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D I S C I P L I N A Didática

Didática: o que é?
Para que serve?

Autores

André Ferrer Pinto Martins

Iran Abreu Mendes

aula

01
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Governo Federal Revisoras de Língua Portuguesa
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Luiz Inácio Lula da Silva Sandra Cristinne Xavier da Câmara

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Catalogação da publicação na Fonte. UFRN/Biblioteca Central “Zila Mamede”

Mendes, Iran Abreu


Didática / Iran Abreu Mendes, André Ferrer Pinto Martins – Natal (RN) : EDUFRN – Editora da UFRN, 2006.

264 p.

ISBN 85-7273-279-9

1. Ensino. 2. Aprendizagem. 3. Planejamento. I. Martins, André Ferrer Pinto. II. Título.

CDU 37
RN/UFR/BCZM 2006/17 CDD 370

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa
da UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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Apresentação

V
ocê está começando o estudo da disciplina Didática. Mas o que é, afinal de contas,
“Didática”? São “receitas”, ou um conjunto de técnicas para ensinar? Por que o
conhecimento dessa disciplina é importante para a formação de professores? De que
forma ela pode contribuir para o ensino das Ciências Naturais e da Matemática?

Pretendemos que este curso lhe dê subsídios para responder a essas e outras questões.
Para tanto, caracterizaremos o pensamento didático, situando-o no terreno mais amplo da
Pedagogia e abordando aspectos de sua evolução histórica. A seguir, trataremos de temas e
assuntos relacionados às recentes reformas educacionais e aos resultados das pesquisas das
áreas de ensino de Ciências e Matemática. Por fim, discutiremos aspectos da organização do
trabalho dos professores.

Esperamos que a Didática possa contribuir significativamente em sua formação, ajudando


a promover uma reflexão constante sobre o fazer docente.

Além da leitura das aulas e da realização das atividades presentes em cada uma delas,
você também deverá executar certas “Práticas” (assim identificadas ao longo das aulas)
previstas na carga horária total da disciplina.

Objetivo
O principal objeto desta aula é oferecer a você uma visão preliminar
e abrangente sobre a Didática enquanto disciplina pedagógica, com
objeto e temas de estudo próprios. Esperamos, ainda, que você
conheça aspectos da origem histórica do pensamento didático e seja
capaz de perceber a importância dessa disciplina para a sua formação
como professor.

Aula 01 Didática 1

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Caracterizando a Didática

Atividade 1

Leia os dois pequenos diálogos (fictícios) abaixo. O primeiro, entre dois


estudantes de graduação em História.

− Ei, você já “pagou” a disciplina de “História Moderna e Contemporânea I”?


− Não, ainda não... Vai ser oferecida este semestre?
− Vai, sim. Por aquele professor do departamento... não lembro o nome! Acho que é
Manoel.
− Ih... então não vou “pagar” este semestre, não. Dizem que ele é um ótimo historiador,
mas não tem didática.
E o segundo, entre um pesquisador e um aluno do Ensino Médio:
− Estamos fazendo uma pesquisa sobre a qualidade das aulas do Ensino Médio. Você
pode responder a algumas perguntas?
− Claro...
− Quais as matérias de que você mais gosta, e por quê?
− História, Geografia e Ciências. Acho que gosto de ler, saber do passado, do que
aconteceu... Geografia também é legal, a gente aprende sobre os diferentes lugares, as
regiões... Ciências eu gosto porque o professor é legal! Ele ensina bem...
− O que tem que ter um professor pra “ensinar bem”?
− Sei lá... acho que tem que entender a matéria, ser legal com os alunos, ter paciência.
E tem que ter didática, né? Tem gente que não tem “jeito” pra dar aula, não...

E agora, procure responder às questões abaixo.

Que visão sobre a “didática” é passada pelos diálogos? O que parece


1 significar, para os personagens, “ter didática”?

Você já presenciou diálogos como esses? Em que situações?


2
Você concorda com a visão apresentada nos diálogos? Qual a sua visão
3 pessoal sobre a didática?

2 Aula 01 Didática

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Prática

Faça uma breve entrevista informal (munido apenas de um bloco de notas e uma
caneta), com três pessoas diferentes, acerca do significado da palavra ‘didática’.
Sugestão: escolha pessoas com vivências e idades diferenciadas, como, por
exemplo, alguém mais velho da família (pai, mãe etc.), um professor de uma
escola pública da sua região e um aluno do Ensino Médio.

