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26/01/22, 15:32 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 2142/13.3BELSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
OBJETO DO RECURSO
CASO JULGADO
SEGMENTO DECISÓRIO
OBJETO DO PROCESSO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Data do Acordão: 16-12-2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O preceito que, com fundamento na incompetência material, pode
legitimar que uma ação instaurada num tribunal administrativo seja
remetida o tribunal judicial é o nº 2 do art. 14º do CPTA, e não o nº 2
do art. 99º do CPC, já que este regula a remessa de processos de um
tribunal judicial para outro tribunal judicial ou para tribunal inserido na
ordem jurisdicional dos tribunais administrativos e fiscais.
II. O objeto do processo pode ser reduzido por via da enunciação das
questões suscitadas tanto no recurso de apelação como no recurso de
revista, tornando definitiva a resolução das questões que tenham sido
omitidas nas alegações ou nas respetivas conclusões.
III. Tendo sido decidido pelo tribunal judicial de 1ª instância que a ação
administrativa – que foi interposta nos tribunais administrativos onde
foi julgado improcedente o pedido de indemnização por
responsabilidade civil do Estado atinente ao funcionamento de Serviços
do Min. Público e à atuação do STA -, não poderia prosseguir no
tribunal judicial para apreciação de um putativo erro judiciário do Trib.
Constitucional, por não ter sido formulado um pedido indemnizatório
individualizado ou individualizável reportado à atuação deste último
Tribunal, o facto de no subsequente recurso de apelação o A. não ter
impugnado esse segmento decisório tornou definitiva a recusa de
prosseguimento da ação declarativa com tal fundamento.
IV. O carácter definitivo de tal decisão sai reforçado quando se verifica
que no recurso de revista interposto do acórdão da Relação também não
foi questionado o que neste fora afirmado no sentido de que a remessa
do processo para os tribunais judiciais apenas seria de ponderar se
tivessem sido formulados pedidos indemnizatórios distintos em função,
por um lado, da atuação dos Serviços do Min. Público e do STA e, por
outro lado, da atuação do Trib. Constitucional.
V. O disposto no nº 2 do art. 14º do CPTA que permite que seja
reencaminhada para o tribunal judicial uma ação interposta no tribunal
administrativo, visa as situações típicas em que a verificação da
incompetência material, seja na esfera dos tribunais administrativos,
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seja por referência à competência residual dos tribunais judiciais, é


feita no confronto direto com o pedido e a causa de pedir.
VI. Tal normativo não abarca uma situação em que numa situação em
que numa ação administrativa interposta contra o Estado por
responsabilidade civil extracontratual, foi julgado improcedente o único
pedido de indemnização sustentado na atuação dos Serviços do Min.
Público e num alegado erro judiciário do STA, tendo sido excluída
dessa apreciação unicamente a matéria de facto relacionada com um
alegado erro judiciário do Trib. Constitucional.
VII. A alegação de que, no âmbito de um recurso que foi interposto
para o Trib. Constitucional - na ação administrativa especial de
impugnação de deliberação do CSMP que aplicou sanção disciplinar - o
respetivo relator não determinou a prévia remessa dos autos ao STA
para apreciação da pretendida prescrição do procedimento disciplinar,
assim como a alegação de que o Trib. Constitucional, no acórdão que
proferiu, não considerou violados os princípios do contraditório e do
processo equitativo a respeito da interpretação do art. 203º do EMP, não
configuram qualquer erro judiciário suscetível de determinar a
concessão de alguma indemnização ao abrigo do disposto no art. 13º, nº
1, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado,
aprovado pela Lei nº 67/07, de 31-12.

VIII. Independentemente dos motivos que estiveram na origem da


remessa do processo para o tribunal judicial, a manifesta improcedência
de alguma pretensão indemnizatória deduzida contra o Estado fundada
na existência de erro judiciário do Trib. Constitucional, num caso em
que essa mesma improcedência já foi verificada a respeito de um
alegado erro judiciário do STA, também justifica a recusa de
prosseguimento da ação, fazendo uso dos poderes de gestão processual
(art. 6º do CPC) e impedindo os efeitos de uma estratégia orientada
pelo arrastamento da tramitação processual
Decisão Texto Integral:

I - AA, magistrado do Min. Público, em situação de jubilado, intentou


no Trib. Administrativo de ... uma ação administrativa comum, sob a
forma ordinária,
contra o
ESTADO PORTUGUÊS,
pedindo que:
a) Se declare que foram violados os princípios do contraditório e do
processo equitativo consagrados nos arts. 6º, §1, da CEDH, 14º, nº 1,
do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos [PIDCP], e
47º, nº 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
[CDFUE], pelo facto de não lhe ter sido dada oportunidade de se
pronunciar, antes da deliberação punitiva, sobre o conteúdo do relatório

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final elaborado no processo disciplinar (posteriormente houve


desistência deste “pedido”);
b) Se declare que a infração disciplinar pela qual o A. foi punido já se
encontrava prescrita na data do acórdão do Trib. Constitucional de 12-
7-11;
c) Se julguem inconstitucionais e ineficazes e se recuse a aplicação das
normas dos arts. 175º, nº 1, e 176º, nº 1, do Estatuto do Min. Público
(EMP), entendidos no sentido de a aplicação da pena de inatividade ou
de suspensão ter como consequência a perda do vencimento e
suplementos durante o cumprimento da mesma (posteriormente houve
desistência deste “pedido”);
d) Se condene o R. a pagar a quantia global de € 76.153,00, a título de
danos patrimoniais, correspondente aos valores que deixou de receber
como vencimentos, subsídios de férias e de Natal, subsídio de
compensação, subsídio de refeição e passe social, no período de
cumprimento da pena que lhe foi aplicada, e o montante de €
13.500,00, a título de danos não patrimoniais;
e) Se condene ainda o R. a pagar juros moratórios sobre a quantia
atinente aos danos patrimoniais, a contar das datas do vencimento de
cada uma das verbas discriminadas nos arts. 103º e 104º da petição, e
sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais, a contar da data
da citação.
Fundamentou a sua pretensão na responsabilidade civil extracontratual
do Estado Português por atuações/decisões dos Serviços do Ministério
Público, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal
Constitucional, no âmbito de um processo disciplinar que contra si foi
instaurado e dos processos e recursos que interpôs contra deliberações
do Conselho Superior do Ministério Público a tal respeito.
Alegou para o efeito que:
Exerceu funções como magistrado do Min. Público, tendo sido arguido
no processo disciplinar nº 76/02 LRMP-16, em que lhe foi aplicada a
medida de suspensão preventiva de exercício de funções pelo período
de 180 dias, do qual o A. reclamou, tendo sido deliberado, por acórdão
do Plenário do CSMP de 5-5-03, manter a medida cautelar.
Depois foi-lhe aplicada, sem que o A. tivesse oportunidade de se
pronunciar sobre o conteúdo do relatório final (em que era proposta a
aplicação da pena de demissão), por acórdão da Secção Disciplinar do
CSMP, a pena de um ano de inatividade com impossibilidade de
promoção nos dois anos seguintes ao cumprimento da mesma e perda
do tempo correspondente quanto à remuneração, antiguidade e
aposentação, deliberação confirmada pelo Plenário;
Na sequência, o A. instaurou no STA os seguintes processos:

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- nº 885/03 - suspensão de eficácia do acórdão do Plenário do CSMP de


