I. A Filosofia Existencialista.
Johannes Poelman
Assim Sartre, por exemplo, quer chegar, por meio de uma descrição
fenomenológica, a uma ontologia fenomenológica. Nela, a compreensão de um
indivíduo ocorre a partir do encontro existencial único e verdadeiro com este indivíduo
em particular, no qual ele revela o que a sua existência significa para ele, o que ele
pretende fazer com o fato de que existe.
No Existencialismo, o homem, escolhendo-se é responsável por aquilo que
chegou a ser. Daí surge a angústia. O homem é abandonado a si mesmo. Ele, por si
mesmo, deve definir o que significa para ele sua existência; não existe nenhum valor
absoluto, nenhuma moral que lhe dê um ponto de referência ou orientação. Cabe,
portanto, ao indivíduo escolher entre os múltiplos sentidos que ele pode ter. O escolher
é necessário; o homem escolhe no horizonte da situação em que se encontra engajado. O
homem é livre, indefinido, abandonado. Não pode contar com uma natureza
preestabelecida de seu agir. Ele será tal como ele mesmo tiver decidido que seja. Ele é
a soma de seus atos; o seu destino está em suas mãos. Por isso é um ser digno e não é
objeto. Ele é projeto; ele se faz por meio de seu projeto. Ele supera-se incessantemente,
abre-se para fora de si; ele é seu próprio legislador, porque ele decide-se livre e
gratuitamente na situação. O existencialismo baseia-se na absoluta liberdade do homem,
na negação de todos os valores preestabelecidos.
Ele está no mundo tal como resolveu compreender este mundo; ele está no mundo tal
como resolveu estar; está inserido no mundo tal como o compreende; está inserido na
sua realidade, na realidade tal como ele a compreende. O existencialismo dá ênfase,
portanto, à experiência direta. A verdade só se encontra na medida em que o próprio
indivíduo a produz no curso de sua vida. É a procura do concreto, do único, do
subjetivo.
- o homem é um ser intencional: a consciência está sempre direcionada para algo, é
sempre consciência de.... está sempre em situação, em liberdade, é sempre relação
com ...; ele é um ser-no-mundo, sempre fora de si; o cuidado é inerente à existência: é o
estar atento ao que acontece, o estar preocupado, envolvido. Surgem daí motivações,
desejos, projetos, conflitos, ideais.
2. Os conceitos básicos:
- essência: é a natureza íntima de uma coisa, aquilo que faz com que uma coisa seja o
que é; é o conjunto de suas caraterísticas que permite defini-la. É aquilo que se encontra
em todos os representantes de uma mesma coisa, cada um sendo um exemplo particular
de um conceito universal.
- existência: a discussão sobra a existência humana é a verdadeira temática da filosofia
existencialista e leva o homem a uma nova forma de vida. Há uma disparidade radical
entre o humano e o não humano. Só o homem “existe”. Ele primeiro existe, se descobre
existindo e só depois se define. Primeiro é nada, depois ele decide quem ele é. Ele se
desenvolve e se transforma segundo o seu projeto de vida previamente estabelecido. Os
“seres em-si” diferem do homem, por serem algo definitivo. (Exemplos de ser-em-si:
pedras, árvores, cavalos, anjos, Deus). Os sentimentos básicos que determinam a
existência humana são; angústia, solidão, tédio, etc. A condição humana é que
determina estas infelicidades, elas são inerentes à condição humana. O homem está
condenado a ser livre; e uma vez lançado ao mundo, ele é responsável por tudo quanto
fizer. É a existência que determina o pensamento do homem e o direciona.
- liberdade: é o fundamento de todas as caraterísticas do homem. O homem é livre e daí
escapa ao ser. É condenado a ser livre, decide a sua própria vida, cria sua própria
dignidade. A liberdade é o determinante da condição humana. É a liberdade que
estrutura o homem, que o faz transcender-se a si mesmo, o faz transcender além de si.