Como produto, produza um texto comparando as visões entre si, estabelecendo


semelhanças e diferenças entre elas.

É comum, como vimos nos diálogos da Atividade 1, e como você deve ter percebido nas
entrevistas da Prática, associarmos a palavra ‘didática’ ao ensino, mas quase sempre como
algo (provavelmente, um conjunto de “técnicas”...) que o indivíduo (professor) deve “possuir”,
“ter”. Assim, o bom professor é visto como alguém que “tem didática”, o que normalmente
parece ser uma espécie de “dom natural” ou uma “arte”.

Por outro lado, sabe-se que a disciplina Didática faz parte dos currículos dos cursos
de Pedagogia e das Licenciaturas, sendo, portanto, um conjunto de saberes aparentemente
constituído e sistematizado. Será, então, que ao cursar tal disciplina, o futuro profissional
do ensino passa a “ter didática”, mesmo que não tivesse o “dom”? O que se estuda em tal
disciplina? Qual o seu objeto?

Os pedagogos e teóricos da educação não concordam plenamente entre si quanto a uma


definição de ‘didática’. Mas, isso não é um problema, porque, ao invés de uma “definição”,
busca-se entender a Didática como um corpo de conhecimentos que evoluiu histórica e
socialmente, e que comporta hoje múltiplas compreensões, embora com importantes pontos
em comum.

Vejamos a seguir dois pequenos trechos, de autoria de dois importantes educadores da


área de Didática.

“Didática para nós é uma reflexão sistemática sobre o processo de ensino-aprendizagem


que acontece na escola e na aula, buscando alternativas para os problemas da prática
pedagógica.” (Masetto, 1997, p. 13)
“A Didática é o principal ramo de estudos da Pedagogia. Ela investiga os fundamentos,
condições e modos de realização da instrução e do ensino. A ela cabe converter objetivos
sócio-políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos em
função desses objetivos, estabelecer os vínculos entre ensino e aprendizagem, tendo em
vista o desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos.” (Libâneo, 1994, p. 25-26)

Aula 01 Didática 3

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É importante que não tomemos esses trechos como definições! Os autores citados
procuram caracterizar a Didática ao longo de suas obras, e não apenas com esses trechos!

Ainda assim, é possível caracterizar o “fenômeno ensino” como o objeto de estudo da


Didática enquanto disciplina. Note que isso abre um leque muito grande de temas, assuntos e
conhecimentos específicos que passam a fazer parte do campo da Didática.

Vejamos o porquê.

O ensino é um fenômeno complexo. Ocorre na escola, mas não apenas nela. É uma prática
social, portanto, condicionada por fatores históricos, políticos e econômicos. Considerar o
ensino como objeto de estudo significa, então, em princípio, trazer para o debate todos os
potenciais e reais fatores que podem influenciá-lo e determiná-lo. Desse modo, passa a ser
relevante para a Didática conhecimentos oriundos da Filosofia, da Antropologia, da Sociologia,
da Política, da Psicologia, entre outras áreas. Mais especificamente, podemos pensar em
“sub-áreas” – como Psicologia da Educação ou História da Educação – que contemplam
saberes de interesse para a Didática. Também estão aí incluídas as metodologias específicas
das disciplinas, por exemplo.

Vemos, assim, que o campo da Didática é muito amplo, no sentido de que essa disciplina
faz uso de uma gama significativamente grande de outros saberes para tentar constituir sua
especificidade. A Didática pode ser vista, nesse sentido, como uma espécie de “disciplina
integradora”, como a Figura 1, a seguir, tenta mostrar.

Psicologia

Sociologia

Psicologia da
Educação
Sociologia da
Educação

DIDÁTICA Metodologia do
Ensino de Ciências

História da
Educação
Filosofia da
Educação

Figura 1 – A Didática como disciplina integradora de diversos saberes

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A Figura 1 é, obviamente, uma aproximação. Além de não esgotar as diversas áreas que
compõem o terreno da Didática, a figura não explicita outros vínculos, como os existentes
entre Sociologia e Psicologia, ou entre essa última e a Filosofia da Educação, por exemplo.

Até aqui vimos que o objeto de estudo da Didática é o ensino, em sua totalidade, e que ela
faz uso de saberes de diversas áreas do conhecimento humano. Poderíamos, então, perguntar:
mais especificamente, o que a Didática vai estudar? Que temas são do seu interesse?

