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depois de algumas páginas

minhas mãos superam o bloqueio


tateiam a poesia crua,
não existe mais ninguém.

por isto a minha lingua fica amarga , mas não morta

nenhuma nudez será castigada

luana é uma alcoólatra agora.


e seu rosto tem aquela expressão dura de pessoas que flertam com cocaína e solidão.
e eu fico triste porque ela é tão linda e tão doce.
agora ela deve estar escutando maysa, sozinha em casa buscando a "magia" e o amor
que tanto almeja através da garrafa de martini.
luana diz que deus é o homem que morde sua nuca numa noite de sorte.
luana chora abraçada a garrafa.
ela sabe
que
"primeiro, o amor
depois, o desencanto
e o resto de nossas vidas"
ela sabe que o amor é o lembrete da beleza que frequentemente acompanha a destruição
ela foi empurrada até a beira da solidão e caiu
quando escalou de volta percebeu que o seu mundo nunca mais seria o mesmo

sim, os olhos do abismo são castanhos,


na sua dor eu me reconheço.
você de inchados pés
arranca de mim o que é mais precioso e doce.
o que é mais divino e víscera.
desliza por minhas coxas o seu sacro bastão.
flores, escudos, espessas ternuras.
sim, o homem é um adágio.
um rio corrente que rasteja e morde.
deus não é o perigo.
o perigo é nascer. parir. carregar óvulos. útero.
ser anônima. inquieta. inatingível.
arder.
depois murchar. repleta de memória e céu.
sim, o mundo é um terreno minado.
e o amor, um assombro.
não é a primeira vez que me precipito.
e caio. esgotada. cingida.
ser pouco não me interessa.
a minha vagina contraída, contém o universo.
e o meu amor te chama
enquanto resgato em espirais de esmeralda
o destino dessa humanidade de prata, ouro e merda.

domingo
20 de agosto de 2017
por ironia do destino
completo 28 anos
com o coração eutanasiado
e transbordando ternura
depois de quase 30 dias internado num hospital público com meu pai

do livro não joguem pedras na geni

prometo que de hoje em diante serei uma santa.


hahahahahaha
mas o gozo poético
promíscuo e profano
que "agride" valores dessa nossa querida família brasileira de bem
será o mesmo

meu flúor, sexo e heroína


minha musa toda hora,

eu não sou uma boneca inflável, querido


sexshop pra que?
vibradores, consolos, cones para pompoar,
gel deslizante, comestível, plug, estimulador de clítoris
eu quero o corpo na sua essência
o cheiro de suor
os dedos vasculhando segredos
o caminho percorrido pelas unhas
eu quero o frenesi religioso das pernas tremendo
enquanto pago minha penitência de ser assim
safada, libertina, alma, mulher
devoro períneo
com sangue nos olhos
primal
faminta do outro sem nojo
e gozar
gozar muito!
pois eu mereço
e o outro também
no universo dos nossos corpos
quero tudo!
nesse corpo que é minha moradia
eu faço o que eu bem entendo
adoro receber visitas
dar festas
ao vizinho escandalizado
sugiro que dance escutando os meus gemidos
enquanto eu morro de prazer
no paraíso também tem cigarros
e
velvet underground
tem os que usam frases de motivação e da bíblia como legenda de foto...
eu uso belchior. "meu bem, talvez você possa compreender a minha solidão
o meu som, e a minha fúria e essa pressa de viver
e esse jeito de deixar sempre de lado a certeza
e arriscar tudo de novo com paixão
andar caminho errado pela simples alegria de ser"

dentro do meu peito


uma mulher silenciosa fuma na janela do quarto
enquanto borboletas carnívoras
dançam no seu estômago

eu sou o ebó despachado na encruzilhada com pedidos de amor


sou os piolhos da cabeça de rimbaud
o ópio de baudelaire
a paranoia de piva
eu sou o tremor das pernas ao se aproximar o orgasmo
e a marmita estragada dos presídios superlotados
sou o dar de ombros da puta desenganada
e os boquetes desalmados
eu sou a ulcera sangrando lentamente
sou o pus de uma sutura mal feita
sou a tuberculose que matou joão da cruz e sousa
eu sou o empréstimo feito para bancar a publicação do livro
os bens vendidos
o nome sujo no serasa
eu sou a solidão que calou florbela espanca
sou a boceta querendo ser fodida
o cuspe e as chicotadas em uma sessão de sadomasoquismo
eu sou
eu
sou
o cataclismo de um corpo afetado pela poesia

