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namento precoce, desde o primeiro ano de vida, é
então possível, mas há muitos riscos de que esse
condicionamento cesse, no exato momento em que
"1 ~~~ a criança começa a estabelecer um controle pes-
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soal.
Distúrbios Esflncterianos O último eixo é um eixo relacional: além da
maturação neurofisiológica e da pressão cultural
em nossa sociedade, em que a relação mãe-filho é
GENERALIDADES privilegiada e protegida, a aquisição do asseio cor-
poral é, no curso do segundo e terceiro anos, um
Na aquisição do asseio corporal e do controle dos elementos de transação na díade mãe-filho.
esfincteriano, urinário ou anal, três eixos intervêm: As matérias fecais e, em menor grau, a urina
um eixo neurofisiológico, um eixo cultural e um veiculam uma forte carga afetiva que pode ser po-
eixo relacional. sitiva ou negativa, mas fica ligada ao conteúdo do
A neurofrsiologia esjincteriana é marcada pela corpo, portanto, ao próprio corpo. A aquisição do
passagem de um comportamento reflexo automáti- controle esfincteriano se faz em seguida ao prazer
co a um comportamento voluntário controlado. No sentido primeiro na expulsão, depois na retenção,
recém-nascido, a micção e a defecação sucedem depois no par retenção-expulsão: o novo domínio
imediatamente à repleção. O controle dos esfíncte- sobre seu corpo proporciona à criança um júbilo
res estriados é adquirido progressivamente, o do mais reforçado pela satisfação materna. A nature-
,esfíncter anal precede geralmente o do esfíncter za do investimento dessa função de retenção-ex-
,vesical. pulsão, investimento pulsional de predominância
Esse controle faz com que intervenham múlti- libidinal ou de predominância afetiva, depende em
plos componentes: maturação local, capacidade grande parte do estilo de relação entre mãe e filho
precoce de condicionamento ... De modo que é di- que se enlaça em torno do controle esfincteriano:
fícil distinguir de imediato a parte desses fatores. exigência imperiosa da mãe que priva a criança de
Os estudos que tratam da motricidade vesical uma parte de seu corpo, recebendo sua urina ou
através do registro das curvas de pressão intrave- suas fezes com um ar de nojo; satisfação de uma
sical permitiram distinguir vários estágios (Lauret): mãe em ver seu filho progredir e se autonomizar
automatismo infantil (curva AI até 1 ano); início em suas condutas quotidianas, recebendo sua uri-
de inibição (A2 até os 2 anos); possibilidade de na ou suas fezes com prazer.
inibição completa (B 1 até os 3 anos); curva de tipo É assim que se efetua a passagem do par reten-
adulto (B2 após os 3 anos): a aquisição de um ver- ção-expulsão ao par oferta - recusa ou ao par bom
dadeiro controle esfincteriano não é possível antes presente - mau detrito.
que a motricidade vesical seja alcançada nesse úl- Os estudos epidemiológicos confirmam a impor-
timo patamar, mesmo que um condicionamento tância dessa dimensão relacional, revelando a freqüên-
precoce possa fazer crer em um aparente asseio. cia dos distúrbios esfincterianos e outros nas condi-
O contexto cultural não pode ser dissociado ções de aprendizagem inadequada (Nourrissier).
da aprendizagem do asseio. Conforme as culturas,
essif aprendizagem se desenvolve em um contexto
ENURESE
~i mais ou menos rígido, exercendo sobre as crianças
pressões severas, moderadas ou leves (Anthony).
A recente evolução dos costumes, a divulgação dos Define-se a enurese como a emissão ativa com-
conhecimentos sobre a primeira infância, um cli- pleta e não controlada de urina, uma vez passada a
ma de maior liberalismo atenuaram a pressão para idade da maturidade fisiológica, habitualmente
aprendizagem do asseio corporal nas crianças dos adquirida entre os 3 e os 4 anos. A enurese secun-
ti dária caracteriza-se pela.existência de um período
i países ocidentais, o que influenciará talvez a fre-
anterior de asseio transitório. A enurese primária
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qüência das perturbações ligadas a essa função.