Como “teoria do ensino”, a Didática acaba por preocupar-se com diversos temas e
problemas relacionados ao ensino, por exemplo:

1) o currículo escolar;

2) aspectos psicológicos do processo ensino-aprendizagem;

3) organização do trabalho pedagógico na escola;

4) motivação dos alunos para aprender;

5) ensino em espaços não-formais;

6) objetivos e fins do processo educativo;

7) planejamento do ensino;

8) relacionamento interpessoal na escola;

9) uso de novas tecnologias no ensino;

10) entre outros.

Tomemos como exemplo os itens 3 e 7, “organização do trabalho pedagógico na escola”


e “planejamento do ensino”.

A escola tem um papel fundamental na sociedade, no que diz respeito à conquista da


cidadania por todos. O acesso dos sujeitos ao conhecimento sistematizado e à promoção
do desenvolvimento individual em diversas áreas (motora, afetiva, social, cognitiva etc.)
são princípios da ação pedagógica. Para que esses princípios concretizem-se, é necessário
organizar o trabalho pedagógico na escola.

Para isso, é preciso, dentre outras coisas, conhecer as leis e normas que regem a
educação nacional, ter clareza dos fins e propósitos do processo educativo, estabelecer metas
e objetivos adequados à realidade local, envolver a comunidade nas ações da escola, mobilizar
recursos materiais e humanos para promover as ações desejadas. Assim, a “organização do
trabalho pedagógico na escola” surge como condição para o bom andamento do processo

Aula 01 Didática 5

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de ensino que ocorre no espaço escolar. É, portanto, um tema (ou assunto) para a Didática,
enquanto disciplina pedagógica.

A organização do trabalho pedagógico implica planejamento. O ato de planejar deve ser


compreendido como uma forma de organizar as ações, e não como uma atividade burocrática.
Precisa envolver todos os atores do processo educativo (diretores, professores, alunos,
comunidade escolar) e ser pensado para diferentes níveis e propósitos (planejamento da escola
como um todo, das diferentes séries, das disciplinas etc.). A qualidade e eficiência do ensino
dependem, portanto, de uma boa organização das ações, ou seja, de um bom planejamento.
Daí que o “planejamento do ensino” seja também um tema (ou assunto) da disciplina Didática.

Atividade 2
Escolha outro item da nossa breve lista de “temas” da Didática (excetuando-se o
3o e o 7o), justificando por que ele deve ser objeto de preocupação dessa disciplina.
Para tanto, use suas palavras, levando em consideração a caracterização feita até
agora sobre a Didática.

Atividade 3
Realize uma pequena pesquisa sobre “didática” em livros da área de
1 educação que tratem do tema. Veja o que dizem os autores sobre
essa disciplina, como (e se) a definem, e que temas associam a ela
(sugestão: vá a uma biblioteca e procure – em “título” ou “assunto” –
pela palavra ‘didática’).
Quais as principais semelhanças e diferenças entre as visões que você
obteve e aquela apresentada aqui? Escreva um pequeno texto a esse
respeito.

Retome o item 1, mas, agora, pesquisando no espaço virtual da Internet


2 (sugestão: coloque a palavra ‘didática’ num site de busca).

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Atividade 4

Na ação pedagógica que ocorre nas escolas, há certamente características que são
compartilhadas nacionalmente, enquanto outras são regionais ou mesmo locais.
Pensando em uma escola da sua comunidade, apresente aspectos didáticos de
dois tipos:

a) aqueles que você considera que sejam compartilhados, em maior ou menor


grau, nacionalmente;

b) e aqueles que você considera que sejam exclusivamente locais.

Você deve ter percebido, pela nossa caracterização da Didática, que o rol de conhecimentos
abarcado por essa disciplina pedagógica é muito grande. Isso é muito importante para ser
assinalado, pois é preciso ter consciência que o estudo da Didática não pode se esgotar apenas
num semestre letivo, no conjunto de umas poucas aulas. Ao contrário, o profissional da
educação deve estar em contínuo e constante processo de formação, incluídos aí os conteúdos
dessa disciplina.

Em função disso, o que privilegiar?

