratificante. É o
cotidianas – caça e coleta, lavoura, viagen, vestimen- resgate dos sentidos dos homens sobre a natureza, o
tas, o intelectual trabalha a percepção dos paulistas entendimento de um conjunto complexo de forças físi-
sobre a vida e a natureza que os cerca (SOUZA, 2011). cas e concepções culturais. Longe de ser algo simples
Em 1973, autores da chamada 3ª geração dos de ser realizado, é um desafio a ser superado.
Annales, entre eles, Emmanuel Le Roy Ladurie, ressaltam
a importância do “clima” para a reflexão do historiador. 3. Resultados obtidos
Mas, é no meio acadêmico dos Estados Unidos que
ocorre a maior e mais significativa produção de história
ambiental, condição que perdura até hoje. Estudos A história da ocupação do alto da Serra da Estrela
como os de Clarence Glacken, Traces on the Rhodian e posteriormente do Vale do Rio Piabanha serve como
Shore: Nature and Culture in Western Thought from modelo para entendermos as diferentes experiências
Ancient Times to the End of the Eighteenth Century, humanas com a natureza. Partindo dos primeiros ha-
de 1967; Roderick Nash, Wilderness and the American bitantes, passando pelos primeiros colonizadores, de-
Mind, também de 1967; Donald Worster, Nature’s pois pelos viajantes/naturalistas, sem desconsiderar
Economy: a history of ecological ideas, de 1977, e, o planejamento da cidade, a ascensão e queda da
um pouco mais tarde, Warren Dean, Brazil and the indústria, tudo se explica na paisagem. Uma represen-
Struggle for Rubber: a study in environmental history, tação complexa na qual o homem não é uma unidade
de 1987 e A Ferro e Fogo: a história e a devastação isolada, e só pode ser compreendido pela forma como
da Mata Atlântica brasileir, de 1995, evidenciam o percebe e se relaciona com a natureza.
trabalho que é considerado por muitos como o mais Ao longo de 300 anos de História diferentes per-
importante estudo de história ambiental realizado no cepções influenciaram na transformação da paisa-
país formatando, sistematizando e levando, para além gem. No entanto, mesmo moldada espacialmente em
do meio acadêmico o campo da história ambiental favor do homem, a paisagem permaneceu fisicamen-
(SOUZA, 2011). te em oposição, o que gerou uma história de adaptação.
Para Freitas (2007), o que une história ambiental e 3.1 Da natureza compartilhada à natureza
geografia é a percepção comum do homem como o apropriada
principal elemento transformador do ambiente, mes-
mo que ainda se encontre restrito aos arranjos físicos O marco inicial da análise fesita neste trabalho é
do mesmo (FREITAS, 2016). a primeira metade do século XVIII, período no qual,
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conforme revelou a pesquisa, teriam existido as- Portugueses e neobrasileiros que chegam ao
sentamentos de populações tradicionais, no caso sertão dos índios Coroados reeditam o modus
um aldeamento indígena e dois grupos de quilom- operandi dos demais europeus que anos antes
bolas. Para designar as ocupações desse período conquistaram o litoral da colônia. São introduzi-
utilizamos a denominação criada por Fróes (2006), das novas ferramentas e animais. O uso do fogo é
Território Pré-Colonial Petropolitano (TPCP), que o intensificado (CABRAL, 2014). Os nativos fogem ou
autor emprega para descrever como era o Vale são escravizados. As novas tecnologias emprega-
do Piabanha antes da chegada dos primeiros co- das elevam o grau de impactação e a derrubada
lonos alemães. da floresta. No entanto, as características físicas
Sobreviventes das guerras de conquista trava- do terreno impedem a adoção da monocultura
das no litoral fluminense com grupos rivais e inva- agrícola, o que leva à busca por novas alternati-
sores europeus, grupos indígenas ramificaram-se vas econômicas.
pela região em diferentes famílias, chegando ao A ideia de construir um caminho alternativo ao
alto da serra a partir do Rio Paraíba do Sul (WIED - do ouro ganha corpo. É aproveitada uma antiga
NEUWIED, 1860). Eles percorreram todo o vale, des- picada ndígena, que é ampliada, criando assim
de o que é hoje o município de São João da Barra uma alternativa mais rápida e segura. Em pouco
até o encontro com os rios Piabanha e Paraibuna, tempo, o caminho passa a ser a principal função
– o primeiro descendo a vertente norte da Serra da da forma (SANTOS, 1978). Com a chegada de no-
Estrela, e o segundo a Serra da Mantiqueira. Três vos sesmeiros o processo é intensificado.
