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FISIOLOGIA

Data: 9 de Março de 2010 (1ª Aula)

Tema: Fisiologia do Sangue

Docente: ?

Anotada por: João Gramaça

O sangue é, por definição, um tecido conjuntivo existente nos vasos que percorre
praticamente todo o corpo, sendo composto por plasma e elementos figurados,
nomeadamente eritrócitos, leucócitos e plaquetas. As suas funções relacionam-se com a
defesa do organismo, com mecanismos de homeostase (ao nível da distribuição de fluidos, do
equilíbrio hidro-electrolítico e da regulação da temperatura), com o transporte e distribuição
de O2 e de substratos essenciais aos tecidos, com a remoção de CO2 e de outros produtos do
metabolismo, e com a Hemostase.

Quanto ao transporte de O2 e CO2, este é realizado pelos eritrócitos, células anucleadas e


bicôncavas, com um membrana celular com grande capacidade de deformação, contendo na
sua constituição Hemoglobina (Hb) e o enzima Anidrase Carbónico, que auxilia o transporte de
CO2. No que se refere ao transporte de O2, este realiza-se através duma ligação reversível
entre o Hb e o O2, ligação esta que se traduz numa curva de dissociação de oxihemoglobina,
com um perfil sigmoideu – isto é, a Hb tem maior afinidade para o O2 nos pulmões, onde
existe uma maior [O2], e tem menor afinidade nos tecidos periféricos, onde encontramos uma
menor [O2]. Porém, existem factores de influência sobre o equilíbrio da curva, como a
temperatura, a [2.3-Bifosfoglicerato] e a [H⁺].

Já o CO2 é transportado após ser dissolvido a Bicarbonato, por acção do Anidrase Carbónico:

Geralmente, distúrbios relacionados com eritrócitos traduzem-se em anemia, que pode ser
provocada por hiperproliferação, devido a lesão medular, deficiência de Fe ou estimulação da
eritropoiese, por hemólise ou hemorragia, ou por distúrbios de destruição excessiva,

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consequência de defeitos citoplasmáticos ou nucleares. Por sua vez, as alterações do
transporte de O2 e CO2 (resultantes ou não de anemia), são avaliadas através de um
hemograma completo, no qual se faz a contagem e indexação de eritrócitos, da quantidade de
Hb, etc.

Falemos agora da Hemostase, que é a capacidade do organismo, ao ocorrer uma lesão


vascular, conter adequadamente o sangramento e preservar a integridade da circulação,
protegendo o sistema vascular e permitindo a reparação dos tecidos através do Sistema
Hemostático, dependente das interacções entre a parede dos vasos, as plaquetas e os
processos de Coagulação e Fibrinólise. Assim, a Hemostase é a sequência de reacções locais
que culmina no controlo da hemorragia. Consiste em 3 fases:

 Resposta Vascular: Constrição do vaso lesado.


 Hemostase Primária: Formação do trombo/coágulo plaquetário.
 Hemostase Secundária: Formação do coágulo de Fibrina.

Após estas, o coágulo sanguíneo irá acabar por ser o promotor dos processos de reparação
definitiva.

A Resposta Vascular ocorre imediatamente após a lesão do vaso, consistindo na sua


constrição. Esta é uma resposta transitória, que permite a diminuição do fluxo sanguíneo da
área afectada e a manutenção da justaposição entre as superfícies endoteliais. No entanto,
este é um processo totalmente eficaz apenas nos pequenos vasos da microcirculação. Verifica-
se a participação da Endotelina (vasoconstritor libertado pelo endotélio), da Bradicinina
(aumenta a permeabilidade vascular, causando a contracção das células musculares lisas da
túnica média dos vasos) e do Fibrinopéptido B.

A Hemostase Primária, ou seja, o processo de formação do trombo plaquetário no local da


lesão, com enorme importância na limitação da perda de sangue pelos capilares, arteríolas e
vénulas, apresenta 3 acontecimentos fulcrais: Adesão Plaquetária; Secreção; Agregação
Plaquetária.