A liberdade é a condição básica do homem e ela determina sua verdadeira realidade. É a
característica fundamental de sua existência. O homem é livre : ele é obrigado a fazer
opções. Estas opções são limitadas pelas condições em que o indivíduo vive, condições
psico-químico-biológicas, as leis da cultura, as limitações, as regras de sua sociedade e
suas convenções, às quais ele acaba por se submeter. Ele não é subjugado por estas
forças e em parte pode ultrapassá-las mas, a sua condição é sempre livre dentro do
mundo em que existe, ele sempre deve decidir qual atitude que toma em relação a estas
condições, uma vez que é ao mesmo tempo livre e ser-no-mundo. Ele reconhece as
possíveis forças que o influenciam e se orienta de uma forma própria, pessoal frente a
estes dados e assim se compromete com sua própria escolha.. Ele não é vítima ou
resultado destas forças, mas atribui um valor a elas e se dirige por si mesmo. Ele
determina a atitude que toma em relação à sua condição. Ele se autodetermina dentro de
sua condição humana e pessoal.
- solidão: é inerente à existência humana. É o sentimento de que o homem para suas
opções, decisões e realizações pessoais, depende somente de si. É, ao mesmo tempo, a
condição necessária para o homem buscar e encontrar sentido para sua vida. A solidão
faz parte da existência humana e o homem deve assumir esta condição para ser
autêntico. Ele deve responsabilizar-se pela dimensão dada à sua vida. O homem é finito,
está indo em direção à sua morte tem que realizar escolhas e nisto está sozinho, ao
mesmo tempo que está com os outros. Ele é um projeto, antecipando-se àquilo que será,
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mas vive sua liberdade num clima de angústia e medo. Arrisca-se a todo instante no
caminho de sua auto-criação em que se encontra só.
- o ser-no-mundo: o homem existe como um ser cercado pelo mundo com suas
condições e normas, que cerceiam o desdobramento das suas possibilidades existenciais.
Isto implica numa tomada de decisão constante e uma luta constante para não perder sua
dignidade existencial e suas caraterísticas individuais. O homem constrói seu próprio
ambiente de vida, porque ambiente é aquilo que ele determina como tal. Mas de
qualquer forma vive num mundo sem razão de ser aqui e não lá, de ser agora e não ser
então, de ser de fato e não não-ser, ou seja é um ser contingente. Ele não existe
necessariamente. O seu mundo é
- o “Umwelt”: o mundo biológico, o mundo do passado, da natureza humana, que
funciona de acordo com a lei do determinismo biológico;
- o “Mitwelt”: o mundo das pessoas, da sociedade, do presente, o ser-com-os-outros; e -
- o “Eigenwelt”: o mundo de si mesmo, do futuro. O indivíduo é inseparável de seu
ambiente, dos outros e ao mesmo tempo cria seu próprio mundo por meio de suas
escolhas.
- morte: o fato da finitude da vida, do encerramento, faz com que ela seja constituída
numa espécie de totalidade e interrompe a necessidade ontológica de uma perpétua
autotranscendência. A consciência da morte intensifica a nossa autopercepção e nos
confere a categoria de individualidade. Tal como nenhuma de suas possibilidades pode
ser realizada a não ser por ele mesmo, ninguém pode morrer pelo outro. O homem é um
ser-para-a-morte e é assim que ele deve se projetar. A morte põe fim a todos os seus
projetos e faz parte da vida. Determina o caráter absurdo da vida. A morte é algo que
todos os homens devem assumir enquanto vivem. Ela se opõe à tendência mais
profunda do nosso ser, a afirmação de si mesmo, ser algo definitivo. É a negação da
tendência de individualização.
- o sentido da vida: a vida enquanto existência única e isolada, não tem sentido. O
homem vai em busca de realizações significativas, para dar sentido a essa existência: ele
existe a partir de suas realizações. Ele é um ser livre e responsável pela construção de
seus ideais de vida. A vida do homem necessita das realizações humanas para se tornar
algo além da própria vida. O homem tem que dar sentido à vida para encontrar algum
sentido em sua vida. O sentido da vida, definido pelo próprio indivíduo, determina o
grau de gratificação emocional obtida pelas realizações alcançadas ao longo da
existência. O homem é um contínuo vir-a-ser e a própria dinâmica propulsora da
existência é a renovação da motivação inerente ao sentido que ele mesmo atribui à vida.
- transcendência: o homem ocupa uma dimensão que vai além de seus limites corpóreos,
por meio de sua imaginação, percepção, suas sensações, intuições e fantasias.