caminhos foram definidos: partindo do Rio Paraí- A forma da paisagem que nos restou foi aque-
ba do Sul duas etnias, Purys e Coroados, subiram la determinada pelo olhar do conquistador. A
por cerca de 20 km margeando o Rio Piabanha. Os descrição do lugar dos Coroados nos surge pelo
Purys seguiram pelo Rio Preto ocupando diferentes relato dos viajantes e naturalistas que percorre-
pontos em área que é hoje o município de São José ram a região no início do século XIX. A primeira
do Vale do Rio Preto. Um segundo grupo foi mais impressão da serra é de algo a ser vencido, um
adiante pelo vale, alcançando a montante um dos caminho a ser descoberto, é a forma de uma mu-
afluentes do Piabanha, onde, em um “sítio privile- ralha que protege o interior desconhecido e que,
giado”, instalaram sua aldeia. A paisagem então no imaginário europeu da época, estava repleto
construída teve como base a percepção indígena de tesouros a serem conquistados.
da natureza, a qual denominamos como “natureza Assim elaboramos o Quadro-síntese 1, na qual
compartilhada”, sendo a mesma pautada no temor, apresentamos (como nas demais) o cenário, pe-
equilíbrio e dependência. ríodo, atores envolvidos, o processo, a forma da
Graças à tecnologia rudimentar empregada, os paisagem e a percepção de natureza do momento.
impactos realizados não alteraram drasticamen- A natureza compartilhada, adaptada ao ritmo
te o meio natural. Mas, conforme observou Dean natural da cultura indígena, passa a ser de natu-
(1996), apesar de insignificantes essas intervenções reza apropriada. A natureza, antes um ser vivente,
criaram as condições necessárias para impactos é tornada em algo a ser convertido em capital. A
futuros. Dessa forma, a inserção pelos portugueses transformação da paisagem, antes imposta por
e seus descendentes da pecuária e de novas espé- agentes tectônicos/climáticos, agora é condicio-
cies vegetais no sertão serrano foram facilitadas nada pela técnica.
pela ocupação anterior. As trilhas indígenas de caça A paisagem retratada no Quadro-síntese 1 é a
utilizadas pelos colonizadores formaram estradas de tropeiros e viajantes prontos para vencer o ca-
e caminhos coloniais. A agricultura indígena abriu minho para o interior do país. Uma ação cotidiana
clareiras no terreno. na paisagem serrana desde a abertura, em 1721, do
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atalho de Bernardo Proensa. A forma da muralha 3.2 A natureza como patrimônio estratégico
escarpada que escondia um vale com encostas
declivosas também respondia pela função local
como rota de escoamento da riqueza. Era a subi- No caminho dos viajantes surgem lendas, uma
da da Serra da Estrela, uma estrada perdida no en- delas a da figueira de Tiradentes, localizada na
clave colonial português, mas que epresentava um fazenda do Padre Correia. A enorme árvore foi
importante papel na economia mundo do período. mencionada por viajantes e escritores, como John
A partir do Caminho Novo a paisagem do alto Mawe, em 1809, e o brigadeiro Cunha Matos em 1823
da Serra da Estrela é reordenada. As formas pas- (FRÓES, 2006). Segundo a lenda, o local era um pon-
sam a ser determinadas pela função. A paisagem to no qual Tiradentes descansava, quando percorria
resultante é a do caminho, das vias alternativas o Caminho do Ouro e que mais tarde recebeu uma
que fogem do fisco, das trilhas paralelas aos rios e de suas pernas esquartejadas, ficando a mesma ali
dos pontos de pouso e abastecimento nas fazen- pendurada, exposta como exemplo aos que tentas-
das que prosperam. A função é a da passagem, e sem se rebelar contra o domínio português – algo
a natureza é percebida pela ótica dos viajantes. não corroborado por fatos, pois Tiradentes foi preso
Em 1824, a cada dia, indo e vindo, passavam pelo quando chegou ao Rio e lá mesmo julgado e conde-
Caminho Novo em média 153 mulas dos tropeiros nado. A síntese do apresentado pode ser observada
e 77 pessoas (TAULOIS, 2007). no Quadro 2.
Quadro-síntese 1
Território Pré-Colonial
Cenário
Petropolitano
Índios, Quilombolas,
Atores
Colonos
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Quadro-síntese 2
Modernização da infraestrutura
Cenário
colonial
A pintura do Quadro-síntese 2 nos conta uma his- contratadas obras de ampliação e instalação de
tória. O olhar do artista é a partir do caminho. São infraestrutura. As obras diminuem as distâncias e
tropeiros e demais viajantes emoldurados por uma aproximam a corte, no Rio de Janeiro, das fazen-
enorme figueira, a árvore que marcava um impor- das que ocupam o Vale do Rio Piabanha. Surgem
tante ponto de parada. Um lugar de memória, um novas funções.
