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Instituto Humanista de Psicoterapia.

A filosofia humanista e existencialista como fundamentos da terapia


humanista.

I. A Filosofia Existencialista.
Johannes Poelman

O Existencialismo é uma reação ao pensamento racionalista, intelectualista, que


acentua a supremacia da razão; assim ele se opõe à filosofia de Hegel e de Platão , de
Espinosa. Provoca e acompanha um colapso dos sistemas e da cultura antecedentes. É
uma negação da supremacia da razão como meio principal de encontrar o sentido do ser
e do homem.
O existencialismo parte da inquietação do homem; sua origem está em Nietzsche
e Kierkegaard. É uma dramática busca do realismo. Tem uma atitude anti-intelectual, ou
seja, uma atitude emocional, que começa com Kierkegaard. Pretende compreender o
sentido do estar-no-mundo por meio da compreensão da vivência do homem.
Na aventura do ser, não se pode enveredar com conhecimentos intelectuais. A
realidade é o ser-do-homem. A existência é vista como a existência do indivíduo (como
uma existência única, individual). O homem não tem uma existência, mas é a existência,
que se define enquanto se manifesta na sua facticidade. O que aparece é o ser do
existente. O existente é o total das aparições que o manifestam.
Ao mesmo tempo o homem busca uma existência autêntica e não uma existência
trivial. O existente é singular, individual, original. Seus atos são revelações do projeto
que ele mesmo criou, e que cria por meio de seus atos. O homem define-se pelo projeto,
por meio do qual ele está em direção a ...
Os pressupostos existencialistas determinam uma compreensão da existência a
partir dos sentimentos inerentemente humanos, do modo em que o indivíduo resolveu
compreender sua existência.
As filosofias existencialistas são “o conjunto de doutrinas segundo as quais a
filosofia tem como objetivo a análise e a descrição da existência concreta, considerada
como ato e como liberdade que se constituem afirmando-se e que tem como gênese ou
fundamento esta afirmação de si”. (Jolivet. As doutrinas existencialistas). Elas tem em
comum a preocupação em compreender e explicar a existência humana. Elas se opõem
ao racionalismo de Hegel, no qual o homem é visto como uma ideia universal e a
essência fica em primeiro plano; afirmam que a existência precede a essência.
Focalizam o ser concreto e particular cuja responsabilidade e liberdade se fazem
presentes. O homem é a categoria central da existência. A existência é uma relação
constante consigo mesmo e com o mundo, uma contínua criação, um continuo vir-a-ser.
A cada momento o homem escolhe o que será no momento seguinte. Só existindo, ele
chega a ser. O indivíduo é um ser de que não se pode afirmar nenhuma essência.
O Existencialismo é baseado na impossibilidade da construção de um conjunto
sistemático único, de estabelecer regras gerais, na impossibilidade de enquadrar o
homem e o conhecimento a respeito dele em um enquadramento científico.
O Existencialismo é um modo de o homem expor-se a si mesmo; é a expressão
de uma experiência individual.
O Existencialismo, como reflexão sobre a existência a partir da própria
existência, pretende compreender cada ser estudado segundo ele mesmo e este

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conhecimento não pode ser estendido a nenhum outro homem.


O pensamento existencialista mostra-se numa evolução dinâmica, abrindo-se
num leque de possibilidades para assim compreender a irreversibilidade da existência
enquanto fenômeno único e isolado. Cada ser cria-se e é responsável pelo conjunto de
seus atos e atitudes. O pensamento existencialista propõe uma reflexão sobre o homem a
partir daquilo que lhe é mais inerente: a existência. Cada existencialista tem seu ponto
de partida, seu caminho, seu método, suas conclusões. Mas todos se concentram na
existência, no homem em seu estar-no-mundo, seu devir na história. O homem não é
estudado por eles racionalmente, com categorias racionais, mas abordado em seus
dramas, anseios, fracassos, malogros, o modo como ele se compreende, o modo em que
ele quer criar-se a si mesmo por meio de seu projeto existencial. Enaltece-se a
liberdade, a ação humana. Para os existencialistas, a contingência radical e a falta de
significado levam o homem a se sentir abandonado, a uma angústia de ser. Ele é escravo
da sua subjetividade, instalado no vazio de seu sem-sentido.

