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Alexandre Levin
Doutor e Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Professor do Curso de Especialização em
Direito Administrativo da COGEAE/PUC-SP. Procurador do Município de São Paulo. Advogado
em São Paulo.
1 Considerações preliminares
Esse capítulo destina-se à abordagem de um conceito jurídico fundamental para
o estudo do direito público.
Trata-se do conceito de processo. Esse será o objeto de investigação nas pági-
nas seguintes.
Contudo, antes de iniciar o tratamento da matéria, vamos delimitar o nosso
objeto de estudo.
Toda investigação científica deve passar por esse momento inicial de definição
do objeto a ser examinado. Esses limites podem ser mais facilmente definidos se
soubermos formular as perguntas corretas sobre o que será abordado.
Pois bem. Neste trabalho, buscar-se-á responder as seguintes questões:
a) qual o conceito jurídico de processo? b) processo é uma categoria jurídica
presente somente no direito público? c) há uma teoria geral do processo? d) quais
são as características comuns a todas as espécies de processo previstas no ordena-
mento (processo legislativo, processo administrativo e processo jurisdicional)? e) há
aspectos comuns a todas as modalidades de processo, a ponto de concluirmos pela
existência da teoria geral do processo? f) quais as diferenças entre essas espécies
de processo? g) qual é função do processo? h) quais são os princípios jurídicos fun-
damentais do direito processual?
Buscaremos responder a todas essas questões, não necessariamente na or-
dem apresentada.
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Grande Dicionário Houaiss. Disponível em: <https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v3-0/html/index.
htm#1>. Acesso em: 2 maio 2017.
2
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, procedimento administrativo ou processo administrativo é uma
sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo.
Para o autor, isto significa que para existir o procedimento ou processo cumpre que haja uma sequência
de atos conectados entre si, isto é, armados em uma ordenada sucessão visando a um ato derradeiro (...)
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008,
p. 477). Perceba que o autor utiliza como sinônimos os termos processo e procedimento. A distinção entre
ambos será objeto de posterior análise neste trabalho.
3
Explica Maria Helena Diniz que o fato jurídico pode ser natural ou humano. O fato natural advém de fenôme-
no natural produtor de efeito jurídico, como a morte, por exemplo. Já o fato humano é o acontecimento que
depende da vontade humana. Pode ser: a) voluntário, se produzir efeitos jurídicos desejados pelo agente (ato
jurídico); ou b) involuntário, se produzir efeitos jurídicos alheios à vontade do agente (ato ilícito que gera obri-
gação de indenizar. O ato jurídico, por sua vez pode ser unilateral (ato jurídico em sentido estrito) ou bilateral
(negócio jurídico) (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
376-377). Há o fato jurídico processual (preclusão, trânsito em julgado, revelia) e o ato jurídico processual
(decisão judicial, decisão em recurso administrativo, sanção a um projeto de lei). Fato jurídico processual e ato
jurídico processual são aqui denominados de eventos processuais.
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Nesse sentido a lição de Carlos Ari Sundfeld, que define o processo como o encadeamento necessário e
ordenado de atos e fatos destinado à formação ou execução de atos jurídicos cujos fins são juridicamente
regulados. Explica o autor que o processo não é um ato, mas a reunião, o complexo, de atos e fatos que
se produzem no tempo e que, não obstante cada etapa do processo cumprir sua própria função, há ligação
entre elas: servem logicamente como antecedentes e consequentes umas das outras (SUNDFELD, Carlos Ari.
Fundamentos de direito público. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, pp. 94-95).
5
Os arts. 59 a 69 da Constituição Federal regulam o processo legislativo e a Lei Complementar nº 95/98 dispõe
sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único
do art. 59 da Constituição Federal.
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A função administrativa é exercida por meio da expedição de atos administrativos, os quais, por sua vez, são
produzidos por meio de um procedimento administrativo. Ou seja, em regra, a edição de um ato administrativo
obedece a um rito procedimental. Mas há uma exceção: trata-se, nos dizeres de Ricardo Marcondes Martins,
dos chamados atos solitários. O exemplo clássico, segundo o autor, é a ordem dada por um guarda de trânsi-
to: ao apitar ou fazer um gesto com as mãos, o guarda determina ao motorista de um veículo que pare. Essa
prescrição é um ato administrativo que não exige a prévia prática de qualquer outro ato jurídico; não tem, pois,
um requisito procedimental (MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios dos atos administrativos. São
Paulo: Malheiros, 2008, p. 149). Diogo de Figueiredo Moreira Neto utiliza a denominação ato administrativo
isolado para designar o ato administrativo que não apresenta vinculação necessária com ato anterior, nem
necessita de ato posterior para que venha a produzir todos os seus normais efeitos, desejados pelo agente.
Ainda segundo o autor, o ato administrativo articulado, ao contrário, é o que exige manifestação de vontade
antecedente ou consequente, ou ambas, pressupondo a existência de um procedimento administrativo. Nesse
último caso, as ações administrativas, por decorrerem de um processo, se submetem a critérios de controle
mais rigorosos (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte
geral e parte especial. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 168).
7
Para Silvio Luís Ferreira da Rocha, processo é uma relação jurídica formada por uma sucessão determinada
e concatenada de atos voltados a um resultado final e conclusivo. No processo administrativo, normalmente,
esse resultado é uma decisão ou a prática de um ato administrativo de ordenação ativa (ROCHA, Silvio Luís
Ferreira da. Manual de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 276).
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A diferença entre processo e procedimento será tratada em outro momento.
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Kelsen defende que a aplicação do Direito se dá tanto na produção de normas jurídicas gerais (leis e
costumes) como na edição de atos administrativos e nos contratos (atos jurídico-negociais). Afirma ainda que
os tribunais aplicam as normas jurídicas gerais ao estabelecerem normas individuais, determinadas, quanto
ao seu conteúdo, pelas normas jurídicas gerais, e nas quais é estatuída uma sanção concreta: uma execução
civil ou uma pena (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 263). A
sentença judicial é, pois, uma espécie de norma jurídica individual (vale apenas para as partes que litigam no
processo judicial).
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Ao defender a existência de uma teoria geral do processo, Cândido Rangel Dinamarco afirma que direito
processual estatal é a disciplina do exercício do poder estatal pelas formas do processo legalmente instituídas
e mediante a participação do interessado, ou interessados (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentali-
dade do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 84). O poder estatal é exercido por meio do pro
cesso, seja ele jurisdicional, administrativo ou legislativo.
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O certo é que, no processo legislativo em regime democrático e constitucional, há procedimentos a serem
observados, com a marca da legalidade e participação dos interessados, entendendo-se que ao legiferar
a maioria exerce o poder estatal; a abertura à participação do povo no processo legislativo através dos
representantes é a norma que legitima essa espécie de processo estatal não-jurisdicional (DINAMARCO,
Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 83-84).
12
De acordo com a teoria da construção escalonada elaborada por Hans Kelsen, as normas de um ordenamento
jurídico não estão todas no mesmo nível hierárquico. Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores
dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a
uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do
ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental (BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.
5. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1994, p. 49). Nesse sentido, são consideradas normas jurídicas não
somente a Constituição e as leis, mas também as sentenças e os atos administrativos. Todas essas espécies
normativas fazem parte do ordenamento jurídico e estão hierarquicamente organizadas, conferindo unidade ao
ordenamento jurídico. É por isso que se costuma descrever o ordenamento jurídico como uma pirâmide de
normas. No topo da pirâmide está a Constituição, seguida das leis (normas gerais e abstratas), e na base estão
as sentenças judiciais, os atos administrativos e os negócios jurídicos (normas individuais e concretas). Mas,
independentemente do grau hierárquico, leis, sentenças e atos administrativos são todas espécies de normas
jurídicas, produzidas por meio de um processo. Esse processo de produção de normas é regulado, por sua
vez, por outras normas jurídicas, que Bobbio classifica como normas de estrutura ou de competência (BOBBIO,
Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 5. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1994, p. 33). Na lição de Hans
Kelsen, legislação e costume são frequentemente designados como as duas ‘fontes’ do Direito, entendendo-
se aqui por Direito apenas as normas gerais do Direito estadual. Mas as normas jurídicas, prossegue o autor,
pertencem tanto ao Direito, são tão parte da ordem jurídica, como as normas jurídicas gerais com base na qual
são produzidas (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 258-259).