5-5-03, na parte atinente à medida de suspensão preventiva, a qual veio
a ser indeferida por acórdão do STA de 16-7-03 [doc. G junto com a
contestação], tendo este sido objeto de reclamação com arguição de
nulidades pelo A., que foram desatendidas por acórdão de 30-9-03 (o
A. interpôs ainda recurso destes dois acórdãos do STA para o Pleno da
Secção, mas o relator não admitiu o recurso, por despacho de 4-11-03,
tendo o A. apresentado reclamação, que foi indeferida por acórdão de
2-12-03, vindo ainda o A. a interpor recurso deste acórdão para o Trib.
Constitucional);
- nº 1221/03 - recurso contencioso de anulação do referido ac. do
Plenário do CSMP;
- nº 1273/04 - suspensão de eficácia da deliberação punitiva, a qual
veio a ser deferida por acórdão do STA de 13-1-05 [doc. N junto com a
contestação], e posteriormente revogada por acórdão do STA de 19-11-
09 [cf. doc. O junto com a contestação]; deste acórdão do STA que
revogou a suspensão da eficácia ainda foi interposto recurso para o
Trib. Constitucional que aí foi rejeitado - doc. P junto com a
contestação];
O CSMP deliberou que fosse executada a medida de suspensão
preventiva, mas o A. reclamou dessa deliberação [doc. 5 junto com a
PI], tendo estado suspenso de funções nos dias 15, 16, 17 e 18-12-03,
por tal lhe ter sido ordenado telefonicamente pelo Sr. Procurador-Geral
Distrital, tendo retomado o exercício de funções, na sequência de novo
telefonema, vindo o STA, por acórdão de 14-5-05, a dar provimento ao
pedido do A., decidindo que se mantinha a suspensão de eficácia do
acórdão do CSMP que lhe aplicara a suspensão preventiva de funções,
declarando ineficazes os atos de execução da mesma;
Os serviços do Min. Público da Procuradoria-Geral Distrital
remeteram, por via postal simples, para uma morada onde o A. já não
residia habitualmente, o ofício que lhe comunicava a suspensão do
vencimento por aplicação da pena de inatividade com início a 1-1-10
[doc. 16 junto com a PI], vindo o carteiro, por lapso, a depositar o
sobrescrito contendo o ofício no recetáculo de outra fração do prédio,
só tendo o A. tomado conhecimento desse ofício em 7-3-10;
O A. instaurou ainda no STA ação administrativa especial (proc. nº
219/05) para impugnação da eficácia da decisão punitiva, reagindo
contra o facto de não lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar
no processo disciplinar antes do acórdão punitivo (pediu a anulação dos
atos administrativos formalizados no acórdão da Secção Disciplinar do
CSMP, de 4-5-04, e no acórdão do Plenário desse mesmo Conselho,
datado de 22-11-04, ambos proferidos no âmbito do processo
disciplinar em que era arguido), mas a ação foi julgada improcedente,
por acórdão da Subseção da Secção de Contencioso Administrativo do
STA de 22-2-06 [doc. Q junto com a contestação], do qual foi pelo A.

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interposto recurso para o Pleno que, por acórdão de 6-3-07 [doc. R


junto com a Contestação], negou provimento ao mesmo;
O A. interpôs então recurso para o Trib. Constitucional (recurso nº
627/2007), que veio a decidir, no acórdão de 12-7-11 [cf. doc. U junto
com a contestação], tal como antes o STA o fizera, que o art. 203º do
EMP, que manda notificar o relatório com a notificação da decisão
final, não violava o art. 32º, nº 1, da CRP;
Nem o CSMP, nem os tribunais apreciaram essa questão no confronto
com os princípios do contraditório e do processo equitativo
consagrados nos arts. 6º, §1, da CEDH, 14º, nº 1, do Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos [PIDCP], e 47º, nº 2,
da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [CDFUE],
como deviam ter feito, do que resultaria a desaplicação da referida
norma estatutária, com a anulação do ato punitivo;
A 20-9-10, encontrando-se pendente no Trib. Constitucional o referido
recurso nº 627/2007, o A. apresentou aí requerimento [doc. 17 junto
com a PI] suscitando a questão da prescrição do procedimento
disciplinar e, embora fosse de conhecimento oficioso, solicitou que os
autos fossem remetidos, de imediato, ao STA para ser apreciada;
Como tal requerimento não foi apreciado pelo Trib. Constitucional,
veio o A. a insistir, mediante requerimento de 21-4-11 [doc. 18 junto
com a PI], em que refere que naquele outro (de 20-9-10) “suscitou, de
novo, a questão da prescrição do procedimento disciplinar”; a Srª Cons.
Relatora (no Trib. Constitucional) proferiu então, em 3-5-11, despacho
[doc. 19 junto com a PI] referindo que “o pedido será apreciado
oportunamente, dado que os autos se encontram no Trib.
Constitucional, onde foram produzidas alegações …”, o que levou o A.
a acreditar que o recurso não seria decidido sem que fosse apreciada,
pelo tribunal competente (o STA), a questão da prescrição;
Como o acórdão do Trib. Constitucional, de 12-7-11, não se
pronunciou sobre a prescrição, veio o A. arguir a nulidade do mesmo,
por omissão de pronúncia, arguição que foi desatendida por acórdão de
12-10-11;
A 30-1-12, o A. veio requerer ao STA que fosse apreciada a questão da
prescrição do procedimento disciplinar, tendo o Pleno da Secção do
STA, por acórdão de 16-11-12, declarado que não podia conhecer da
mesma, face ao trânsito em julgado do acórdão do TC;
Ao omitir a prática de atos adequados ao conhecimento pelo tribunal
competente da questão da prescrição, o Trib. Constitucional cometeu
um ato de denegação de justiça e violou os princípios do processo
equitativo e da proteção da confiança consagrados nos arts. 2º e 20º, da
CRP, 6º, §1, da CEDH, 14º, nº 1, do PIDCP e 47º, nº 2, da CDFUE;
Se a prescrição do processo disciplinar tivesse sido declarada e o ato
punitivo anulado seria reconstituída a situação existente do

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cumprimento da pena, sendo pagas ao A. as quantias que deixou de


auferir, no período compreendido entre 24-4-10 a 24-4-11 (em que foi
cumprida a pena aplicada), a título de vencimento, subsídios de férias e
de Natal, subsídio de compensação, subsídio de refeição e passe social,
discriminadas nos arts. 103º e 104º da petição;
A privação desses proventos verificou-se porque, ao contrário das
disposições estatutárias aplicáveis a outros agentes do Estado, os arts.
175º, nº 1, e 176º, nº 1, ambos do EMP, impõem a perda do vencimento
e de suplementos por parte do condenado com a pena de inatividade ou
de suspensão, sendo tais artigos inconstitucionais;
O A. também teve danos não patrimoniais ocasionados pelos factos
descritos.
Concluiu que o R. ficou constituído no dever de o indemnizar por todos
os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência
da conduta ilícita e culposa dos seus agentes, nos termos dos arts. 70º,
nº 1, e 496º, nº 1, do CC, 1º, nºs 1 a 3, 3º, 7º, nºs 1 e 3, 9º, nº 1, 10º, nºs
1 a 3, 12º, 13º, nº 1, e 15º, nºs 1 e 2, todos do Regime Jurídico aprovado
pelo art. 1º da Lei nº 67/07, de 31-12.

O Estado Português, representado pelo Min. Público, invocou as


exceções da incompetência absoluta, em razão da hierarquia e da
matéria, bem como a prescrição. Impugnou ainda vários factos
alegados na petição, descrevendo a sucessão de atos que tiveram no
lugar no âmbito do procedimento disciplinar e dos vários processos
movidos pelo A., incluindo a apreciação do requerimento apresentado
no Trib. Constitucional, no recurso nº 627/2007, no âmbito da ação
administrativa especial atinente à questão da prescrição do
procedimento disciplinar.