Assim Sartre, por exemplo, quer chegar, por meio de uma descrição
fenomenológica, a uma ontologia fenomenológica. Nela, a compreensão de um
indivíduo ocorre a partir do encontro existencial único e verdadeiro com este indivíduo
em particular, no qual ele revela o que a sua existência significa para ele, o que ele
pretende fazer com o fato de que existe.
No Existencialismo, o homem, escolhendo-se é responsável por aquilo que
chegou a ser. Daí surge a angústia. O homem é abandonado a si mesmo. Ele, por si
mesmo, deve definir o que significa para ele sua existência; não existe nenhum valor
absoluto, nenhuma moral que lhe dê um ponto de referência ou orientação. Cabe,
portanto, ao indivíduo escolher entre os múltiplos sentidos que ele pode ter. O escolher
é necessário; o homem escolhe no horizonte da situação em que se encontra engajado. O
homem é livre, indefinido, abandonado. Não pode contar com uma natureza
preestabelecida de seu agir. Ele será tal como ele mesmo tiver decidido que seja. Ele é
a soma de seus atos; o seu destino está em suas mãos. Por isso é um ser digno e não é
objeto. Ele é projeto; ele se faz por meio de seu projeto. Ele supera-se incessantemente,
abre-se para fora de si; ele é seu próprio legislador, porque ele decide-se livre e
gratuitamente na situação. O existencialismo baseia-se na absoluta liberdade do homem,
na negação de todos os valores preestabelecidos.

Descobre-se assim a condição humana, a situação fundamental do homem. Ela


tem limites objetivos (que existem sempre, necessaria e objetivamente) e subjetivos
(que são vividos). O homem mesmo define seus limites, define o que para ele
significam os limites objetivos, ele define-se em relação aos seus limites. A sua
condição é ser uma natureza em construção.
A escolha é autêntica, quando o homem se dá conta de que escolhe sem ser
determinado por nada, quando se responsabiliza por sua escolha, quando reconhece que
escolhe usando sua liberdade e assim estabelece seus valores. Os atos escolhidos são
gratuitos, porque se baseiam unicamente na própria escolha. A vida não tem um sentido
a priori, mas cabe ao homem definir o sentido que ele pretende dar à sua vida. .
O homem, ao querer sua liberdade, também quer e reconhece a liberdade dos
outros. Escolhendo-se a si mesmo, escolhe também o Homem, porque escolhe aquilo
que define típico de um ser que é homem. Cada ato torna real um modo de ser pessoa,
um tipo de humanidade.

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1. As ideias diretrizes do Existencialismo.


O traço comum mais importante das diversas filosofias da existência é que todas
elas se baseiam na vivência existencial; existencialismo implica em centralização da
reflexão na pessoa existente. O homem é o único ser que é sua existência, que se cria
livremente a si mesmo, em liberdade. Como realidade inacabada e aberta, está essencial
e intimamente vinculado ao mundo e, em especial, aos outros homens. A relação
homem-mundo constitui um tema básico dessa filosofia.
Para os filósofos existencialistas, é importante viver a realidade. Ao vivê-la o
homem se dá conta de sua finitude e da fragilidade de sua posição no mundo, no qual é
projetado para a morte. Daí sente angústia. A angústia costuma levar o homem comum à
preocupação e ao medo da morte e pode levar o filósofo à resignação e à humilde
aceitação de seu destino.
- o homem é um ser livre apesar e no meio dos determinismos que o limitam. A escolha
é sempre feita dentro de uma situação determinada. Daí é responsável pelo modo como
reage às situações, às limitações. É o homem que inventa, determina sua vida. Nestes
esforços, surge necessariamente a angústia, que leva o homem à tensão e o desperta
para os desafios. A própria filosofia existencialista surge da angústia do homem do
nosso tempo, da compreensão do absurdo da existência.
- o homem não é determinado por uma suposta essência que direciona sua vida e sua
conduta e define sua personalidade. Seus traços não são disposições determinantes, mas
são possibilidades, potencialidades. O homem determina qual é a efetividade de um
traço. Preconceitos, estereótipos não qualificam o homem, não o determinam, não são
um diagnóstico definitivo. “Não importa, o que me foi dado, o importante é o que faço
com aquilo que me foi dado” (Sartre) com os traços, as capacidades e as tendências, que
encontro dentro de mim.
- o homem é um ser de possibilidades: elabora projetos, planos, seu futuro; é um ser
aberto ao mundo e suas possibilidades. O Existencialismo estabelece a experiência do
homem como critério da verdade. O filósofo pensa como um ser real, como um
existente e descreve o ser humano como algo emergente e não como uma coleção de
sistemas, mecanismos, esquemas. Pretende descrever o sujeito concreto e na sua
descrição dá ênfase aos impulsos fortes e irracionais do homem; acentua aquilo que
existe anterior à reflexão.
- o homem é um ser temporal e finito: o homem está num perpétuo devir, não coincide
consigo mesmo, está distante de si, é um ser temporal, finito, ciente de sua finitude;
- é um ser para a morte. Acentua, portanto, a transitoriedade dos valores, das metas e
das crenças. - o homem como ser-no-mundo é um ser sempre situado; o mundo é uma
realidade humana.