autorretrato
banho de oxalá

foi vovó quem me ensinou


eu aprendi a preparar
quando for para descarregar
banho de oxalá

sua partida convulsionou coreografias na minha úlcera


entre um cigarro e outro
choro
reduzida ao palco vazio

"secaram as sementes no silêncio da rocha e


mineral. as palavras que não chegamos a gritar, as
lágrimas retidas, as pragas que se engolem, a frase que
se encurta, o amor que matamos, tudo isso
transformado em minério magnético, em turmalina,
em ágata, o sangue congelado em cinábrio, sangue
calcinado tornado galena, oxidado, aluminizado,
sulfatado, calcinado, o brilho mineral de meteoros
mortos e sóis exaustos numa floresta de árvores secas
e desejos mortos." anaïs nin - a casa do incesto

já fui chamada de vagabunda, louca, sem juízo, insubmissa, destrambelhada, feminazi, puta
fui apedrejada na escola, em casa, na rua
quantas vezes meus irmãos me colocaram contra a minha mãe
me deram porrada, mandaram eu calar a boca e ir arrumar a casa
gritavam para vizinhança inteira ouvir que eu era uma drogada
que vivia sem fazer nada
trancada dentro do meu quarto escrevendo
e minha mãe
desgastada pela vida
fitava o vazio calada
me viraram a cara por eu ser mãe solteira
me chamaram de sem vergonha por amamentar em público
falaram pra eu desistir dos meus sonhos
disseram que a minha depressão pós-parto era frescura
riram das minhas crises de ansiedade
muitos já me olharam como se eu fosse a besta do apocalipse
ela fuma, ela fala palavrão, ela dança, ela bebe,
fala sobre sexo abertamente, conhece o próprio corpo
escreve
ela goza, ela conversa com noiado, ela abraça morador de rua, é demasiada humana
mas humana, humana, humana demais
fui parar no psiquiatra por ter os sentimentos exacerbados
queriam me internar
mas ao invés disso me permitiram viver em sociedade
anestesiada por antidepressivos, remédios para dormir e ansiolíticos
machucaram tanto, tanto, tanto
meu corpo e meu coração
simplesmente por eu ter nascido mulher

"que um homem não te define


sua casa não te define
sua carne não te define
você é seu próprio lar"

"eu sou uma metralhadora em


estado de graça
eu sou a pomba-gira do absoluto" piva

és o que eu tenho de suave...

"eu temo se um dia me machuca o verso


e o meu medo maior é o espelho se quebrar"

penhorar meu coração


que bate nesse corpo palco
vingar todos os amores que fracassaram em cena
arruinando o espetáculo

ingrid carrafa

eu sou o meu próprio lar

"ela desatinou
desatou nós
vai viver só
eu não me vejo na palavra
fêmea: alvo de caça
conformada vítima
prefiro queimar o mapa
traçar de novo a estrada
ver cores nas cinzas
e a vida reinventar"

hino à ísis

porque sou eu a primeira e a última


eu sou a venerada e a desprezada
eu sou a prostituta e a santa
eu sou a esposa e a virgem
eu sou a mãe e a filha
eu sou os braços da minha mãe
eu sou estéril, e os meus filhos são numerosos
eu sou a bem casada e a solteira
eu sou a que dá à luz e a que jamais procriou
eu sou a consolação das dores de parto
eu sou a esposa e o esposo
e foi o meu homem quem me criou
eu sou a mãe do meu pai
sou a irmã do meu marido
e ele é meu filho rejeitado
respeitem-me sempre
porque eu sou a escandalosa e a magnífica

- hino a ísis, século iii ou iv (?)

retalhos de cetim...

coração tomado por fantasmas


está acontecendo um baile de máscaras aqui dentro
foram todos convidados
foliões do meu carnaval

enquanto isso eu vou vivendo dos direitos autorais


dorme minha pequena... mamãe te ama, meu pinguinho de sabedoria.