O A. apresentou réplica em que se pronunciou pela improcedência das


exceções, defendendo que os atos imputados ao Trib. Constitucional
consistem na omissão de despacho (não apreciação do requerimento de
20-9-10 e na “não remessa do processo ao STA para apreciação da
questão da prescrição do processo disciplinar”, aquando da apreciação
do outro requerimento).

Foi proferido pelo TAC de Lisboa despacho que julgou procedente a


exceção de incompetência absoluta, mas em razão da hierarquia,
relativamente ao pedido de condenação do Estado por responsabilidade
civil extracontratual fundado em erro judiciário, absolvendo o R. desta
parcela da instância. Mais julgou procedente a exceção de prescrição
do direito à indemnização fundado no funcionamento anormal dos
serviços do Min. Público, declarando prescrito o direito do A., nessa
parte, e absolvendo o R. do pedido de indemnização.

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Interposto recurso de apelação para o TCA-Sul, veio a ser proferido


acórdão que lhe negou provimento e manteve a decisão recorrida,
ainda que com a explicitação de que, como se verificava a exceção
dilatória de incompetência hierárquica, o processo seria da competência
da Seção do Contencioso Administrativo do STA para onde foi
remetido.
Já no STA, foi dado cumprimento ao disposto no art. 91º, nº 4, do
CPTA, na sequência do que, o A. veio declarar que ecluía do objeto da
ação os pedidos formulados nas als. a) e c).
Por sua vez, o R., suscitou a exceção de incompetência absoluta dos
tribunais administrativos, agora em razão da matéria, para conhecer do
pedido de indemnização por alegado erro judiciário imputado ao Trib.
Constitucional, em face do disposto nos arts. 4º, nº 4, al. a), e 5º, nº 2,
do ETAF. E defendeu ainda que não se encontravam verificados os
pressupostos da responsabilidade civil do Estado por exercício da
função jurisdicional, na modalidade de erro judiciário, quer no caso das
decisões do Pleno da 1ª Secção do STA, quer das decisões do Trib.
Constitucional.

No STA foi proferido acórdão que concluiu:


- Julgar incompetente a jurisdição administrativa, em razão da matéria,
para conhecer do pedido de indemnização fundado em erro judiciário
imputado ao Trib. Constitucional, absolvendo, quanto a ele, o R. da
instância;
- Julgar procedente a exceção de prescrição relativamente à conduta
imputada aos Serviços do Min. Público;
- E julgar improcedente o pedido de indemnização fundado em erro
judiciário imputado ao STA, dele absolvendo o R., absolvendo o R. do
pedido.
A respeito do alegado erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional
(e também ao STA), consignou-se na fundamentação do acórdão que:
“O A. imputa aos referidos tribunais fundamentalmente dois erros: o
primeiro deles tem a ver essencialmente com a decisão judicial sobre a
alegada falta de audiência prévia (autónoma) sobre o relatório do
processo disciplinar; e o segundo respeita essencialmente à omissão de
decisão judicial sobre a prescrição do processo disciplinar.
Na verdade, entende que o STA, no proc. nº 219/05 e o Trib.
Constitucional, no recurso nº 627/07, julgaram que o «art. 203º do
EMP – que manda notificar o relatório com decisão final do processo
disciplinar – não viola o art. 32º, nº 1, da CRP, o que, a seu ver, está
errado, pois deveriam ter apreciado tal questão em confronto com os
princípios fo contraditório e do processo equitativo (ver arts. 6º, § 1 da
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CEDH, 2º e 14, nº 1, ambos do Pacto Internacional sobre os Direitos


Civis e Políticos e 47º da CDFUE – o que os levaria, por desrespeito
aos mesmos, a não aplicar aquele art. 203º, a declarar a nulidade
insuprível no processo disciplinar e a anular o ato punitivo, com a
consequente reconstituição da situação que existiria se a sanção
punitiva não tivesse sido aplicada.
E entende também que, apesar de requerer, de insistir, junto do Trib.
Constitucional e de requerer junto do STA a apreciação da questão da
prescrição do procedimento disciplinar, tal acabou por, erradamente,
não ser feito, sendo certo que se essa questão fosse apreciada e a
punição anulada seria reconstituída a sua situação existente antes do
cumprimento da pena.
Ora estamos obviamente perante invocados erros in judicando, na
medida em que condicionam, na visão do A., o sentido e o conteúdo da
decisão judicial proferida pelos tribunais em causa.

Resulta, pois, sem sombra de dúvida, que o conhecimento do pedido
formulado pelo A. referente aos alegados erros judiciários imputados
ao Trib. Constitucional não pode, porque a lei o proíbe, ser apreciado
por este STA”.

O A. interpôs recurso para o Pleno da Secção de Contencioso


Administrativo do STA, no âmbito do qual declarou reduzir o pedido
de indemnização por danos patrimoniais de € 74.653,00 para €
46.500,00, nos termos do art. 265º, nº 2, do CPC.
Nesse recurso pediu que fosse:
a) Declarada verificada a nulidade arguida e anulado o acórdão
recorrido;
b) Declarado que o direito invocado pelo recorrente ainda não
prescreveu e que a jurisdição administrativa é a competente para
conhecer de todos os pedidos formulados no petitório, revogando-se o
acórdão recorrido;
c) E julgados procedentes os pedidos formulados nas als. b), d) e e) da
petição.
No Pleno do STA foi proferido acórdão que negou provimento ao
recurso e em cuja fundamentação se refere, além do mais, que:
“… inequivocamente a pretensão indemnizatória formulada pelo A.
estriba e radica seu fundamento naquilo que foi o pretenso desacerto do
âmbito/objeto das pronúncias jurisdicionais que foram firmadas pelo
Trib. Constitucional e pelo Pleno deste STA no quadro da ação
administrativa em referência, mercê do alegado incumprimento pelos
mesmos do seu dever de pronúncia nas decisões prolatadas e da
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inobservância daquilo que, nesse âmbito, eram as obrigações que sobre


cada um impendiam.
Em causa não está, pois, uma situação de responsabilidade civil por
danos ilicitamente causados pela administração da justiça, prevista no
art. 12º do RCEEP, decorrente de um qualquer erro in procedendo,
enquanto reportado ou respeitante a atos lesivos praticados por
quaisquer operadores judiciários e não integrantes daquilo que constitui
a «reserva de juiz» …
Estamos claramente, ao invés, ante uma situação de erro in judicando,
visto, em causa, estarem pronúncias jurisdicionais integrantes e
prolatadas no quadro da atividade judicante proprio sensu.”

O A. veio então requerer que os autos fossem remetidos à jurisdição


cível, logo que o acórdão transitasse em julgado, para apreciação da
responsabilidade civil emergente dos factos ilícitos que na petição
inicial são imputados ao Trib. Constitucional.

Os autos baixaram ao TAC de Lisboa no qual foi proferido, sem


qualquer fundamentaão, o seguinte despacho “Remeta, como requerido
pelo A.”.