Ele está no mundo tal como resolveu compreender este mundo; ele está no mundo tal
como resolveu estar; está inserido no mundo tal como o compreende; está inserido na
sua realidade, na realidade tal como ele a compreende. O existencialismo dá ênfase,
portanto, à experiência direta. A verdade só se encontra na medida em que o próprio
indivíduo a produz no curso de sua vida. É a procura do concreto, do único, do
subjetivo.
- o homem é um ser intencional: a consciência está sempre direcionada para algo, é
sempre consciência de.... está sempre em situação, em liberdade, é sempre relação
com ...; ele é um ser-no-mundo, sempre fora de si; o cuidado é inerente à existência: é o
estar atento ao que acontece, o estar preocupado, envolvido. Surgem daí motivações,
desejos, projetos, conflitos, ideais.

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- o homem, basicamente, é existência, sem sentido pre-estabelecido; ele mesmo cria a


razão de sua existência; ele é um ser de possibilidades, é um ser de longitude; uma
realidade inacabada
- é um ser abandonado, incompleto, sem razão predeterminada;
- ele tem que criar seus valores, ele é tarefa, projeto; ele deve eleger-se, escolher-se; ele
é o que faz de si
- ele deve criar-se livremente, mas é responsável pelo modo em que escolheu ser;
- é pura contingência: ele não existe necessariamente, ele podia não existir.

