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FAMÍLIA

Como educar um teenager sem ficar à beira de um ataque


de nervos
29.10.2009 às 9h00

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Há ferramentas para evitar que a chegada dos filhos à idade adulta se torne um
pesadelo

LUCIANA LEIDERFARB
S
egundo o dicionário da língua portuguesa adolescer significa, nem mais nem menos,
crescer. A definição, parca mas esclarecedora, serve para iniciar um texto sobre
aqueles que adolescem, verbo vindo do latim que aponta para uma das mais difíceis
etapas da vida humana: aquela em que o nosso bebé, o nosso pequeno tesouro, se
transforma nesse ser de calças descaídas e cabelo desgrenhado que ouve música aos berros e
discute mesmo a dormir, cujo rosto (eventualmente cheio de borbulhas) se habituou a um
trejeito de desagrado a cada mínima sugestão que se lhe dirige.

NA PELE DE UM ADULTO
Não, desenganem-se os que pensam que todos os adolescentes são assim. Mas é dado mais ou
menos adquirido que, nesta fase, as mudanças vividas pela criança prestes a tornar-se adulta
conseguem superar as da personagem de Gregorio Samsa na "Metamorfose" de Kafka, que
passa de homem a insecto. Se o nosso bebé não acorda subitamente com o corpo de um insecto
- podemos ficar descansados! -, ele vai sofrer as mais variadas alterações para, um dia,
despertar na pele de um adulto. Vai revoltar-se, embirrar, espernear, opor-se, isolar-se,
correr riscos, exigir, afogar-se num copo de água, achar-se o dono da razão, errar e voltar a
errar. E, no processo, vai testar os pais até à exaustão. Ser pai ou mãe de um adolescente não é
pêra doce. Mas pode ser um fruto menos amargo do que se pensa.

222 PÁGINAS COM DICAS


A prateleira dos livros de auto-ajuda conta agora com um exclusivamente dedicado aos
sofridos e assustados progenitores. Chama-se "Parenting Your Teenager" e fornece, em 222
páginas, algumas dicas úteis para ultrapassar a adolescência dos filhos sem grandes
sobressaltos além dos próprios da idade, e para tornar possível isso que os filhos se negam a
ter agora mais do que em qualquer outra altura da vida: o diálogo. A autora, a britânica Suzie
Hayman - que assina uma trintena de livros, muitos dos quais sobre a adolescência -, não
pretende fazer um tratado sobre esta etapa e as suas características. Antes pressupõe que, por
vezes, os confrontos entre pais e filhos têm origem na desadaptação dos pais, ou melhor, na
persistência destes em continuar a utilizar os padrões de relacionamento vigentes em etapas
anteriores.

NEGOCIAR É IMPORTANTE
Em resumo, e o livro começa com esta afirmação, as crianças são cães, enquanto os
adolescentes são gatos. Ninguém trata um cão da mesma forma que um gato. Insistir em fazê-
lo é mais do que meio caminho andado para o fracasso da comunicação. E, tal como não se
espera de um gato que acate uma ordem, dificilmente o jovem consentirá que os pais o
controlem ou lhe imponham regras rígidas. Aos pais, habituados a ter o controlo das situações,
requer-se que incorporem no seu vocabulário algumas palavras essenciais: negociação, mútuo
consentimento, acordo. "O que funciona com uma criança pode não ser apropriado para lidar
com um adolescente. Estes precisam e respondem melhor à comunicação e à negociação do
que à supervisão e à orientação", escreve Hayman.
Ora, para comunicar com um adolescente são necessárias ferramentas específicas, que os pais
podem e devem encontrar dentro de si próprios. Uma delas é saber ouvi-lo, ter a capacidade de
não o julgar mal ele acaba uma frase, não colocar-se como exemplo do género "eu já passei
por isto", não desvalorizar o que diz, não estar distraído quando o faz. Sobretudo, não
desperdiçar uma oportunidade de conversa com ele, seja curta ou extensa, porque "não se tem
tempo" ou porque se considera o assunto irrelevante. O conceito de "escuta activa" (e
reflexiva) é o indicado para interagir com um jovem que, mais do que procurar que lhe dêem
soluções, quer encontrá-las por si mesmo.
O psiquiatra Daniel Sampaio, que no livro "Lavrar o Mar" também trata dos problemas dos
adolescentes da perspectiva dos pais, explica que é demasiado habitual os adultos não
ouvirem. E diz que a chamada escuta activa consiste em "ir reformulando e pondo questões,
que obrigam o adolescente a reflectir". "O pensamento do adolescente é muito rápido",
comenta Sampaio, "é um 'pensamento agido', é como se ele estivesse a actuar com o
pensamento, sem reflectir". Pedir mais informação, sugerir que se volte a falar daqui a cinco
ou dez minutos, mudar o contexto da conversa - do quarto para a cozinha ou de casa para o
café - e surpreendê-los, sempre que possível, com o conteúdo das respostas são alguns dos
'truques' que podem contribuir para evitar o braço-de-ferro, uma situação estanque só
ultrapassável se um dos intervenientes abdicar do seu ponto de vista.