13
Afirma Cândido Rangel Dinamarco que o poder exercido pela Administração Pública por meio do processo
administrativo é o mesmo poder que os juízes exercem ‘sub specie jurisdictionis’, tendo-se verdadeiro pro-
cesso estadual lá e cá (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 15. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013, p. 83). Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno, o processo é característica da atuação do
Estado como um todo, assim entendidas as diversas funções do Estado. Também o ‘Estado-legislador’ (Poder
Legislativo) atua processualmente. Também o ‘Estado-administração’ (Poder Executivo) atua processualmen-
te. Assim, tanto o Poder Judiciário emite seus atos (sentenças) mediante ‘processo’, como o Poder Legislativo
emite seus atos (leis) mediante processo. E a Administração Pública não é alheia ou arredia a este ‘atuar
regrado’, este atuar ‘processualizado’. Ela também deve expedir seus atos, os atos administrativos, mediante
‘processo’ (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil. vol. 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 354).
14
Mesmo nos casos de processos de jurisdição voluntária, há a expedição de um ato normativo de competência
do judiciário – uma ordem ao cartório por exemplo. Já a expedição de certidões não produz atos administrativos,
já que a certidão não é uma declaração de vontade do Estado.
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Especificamente sobre o processo administrativo, Canotilho explica que, na atualidade, a procedimentalização
é idéia corrente relativamente à função administrativa, devendo a atividade administrativa estar sujeita a
um procedimento que, sem aniquilar a eficiência da atividade administrativa, garanta a proteção jurídica dos
administrados (procedimento administrativo) (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e
Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 855).
16
O conceito de função não é exclusivo do direito público. Está presente também no direito privado. O curador
exerce sua função em prol do curatelado. O tutor em benefício do tutelado. Os pais em benefício de seus
filhos (poder familiar). De acordo com a já clássica lição de Santi Romano, as funções (‘officia’, ‘munera’)
são os poderes que se exercem não por interesse próprio, ou exclusivamente próprio, mas por interesse de
outrem ou por um interesse objetivo. Deles se encontram exemplos mesmo no direito privado (o pátrio-poder,
o ofício do executor testamentário, do tutor etc.), mas no direito público sua figura é predominante. Com
efeito, os interesses objetivos tutelados pelo Estado e os que nele se personificam são também interesses da
coletividade considerada no seu conjunto e prescindindo de cada um dos que a compõe: os poderes do Estado
são, em regra, funções (ROMANO, Santi. Princípios de Direito Constitucional Geral. Tradução de Maria Helena
Diniz. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, p. 145).
17
Ou dever-poder, como quer Celso Antônio Bandeira de Mello, para realçar o caráter instrumental dos poderes
da Administração. Nas palavras do autor, existe função quando alguém está investido no dever de satisfazer
dadas finalidades em prol do interesse de outrem, necessitando, para tanto, manejar os poderes requeridos
para supri-las. Logo, tais poderes são instrumentais ao alcance das sobreditas finalidades. Sem eles, o sujeito
investido na função não teria como desincumbir-se do dever posto a seu cargo. Donde, quem os titulariza
maneja, na verdade, ‘deveres-poderes’, no interesse alheio (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de
Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 71-72).
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legislativa).18 Profere sentenças que decidem litígios entre pessoas, a cumprir o seu
dever de dizer o direito no conflito submetido ao seu julgamento (função jurisdicional).
Em suma: as funções (poderes-deveres estatais) são exercidas por meio de
decisões proferidas em um processo. O Estado não profere esses atos decisórios por
vontade própria e sim porque a lei assim determina.
É nesse sentido que deve ser entendida a afirmação de que o Estado exerce
seu poder por meio do processo: há, na realidade, o cumprimento de um poder-dever
e não simplesmente o exercício de um poder estatal.
Ocorre que o exercício das funções estatais gera, como visto, obrigações a ter-
ceiros, de forma unilateral. É por essa razão que o processo de tomada das decisões
dos poderes públicos deve ser regulado por lei. As normas que disciplinam os pro-
cessos estatais – que são, como visto, fontes de atos decisórios que repercutem na
esfera de direito alheio –, permitem que o exercício dos poderes-deveres do Estado
seja controlado. O direito processual figura, assim, como uma garantia ao cidadão.19
Busca-se afiançar que a esfera jurídica de qualquer pessoa somente seja atingida por
decisões proferidas em procedimentos regidos por regras pré-constituídas e bem de-
finidas. As regras do jogo devem ser claras. Independentemente do acerto ou não da
decisão final, é necessário que as normas que regulam o processo decisório sejam
respeitadas.20
Assim, a decisão do Estado de aplicar uma multa ambiental apenas poderá
ser considerada legítima se tiverem sido observadas as normas procedimentais do
processo administrativo ambiental sancionatório, especialmente as que asseguram
ao acusado a ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Veja: ainda que a infração ao meio am-
biente tenha sido, de fato, cometida (desmatamento ilegal, por exemplo), a decisão
final do processo punitivo (ato administrativo que determina a aplicação da sanção ao
18
CF, arts. 153 a 156.
19
Cassio Scarpinella Bueno explica que o processo como método inerente à atuação do Estado – à produção da
vontade do Estado (uma vontade vinculada a determinados fins preestabelecidos, uma ‘vontade funcional’,
portanto) – deve ser entendido, amplamente, como forma de proteção dos direitos dos destinatários do ato,
ao mesmo tempo em que garante o melhor cumprimento das finalidades a serem perseguidas pelo próprio
Estado (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil. vol. 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 354). É por isso que o processo, diz o autor, é
método de atuação não de qualquer Estado, mas do Estado Democrático de Direito, em que o Poder Público
age “processualmente”, isto é, em consonância com um modelo prefixado que permita o escorreito exercício
do poder (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil. vol. 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 352).
20
Seja ao legislar ou ao realizar atos de jurisdição, o Estado exerce seu poder, o poder estatal. E, assim como
a jurisdição desempenha uma função instrumental perante a ordem jurídica substancial (para que esta se
imponha em casos concretos), assim também toda a atividade jurídica exercida pelo Estado (legislação e
jurisdição, consideradas globalmente) visa a um objetivo maior, que é a pacificação social. É antes de tudo
para evitar ou eliminar conflitos entre pessoas, fazendo justiça, que o Estado legisla, julga e executa (o escopo
social magno do processo e do direito como um todo). O processo é, nesse quadro, um instrumento a serviço
da paz social (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria Geral do Processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 64).
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infrator) não será válida, caso as regras e princípios que disciplinam o procedimento
administrativo não forem respeitadas.21
O mesmo ocorre com o processo legislativo. Imagine uma lei que determine
o aumento da remuneração de certa categoria de servidores públicos da adminis-
tração direta federal. O aumento pode ser legítimo e permitido pela Constituição.
Pode haver, inclusive, verba orçamentária disponível para o aumento de despesa
com pessoal, dentro dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar nº 101/2000, art. 18). Porém, se o projeto de lei tiver sido proposto
por um deputado federal, haverá um vício procedimental que torna inconstitucional o
diploma aprovado. Haverá flagrante invalidade no processo legislativo. Isso porque a
Constituição Federal determina ser privativa do Presidente da República a iniciativa da
lei que aumenta a remuneração dos servidores da administração direta (CF, art. 61,
§1º, II, a). Uma lei não pode ser editada sem o pleno respeito às normas que regulam
o seu processo de criação.
No processo judicial não é diferente. Há leis processuais (Código de Processo
Civil, Código de Processo Penal, dentre outras) que definem o rito procedimental que
deve ser obedecido, sob pena de invalidade da decisão final. É nulo o processo cível
no caso de ausência de citação do réu, ainda que a pretensão do autor da ação seja
legítima. É nula a sentença proferida no processo penal, caso o réu tenha sido conde-
nado exclusivamente com base em provas colhidas ilicitamente (escuta telefônica e
quebra de sigilo bancário não regularmente autorizadas, por exemplo).
Diante de tudo o que foi exposto, é possível afirmar a existência de uma teoria
geral do processo, que condensa as características comuns a todas as modalidades
de processo de que vale o Estado para o exercício dos seus poderes constitucional-
mente assegurados.22 Esses traços comuns serão objeto de análise a seguir.
