Você está na página 1de 4

Psychê

ISSN: 1415-1138
clinica@psycheweb.com.br
Universidade São Marcos
Brasil

Ribeiro Carvalho, Paulo Cesar de


Reseña de "O cálculo neurótico do gozo" de Christian Ingo Lenz Dunker
Psychê, vol. VI, núm. 10, 2002, pp. 216-218
Universidade São Marcos
São Paulo, Brasil

Disponible en: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=30701016

Cómo citar el artículo


Número completo
Sistema de Información Científica
Más información del artículo Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal
Página de la revista en redalyc.org Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto
DUNKER, Christian Ingo Lenz. O cálculo neurótico do gozo.
São Paulo: Escuta, 2002. 232 p. ISBN 8571371938.

e é verdade, como afirma Christian Du- teórico relacionado com o conceito de gozo
S nker na introdução de seu livro, que um
certo conjunto de práticas discursivas le-
em Psicanálise.
A primeira das três partes em que se
varam ao esgotamento da criatividade con- divide o livro começa com uma abordagem
ceitual na tradição psicanalítica inaugura- muito precisa do problema dos conceitos
da por Lacan, o uso e o abuso do conceito econômicos de Freud a Lacan. As variações
de gozo nos escritos e, principalmente, nas de intensidade que permeiam toda a lógica
comunicações verbais entre psicanalistas econômica da metapsicologia freudiana
lacanianos deve, certamente, responder por ganham uma consistência diferente ao se-
uma boa parte desse esgotamento e do fe- rem relacionadas com o apego e o valor que
chamento da interlocução científica que o o sintoma adquire para o sujeito e que se
acompanha. De fato, expressões como “bar- torna visível por meio dos mecanismos que
rar o gozo”, “mais-de-gozar” e “gozar com ele utiliza para preservar o que aparente-
o sintoma”, entre outras, tornaram-se, nos mente não lhe serve para nada. É justamen-
meios não-lacanianos, motivos de pilhéria, te o caráter paradoxal do sofrimento neu-
ao serem mencionadas como “recurso teó- rótico – sua capacidade de revelar o “pra-
rico” cada vez que se apresentava uma di- zer do desprazer” ou a existência de uma
ficuldade de traduzir conceitualmente al- “aversão desejante” – que aproximam as
gum fenômeno clínico. Não é, portanto, de transformações de intensidade do sintoma,
pouca importância a explicitação, nos pa- tão decisivas na clínica, daquilo que ultra-
rágrafos introdutórios de O cálculo neuró- passa a lógica estritamente qualitativa do
tico do gozo, do compromisso de seu autor significante, vindo situar-se no domínio do
não só com uma abordagem que não culti- Real e de seu principal correlato clínico, ou
ve o horror de ser compreendido, mas tam- seja, o gozo.
bém com um retorno ao texto de Freud que A abordagem do problema econômico
não vise fazê-lo “confessar apenas o que serve de introdução à exposição das raízes
interessava comprovar como já sabido” e da noção de gozo em Lacan. A separação,
com “uma abertura aos interessantes avan- proposta por Christian Dunker, de quatro
ços da Psicanálise não lacaniana”. Quando matrizes temáticas, nas quais se desenvol-
somamos a isso a notável capacidade de- ve o conceito lacaniano de gozo, pratica-
monstrada por Christian Dunker de entre- mente impõe uma comparação com “os seis
laçar a teoria com a clínica, podemos ter paradigmas do gozo” propostos por Miller.
uma idéia da força de seu livro e do efeito Sobre isso, limitar-nos-emos a assinalar que
de esclarecimento, no melhor sentido des- a leitura das seções “O gozo na matriz lin-
te termo, que ele produz em todo o campo güística” e “O gozo na matriz lógico-for-