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A Adesão Plaquetária consiste na acumulação das plaquetas e na sua ligação a componentes
do subendotélio vascular (Colagénio, Fibronectina, Laminina; Vitronectina e Trombospondina),
através de receptores plaquetários específicos. Destas ligações, a principal ocorre entre o
Colagénio e a glicoproteína Ib/IX, que é estabilizada pelo Factor de von Willebrand (FvW), o
qual vai funcionar como uma ponte entre elas, de forma a que as plaquetas se mantenham
aderentes. O FvW também actua como proteína transportadora do Factor VIII, evitando a sua
degradação, para além de se ligar às glicoproteínas IIb/IIIa (como também faz o Fibrinogénio),
molécula com particular importância na agregação e adesão plaquetárias.

A Activação e Secreção Plaquetárias são reguladas pelo nível de nucleótidos cíclicos, entrada
de Ca2+, fosforilação proteica e hidrólise de fosfolípidos membranares. Então, os agonistas
que se ligam a receptores membranares, como o Colagénio, o FvW, a Adrenalina e a Trombina,
irão activar estes processos através de enzimas de degradação de fosfolípidos (fosfolipases C e
A2) e de supressores da formação de cAMP (neste passo, pode ocorrer amplificação da
resposta). Ora, isto traduz-se na alteração da forma das plaquetas, do movimento dos grânulos
de secreção para o sistema canalicular, a formação de mediadores (Tromboxano A2) e a
secreção do conteúdo dos grânulos constituintes das plaquetas:

 Grânulos λ (lisossomas) – Endoglicosidases e Enzimas de Clivagem da Heparina.


 Grânulos δ – Ca2+, Serotonina, ADP, ATP e PPi.

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 Grânulos α – FvW, Factor Plaquetário 4, PDGF, β-Tromboglobulina, Trombospondina,
Fibronectina.

Como acima mencionado, o Fibrinogénio liga-se à glicoproteína IIb/IIIa, que, com interacções
com a Trombina, forma o trombo ou coágulo plaquetário. Este processo – a Agregação
Plaquetária – tem a eficácia amplificada pela capacidade de contracção das plaquetas, o que
envolve interacções entre Actina e outras proteínas (Gelsolina, α-Actinina e Miosina), o que
conduz à consolidação do trombo. Em simultâneo, o PDGF estimula o crescimento e a
migração de fibroblastos e de células musculares lisas na parede do vaso.

A Hemostase Secundária resulta da activação de determinadas vias que conduzem à


coagulação sanguínea, após a lesão vascular. A coagulação é, portanto, um processo auto-
catalítico e auto-limitado que culmina na formação de Trombina suficiente, a partir da
Protrombina, para que ocorra a conversão de Fibrina em Fibrinogénio, para a formação do
coágulo. Este processo assenta na activação sequencial de factores de coagulação circulantes e
na formação de complexos membranares – a Cascata de Coagulação.

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A Cascata de Coagulação divide-se em:

 Via Intrínseca/de Contacto: A Pré-Calicreína, o Factor XII/de Hageman e o HMWK


(todos presentes na circulação) formam um complexo com o Colagénio subendotelial,
sendo a reacção de activação inicial por contacto com superfícies com carga negativa.
Após isto, ocorre uma cadeia de activação de factores de coagulação: o HMWK liga-se
ao Factor XII, que é convertido á forma activa (FXIIa), o qual converte a Pré-Calicreína
em Calicreína e o FXI em FXIa, convertendo o segundo FIX em FIXa, na presença de
Ca2+, sendo este o Factor que catalisa a activação do FX. Aliás, o conjunto de unidades
catalíticas desta activação final (FIXa, Ca2+; FVIIIa e Fosfolípidos Pro-Coagulantes)
denomina-se tenase intrínseca.
 Via Extrínseca/ dependente do Factor Tecidual: É iniciado após exposição do sangue
ao Factor Tecidual (lipoproteína membranar) após lesão vascular, formando este
Factor, com o FVII e o Ca2+, um complexo que activa os seus substratos fisiológicos –
os Factores IX e X.

Estas duas vias convergem na Via Comum, que se inicia então com a activação do FX, quer pela
Via Intrínseca (ao nível das superfícies fosfolipídicas, na membrana das plaquetas), como pela
Via Extrínseca. O FXa vai converter a Protrombina em Trombina (o ponto culminante da
Cascata de Coagulação), na presença de Ca2+, do FVa e de Fosfolípidos Pro-Coagulantes
(formando o Complexo Pro-Trombinase), processo este que ocorre com especial rapidez na
superfície de plaquetas activadas (embora possa ocorrer em qualquer membrana com
fosfolípidos). A Trombina serve para degradar o Fibrinogénio, sendo formados quatro
Fibrinopéptidos, dois A e dois B, a partir dos quais, com o auxílio do FXII, se forma Fibrina
insolúvel e mais resistente à Plasmina.