pouso no caminho, um local próspero que testemu-
nhou a passagem de toneladas de ouro, era a fa-
3.3 A natureza planejada
zenda do Padre Correia. Uma propriedade nascida
como parte da infraestrutura do caminho, uma for-
ma determinada pela função, a de ligação do interior Percebendo a Serra da Estrela como lugar de
com a capital, uma rota de escoamento da riqueza. descanso e reabilitação para a saúde de sua filha, o
Ao final do século XVIII, o desenrolar de um novo Imperador D. Pedro I manifesta a vontade de adqui-
processo histórico e cultural, patrocinado e levado rir uma das fazendas da região e de nela construir
a cabo pela coroa portuguesa, vai gradativamente um palácio de verão, seria o “Palácio da Concórdia”,
modificando a percepção da natureza manifestada que também funcionaria como um lugar de união
pelo homem colonial. A natureza passa a ser per- das antagônicas correntes politicas manifestadas
cebida como recurso natural estratégico para o de- pela elite dominante da época. Algo só alcançado
senvolvimento do Estado. Aos poucos, a concepção após sua morte, quando o seu desejo é apropriado,
de que só deveriam ser valorizados os elementos e o sonho tornado um projeto que une a preserva-
naturais úteis aos homens dá lugar a análises mais ção da natureza – concepção própria do romantis-
profundas com claros objetivos de conhecer o meio mo – com a racionalização iluminista do espaço, o
e os sistemas que o mantêm. È a natureza percebida que denominamos “natureza planejada”.
como patrimônio estratégico. A cidade de Petrópolis é concebida como natu-
Nos primeiros anos do século XIX, a fim de in- reza planejada: uma idealização tornada projeto de
tensificar a exploração econômica da colônia, são Estado e conduzida por Júlio Frederico Köeler, um
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engenheiro militar de origem germânica, que, se- O resultado é uma paisagem na qual os valores
guindo os passos do pensamento humboldtiano, es- da elite sazonal se contrapõem aos dos moradores.
tabelece um caminho intermediário entre o racionalis- Para a elite em vilegiatura a natureza é algo bom
mo iluminista e o espiritualismo metafísico, aplicando a e eterno, um objeto a ser contemplado. Para os da
seu projeto uma síntese holística. Köeler implanta uma terra, é um entrave que precisa ser afastado. A flo-
organização espacial que adapta o traçado urbano à resta dificulta lavouras, o relevo diminui terrenos e
topografia. Os rios são esteticamente preparados e rios capeados e canalizados provocam inundações.
isolados das moradias por ruas largas e margens ar- Somando-se a isso tem-se o excesso de lixo (restos
borizadas, a beleza é privilegiada, a mata das encostas dos verões da elite), as restrições impostas pelo pla-
é preservada, ecologismo e pragmatismo formatam a nejamento e o fato de todos serem “inquilinos do Im-
paisagem (WINTER, 2019). perador”, meros arrendatários no território da elite.
Köeler foi um representante do romantismo ale-
mão. Seu projeto, apesar de racionalista ao canalizar e
3.4 A natureza transformada
reordenar rios e córregos, consegue manter um olhar
sagrado sobre a floresta tropical. A cidade é projetada
e instalada na presença da mata nativa. As encostas e Com o tempo a cidade, refúgio elitista estetica-
topos de morro são poupados. A Petrópolis de Köeler é mente planejado, é inserida na economia industrial.
um quadro romântico do Segundo Reinado. O aquecimento econômico atrai a população oriun-
A paisagem reflete o Brasil da primeira metade da da Baixada Fluminense e do Médio Paraíba do
do século XIX. Uma elite, personificada pelas mansões Sul. A atividade industrial, associada à pressão ur-
da nobreza em vilegiatura, que vive em função do Es- bana, produz novos impactos. Os rios capeados e
tado Imperial representado pelo palácio de verão do canalizados que cortam a Vila Imperial e sua perife-
Imperador. Ambos distantes do Brasil real, habitantes ria imediata não comportam o fluxo hídrico gerado
sazonais de uma cidade planejada nos moldes de uma pela crescente ocupação e pela impermeabilização
ideologia europeia, com clima e povo quase europeus. dos solos. O assoreamento dos rios passa a fazer
O objetivo: um espaço esteticamente planejado para parte da vida urbana local, e as cheias tornam-se
atendimento à nobreza imperial. Uma paisagem bu- constantes (AMBROZIO, 2013).
cólica que lembrava aos membros da elite as expe- As transformações, sociais, econômicas e cultu-
riências descritas ou vividas pela nobreza nas serras rais, resultantes dos processos de industrialização,
de Portugal. Um paraíso distante das intrigas e pro- ficam materializadas no que convencionou-se de-
blemas da corte, formas que estabelecem uma nova nominar de paisagem industrial. É a materialização
função, a vilegiatura. Um burgo nobre, um lugar de no espaço de formas de pensamento, manifesta-
veraneio para os “bem-nascidos” cuja periferia é ha- ções culturais e da interação homem/natureza me-
bitada por colonos germânicos. Um pedaço da Euro- diada pela tecnologia (Quadro-síntese 3).
pa nos trópicos. Semelhante ao que ocorreu em outros centros,
A idealização e o planejamento da cidade são par- as primeiras plantas industriais de Petrópolis foram
tes integrantes do processo de inserção na paisagem instaladas nas proximidades de fontes de energia,
dos novos códigos e valores que surgiam. Vivia-se um matéria-prima, de mercados de produção e consu-
contexto em que a racionalidade estava fortemente mo, com consequente atração de mão de obra. Foi
expressa nos atos e políticas implementadas pelo go- produzida uma nova estética do progresso, na qual
verno imperial, e o planejamento de Petrópolis é cópia a natureza e seus fenômenos são dispostos a ser-
fiel desse momento. A natureza já não é apenas um viço da sociedade. É afirmada a concepção de uma
patrimônio estratégico do Estado, agora ela pode ser nova natureza, reorganizada, “melhorada”, pelos in-
planejada em função deste. teresses do capital.