Todavia, algumas mães continuam a exercer sucede diretamente ao período de não-controle fi-
;,~ fortes pressões sobre a aprendizagem: um condicio-
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MANUAL DE PSICOPATOLOGIA DA INFÂNCIA DE AJURIAGUERRA 113

siológico. A enuresc primária noturna é, de longe, eixo do desenvolvimento psicoafetivo da freqüência, exatamente antes da ocorrência de uma O ambiente da cridllça
a mais freqüente. criança. fase de sonho. Manter a criança na urina parece
Segundo o ritmo nictemeral, distingue-se a exercer um efeito de bloqueio sobre a ocorrência Ele intervém conforme duas vertentes, seja por
Corno todos os sintomas que concernem ao
enurese noturna, mais freqüente, a diurna, comu- das fases III e IV do sono profundo que sobrevêm, carência ou déficit, seja por superinvestimento. No
corpo da criança, nota-se uma estreita interação
mente associada a micções imperiosas ou a mista. normalmente, se a criança é trocada após sua mic-
Do mesmo modo, em função da freqüência, des-
entre esses diferentes eixos: as vicissitudes de um ,. primeiro contexto, assinalemos a freqüência dos
encontrar-se-ão veladas ou reforçadas, conforme 0 ção. . _ , . 'd ( conflitos familiares (dissociação familiar, carências
creve-se uma enurese quotidiana, irregular ou in- Com o tempo, a m1cçao, umca ou repeti a uma sócio-econômicas em sentido amplo), nas famílias
desenvolvimento dos outros eixos. Assim, um atra-
termitente (enurese transitória com longos interva- a duas vezes), sobrevém de uma a urna hora e meia de crianças enuréticas. Há ainda elevada freqüên-
so de maturação fisiológica pode servir como pon-
los secos). após o adormecer. cia de enuréticos dentre as crianças que vivem em
to de fixação de um conflito afetivo de tipo reten-
Trata-se de um sintoma freqüente que concerne internatos. Por outro lado, é habitual o superinves-
ção-expulsão, cujo desenvolvimento se origina, seja • Os fatores psicológicos con'tinuam os mais evi-
a 10 a 15% das crianças, com uma nítida predomi- timento da função esfincteriana pelos pais: a colo-
ria intensidade da vida pulsional da criança, seja dentes. Não se deve deixar de lembrar a freqüente
nância dos meninos (2/1). Ele se associa, às vezes, cação no urinol, intempestiva e precoce, ritua-
no superinvestimento familiar das funções excre- correspondência entre a ocorrência ou o desapare-
a outras manifestações: encoprese mais comumente, lização mais ou menos coercitiva (no urinol a toda
mentais. cimento da enurese e a de um episódio marcante
potomania, imaturidade motora. Ressaltemos uma hora ... ) Isso se vê sobretudo em mães obsessivas
A partir daí, privilegiar um fator etiológico em da vida da criança: separação familiar, nascimento
freqüência elevada e inexplicada de estenose do ou fóbicas que necessitam de um contexto educa-
relação a um outro depende muitas vezes da posi- de um irmão mais novo, entrada na escola, emo-
piloro nos antecedentes de crianças enuréticas. tivo bem delimitado, sem respeito pelo ritmo pró-
ção teórica dos autores. ções de todas as espécies ...
Exporemos aqui os diferentes fatores selecio- Esses fatores psicológicos podem interferir seja prio da criança. Acha-se, assim, conflitualizada essa
nados com mais freqüência: em nível da própria criança, seja em nível do am- função esfincteriana: angústia, medo, sentimento
Dlap6stlco Diferencial
biente familiar. de culpa ou de vergonha e oposição vão progressi-
• Um fator hereditário encontra sua explicação vamente acompanhar a micção.
