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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

LEDÍLSON DOS SANTOS GUTIERRE

SISTEMA DE SCORING: Análise do Recurso Especial nº 1.419.697 – RS


(2013/0386285-0)

1 BREVE APRESENTAÇÃO DO JULGADO

O presente trabalho objetiva analisar os argumentos centrais utilizados para a decisão


do Recurso Especial nº 1.419.697 – RS (2013/0386285-0) proferida pela Segunda Seção do
Superior Tribunal de Justiça – STJ - e de relatoria e voto do Ministro Paulo de Tarso
Sanseverino.
O Recurso Especial mencionado foi julgado em 12 de novembro de 2014 e publicado
no Diário da Justiça Eletrônico – DJe – em 17 de novembro do mesmo ano. Por unanimidade,
foi dado parcial provimento ao recurso interposto para julgar improcedente a demanda
indenizatória, e não conhecer do agravo regimental e dos embargos declaratórios interpostos
no curso do processamento do recurso representativo de controvérsia, nos termos do voto do
relator.
A matéria jurídica devolvida ao Superior Tribunal de Justiça – STJ – pela empresa
recorrente, Boa Vista Serviços S/A, ataca acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul que deferiu danos morais à parte autora pela não transparência e clareza das variáveis
utilizadas, pela parte da ré/recorrente, para a nota de classificação do consumidor no sistema
de scoring que acabou por determinar a negativa de crédito em instituição financeira.
Entretanto, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça reformou a decisão do
Tribunal de Justiça gaúcho, no sentido de dar parcial provimento ao Recurso Especial
julgando improcedente a demanda indenizatória, sendo este julgado o principal precedente
que deu origem a recente súmula nº 550 do STJ, aprovada em 14/10/2015 e publicada no DJe
em 19/10/2015, com o seguinte teor:
STJ. Súmula 550. A utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação
de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor,
que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais
valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo.

2 ARGUMENTOS CENTRAIS UTILIZADOS NA FUNDAMENTAÇÃO DO


RECURSO ESPECIAL

Analisa-se como objeto central do Recurso Especial ora estudado a licitude do sistema
avaliador do risco de concessão de crédito, denominado sistema de credit scoring ou
simplesmente scoring.
Trata-se, conforme conceito retirado do voto do relator, de um sistema de pontuação
do risco de concessão de crédito a determinado consumidor a partir de modelos estatísticos,
considerando diversas variáveis de decisão, com atribuição de uma nota ao consumidor
avaliado conforme a natureza da operação a ser realizada.
Não é considerado como um cadastro ou banco de dados de consumidores, mas uma
fórmula matemática ou uma ferramenta estatística para avaliação do risco de concessão do
crédito.
A prática comercial de utilização do sistema de scoring é lícita, conforme a decisão do
STJ, pois está amparada na Lei nº 12.412/2011 (Lei do Cadastro Positivo), autorizada pelos
art. 5º, IV e pelo art. 7º, I, que, ao tratar sobre os direitos do cadastrado nos bancos de dados,
menciona indiretamente a possibilidade de existir a análise de risco de crédito, vejamos:

Art. 5º São direitos do cadastrado:


IV - conhecer os principais elementos e critérios considerados para a análise de
risco, resguardado o segredo empresarial;
(...)
Art. 7º As informações disponibilizadas nos bancos de dados somente poderão ser
utilizadas para:
I - realização de análise de risco de crédito do cadastrado;

No entanto, deve-se respeitar os limites impostos pelo sistema de proteção do


consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência, sob pena de
caracterizar o abuso de exercício de direito em caso de desrespeito as previsões do CDC e da
Lei do Cadastro Positivo.
Portanto, o STJ entende que o sistema de scoring pode ser utilizado com limitações. A
primeira delas é o dever de prestar esclarecimentos ao consumidor, quando solicitado, apesar
da desnecessidade de autorização para utilizar.
O consumidor tem direito que lhe seja fornecido esclarecimentos sobre as fontes dos
dados que foram considerados (histórico de crédito), bem como sobre as suas informações
pessoais valoradas. Entretanto, não terá direito de saber sobre a metodologia utilizada na
elaboração do cálculo utilizados no credit scoring, pois a fórmula é fruto de estudos e
investimentos constituindo segredo da atividade empresarial, protegido pela parte final do
inciso IV, do art. 5º da Lei do Cadastro Positivo acima transcrito.
A segunda limitação é de caráter temporal. Assim, o credit scoring deve respeitar as
limitações temporais para as informações a serem consideradas, estabelecidas pelo CDC e
pela Lei nº 12.414/2011, que são de 05 (cinco) anos para os registros negativos – CDC - e de
15 (quinze) anos para o histórico de crédito - art. 14 da Lei nº 12.414/2011.
A burla poderá ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do
serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente pelos danos morais
causados pela utilização de informação excessiva (assim consideradas aquelas que não
estiverem vinculadas à análise de risco de crédito ao consumidor) ou sensível (assim
consideradas aquelas pertinentes à origem social e étnica, à saúde, à informação genética, à
orientação sexual e às convicções políticas, religiosas e filosóficas), bem como pela recusa
indevida de crédito pelo uso de dados incorretos e/ou desatualizados, tudo de acordo aos arts.
3º e 16 da Lei do Cadastro Positivo.
Assim, verifica-se que os argumentos centrais da fundamentação do Recurso estão
amparados na Lei do Cadastro Positivo (Lei nº 12.414/2011) e no Código de Defesa do
Consumidor - CDC, bem como na avaliação do risco de crédito, sempre respeitando os limites
estabelecidos pela privacidade e máxima transparência nas relações negociais
Desse modo, para que haja a caracterização de um dano extrapatrimonial, necessário
será a comprovação de uma efetiva recusa de crédito, com base em uma nota de crédito baixa
por ter sido fundada em dados incorretos ou desatualizados, o que não ocorreu no caso
concreto, motivo pelo qual o STJ decidiu pelo indeferimento de danos morais.
Acreditamos que o posicionamento adotado pelo STJ está coerente com o
ordenamento jurídico brasileiro, pois reafirmou a defesa do consumidor - ao afirmar que
mesmo sem sua prévia autorização para a utilização do scoring, tem direito que lhe seja
fornecido esclarecimentos sobre as fontes dos dados que foram considerados e as suas
informações pessoais valoradas -, respeitando a privacidade e a máxima transparência da
relação negocial, bem como fez-se valer a lei para que o fornecedor de crédito possa analisar,
dentro dos limites estabelecidos, a possibilidade de fornecer ou não crédito ao consumidor
com intuito de proteger-se de possíveis maus pagadores.

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