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Quadro-síntese 3
Cenário Industrialização
São rugosidades (SANTOS, 1978), formadas por trecho de ligação entre Inhomirim e Petrópolis. As
funções industriais atuantes em um sítio urbano plantas industriais, estagnadas pela falta de espaço,
restrito, e, em muitos casos, de relevo proibitivo, o são substituídas por pequenas confecções e estabe-
que revela uma paisagem única. São plantas indus- lecimentos prestadores de serviços.
triais matematicamente pensadas para maximizar a Um exemplo marcante da função industrial for-
produção. Vilas operárias e, adjacentes a elas, apa- matando a paisagem é o da Companhia Petropoli-
relhos destinados ao lazer e atividades sociais dos tana de Tecidos de Cascatinha. A planta industrial
trabalhadores, tais como: campos de futebol, locais original da empresa foi denominada Conjunto Fabril
de diversão, locais de culto, escolas e hospitais, todos da Cascatinha, nome que vem de sua localização, no
na periferia imediata da fábrica, com clara intenção Distrito da Cascatinha.
de controle da vida social dos operários e das suas Fundada em 1873, a indústria foi iniciada como
famílias. Vias de comunicação e demais aparelhos uma atividade de pequeno porte. Em 1884, é reorga-
de infraestrutura (estradas, ferrovias, barragens, nizada e, dois anos depois, já possuía 1.071 operários, a
torres, linhas de transmissão), necessários para ob- maioria colonos italianos. Em 1887, a construção prin-
tenção de energia, transporte de matéria-prima e cipal da fábrica foi concluída (CABRAL; ALVES, 2018).
escoamento da produção. Estruturas em constante No auge das atividades, o conjunto fabril, com-
processo de transformação. posto por edificação principal, vila operária, refeitó-
rio, creche, ambulatório, administração, central elé-
trica, praça, coreto e igreja, ocupava 15.000 m² de
3.5 A natureza impactada
área construída. Na década de 1960, a empresa pas-
sou por sucessivas crises, o que resultou no declínio
A partir da segunda metade do século XX, a fun- da atividade. Em 1967, entra em concordata e, em
ção industrial é substituída pela função comercial, e seguida, vai à falência. Posteriormente, o complexo
a forma resultante é a do aglomerado urbano. Nos industrial sofre com ocupações irregulares e desor-
anos 1960, a empresa ferroviária deixa de operar o denadas, resultando em descaracterização e depre-
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dação de parte das edificações. Em 1981, o Conjun- guração da paisagem operária, não são mais sig-
to Fabril do Bairro da Cascatinha foi tombado pelo nificantes para as construções sociais do local. A
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional indústria transformou e foi transformada, e a pai-
(IPHAN) (CABRAL; ALVES, 2018). sagem, redimensionada.
Atualmente, o conjunto está subdividido em O Distrito de Cascatinha, que cresceu em função
galpões que abrigam atividades diversas de pe- da Companhia Petropolitana, tornou-se paisagem
queno porte (marcenarias, movelarias, confecções, de passagem (WINTER,2019), fenômeno que tam-
serralherias etc). O entorno é uma área caracteri- bém ocorreu com as áreas em torno das demais
zada por residências, estabelecimentos comerciais, plantas industriais do município que perderam seu
pequenos empreendimentos e serviços públicos. caráter inicial. Todo o simbolismo da fábrica como
A alta densidade populacional é constatada, em elemento impulsionador do desenvolvimento foi gra-
grande parte, nas encostas e margens dos rios Ita- dativamente alterado. Periféricas à região central,
marati e Piabanha. essas áreas começaram a sofrer pressão da espe-
A ocupação original do Distrito de Cascatinha se culação imobiliária (Quadro-síntese 4).
deu pela construção da vila operária e por algumas Analisando-se a paisagem industrial petropolita-
edificações junto à igreja. Anos mais tarde, a falência na, constata-se uma dinâmica de adequação mútua
e o abandono do complexo industrial transformaram demonstrada pela constante dialética do homem
o distrito, fazendo surgir uma paisagem de empobre- com a natureza. Embora tenha se erguido como
cimento e deterioração. O prédio principal da fábrica, ramificação serrana do centro capitalista nacional,
que abrigava uma única atividade, passou a ser divi- concentrado em São Paulo, a indústria têxtil inseriu
dido em pequenas e médias indústrias. É formado um na paisagem petropolitana valores históricos, paisa-
condomínio industrial, e a informalidade toma conta gísticos e arquitetônicos, que extrapolaram o local e
do complexo. Não houve um planejamento adequa- serviram, em parte, para a compreensão do movi-
do ou instalação de infraestrutura. A paisagem resul- mento de industrialização brasileira ocorrido na vira-
tante é de conjuntos de edificações construídas em da do século XIX para o século XX. Dessa forma, ao
diferentes períodos, com tipologias variadas e espa- refletir os valores históricos culturais, essa paisagem
ços atrelados ao processo produtivo que ali se deu. A passa a ser um importante elemento de identifica-
falência da indústria gera estagnação da economia ção. Nessa perspectiva, a paisagem indústrial de Pe-
local. No entanto, a transformação do antigo com- trópolis pode ser considerada um elemento coletivo,
plexo, aliada à valorização do solo urbano na área fruto da atuação social (SANTOS, 1996).