"sou eu que vou seguir você


do primeiro rabisco até o bê-a-bá
em todos os desenhos
coloridos vou estar
a casa, a montanha
duas nuvens no céu
e um sol a sorrir no papel
sou eu que vou ser seu colega
seus problemas ajudar a resolver
sofrer também nas provas bimestrais
junto a você
serei sempre seu confidente fiel
se seu pranto molhar meu papel
sou eu que vou ser seu amigo
vou lhe dar abrigo
se você quiser
quando surgirem seus primeiros raios de mulher
a vida se abrirá num feroz carrossel
e você vai rasgar meu papel
o que está escrito em mim
comigo ficará guardado
se lhe dá prazer
a vida segue sempre em frente
o que se há de fazer ?
só peço a você um favor, se puder
não me esqueça num canto qualquer"

tempo impróprio
em que desnudar a alma
é um ato de coragem

as putas da boate sayonara


com cubas livres e batons borrados
já salvaram muitas vidas na rodovia lindenberg
as putas da boate sayonara
já foram filhas de uma mãe que não era puta
e suicidam seus corações todos os dias
mártires de meia arrastão e cinta-liga
com seus boquetes sem dentadura

ingrid carrafa

sobre fetiches e fotografia...

foto do maravilhoso jeff harish

"toma um fósforo. acende teu cigarro!


o beijo, amigo, é a véspera do escarro,
a mão que afaga é a mesma que apedreja.
se a alguém causa inda pena a tua chaga,
apedreja essa mão vil que te afaga,
escarra nessa boca que te beija!" augusto dos anjos

tardei a me encontrar
assim
mulher mãe
feroz
pagu indignada
desemparedada
tardei a me aceitar
pansexual
masoquista
bruxa infame
puta
atrasada mas cheguei em mim
desafoguei minha alma de tantos adornos e falso moralismo
que hoje ela caminha alforriada e de cabeça erguida
com a certeza do orgulho das irmãs queimadas, enforcadas, retalhadas
caladas
com a certeza do meu sagrado
e do gozo entre o céu e o inferno

"existe uma determinada maneira de fazer as coisas, de enfrentar touros na arena, fazer amor,
fritar ovos, tomar água, beber vinho, que quando a gente não faz direito se engasga ou então
acaba morrendo." buk

ontem me mataram
quando mulheres sírias cometeram suicídio para não serem estupradas por militares
ontem me mataram
quando lucia, 37 anos, mãe solteira de 3 filhos pequenos, desempregada e abandonada pelo
“companheiro”
morreu vitima de um aborto clandestino
ontem me mataram
quando uma linda garotinha africana de 5 anos de idade teve o clitóris mutilado
ontem me mataram
quando no paquistão, por recusar um casamento, munira asef de 23 anos teve o rosto
desfigurado com ácido
ontem me mataram
quando uma travesti foi morta á pauladas nas proximidades do parque do carmo em sp
ontem me mataram
ao encontrarem o corpo de uma garota de programa
numa cova rasa
ontem me mataram
quando escutei do meu “amigo” que a culpa do estupro é da mulher
ontem me mataram
ao ver minha vizinha cheia de hematomas após uma discussão com o marido
dizer que caiu da escada
ontem me mataram
quando, em brasilia, uma garota de 14 anos foi estuprada por quatro homens e antes disso teve
a virgindade leiloada durante uma festa
ontem me mataram
quando minha amiga foi expulsa de casa ao se assumir lésbica para os pais
ela me ligou chorando
se culpava pois os pais preferiam ter uma filha morta do que uma filha “sapatão”
ontem me mataram
anteontem também
hoje também
e vocês
como são mortas todos os dias?

