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COMO MORRE

UM INOCENTE
ÉPOCA REFAZ OS PASSOS DA
POLÍCIA DO RIO NO MÊS
MAIS LETAL DE 2019 E REVELA
INDÍCIOS DE ERRO, EXECUÇÃO
SUMÁRIA E IMPUNIDADE
por Rafael Soares

EPOCA
DUAS REGINAS
SECRETÁRIA DA CULTURA
CLÃ EM GUERRA
OS BASTIDORES
DEMÔNIOS
PRIVADOS
27.01.20

DE BOLSONARO SERÁ DAS BRIGAS DA FAMÍLIA FILHOS DE TORTURADORES EPOCA.GLOBO.COM


A “NAMORADINHA” ARRAES DEPOIS DE DITADURAS VIZINHAS Nº 1124
OU A MALU MULHER? DA MORTE RESGATAM A MEMÓRIA CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL
APROXIMADAMENTE 4,65%

por Artur Xexéo DE EDUARDO CAMPOS DAS VÍTIMAS DE SEUS PAIS EXEMPLAR DO ASSINANTE
por Gustavo Maia por Janaína Figueiredo VENDA PROIBIDA
ILICITUDES EXCLUÍDAS 21

Ao analisar caso a caso todas


as mortes em confronto de um único mês
no Rio de Janeiro, ÉPOCA identificou
12 vítimas com graves indícios
de erro policial ou execução sumária
por Rafael Soares

A o menos 12 casos de mortes cometidas Morro do Estado, em Niterói. Quando foi ba-

QUANDO
Ana Cláudia Rangel,
com a foto do filho pela polícia do Rio de Janeiro, em um leado, o jovem carregava uma mochila com
Daniel Souza, frentista
que se preparava para único mês, apresentados à população como seu uniforme de trabalho, crachá, certificado
entrar na faculdade, “confronto com bandidos”, têm indícios de reservista, carteira de trabalho e celular.
mas foi morto pela graves de erro policial, em que inocentes fo- Tudo isso sumiu quando o rapaz foi deixado
polícia e apresentado
ram mortos por engano, ou execução à mar- por policiais militares no Hospital Antônio

A POLÍCIA
como criminoso
gem da lei, segundo um levantamento feito Pedro, e até hoje nada foi encontrado.
por ÉPOCA. A reportagem analisou nos úl- Quatro horas antes de ser morto, Souza
timos três meses todas as informações dis- terminou sua jornada de trabalho num pos-
poníveis sobre as 195 “mortes por interven- to de gasolina de Jacarepaguá, na Zona Oes-
ção de agentes do Estado” ocorridas em ju- te do Rio. Como acontecia todo domingo,

MATA
lho de 2019 — o mês mais letal do ano mais após o expediente, funcionários fizeram um
letal da polícia mais letal do Brasil em mais churrasco nos fundos do estabelecimento.
de duas décadas. Seis meses depois, nenhum Uma foto postada nas redes sociais por um
policial foi denunciado à Justiça. colega mostra o frentista sorridente, com a
Há casos com fortes indícios de erro poli- mochila nas costas. Câmeras de segurança

QUEM NÃO
cial, em que, ao que tudo indica, as forças de do prédio em que ele morava também mos-
segurança mascararam a realidade para não tram a mochila nas costas do jovem quando
responder pela morte de inocentes. Um dos ele saiu de casa para trabalhar.
homicídios sob investigação é o do frentista Por volta das 23 horas, o frentista deixou o
Daniel Rangel de Souza, de 20 anos, na ma- posto de gasolina num carro da empresa, que

DEVIA
drugada de 28 de julho. Ele foi vítima de cinco levava para casa funcionários que moravam
tiros disparados por policiais militares do Ba- em Niterói, a 40 quilômetros dali. Às 0h03,
talhão de Operações Policiais Especiais (Bope) Souza mandou uma mensagem para sua mãe,
na Rua Padre Anchieta, um dos acessos ao a diarista Ana Cláudia Rangel, de 42 anos,
FOTO: GUITO MORETO/AGÊNCIA O GLOBO
22 ILICITUDES EXCLUÍDAS ILICITUDES EXCLUÍDAS 23

MARCELOTHEOBALD/AGÊNCIA O GLOBO

A polícia do Rio, responsável por quatro


em cada dez mortes pelas forças de segurança
no país, bateu recorde de letalidade
em 2019. Os homicídios caíram, mas outros
fatores também contribuíram para a queda