central do município, faz com que parte da popula-
ção busque no Distrito de Cascatinha uma alternativa
de moradia barata. 4. Conclusão
Em poucos anos, as encostas e as margens res-
tantes dos rios são ocupadas. Novas vias são abertas
e a paisagem adensada. Ocorre um aumento signifi- O olhar percebe a cidade como aglomerado ur-
cativo no desmatamento dos morros e ao longo das bano, cercado por frondosa mata nativa. A floresta
principais ruas de acesso ao distrito. O relevo é alte- serve de moldura para prédios e demais aparelhos
rado, e a mata nativa, substituída. urbanos. Mas é na relação da sociedade com a na-
Famílias descendentes de trabalhadores do an- tureza que se encontram as raízes dos problemas
tigo complexo industrial ampliam e modificam as ambientais. A aparentemente preservada paisagem
residências da antiga vila operária, transformando verde que caracteriza a cidade de Petrópolis masca-
radicalmente as características do lugar. A igreja e ra uma crescente pressão sobre a Mata Atlântica. O
os aparelhos de lazer, que influenciaram na confi- crescimento populacional subindo as encostas, bem
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Quadro-síntese 4
Cenário Desindustrialização
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Foto: Kenny Tanizaki
70
Projeto do Educação Ambiental aproxima
alunos dos saberes tradicionais
Transformando a Percepção
sobre a Etnia Guarani-Mbyá:
2019
jun 2021
- xx>>xxx
relato de uma experiência na
p. xxjan
- 82
v. 11
escola
revista
revista ineana n.01 p.70
v. 09 ineana
Transforming the Guarani-Mbyá's Ethnic
Perception in Schools: reporting an
experience
Resumo Abstract
Este trabalho pretende descrever a transformação da This work intends to describe the shift of the
percepção ambiental dos alunos que participaram da environmental perception of the students who
iniciativa Sabores e Saberes Guarani, desenvolvida participated in the project Sabores e Saberes Guarani,
como projeto de extensão na Universidade Federal which was developed as an Extension project at
Fluminense. O projeto de Educação Ambiental tem Universidade Federal Fluminense. The Environmental
como público-alvo alunos do 5º ano do Ensino Fun- Education project is aimed at 5th year students and
damental e o propósito de desenvolver o conceito de the purpose is to develop the concept of agroforestry,
agrofloresta, utilizando os saberes da etnia Guarani using the knowledge of the Guarani Mbyá ethnic
Mbyá para resgatar a relação homem-natureza, com group to rescue the relationship between man and
destaque para o papel que as comunidades tradicio- nature, with emphasis on the role that traditional
nais indígenas desempenham como gestoras do meio indigenous communities play as management of
ambiente. A metodologia utilizada avaliou a mudança the environment. The methodology used evaluated
da percepção ambiental ao comparar desenhos reali- the change in environmental perception based
zados pelos alunos do 5 º ano do Ensino Fundamental on the comparison of drawings made before and
antes e depois do projeto. Os resultados demonstra- after the project by the students. In fact, the results
ram a transformação do conhecimento dos alunos da demonstrated the transformation of students'
escola a respeito da temática a partir das ações do knowledge about the theme from the actions of the
projeto de educação ambiental. environmental education project.
Palavras-chave Keywords
Agrofloresta. Educação Ambiental. Guarani-Mbyá. Agroforestry. Environmental education. Guarani-
Percepção Ambiental. Mbyá. Environmental Perception.
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1. Introdução
certa forma, a figura do indígena já está inseri-
da nas diretrizes e bases da educação nacional
O estilo de vida do modelo capitalista se (BRASIL, 2008). Vale ressaltar que experiências
reflete na qualidade de vida da população ur- como a do projeto estudado são um caminho
bana. Chuva ácida, aquecimento global, polui- interessante e representam uma contribuição
ção do ar, ilhas de calor, desmatamento, entre para a elaboração de políticas públicas e de
outros desdobramentos, evidenciam que a crise outras iniciativas com o mesmo caráter.