Neste curso, especificamente, faremos um recorte particular da Didática. Iniciando


com elementos da história do pensamento didático, privilegiaremos tópicos relacionados ao
ensino na atual conjuntura de reformas educacionais no Brasil. Dada a característica primordial
deste curso – de formação inicial de professores de Ciências da Natureza e Matemática –,
abordaremos, também, tópicos particulares das áreas de Ensino de Ciências e Ensino de
Matemática (aliás, essas áreas detêm conhecimentos específicos dentro da Didática, a ponto
de podermos falar em Didática das Ciências ou Didática da Matemática como sub-áreas). Mais
adiante, trataremos de alguns aspectos do que se costuma chamar de “Didática instrumental”
ou “técnica”.

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Mercantilismo
Doutrina econômica, em
voga no século XVII, que
enfatizava a importância
do comércio exterior
para a economia de um
país. Defendia a ação
do Estado em favor da
expansão das exportações
Origens históricas da Didática
e de seu monopólio
por companhias de
comércio, e da restrição às
como disciplina
importações (Dicionário
Aurélio Eletrônico, versão
O ensino e a aprendizagem, como processos sociais, são certamente tão antigos quanto
3.0, Novembro de 1999,
verbete ‘mercantilismo’). as primeiras sociedades humanas. Na realidade, é possível identificarmos, inclusive, aspectos
desses processos em outras espécies animais, além do Homo sapiens.
Reforma
Protestante No entanto, desde as épocas mais remotas, a ação pedagógica de “ensinar” esteve
vinculada às tradições de cada povo ou comunidade, à religião e aos rituais, às necessidades
Movimento religioso
do começo do séc. práticas, de uma forma mais ou menos espontânea. Desse modo, a “didática” como uma
XVI que rompeu com a atividade planejada e intencional é algo relativamente recente na História. Os teóricos da área
Igreja Católica Romana,
costumam concordar em situar o “surgimento” da Didática como disciplina no século XVII.
originando numerosas
igrejas cristãs dissidentes Vejamos o que diz, por exemplo, Libâneo:
(Dicionário Aurélio
Eletrônico, versão 3.0, Na chamada Antigüidade Clássica (gregos e romanos) e no período medieval também se
Novembro de 1999, desenvolvem formas de ação pedagógica, em escolas, mosteiros, igrejas, universidades.
verbete ‘reforma’). Entretanto, até meados do século XVII não podemos falar de Didática como teoria do
ensino, que sistematize o pensamento didático e o estudo científico das formas de ensinar.
Heliocentrismo (LIBÂNEO, op.cit., p. 57)
Sistema cosmológico Qual o “marco” dessa época para a Didática?
proposto por Nicolau
Copérnico, mas que tem O século XVII representa um período de profundas transformações políticas, sociais,
suas raízes na Antigüidade
(com Aristarco de Samos),
científicas, filosóficas, religiosas e econômicas, no mundo ocidental. O mercantilismo e a
e que postula ser o Sol o expansão marítima européia, a formação dos Estados Nacionais, a reforma protestante, a
centro do Universo, com proposta heliocêntrica são diferentes aspectos dessas transformações. É nessa época que
os demais astros (planetas
e estrelas) girando ao seu
João Amós Comenius (1592-1670) escreveu a primeira obra clássica sobre Didática: a Didática
redor. Magna, publicada em 1657.

8 Aula 01 Didática

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Comenius era um “homem do século XVII”, sintonizado parcialmente com os ideais da
Modernidade que estavam por surgir. Pastor protestante, natural da Boêmia (atual República
Tcheca), considerava a educação como um caminho para a salvação, uma formação para a vida
eterna. “Ser homem” era, para ele, conhecer as coisas do mundo, e não apenas uma pequena
área do saber. Disso decorre a importância do processo educativo tanto para a criação da
identidade individual quanto para a socialização do indivíduo. A educação teria como uma de Comenius
suas finalidades a transformação do indivíduo e da sociedade.
Para falar desse autor,
Em sua Didática Magna, que tinha a pretensão de apresentar a “arte de ensinar tudo a adotaremos como
referência principal o
todos”, ele propõe uma série de princípios e regras que deveriam nortear a educação. Entre
trabalho de Kulesza
outras coisas, Comenius defende uma escola para todos, ou seja, a universalização do ensino (1992).
(princípio da igualdade). Além disso, considerava a escola como espaço (locus) privilegiado da
educação, e a figura do professor como a do profissional específico e qualificado para a ação de Tábula rasa
educar. Preocupou-se em estabelecer princípios para o ensino das ciências e um planejamento
‘Tábula rasa’ é uma
escolar com vários “graus” de ensino vinculados aos graus de desenvolvimento do indivíduo. expressão muito usada em
Educação que simboliza
Para Comenius, o conhecimento vem dos sentidos, é trabalhado pela razão e iluminado um estado de vazio
pela fé. Em função disso, considera que o conhecimento verdadeiro provém de uma “observação completo da mente. Para
Comenius, a mente não
correta” das coisas. Daí que o seu método de ensino – que ele pretendia “claro e único” – fosse
estaria nesse estado de
baseado na observação da natureza e dos fenômenos, no olhar das próprias coisas e não na vazio absoluto antes de
consulta aos livros. É por meio dos sentidos que se estabelece o contato entre a natureza e qualquer experiência, mas
teria a potencialidade de
a mente. Esta, por sua vez, não é uma “tábula rasa”, mas “moldável”. Vemos, assim, que
moldar-se, ajustar-se às
a epistemologia subjacente à proposta comeniana apresenta uma forte ênfase empirista e experiências sensíveis.
sensorialista (nesse terreno, Comenius foi influenciado pelo pensamento de Francis Bacon e
pela idéia de “indução”). Indução