Estahelecem-se habitualmente: na relativa freqüência de enurese familiar, sem que A existência da enurese pode por si só modifi-
as afecções urol6gil'ns, infecciosas, irrita- uma transmissão genética precisa tenha igualmen- car a atitude familiar e, por isso, tornar perene, fi-
A crldllça e sua personit/ldade
tivas (cálculos veskai:;) ou malformativas te sido evidenciada. Assinalemos que a enurese xando-a à conduta patológica. Assim, a resposta
(anastomose anormal, ou ectópica dos pode ser considerada em uma perspectiva etiológica familiar pode ocorrer no registro da agressividade:
No que concerne a urna certa tipologia psicoló-
ureteres, atresia do meato) são acompanha- como o ressurgimento p?.tológ1co de um compor- punição, ameaça, caçoada, até mesmo violência
gica, é clássico opor os enuréticos passivos, fra-
das, por vezes, de outros sinais miccionais: tamento inato normalmente reprimido; a supressão física ou, ao contrário, através de uma complacên-
cos, dóceis aos que são agressivos, reivindicantes,
micções muito freqüentes, difíceis (atraso dessa repressão apresentaria, nessa perspectiva, cia protetora: prazer em manipular fraldas, em la-
oponentes. Assinalou-se também a imaturidade e a
de evacuação, debilidade d<• jato) ou dolo- uma analogia com a demarca._;áo do território entre var a criança, impossibilidade de afastamento (nada
emotividade nas crianças que sofrem de "eretismo
rosas. Ao menor sinal suspcito,justificam- os animais. vesical". Na realidade, a grande variedade de per- de visita aos amigos, nada de colônia de férias, pelas
se investigações complementares; • A mecânica vesical do enurético foi muito es- fis descritos mostra seu pouco interesse relativo. complicações ocasionadas.
as afecções neurológicas (bexiga neuroló- tudada. A capacidade vesical, a pressão intravesical Quanto à significação que a enurese toma na Por isso, o sintoma se fixa seja pela existência
gica com micção reflexa ou por regurgita- não parecem diferentes das da criança normal. To- imaginação da criança, é em função, ao mesmo tem- de benefícios secundários, seja porque ele vem ins-
ção) são evidentes através dos distúrbios davia, nessas crianças enuréticas, registros citoma- po, do ponto de fixação do desenvolvimento psi- crever-se em um conflito neurótico que se organi-
associados, sejam elas de origens infecci- nométricos mostraram a existência de curvas de coafetivo, ao qual corresponde esse sintoma (fase za paulatinamente.
osas (mielites), ou malformativas (espinha- pressão cuja dinâmica é idêntica àquela encontra- 1 anal de retenção-expulsão) e das reorganizações
bífida); da em crianças menores (1 a 3 anos). Essas cons- ulteriores por causa da continuação desse desen-
a epilepsia noturna pode ser mais difícil tatações justificam e evocam de uma "imaturidade volvimento. Assim, a micção se enriquece rapida- Associações pslcopatológlcas
de reconhecer se a emissão de urina cons- neuromotora da bexiga", cuja importância e fre- mente com um simbolismo sexual: o uso auto-eró-
titui sua única evidência. Em caso de dúvi- qüência variam, conforme afirmam os autores. tico da excitação uretra!, equivalente masturbatório,
• O sono do enurético foi objeto dos mais recen- • Retardo mental: Quanto mais profunda a debi-
da, um registro eletroencefalográfico no- ag~ssividade uretra!, afirmação viril no menino ... lidade mental, mais freqüente é a enurese. Esta as-
turno pode ser n'15ário. tes estudos. De uma parte, a criança enurética, O sintoma se situa então em um conjunto neuróti-
freqüentemente, tem sonhos "molhados": jogos em sociação destaca por contraste a importância da
co mais amplo. maturação neuropsicológica.
ou com água, inundação, ou simplesmente sonho Ressaltemos que alguns autores comparam a
de micção. • Psicose: sintoma freqüente dentro de um con-
Fatores Etlol6glcos enurese a um sintoma de "depressão mascarada", junto de perturbação mais amplo.
No nível da qualidade do sono, ~ua profundi- em razão, principalmente, da atividade da imipra- • Neurose: a dimensão simbólica da enurese aí é
Cumpre examiná-los em função dos diversos '}ade tem, às vezes, sido salientada, mas os regis- mina. particularmente detectável e ajudou na sua com-
eixos que concorrem para a aquisição do asseio tros poligráficos sistemáticos do sono não mostra-
preensão.
corporal: ram nenhuma diferença significativa em relação às
crianças não-enuréticas. No que concerne às diver-
eixo das inter-relações familiares;
sas fases do sono, a enurese sobrevém, com mais

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Tratamento
MllH'.ELLI

• Prescrições medicamentosas: os produtos da


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MANUAL DE PSICOPATOLOGIA DA INFÂNCIA DE AJURIAGUERRA

uente é a encoprese secundária diurna. Contam- normalmente as fezes, mas serem incapazes de se
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qe em torno de 3 menmos
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encopres1cos para uma conter.
