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FAMÍLIA
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Há ferramentas para evitar que a chegada dos filhos à idade adulta se torne um
pesadelo
LUCIANA LEIDERFARB
S
egundo o dicionário da língua portuguesa adolescer significa, nem mais nem menos,
crescer. A definição, parca mas esclarecedora, serve para iniciar um texto sobre
aqueles que adolescem, verbo vindo do latim que aponta para uma das mais difíceis
etapas da vida humana: aquela em que o nosso bebé, o nosso pequeno tesouro, se
transforma nesse ser de calças descaídas e cabelo desgrenhado que ouve música aos berros e
discute mesmo a dormir, cujo rosto (eventualmente cheio de borbulhas) se habituou a um
trejeito de desagrado a cada mínima sugestão que se lhe dirige.
NA PELE DE UM ADULTO
Não, desenganem-se os que pensam que todos os adolescentes são assim. Mas é dado mais ou
menos adquirido que, nesta fase, as mudanças vividas pela criança prestes a tornar-se adulta
conseguem superar as da personagem de Gregorio Samsa na "Metamorfose" de Kafka, que
passa de homem a insecto. Se o nosso bebé não acorda subitamente com o corpo de um insecto
- podemos ficar descansados! -, ele vai sofrer as mais variadas alterações para, um dia,
despertar na pele de um adulto. Vai revoltar-se, embirrar, espernear, opor-se, isolar-se,
correr riscos, exigir, afogar-se num copo de água, achar-se o dono da razão, errar e voltar a
errar. E, no processo, vai testar os pais até à exaustão. Ser pai ou mãe de um adolescente não é
pêra doce. Mas pode ser um fruto menos amargo do que se pensa.
NEGOCIAR É IMPORTANTE
Em resumo, e o livro começa com esta afirmação, as crianças são cães, enquanto os
adolescentes são gatos. Ninguém trata um cão da mesma forma que um gato. Insistir em fazê-
lo é mais do que meio caminho andado para o fracasso da comunicação. E, tal como não se
espera de um gato que acate uma ordem, dificilmente o jovem consentirá que os pais o
controlem ou lhe imponham regras rígidas. Aos pais, habituados a ter o controlo das situações,
requer-se que incorporem no seu vocabulário algumas palavras essenciais: negociação, mútuo
consentimento, acordo. "O que funciona com uma criança pode não ser apropriado para lidar
com um adolescente. Estes precisam e respondem melhor à comunicação e à negociação do
que à supervisão e à orientação", escreve Hayman.
Ora, para comunicar com um adolescente são necessárias ferramentas específicas, que os pais
podem e devem encontrar dentro de si próprios. Uma delas é saber ouvi-lo, ter a capacidade de
não o julgar mal ele acaba uma frase, não colocar-se como exemplo do género "eu já passei
por isto", não desvalorizar o que diz, não estar distraído quando o faz. Sobretudo, não
desperdiçar uma oportunidade de conversa com ele, seja curta ou extensa, porque "não se tem
tempo" ou porque se considera o assunto irrelevante. O conceito de "escuta activa" (e
reflexiva) é o indicado para interagir com um jovem que, mais do que procurar que lhe dêem
soluções, quer encontrá-las por si mesmo.
O psiquiatra Daniel Sampaio, que no livro "Lavrar o Mar" também trata dos problemas dos
adolescentes da perspectiva dos pais, explica que é demasiado habitual os adultos não
ouvirem. E diz que a chamada escuta activa consiste em "ir reformulando e pondo questões,
que obrigam o adolescente a reflectir". "O pensamento do adolescente é muito rápido",
comenta Sampaio, "é um 'pensamento agido', é como se ele estivesse a actuar com o
pensamento, sem reflectir". Pedir mais informação, sugerir que se volte a falar daqui a cinco
ou dez minutos, mudar o contexto da conversa - do quarto para a cozinha ou de casa para o
café - e surpreendê-los, sempre que possível, com o conteúdo das respostas são alguns dos
'truques' que podem contribuir para evitar o braço-de-ferro, uma situação estanque só
ultrapassável se um dos intervenientes abdicar do seu ponto de vista.
O importante é compreender que os comportamentos não nascem do nada, mas são a ponta do
icebergue de uma complexa engrenagem que assenta em sentimentos e necessidades. Para
Suzie Hayman, "todo o comportamento é uma forma de obter o que se precisa". Não se trata,
portanto, de "tentar mudar" a forma como o jovem adulto age. Mas de perguntar-se o que é
que está por trás da sua atitude, que necessidades a impulsionam, que sentimentos a
desencadeiam. "O que subjaz o comportamento é muitas vezes necessidade de atenção, de
aceitação, de apreço e de independência", garante Hayman. Mas que fazer? "Uma boa maneira
de lidar com o conflito é agir, não reagir." Ensinar o filho a expressar as suas emoções e a
compreender os seus anseios. Faz toda a diferença: uma vez percebido o que o origina, o (mau)
comportamento deixa de fazer sentido - pelo menos durante algum tempo.
Em geral, trata-se de não perder o pé. De exercer a dúplice e contraditória tarefa de dar
autonomia sem deixar de controlar. De traçar fronteiras e permitir a liberdade dentro delas. De
transmitir que há coisas que não são negociáveis. De exercer a atenção e a contenção. O
adolescente, por regra, nunca estará satisfeito. Lembra Daniel Sampaio: "Uma vez um jovem
deu-me uma definição de adolescência de que eu gosto muito. Disse-me: 'A adolescência é
pedir tudo e ficar com aquilo que os pais dão'."
Palavras-chave
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