No entanto, não esqueçamos que a Trombina não se limita a converter Fibrinogénio em


Fibrina, dado que também activa factores de coagulação, estimula a agregação e secreção
plaquetárias, promove efeitos celulares (quimiotaxia, proliferação, renovação da Matriz
Extracelular e libertação de Citocinas). Daí que a coagulação não seja só uma cascata – é
também um mecanismo de sinalização celular participante na resposta inflamatória do
hospedeiro.

No que se refere ao mecanismo de regulação, a coagulação apresenta um sistema rígido,


importante para a focalização da resposta hemostática ao local da lesão. Por outro lado, a
fluidez sanguínea é mantida pelo próprio fluxo do sangue, pela adsorção dos factores de
coagulação às superfícies celulares activadas e pela presença de vários inibidores plasmáticos –
ou seja, existe uma auto-limitação do processo por parte de certas proteínas, cuja deficiência
aumenta o risco de Trombose. Os inibidores da Hemostase são:

 Antitrombina (AT): Principal, sintetizada no Fígado e nas células endoteliais. Ela


inactiva directamente a Trombina e as outras proteases da Serina (Factores IXa, Xa, XIa
e XIIa), a Plasmina e a Calicreína. A formação do complexo Trombina-AT aumenta
bastante com a presença de Heparina ou de Glicosaminoglicanos sulfatados. Por outro
lado, o facto de se ligar ao Heparano Sulfato, expresso por endotélio normal, evita a
formação de Fibrina onde não exista lesão.
 Co-Factor II da Heparina: Inibidor da Trombina (menos importância).

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 Proteína C (Vitamina K-dependente): Activação pela Trombina ligada à
Trombomodulina (existente no endotélio intacto), indo depois inactivar os Factores Va
e VIIIa (através de proteólise) e os receptores plaquetários ou indo estimular a
libertação do Activador de Plasminogénio Tecidual para Células Endoteliais – portanto
tem interferência nas Vias Intrínseca e Comum.
 Proteína S (Vitamina K-dependente): Na forma livre, existe no plasma, actuando como
co-factor da Proteína C activada, quando em conjunto com Fosfolípidos Pro-
Coagulantes.
 α2 Macroglobulina e α1 Antitripsina: Inibidores da coagulação (menos importância).
 Factor Inibidor da Via do Factor Tecidual (TFP1): Proteína inibidora do complexo
FVIIa/Factor Tecidual, por feedback, o que provoca uma diminuição dos Factores IXa e
Xa, sendo o TFP1 potenciado pela Heparina – interfere na Via Extrínseca.

Após a formação do coágulo, ocorre a Fibrinólise ou Hemostase Terciária, que se define como
o processo fisiológico pelo qual a Fibrina é dissolvida. O Sistema Fibrinolítico plasmático é
constituído por proteínas, activadoras e inibidoras, com síntese celular no Fígado, no endotélio
vascular e nas plaquetas, normalmente em resposta à existência de Trombina. Assim sendo, a
Fibrinólise consiste na lise dos coágulos de forma a que exista uma contenção pró-activa
destes.

Portanto, as substâncias que activam o processo são o Activador do Plasminogénio Tecidual


(tPA) e o Urocinase (UK), moléculas estas libertadas pelas células endoteliais para conversão
do Plasminogénio (adsorvido ao coágulo de Fibrina) em Plasmina. Esta tem por função
degradar a Fibrina polimerizada – só que só é produzida Plasmina na área do trombo, dado

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que o tPA e o UK só activam o Plasminogénio ligado á Fibrina (a Plasmina também degrada
Fibrinogénio, sendo esta também uma reacção localizada). Posto isto, as substâncias
activadoras da Fibrinólise são:

 tPA: Activador fraco quando livre, mas eficaz quando ligado ao Plasminogénio, por sua
vez ligado à Fibrina.
 UK: Tem duas formas – as células endoteliais libertam UK de Cadeia Simples, que só
activa Plasminogénio ligado à Fibrina; a partir duma certa concentração, a Plasmina
degrada o UK em UK de Cadeia Dupla, que activa tanto o Plasminogénio livre como o
ligado à Fibrina.
 PAI (Inibidores dos Activadores de Plasminogénio): Limitam a Fibrinólise, sendo o PAI
libertado pelo endotélio vascular e por plaquetas activadas, inibindo directamente o
tPA.
 Inibidor de Plasmina: Também limita a Fibrinólise, inactivando a Plasmina livre que sai
do coágulo, encontrando-se o inibidor ligado à Fibrina pelo FXIIIa.