Uma vez apresentado o processo no Juízo Central Cível de ..., foi então
proferido despacho advertindo as partes quanto ao seguinte:
- O processo foi remetido a latere da previsão do art. 99º, nº 2, do CPC;
- O tribunal é incompetente para conhecer do único pedido
remanescente de declaração de inconstitucionalidade de normas;
e ainda
- Não foi alegada matéria suscetível de consubstanciar erro judiciário
do Trib. Const., sendo a petição inicial inepta, nulidade que é
insuprível.
Na sequência desse despacho, o A. veio defender que deve ser
ordenado o prosseguimento do processo, já que nenhum tribunal pode
declarar que é incompetente para julgar a inconstitucionalidade de
normas e, se for o caso, recusar a aplicação das mesmas.
Alegou ainda que o STA declarou definitivamente que o alegado na
petição inicial consubstancia “erro judiciário”, classificação jurídica
que é definitiva e que, a proceder a nulidade prefigurada, seria violado
o princípio do processo equitativo.
De seguida, foi proferido despacho que, no essencial, se traduziu no
seguinte:

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- “A jurisdição administrativa não se julgou incompetente, julgou-se,


sim, incompetente relativamente a um dos pedidos” e “a incompetência
não foi decretada depois de findos os articulados, mas sim após os
articulados e o conhecimento de mérito das instâncias”, sendo que o
“preceituado no art. 99º, nº 2, do CPC, não se destina a uma situação
como a ora descrita, o que bem se compreende” - fls. 597 e 598);
- “Não é pura e simplesmente possível a prossecução dos autos nesta
jurisdição, conforme pretendido pelo A., porque não foi formulado
pedido indemnizatório individualizado ou individualizável reportado ao
putativo erro judiciário do Trib. Constitucional. Ora o R. já foi
absolvido do pedido, com trânsito em julgado, no que concerne ao
pedido indemnizatório na vertente atinente à conduta imputada aos
serviços do Ministério Público e a erro judiciário da jurisdição
administrativa. Não é descortinável qual a medida da indemnização
reportada a conduta do Trib. Constitucional (fls. 598);
- O único pedido que restaria apreciar seria o da al. c), ou seja, de que
se julgassem inconstitucionais as normas dos arts. 175º, nº 1, e 176º, nº
1, do EMP, sendo que “o pedido de declaração de inconstitucionalidade
não pode, todavia, consubstanciar o pedido da ação” e que “os tribunais
comuns não são competentes para julgar normas inconstitucionais ou
para recusarem a aplicação de normas com fundamento em
inconstitucionalidade, a menos que essa recusa ocorra no âmbito e a
propósito do caso concreto” (fls. 599);
- E, finalmente, apreciando a alegação do erro judiciário imputado ao
Trib. Constitucional, concluiu que “não foi obviamente alegado
qualquer erro grosseiro perpetrado pelo Trib. Constitucional. O que o
A. alega é que o Trib. Constitucional não conheceu da prescrição do
procedimento disciplinar (arts. 86º e 93º da petição inicial), o que bem
se compreende, atenta a específica natureza deste tribunal que aprecia a
inconstitucionalidade e a ilegalidade de normas, nos termos dos arts.
277/283º da CRP”;
Concluiu-se no despacho de 1ª instância que (fls. 601):
“O processo foi remetido a este tribunal só formalmente, no âmbito da
previsão do art. 99º, nº 2, do CPC”;
“Por outra parte, o tribunal não é competente para o único pedido
remanescente, atinente à declaração de inconstitucionalidade de
normas, independentemente da sua aplicação”;
“Acresce que não foi alegada matéria suscetível de consubstanciar erro
judiciário do Trib. Constitucional, nem em todo o caso se verifica
matéria suscetível de ser reconduzida à qualificação de erro judiciário
por parte do aludido Tribunal”;
Finalmente, superando obstáculos de ordem formal que levariam à
absolvição da instância, julgou a “ação totalmente improcedente,
absolvendo o R. do pedido”.

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De tal despacho o A. interpôs recurso de apelação para a Relação de


Lisboa, declarando que reduz o pedido de indemnização por danos
patrimoniais de € 74.653,00 para € 54.000,00 e o de danos não
patrimoniais de € 13.500,00 para € 6.000,00 por o R. já ter sido
parcialmente absolvido do mesmo.
No recurso de apelação, além de arguir a nulidade decorrente da falta
de notificação para apresentar o seu requerimento probatório, arguiu a
nulidade do despacho recorido, por excesso de pronúncia, na medida
em que o A. já formalizara a desistência quanto ao pedido de
declaração de inconstitucionalidade das normas (al. c)).
Considerou também que o facto de a remessa dos autos ter sido
decretada depois de ter sido apreciado o mérito de questões respeitantes
à jurisdição administrativa não tornava a remessa indevida.
Alegou ainda que não se verificava ineptidão da petição inicial, por
falta de alegação de factos respeitantes ao erro judiciário imputado ao
Trib. Constitucional, e que, de qualquer modo, o R. interpretou
devidamente a petição inicial a tal respeito

Foi proferido acórdão pela Relação de Lisboa que declarou nula a


decisão recorrida, na parte em que decidiu absolver o R. do pedido
constante da al. c), uma vez que o A. já excluíra esse pedido da
instância processual.
No mais, a Relação confirmou o despacho da 1ª instância na parte em
que julgou indevida a remessa dos autos e inviável o seu
prosseguimento na jurisdição comum, com diversos fundamentos:
- A remessa foi determinada já depois de ter sido apreciado o mérito da
causa respeitante à esfera de competência dos tribunais administrativos;
- A ação foi corretamente instaurada nos tribunais administrativos, uma
vez que foi formulado, em termos substanciais, um único pedido de
indemnização, ainda que fundado numa causa de pedir complexa que
apenas em parte envolvia atuações do Trib. Constitucional, sendo que a
remessa do processo para os tribunais judiciais apenas seria de
ponderar se houvesse pedidos indemnizatórios distintos em função da
atuação dos Serviços do Min. Público e do STA, por um lado, e do
Trib. Constitucional, pelo outro;
- O pedido indemnizatório já foi apreciado por decisão transitada em
julgado proferida nos tribunais administrativos, não podendo agora ser
artificialmente duplicado na mesma ação, sem embargo da instauração
de outra ação sustentada na atuação do Trib. Constitucional, de modo
que o litígio já não tem objeto, o qual se esgotou com o que foi
decidido nos tribunais administrativos;

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- Complementarmente a Relação negou que qualquer decisão proferida


nos tribunais administrativos tenha valor de caso julgado com eficácia
nos tribunais judiciais, seja a que determinou a remessa do processo,
seja a que qualificou os atos imputados ao Trib. Constitucional como
integrantes de erro judiciário.