2. Os conceitos básicos:

- essência: é a natureza íntima de uma coisa, aquilo que faz com que uma coisa seja o
que é; é o conjunto de suas caraterísticas que permite defini-la. É aquilo que se encontra
em todos os representantes de uma mesma coisa, cada um sendo um exemplo particular
de um conceito universal.
- existência: a discussão sobra a existência humana é a verdadeira temática da filosofia
existencialista e leva o homem a uma nova forma de vida. Há uma disparidade radical
entre o humano e o não humano. Só o homem “existe”. Ele primeiro existe, se descobre
existindo e só depois se define. Primeiro é nada, depois ele decide quem ele é. Ele se
desenvolve e se transforma segundo o seu projeto de vida previamente estabelecido. Os
“seres em-si” diferem do homem, por serem algo definitivo. (Exemplos de ser-em-si:
pedras, árvores, cavalos, anjos, Deus). Os sentimentos básicos que determinam a
existência humana são; angústia, solidão, tédio, etc. A condição humana é que
determina estas infelicidades, elas são inerentes à condição humana. O homem está
condenado a ser livre; e uma vez lançado ao mundo, ele é responsável por tudo quanto
fizer. É a existência que determina o pensamento do homem e o direciona.
- liberdade: é o fundamento de todas as caraterísticas do homem. O homem é livre e daí
escapa ao ser. É condenado a ser livre, decide a sua própria vida, cria sua própria
dignidade. A liberdade é o determinante da condição humana. É a liberdade que
estrutura o homem, que o faz transcender-se a si mesmo, o faz transcender além de si.
A liberdade é a condição básica do homem e ela determina sua verdadeira realidade. É a
característica fundamental de sua existência. O homem é livre : ele é obrigado a fazer
opções. Estas opções são limitadas pelas condições em que o indivíduo vive, condições
psico-químico-biológicas, as leis da cultura, as limitações, as regras de sua sociedade e
suas convenções, às quais ele acaba por se submeter. Ele não é subjugado por estas
forças e em parte pode ultrapassá-las mas, a sua condição é sempre livre dentro do
mundo em que existe, ele sempre deve decidir qual atitude que toma em relação a estas
condições, uma vez que é ao mesmo tempo livre e ser-no-mundo. Ele reconhece as
possíveis forças que o influenciam e se orienta de uma forma própria, pessoal frente a
estes dados e assim se compromete com sua própria escolha.. Ele não é vítima ou
resultado destas forças, mas atribui um valor a elas e se dirige por si mesmo. Ele
determina a atitude que toma em relação à sua condição. Ele se autodetermina dentro de
sua condição humana e pessoal.
- solidão: é inerente à existência humana. É o sentimento de que o homem para suas
opções, decisões e realizações pessoais, depende somente de si. É, ao mesmo tempo, a
condição necessária para o homem buscar e encontrar sentido para sua vida. A solidão
faz parte da existência humana e o homem deve assumir esta condição para ser
autêntico. Ele deve responsabilizar-se pela dimensão dada à sua vida. O homem é finito,
está indo em direção à sua morte tem que realizar escolhas e nisto está sozinho, ao
mesmo tempo que está com os outros. Ele é um projeto, antecipando-se àquilo que será,
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mas vive sua liberdade num clima de angústia e medo. Arrisca-se a todo instante no
caminho de sua auto-criação em que se encontra só.
- o ser-no-mundo: o homem existe como um ser cercado pelo mundo com suas
condições e normas, que cerceiam o desdobramento das suas possibilidades existenciais.
Isto implica numa tomada de decisão constante e uma luta constante para não perder sua
dignidade existencial e suas caraterísticas individuais. O homem constrói seu próprio
ambiente de vida, porque ambiente é aquilo que ele determina como tal. Mas de
qualquer forma vive num mundo sem razão de ser aqui e não lá, de ser agora e não ser
então, de ser de fato e não não-ser, ou seja é um ser contingente. Ele não existe
necessariamente. O seu mundo é
- o “Umwelt”: o mundo biológico, o mundo do passado, da natureza humana, que
funciona de acordo com a lei do determinismo biológico;
- o “Mitwelt”: o mundo das pessoas, da sociedade, do presente, o ser-com-os-outros; e -
- o “Eigenwelt”: o mundo de si mesmo, do futuro. O indivíduo é inseparável de seu
ambiente, dos outros e ao mesmo tempo cria seu próprio mundo por meio de suas
escolhas.
- morte: o fato da finitude da vida, do encerramento, faz com que ela seja constituída
numa espécie de totalidade e interrompe a necessidade ontológica de uma perpétua
autotranscendência. A consciência da morte intensifica a nossa autopercepção e nos
confere a categoria de individualidade. Tal como nenhuma de suas possibilidades pode
ser realizada a não ser por ele mesmo, ninguém pode morrer pelo outro. O homem é um
ser-para-a-morte e é assim que ele deve se projetar. A morte põe fim a todos os seus
projetos e faz parte da vida. Determina o caráter absurdo da vida. A morte é algo que
todos os homens devem assumir enquanto vivem. Ela se opõe à tendência mais
profunda do nosso ser, a afirmação de si mesmo, ser algo definitivo. É a negação da
tendência de individualização.
- o sentido da vida: a vida enquanto existência única e isolada, não tem sentido. O
homem vai em busca de realizações significativas, para dar sentido a essa existência: ele
existe a partir de suas realizações. Ele é um ser livre e responsável pela construção de
seus ideais de vida. A vida do homem necessita das realizações humanas para se tornar
algo além da própria vida. O homem tem que dar sentido à vida para encontrar algum
sentido em sua vida. O sentido da vida, definido pelo próprio indivíduo, determina o
grau de gratificação emocional obtida pelas realizações alcançadas ao longo da
existência. O homem é um contínuo vir-a-ser e a própria dinâmica propulsora da
existência é a renovação da motivação inerente ao sentido que ele mesmo atribui à vida.
- transcendência: o homem ocupa uma dimensão que vai além de seus limites corpóreos,
por meio de sua imaginação, percepção, suas sensações, intuições e fantasias.
Transcende o limiar do tempo-espaço. O ego se constitui na unidade dessas
transcendências e as transcende ele mesmo, não se reduz a nenhuma deles nem à soma
de todas. Pela transcendência, o homem é um ser em contínuo desenvolvimento,
descobre a totalidade de suas possibilidades existenciais. A existência como
“possibilidade de um poder ser” faz com que ele se projete além de suas próprias
possibilidades existenciais. A força básica do indivíduo é a sua autotranscendência, sua
busca de um sentido na vida que é o produto da busca de um propósito particular. A
falta de um sentido gera um sentimento de vazio. Quando o indivíduo se vê frustrado
em sua busca de um sentido, ele acaba procurando e saciando-se com buscas de prazer
e/ou de poder. A luta pela superioridade, a busca de prazer são formas de preencher o
vazio de sua existência, formas de fuga que no fim não o satisfazem.
- autenticidade: a vida autêntica é aquela que se baseia numa apreciação exata da
condição humana. O homem existe, o fato da consciência o distingue radicalmente de
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todos os seres. O homem autêntico é aquele que se submete à conversão radical através
da angústia e assume sua liberdade como a causa do seu existir no mundo, como fonte
única dos seus valores e da inteligibilidade do mundo. A consciência está sempre fora
de si; é consciência de ..., é independente de tudo. É o objeto que determina o seu
conteúdo e não a existência dela. O homem autêntico é aquele que reconhece a
dualidade radical entre o humano e o não-humano. É a consciência que determina ao
homem sua condição impar em relação às coisas. É na autenticidade que o homem se
torna homem na busca dos valores que vão determinar-lhe essa condição. A busca da
autenticidade é a própria busca da condição humana naquilo que ela tem de mais
peculiar: a consciência de si e do outro.
- amor: é um relação pessoal entre dois seres concretos, é um processo de entrega, onde
se ama e se é amado. O amor é o próprio sentido da vida, dá luz e cor à existência. É
uma forma de renúncia e entrega, é ser colocado além de todo sistema de valores do
outro e ser tomado como condição de toda valorização e o fundamento objetivo de
todos os valores. É querer ser amado através de uma liberdade, mas ao mesmo tempo
restringindo essa liberdade. É apegar-se, é determinar os aspectos que envolvem um
indivíduo. É o indelével que deifica a existência humana, que deixa nas pessoas marcas
profundas.