série dos antidepressivos têm a um só tempo uma
Depende do contexto psicológico. A maioria atividade anticolinérgica periférica, relaxante da ~enina. A idade de surgimento do sintoma situa- A relação da criança com as fezes merece ser
das enureses desaparece na segunda infância: a musculatura lisa da bexiga (detrusor) e uma ação se habitualmente entre 7 e 8 anos. Sua freqüência é sempre cuidadosamente estudada:
apreciação da eficácia terapêutica deve levar em estimulante sobre o sistema nervoso central. É stimada em torno de l,5 a 3% conforme a idade.
conta esse dado. As diversas medidas terapêuticas melhor não prescrever esses produtos antes dos 6 ~ssocia-se seguidamente à enurese (25% dos ca- às vezes, a criança parece indiferente a seu
sos) e, às vezes, ela também é diurna. Encoprese e sintoma, somente o cheiro que incomoda
se destinam a crianças de mais de 4 anos e meio. anos de idade. Propõe-se habitualmente a imipra-
enurese podem ser concomitantes ou suceder-se por os que estão próximos revela a existência
mina em duas doses (16 h e ao deitar).
• Medidas gerais: consistem em correções das delas;
A desmopressina (análoga do hormônio anti- períodos alternativos. ·
medidas educativas nefastas: aprendizagem dema- o estudo de séries suficientemente importantes freqüentemente ela desenvolve condutas de
diurético) em vaporizador nasal apresenta uma efi-
siado precoce ou rígida, excesso de precaução (fral- não revelou outra associação característica, não há dissimulação, até mesmo de acumulação:
cácia similar (70 a 80% dos casos). Nos dois ca-
da, calças plásticas, roupas de baixo, múltiplos len- em especial antecedente somático mais elevado nas as calcinhas ou cuecas são escondidas ou
sos, o tratamento é prescrito para cura em um a
çóis, cuidados íntimos repetidos ... ) crianças encoprésicas. Também não se encontram colocadas em uma gaveta, em cima de um
três meses no máximo, repetindo-se uma ou duas
Moderação das bebidas à noite, sem que isso antecedentes familiares. Cumpre distinguir a armário. Mais comumente, a criança con-
vezes esse tratamento se o sintoma reaparecer. Em
tenha um aspecto excessivo, higiene de vida com encoprese das incontinências anais que se obser- serva ao mesmo tempo a calça e as matéri-
caso de persistência do sintoma, é preferível não
prática de esporte (natação) para as crianças inati- vam em algumas síndromes neurológicas (síndrome as fecais. Muito raramente, tenta dissimu-
prolongar esses tratamentos medicamentosos e con-
vas. da cauda eqüina) e nas grandes encefalopatias. lar a encoprese lavando sua calça. Em ge-
siderar uma abordagem psicoterápica.
Essas medidas requerem a participação da fa- ral, essas condutas se desenvolvem com um
mília, mas também o abandono eventual de posi- • Psicoterapias: destinam-se aos casos em que o sentimento de vergonha e são ocultadas dos
ções que refletiam os conflitos neuróticos mater- contexto neurótico está em primeiro plano ou, ao outros, salvo da mãe.
nos, isto quer dizer que elas nem sempre são fáceis menos, quando prevalecem as seguintes determi-
Acontece, enfim, mais raramente, que a crian-
de conseguir! nantes psicológicas: O aspecto das fezes é variável: fezes bem mol- ça tenha um comportamento provocador, exibindo
• Motivação da criança: seja psicoterapia curta que associa atitudes dadas, evacuadas em totalidade na calça, fezes vis- sua roupa interior suja, indiferente às observações
A informação da criança sobre o funcionamen- explicativas, sugestivas e interpretações cosas, moles e abundantes, enchendo a roupa ínti- ou advertências.
to urinário é fundamental: desmistificar o sintoma, esclarecedoras da significação do sintoma; ma e correndo pelas calças, simples "escapadas"
permitir à criança não mais se ver como uma víti- seja psicoterapia clássica ou psicodrama, úmidas que mancham a roupa de baixo.