21
E o sistema processual administrativo, no Estado-de-direito, regido por garantias e grandes princípios consti-
tucionalmente instalados, inclui a limitação do exercício do poder, definidos os seus limites em uma ordem
de legalidade que assegura a prevalência da cláusula ‘due process of law’; existem formas institucionalizadas
nos procedimentos administrativos, que não podem negar a participação do interessado (ou interessados),
nem o respeito à igualdade quando pertinente (v.g., licitações públicas), nem a ampla defesa (processo dis-
ciplinar). Tais e tantos pontos comuns, entre os muitos que marcam a analogia com o processo jurisdicional,
impõem que se inclua o direito processual administrativo na teoria geral do processo (modalidade ‘processo
estatal não-jurisdicional) (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 15. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013, p. 83).
22
Teoria geral do processo é um sistema de conceitos e princípios elevados ao grau máximo de generalização útil
e condensados indutivamente a partir do confronto dos diversos ramos do direito processual. É também, por
outro aspecto, a condensação metodológica dos princípios, conceitos e estruturas desenvolvidos setorialmente
com vistas a cada um desses ramos, considerados aqueles em seus respectivos núcleos essenciais e comuns
a todos eles, sem descer às peculiaridades de cada um. Ela transcende a dogmática processual, não lhe
sendo própria a indagação ou formulação de regras ou normas de direito positivo (CINTRA, Antonio Carlos de
Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 31. ed. São Paulo:
Malheiros, 2015, p. 29). Para Cassio Scarpinella Bueno, ‘Teoria Geral do Processo’, sem qualquer adjetivação
para ‘processo’, isto é, nem processo civil, nem processo penal, nem processo trabalhista, quer significar, no
contexto das reflexões presentes, uma teoria que busque descrever o método de atuação do Estado como um
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todo, precisando os princípios e o regime jurídico que vinculam o exercício de qualquer função estatal (BUENO,
Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. vol.
1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 355). Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, cada um dos
processos estatais está sujeito a determinados princípios próprios, específicos, adequados para a função que
lhes incumbe. Não podem ser iguais o processo legislativo e o processo judicial, e um e outro não podem ser
iguais ao processo administrativo. Porém todos eles obedecem, pelo menos, aos princípios da competência,
da formalidade, da predominância do interesse público sobre o particular, o que permite falar na existência
de uma teoria geral do processo (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 28. ed. São Paulo:
Atlas, 2015, p. 764).
23
Sempre que se trate de procedimentos realizados mediante o exercício de poder por um agente que se sobre-
põe aos demais, ali se tem processo e não mero procedimento, legitimando-se pois sua inserção no âmbito
da teoria geral do processo. A referência ao poder como centro de emanação de decisões imperativas é o ele-
mento de convergência responsável pela imposição das garantias constitucionais do processo, notadamente
a doa devido processo legal (...) (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,
Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 29-30).
24
Os direitos fundamentais individuais e coletivos estão previstos, em especial, no art. 5º da Constituição Fe-
deral de 1988. Sobre a questão, Canotilho aborda o papel do procedimento constitucional – e não apenas do
procedimento legislativo – como garantidor de direitos fundamentais. Para o autor, a proteção dos direitos fun-
damentais através do procedimento se tornou um ‘leit motiv’ central da moderna juspublicística (CANOTILHO,
José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 857).
25
Nesse sentido, a Lei 8.666/93, que regula a licitação em âmbito nacional, determina que o procedimento
licitatório é ato administrativo formal e que todos os que participem do certame têm direito público subjetivo à
fiel observância do procedimento estabelecido em lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvol-
vimento (art. 4º e parágrafo único).
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O rol dos direitos fundamentais do art. 5º da Constituição não é exaustivo. Como bem aponta Manoel Gonçalves
Ferreira Filho, além desses direitos explicitamente reconhecidos, a Constituição Federal admite existirem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte (CF, art. 5º, §2º) (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitu-
cional. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 254).
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Por tais razões, afirma-se que o direito processual é um ramo do direito público.
As regras que disciplinam as diversas modalidades de processos estatais têm como
objetivo proteger o indivíduo contra arbitrariedades cometidas pelo Estado. Destinam-
se a garantir o equilíbrio entre o interesse coletivo, defendido pelo Poder Público, e os
direitos fundamentais de todo aquele submetido ao poder estatal.
Em resumo, o processo deve ser entendido como uma categoria fundamental do
Direito Público, já que as normas processuais se destinam a harmonizar o interesse
público com os direitos individuais.
Não se deve ignorar que nas relações de direito privado também há processo,
ou seja, também existem sucessões de acontecimentos concatenados que levam
a uma decisão final. É só pensarmos na eleição para o cargo de conselheiro de um
clube ou para o conselho deliberativo de uma sociedade anônima, ou mesmo na
aplicação de penalidade a um aluno de escola privada pela própria diretoria. Em todos
esses casos, há processo, mas não há, em regra, a presença estatal em um dos
polos da relação jurídica, não há o embate entre o interesse coletivo e o privado, não
incidem as regras de competência próprias do direito público.
Nas relações de direito privado, as partes mantêm posição de igualdade. Não
há supremacia de um interesse sobre o outro. Desde que não atuem contra expressa
previsão legal, os partícipes da relação são livres para decidir de acordo com suas
vontades.
Como dito, os procedimentos utilizados pelo direito privado não contam, em
regra, com a participação do Estado em um dos polos da relação jurídica. E mesmo
quando a Administração Pública participa dessa relação, o faz em situação de igual-
dade com o particular. Um exemplo clássico é o contrato de aluguel de imóveis para
instalação de órgãos públicos. Em um contrato como esse, o Poder Público não está
em situação de superioridade em relação ao locador, proprietário do imóvel locado.
Trata-se de uma relação de direito privado, em que não ocorre o referido embate entre
o interesse público e o privado. Os interesses das partes envolvidos são, nesse caso,
particulares.
Por tais razões, a teoria geral do processo é examinada, exclusivamente, sob a
ótica do direito público.27
Mas os autores que se debruçam sobre o direito processual costumam encon-
trar outros argumentos para incluir o direito processual como um dos ramos do direito
público. José Frederico Marques, por exemplo, discorrendo especificamente sobre o
processo jurisdicional, afirma que os direitos subjetivos criados pelas leis processuais
têm caráter público, ou seja, são direitos públicos subjetivos. Como exemplos, o
27
Cf. MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 1999, p. 30-31.
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5 Processo legislativo
Processo legislativo é a sequência de eventos que visa à produção dos atos
normativos indicados no art. 59 da Constituição Federal, a saber: I) emendas à
Constituição; II) leis complementares; III) leis ordinárias; IV) leis delegadas; V) medi-
das provisórias; VI) decretos legislativos; e VII) resoluções.29
28
Cf. MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 1999, p. 30-31.
Na mesma linha, Cassio Scarpinella Bueno explica que relação jurídica veiculada para solução pelo Estado-juiz
não se confunde com o ‘processo’ porque elas existem em planos diversos: a situação de lesão ou ameaça
a direito se verifica no plano do direito material. O atuar do Estado-juiz, o processo, portanto, está no plano
processual (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil. vol. 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 356).
29
Na verdade, como bem anota Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a Seção VIII da Constituição Federal, que tem
início no seu art. 59, regula não apenas a elaboração de leis em sentido estrito, mas também a criação de
outras espécies de atos normativos que não são nem material nem formalmente leis. Há dispositivos dessa
Seção que regulam, por exemplo, a produção de emendas constitucionais, que são leis materialmente, mas que
formalmente destas devem ser distinguidas, por serem manifestação de um poder distinto, que é o de revisão.
Já os decretos legislativos e as resoluções, também indicados no art. 59, são leis apenas sob o aspecto formal,
visto que não editam regras jurídicas gerais e abstratas. Por essa razão, conclui o autor que o título e a matéria
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da seção não estão de pleno acordo (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 23.
ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 159-160).
30
André Ramos Tavares, após diferenciar os sentidos sociológico e jurídico da expressão processo legislativo,
afirma que, juridicamente, o processo legislativo insere-se na noção ampla de processo, de Direito Processual.
Para o autor, o processo legislativo é o processo pelo qual ocorre a criação das leis (em sentido amplo). Os
arts. 59 a 69 da Constituição Federal (Seção VIII – Do processo legislativo) regulam, portanto, uma sequência
definida de atos e etapas que se cumprem no intuito de estabelecer novas normas jurídicas (TAVARES, André
Ramos. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 907).