- angústia: A condição humana de ser livre e único traz necessariamente angústia. O


fato de ser lançado no mundo sem escolha pessoal, sem saber o sentido, a
inevitabilidade da morte, a consciência da liberdade, o ser aquilo que o próprio homem
definiu como o próprio seu, tudo isto causa angústia. É a totalidade da existência, seu
conteúdo, que causa angústia. Essa angústia pode permanecer inconsciente. Ela é
acessível somente àqueles que chegam a uma consciência reflexiva de sua liberdade,
que reconhecem que somos nós mesmos fonte original das possibilidades pelas quais
criamos nosso sentido e nosso mundo, que somos nós que atribuímos significado às
coisas, que somos nós que definimos nossa situação, nosso ser no mundo. Somente
aqueles que se conscientizam de sua liberdade e sua responsabilidade e de tudo que isto
acarreta, sentem essa angústia existencial. O homem é livre e responsável, mas ao
mesmo tempo não há nada que o justifique, e isto gera a angústia, que no fundo é uma
reação sadia à própria condição básica do homem. Ele tem medo do nada, medo da
morte, medo da escolha, medo de ser. Só diminui este medo diminuindo suas opções e
negando sua liberdade e sua responsabilidade.
Podemos distinguir:
- angústia de ser: o nada é tão possível quanto ao ser. O homem podia não ser em vez de
ser. O homem se pergunta qual o sentido do ser, o sentido de existir algo em vez de
existir o nada. O ser é sem sentido. Somente Deus pode dar sentido ao ser. Mesmo
assim, o homem é o responsável único de si mesmo.
- angústia do aqui-agora: o homem por natureza é um ser temporal, é limitado pelo
tempo e espaço; ele deve determinar o seu próprio sentido no meio do aqui-agora em
que existe;
- angústia da liberdade: o indivíduo é obrigado a optar e é responsável por sua opção;
ele direciona seus atos e assim a sua existência adquire sentido, plenitude e condiçőes
específicas.
- tédio existencial: ocorre quando o homem vê o tempo passar e não está realizando o
desdobramento de suas possibilidades existenciais; ocorre quando as possibilidades da
vida não são atingidas; é a consciência de que o homem é supérfluo, desnecessário, que
a existência carece de sentido, que a vida é absurda. Pelo tédio, o homem se angustia e
se torna desesperado diante a sua condição. É somente pela superação do tédio e da
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angústia que o homem se torna excelso e decididamente humano.