Transcende o limiar do tempo-espaço. O ego se constitui na unidade dessas
transcendências e as transcende ele mesmo, não se reduz a nenhuma deles nem à soma
de todas. Pela transcendência, o homem é um ser em contínuo desenvolvimento,
descobre a totalidade de suas possibilidades existenciais. A existência como
“possibilidade de um poder ser” faz com que ele se projete além de suas próprias
possibilidades existenciais. A força básica do indivíduo é a sua autotranscendência, sua
busca de um sentido na vida que é o produto da busca de um propósito particular. A
falta de um sentido gera um sentimento de vazio. Quando o indivíduo se vê frustrado
em sua busca de um sentido, ele acaba procurando e saciando-se com buscas de prazer
e/ou de poder. A luta pela superioridade, a busca de prazer são formas de preencher o
vazio de sua existência, formas de fuga que no fim não o satisfazem.
- autenticidade: a vida autêntica é aquela que se baseia numa apreciação exata da
condição humana. O homem existe, o fato da consciência o distingue radicalmente de
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todos os seres. O homem autêntico é aquele que se submete à conversão radical através
da angústia e assume sua liberdade como a causa do seu existir no mundo, como fonte
única dos seus valores e da inteligibilidade do mundo. A consciência está sempre fora
de si; é consciência de ..., é independente de tudo. É o objeto que determina o seu
conteúdo e não a existência dela. O homem autêntico é aquele que reconhece a
dualidade radical entre o humano e o não-humano. É a consciência que determina ao
homem sua condição impar em relação às coisas. É na autenticidade que o homem se
torna homem na busca dos valores que vão determinar-lhe essa condição. A busca da
autenticidade é a própria busca da condição humana naquilo que ela tem de mais
peculiar: a consciência de si e do outro.
- amor: é um relação pessoal entre dois seres concretos, é um processo de entrega, onde
se ama e se é amado. O amor é o próprio sentido da vida, dá luz e cor à existência. É
uma forma de renúncia e entrega, é ser colocado além de todo sistema de valores do
outro e ser tomado como condição de toda valorização e o fundamento objetivo de
todos os valores. É querer ser amado através de uma liberdade, mas ao mesmo tempo
restringindo essa liberdade. É apegar-se, é determinar os aspectos que envolvem um
indivíduo. É o indelével que deifica a existência humana, que deixa nas pessoas marcas
profundas.
Uma vez que “o homem é maior do que a soma de suas partes”, é difícil uma
aproximação científica para provar as afirmações existencialistas e humanistas, uma
vez que essa aproximação nunca pode partir de uma determinada estrutura psicológica.
O sentido nunca pode ser atingido pelo estudo das partes que compõem o homem,
porque o sentido não é causado por algo, mas é criado pela pessoa que transcende todas
as suas partes.
Além disto, a aproximação científica se baseia numa distinção entre sujeito e
objeto, enquanto a posição existencialista vai além da distinção sujeito-objeto, porque
vê a realidade externa como algo que é construído e interpretado pela consciência; ela
compõe a realidade. Heidegger fala do homem como um “Dasein”, quer dizer o homem
está aí, ele é um objeto constituído ao mesmo tempo que é um homem que constitui.
Dasein se refere ao mesmo tempo àquele que atribui o sentido como aquele que é
conhecido. Cada Dasein constitui seu próprio mundo.
O modo mais adequado para compreender o mundo interior de um indivíduo é o
modo fenomenológico, ou seja, indo diretamente aos fenômenos, encontrando o outro
tal como este experimenta o seu mundo, compreendendo o mundo pessoal do outro a
partir do ponto de vista do outro.
De qualquer forma, o paradigma existencialista é um entre outros,
provavelmente mais indicado para determinadas pessoas e que também não pretende
explicar qualquer comportamento. Assim, o terapeuta deve ser capaz de conviver com
sua incerteza básica, inerente a qualquer ser humano.
- o homem se converte naquilo que ele mesmo faz de si. Ele pode escolher entre formas
autênticas e não-autênticas de viver. Autenticidade é reconhecer as caraterísticas reais
da existência e assumir a responsabilidade sobre sua própria existência..
- viver com estas convicções traz necessariamente uma sensação de angústia, mas
apesar disto é necessário que o homem viva uma vida natural, total e individual.