O QUE ESTÁ POR TRÁS DA ATITUDE


Claro que o adolescente irá esticar a corda até ao limite - e fá-lo-á em nome do direito a
descobrir quem é. O seu processo de crescimento alimenta-se inevitavelmente da oposição. Ele
precisa de desprender-se, de separar-se, de encontrar-se, e todo o seu comportamento estará
para aí orientado. Os pais, enquanto alvo principal, terão de lhe estabelecer limites, mas é
importante que o façam distinguindo o comportamento da pessoa. "Se eu disser 'tu és mau,
não prestas, chegaste tarde a casa, és um mau filho', estou a atacar a pessoa. Se eu disser 'tu
fizeste uma coisa de que eu não gostei, não o devias ter feito', estou a comentar apenas o
comportamento", exemplifica Daniel Sampaio, acrescentando que os ataques pessoais têm
consequências duradouras a nível da auto-estima e da segurança afectiva.

O importante é compreender que os comportamentos não nascem do nada, mas são a ponta do
icebergue de uma complexa engrenagem que assenta em sentimentos e necessidades. Para
Suzie Hayman, "todo o comportamento é uma forma de obter o que se precisa". Não se trata,
portanto, de "tentar mudar" a forma como o jovem adulto age. Mas de perguntar-se o que é
que está por trás da sua atitude, que necessidades a impulsionam, que sentimentos a
desencadeiam. "O que subjaz o comportamento é muitas vezes necessidade de atenção, de
aceitação, de apreço e de independência", garante Hayman. Mas que fazer? "Uma boa maneira
de lidar com o conflito é agir, não reagir." Ensinar o filho a expressar as suas emoções e a
compreender os seus anseios. Faz toda a diferença: uma vez percebido o que o origina, o (mau)
comportamento deixa de fazer sentido - pelo menos durante algum tempo.

PROBLEMAS COMEÇAM NA INFÂNCIA


Há, porém, um 'pormenor' a ter em atenção: que as dificuldades da adolescência se iniciam na
infância. "É muito raro, é mesmo excepcional que os problemas comecem na adolescência",
salienta Daniel Sampaio. Para o psiquiatra, quando um jovem persiste nos comportamentos de
risco e aumenta a sua frequência, pode-se qualificar de 'problemático'. Mas por trás desse
jovem haverá sempre uns pais que obedecem a um de dois estilos educativos: permissivo, que
origina jovens tremendamente exigentes e ditadores; e repressivo, que acaba por gerar
adolescentes agressivos e desafiadores.

Em geral, trata-se de não perder o pé. De exercer a dúplice e contraditória tarefa de dar
autonomia sem deixar de controlar. De traçar fronteiras e permitir a liberdade dentro delas. De
transmitir que há coisas que não são negociáveis. De exercer a atenção e a contenção. O
adolescente, por regra, nunca estará satisfeito. Lembra Daniel Sampaio: "Uma vez um jovem
deu-me uma definição de adolescência de que eu gosto muito. Disse-me: 'A adolescência é
pedir tudo e ficar com aquilo que os pais dão'."

Texto publicado na edição da Revista Única de 24 de Outubro de 2009

Palavras-chave

COMUNICAR PSICOLOGIA ADOLESCENTES FILHOS PAIS RELAÇÕES IDADE ADULTA CRESCER

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