Ainda que várias de suas idéias tenham sido superadas, principalmente no que se refere Francis Bacon (1561-
1626) procurou, no
à compreensão psicológica do processo de ensino e aprendizagem, Comenius foi realmente
alvorecer da ciência
avançado para a época, podendo ser considerado o precursor da Didática como disciplina moderna, estabelecer um
pedagógica. Num período em que o catolicismo dominava e a educação católica voltava-se à método de investigação
da natureza baseado na
formação das classes dirigentes, com privilégio do latim, Comenius propôs a educação para
indução experimental.
todos e o uso do vernáculo. Para ele, deveria se
partir da experimentação
Apesar da Didática Magna só ter sido traduzida para o português em 1954, a obra de para se chegar às
Comenius chegou a exercer certa influência no Brasil, ainda no início da República. Autores hipóteses que, testadas,
levariam à formulação
como Rui Barbosa e Fernando de Azevedo interessaram-se por suas idéias que, identificadas
de leis e princípios
com o “método ativo e intuitivo”, foram em parte adotadas pela chamada Escola Nova e gerais. Sinteticamente,
bastante utilizadas no ensino de Ciências. o método baconiano
iria da experiência para
Na aula seguinte, teremos a oportunidade de analisar algumas das principais correntes do a racionalização, e do
particular para o geral.
pensamento didático ao longo da História. Veremos que as teorias do ensino oscilaram entre
privilegiar a atividade do professor, a atividade do aluno e o método de ensino.

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Atividade 5
A partir do que foi apresentado sobre Comenius, tente apontar alguma de suas
idéias e propostas que permanecem atuais, e outras que pareçam superadas.
Justifique sua resposta.
sua resposta

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Leituras Complementares
Para que você possa aprofundar seus conhecimentos sobre o tema apresentado nesta
aula, indicamos as referências a seguir.

CANDAU, V. M. (org.). A didática em questão. Petrópolis: Vozes, 1986.


Esse conjunto de textos, organizados por Vera Candau, é um marco na história recente da
Didática no Brasil. Resultado de um seminário realizado na PUC-SP em 1982, no qual se discutiu
e se refletiu sobre os novos rumos da Didática a partir do processo de redemocratização do
país, essa publicação contém artigos dos principais autores nacionais do campo da Didática,
e tornou-se um dos trabalhos mais citados nos anos que se seguiram. Ganhou, recentemente,
uma nova edição.

LIBÂNEO, J. C. Educação: pedagogia e didática – o campo investigativo da pedagogia e da


didática no Brasil: esboço histórico e buscas de identidade epistemológia e profissional. In:
PIMENTA, S. G. (org.). Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no
Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 1997.
O autor inicia abordando a problemática da identidade no campo do conhecimento
pedagógico, defendendo que a Pedagogia seja uma das “ciências da educação” que busca
integrar e dar coerência a todas elas, sendo o seu objeto o fenômeno educativo em seu
conjunto. A seguir, Libâneo faz uma retrospectiva histórica dos estudos teóricos da Pedagogia
no Brasil, dos jesuítas à década de noventa do século passado. Aponta a necessidade de se
buscar uma identidade epistemológica para esse campo e procura diferenciar o “pedagógico”
do “didático”, caracterizando-os.