31
Nas palavras de José Afonso da Silva, procedimento legislativo é o modo pelo qual os atos do processo
legislativo se realizam (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 527). Note que o procedimento legislativo é composto por atos, mas o processo legislativo
é composto tanto por atos procedimentais como por fatos, como, por exemplo, as discussões sobre projetos
de lei que ocorrem nas Comissões Parlamentares do Senado e da Câmara. É por isso que afirmamos que o
processo é o conjunto de eventos (atos e fatos) que visa à produção de um ato de poder do Estado.
32
Vale ressaltar que salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas
Comissões serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta de seus membros (CF, art. 47).
A aprovação das leis ordinárias se dá dessa forma, por maioria simples. Presente metade mais um dos mem-
bros de cada Casa Legislativa, o projeto será aprovado se contar com mais da metade dos votos.
58 R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017
69);33 de medidas provisórias, que são atos normativos, com força de lei, expedidos
pelo Presidente da República em caso de relevância e urgência (CF, art. 62); de leis
delegadas, que são elaboradas pelo Presidente da República a partir de delegação
outorgada pelo Congresso Nacional (CF, art. 68); enfim, a Constituição da República
prevê as normas gerais que definem o procedimento de elaboração desses atos
legislativos.34
33
A lei complementar deve ser aprovada pela por mais da metade de todos os membros das duas Casas
Legislativas (Câmara e Senado). Ou seja, exige um quórum maior para a aprovação do que a lei ordinária.
34
Por sua vez, a Lei Complementar nº 95/98 dispõe sobre as técnicas de elaboração, redação e alteração das leis.
35
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 527.
36
Essas fases são indicadas por Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (ARAUJO, Luiz Alberto
David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.
399-406.). Optamos por essa denominação neste trabalho por parecer a mais completa do ponto de vista cien-
tífico, mas vale ressaltar que outros constitucionalistas atribuem outras denominações às diferentes fases do
procedimento legislativo. A existência dessa série de etapas, levou Manoel Gonçalves Ferreira Filho a conside-
rar a lei ordinária um ato complexo, já que produzida mediante a fusão de vontades de diferentes órgãos em
uma só vontade, idônea a produzir determinado efeito jurídico (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de
direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 164). Com efeito, há no procedimento legislativo a
participação de órgãos do Executivo e do Legislativo. Está clara a vontade do constituinte de estabelecer um
sistema mútuo de controle entre os Poderes da República no processo de elaboração das leis, o chamado
checks and balances, em respeito ao princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º). O Legislativo não pode
produzir leis sem a participação do Executivo e vice-versa.
37
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo:
Verbatim, 2011, p. 401.
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menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores
de cada um deles (CF, art. 61, §2º).
Mas há casos em que a iniciativa é reservada, isto é, hipóteses em que a
Constituição reserva a apenas um agente político ou a um órgão a competência para
iniciar o processo legislativo. São, por exemplo, de iniciativa privativa do Presidente
da República as leis que criam cargos, funções ou empregos na administração pú-
blica direta e autárquica e as que impõem aumento da remuneração dos servidores
públicos.38 Há, ainda, disposições constitucionais que atribuem a órgãos do Poder
Judiciário a iniciativa de leis que tratem de matérias relacionadas às funções que
exercem. É de competência do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores
e dos Tribunais de Justiça estaduais, por exemplo, a iniciativa de lei que crie cargos
de juízes e serventuários da Justiça ou que altere suas remunerações (CF, art. 96,
inc. II, b).
Pois bem.
Depois de iniciado o processo legislativo, passa-se à fase da discussão. O
projeto apresentado é discutido nas comissões permanentes da Câmara e do Senado
e nos plenários das duas casas. Discute-se tanto o conteúdo do projeto como a
compatibilidade do seu texto com a Constituição Federal. É nessa fase, também, que
podem ser apresentadas emendas pelos parlamentares, ou seja, modificações ao
projeto inicial submetido à discussão.
Após discutido, o projeto segue para a votação no plenário de cada Casa
Legislativa. A aprovação dependerá do quórum estabelecido pela Constituição Federal
para cada espécie de ato normativo. Para a aprovação de uma emenda constitucional,
por exemplo, são necessários três quintos dos votos dos deputados e senadores; e a
votação ocorre em dois turnos, ou seja, são duas votações em cada uma das Casas
do Congresso Nacional (CF, art. 60, §2º). Já o projeto de lei complementar somente
será aprovado se contar com a aquiescência da maioria absoluta dos parlamentares
(CF, art. 69).
Vale notar que, em virtude do sistema bicameral que vigora no Brasil, o projeto
de lei aprovado por uma Casa deve ser revisto pela outra (CF, art. 65). Portanto, o
projeto iniciado e aprovado pela Câmara segue para o Senado para deliberação e
vice-versa.39 Ou seja, o projeto de lei aprovado por uma Casa deve ser revisto pela
outra, em regra. A revisão não ocorre, todavia, nos casos em que os projetos estejam
38
CF, art. 61, §1º, II, a. No mesmo sentido, a proposta de emenda constitucional somente pode ser apresentada
por: a) um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; b) pelo
Presidente da República; e c) por mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros (CF, art. 60, inc. I a III).
39
De acordo com o Texto Constitucional, a discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente
da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados
(art. 64).
60 R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017
40
CF, art. 66, §4º. Vale ressaltar que a matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir
objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de
qualquer das Casas do Congresso Nacional (art. 67). A sessão legislativa ocorre no intervalo de 2 de fevereiro
a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro de cada ano (CF, art. 57).
41
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo:
Verbatim, 2011, p. 406. É o Decreto-lei nº 4.657/1942, art. 1º, que determina que salvo disposição contrária,
a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
42
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 528.
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43
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 529.
44
A delegação ao Presidente da República terá a forma de Resolução do Congresso Nacional, que deverá
especificar seu conteúdo e os termos do seu exercício (CF, art. 68, §2º).
45
José Afonso da Silva adverte que a delegação legislativa já existe no constitucionalismo pátrio há mais de vinte
anos e jamais foi usada, porque havia decreto-lei, e vai continuar a não ser usada, porque existem as medidas
provisórias que acabam sendo mais convenientes para o Executivo (SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 529).
62 R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017
46
O Brasil é um Estado Democrático de Direito, em que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (CF, art. 1º, caput, e parágrafo único).
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017 63
6 Processo jurisdicional
Recordemos uma vez mais o conceito jurídico de processo indicado linhas aci-
ma. Processo é a sequência de eventos, regulada por lei, que visa à produção de um
ato de poder do Estado que interfere na esfera jurídica de terceiros, a criar direitos
e obrigações (item 2). As características do processo jurisdicional amoldam-se com
perfeição a esse conceito.
Com efeito, o processo jurisdicional é o instrumento pelo qual o Estado cumpre
uma de suas funções, a jurisdição.48 O Estado tem a função, ou seja, o dever-poder
de resolver os litígios submetidos à sua apreciação. O Estado-juiz deve buscar, de
47
Nas palavras de Paulo Bonavides, o controle formal de constitucionalidade é, por excelência, um controle
estritamente jurídico. Confere aos órgãos que o exerce a competência de examinar se as leis foram elaboradas
de conformidade com a Constituição, se houve correta observância das formas estatuídas, se a regra
normativa não fere uma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes, enfim, se a obra do
legislador ordinário não contravém preceitos constitucionais pertinentes à organização técnica dos poderes
ou às relações horizontais e verticais desses poderes, bem como dos ordenamentos estatais respectivos,
como sói acontecer nos sistemas de organização federativa do Estado (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 268).
48
Jurisdição ou função jurisdicional são termos tomados aqui como sinônimos. As outras funções estatais são
a função legislativa (elaborar as leis) e a função administrativa (executar as leis).
64 R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017
forma imparcial e com fundamento no direito objetivo, a solução dos conflitos que
surgem entre particulares ou entre os particulares e o próprio Estado.
É sabido que das diversas relações jurídicas materiais havidas entre diferentes
sujeitos49 surgem controvérsias das mais variadas. Uma dívida não paga, um imóvel
invadido, uma mercadoria não entregue no prazo estipulado, um tributo cobrado in-
devidamente, uma multa de trânsito aplicada de forma equivocada, horas-extras não
pagas pelo empregador, um empregado que falta frequentemente ao trabalho, enfim,
são muitos os conflitos que podem surgir das relações de direito privado (contratos
entre particulares, contratos de trabalho etc.) ou de direito público (cobrança de tribu-
tos, de multas etc.).