ambiental passou a ser uma crise do modelo Este artigo tem como objetivo avaliar, atra-
civilizatório. Isso demonstra a necessidade de vés da análise de desenhos feitos por alunos
refletirmos sobre nossos hábitos e de fomentar do 5 º do Ensino Fundamental da escola Cen-
uma geração comprometida com a sustentabi- tro Educacional de Niterói, que participaram do
lidade. Dessa maneira, investir em educação, projeto de Ex tensão da Universidade Federal
conscientização pública e saúde são os pilares Fluminense (UFF), a percepção ambiental deles
para transformar as atitudes da sociedade de se transformou durante o projeto de ex tensão
forma geral. Sabores e Saberes Guarani. Assim, os objetivos
A nossa relação com a alimentação começa específicos deste trabalho são: (i) indicar prá-
quando somos crianças e, muitas vezes, maus ticas que permitam que os alunos explorem a
hábitos alimentares geram problemas crônicos relação homem-natureza construída no proje-
de saúde. Em seu estudo, Harry Hong (2016) to educativo, paralelamente à imagem da etnia
aponta que introduções recentes como trans- Guarani Mbyá; (ii) exaltar o papel que as comu-
gênicos, pesticidas, antibióticos, hormônios e nidades tradicionais indígenas desempenham
aditivos na agricultura industrial e na indústria como gestoras do meio ambiente; (iii) legitimar
alimentícia podem ter uma influência negativa a influência da cultura dos nossos povos origi-
em nossa saúde, motivo pelo qual recomenda a nários; (iv) fomentar o debate sobre o papel dos
redução de alimentos industrializados em nossa representantes da etnia Guarani Mbyá como
dieta e o consumo de produtos orgânicos, que gestores ambientais, que muitas vezes não cor-
podem ajudar a prevenir doenças modernas e, responde à imagem da figura indígena dissemi-
também, fornecer nutrientes mais valiosos. nada nas escolas convencionais; e (v) abordar
Dessa maneira, projetos que possibilitem o conceito de segurança alimentar por meio da
observar a transformação da percepção am- promoção de espaços experimentais de vivên-
biental a respeito do manejo agroflorestal e da cia em temas transversais à agroecologia.
alimentação Guarani Mbyá podem contribuir
para a quebra de paradigmas e estereótipos no
modelo brasileiro de educação convencional. 2. Desenvolvimento
O projeto Sabores e Saberes Guarani é um
trabalho pontual que, por meio de ações edu-
cativas, como aulas com representantes dessa Esta seção trata de conceitos importantes
cultura indígena, aborda plantio agroflorestal e para o contexto deste trabalho, como os de edu-
promove encontros que permeiam temas como cação ambiental crítica, decolonialidade e agro-
biodiversidade, segurança alimentar e intercul- floresta, apontada como um modelo agrícola
turalidade. Nesse sentido, exaltar a cultura dos sustentável, e, também, das roças Guarani Mbyá,
povos nativos brasileiros é um modo interessan- que possuem uma estrutura de produção susten-
te de atingir crianças não indígenas, já que, de tável por se basearem na ecologia da floresta.
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2.1. Agrofloresta 2.2. Roças Guarani Mbyá
Para que uma melhora no quadro socioam- De acordo com o Centro de Trabalho Indi-
biental torne-se possível, são imprescindíveis genista (CTI, 2007), a população dos Guarani
inovações nas práticas alimentares atuais. Mou- em território nacional era de aproximadamen-
ra (2013), Peneireiro (1999) e Gosth (1995, 1996) te 34.000 indivíduos, divididos entre os Kayová,
apresentam os Sistemas Agroflorestais (SAFs) Ñandéva e Mbyá. Os Mbyá estão localizados nas
sintrópicos como uma alternativa agrícola e re- áreas do litoral e no interior, desde o Rio Grande
volucionária ao modelo atual de produção de do Sul até o Espírito Santo.
alimentos, uma vez que é o que recria, da forma Segundo Gobbi (2008), o manejo agroflorestal
mais parecida possível, um ambiente de flores- dos Mbyá inclui práticas típicas de povos indíge-
ta. Nos SAFs, é adotado um consórcio de cul- nas amazônicos que promovem a biodiversidade
turas, de diferentes estratificações temporais, nos complexos sistemas de domesticação da pai-
de modo que que os alimentos sejam cultivados sagem. Técnicas agrícolas e manejo de sucessão
sem que haja competição de luz e nutrientes ecológica nas matas são empregados de forma
para promover o aumento da produtividade. associada. Em seu estudo, Noelli (1993) concluiu
Devido à não utilização de insumos químicos que, comparada às demais, a roça dos Guaranis
e/ou agrotóxicos, evita-se a contaminação do é superior a quase todas as demais da América
solo e de rios, lagos e córregos próximos. Ou- do Sul em número de gêneros alimentícios, tendo
tra característica dos SAFs é o manejo flores- sido identificados 39 deles e 180 cultivares. O alto
tal (rotação de culturas, seleção das espécies e grau de biodiversidade na composição das ma-
abertura de clareiras, por exemplo), que possi- tas se formou devido ao deslocamento Guarani
bilita manter a fertilidade do solo. Esse modelo ao longo do vasto território que ocupam.