O A. interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de


Justiça que, como tal, foi admitido apenas na parte em que foi
confirmada pela Relação a decisão de 1ª instância que considerou
inadmissível a remessa dos autos para a jurisdição comum ao abrigo do
nº 2 do art. 99º do CPC.
Para o efeito o recorrente concluiu:
Não há diferença entre "depois de findos os articulados" e "após os
articulados", uma vez que ambos os trechos exprimem posteridade no
tempo, significando que já se encontram no processo articulados que no
caso sejam admissíveis e as partes decidiram apresentar.
Das disposições combinadas contidas nos arts. 97º, nº 1, e 99º, nº 2, do
CPC, retira-se que depois de se encontrar no processo o último
articulado admissível, o processo pode e deve ser remetido ao tribunal
em que a ação devia ter sido proposta, aproveitando-se os articulados,
desde que o autor o requeira e o réu se não oponha de forma justificada.
A remessa deve ser requerida até 10 dias após o trânsito em julgado da
decisão de incompetência, sendo indiferente que algum dos pedidos
tenha ou não sido objeto de apreciação e decisão, ao contrário do
entendimento que ficou expresso na decisão recorrida, pelo que foram
interpretados erradamente e violados os dois citados normativos.
A causa de pedir é integrada pelo conjunto dos factos essenciais que
preenchem a previsão da norma ou das normas de direito substantivo
que conferem o direito que o autor quer fazer valer, dela ficando
excluídos os factos instrumentais, os que sejam complementares ou
concretizadores dos essenciais e os factos notórios, que serão
considerados na sentença, nos termos da lei.
O A. alegou os factos essenciais constituintes, em seu entender, de uma
causa de pedir baseada no mau funcionamento dos serviços da justiça,
nomeadamente a omissão ou recusa de remessa do processo pelo Trib.
Constitucional ao STA para conhecimento da prescrição, mas este
tribunal, acolhendo a posição tomada pelo réu na contestação e usando
da liberdade de interpretação e qualificação que lhe era conferida pelo
citado art. 5º, nº 3, do CPC, declarou que os factos alegados integravam
um erro judiciário como causa de pedir.
Porque o acórdão do STA que assim decidiu transitou em julgado, já
não se pode discutir a bondade de tal decisão, concorde-se ou não com
ela, formando a mesma caso julgado material e formal, ao contrário do
entendimento expresso no acórdão ora impugnado.
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Se assim não fosse, sempre haveria que considerar que o facto de o réu
ter contestado sem arguir a ineptidão nem deduzir qualquer outra
exceção, dizendo que a causa de pedir em que se baseavam os pedidos
consubstanciava um erro judiciário, é bem revelador de que interpretou
convenientemente a petição, o que é bastante para que não possa ser
declarada a ineptidão da petição e a nulidade do processo.
Não tendo sido apreciados pelo tribunal competente os pedidos
formulados em b), d) e e) do petitório e a causa de pedir que lhes serve
de fundamento, é fora de dúvida que ainda não se pode considerar que
a instância se encontre extinta por já não ter objeto, pelo que o processo
deverá prosseguir os seus termos.
Quando o Trib. Constitucional decidiu o recurso, a 12-7-11, já o
procedimento disciplinar se encontrava prescrito, uma vez que tinham
decorrido mais de 7 anos e 6 meses após a consumação da infração, o
que perfaz o prazo normal de prescrição acrescido de metade, dele
descontando o tempo de suspensão.
De facto, a infração pela qual o A. foi punido consumou-se a 10-3-03, o
respetivo prazo normal de prescrição era de 3 anos e tem-se entendido
que num Estado de direito democrático não há infrações imprescritíveis
e que às infrações disciplinares se aplica integralmente o regime de
prescrição do procedimento criminal previsto no CP.
A decisão que indefere o pedido de declaração da prescrição do
procedimento disciplinar forma caso julgado rebus sic stantibus, com
alcance limitado, não obstando a que a questão volte a ser apreciada em
novo incidente em que se invoquem fundamentos diferentes daqueles
que serviram de base ao primeiro pedido.
Tendo o autor invocado diferentes razões no primeiro e no segundo
requerimento, o que foi verificado pelo Trib. Constitucional e pelo
STA, sem que houvesse pronúncia a tal propósito, é legal que se
aprecie e decida o pedido formulado em b), satisfazendo-se a
solicitação feita pelo autor.
Além dos normativos citados nas conclusões anteriores, também se
mostram violados, segundo a interpretação do TEDH, os princípios do
processo equitativo, do direito de acesso a um tribunal, da proibição da
denegação de justiça, da segurança jurídica e do contraditório, todos
acolhidos no arts. 6º, § 1, da CEDH, bem como do respeito pelos bens
do autor, consagrado no arts. 1º do Protocolo nº 1 Adicional, aplicáveis
por força do art. 8º, nº 2, da Constituição.

Houve contra-alegações.
Cumpre decidir.

III – Decidindo:
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1. O presente recurso de revista excecional foi interposto no âmbito de


uma ação administrativa que foi instaurado no ... e que foi apreciada
pelas diversas instâncias dos tribunais administrativos.
Depois das múltiplas vicissitudes que anteriormente foram relatadas, o
STJ veio a proferir acórdão a concluir que os factos alegados acerca de
erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional não podiam ser
apreciados, ao mesmo tempo que, incidindo sobre a exceção da
prescrição, a julgou procedente no tocante ao funcionamento anormal
dos Serviços do Min. Público. Além disso, conheceu da questão da
responsabilidade civil extracontratual por alegado erro judiciário
imputado ao Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA,
concluindo não estarem preenchidas as condições de atribuição da
indemnização peticionada.
O A. ainda interpôs um derradeiro recurso para o Pleno da Seção de
Contencioso Administrativo do STA que lhe negou provimento.
Na sequência deste último acórdão, o A. requereu que os autos da
referida ação administrativa especial fossem remetidos para o tribunal
judicial de 1ª instância, o que foi tabelarmente deferido por despacho
do .... E ainda que não tenha sido explicitado em tal despacho, está nele
implícito que foi por se ter considerado que, não sendo os tribunais
administrativos os competentes para apreciar a responsabilidade civil
do Estado Português relacionada com a intervenção jurisdicional do
Trib. Constitucional, essa competência caberia aos tribunais judiciais,
assim se justificando o aproveitamento do processado e seu
prosseguimento.
Porém, para efeitos de resolução do caso concreto, em que está
simplesmente em causa apurar se deve prosseguir nos tribunais
judiciais uma ação administrativa que foi reencaminhada pelo TAC, é
relevante evidenciar que, do mesmo modo que os juízes dos tribunais
judiciais não têm jurisdição sobre as questões que devam ser
apreciadas no âmbito de processos que corram termos nos tribunais
administrativos, também as decisões proferidas no âmbito de processos
insaturados nos tribunais administrativos não são vinculativas para os
tribunais judiciais quando estejam em causa questões que por estes
também devam ser decididas, seja a apreciação da sua competência
material, seja da mera legalidade da remessa da ação administrativa em
qualquer situação.
Na verdade, não negando a legitimidade para o ... formular um juízo
favorável à remessa do processo administrativo para os tribunais
judiciais, apesar de tal ocorrer num caso em que na ação administrativa
já existiu pronúncia sobre o mérito da única pretensão indemnizatória
que foi deduzida pelo A. e de nos tribunais administrativos terem sido
percorridos todos os graus de jurisdição, incluindo a intervenção do
Pleno do Contencioso do STA, tal decisão não é vinculativa para os
tribunais judiciais que com semelhante legitimidade podem formular
um juízo desfavorável ao prosseguimento da ação.
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Aliá, da leitura do acórdão do STA que excluiu da sua apreciação


quanto ao mérito da ação a atuação imputada ao Trib. Constitucional
não decorria como efeito necessário a determinação da remessa, nos
termos em que foi feita, aliás, sem qualquer fundamentação. O facto de
o STA se ter julgado materialmente incompetente para tal apreciação
não significava que, uma vez apreciado o mérito do pedido de
indemnização nos termos em que tal foi feito, a ação devesse
prosseguir noutra ordem jurisdicional para apreciação do mesmo
pedido sustentado nos referidos factos que ficaram excluídos da
primeira apreciação jurisdicional.
Assim, os autos apenas prosseguirão nos tribunais judiciais se vier a ser
reconhecida essa possibilidade por decisão autónoma aqui proferida, a
qual foi negada por ambas as instâncias.