Como resolver esses conflitos? Em alguns casos, é possível o exercício da
autotutela, ou seja, o sujeito resolve a controvérsia com o uso da própria força, sem
necessidade de ordem judicial. Trata-se de meio excepcional de solução dos litígios
e somente pode ser utilizado em situações específicas, previstas em lei ou emergen-
ciais. Por exemplo, o Poder Público municipal pode retirar pessoas que residem em
área de risco, que estejam sob perigo iminente de desabamento, mesmo sem prévia
ordem judicial.50 Outra hipótese é o desforço imediato, previsto no art. 1.210, §1º,
do Código Civil; nesse caso, aquele que teve sua posse turbada (sua propriedade
invadida por terceiros, por exemplo), pode utilizar da própria força para expulsar os
invasores, sem necessidade de mandado expedido por um juiz.51 52 Há, ainda, o caso
49
Pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, ou mesmo entes despersonalizados como condomí-
nios edilícios, massas falidas e espólios.
50
Trata-se, no caso, de um dos atributos do poder de polícia do Estado: a autoexecutoriedade. Explica Hely
Lopes Meirelles que a autoexecutoriedade autoriza a prática do ato de polícia administrativa pela própria
Administração, independentemente de mandado judicial. Assim, por exemplo, quando a Prefeitura encontra
uma edificação irregular ou oferecendo perigo à coletividade, ela embarga diretamente a obra e promove sua
demolição, se for o caso, por determinação própria, sem necessidade de ordem judicial para esta interdição e
demolição. O autor esclarece que, nesses casos, não seria possível condicionar os atos de polícia à aprovação
prévia de qualquer outro órgão ou poder estranho à Administração. Se o particular sentir-se agravado em seus
direitos, sim, poderá reclamar, pela via adequada, ao Judiciário (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal
brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 475-476.).
51
Código Civil, art. 1.210, §1º. O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua
própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável
à manutenção, ou restituição da posse. Explica Maria Helena Diniz que, o possuidor esbulhado, ao exercer
o seu direito ao desforço imediato, deve agir pessoalmente, embora possa receber auxílio de amigos ou de
serviçais, empregando meios necessários, inclusive armas, para recuperar a posse perdida. Mas essa ação
deverá ser imediata e não poderá ir além do indispensável à restituição da posse (DINIZ, Maria Helena. Código
Civil anotado. 15. ed. São Paulo; Saraiva, 2010, p. 830).
52
Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández traçam um comparativo entre a autotutela privada (que
no Brasil está prevista, por exemplo, no art. 1.210, §1º, do Código Civil, sob o título de desforço) e a autotutela
administrativa. Para os autores, as características de excepcionalidade e de caráter puramente facultativo da
primeira não estão presentes na segunda. A autotutela da Administração é, em primeiro lugar, geral e define
um âmbito necessário de autonomia jurídica em que o juiz não pode interferir (ENTERRÍA, Eduardo García;
FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho administrativo. 12. ed. Madrid: Civitas Ediciones, 2004, p.
516). Os autores se referem ao poder de autotutela administrativa, que permite à Administração anular seus
próprios atos eivados de nulidade.
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53
Código de Processo Penal, art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes
deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
54
A função jurisdicional é típica dos órgãos do Poder Judiciário. Todavia, de forma atípica, outros órgãos estatais
podem exercer função jurisdicional. É o caso do julgamento do Presidente e do Vice-Presidente da República
pelo Senado Federal, no caso de prática de crimes de responsabilidade (CF, art. 52, inc. I).
55
Ensina Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo explica que o processo de execução também é atividade jurisdicional.
Nas palavras do autor, é preciso fazer com que aquele comado concreto (o autor refere-se à sentença) seja
efetivamente obedecido, ainda que contra a vontade do obrigado: aqui a atividade jurisdicional ainda se faz
necessária (DAL POZZO, Antonio Araldo Ferraz. Teoria Geral do novo Processo Civil brasileiro. São Paulo: Con-
tracorrente, 2016, p. 49).
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56
No processo penal é possível encontrar exceção à coisa julgada, no que toca à sentença condenatória. Nas
palavras de Julio Fabbrini Mirabete, a autoridade da coisa julgada encontra sua atuação mais completa no
tocante à sentença absolutória, contra a qual não se admite revisão, do que na sentença condenatória que,
mesmo diante do trânsito em julgado, pode ser modificada por várias maneiras: mediante habeas corpus
(CPP, art. 648, VI), por meio de revisão criminal (CPP, art. 621), pela superveniência de causa extintiva da
punibilidade etc. (MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 472). Com
efeito, o art. 621, inc. III, do Código de Processo Penal permite a revisão dos processos findos quando, após
a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou
autorize diminuição especial da pena.
57
Rafael Valim ressalta que o princípio da segurança jurídica vem corrigir algumas deformações do princípio da
legalidade decorrentes do esquecimento de que sua origem radica na proteção dos indivíduos em face do
Estado, e não o contrário. Por isso, quando em certo caso concreto prevalece o princípio da segurança jurídica,
não há ruptura da ordem jurídica ou preterição do princípio da legalidade, senão que afirmação do princípio
da legalidade (VALIM, Rafael. O princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2010, p. 50).
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58
Ricardo Marcondes Martins explica que no sistema de jurisdição única, ou inglês, todos os atos administrativos,
sem exceção, são passíveis de exame pelo Poder Judiciário. Vigora com toda a força, sem admitir exceções,
o princípio do não afastamento do controle judiciário ou, em outras palavras, o direito fundamental à ação
jurisdicional (art. 5º, XXXV, da Constituição) (MARTINS, Ricardo Marcondes. O conceito científico de processo
administrativo. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 235: 321-381, jan./mar. 2004).
59
Celso Antônio Bandeira de Mello cita como exemplos de países com dualidade de jurisdição a Itália e a
França (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25. ed., São Paulo: Malheiros,
2008, p. 935).
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60
Há exceções ao princípio da inafastabilidade da Jurisdição. O art. 217, §1º, da Constituição Federal, por exem-
plo, prevê que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após
esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. Assim, questões relacionadas a competi-
ções desportivas devem ser discutidas em primeiro lugar em instâncias administrativas, e só posteriormente
encaminhadas, se o caso, ao Poder Judiciário. Cuida-se, na verdade, de uma mitigação ao princípio e não pro-
priamente de uma exceção. Ou, poder-se-ia dizer, de uma exceção que confirma a regra, visto que, de qualquer
forma, o acesso ao Judiciário não está negado nesses casos; é apenas e tão somente postergado. Sobre o
tema, a Súmula Vinculante nº 28 do Supremo Tribunal Federal prescreve que é inconstitucional a exigência de
depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade
de crédito tributário. A exigência de depósito prévio, segundo o entendimento que fundamenta essa Súmula,
inibiria o acesso ao Poder Judiciário, a negar o exercício do direito fundamental previsto no art. 5º, inc. XXXV,
da Constituição da República (inafastabilidade da jurisdição).
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bens penhorados: essa possibilidade é prevista na lei processual para garantir que
os contratos sejam respeitados e a economia funcione. Mas não há como executar
o devedor sem antes lhe garantir a ampla defesa e o contraditório, até mesmo para
assegurar que não haja excessos na cobrança.
Enfim, o processo jurisdicional, como todo processo jurídico, é formado por um
conjunto de regras que permite a compatibilização entre o interesse coletivo e o priva-
do. Esse grupo de normas pode ser denominado devido processo legal (CF, art. 5º, inc.
LV). É essa a vontade da Constituição de um Estado Democrático de Direito como o
nosso: o poder-dever do Poder Judiciário de dizer o direito de forma definitiva há de ser
balizado pelos direitos fundamentais do indivíduo que é atingido por suas decisões.
7 Processo administrativo
Vimos nos itens anteriores que o Estado exerce sua função legislativa por meio
do processo legislativo e sua função jurisdicional por meio do processo jurisdicional.
Nesse mesmo sentido, podemos dizer que a função administrativa é exercida
por meio do processo administrativo.
Pois bem. Estão aí indicadas as três funções estatais e o instrumento para o
seu exercício: o processo.