"escrever era estranho. eu precisava escrever, era como uma doença, uma droga, uma forte
compulsão, mas não me agradava pensar em mim mesmo como um escritor. talvez tivesse
conhecido escritores demais. eles levavam mais tempo falando mal uns dos outros do que
fazendo seu trabalho. eram nervosos, fofoqueiros, velhas solteironas; viviam se lamentando,
dando facadas, inchados de vaidade. eram esses os nossos criadores? sempre fora assim?
provavelmente sim. talvez escrever fosse uma forma de lamento. alguns simplesmente se
lamentavam melhor que os outros." buk

quebrou muitos limites


experimentou várias práticas
chuva dourada
prateada
scat
imobilização com cordas
mumificação
spanking hard
cera de vela quente
agulhas
foi submissa, masoquista
ficou de quatro na praça de alimentação de um shopping
lambeu a mão do dominador
que ficou de pau duro na hora
foi adestrada
comida de lado, de quatro
em pé
troca troca
suruba
ménage
do inferno ao paraíso
ser amada
talvez
tenha sido o único fetiche que não realizou

ingrid carrafa

vênus,
protetora das prostitutas
concebidas sem pecado
olhai por nós que recorremos a vós
maria madalena arrependida nunca fui
ontem canonizaram minha boceta por 7 vezes
mártir dos filhos de deus
desamparados
com seus paus duros, meia bomba, broxas
vênus,
protetora das prostitutas
concebidas sem pecado
olhai por nós que recorremos a vós
maria madalena arrependida nunca fui
ontem por duas vezes meu cu foi extrema-unção
mártir dos filhos de deus
desamparados
com seus paus duros, meia bomba, broxas
grande deusa
mãe das putas condenadas
vos suplicamos
não queremos as alegrias da vida eterna
"engole essa porra"
"chupa gostoso"
"te tiro dessa vida. monto apartamento. vira minha amante"
"mulher de vida fácil"
cospe
apedreja
mata
mata
cocaína
campari
cigarros
gemer fingindo
apanhar na cara
assassinada
agredida
sem alma
e a música tocando tocando tocando
dinheiro
dinheiro dinheiro
vênus,
protetora das prostitutas
concebidas sem pecado
olhai por nós que recorremos a vós
nos conceda o beijo da salvação
que assim seja

mulheres, nosso corpo é um templo e toda vez que nos masturbamos


levamos flores pra ele

flagrei minha mãe numa conversa ao telefone com a minha madrinha


“- ingrid é uma diaba de dois rabos e quatro chifres, célia.
na inquisição teria sido jogada na fogueira gargalhando
na ditadura teria sido presa e torturada (nessa parte ela da ênfase) e ainda cuspiria na cara do
ditador
tá ela lá no quarto dormindo toda aberta e pelada
igual aquele quadro que tem lá na parede do quarto dela
do tal da vinci
a esposa do vizinho militar reclamou esses dias que ela deu pra estender roupa cantarolando
nuazinha em folha
a descarada
mas é humana a pobrezinha
sofre de dar dó
esses dias a viram lá perto da rodoviária abraçando o nóia malabarista
de gato de rua recolhido já fomos pra nove
deveria ter metido ela naquele internato de freiras lá em colatina.”
hahahahahahaha
a culpa é do fogo do meu mapa astral
do meu ascendente em sagitário
da minha lua em libra
maldita maré cheia no dia em que eu nasci roxinha da silva de um parto normal
a culpa é das dez pneumonias que não me mataram
a culpa é dessa fome desaforada
dessa curiosidade animalesca
instinto primitivo desenfreado
esse gosto de língua mordida na boca
a culpa é da minha maria madalena interior
da minha frida
dalila com pele de naja
joana d´arc metida à massagem tailandesa
avessa
contagiosa
cadela raivosa
toda babada
e sorridente feito massagem clitoriana
ré confessa
crime cometido
espasmos orgásticos constantes de vida

sempre fui selvagem


sempre queimei por não ter medo de virar cinza
nunca fui ordinária negando prazer ao meu corpo
me nego a viver assim
ordinária
estou libertina, puta, mãe, amiga, namorada, humana e essencialmente uma mulher que goza
livre de todos os pudores sendo assim
solitária e assustadora
não ligo
eu escolhi ser e serei até o fim

ingrid carrafa
acho engraçado quando o cara fala que comeu uma mulher.
na boa, acorda pra vida, quem tem boca somos nós.
vocês são comidos e ainda ficam tirando onda.
aprendam, é a mulher que come o homem. sempre.