2. O segundo aspeto de ordem preliminar que cumpre apreciar liga-se à


norma jurídica que regula a questão em análise, sendo que quer o
tribunal administrativo de círculo, quer os tribunais judiciais de 1ª e 2ª
instância se centraram no nº 2 do art. 99º do CPC.
Ocorre, porém, que, estando em causa a admissibilidade de
prosseguimento num tribunal judicial de ... ação reencaminhada pelo
tribunal administrativo, o preceito que realmente interessa analisar,
interpretar e aplicar é o nº 2 do art. 14º do CPTA, nos termos do qual
“quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, sem que o
tribunal competente pertença à jurisdição administrativa e fiscal, pode
o interessado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da
decisão que declare a incompetência, requerer a remessa do processo
ao tribunal competente, com indicação do mesmo”.
Existem diferenças de regime quando se compara a redação de cada um
dos preceitos, sendo a norma do CPTA mais ampla do que a do CPC, já
que, segundo o nº 2 do art. 14º do CPTA, a remessa do processo pode
ser ordenada em qualquer fase, e não apenas depois dos articulados,
bastando que exista uma decisão que declare a incompetência material
do tribunal administrativo, com fundamento em que a competência
pertence a algum tribunal da jurisdição comum. Acresce que enquanto
a norma do art. 99º, nº 2, do CPC, atribui relevo à existência ou não de
oposição justificada, tal elemento é alheio àquele outro preceito que, no
âmbito de processos pendentes nos tribunais administrativos, autoriza a
ordem de remessa.
Seja como for, apesar de nas precedentes decisões a questão em debate
ter sido resolvida a partir da aplicação da norma do nº 2 do art. 99º do
CPC, do que se trata efetivamente é da interpretação e aplicação do art.
14º, nº 2, do CPTA.

3. Incidindo sobre o objeto do recurso de revista centrado na


admissibilidade do prosseguimento nos tribunais judiciais da ação que
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foi instaurada nos tribunais administrativos, onde já foi objeto de


decisão de mérito nas três instâncias no sentido da sua improcedência,
de antemão podemos afirmar que são diversos os obstáculos a que
prossiga nos tribunais judiciais a “saga” de que o A. recorrente vem
sendo protagonista e literalmente esgotou os instrumentos processuais
disponíveis.

3.1. Desde logo, existe um argumento formal que impede tal desiderato
e que está ligado à limitação do objeto do processo por via de
vicissitudes associadas ao teor das conclusões enunciadas no recurso de
apelação e no presente recurso de revista.
É ponto assente, sem carecer de extensa justificação, que o âmbito do
recurso se afere pelo teor das respetivas conclusões e que, por outro
lado, questões que não tenham sido objeto de impugnação nessa sede se
consideram definitivamente apreciadas, a não ser que estejam cobertas
pelo caso julgado formal. É o que decorre do disposto no art. 635º do
CPC e da vasta jurisprudência, especialmente a deste Supremo, que
vem constantemente assinalando esse vetor.
De tal preceito decorre que, independentemente do âmbito definido
pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso, é-lhe
legítimo restringir o seu objeto nas alegações ou nas respetivas
conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela
impugnação. 
Com efeito, em resultado do que consta do art. 639º, nº 1, as conclusões
delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma
função semelhante à do pedido, na petição inicial, ou à das exceções,
na contestação. Por isso, salvo quando se trate de matérias que não se
encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera
de atuação do tribunal ad quem.
A eventual restrição do objeto do recurso, em comparação com o
âmbito mais alargado resultante do requerimento de interposição, pode
ser expressamente formulada pelo recorrente, nas conclusões,
identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu
inconformismo. Mas essa restrição pode também ser tácita, sendo isso
o que ocorre quando exista falta de correspondência entre a motivação
e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude do
requerimento de interposição do recurso, e até da sua motivação, o
recorrente restrinja o seu objeto através das questões por si
identificadas nas respetivas conclusões. 
No caso concreto em que unicamente está em causa a possibilidade de
a ação administrativa prosseguir ou não nos tribunais judiciais para
onde foi reencaminhada por despacho meramente tabelar do ...,
verifica-se que º ... de 1ª instância, para indeferir a pretensão do A.,
expôs o seguinte:

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“Não é pura e simplesmente possível a prossecução dos autos nesta


jurisdição, conforme pretendido pelo A., porque não foi formulado
pedido indemnizatório individualizado ou individualizável reportado ao
putativo erro judiciário do Trib. Constitucional.
Ora, o R. já foi absolvido do pedido, com trânsito em julgado, no que
concerne ao pedido indemnizatório na vertente atinente à conduta
imputada aos serviços do Min. Público e a erro judiciário da jurisdição
administrativa.
Não é descortinável qual a medida da indemnização reportada a
conduta do Trib. Constitucional (fls. 598).
Ou seja, para além de outros impedimentos adjetivos ou materiais ao
prosseguimento da ação, foi detetado pelo tribunal judicial de 1ª
instância o facto de na ação ter sido substancialmente formulado um
único pedido de indemnização contra o Estado e de não ter sido
individualizado ou não ser individualizável qualquer pedido
indemnizatório associado a um alegado erro judiciário imputado à
atuação do Trib. Constitucional.
Ora, como se assinalou no relatório precedente, a resposta a tal questão
serviu de base à rejeição do prosseguimento da ação no tribunal judicial
de 1ª instância, não foi objeto de impugnação especificada nas
conclusões do precedente recurso de apelação, o que permite asseverar
que se consolidou como fundamento para a recusa de prosseguimento
da instância processual na esfera dos tribunais judiciais.
Tal asserção mais se acentua quando se verifica que o acórdão da
Relação concluiu a dado passo que:
“A ação foi corretamente instaurada nos tribunais administrativos, uma
vez que foi formulado, em termos substanciais, um único pedido de
indemnização, ainda que fundado numa causa de pedir complexa que
apenas em parte envolvia atuações do Trib. Constitucional, sendo que a
remessa do processo para os tribunais judiciais apenas seria de
ponderar se houvesse pedidos indemnizatórios distintos em função da
atuação dos Serviços do Min. Público e do STA, por um lado, e do
Trib. Constitucional, pelo outro”.
Ora, também no presente recurso de revista se verifica que foi omitida
a impugnação desta resposta à mesma questão jurídica em torno na
necessidade ou não de existência de uma cumulação de pedidos para se
admitir o prosseguimento da ação no tribunal judicial. É o que decorre
das alegações e designadamente das respetivas conclusões, o que torna
ainda mais evidente, neste contexto, que nenhuma decisão posterior,
ainda que respondendo, porventura, de forma favorável a qualquer
outro argumento apresentado pelo A. recorrente teria força suficiente
para superar a ausência de impugnação da resposta que foi dada àquela
questão de direito.

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Por conseguinte, encontrando-se consolidada uma resposta judiciária


que considerou impeditivo do prosseguimento da instância judicial o
facto de o A. ter formulado um único pedido de indemnização
sustentado, por um lado, na atuação dos Serviços do Min. Público e
STA e, por outro, na atuação do Trib. Constitucional, sem qualquer
individualização da parcela correspondente à atuação deste último
órgão jurisdicional, a recusa de prosseguimento da ação no tribunal
judicial tem-se por definitiva, o que permite confirmar a extinção da
instância na esfera dos tribunais judiciais.
Ainda assim, não deixaremos de acrescentar outros fundamentos para a
improcedência do recurso de revista.