Psychê — Ano VI — nº 10 — São Paulo — 2002 — p. 216-218


Resenhas | 217

mal”, para citar apenas as duas que nos insere O cálculo neurótico do gozo, vincu-
pareceram as mais instrutivas, certamen- la-se à possibilidade de “utilizar o que a
te contribuirá para tornar o conhecido tex- teoria do gozo traz de novo para compre-
to de Miller mais compreensível. ender o que a noção de estrutura clínica
Dois momentos particularmente ricos deixava de lado, a saber: variações sinto-
da primeira parte do livro merecem ainda máticas, tipos clínicos refratários ao trata-
ser destacados. Um deles é o capítulo de- mento clássico e formas de apresentação
dicado às modulações do gozo em um caso do sofrimento psíquico distintas das tradi-
de histeria e o outro refere-se aos comen- cionais”. Eis aí a forma particular e origi-
tários apresentados na conclusão do capí- nal de filiação do trabalho de Christian
tulo sobre a dimensão quantitativa na Dunker com o que se convencionou cha-
psicopatologia psicanalítica. mar a segunda clínica lacaniana.
Sobre o caso de histeria, assinalare- A segunda parte do livro, intitulada
mos apenas que ele é extremamente bem- “Da estrutura ao sintoma”, aprofunda a
sucedido em sua proposta de ilustrar o cál- discussão sobre a neurose como estrutura
culo neurótico do gozo. A apresentação cla- e a neurose como fenômeno psicopatológi-
ra e inteligente do efeito de uma estraté- co. Nessa parte, mais do que nas outras, a
gia de condução do caso na precipitação de disposição do autor em fazer contrastar o
uma “crise de gozo” e na caracterização pensamento em termos de estrutura com
dessa crise como um momento fecundo do certas posições teóricas e clínicas susten-
tratamento é um excelente exemplo do lu- tadas por Freud se faz sentir. Ao abordar,
gar privilegiado que a clínica ocupa ao lon- por exemplo, a questão do desencadeamen-
go de todo o livro. to da neurose, Dunker é incisivo ao mos-
Quanto ao segundo ponto menciona- trar a importância atribuída por Freud aos
do, não poderíamos deixar de chamar a fatores que precipitam o surgimento do sin-
atenção para uma constatação que nos pa- toma neurótico, fato que sugere uma apa-
rece fundamental para situar o livro de rente incompatibilidade da teoria freudia-
Christian Dunker relativamente à mais re- na com a concepção de estrutura clínica.
cente orientação teórico-clínica da Psica- Isso não impede, no entanto, que a possi-
nálise lacaniana. Tomando como ponto de bilidade de solução dessa aparente incom-
partida a discussão sobre alguns critérios patibilidade pela consideração da relação
que devem pautar a construção de uma entre o falo e o objeto a seja apresentada
psicopatologia psicanalítica, Dunker chega de forma clara e convincente.
à seguinte conclusão: a migração do inte- A terceira parte, inteiramente dedica-
resse teórico de Lacan do desejo para o da aos quadros clínicos, elege categorias
gozo, embora tenha acarretado mudanças psicopatológicas freqüentemente mencio-
significativas na abordagem das psicoses, nadas na literatura psicanalítica, mas ra-
da feminilidade e da clínica com crianças, ramente descritas e comentadas de forma
não produziu a devida revisão no plano das detalhada. Tomando o gozo como referên-
neuroses, que permaneceu, portanto, mui- cia principal, o autor consegue extrair idéias
to mais ligado à doutrina original do que interessantes e inovadoras de temas apa-
esses outros setores. Na visão do autor, essa rentemente áridos, tais como as neuroses
revisão passa por dois movimentos possí- de caráter, de destino, traumáticas e atu-
veis. Um deles implica retrabalhar a noção ais. Nessa parte, as muitas referências a
clássica de estruturas. O outro, no qual se autores não-lacanianos contribuem deci-

Psychê — Ano VI — nº 10 — São Paulo — 2002 — p. 216-218


218 | Resenhas

sivamente na tarefa de tornar instigante o Ao lado de todos os méritos que fazem


estudo dessas categorias que tendem a ser de O cálculo neurótico do gozo um livro que
relegadas à periferia da Psicopatologia. deverá se tornar uma referência extrema-
O último capítulo do livro, intitulado mente importante para todos os que se inte-
“Além do cálculo: a suplência”, produz um ressam pelos avanços da clínica psicanalíti-
importante efeito de desestabilização no lei- ca, não podemos deixar de assinalar um as-
tor que, após tantas evidências da utilida- pecto que, embora nos pareça relevante, cer-
de clínica do cálculo neurótico do gozo, ten- tamente não diminui em nada o interesse e a
derá, naturalmente, a querer dele se apro- utilidade da obra. Trata-se do pequeno espa-
priar de uma forma utilitarista. A suplên- ço reservado ao sexual em um livro em que
cia se apresenta, então, como uma indica- todo o destaque é concedido aos aspectos
ção dos limites do cálculo e da necessidade quantitativos do funcionamento psíquico e
de ir além. Nesse capítulo, uma curta refe- que leva em conta, dando-lhes a devida im-
rência à “lógica da suplementaridade” pro- portância, noções como trauma, libido e de-
posta por Derrida é muito rapidamente en- fesa. Não seria este um desdobramento pos-
cadeada à noção lacaniana de suplência, sível das idéias apresentadas por Dunker:
deixando o leitor menos avisado sobre a aproximar o gozo do sexual, superando, as-
crítica derridiana do pensamento de Lacan sim, o confinamento deste último nos limites
com a impressão de uma proximidade en- estreitos da lógica do significante?
tre as duas teorias que, embora nos pareça
Paulo Cesar de Carvalho Ribeiro
possível e altamente fértil no que tange a
esses aspectos específicos, deve ser traba- Doutor em Psicanálise (Universidade Paris VII); Pro-
lhada de forma bastante criteriosa, o que fessor do Curso de Especialização em Teoria Psica-
naturalmente não é – e não poderia ser – o nalítica e Mestrado em Psicologia UFMG; autor de
O problema da identificação em Freud, Escuta, 2000.
propósito de Christian Dunker nesse mo-
mento de conclusão de seu livro. e-mail: icaro.bhz@zaz.com.br

Psychê — Ano VI — nº 10 — São Paulo — 2002 — p. 216-218

Você também pode gostar