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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Trabalho de Antropologia

ASPECTOS TEÓRICOS DA
INTERCESSÃO
DIREITO/FILOSOFIA EM:
“PATERNIDADE BRASILEIRA NA
ERA DO DNA:
A CERTEZA QUE PARIU A DÚVIDA”

BERNARDO ORNELAS DIAS

EDNA MARIA MENESES VIANA CASTRO

FERNANDO RIBAS ARAÚJO

GABRIEL RODRIGUES BELO

JULIANA DE DEUS NEVES

MARIA INÁCIA BRITO CALDEIRA DE CARVALHO

RAFAEL FRASSON CECATO CABRAL

Belo Horizonte

Maio/2011
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APRESENTAÇÃO

Este trabalho tem por objetivo apresentar os relatos do grupo acerca do texto
“Paternidade brasileira na era do DNA: a certeza que pariu a dúvida”, de Cláudia Fonseca. O
resumo que se seguirá tem por objetivo expor as impressões do grupo sobre o texto acima
mencionado, buscando salientar as relações existentes entre o tema antropológico e o Direito.

O advento do exame de DNA dentre as tecnologias biomédicas suscitou questões e


controvérsias que em muito ultrapassam a esfera da ciência do diagnóstico. Mais do que uma
ferramenta restrita aos consultórios médicos, a precisão do teste de DNA gerou comoção geral
da população, e o seu uso se banalizou como método de tirar dúvidas sobre filiação dentro dos
lares brasileiros.

A democratização do exame gerou contendas sociais e antropológicas na sociedade


brasileira, atingindo naturalmente a esfera do Direito. As estruturas familiares sofrem
inevitável alteração com um resultado de exame que prove a não-paternidade de um pai sobre
o filho por este assumido, e, para que não se instaure um caos de abandonos, o Direito
familiar deve intervir.

Como veremos no resumo que se segue, as conseqüências geradas pelo advento do


exame de DNA na sociedade brasileira são muitas, e as formas como os brasileiros reagem a
seus resultados ou se utilizam deles também.
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TECNOLOGIA, GÊNERO E CONTEXTO

O artigo busca documentar o teste de DNA, principalmente na questão da paternidade,


no Brasil e seus reflexos na sociedade brasileira. A autora demonstra que o teste de DNA em
outros países não é tão popular e nem é utilizado da forma como é no Brasil. Aqui, segundo a
autora, o teste tem uma importância exagerada atribuída e não é de interesse dela dizer o
porquê disso, mas sim, demonstrar como tal teste não tem o mesmo impacto em todos os
lugares. Os seus usos são variados e, diferentemente de como se imagina, em muitos casos o
seu resultado não é libertador.
Entrando em outro tema do assunto, desde a metade do século passado, novas formas
de tecnologia reprodutiva mudaram a conceituação ocidental de família. A pílula
contraceptiva e a fertilização in- vitro são exemplos.
As disputas legais de paternidade, segundo a autora, são um campo interessante para o
estudo social para se ter noções de filiação e pertencimento familiar. Os avanços tecnológicos
foram modificando tais entendimentos. Porém é difícil dizer como cada situação deve ser
resolvida, pois cada contexto é complexo e traz contradições. Assim como foi no caso de
Capitu, na obra Dom Casmurro de Machado de Assis, um romance constituído de uma
história de ciúmes que surgiu de uma vaga dúvida e que, nos dias de hoje, não faria mais
sentido, uma vez que a dúvida poderia ser confirmada ou não através do teste de DNA.
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CRIANDO UM PRODUTO DE CONSUMO POPULAR

Partindo da referencia ao romance Dom Casmurro, a autora questiona se os


personagens se utilizariam do teste de DNA para acabarem com as dúvidas em relação ao
verdadeiro pai do filho de Capitu, mencionando que o consumo de um determinado serviço ou
produto é resultado de fatores como publicidade, acessibilidade e a percepção dessa
tecnologia como capaz de solucionar algum problema. No Brasil, o marketing teria sido
realizado pela mídia e pela comunidade científica.
Logo em seguida, são mencionados legisladores que, por acreditarem (ou darem a
entender que acreditam) que "bastaria pôr um homem na família dessas crianças para sanar a
maioria dos problemas sociais e econômicos da nação" e influenciados pelos cientistas,
passam a ver no teste de DNA uma eficaz ferramenta para reduzir a pobreza de tantas famílias
brasileiras. Para a autora, é irônico que, num país onde há uma falta de verbas para estender o
alcance do saneamento básico e da saúde, tantos políticos se dediquem a garantir o direito
universal ao teste genético de paternidade.
Esse teste não é barato e tornou-se, portanto, muito lucrativo para as empresas do
setor. Os estados passaram a destinar verbas milionárias para os testes, o que levou
laboratórios privados a disputarem contratos com os públicos, no estado de São Paulo. No Rio
Grande do Sul, o governo realizou uma parceria com a Universidade Federal para que ela
entregasse testes a um custo ligeiramente menor que o do mercado. É ressaltada, ainda, a
grande demanda por tais exames, que registram filas de espera de até vinte meses.
No próximo parágrafo, é relatada a evolução das leis de paternidade do Brasil durante
o último século. Alguns direitos foram conquistados na primeira metade do século passado
pelos filhos "ilegítimos", como o reconhecimento da paternidade e o direito à herança. Porém
esses direitos percorreriam um longo caminho, passando do direito à meia herança para a
herança completa quando registrado em testamento e, finalmente, para direitos iguais entre
todas as crianças, independente de serem frutos de relações extra-conjugais ou não. Além
disso, foram decretadas a assistência pública para investigações em casos de pais relutantes e
a remoção das alcunhas de "legítimos" e "ilegítimos" na certidão de nascimento, consideradas
discriminatórias.
A autora termina esta seção constatando que o impacto das leis depende do seu
contexto, e que se deve questionar se essas leis realmente beneficiam as mulheres e crianças e
se o teste funciona contra ou a favor delas.
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A PESQUISA DE CAMPO