objetiva cultivar três estratificações verticais A relação homem-natureza dos Guaranis
diferentes (baixa, média e alta) em um mesmo compreende uma pluralidade de aspectos, como
espaço, onde, como já mencionado, não haverá sua ecologia, cosmologia e sociologia. Esta pers-
competição por luz nem por nutrientes. Logo, a pectiva de cosmovisão cultural, geralmente não
floresta produzirá mais em uma área menor. baseada nos padrões de leis e regras estabeleci-
De acordo com Jose (2009), os SAFs promo- dos pela sociedade convencional, é caracteriza-
vem o aumento da produtividade, e contribuem da pelo respeito ao tempo dos processos natu-
para o sequestro de carbono, a conservação rais e pela obediência aos limites que a natureza
da biodiversidade, a recuperação de solos e a coloca.
regulação da qualidade da água e do ar, esta- Ladeira (2004), ao analisar a classificação
belecendo uma alternativa para o uso da terra referente às categorias de florestas Mbyás sig-
capaz de conciliar benefícios ambientais e so- nificativas, percebeu a diversidade de ambientes
cioeconômicos, e colaborando para a redução florestais classificados pelos Guaranis (Tabela 1).
da pobreza. Vivemos em um sistema de alto Apesar de o povo Guarani não se reconhecer
consumo que explora ao máximo todos os re- como “plantador de florestas”, se referindo ao
cursos que consideramos renováveis e disponí- próprio Nhanderú (o mato) como o responsável
veis. As consequências disso estão amplamente pela ação de plantio, os povos indígenas flores-
difundidas e permeiam muitas esferas da socie- tais podem ser considerados inventores dos “sis-
dade (GOSTH, 1995, 1996). temas agroflorestais” (MENEGAT, 1999).
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Matas autênticas, primárias, férteis, que guardam plantas medicinais, frutos, cipós, árvores de porte, e
Kaàguy ete que devem abrigar todas as espécies vegetais do acervo Guarani.
Kaàguy porã Matas sadias, boas, com recursos naturais abundantes, onde vivem os animais originais em sua diversidade.
Matas intocadas e intocáveis, que nunca foram pisadas e mexidas, e que nem podem ser usadas pelos
Kaàguy poru ey homens por estarem em morros muito altos. Em Kaàguy poru ey, onde a vegetação é mais fechada e
não há trilhas, ficam e se protegem os seres da natureza.
Matas baixas (as capoeiras) onde os Mbyás escolhem áreas para as roças, encontram ou cultivam ervas
Kaàguy yvin ou material para artesanato.
Áreas que já não têm serventia (degradadas), onde os animais não chegam e os guaranis não encon-
Kaàguy rive tram árvores (yvyra) nem plantas apropriadas.
Kaàguy yvate Mata alta, que ainda tem espécies importantes da fauna e da flora. É um tipo de Kaàguy porã.
Mata média, em regeneração, que ainda guarda algumas espécies de fauna e flora necessárias à repro-
Kaàguy Karapei dução física e cultural do grupo.
Mata baixa, de pequeno porte, mas não obrigatoriamente associada à capoeira, para a qual o grupo
Kaàguy yvy designa um termo específico. É a mata secundária, mas que disponibiliza quase nada de recursos.
Mata esparsa, baixa, na qual ainda habitam animais e plantas importantes. É como os guaranis denomi-
Kaáguy poça nam as matas de restinga.
lidade (KASSIADOU, 2018). Nesse sentido, devido ao busca de superação das mais distintas
fato de as comunidades tradicionais estarem inse- formas de opressão perpetradas pela mo-
proposta de Mignolo (2008), isso gera a necessi- das regiões colonizadas e neocolonizadas
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a estrutura necessária para suas realizações pes-
Quadro 2 - Cronograma e descrição das ações realizadas no projeto Sabores e Saberes Guarani
em 2018
Elaboração de um desenho pelos alunos para retratar a relação dos Guaranis Mbyá com a
Primeira alimentação. Nesta atividade não houve qualquer intervenção ou atividade sobre o tema antes
de o desenho ser realizado, justamente para não influenciá-los de nenhuma maneira.
Aula com Wanderlei Weraxunu (representante do povo Guarani Mbyá) abordando a tradição de
cultivo de alimentos ao longo de milhares de anos, com o auxílio de apresentação de fotos do
Segunda acervo de espécies de frutas e legumes da Mata Atlântica, assim como degustação de algumas.
Dinâmica com jogos interativos trabalhando o conceito de biodiversidade e de agroflorestal, de
forma que incentive a cooperação dos alunos.