3.2. Para além do que foi afirmado na decisão da 1ª instância sobre a


inviabilidade de prosseguimento da ação no tribunal judicial, consta do
acórdão da Relação que:
“É evidente que a presente ação, considerando os pedidos formulados e
as respetivas causas de pedir, não deveria ter sido proposta nos
tribunais judiciais, mas antes nos tribunais da jurisdição administrativa
e fiscal, tanto assim que aí correu os seus termos, com a prolação de
decisão final que conheceu do mérito da causa (julgando procedente
uma exceção perentória e absolvendo o R. do pedido).
Bem vistas as coisas, os tribunais administrativos, perante um pedido
de indemnização único fundado numa causa de pedir complexa, apenas
se consideraram incompetentes para julgarem da (im)procedência da
ação na parte em que a mesma, face ao pedido e a uma parte muito
circunstanciada dos factos integrantes da causa de pedir, tal como
descritos ou configurados pelo A., se tinha por assente em erro
judiciário do Trib. Constitucional; só, nessa medida, o STA considerou
que a competência para dirimir o litígio era dos tribunais da jurisdição
comum, aceitando a sua competência quanto a tudo o resto, o que
abrange a globalidade dos pedidos (remanescentes após a desistência
requerida)”.
Daqui partiu a Relação para a conclusão de que “não pode haver lugar
à remessa dos autos com aproveitamento dos articulados para
prosseguimento da presente ação, que findou, pelo julgamento [cf. art.
277º, al. a), do CPC]”.
Em termos substanciais, o pedido de indemnização que foi formulado
pelo A. traduziu-se na condenação do Estado a pagar-lhe a quantia
global de € 76.153,00 a título de danos patrimoniais (correspondente
aos valores que deixou de receber como vencimentos, subsídios de
férias e de Natal, subsídio de compensação, subsídio de refeição e
passe social, “no período de cumprimento da pena que lhe foi
aplicada”), e o montante de € 13.500,00 a título de danos não
patrimoniais, assim como no pedido acessório de juros moratórios.

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Ora, relativamente a tal pedido, o STA, embora tenha consignado que


não detinha competência material para apreciar o pedido de
indemnização fundado em “erro judiciário imputado ao Trib.
Constitucional”, considerou improcedente a pretensão reportada à
conduta imputada aos Serviços do Min. Público e a erro judiciário do
STA e absolveu o Estado do pedido de indemnização.
Perante isto, decidiu-se no acórdão da Relação que:
“O pedido indemnizatório … já foi julgado com trânsito em julgado. E
não pode ser artificialmente duplicado, sendo certo que tal não resulta,
nem podia resultar do decidido pelo STA nos seus acórdãos,
devidamente interpretados, em que se considerou não ser da
competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal conhecer
do mérito da causa quanto à pretensão do A. fundada em putativo erro
do Trib. Constitucional, deixando, pois, em aberto, com a respetiva
decisão de absolvição da instância, a possibilidade de propositura pelo
A. de nova ação para fazer valer o direito que se arroga, fundada
naquela causa de pedir. Nem é por o A. vir agora, no seu requerimento
de interposição de recurso e respetiva alegação, ficcionar que o R. não
foi absolvido do pedido … que este Trib. da Relação pode olvidar que
o STA já decidiu, por acórdão transitado em julgado, absolver o Réu do
mesmo.
No fundo, há que reconhecer que a remessa dos autos efetuada é
inconsequente, pois o litígio já não tem objeto, encontrando-se a
instância extinta pelo julgamento (por acórdão do STA), com a decisão
de absolvição do R. do(s) pedido(s), a qual não pode ser alterada no
presente processo, por estar esgotado o poder jurisdicional do tribunal e
sob pena de ofensa do caso julgado material (cf. arts. 277º, al. a), 613º,
619º a 621º, do CPC)”.

3.3. É manifestamente artificial o caminho que vem sendo trilhado pelo


A. para conseguir arrastar ainda mais a ação que instaurou nos tribunais
administrativos, agora já na esfera de intervenção dos tribunais
judiciais, tergiversando a respeito dos efeitos que efetivamente
decorrem do que foi decidido nos tribunais administrativos.
É verdade que o STA se considerou incompetente em razão da matéria
para apreciar a atuação do Trib. Constitucional que alegadamente
poderia ser enquadrada num putativo erro judiciário. Conclusão que
sempre seria de questionar considerando que, afinal, a intervenção do
Trib. Constitucional ocorreu no âmbito da sindicância da
constitucionalidade de preceitos que foram aplicados pelo STA para
apreciar a impugnação deduzida pelo A. à deliberação do CSMP.
Mas independentemente desse aspeto, o que a tal respeito foi referido
pelo STA no mesmo acórdão em que julgou improcedente o pedido
principal de indemnização deduzido pelo A. contra o Estado, não
legitima que, depois disso, a mesma ação ainda prossiga nos tribunais
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judiciais para o mesmo efeito sustentado numa alegada


responsabilidade do Estado pela atuação do Trib. Constitucional.
Com efeito, na mesma ação foi deduzido um único pedido de
indemnização que abarcou indiscriminadamente a atuação de entidades
administrativas especiais (os Serviços do Ministério Público), os
tribunais administrativos e o Trib. Constitucional. Por outro lado, a
petição inicial não deixa perceber qual a conexão entre os factos
respeitantes ao alegado erro judiciário imputado ao Trib. Constitucional
e o pedido de indemnização já julgado improcedente a partir da análise
dos factos imputados a serviços administrativos e a tribunais
administrativos.
Como qualquer outro preceito, o art. 14º, nº 2, do CPTA, também
carece de interpretação, cabendo definir se num caso, como este, em
que na ordem jurisdicional dos tribunais administrativa já foi julgada
improcedente a ação de condenação por responsabilidade civil
extracontratual imputada ao Estado relacionada com a atuação dos
Serviços do Min. Público e do STA, ainda é legítimo seguir, agora na
ordem jurisdicional dos tribunais judiciais, com a mesma ação
transmutada em ação declarativa com processo comum e circunscrita à
apreciação do mérito da mesma pretensão a partir da análise dos factos
reportados a um alegado erro judiciário imputado ao Trib.
Constitucional.
A simples enunciação da questão deixa claro o carácter anómalo de
uma resposta positiva perante o preceituado no nº 2 do art. 14º do
CPTA, do que redundaria que numa mesma instância processual
fossem proferidas duas decisões sobre o mérito da causa: depois de
numa primeira fase ter sido apreciada a causa de pedir correspondente à
responsabilidade civil extracontratual do Estado em função dos factos
relacionados com a atuação de entidades administrativas (os Serviços
do Min. Público) e do STA, numa segunda fase (e, porventura, com o
mesmo rasto processual que existiu aquando da tramitação da ação nos
tribunais administrativos), iria ser apreciada a mesma responsabilidade
civil imputada ao Estado mas associada à atuação jurisdicional do Trib.
Constitucional.
Não foi seguramente uma situação assim desenhada que esteve na
mente do legislador quando, através do art. 14º, nº 2, do CPTA, previu
a remessa do processo para os tribunais judiciais, desse modo
ampliando a possibilidade que então já constava do nº 2 do art. 101º do
CPC de 1961 que, no entanto, a fazia depender da existência de um
acordo das partes.
Como refere Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo,
5ª ed., quando aborda o pressuposto da competência material na ordem
dos tribunais administrativos, o preceito visa fundamentalmente os
casos em que “a petição seja dirigida a um tribunal administrativo, mas
a questão não deve ser, no entanto, submetida à apreciação de nenhum
tribunal da jurisdição administrativa, o juiz deve declarar-se
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incompetente e absolver da instância, pondo termo ao processo”, caso


em que se concede ao autor o direito de requerer a remessa do processo
ao tribunal competente, situação bem diversa daquela que ocorreu no
caso concreto em que, afinal, o STA, não deixou de apreciar o mérito
da ação.
O que se mostra sustentado na redação do art. 14º, nº 2, do CPTA, e
está contido na intenção do legislador são as situações paradigmáticas
em que a verificação da incompetência material do tribunal da ordem
administrativa e a correspondente constatação da competência material
de um tribunal judicial ocorrem antes de ser proferida sentença sobre o
mérito da ação administrativa e inequivocamente antes de todo um rol
de intervenções dos diversos patamares hierárquicos da ordem
jurisdicional dos tribunais administrativos promovidas pelo A.
Ao invés do que refere o A., a recusa de aceitação do processo que
emerge das decisões que foram proferidas pelo tribunal judicial de 1ª
instância e pelo Tribunal da Relação não se baseia num argumento de
cariz formal de que, afinal, a remessa não foi determinada “logo após o
fim dos articulados”. Pelo contrário, é possível descobrir uma base
substancial mais sólida que releva o facto de ter existido uma
tramitação posterior que integrou o despacho saneador-sentença
proferido no TAC de Lisboa que apreciou o mérito da causa, seguido
dos acórdãos do TCA-Sul, do STA e do Pleno do STA, sempre no
sentido da improcedência do único pedido de indemnização que foi
deduzido por responsabilidade civil extracontratual assacada a Estado.
Por conseguinte, a norma do art. 14º, nº 2, do CPTA, devidamente
interpretada para além da sua mera literalidade, não autorizava que o ...,
sem qualquer argumento substancial, tivesse “despachado” no sentido
pretendido pelo A., e também não serve de sustentação ao
prosseguimento da mesma ação no tribunal judicial, como insiste o A.