já estaria bilionária nessa e na outra encarnação.


antes uma siririca honesta do que uma fodinha desaforada.

meu ex padrasto era alcoólatra


e gostava de flores.
toda vez que bebia,
plantava uma rosa no organismo.
florescer no esgoto,
dizia ele.
com o nariz escorrendo
meu ex-padrasto
se partiu com o tempo,
foi pra longe.
quando as pessoas se partem,
não têm mais conserto

me pesa essa existência


espio pelas grades que cercam minha alma
está escuro
apenas grades e nenhuma saída
estou sucumbindo ao desespero
tal qual os habitantes de um vilarejo tomado pela água
estou me afogando e sinto minha garganta apertada pelas mãos do carrasco
freud, do que me vale agora sua teoria da neurose de angústia
não percebe você que eu já estou morta?
trabalho, família, transas casuais, bebida, cigarros
sempre o mesmo trajeto como em um círculo vicioso
sinto-me magoada como deus magoado pela sua criação
se eu pudesse ainda sangrar esse relogio que eu trago na minha caixa torácica em um eterno
tique-taque

encontrei aline sozinha no bar que eu frequentemente me mato.


ela tem aquela expressão dura de pessoas que flertam com vazios.
sentei
pedi um drink e acendi um cigarro
ela já esta bêbada e arrasta uma conversa meio que em tom confidencial
aline esta chorando
ela me diz:
- ei, tem uma pequena diferença entre você e eu e o resto.
pergunto qual é. ela diz:
- nós estamos sozinhos no mundo e caímos num abismo.
somos ilha agora.
ela percebe que esta de copo vazio e procura o garçom
quando ele chega eu percebo que não existe porra de diferença alguma.
o cara também caiu no abismo e enquanto enche o copo com o olhar perdido
vai se esvaindo mais
gargalho e aline me pergunta o motivo da graça.
- fodidos, aline, estamos todos fodidos.
o garçom, eu, você, o taxista que te leva bêbada para casa, a merda daquele urologista
que enfiou a mão no meu rabo para não encontrar nada.
vivemos uma grande orgia e gozar ou não já não faz tanta diferença
depois de certa idade a sinceridade deixa de parecer obscena.
e você fica sendo de buracos. sobrevivendo em buracos.
deixo aline quando joni mitchell começa a cantar.
ela vomita a melodia, os acordes, as valsas e os tambores de amor.
era pura bile de amor.
volto e afasto o cabelo do teu rosto enquanto ela continua vomitando.
um sorriso nasce do teu rosto cansado e ela sussurra:
- vamos para o deserto. meu pai mora sozinho no deserto. diz que não se adapta as
pessoas.
“as pessoas aqui
se tornaram
as pessoas
que estão fingindo ser”

ingrid carrafa

"não mexe comigo, que eu não ando só


eu não ando só, que eu não ando só
não mexe não!
...
medo não me alcança
no deserto me acho, faço cobra morder o rabo, escorpião virar pirilampo
...

eu posso engolir você, só pra cuspir depois


minha fome é matéria que você não alcança
desde o leite do peito de minha mãe
até o sem fim dos versos, versos, versos
que brotam do poeta em toda poesia"

hoje é dia de ouvir funk putaria a noite inteira enquanto seu vizinho da assembléia de deus
tenta dormir
hoje é dia de maldade

ele dedilhava um samba triste de viúva traída


no meu clitóris enrijecido
e passávamos a madrugada assustados tamanha intensidade que nos consumia a cada
encontro
a mesma intensidade que me partiu em pedaços
numa noite abafada em que ele deixou o show que estava fazendo pela metade
para olhar nos meus olhos de coruja e dizer que
precisava se afastar
ainda amava sua namorada e deslizes eram apenas deslizes por afrontamento do desejo