- culpa: surge quando o homem renuncia à sua liberdade e escolhe existir como um não-
autêntico, quando enfrenta outros homens sem respeitar a sua condição humana, quando
coisifica seu semelhante e quando não assume sua responsabilidade.
- felicidade: o homem nasce e existe para desenvolver-se a partir de suas realizações,
dando assim sentido e significado à sua vida. Ele se desenvolve em sua plenitude
existencial quando assume sua condição humana. É o homem que cria as condições que
permitem sua felicidade. Felicidade é uma condição inerente à existência humana, na
medida em que o indivíduo alcança um fim fora de si, tal como a libertação, a realização
particular, quando o homem se realiza como ser humano. O homem não é seu próprio
fim, porque ele está sempre por se fazer. Ele alcança a felicidade, quando assume aquilo
que lhe é próprio.

Os temas básicos existencialistas não são complexos, porque pertencem à vivência de


cada pessoa. Eles, portanto, não necessitam de explicação; a tarefa do filósofo ou do
terapeuta é de confrontar cada indivíduo com estas realidades que pertencem ao fato de
cada um ser pessoa. Eles devem ajudar a pessoa a entrar para dentro de si e analisar sua
posição de existente. Devem ir com a pessoa para dentro dela, para acompanhar a
pessoa e ver como cada um vive estes aspectos universais humanos; acompanhar a
pessoa, portanto, de uma forma fenomenológica, para descobrir o que os aspectos
universais significam para cada um em particular.

Uma vez que “o homem é maior do que a soma de suas partes”, é difícil uma
aproximação científica para provar as afirmações existencialistas e humanistas, uma
vez que essa aproximação nunca pode partir de uma determinada estrutura psicológica.
O sentido nunca pode ser atingido pelo estudo das partes que compõem o homem,
porque o sentido não é causado por algo, mas é criado pela pessoa que transcende todas
as suas partes.
Além disto, a aproximação científica se baseia numa distinção entre sujeito e
objeto, enquanto a posição existencialista vai além da distinção sujeito-objeto, porque
vê a realidade externa como algo que é construído e interpretado pela consciência; ela
compõe a realidade. Heidegger fala do homem como um “Dasein”, quer dizer o homem
está aí, ele é um objeto constituído ao mesmo tempo que é um homem que constitui.
Dasein se refere ao mesmo tempo àquele que atribui o sentido como aquele que é
conhecido. Cada Dasein constitui seu próprio mundo.
O modo mais adequado para compreender o mundo interior de um indivíduo é o
modo fenomenológico, ou seja, indo diretamente aos fenômenos, encontrando o outro
tal como este experimenta o seu mundo, compreendendo o mundo pessoal do outro a
partir do ponto de vista do outro.
De qualquer forma, o paradigma existencialista é um entre outros,
provavelmente mais indicado para determinadas pessoas e que também não pretende
explicar qualquer comportamento. Assim, o terapeuta deve ser capaz de conviver com
sua incerteza básica, inerente a qualquer ser humano.

3. As afirmações caraterísticas do Existencialismo são:

- o colapso dos sistemas: sentimentos de finitude e brevidade da vida humana; da


transitoriedade do pensamento humano, das instituições e do sucesso. Os valores, as
metas e as crenças da sociedade que não dizem respeito diretamente a ele, são para o
indivíduo muitas vezes sem significado, uma vez que transcendem sua vida individual.

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- negação da supremacia do racional e da razão: ênfase nos impulsos fortes e irracionais


que existem no homem; ênfase na experiência vital individual e direta; procura do
concreto, do específico, do único na experiência; experiência subjetiva da verdade como
critério suficiente para a verdade do sujeito.

- a afirmação de que a existência do homem é algo essencialmente concreto, algo que é


“só meu”;

- a ênfase na comunicação de massa, na propaganda, na adaptação como ocorre na


sociedade moderna; elas fazem com que o indivíduo facilmente se perca a si mesmo. O
indivíduo deve lutar para despertar em si as possibilidades de uma vida autêntica e
genuína para não sucumbir numa sociedade que o massifica.

- o fim da vida é a morte; no homem nada é necessário ou eterno, tudo é temporário e


contingente. Cada homem se encontra solitário perante sua morte.