ma stfumissa e culpável. Desenhos, a explicação quando os tratamentos precedentes fracas- O ritmo é também completamente variável: Fatores Etiológicos
.quotidiano ou pluriquotidiano, a encoprese é con-
do trajeto da urina desde a boca até o esfíncter po- saram, e manifestações neuróticas (ansie-
tudo, muitas vezes, intermitente, nitidamente Mais ainda que a enurese, a dimensão relaé:ional
dem ser úteis. dade, conduta fóbica ou obsessiva) apare-
,escandida pelos episódios da vida da criança: fé- e psicológica está em primeiro plano na constitui-
A participação da criança nos resultados, pelo cem ou a enurese acentua uma relação de
registro em um caderno vai no sentido dessa moti- dependência, ou um sofrimento psíquico rias, separação do meio familiar, escola. Uma cer- ção de uma encoprese. Contudo, outros fatores
ta regularidade de hora ou de lugar é por vezes re- podem intervir.
vação, sem que isso se torne um comportamento (vergonha, desvalorização). Nessas formas,
a abordagem psicoterápica, ao centrar-se '.ferida (Marfan falava de "defecação involuntária
obsessivo.
dos escolares"), mas isso não é constante.
na significação edipiana do sintoma, per-
• Despertar noturno:
mite freqüentemente uma melhora dos sin-
As condições da defecação não são indiferen- Perturbações Rslológlcas
Despertar pelos pais, em hora regular. Após tes. Algumas crianças se isolam e absorvem-se em
tomas neuróticos, mesmo que a enurese
uma micção completa ao deitar, desperta-se com- uma atividade que não é muito diferente da condu- Os estudos do trânsito intestinal, da mecânica
propriamente dita seja uma manifestação
pletamente a criança uma hora ou uma hora e meia ta habitual das crianças que vão ao WC. Outras do esfíncter anal, das pressões da ampola retal, da
amiúde muito resistente.
após o adormecer, durante períodos de três sema- .evacuam suas fezes sem parar suas atividades; ou- sensibilidade da mucosa anal não evidenciaram
nas a um mes, retardando o despertar em quinze 'tras, enfim, deixam escapar essas fezes no cami- nenhuma anomalia orgânica ou funcional. Alguns,
minutos cada noite. ,.'nho para os banheiros enquanto correm para eles. todavia, distinguem uma encoprese com reto va-
ENCOPR.ESE
Despertar por u11Jllll/rarelho sonoro cujo fun- O caráter voluntário ou não da encoprese continua zio, de uma encoprese com reto cheio, mais fre-
cionamento resulte da é:Atdutibilidade dos lençóis A encoprese é uma defecação nas calças de uma . sendo um assunto de discussão. Quando se interro- qüente, acompanhada ou não de fecalomas sigmoi-
desde a emissão das primeiras gotas de urina. É criança que ultrapassou a idade habitual de aquisi- ga a criança, ela sempre coloca em primeiro plano dianos. O toque retal, a radiografia do abdome sem
preferível não utilizar esse aparelho antes dos 7 ou ção do asseio corporal (entre 2 e 3 anos). a incapacidade de se controlar, porém algumas preparação permitem encontrar esses fecalomas. A
8 anos de idade. A importância do ruído pode sus- Distingue-se a encoprese primária sem fase ?bservações vão de encontro a esse caráter sempre presença destes últimos objetiva a retenção de
citar problemas (fratria, vizinhança) e reduzir seu anterior de asseio, da encoprese secundária, muito Involuntário. A mesma coisa para a consciência ou matéria fecal e coloca o problema da associação
uso. Contudo, quando a criança aceita esse apare- mais freqüente, após uma fase mais ou menos lon- não da defecação em si mesma. Algumas crianças da encoprese com a constipação. Aventou-se a hi-
lho, ocorre logo uma diminuição do número de alar- ga de asseio. Ela é quase exclusivamente diurna. ,, afirmam "não sentir nada", outras declaram sentir pótese de que a encoprese seria uma espécie de
mes e, depois, despertar espontâneo. Assim, ao contrário da enurese, a fonna mais tre- defecação por "regurgitação" ou por "destilação'"
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porque a sensibilidade e a motricidade normais da de uma preocupação excessiva no nível das "eva- A ação terapêutica deve incluir a família. Se os Esse megacólon deve ser distinguido do mega-
ampola retal seriam perturbadas pelo acúmulo das cuações" de seu filho (supervalorização da defe- pais são capazes de relacionar o sintoma da crian- cólon secundário a um obstáculo (congênito por
matérias assim retidas. As provas de explorações cação quotidiana, lavagem e supositório, quando ça com o funcionamento da família e de fazer al- estreitamento, ou adquirido, de tipo tumoral) e do
dinâmicas não confirmaram essa hipótese. não houve a defecação do dia). Em relação ao sin- gumas correções comportamentais necessárias, o megacólon congênito, da doença de Hirschsprung
toma, não é raro que se estabeleça entre filho e mãe sintoma, muitas vezes, desaparece. (ausência de células ganglionares nos plexos ner-
uma verdadeira cumplicidade secundária que tem Quando a encoprese se inscreve em um confli- vosos da mucosa da extremidade cólica).