A Fibrinólise em excesso é evitada pelo curto tempo de semi-vida do tPA e do UK, face á
inactivação pelo PAI e pela eliminação que sofrem para o Fígado, pela potenciação da
actividade do tPA e do UK de Cadeia Simples pelo Plasminogénio ligado à Fibrina, que limita a
Fibrinólise ao coágulo, e pela neutralização pelo Inibidor da Plasmina que escapa ao coágulo.

Avaliação Clínica da Função Hemostática

 História Clínica
 Exame Físico

Avaliação Laboratorial da Função Hemostática

- Avaliação da Função Plaquetária – Hemostase Primária:

 Testes de Rastreio: Contagem de Plaquetas (Normal= ); Tempo de


Sangria (Técnica de Duke ou Técnica de Ivy)
 Testes Específicos: Agregação Plaquetária; Armazenamento e Secreção de Plaquetas;
Factor Plaquetário 3; Factor de von Willebrand.

- Avaliação do Sistema de Coagulação Plaquetária – Hemostase Secundária:

 Testes de Rastreio: Tempo de Tromboplastina Parcial Activada (aPTT); Tempo de


Protrombina (PT); Tempo de Trombina (TT); Tempo de Protrombina e Proconvertina
(P&P).
 Testes Específicos: Análise do Fibrinogénio Plasmático; Análise do Factores de
Coagulação.

- Avaliação dos Mecanismos Reguladores da Coagulação:

 Testes: Antitrombina (AT), Proteína C; Proteína S; Resistência à Proteína C Activada


(PCA); Fragmento F1+2 de Protrombina.

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- Avaliação do Sistema Fibrinolítico – Hemostase Terciária:

 Testes de Rastreio: Teste da Estabilidade do Coágulo de Fibrina; Tempo de Lise do


Coágulo; Tempo de Lise das Euglobulinas.
 Testes Específicos: Análise do Plasminogénio; Análise do Inibidor de Plasmina; Análise
da Fibrina solúvel; Análise dos Produtos de Degradação do Fibrinogénio (FgDP/PDF) e
da Fibrina (FbDP/FDP; Dímero-D).

Quanto aos distúrbios da função hemostática, sabemos que esta requer a interacção de 3
sistemas biológicos principais – vasos sanguíneos, plaquetas e factores de coagulação. Caso
existam defeitos quantitativos ou qualitativos num dos componentes, manifesta-se uma
Doença Hemorrágica, ao passo que a activação excessiva de um ou mais sistemas pode
desencadear uma Trombose Arterial ou Venosa (que pode ser resultado dum estado
trombótico hereditário ou adquirido).

No que diz respeito à primeira situação, podem existir distúrbios das diferentes fases da
Hemostase, às quais irão corresponder diferentes sintomas. Na Hemostase Primária podemos
ter:

Pode ainda existir Trombocitopenia (número anormalmente baixo de plaquetas) ou anomalias


Adquiridas da Função Plaquetária (para além das acima referidas).

Na Hemostase Secundária, podemos encontrar ausência ou deficiência hereditária de factores


de Coagulação, como acontece na Hemofilia A (deficiência do Factor VIII) e B (deficiência do
Factor IX), ou defeitos que conduzem à inibição dos factores de coagulação. Já na Hemostase
Terciária, existe a possibilidade de defeitos no processo de lise dos coágulos.

Apesar de tudo, a nível terapêutico, temos ao nosso dispor alguns fármacos modificadores da
Hemostase:

 Antiagregantes plaquetários (como o Ácido Acetilasilíco).


 Anticoagulantes – Heparina ou Anticoagulantes Orais/Antagonistas da Vitamina K
(fármacos cumarínicos – Varfarina).
 Trombolíticos – dissolvem um trombo formado e restauram a circulação através do
vaso obstruído (tPA Recombinante ou Estreptocinase).

[Nota: Certos factores de coagulação enzimáticos dependem da Vitamina K – Proteases de Serina, como
os Factores IIa, VIIa, IXa e Xa]

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