OLIVEIRA, M. R. N. S. Elementos teórico-metodológicos no processo de construção e


reconstrução da didática (por uma nova teoria da prática pedagógica escolar). In: OLIVEIRA,
M. R. N. S. (org.). Didática: ruptura, compromisso e pesquisa. Campinas: Papirus, 1995.
Partindo de uma concepção dialético-materialista do ensino, Maria Rita Oliveira defende
que a Didática rompa com o tecnicismo e volte-se a uma prática educativa transformadora da
realidade social. A autora pensa o ensino na perspectiva da prática social, como uma “totalidade
concreta”. As diversas dimensões do fenômeno ensino (histórica, ideológica, antropológica
e epistemológica) delineariam os elementos teórico-metodológicos do campo da Didática.

PENIN, S. T. S. O Ensino como “Acontecimento”. Cadernos de Pesquisa, no 98, pp. 14-23, 1996.
Nesse artigo, Sônia Penin analisa o “objeto” da Didática, defendendo que ele seja o
“acontecimento ensino”, em toda a sua extensão e profundidade. Discute as características
da Didática como área do conhecimento em processo de epistemologização. Nessa direção,
defende um rompimento com a epistemologia dominante (oriunda das Ciências Naturais),
pois os parâmetros clássicos da investigação científica não esgotariam o estudo dos eventos
presentes no ensino.

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PIMENTA, S. G. Para uma re-significação da didática – ciências da educação, pedagogia e
didática (uma revisão conceitual e síntese provisória). In: PIMENTA, S. G. (org.). Didática
e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo:
Cortez, 1997.
A autora propõe re-significar a Didática partindo da própria prática docente, rompendo com
o triângulo professor-aluno-conhecimento. Aponta a importância da discussão epistemológica
para a realização dessa tarefa, mas pensada a partir da prática, e não do ponto de vista teórico.
Discute o objeto e o campo de atuação da Pedagogia e da Didática. No caso da última, defende
que sua tarefa seja a de tomar o ensino como prática social e compreender o seu funcionamento
enquanto tal, sua função social e suas implicações estruturais.

Resumo
Nesta aula, você percebeu que a Didática, enquanto disciplina pedagógica, tem
como objeto de estudo o “fenômeno ensino”. Ela não é – como se costuma
pensar – um “conjunto de técnicas para ensinar”, mas constitui-se em um
corpo de conhecimentos amplo e complexo, que abraça saberes de diversas
outras áreas. Por isso, os temas e assuntos que lhe dizem respeito são também
variados e em grande número. Embora o ensino seja algo tão antigo quanto
as primeiras sociedades humanas, a Didática configura-se como disciplina no
século XVII, a partir da obra de João Amós Comenius.

Auto-avaliação
Com base na leitura do texto e nas atividades desenvolvidas por você, faça uma
reflexão sobre o que aprendeu e analise os principais aspectos mencionados
nesta aula, considerando os seguintes itens:

 a visão adquirida sobre a Didática enquanto disciplina pedagógica;

 a origem e as características do pensamento didático;

 a importância dessa disciplina para a sua formação como professor.

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Referências
CANDAU, V. M. (Org.). A Didática em Questão. Petrópolis: Vozes, 1986.

KULESZA, W. A. Comenius – a persistência da utopia em educação. Campinas: Editora da


UNICAMP, 1992.

LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

LIBÂNEO, J. C. Educação: pedagogia e didática – o campo investigativo da pedagogia e da


didática no Brasil: esboço histórico e buscas de identidade epistemológia e profissional. In:
PIMENTA, S. G. (Org.). Didática e Formação de Professores: percursos e perspectivas no
Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 1997.

MASETTO, M. T. Didática – a aula como centro. São Paulo: FTD, 4.ed.,1997.

OLIVEIRA, M. R. N. S. Elementos teórico-metodológicos no processo de construção e


reconstrução da didática (por uma nova teoria da prática pedagógica escolar). In: OLIVEIRA,
M. R. N. S. (Org.). Didática: ruptura, compromisso e pesquisa. Campinas: Papirus, 1995.

PENIN, S. T. S. O Ensino como “Acontecimento”. Cadernos de Pesquisa, no 98, p. 14-23, 1996.

PIMENTA, S. G. Para uma re-significação da didática – ciências da educação, pedagogia e


didática (uma revisão conceitual e síntese provisória). In: PIMENTA, S. G (Org.). Didática
e Formação de Professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo:
Cortez, 1997.

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Anotações

14 Aula 01 Didática

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Aula 01 Didática 15

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16 Aula 01 Didática

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