O processo administrativo, assim como as outras espécies de processo, tam-
bém é uma sequência de eventos, regulada por lei, que visa à produção de um ato
de poder do Estado que interfere na esfera jurídica de terceiros, a criar direitos e
obrigações (item 2).
Imagine que um Município resolva realizar um concurso público para o provimen-
to de cargos vagos (CF, art. 37, inc. II-IV). Há uma sequência de eventos (publicação
do edital, inscrições, provas, classificação, fase recursal, análise de títulos, classifi-
cação definitiva, homologação etc.), regulada normativamente (inclusive pelo edital
do concurso), que visa à produção de um ato de poder estatal (nomeação dos apro-
vados) que interfere na esfera jurídica de terceiros (os candidatos aprovados passam
a ter direito à nomeação, dentro do número de vagas).61 62
61
De acordo com entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, os candidatos aprovados dentro
do número de vagas previsto no edital do concurso têm direito subjetivo à nomeação. Sobre o tema, há o
acórdão proferido pelo Pleno do STF no RE 598.099-MS em repercussão geral (Relator o Min. Gilmar Mendes,
j. 10.08.2011), cuja ementa é a seguinte: Recurso extraordinário. Repercussão geral. Concurso público.
Previsão de vagas em edital. direito à nomeação dos candidatos aprovados. 1. Direito à nomeação. Candidato
aprovado dentro do número de vagas previstas no edital (...).
62
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello também utiliza o concurso para provimento de cargos públicos como
exemplo de procedimento administrativo. Para o autor, o procedimento do concurso engloba uma série de atos
jurídicos autônomos, preparatórios, para culminar no ato jurídico de nomeação, razão última do procedimento,
que ainda se completa com outros atos jurídicos (BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de
direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, vol. I, pp. 547-548).
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63
No âmbito federal, foi editada a Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração
Pública Federal direta e indireta.
64
No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, o processo administrativo disci-
plinar é regulado pela Lei 8.112/90 (arts. 143 e ss.).
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65
O princípio da inércia da Jurisdição incide tanto no processo civil (Código de Processo Civil, art. 2º) quanto no
processo penal (Código de Processo Penal, arts. 24, 28 e 30). O juiz criminal, por exemplo, não pode determi-
nar de ofício a instauração de ação penal contra um infrator: deve aguardar seja apresentada a denúncia pelo
Ministério Público.
66
É sempre lembrada, nesse sentido, a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal: A administração pode anular
seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos;
ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada,
em todos os casos, a apreciação judicial. Na mesma direção, o art. 53 da Lei 9.784/99 (regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Federal), segundo o qual a Administração deve anular
seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
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67
Mas há limites ao poder de delegação. Nos termos do art. 13 da Lei 9.784/99, não podem ser objeto de
delegação: I – a edição de atos de caráter normativo; II – a decisão de recursos administrativos; III – as
matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
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8 Processo e procedimento
Deixamos propositalmente para este momento a abordagem acerca da diferen-
ça entre as expressões processo e procedimento, porque, depois de tudo o que foi
exposto até aqui, torna-se possível visualizar melhor a diferença entre os termos.
68
Diogenes Gasparini define o processo administrativo como o conjunto de medidas jurídicas e materiais pratica-
das com certa ordem e cronologia, necessárias ao registro dos atos da Administração Pública, ao controle do
comportamento dos administrados e de seus servidores, a compatibilizar, no exercício do poder de polícia, os
interesses público e privado, a punir seus servidores e terceiros, a resolver controvérsias administrativas e a
outorgar direitos a terceiros (GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
934). Perceba a referência ao embate entre o interesse público e o privado, presente, na verdade, em qualquer
processo estatal.
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69
Celso Antônio Bandeira de Mello observa que a nomenclatura mais comum no Direito Administrativo é
procedimento, mas que, como a Lei Federal 9.784/99 (que regula o processo administrativo no âmbito da
Administração Federal direta, autárquica e fundacional) utiliza a expressão processo, passou-se a se empregar
com mais frequência esse termo. O autor, como não há pacificação doutrinária sobre esse tópico, utiliza
indistintamente uma e outra nomenclatura (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo.
25. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 478). Para se ter uma ideia do tamanho da controvérsia, o Professor
Romeu Felipe Bacellar Filho apresenta um rol de onze posições doutrinárias diversas sobre o tema, da lavra de
autores nacionais e estrangeiros (BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 41-48).
70
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pp.
37-41. Outro autor que se debruça sobre o tema é José dos Santos Carvalho Filho. Para o autor, processo e
procedimento não são coisas antagônicas, mas sim figuras intrinsecamente ligadas entre si: todo processo
demanda um procedimento – que é a tramitação dos atos –, da mesma forma que todo o procedimento só tem
existência se houver o respectivo processo –, este indicando a relação jurídica firmada entre aqueles que dele
participam (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas,
2015, p. 1007).
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71
Na competência concorrente, a União edita normas gerais e Estados, Distrito Federal e Municípios normas su-
plementares (CF, art. 24, §1º, e 30, inc. II). Os aspectos gerais da matéria são tratados pela União, de maneira
uniforme para todo o território nacional, enquanto que as peculiaridades regionais e locais sobre o assunto são
objeto da legislação específica de cada Estado e de cada Município.
72
MARTINS, Ricardo Marcondes. O conceito científico de processo administrativo. Revista de Direito Administra-
tivo. Rio de Janeiro, 235: 321-381, jan./mar. 2004.
73
Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que para a noção de processo, interessam fundamentalmente as ideias
de relação jurídica – que é a que se estabelece entre os sujeitos do processo: autor, juiz e réu – e a da finalida-
de – no sentido de vocação do fluxo dos atos consecutivos e interligados, que porão em movimento a relação
já referida, vocação esta que consiste, concretamente, na obtenção de um pronunciamento judicial de caráter
definitivo. À concepção da noção de procedimento dizem respeito as noções de movimento dessa relação
jurídica no tempo e, mais especificamente, o aspecto exterior desta movimentação, ou seja, de que atos se
trata, como se entrelaçam etc. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 4. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 21).
74
A Lei 8.666/93, norma geral de licitações e contratos, prevê que qualquer cidadão é parte legítima para
impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei (art. 41, §1º).
78 R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017
75
Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que processo administrativo e procedimento administrativo não se con-
fundem. O processo existe sempre como instrumento indispensável para o exercício de função administrativa,
ou seja, tudo o que a Administração faz, o faz mediante processo. Já o procedimento é o conjunto de for-
malidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos; equivale a rito, a forma
de proceder; o procedimento se desenvolve dentro de um processo administrativo (DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 766). Outra posição digna de destaque é
a de Romeu Felipe Bacellar Filho. Diz que jurista que todo processo é procedimento, porém a recíproca não
é verdadeira: nem todo procedimento converte-se em processo. Ora nem sempre o exercício da competência
envolve a atuação de interessados sob a incidência do contraditório e ampla defesa. Para o autor, portanto,
processo é o procedimento em que se dá o contraditório e a ampla defesa (BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.
Processo administrativo disciplinar. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 52-53).
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da legislação ordinária, o Poder Constituinte houve por bem incluir no Texto da Carta
de 1988 diversos dispositivos veiculadores de garantias às pessoas submetidas à
decisão processual.
Veremos nas linhas seguintes, ainda que de forma um tanto resumida, dadas as
limitações deste escrito, um panorama geral acerca dessas garantias constitucionais.
76
No entender de Nelson Nery Junior, bastaria a Constituição Federal ter previsto o princípio do devido processo
legal (expressão oriunda da inglesa due processo of law), para que daí decorressem todas as consequências
processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer,
o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies (NERY JUNIOR, Nelson.
Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 60).
77
A doutrina atual defende que cláusula do devido processo legal deve ser entendida sob o aspecto material e
processual. Fala-se, portanto, em substantitve due process e procedural due process (NERY JUNIOR, Nelson.
Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 65). O
primeiro, o devido processo legal substantivo, refere-se a normas de direito material que devem ser seguidas por
toda autoridade pública que profere um ato de poder. O segundo é relativo às regras que disciplinam o processo
de produção de atos normativos estatais (sentença, lei e ato administrativo). Assim, o agente deve decidir com
observância tanto do direito processual quanto do direito material, tendo como norte, especialmente, os valores
80 R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017
jurídicos fundamentais albergados pelo Texto Constitucional. Sobre o tema, explica Lúcia Valle Figueiredo que
o due process of law também tem um conteúdo material e não somente formal. Nas palavras da autora, os
processualistas da atualidade entendem que está contido, no ‘due process of law’, conteúdo material. Somente
respeitará o ‘due processo of law a lei – e assim poderá ser aplicada pelo magistrado – se não agredir, não
entrar em confronto, não entrar em testilha, com a Constituição, com seus valores fundamentais (FIGUEIREDO,
Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 443). Imagine a existência de
uma lei que permitisse a prática da tortura para obter confissões do réu e das testemunhas em um processo
penal. A ofensa ao devido processo legal substantivo seria evidente e a lei não poderia ser aplicada pelos
Juízes, posto contrariar frontalmente um valor jurídico introduzido na Constituição Federal, qual seja, a proibição
à tortura e ao tratamento desumano ou degradante (CF, art. 5º, inc. III).
78
Sobre a ampla defesa nos processos administrativos em andamento perante os Tribunais de Contas, vale
ressaltar que a Súmula Vinculante nº 3 do Supremo Tribunal Federal impõe que nos processos perante
o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder
resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da
legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.
79
CPP, Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias,
a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime
e, quando necessário, o rol das testemunhas. A peça inicial do processo criminal (denúncia ou queixa) deve
conter, portanto todos os elementos que permitam ao réu conhecer as acusações que lhe são imputadas e se
defender contra elas.
80
CPP, art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será
qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.
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c) citação do réu (Código de Processo Civil, arts. 238 a 259;81 CPP, arts. 351 a 369);
d) nomeação de defensor dativo para o réu que não tenha constituído advogado (CPP,
art. 263);82 e) nomeação de curador especial ao incapaz que não tenha representante
legal, ao réu preso revel e ao réu citado por edital ou com hora certa, enquanto não
for constituído advogado (CPC, art. 72); f) a possibilidade de empregar na defesa do
réu todos os meios de prova legalmente admitidos.83
Nas leis que regulam o processo administrativo também há várias regras funda-
mentadas no princípio da ampla defesa. Por exemplo, o art. 3º da Lei nº 9.784/99,
que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal,
determina que o administrado tem o direito de: a) ser cientificado da tramitação dos
processos administrativos em que tenha a condição de interessado; b) ter vista dos
autos, obter cópias e documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;
c) formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, que serão objeto
de consideração pelo órgão competente; d) fazer-se assistir, facultativamente, por
advogado, salvo quando for obrigatória a representação, por força de lei. No pro-
cesso administrativo disciplinar, que é instaurado para verificar a responsabilidade
funcional do servidor público, o princípio também prevalece. Por exemplo, a Lei nº
8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico aplicável aos servidores públicos civis
da Administração Federal direta, autárquica e fundacional, assegura ao servidor acu-
sado, o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de pro-
curador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular
quesitos, quando se tratar de prova pericial.84
Decorrência direta do princípio da ampla defesa, o princípio do duplo grau de juris-
dição está previsto de forma implícita na Constituição Federal. O Texto Constitucional
atribui competência recursal a vários órgãos do Poder Judiciário (CF, art. 102, inc.
II; art. 105, inc. II; art. 108, inc. II) e institui expressamente, sob a denominação
81
Prevê o Código de Processo Civil que a citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o
interessado para integrar a relação processual (art. 238) e que, para a validade do processo, é indispensável
a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de
improcedência liminar do pedido (art. 239). A citação é ato processual destinado a garantir que o réu saiba da
existência da ação judicial e que possa se defender das acusações que lhe são imputadas.
82
CPP, art. 263. Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a
todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação.
83
CPC, art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos,
ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a
defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
84
Explica Antonio Carlos Alencar Carvalho que, como o processo administrativo disciplinar envolve a possível
punição de servidor, não se pode convir que a Administração Pública, pretendendo consumar seu intento
prévio de penalizar o acusado, crie instrumentos voltados a dificultar a dialética processual, com vistas e
impedir ou cercear o direito do imputado de produzir provas e contraprovas, de oferecer razões defensórias,
de participação ativa e passiva na atividade instrutória, tudo como meio de o Estado converter o procedimento
(que deveria ser democrático e contraditorial) num instrumento arbitrário e unilateralista (CARVALHO, Antonio
Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos
Tribunais e da casuística da Administração Pública. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 297).
82 R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017
de tribunais, órgãos judiciais de segundo grau (CF, art. 93, inc. III).85 Obviamente,
o Constituinte não introduziria tais previsões se não desejasse garantir, de forma
plena, o exercício do direito de recorrer pela parte interessada.
A norma que garante o direito ao recurso parte da presunção de que o juiz de
primeira instância pode proferir decisão equivocada, que deve ser reformada pelo
Juízo superior. A parte vencida deve ter a chance de ter o seu pedido novamente
analisado por outro julgador, que poderá reformar ou manter a primeira decisão, mas
que, certamente, contribuirá para que a decisão estatal seja tomada dentro do que
prescreve o ordenamento jurídico.
85
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do
Processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 99.
86
Nas palavras de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, o princípio do contraditório exige um diálogo: a alternância
das manifestações das partes interessadas, durante a fase instrutória. A decisão final deve fluir da dialética
processual, o que significa que todas as razões produzidas devem ser sopesadas, especialmente aquelas
apresentadas por quem esteja sendo acusado, direta ou indiretamente, de algo sancionável (FERRAZ, Sérgio;
DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros 2007, pp. 92-93).
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previstas tanto para o processo jurisdicional (CPC, arts. 269 a 275; CPP, arts. 370
a 372) como para o processo administrativo (Lei nº 9.784/99, arts. 26 a 28). Vale
destacar a previsão contida do art. 26, §5º, da Lei nº 9.784/99, que regula o proces-
so administrativo em âmbito federal. De acordo com esse dispositivo, as intimações
serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o compare-
cimento do administrado supre sua falta ou irregularidade. Perceba a importância da
intimação como ato garantidor do contraditório processual: a inobservância das re-
gras relativas à intimação dos interessados pode gerar a nulidade do procedimento.87
Ainda sobre o contraditório no processo administrativo, cumpre destacar a pre-
visão do art. 38 da Lei nº 9.784/99, que permite ao interessado, na fase instrutória
e antes da tomada de decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências
e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo. E o
§1º do mesmo dispositivo prescreve que os elementos probatórios deverão ser con-
siderados na decisão administrativa. Essa é outra faceta do princípio do contraditório:
não basta à autoridade dar oportunidade de manifestação às partes; é necessário
levar em consideração os argumentos apresentados, apresentando expressamente
as razões que levaram à sua desconsideração.
O princípio do contraditório pode ser considerado uma decorrência do princípio
da igualdade, insculpido no art. 5º, caput, da Constituição Federal. O Poder Público
deve tratar igualmente as partes no âmbito do processo, seja jurisdicional ou adminis-
trativo. Assim, os interessados devem ter as mesmas oportunidades de apresentar
suas alegações e contribuir com a autoridade para a justa solução da controvérsia
apresentada.88 Aquele que julga não pode ter convicções preestabelecidas: deve ouvir
e levar em consideração, efetivamente, as alegações das partes, antes de proferir a
decisão que porá fim ao processo.
87
De acordo com o Código de Processo Civil, se anulada a intimação, considerar-se-ão de nenhum efeito todos
os subsequentes que dele dependam, todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras que
dela sejam independentes (CPC, art. 281).
88
Lembra Vicente Greco Filho que o conceito de igualdade processual não é absoluto. Nos dizeres do autor, não
viola o princípio da igualdade o tratamento diferenciado dado a menores e incapazes que têm a assistência
do Ministério Público, à Fazenda Pública, que tem o prazo em dobro para recorrer (...) e o reexame obrigatório
das sentenças que lhe forem desfavoráveis (GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 2002, pp. 63-64). Nas hipóteses indicadas pelo autor, o discrímen legal é convivente com o
princípio da isonomia, presente, conforme lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, uma correlação lógica
entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela
norma jurídica (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São
Paulo: Malheiros, 2008, p. 41).