- o homem se converte naquilo que ele mesmo faz de si. Ele pode escolher entre formas
autênticas e não-autênticas de viver. Autenticidade é reconhecer as caraterísticas reais
da existência e assumir a responsabilidade sobre sua própria existência..
- viver com estas convicções traz necessariamente uma sensação de angústia, mas
apesar disto é necessário que o homem viva uma vida natural, total e individual.

Os filósofos existencialistas manifestam o trágico sentido da vida, mas ao


mesmo tempo tentam mostrar que não se deve reduzir tudo à existência individual,
porque a existência deve sempre definir-se em relação a outra coisa que não é a
existência em relação à transcendência. Eles acentuam que o homem é liberdade; cada
um tem suas caraterísticas próprias e de acordo com a sua decisão ele se realiza.
Mesmo reconhecendo que o homem é angústia e portanto partindo da inquietação que
é própria do homem, eles insistem que em o homem é escolha; existir é o “ir-sendo”,
temporalidade, tarefa; um ir-sendo que se faz pela escolha, pela decisão; considera o
homem como um ser que deve ser criado por si mesmo; a existência é arriscar-se a si
próprio, é colocar-se em jogo, é sentir-se só perante Deus, perante o Absolutamente
Outro; é escolher-se, é assumir o destino que o próprio indivíduo criou para si; é um ir-
sendo em direção aos possíveis; a existência é fazer e ao fazer, fazer-se. O homem é tal
como se projeta, como se faz. O homem é primeiramente um projeto; ele será o que
projetou ser. Somos essencialmente escolha com a qual nos comprometemos e
comprometemos os outros.

- o indivíduo é uma tarefa que ele atribui a si mesmo; ele está sempre em projeto,
sempre fora de si. O aparecimento do possível causa angústia, porque há possíveis que
nos fazem descer e outros que nos fazem elevar. A existência é o reino do possível: o
homem está sempre avançando sobre si mesmo, sempre em projeto, sempre faz si
mesmo. Somos lançados para o mundo sem sermos capazes de descobrir a razão disto.

- o homem está sempre em situação. Cada situação é interpretada em função da


liberdade, do projeto existencial individual. O homem cria seus valores, seu projeto, seu
sentido; nesta decisão ele é seu próprio critério; na sua decisão ele se deixa orientar
pelos valores que ele mesmo estabeleceu. É assim que ele se realiza como homem, é
assim que dá um sentido à sua vida, assim é que persegue os objetivos que ele mesmo

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definiu. O que não é possível é não escolher.

Para os existencialistas ateus, o homem é sem razão predeterminada,


contingente, sem necessidade, sem objetivo marcado de fora, sem objetivo
predeterminado; ele cria a razão de sua existência.
Para o existencialista cristão, o existente existe na medida em que se consagra,
se devota a uma verdade única; para além de cada um há algo que ele não pode atingir,
o “Transcendente absoluto”, no qual se unem todos os projetos. É o impermeável ao
espírito, o Outro absoluto, algo que não podemos designar, mas é o último plano no
qual tudo se destaca É um domínio além das possibilidades, da liberdade, da escolha; é
um domínio sobra o qual ignoramos tudo. É o “além de nós” onde supomos que exista
algo pelo qual existimos, mas que ignoramos:.

- o homem é transcendência, relação com, está com, voltado para, consciência de ...,
vive em função de seu projeto; a existência é estar fora de si. A existência é basicamente
comunicação, relação com .., relação com o absolutamente outro, com Deus. A
existência é relação com o ser que me transcende, o Outro absoluto. O essencial do
Dasein é o “mit-einander-sein”, o ser-no-mundo; o existente é aquele que se relaciona
consigo mesmo e com a transcendência; é preciso ir além de si próprio e então entrar em
comunhão e em união com algo que nos envolve e nos excede; é um movimento de
transcendência que é inerente à existência; não existimos sem o outro diferente de nós.
Ao mesmo tempo a existência é separação, manter se fora, distância; a existência é estar
fora de si envolvido com o mundo, em relação imediata com os outros. É de nossa
essência ser com os outros, ser com o mundo.