Person.tllddde dd crldDÇd por objeto seja os cuidados corporais, seja a troca to neurótico já organizado, urna psicoterapia indi- No megacólon funcional, a constipação sobre-
das fraldas sujas. vidual de tipo analítico deve então ser proposta. A vém no curso do segundo semestre e persiste. O
Não há um perfil psicológico unívoco, porém No nível psicossocial, as dissociações familia- separação do meio familiar freqüentemente modi- estudo radiológico mostrou que a defecação se pro-
os traços de personalidade patológica parecem mais res são freqüentes; as mudanças na organização fica o sintoma, mas seu efeito é temporário. Con- duz, de alguma forma, ao inverso (M. Soulé): quan-
nítidos do que no caso de enurese. Foi assim des- familiar marcam muitas vezes o começo da enco- tudo. quando a organização familiar é francamente do as fezes chegam ao esfíncter anal, a contração
crito: prese: início do trabalho da mãe, entrada na esco- patológica e inamovível, essa separação pode cons- termina não na expulsão, mas na retropulsão das
crianças passivas e ansiosas que expressam la, nascimento de um irmão mais moço. tituir uma das etapas da abordagem terapêutica glo- fezes para o sigmóide e para o cólon esquerdo. O
sua agressividade de maneira imatura. É o bal. acúmulo das matérias provoca a dilatação cólica
tipo "mendigo" de M. Fain; bem visível na lavagem com bário.
crianças opositoras, com traços obsessivos
Evolução É essencial reconhecer desde logo esse meca-
CONSTIPAÇÃO PSICOGtNICA E nismo e distinguir a constipação psicogênica dos
cm que a encoprese assume o aspecto de
Depende da profundidade do conflito que se MEGACÓLON FUNCIONAL outros tipos de constipação, pois se essas diversas
uma recusa a se submeter à norma social (é
organiza em torno desse sintoma, isto é, por um manobras exploratórias são amplamente justifi-
o tipo "delinqüente" de M. Fain);
lado, da gravidade da organização neurótica ma- Afora toda causa orgânica, a constipação re- cadas no início dos distúrbios, suas repetições
enfim, a encoprese pode inscrever-se no
terna e, por outro, dos arranjos ou desvios que esse presenta um motivo de inquietude bastante comum abusivas terão o mesmo efeito de fixação do sinto-
quadro de uma conduta em que a dimen-
sintoma suscita no desenvolvimento da própria de um ou de ambos os pais, ainda mais, quando a ma que a atitude dos pais já descrita.
são perversa domina: regressão ou fixação
criança. aprendizagem do asseio esfincteriano se fez de No plano psicopatológico, parece que essa
a um modo de satisfação arcaica, centrada
Um grande número de encopreses desaparece modo conflituoso. A defecação da criança marca disfunção fisiológica esteja, inicialmente, posta a
ao mesmo tempo na retenção, depois na
espontaneamente, após um período de algumas se- assim cada dia com um presente liberador da an- serviço de um investimento "quase perverso" da
erotização secundária da conduta desviante.