84 R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017
essa ou aquela parte; o julgador não pode beneficiar de forma ilegítima qualquer um
dos interessados na solução da controvérsia. Não pode haver interesse pessoal por
parte da autoridade que julga no deslinde da questão; caso contrário, ela decidirá de
acordo com seus próprios interesses. Nos processos administrativos não sanciona-
tórios, como a licitação, os interessados também devem ser tratados de forma impar-
cial, isto é, a Administração não pode favorecer ilegalmente esse ou aquele licitante.
Os critérios objetivos de julgamento estabelecidos no edital devem ser fielmente
observados, a fim de que vantagens indevidas não sejam concedidas a qualquer um
dos concorrentes.
A Constituição Federal promove o princípio da imparcialidade do juiz à categoria
de direito fundamental. No art. 5º, inc. XXXVII, prevê que não haverá juízo ou tribunal
de exceção e no inc. LIII do mesmo dispositivo determina que ninguém será proces-
sado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
A proibição da existência de juízo ou tribunal de exceção corresponde ao cha-
mado princípio do juiz natural. De acordo com esse princípio, um órgão julgador não
pode ser criado para a apreciação de controvérsia já ocorrida ou para o julgamento de
alguém que já tenha cometido a infração.89 O surgimento de instância julgadora para
apreciar um fato jurídico já ocorrido afasta a garantia de que a autoridade apreciará
os fatos com isenção: o Juízo ad hoc pode ter sido nomeado exclusivamente para
beneficiar ou para prejudicar de forma ilegítima o réu ou acusado.90
As regras de competência, estabelecidas na Constituição Federal e nas leis pro-
cessuais, também são uma garantia de imparcialidade, na medida em que proíbem
a escolha discricionária da autoridade julgadora depois de ocorrido o fato. Em outras
palavras, o Juízo competente para a apreciação de determinada controvérsia deve ser
definido com base em regras pré-definidas, a fim de que se evite seja direcionado o
caso, de forma arbitrária e casuística, a esse ou àquele magistrado.91
É por essa razão que, proposta a ação judicial, será ela distribuída de forma
automática, por sorteio, a um dos Juízes competentes. Não pode ser indicado um
89
Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho, juiz natural é o Juiz previsto explícita ou implicitamente na
Constituição, instituído previamente por lei para um determinado setor de relações, de fatos ou de pessoas.
Juiz natural é aquele que tem competência ‘ante factum’ (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de
processo penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 62).
90
Pondera Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo que o princípio do juiz natural é uma garantia dos cidadãos, mas é
também uma garantia do próprio juiz¸ que não pode ter uma causa subtraída de sua competência (DAL POZZO,
Antonio Araldo Ferraz. Teoria Geral do novo Processo Civil brasileiro. São Paulo: Contracorrente, 2016, p. 111).
91
Explica Arruda Alvim que a função jurisdicional, poder-função enraizado na própria soberania (art. 2º da CF/1988)
é naturalmente abstrato e que sua concretização se dá por meio da previsão das regras de competência. Pela
competência, atribui-se a função jurisdicional a um ou mais órgãos do Poder Judiciário, o que possibilita àquele
ou àqueles órgãos (quando mais de um órgão for abstratamente competente), com exclusividade, o exercício
desse poder, a partir do momento em que nele se fixe a competência, com a propositura da ação e com a
ocorrência da prevenção (ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 16. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 294).
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017 85
juiz específico para o julgamento, sob pena de ameaça à imparcialidade que deve
caracterizar a atuação do Poder Público.92
As regras de impedimento e suspeição, válidas tanto para o processo juris-
dicional como para o administrativo,93 também são fundamentadas no princípio da
imparcialidade. Autoridades impedidas ou suspeitas não possuem a neutralidade
necessária para decidir com isenção.
92
Entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem imperativa de competências que exclui qualquer alternativa
deferida à discricionariedade de quem quer que seja (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada
Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 76).
93
A Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito federal, prevê que é impedido de atuar
em processo administrativo o servidor ou autoridade que: I – tenha interesse direto ou indireto na matéria;
II – tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações
ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; III – esteja litigando judicial ou
administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro (art. 18).
94
Explica Gilmar Ferreira Mendes que o âmbito de proteção da garantia quanto à inadmissibilidade da prova
ilícita está em estreita conexão com outros direitos e garantias fundamentais, como o direito à intimidade e
à privacidade (art. 5º, inc. X), o direito à inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI), o sigilo de correspondência
e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, XII) e o direito ao sigilo
profissional (CF, art. 5º, XIII e XIV, in fine), ao devido processo legal (art. 5º, LIV) e à proteção judicial efetiva,
entre outros (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 10. ed.
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 548).
86 R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017
Esse diploma legal prevê que a interceptação telefônica somente poderá ser ad-
mitida se houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal e se
for impossível realizar a prova por outros meios. Caso esses requisitos não estiverem
presentes, a prova colhida mediante interceptação será considerada ilícita e deverá
ser desconsiderada. Afinal, repita-se, é ilegítima a prova obtida por meio de ação que
desrespeite direito fundamental do indivíduo. A prova ilícita não serve para formar a
convicção do julgador.95
95
Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno, a prova ilícita ou obtida de forma ilícita deve ser entendida como
não produzida perante o magistrado. Ela não pode ser levada em conta pelo magistrado na formação de sua
convicção (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil. vol. 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 151). O autor pondera, entretanto, que como
a vedação decorre de princípio constitucional, a aparente rigidez desta vedação pode admitir exceções ou
temperamentos consoante as necessidades de cada caso concreto. Assim, por exemplo, não é equivocado o
entendimento de que a prova lícita obtida de forma ilícita pode ser utilizada válida e eficazmente se ela for o
único meio de provar o fato que diga respeito a interesses maiores, à segurança pública, por exemplo, ou se
ela puder beneficiar o acusado (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil:
teoria geral do direito processual civil. vol. 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 151-152).
96
Vale lembrar que a publicidade é princípio da atividade administrativa, conforme art. 37, caput, da Constituição
Federal.
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97
Nesse sentido, o art. 3º, inc. II, da Lei 9.784/99, determina ser direito do administrado ter ciência da tramita-
ção dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias
de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas.
88 R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017
âmbito federal. O art. 2º dessa lei federal arrola a motivação como um dos princípios
da Administração Pública e o seu parágrafo único, inc. VII, determina que, nos pro-
cessos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de indicação dos
pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão. A motivação dos atos
proferidos no decorrer do processo administrativo possibilita o controle de legitimida-
de da atividade administrativa, inclusive o controle popular, realizado pelos cidadãos
em geral, que também podem (e devem) fiscalizar o funcionamento do Estado.98
Assim, por exemplo, os interessados devem saber os motivos pelos quais fo-
ram multados, as razões de sua desclassificação em concurso público para preen-
chimento de cargos ou mesmo os fatos que levaram à sua inabilitação em certame
licitatório. Conhecendo as razões da decisão, poderão exercer seu direito de recurso,
corolário do princípio da ampla defesa, buscando a refirma do ato decisório que lhe
foi desfavorável.
Ainda sobre a motivação no âmbito do processo administrativo, destaca-se o
previsto no art. 93, inc. X, da Carta de 1988. O dispositivo prescreve que as decisões
administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as discipli-
nares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros. Trata-se do exercício
de função administrativa (atípica) pelos órgãos do Poder Judiciário: os atos expedidos
no âmbito dos processos administrativos levados a cabo por esses órgãos devem ser
devidamente motivados, sob pena de nulidade.
98
Sobre o controle popular da Administração, cumpre lembrar que a Constituição Federal prevê a propositura da
ação popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão em defesa da legalidade no trato da coisa pública.
Nessa direção, prevê o art. 5º, inc. LXXIII, da Constituição Federal que qualquer cidadão é parte legítima para
propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado partici-
pe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017 89
Referências
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15. ed.
São Paulo: Verbatim, 2011.
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008.
99
Afirmam Irene Patrícia Nohara e Thiago Marrara que o formalismo moderado que guia o processo administrativo
não pode passar por cima das garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do
contraditório, que são aplicadas integralmente ao âmbito administrativo (NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA,
Thiago. Processo administrativo: Lei nº 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas, 2009, p. 68).
90 R. bras. de Infraestrutura – RBINF | Belo Horizonte, ano 6, n. 12, p. 45-92, jul./dez. 2017
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros,
2008.
BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo. vol. I. 3. ed. São
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BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 5. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1994.
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BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 10. ed.
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BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito
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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,
1998.
CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à
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