A autora Cláudia Fonseca, na sua pesquisa de campo, se concentrou no


acompanhamento dos processos legais de paternidade em Porto Alegre. Ela seguiu os usuários
do sistema público até a sala de coleta de sangue do Tribunal de Justiça até as sentenças finais
dadas pela Vara de Família.
Em pesquisa no serviço médico jurídico, a autora notou a presença de mulheres de
vários cantos do estado com seus filhos, escoltadas por assistentes sociais, advogados e em
certos casos, seus companheiros. A autora caracteriza a sala de espera como uma creche.
Nela, encontram-se também os supostos pais das crianças em questão, que se mostram pouco
à vontade. “É como se tivessem vergonha”, comenta a recepcionista do local.
O clima nessas salas de espera, como relata a autora, é de tensão e pressão, uma vez
que a maioria das mulheres que ali comparecem com seus companheiros buscam deles extrair
o cumprimento de suas obrigações familiares. Porém, tais casos muitas vezes não chegam a
serem julgados e são arquivados na falta da localização do pai, caso este em que o exame de
DNA nem chega a ser realizado.
Também é válido observar que o impacto das novas tecnologias, tais qual o exame de
DNA, já atingem às classes mais baixas, e também já chegaram às cidades interioranas.
A autora também ressalta que, de acordo com a sua pesquisa, os casos relatados
possuem caráter eminentemente social, e não biológico, pois o âmbito da questão é a relação
que o homem tem com a mãe da criança. O sangue conta sim – afirma a autora – uma prova
disso é o fato de mesmo a “paternidade social” é calçada na crença de uma relação biológica.
Para finalizar o tópico, a autora também relata os casos dos pais que rejeitam relações
com os filhos por falta de afinidade com a esposa, e também os casos contrários, em que
padrastos assumem o status paterno mesmo cientes da inexistência de laços biológicos com a
criança, em nome da boa relação com a esposa.
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PAIS/PADRASTOS NA ADOÇÃO À BRASILEIRA

A autora aqui salienta uma nova relação familiar que se estabelece tipicamente no
Brasil, a chamada “adoção à brasileira”. Tal adoção se dá quando, visando a marcar a aliança
com a mulher sem a realização de casamento formal, o homem assume a paternidade de seus
filhos, mesmo cônscio de que as crianças são fruto de um relacionamento anterior de sua nova
cônjugue.
Esse procedimento, embora bastante comum, é ilegal segundo as normas jurídicas
brasileiras. É caracterizado como ‘falsidade ideológica’, e é também passível de multa e
prisão. Entretanto, não se observam punições para a “adoção à brasileira” no Brasil, muito
pelo contrário, essa atitude é caracterizada como “nobreza de espírito” praticada pelos
padrastos.
Porém, como os padrastos brasileiros tendem a efetuar a adoção de forma ilegal e no
afã de se unirem rapidamente com a mulher, são encontrados sérios problemas quando a união
entre essas partes é desfeita, ou seja, quando o casamento acaba. A legislação brasileira é
clara quando afirma que, uma vez que o padrasto assume seu enteado como filho, tendo
conhecimento de que este não o é, esse laço não poderá ser desfeito no caso de separação da
mãe da criança.
Em suma, essa paternidade não é revogável, a menos que o verdadeiro pai da criança
compareça à defensoria junto do pai adotivo para assumir o filho. Em contrapartida, observa-
se uma facilidade muito maior no que concerne à contestação da paternidade. Com o advento
do preciso exame de DNA, até mesmo o Código Civil brasileiro foi alterado, passando agora a
ser mais permissivo quanto à contestação da paternidade dos filhos tidos durante o casamento.
Pelo Código Civil de 2002 não há mais as tradicionais restrições à contestação da
paternidade, não necessitando o pai em dúvida provar impotência ou se preocupar com os
prazos legais para trazer a questão que o aflige à tona. Como afirma um juiz do STF ao
sentenciar um caso de paternidade, “não há como interpretar-se uma disposição, ignorando as
profundas modificações por que passou a sociedade, desprezando os avanços da ciência”.
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DÚVIDAS DOS EX-COMPANHEIROS

