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Basquiat...presente!
GvCult - Uol
14/07/2020 05h52

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Jean-Michel Basquiat / Foto: Christopher Markus, 1984

Por Hélio Rainho

"Underground" é palavra oblíqua, adjetivação polissêmica.


Tão controversa que contradiz a si mesma: foge do
modismo…mas "vira moda"! Embora seja uma palavra cujas
origens remetam aos anos 60 do século XX, é provável que
tenha atingido seu ápice significativo nos anos 80 – ali,
naquela Nova York esfuziante e depressiva, megalômana e
minimalista, autodestrutiva e construtivista…assim, dita e
contradita; espécie de brecha temporal entre as coisas "que
eram" e as que "deixaram de ser". A Nova York do anos 80 é
mais underground que o próprio termo!

Desse liquidificador cultural que mói e mistura, mata e cura,


surge um personagem cuja aura confunde e esclarece as
mentes de nosso tempo. A Nova York underground dos anos
80 é a cidade-mãe de um certo subversivo chamado Jean-
Michel Basquiat
Basquiat.

Certo? Incerto? O junkie painter Basquiat foi uma especie


de gênio da lâmpada em versão afro-punk: irrompe numa
fumaça de muitos matizes para absorver os gritos da rua,
seus dramas e lamúrias, e lançar tudo magicamente nas
telas, convertidas em rabiscos frenéticos (gritos?) capazes
de dialogar com Picasso, Da Vinci, o escravismo dos
campos de algodão, mitologia greco-romana, os riffs de jazz
de Charlie Parker, o murro certeiro de Cassius Clay, a
independência norte-americana de 1776, Mona Lisa, Andy
Warhol, Gray's Anatomy (o livro, não a sua série preferida!),
Batman, a Bíblia… o que mais?!

Quase tudo! Sem poupar nada!

"Meus principais temas são a realeza, o heroísmo e as ruas"


– diria Basquiat sobre o que ele queria estetizar em sua
obras. E começou cedo, ainda menino, junto da mãe (que
era artista intuitiva), vagando pelos museus de arte do
Brooklyn e de toda Manhattan. Reproduzia o que via: além
de heróis dos quadrinhos e personagens dos desenhos
animados de televisão, os quadros que apreciava nas
galerias que visitava. Atropelado aos 7 anos, internado,
deparou-se com o tal livro de anatomia do inglês Henry
Gray, e incluiu um repertório de esboços corporais
destrinchados e extratos humanos a seus rabiscos,
costurando um roteiro imutável de toda sua produção futura.

Ferviam os anos 80! No Harlem, o estilista negro Dapper


Dan desenhava a elegância dos black dandies. O rapper e
filósofo negro Rammellzee chacoalhava as ruas com seu hip
hop conceitual. As paredes exalavam o cheiro da tinta dos
grafites. E um certo Basquiat fazia das artes visuais uma
roda da fortuna, mas também uma estratégia inequívoca de
ocupação de espaços brancos, com suas coroas douradas
que empoderavam negros decompondo sua invisibilidade.

Cartaz do filme Downtown 81 | Fonte: Site Imdb

O filme "Downtown 81", produzido em 1980 e lançado


somente em 2000, sob direção do italiano Edo Bertoglio, é
uma das mais expressivas retratações do universo
underground novaiorquino dos anos 80. Ele mostra um
protagonista Jean-Michel Basquiat sendo ator e
personagem – ele por ele mesmo! – em suas andanças
de flaneur pós-moderno pelo bas fond dos grafiteiros, DJs,
poetas, clubbers e artistas visuais (tudo o que ele também
foi) da "cidade que nunca dorme". As passadas largas pelas
esquinas e as inscrições com spray nas paredes do Low
Manhattan lembram a fase em que Basquiat assinava com o
heterônimo SAMO (a contração sardônica para same old
shit) as frases de efeito para difundir sua arte de profunda
provocação. O filme acaba com Jean sendo ainda Samo. Na
vida real, dali pra diante, Basquiat irá decretar que "SAMO is
dead" pelos muros de Nova York, e então ressignificará sua
arte, percorrendo os caminhos para tornar-se o pintor neo-
expressionistas cujos quadros se tornariam verdadeiras
joias – tanto no brilho quanto no valor. A assinatura Jean-
Michel Basquiat tornar-se-ia uma grife de luxo!

O dândi novaiorquino e escritor especialista em arte, música


e moda Glenn O'Brien (1947-2017) – que fora roteirista do
filme "Downtown 81" e tornou-se conhecido como "The Style
Guy" na revista fashionista GQ – escreveu certa vez sobre
Basquiat um fato curioso. O jovem pintor havia ficado tão
surpreso com seu súbito estrelato e vultoso sucesso em
1982 que, ao ganhar tanto dinheiro e enriquecer de
verdade, passou a conviver com uma situação paranóica
ante a "legitimidade" de alguns de seus amigos: "Eles
realmente gostam de mim ou querem algo de mim?" – ele,
por vezes decepcionado, se perguntava. No auge de sua
fama, recebia presentes das grifes de luxo e adorava
fotografar vestindo ternos Armani de pés descalços. Era um
iconoclasta, mas se divertia tripudiando dos signos de sua
época que, com o lendário amigo Warhol, aprendeu a
manipular.

Basquiat e suas obras | Foto: Lizzie Himmel, 1985.

O cometa Basquiat riscou a galáxia dos anos 80 em uma


trajetória única. Deixou seu rastro de inovação artística,
estilo pessoal, discurso antirracista e exposição das
lacerações e pústulas de um colonialismo que uma
chamada "modernidade" julgava ter escondido, mas a
crueza dos quadros do artista expôs de forma única e
refulgente.

Aos 27 anos de idade, o herói afrofuturista que subverteu


o mainstream de um sistema dominante sucumbiu
precocemente. Era 1988. O fim de uma década, mas não o
fim de uma história.

Multiplicado em livros, exposições, t-shirts, coleções de


moda e influenciando a criação artística do século XXI nas
releituras da cultura das ruas que ele tão bem representou,
Basquiat permanece vivo, mutante, transverso. Driblou a
morte, a invisibilidade e o apagamento.

Graças ao percurso metafísico de sua arte, Basquiat fez as


ruas do Brooklyn dos anos 80 se transfigurarem nas ruas de
qualquer lugar do mundo. E, se perguntado sobre como isso
é possível, ele certamente responderia, com sua fala tímida,
pausada, e uma certa ironia sob os olhos puxados e os
dreads caindo no rosto:

" "Tudo depende de quem você é em que rua".

Ano: 2020.

Basquiat…presente!

LEIA TAMBÉM: Ideários Estéticos Afro-Atlânticos e


Decolonialidade – Um estudo de caso em Jean-Michel
Basquiat
Basquiat, artigo cientifico de Hélio Rainho na revista
acadêmica Em Tempos de História, da Universidade de
Brasília:

https://periodicos.unb.br/index.php/emtempos/article/view/31249

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