na mesa do meu trabalho


o porta-retratos confeccionado pela minha filha
com uma foto dela sorrindo na praia
me dizendo todos os dias:
mamãe, resista.
mamãe, lute bravamente.
mamãe, você é a bruxa mais linda.
você é minha melhor amiga.
eu respiro fundo e continuo apesar da depressão, apesar das crises de ansiedade, apesar da
vontade de desistir e chutar o balde
eu continuo lutando pois ela me lembra que eu sou uma mulher forte
e toda lágrima que eu deixo cair
ela pega delicadamente com suas mãozinhas
e transforma em diamantes

e então você se foi


no dia em que eu paguei a fatura em atraso da tv por assinatura e fagner voltou a cantar
retrovisor no canal de músicas
eu fiquei aqui
nesse quarto de janelas teladas para o gato não ir cagar na cama da vizinha fofoqueira
que viu você partir e comentou
"ela se foi também"
e então você se foi como todos os outros
antes de ir
colocou uma mão em concha no meu seio esquerdo maior que o direito
eu te neguei duas vezes
na terceira te beijei com a sofreguidão das horas mortas
virei a face contra o seu hálito de cigarro e trident de canela
e com a boceta toda melada
corri para a casa do amigo viciado em comprimidos para dormir e cat power
e chorei escombros deitada no colo dele
precipitou-se a inundação

obscena então... de tão lúcida!


obsceno é o clitóris mutilado,
o ácido recebido na cara, o olho roxo,
as porradas na alma.
obsceno é a virgindade arrancada,
meninas leiloadas feito gado,
escravas sexuais.
obsceno é o corpo encontrado numa cova rasa,
com a calcinha enfiada na boca
e um cabo de vassoura na bunda.
sem dentes e identidade.
aparentava ter 20 e poucos anos e a vida toda pela frente.
obsceno é a corda no pescoço
de toda uma delicadeza
balançando na árvore do quintal.
abusada pelos tios,
além de sentir-se culpada,
tinha vergonha do que lhe acontecia.
obsceno são os cortes nos pulsos e tornozelos
daquela menina chamada de gorda e vadia
pelos coleguinhas da escola.
obsceno é o pai de família “exemplar”,
só sorrisos na missa de domingo,
esfaqueou a esposa até a morte por causa de ciúme.
obsceno é ser assediada no caminho para o trabalho
por usar saia, salto alto e batom vermelho.
obsceno é sofrer abuso sexual dentro do ônibus
e o cara esfregando e gemendo,
esfregando e gemendo,
gozar em você.
obsceno é carregar cicatrizes e dores
de anos de violência doméstica.
obsceno é ter medo de ser quem se é
por ter medo do que vão falar.
obsceno é a frieza,
as lágrimas de sofrimento,
a mão que agride.
obsceno é o cárcere privado,
o estupro,
a violência psicológica
e o assédio moral.
obsceno é perceber isso
passando de geração para geração
e manter-se calado.
seu silêncio é obsceno
assistindo a tudo isso
participando de tudo isso
obsceno foi o vídeo íntimo
que você deixou vazar da sua ex nas redes sociais.
obsceno é chamar a mina de vagabunda,
pois ela não deu pra você.
quem você está achando que é???
o mundo não gira em torno dessa merdinha
que você carrega entre as pernas.
obsceno é ser essa coisa sem cérebro,
sem sensibilidade.
obsceno é você
com toda essa falta de humanidade
achando que é o maioral.
démodé!
meu corpo pode se calar,
mas minha alma, querido,
essa grita!!
e ainda faz streptease e dança pole dance
no salto agulha!

conheci pessoas do caralho e a energia do lugar simplesmente um orgasmo.