A autora começa relatando a história de João Vítor, que, após 8 anos de casamento,
separou-se da mulher e queria “tirar uma dúvida” sobre a paternidade da filha, já com quase 6
anos. Segundo ele, não fará diferença qual for o resultado, vai continuar como está com a
filha, mas desejava tirar a duvida que tanto o consumia.
Ela usa esse caso para explicar que esse ou outros casos do mesmo tipo não vão além
da Defensoria, pois, segundo os defensores, explicando para homens descasados que “seria
difícil” o juiz acatar esse tipo de negatório sem que houvesse outro “pai” pronto para assumir
seu lugar na certidão. De fato, João Vitor conseguiu apenas um encaminhamento para a Santa
Casa, onde teria que pagar R$ 160,00 para realizar um exame menos preciso.
Segundo a autora, muitas das petições iniciadas por mulheres são histórias
semelhantes a de João Vítor: falam de homens que, apesar de terem vivido durante longos
anos com uma companheira, questionam a paternidade dos filhos que criaram. A diferença é
que João Vítor era legalmente casado com sua mulher e, assim, era automaticamente o pai
presumido de sua filha. No caso de 20% da população que vive em união consensual, a
filiação paterna não é automática; deve ser voluntariamente declarada pelo pai - o que
significa, na prática, que a paternidade depende do poder de persuasão da mulher.
Mesmo em situações em que o homem está realmente a ponto de assumir o filho, as
pessoas ainda chegam diante do poder público com a mesma demanda: "Se tiver direito [ao
teste], eu quero". Em resposta à demanda desses indivíduos os operadores das varas de família
tendem a conceder assistência jurídica gratuita com bastante facilidade. Agindo sem dívida
com espírito democrático e querendo garantir direitos iguais a todos que chegaram até esse
ponto, é raro que neguem o pedido por um exame pago pelo Estado.
Ao que tudo indica, quando se trata de estabelecer um vínculo paterno legal para uma
criança que até então não tinha nenhum, já virou quase rotina mandar fazer o teste de DNA.
Existe uma aceitação tácita da “normalidade” de o homem exigir esse “direito”, deixando a
ciência decidir os fatos, antes de ele assumir um compromisso tão sério.
Contudo, o poder público não trata todas as demandas da mesma forma. Como a
autora mostra no caso de João Vítor, mesmo se tecnicamente a lei favorece a contestação do
homem casado, de fato o sistema judiciário aciona mecanismos para desencorajar esses
homens, obrigando a grande maioria deles a pagar o preço do teste de DNA em um
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laboratório particular. É só depois de eles voltarem com resultado negativo que os defensores
acatam sua demanda, ajuizando o processo e mandando-o para o Fórum.
É nesse momento que é invocada, ao lado do “direito de a criança saber”, a “hipótese
de erro”. Contrariamente à questão de “falsidade”, “a hipótese de erro” diz respeito a casos
em que o homem 'errou' em boa consciência - subentendendo-se que foi enganado pela
mulher.
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OLHARES CRUZADOS SOBRE PARENTESCO E PATERNIDADE NA ÉPOCA
CONTEMPORÂNEA

Os avanços tecnológicos na medicina do final do século XX contribuíram


expressamente para as transformações sociais de agora. A popularização da pílula
anticonceptiva e as novas formas de concepção revolucionaram a ideia de reprodução e de
sexualidade.

Hoje é possível “duas mulheres (uma com o óvulo da outra implantado no seu útero)
serem parceiras na procriação de um filho. Hoje, com a maternidade assistida, uma mulher
pode ser mãe de sua própria irmã. E com as cirurgias transexuais as autoridades estatais estão
procurando maneiras para classificar aquele pai que passou a ter um sexo feminino legal.” Ou
seja, a ciência passou a sofrer grandes interferências humanas e deixou de ser algo anterior, ou
externa à cultura. Porém, a ideia de parentesco, de laços sanguíneos continua forte como pode
ser observado na certeza assumida após o resultado de um exame científico, o DNA.

A partir dessas transformações, os antropólogos passaram a modificar as concepções


de família, que até então eram puramente genealógicas. Com isso, as origens genéticas
passam a ser um interesse secundário, pois esta já não é mais a única forma que define a
relação de parentesco como é citado, entre outros, o caso dos “Piró da Amazônia, em que o
vínculo de parentesco é constituído no ato de alimentar a criança. Do ponto de vista dos Piró,
é a memória do processo alimentício que informa a definição de vínculos.”

Apesar disso, o exame de DNA vem sendo usado como uma ferramenta para a
legitimação de parentescos, sendo que essa legitimação é puramente judicial. O que acaba
tornando paradoxal tal situação, pois a relação de parentesco é uma relação social e não
científica. “Em outras palavras, a tecnologia está mudando as premissas das relações
familiares e assim aumentando a dúvida que pretende sanar.”

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