Culminância do projeto, com um lanche de alimentos da cultura indígena e dinâmica com Wanderlei
Weraxunu (representante do povo Guarani Mbyá) com “contação” de histórias indígenas, pintura
Quarta corporal (tintas naturais) e simbologia cultural. Além disso, foi novamente proposto aos alunos a
elaboração de um desenho para retratar a relação dos Guaranis Mbyá com a alimentação (realiza-
ção do desenho de acordo com o conhecimento adquirido durante o projeto educacional).
todologia utilizada no trabalho de Pedrini et al. os traços e símbolos presentes nos 66 desenhos
(2015) sobre percepção do ambiente marinho (33 antes e 33 depois das ações) foram classifica-
por crianças no Rio de Janeiro. Nesse estudo, dos e organizados em dois macrocompartimen-
ao todo foram produzidos 82 desenhos. Cada tos: concreto (formas definidas e identificáveis)
um foi analisado, classificado e organizado e abstrato (formas não identificáveis e ilegíveis).
em macrocompartimentos: concreto x abstra- Em seguida, cada macrocompartimento foi sub-
to, natural x artificial x fantasia. Em seguida, dividido em macroelementos. Os macroelemen-
o autor categorizou cada compartimento, que tos poderiam ser artificiais, ou seja, aqueles cons-
foi subdividido em macroelementos, os quais truídos pelos Guaranis Mbyá, (lança, oca, canoa,
foram agrupados em: elementos artificiais, fogueira), naturais (sol, nuvem, árvore, floresta,
aqueles construídos pelo homem (lixo, caste- água) e bióticos (o Guarani, a Guarani, pássaro,
lo, submarino), elementos naturais (sol, nuvem, macaco, peixe, onça). Os dados coletados nos
flora, água, solo) e macroelementos marinhos trabalhos de campo foram armazenados em uma
(peixe, alga, tubarão). Entre os 54 macroele- planilha eletrônica, considerando-se cada criança
mentos identificados pelos autores, 34% eram como uma unidade amostral. Estes dados foram
bióticos, e 85%, naturais. utilizados para gerar as representações gráficas.
Segundo Pedrini et al. (2015), a análise das
2.6 Resultados e discussão
informações e dados compreende uma ava-
liação qualiquantitativa. No sentido qualitati- 2.6.1 Diagnóstico Anterior ao Projeto (DAP)
vo, identifica-se cada símbolo expressado no
desenho que possa representar um item do Entre os 50 macroelementos identificados no
assunto abordado. Na avaliação quantitativa, diagnóstico anterior ao projeto (DAP), 17 (34%)
analisa-se a riqueza (quantas vezes o símbolo eram naturais; 18 (36%), bióticos; e 15 (30%), ar-
se repete). tificiais. Nos 33 desenhos analisados, a maioria
Somente práticas
6% indígenas de agricultura
15%
9%
Somente práticas
indígenas caça/ pesca
Práticas indígenas de
agricultura, caça e pesca
Nenhuma prática
70% associada à imagem do
Gurani
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Quadro 3 - Macroelementos identificados e classificados a partir dos desenhos dos alunos do
Centro Educacional Niterói durante as ações do projeto Sabores e Saberes Guarani
Grupos de macroele-
Macrocompar-
mentos (número de Macroelementos
timentos
ocorrências)
Abstrato - -
das crianças (23 alunos) escolheu representar o 2.6.2 Diagnóstico Posterior ao Projeto (DPP)
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12%
Práticas de agricultura
indígena
Nenhuma prática
88%
Figura 2 - Desenhos de percepção ambiental relacionados à alimentação do Guarani-Mbyá após ações desenvolvidas
9%
Somente práticas de
agricultura indígena
Práticas de Agricultura
Indígena associadas a
91% práticas de caça
Figura 3 - Desenhos de percepção ambiental relacionados à alimentação do Guarani Mbyá após as ações desenvolvidas, analisando
somente a amostra de práticas de agricultura indígena
Na quarta ação, os alunos tiveram contato com o do cultivado em 13 (39,4 %) dos desenhos. Além dis-
milho crioulo, que é dos principais alimentos da cultura so, os desenhos retratam outros aspectos da cultura
Guarani Mbyá e possui muitas simbologias e significa- Guarani Mbyá trabalhados no projeto, como pintu-
dos para o povo Guarani. Por essa razão, foi proposta ras que abordam simbologias e seus significados, a
uma experiência sensorial aos alunos (Figura 4). forma de plantio e as roças indígenas, o lugar em
Essa atividade influenciou os resultados obtidos. que eles vivem e o conceito de biodiversidade.
Entre os 29 alunos que retrataram os Guaranis-Mbyá Entre os resultados sobre a percepção ambien-
realizando práticas agrícolas, o milho apareceu sen- tal, foi identificado o conceito de agrofloresta, que
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Figura 4 - Aluno do Centrinho debulhando e mostrando o milho crioulo (milho de pipoca vermelho)
Figura 5 - Exemplos de desenhos infantis obtidos antes (esquerda) e depois (direita) do projeto
Fonte: Acervo/Autores
Figura 6 - Exemplos de desenhos infantis obtidos antes (esquerda) e depois (direita) do projeto
Fonte: Acervo/Autores
COSTA, R. N. (org.). Educação ambiental des- exigências e desafios com base na Lei 11.645/2008.
de El Sur. Macaé, RJ: Nupem Ed., 2018. p. 32-48. Revista História Hoje, v. 1, n. 2, p. 213-223, 2012.