música, poesia, fotografia, cerveja!!!
fiquei muito chapada, fiz fogueira com as costelas de adão e dancei!!!!
minha mãe tem uma amiga que toda noite senta com ela no sofá da varanda
as duas fumam
conversam para dentro
e olham para o vazio uma da outra
a mãe coloca o cd do belchior
alucinação que ela ganhou do meu ex padrasto alcoólatra num dia que ele se perdeu voltando
do trabalho e foi parar na feira do aribiri e encontrou o cd e mais um litro de aguardente
havana
enquanto as duas vilipendiam dores, fracassos e sonhos
“tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
ano passado eu morri mas esse ano eu não morro”
a amiga tem uma filha que depois de velha decidiu entrar para o convento e um filho que
quando mais novo caiu da laje soltando pipa e nunca mais foi o mesmo
a amiga se reveza entre o presídio de xuri e o convento da ordem das carmelitas
ela não chora mais
disse pra minha mãe que de dentro dela só sai merda, mijo e sangue

do desejo

hilda hilst

quem és? perguntei ao desejo.


respondeu: lava. depois pó. depois nada.

porque há desejo em mim, é tudo cintilância.


antes, o cotidiano era um pensar alturas
buscando aquele outro decantado
surdo à minha humana ladradura.
visgo e suor, pois nunca se faziam.
hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
tomas-me o corpo. e que descanso me dás
depois das lidas. sonhei penhascos
quando havia o jardim aqui ao lado.
pensei subidas onde não havia rastros.
extasiada, fodo contigo
ao invés de ganir diante do nada.

obscena então...
de tão lúcida!

obsceno é o clitóris mutilado,


o ácido recebido na cara, o olho roxo,
as porradas na alma.
obsceno é a virgindade arrancada,
meninas leiloadas feito gado,
escravas sexuais.
obsceno é o corpo encontrado numa cova rasa,
com a calcinha enfiada na boca
e um cabo de vassoura na bunda.
sem dentes e identidade.
aparentava ter 20 e poucos anos e a vida toda pela frente.
obsceno é a corda no pescoço
de toda uma delicadeza
balançando na árvore do quintal.
abusada pelos tios,
além de sentir-se culpada,
tinha vergonha do que lhe acontecia.
obsceno são os cortes nos pulsos e tornozelos
daquela menina chamada de gorda e vadia
pelos coleguinhas da escola.
obsceno é o pai de família “exemplar”,
só sorrisos na missa de domingo,
esfaqueou a esposa até a morte por causa de ciúme.
obsceno é ser assediada no caminho para o trabalho
por usar saia, salto alto e batom vermelho.
obsceno é sofrer abuso sexual dentro do ônibus
e o cara esfregando e gemendo,
esfregando e gemendo,
gozar em você.
obsceno é carregar cicatrizes e dores
de anos de violência doméstica.
obsceno é ter medo de ser quem se é
por ter medo do que vão falar.
obsceno é a frieza,
as lágrimas de sofrimento,
a mão que agride.
obsceno é o cárcere privado,
o estupro,
a violência psicológica
e o assédio moral.
obsceno é perceber isso
passando de geração para geração
e manter-se calado.
seu silêncio é obsceno assistindo a tudo isso
participando de tudo isso
obsceno foi o vídeo íntimo
que você deixou vazar da sua ex nas redes sociais.
obsceno é chamar a mina de vagabunda,
pois ela não deu pra você.
quem você está achando que é???
o mundo não gira em torno dessa merdinha
que você carrega entre as pernas.
obsceno é ser essa coisa sem cérebro,
sem sensibilidade.
obsceno é você
com toda essa falta de humanidade
achando que é o maioral.
démodé!
meu corpo pode se calar,
mas minha alma, querido,
essa grita!!
e ainda faz streptease e dança pole dance
no salto agulha!

cerveja
continua sendo melhor que merthiolate para os machucados que eu carrego no peito

quando eu me atirei do precipício


pela primeira vez
o amor era meu paraquedas
mas ele não abriu
estava quebrado
agora
ao invés de borboletas
eu tenho baratas voadoras no estômago

meu sexo esquizofrênico,


inquieto,
palpita desejo e saudade.
meu sexo esquizofrênico
molha delírios alucinatórios,
seca na sua ausência.
desordem.
me abocanha,
salò,
o mijo na minha cara,
território marcado,
efeito placebo.
a carne febril
pede asilo,
choque eletroconvulsivo
e sua carne contra a minha exalando perfume.
deixe sua rede social comer baratas.
viva (como nunca)

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