3.4. O que a análise dos autos justifica, numa conclusão que,


independentemente de outros fatores, elimina qualquer possibilidade de
êxito da pretensão do A. no sentido de prosseguir com a ação nos
tribunais judiciais, é que, tal como já foi decidido na ordem dos
tribunais administrativos a respeito de uma alegado erro judiciário
perpetrado pelo STA, também os factos alegados que se reportam à
intervenção jurisdicional do Trib. Constitucional não configuram de
modo algum qualquer erro judiciário suscetível de determinar a
concessão de alguma indemnização.
Assim é a respeito da i) atuação do Cons. Relator, por não ter não
determinado a prévia remessa do processo ao STA que fora requerida
pelo A., para apreciação da prescrição do procedimento disciplinar na
ação administrativa especial de impugnação de deliberação do CSMP,
tal como o será ainda se se considerar que ainda se mantém de pé a
alegação de que  ii) teriam sido foram violados na apreciação do

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recurso de constitucionalidade os princípios do contraditório e do


processo equitativo relativamente à interpretação do art. 203º do EMP.
Com efeito, estando a amplitude da qualificação jurídica na presente
ação de responsabilidade civil extracontratual circunscrita aos factos
que foram alegados, constata-se que, numa miscelânea que integra
simultaneamente factos imputados ao STA e outros ao Trib.
Constitucional, o A. praticamente se limitou a alegar:
- o que consta do art. 33º (foi considerado – também pelo Trib.
Constitucional - que não tinha sido cometida qualquer ilegalidade nem
violava o art. 32º da CRP o que foi decidido acerca do art. 203º do
EMP que manda notificar o relatório com a notificação da decisão
final);
- essa questão não teria sido apreciada, também pelo Trib.
Constitucional, “no confronto com os princípios do contraditório e do
processo equitativo, com expressão nos arts. 6º, § 1 da CEDH, 2, 14º nº
1, ambos do PIDCP e 47º, nº 2, da CDFUE” (art. 34º);
-  se os tribunais (incluindo o Trib. Constitucional) tivessem aplicado as
citadas normas convencionais, teriam deixado de aplicar a norma
estatutária formalizada no art. 203º do EMP;
- do que derivaria a anulação do ato punitivo, seguindo-se a
reconstituição da situação que existiria se a sanção não tivesse sido
aplicada (art. 35º).
Depois, a partir dos arts. 77º e ss. O A. alegou que:
- suscitou no âmbito do processo que estava pendente no Trib.
Constitucional a questão da prescrição do procedimento disciplinar e
solicitou que os autos fossem remetidos, de imediato e a título
devolutivo, ao STA, para apreciação da questão suscitada (art. 77º);
-  o que não teria sido objeto de apreciação nos 7 meses seguintes (art.
88º), dando origem a novo requerimento de insistência (art. 89º), que
precedeu um despacho de mero expediente, declarativo e informativo,
mandando dar conhecimento ao A. de que “o pedido será
oportunamente apreciado, dado que os autos se encontram no Trib.
Constitucional, onde foram produzidas alegações …” (art. 90º);
- mas, afinal, surpreendentemente e contra todas as legítimas, fundadas
e consolidadas expectativas, o recurso foi decidido … sem que a
questão da prescrição fosse apreciada (art. 93º);
- sendo depois indeferida a nulidade do acórdão que foi suscitada (art.
95º), deste modo tendo sido cometido um ato de autêntica denegação
de justiça e violados os princípios do processo equitativo e da proteção
da confiança … (art. 98º).
Seguramente que os factos enunciados não preenchem os pressupostos
da responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do exercício
da função jurisdicional regulada pelo art. 13º, nº 1, do Regime Jurídico
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aprovado pela Lei nº 67/07, de 31-12, que abarca “decisões


jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou
injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos
pressupostos de facto”.
Ainda que as insuficiências de alegação não tenham determinado a
declaração de ineptidão da petição inicial, o certo é que, mesmo que
viessem a provar-se todos os factos essenciais, complementares ou
instrumentais alegados pelo A., não seriam suficientes para preencher
os rigorosos pressupostos de uma responsabilidade civil por atos
jurisdicionais que é assacada a uma atuação do Trib. Constitucional.
Afinal, como decorre da jurisprudência corrente designadamente da
emanada deste Supremo Tribunal de Justiça e que emerge, por
exemplo, do Ac. de 23-10-14, 1668/12, www.dgsi.pt, “o erro de direito,
para fundamentar a obrigação de indemnizar, terá de ser «escandaloso,
crasso, supino, procedente de culpa grave do errante», sendo que só o
erro que conduza a uma decisão aberrante e reveladora de uma atuação
dolosa ou gravemente negligente é suscetível de ser qualificada como
inquinada de «erro grosseiro»”.
Também assim se decidiu no Ac. do STJ, de 15-12-11,
364/08.0TCGMR.G1.S1, em cujo sumário se refere que “o erro de
direito, para fundamentar a obrigação de indemnizar, terá de ser
«escandaloso, crasso, supino, procedente de culpa grave do errante»,
sendo que só o erro que conduza a uma decisão aberrante e reveladora
de uma atuação dolosa ou gravemente negligente é suscetível de ser
qualificada como inquinada de «erro grosseiro»”.
Ora, verificando-se que a pretensão que, porventura, ainda se considere
que possa remanescer do que já foi definitivamente decidido na ordem
dos tribunais administrativos é manifestamente improcedente, nos
precisos termos em que tal já foi considerado pelo Pleno do STA, existe
um fator adicional que implica que deva cortar-se cerce a possibilidade
de o A. conseguir arrastar ainda mais este processo, percorrendo agora
a via sacra dos tribunais judiciais com a instrumentalização de todos os
meios ou expedientes processuais.
Por conseguinte, recusando, também por esta via adicional, o
prosseguimento de uma ação que apenas formalmente foi
reencaminhada para o tribunal judicial, ao abrigo do nº 2 do art. 14º do
CPTA, sustentados no exercício dos poderes de gestão processual que
estão previstos no art. 6º do CPC, alcança-se o objetivo de evitar os
efeitos negativos de uma estratégia processual que, como parece
manifesto pelos precedentes judiciais, visa simplesmente protelar o fim
da ação declarativa, objetivo e que não pode ser consentido em geral e
ainda mais quando o protagonista é magistrado do Min. Público que,
ainda que jubilado, deve estar especialmente ciente da necessidade de
se fazer um uso adequado dos instrumentos processuais, a bem de uma
célere e eficaz Administração da Justiça, também na área cível.

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IV - Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista,


confirmando-se, ainda que com fundamentação não inteiramente
coincidente, o acórdão recorrido.
Custas da revista a cargo do A.
Notifique.
Lisboa, 16-12-21

Abrantes Geraldes (relator)


Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo

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