- o indivíduo é uma tarefa que ele atribui a si mesmo; ele está sempre em projeto,
sempre fora de si. O aparecimento do possível causa angústia, porque há possíveis que
nos fazem descer e outros que nos fazem elevar. A existência é o reino do possível: o
homem está sempre avançando sobre si mesmo, sempre em projeto, sempre faz si
mesmo. Somos lançados para o mundo sem sermos capazes de descobrir a razão disto.
- o homem é transcendência, relação com, está com, voltado para, consciência de ...,
vive em função de seu projeto; a existência é estar fora de si. A existência é basicamente
comunicação, relação com .., relação com o absolutamente outro, com Deus. A
existência é relação com o ser que me transcende, o Outro absoluto. O essencial do
Dasein é o “mit-einander-sein”, o ser-no-mundo; o existente é aquele que se relaciona
consigo mesmo e com a transcendência; é preciso ir além de si próprio e então entrar em
comunhão e em união com algo que nos envolve e nos excede; é um movimento de
transcendência que é inerente à existência; não existimos sem o outro diferente de nós.
Ao mesmo tempo a existência é separação, manter se fora, distância; a existência é estar
fora de si envolvido com o mundo, em relação imediata com os outros. É de nossa
essência ser com os outros, ser com o mundo.
- cada existente tem o fim de constituir uma unidade. Da existência como dispersão,
extensão, passamos à existência como tensão, como êxtase. Assim, a existência que era
separação, se torna união. A filosofia existencialista nos leva a nos envolver com a
nossa união com o mundo, com os outros, com Deus; ver nessa união a finalidade de
nossa existência.
A filosofia da existência acentua aquilo que existe anterior à reflexão, atinge a
região de prerreflexivo; acentua que existir significa estar em relação com o outro, com
os outros, com o mundo, com Deus, com seu projeto; estar fora de si e ao mesmo tempo
estar em relação consigo mesmo.
As filosofias da existência implicam num aguçamento da subjetividade, partem
da subjetividade. O indivíduo não pode ser compreendido a partir de caraterísticas que
são próprias de um grupo. Não há sistema possível para a existência, a existência não
pode ser descrita a partir de um sistema de conceitos. O indivíduo é a existência. A
subjetividade é a verdade. A existência não é definível, não pode ser conhecido
objetivamente, o existente é o pensador subjetivo, sempre em contato consigo mesmo.
A partir disto, descrevem o homem como um ser que carrega em si uma
sensação de estar perdido, de não saber o rumo nem o porque da existência. Surge a
náusea a respeito da existência, o não-saber de seu sentido, a perda do rumo.
O existencialismo é reflexão a respeito da experiência singular, individual.
Implica numa reflexão da existência a partir da própria existência; descreve o homem
como um ser abandonado a si mesmo e escravo de sua própria subjetividade. Instalado
nesse deserto, nesse vazio, o nada do ser do homem o angustia e o põe em agonia. A
verdadeira temática da filosofia é a discussão sobre a própria existência.
- o homem deve assumir o fato de que é condenado a ser livre. Que é condenado, não
porque ele se criou a si mesmo, mas porque, uma vez lançado à existência, é livre e
responsável por tudo que faz. Um dos valores principais do homem é a possibilidade e
a liberdade para assumir a totalidade dos próprios atos.
A filosofia existencialista acentua o fato de que o homem é finitude e
temporalidade. O tempo é um ir-sendo: a existência é o ir-sendo; o tempo é um ir-sendo,
descontínuo, feito de crises; o indivíduo é um ir-sendo.
- o homem é o ser que se elege a si mesmo, uma vez que não existe nenhum valor a
priori. Toda existência é uma eleição constante. Ao mesmo tempo, é ele que cria suas
possibilidades e esta eleição não é senão o ato de constituir as próprias possibilidades e
eleger-se a si mesmo. O homem é o ser pelo qual há possibilidades. Ele se elege, porque
é um ser livre; é obrigado a se eleger, porque é um ser livre. Ele é responsável por suas
decisões e facilmente sujeito à angústia e sofre por sua solidão.
- o homem é um ser que cuida de seu próprio ser. Elabora seu ser, projeta seu ser,
inventa seu ser. Ele escolhe seu ser, porque sempre é um ser incompleto.