Ipanas ou meses. As que persistem por vários anos gústia dos pais, do mesmo modo que sua ausência função: o domínio assim adquirido sobre o objeto
No nível da investigação psicanalítica, encon- são sempre formas graves por sua freqüência, pela e, por conseguinte, sua retenção no ventre ameaça interno permite, em um primeiro momento, evitar
tra-se na criança encoprésica uma importante fixa- dimensão psicopatológica nitidamente perceptível a integridade do corpo da criança. a angústia de perda (nível fóbico). Em um segundo
ção anal em que ora o pólo expulsão-agressão, ora (inúmeros traços de caracteres anais) e pela pato- Esse superinvestimento da defecação é eviden- momento, produz-se uma erotização secundária da
o pólo retenção são especialmente investidos. Por logia familiar (carência sócio-educativa importan- temente percebido de imediato pela criança que contração esfincteriana e da excitação da mucosa
causa das peculiaridades da constelação familiar te, ausência de pai). exerce controle sobre su~s excreções, nem sempre por ocasião do funcionamento inverso que se pôde
que veremos no próximo parágrafo, a criança pa- À distância, o sintoma sempre acaba desapare- no sentido desejado pelôs pais. Assim, após uma aproximar da excitação masturbatória. Ao mesmo
rece estabelecer uma relação privilegiada com a cendo na adolescência, mas freqüentemente para aprendizagem reflexa, sempre possível, da defe- tempo, a criança experimenta sua onipotência so-
mãe, de um modo pré-genital, sendo o "pênis anal" se instalar como traços francamente caractero- cação em urna idade precoce demais (desde o pri- bre seu corpo e sobre o ambiente, cuja inquietação
o objeto de troca, pois o "pênis paterno" parece lógicos ou neuróticos: preocupações excessivas meiro trimestre da vida, como pode ser feito em é para ela fonte de benefícios secundários.
fantasmaticamente inacessível. com asseio, parcimônia ou avareza, meticulosida-. algumas creches ou com mães demasiado rígidas), Esse funcionamento auto-erótico da zona anal
de, indecisão, tendência a acumular... sobrevém inelutavelmente um "retorno à sujeira" com a forte pulsão de dominação sobre o objeto
que, para a criança, é um meio de se apropriar de que parece caracterizá-la deve ser comparado ao
A famllla seu corpo, ao passo que, para a mãe, é o sinal de que se observa nos lactentes mericistas (M. Soulé)
Tratamento ~ma oposição. Muito cedo, em tal contexto, uma (ver p. 267).
Apresenta particularidades centradas na rela- constipação pertinaz pode instalar-se. A resposta No plano familiar, Soulé nota o papel impor-
ção mãe-filho. Os paisjftf& na verdade, freqüente- É preciso evitar tratamentos sintomáticos e as parental por meio de manipulações anais: termô- tante do pai, especialmente inquieto diante da cons-
mente tímidos e reservado;!Jaté mesmo francamente diversas manobras que se centram em torno do metro, supositório, até mesmo excitação do ânus tipação, ao passo que parece desinteressar-se da
apagados; intervêm pouco na relação mãe-filho. esfíncter anal. Para alguns autores, contudo, im- com o dedo consegue apenas fixar um pouco mais encoprese freqüentemente associada. Uma verda-
No que tange às mães parece haver traços dis- portantes fecalomas presentes no sigmóide e na o superinvestimento dessa zona e dessa conduta. deira conivência pai-filho parece organizar-se em
tintivos. Elas com freqüência são ansiosas, emo- ampola retal modificam profundamente a sensibi- Inúmeras constipações ficam isoladas, poden-
tivas, superprotetoras e mascaram essa ansiedade lidade da mucosa e devem ser evacuados por lava- .".~.:. torno da evacuação.
seja por trás de uma conduta bastante rígida em gens prudentes. Cumpre, todavia, reduzir ao máxi-
1 do persistir durante uma grande parte da infância. Segundo Soulé, a atitude terapêutica consiste
matéria de educação esfincteriana (colocar o bebê mo essas manipulações.
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Em outros casos, a sintomatologia se enriquece com em mostrar bem à criança o conhecimento que se
~· uma encoprese mais freqüentemente transitória. No tem do mecanismo ativo de sua constipação e das
no urinol desde os primeiros meses), seja por trás !
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:~ máximo ocorre o quadro de megacólonfuncional. satisfações "quase masturbatórias" que ela retira

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daí, sem por isso acusá-la ou culpá-la. A partir daí KRElSLER (L.), FAIN (M.), SOULE (M.): Encoprésie
é possível obter da criança uma defecação regular et mégacôlon fonctionnel. ln L'enfant et son corps,
que suprime a constipação, a encoprese e, por fim, P.U.F., Paris, 1974, p. 213-290.
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