- cada existente tem o fim de constituir uma unidade. Da existência como dispersão,
extensão, passamos à existência como tensão, como êxtase. Assim, a existência que era
separação, se torna união. A filosofia existencialista nos leva a nos envolver com a
nossa união com o mundo, com os outros, com Deus; ver nessa união a finalidade de
nossa existência.
A filosofia da existência acentua aquilo que existe anterior à reflexão, atinge a
região de prerreflexivo; acentua que existir significa estar em relação com o outro, com
os outros, com o mundo, com Deus, com seu projeto; estar fora de si e ao mesmo tempo
estar em relação consigo mesmo.
As filosofias da existência implicam num aguçamento da subjetividade, partem
da subjetividade. O indivíduo não pode ser compreendido a partir de caraterísticas que
são próprias de um grupo. Não há sistema possível para a existência, a existência não
pode ser descrita a partir de um sistema de conceitos. O indivíduo é a existência. A
subjetividade é a verdade. A existência não é definível, não pode ser conhecido
objetivamente, o existente é o pensador subjetivo, sempre em contato consigo mesmo.
A partir disto, descrevem o homem como um ser que carrega em si uma
sensação de estar perdido, de não saber o rumo nem o porque da existência. Surge a
náusea a respeito da existência, o não-saber de seu sentido, a perda do rumo.
O existencialismo é reflexão a respeito da experiência singular, individual.
Implica numa reflexão da existência a partir da própria existência; descreve o homem
como um ser abandonado a si mesmo e escravo de sua própria subjetividade. Instalado
nesse deserto, nesse vazio, o nada do ser do homem o angustia e o põe em agonia. A
verdadeira temática da filosofia é a discussão sobre a própria existência.

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prof. Johannes A.W.M. Poelman Pá gina 9
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- Os existencialistas acentuam a disparidade radical entre o humano e o não-humano; é


o fato da consciência que distingue radicalmente os homens de outros seres. Acentuam
que a solidão, a angústia, o tédio fazem parte de modo inerente e indissolúvel da
existência humana. Morte e solidão são assuntos que devem entrar no pensamento
sobre o homem.

- o homem deve assumir o fato de que é condenado a ser livre. Que é condenado, não
porque ele se criou a si mesmo, mas porque, uma vez lançado à existência, é livre e
responsável por tudo que faz. Um dos valores principais do homem é a possibilidade e
a liberdade para assumir a totalidade dos próprios atos.
A filosofia existencialista acentua o fato de que o homem é finitude e
temporalidade. O tempo é um ir-sendo: a existência é o ir-sendo; o tempo é um ir-sendo,
descontínuo, feito de crises; o indivíduo é um ir-sendo.

- o homem é um ser de possibilidades: não há uma essência que orienta a existência, ou


um ser ideal. É o própria indivíduo que se rege a si mesmo.
As possibilidades são sempre as possibilidades de alguém; existir é ser um ser possível.
O homem não é senão as suas possibilidades. Nunca alcança sua totalidade; sempre é
possível um novo ato, uma nova decisão.

- o homem é o ser que se elege a si mesmo, uma vez que não existe nenhum valor a
priori. Toda existência é uma eleição constante. Ao mesmo tempo, é ele que cria suas
possibilidades e esta eleição não é senão o ato de constituir as próprias possibilidades e
eleger-se a si mesmo. O homem é o ser pelo qual há possibilidades. Ele se elege, porque
é um ser livre; é obrigado a se eleger, porque é um ser livre. Ele é responsável por suas
decisões e facilmente sujeito à angústia e sofre por sua solidão.

- o homem é um ser que cuida de seu próprio ser. Elabora seu ser, projeta seu ser,
inventa seu ser. Ele escolhe seu ser, porque sempre é um ser incompleto.

- o homem é um ser no mundo, é sempre em algum lugar; é temporal, vive no tempo; é


finito, vive em direção à morte.
As reações do homem ao fato de sua existência:
- ele tenta encontrar para si uma verdade em que pode basear-se, cuida do seu ser; ele se
arrisca;
- a contingência radical e a carência essencial de sentido o levam à angústia de ser; sente
angustia; o fato de o homem ser desnecessário e a vida ser um absurdo leva o homem a
sentir um tédio existencial; sente solidão; sente-se desamparado, perdido, abandonado;
sente desespero
- cria seu próprio projeto e assim atribui um sentido à sua existência
- pode engajar-se, comprometer-se, reconhecer que é ele que deve definir a sua
existência, se ele é autêntico.
- sente medo da morte
- a angústia e o tédio podem levá-lo à depressão ou à libertação, se ele se dispõe a
conviver com eles, se aceita seu destino, se tem fé.

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