MÁRCIA FOLETTO/AGÊNCIA O GLOBO PABLO JACOB/AGÊNCIA O GLOBO

aconteceram durante operações da polícia


avisando que estava a caminho de casa. Pouco ram seus pais. A diarista não imaginava que A política de confronto em favelas. Também houve casos em que os
depois, saltou no mesmo ponto em que era faria a mesma viagem de volta três dias de- com criminosos da policiais realizavam ações de patrulhamento
polícia do Rio de Janeiro
deixado diariamente, a poucos quarteirões do pois para enterrar o filho. Quando chegou a resultou em mais rotineiro e testemunharam roubos, e ainda
apartamento onde morava com a mãe e os Niterói, fez diversas ligações para o celular operações, e também ocasiões em que os criminosos foram mortos
quatro irmãos, no centro do município. do frentista, que estava desligado. Peregrinou num recorde de mortes quando tentaram assaltar policiais de folga.
causadas pelas forças
Antes de tomar a direção de casa, entre- por hospitais e delegacias até encontrar o de segurança MARCELO THEOBALD/AGÊNCIA O GLOBO
A maioria dos relatos dos agentes repete
tanto, Souza encontrou-se com amigos com corpo de Souza, na tarde de terça-feira, no um padrão: são incursões em favelas feitas por
quem estudou no ensino médio, moradores Instituto Médico-Legal (IML). um grupo pequeno — de dois a seis policiais
do Morro do Estado. Segundo testemunhas “Primeiro, mataram meu filho. Depois, jovem uniformizado em todos os empregos pe- — armado de fuzis para “reprimir o tráfico de
que viram o frentista naquela madrugada, o ainda o chamaram de criminoso. O Daniel los quais passou. Numa imagem postada em drogas”; a patrulha é atacada por traficantes e
grupo não subiu as escadarias que levam à fa- era um menino trabalhador. Completou o novembro de 2015, em que posa com vários reage; em seguida, após o fim do tiroteio, os
vela, mas ficou na rua que dá acesso à comuni- ensino médio e estava inscrito no vestibular. outros funcionários do mercado onde traba- policiais vasculham o local; a vítima é encon-
dade. Policiais do Bope chegaram ao local e Queria cursar mecânica industrial. Enquan- lhou, escreveu na legenda: “A única maneira de trada e retirada para ser levada a um hospital.
houve correria. Souza foi atingido por cinco ti- to não entrava na faculdade, arranjou um fazer um ótimo trabalho é amando aquilo que Esse roteiro está presente, por exemplo,
ros pelas costas. Às 6 horas do dia seguinte, o emprego para ter o dinheiro dele. Não vou faz”. O inquérito que investiga a morte tramita nos depoimentos de três policiais militares do
perfil oficial da Polícia Militar no Twitter acu- descansar enquanto não limpar a imagem na Delegacia de Homicídios (DH) de Niterói. Batalhão de Choque que mataram Jefferson
sou o frentista de ter atacado os agentes: do meu filho”, afirmou Rangel. de Oliveira da Costa, de 29 anos, e Luan Bor-
“Equipes do Bope realizaram uma operação
no Morro do Estado, em Niterói, e apreende-
ram uma pistola .9mm. Um criminoso mor-
Logo depois da morte de Souza, a diaris-
ta se mudou com os outros quatro filhos do
apartamento onde moravam: “Tudo lá lem-
A o todo, 151 inquéritos foram abertos para
investigar as 195 mortes provocadas pela
polícia em julho do ano passado (uma inves-
ges de Albuquerque, de 26, durante operação
no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio,
em 31 de julho. Os relatos dos policiais na DH
reu após atirar contra os policiais”, afirmava o brava ele”, revelou. Na nova casa, fotos do tigação pode apurar mais de um homicídio). são idênticos: até as mesmas palavras são
texto publicado na rede social. A postagem te- filho sorridente estão espalhadas pela sala e Onze deles já foram arquivados: a Polícia Ci- usadas para descrever a situação. Os três afir-
ve mais de 400 respostas — a maioria de ami- num mural no quarto da mãe. Numa pasta, vil concluiu que a versão apresentada pelos maram que saltaram de uma viatura e pro-
gos de Souza dizendo que ele era inocente. Rangel guarda certificados de funcionário agentes é coerente, e a Justiça encerrou as in- grediram pela favela até avistarem “dez ele-
Como os documentos que o frentista le- do mês, boletins escolares e currículos do fi- vestigações a pedido do Ministério Público. A mentos fortemente armados, que iniciaram
vava desapareceram depois de ele ser morto, lho — “Isso é para mostrar para quem quiser maioria dos casos segue aberta: 121 inquéritos, disparos contra a guarnição”. Os agentes “re-
sua mãe demorou dois dias para descobrir o ver que ele nunca foi criminoso”. ou 80%, estão em andamento. Dados de 19 peliram a injusta agressão” com tiros de fuzil
que havia acontecido com o filho. No mo- Antes de conseguir o emprego como fren- inquéritos não foram encontrados. e “vasculharam o local”, quando encontra-
mento em que Souza foi assassinado, Rangel tista, Souza foi jovem aprendiz num supermer- A partir de informações das investiga- ram “dois corpos caídos”, com duas pistolas
estava num ônibus voltando de Miracema, cado, fez curso técnico de mecânico e traba- ções, ÉPOCA conseguiu determinar as cir- próximas. Segundo os policiais, ambos os ho-
cidade no Norte Fluminense em que nasceu, lhou numa empresa de transportes. Em seu cunstâncias em que 135 das 195 vítimas fo- mens estavam “com vida” e foram socorridos
deu à luz todos os filhos e onde até hoje mo- perfil no Facebook, é possível ver fotografias do ram mortas. Em 88% dos casos, as mortes para o Hospital Federal de Bonsucesso, aonde
ILICITUDES EXCLUÍDAS 25

na mão quando um menino entrou pela


porta anunciando: “Seu filho foi baleado”.
Eram quase 7 horas quando ela chegou ao
campo de futebol da favela, onde acontecia o
baile. Logo viu seu filho caído na grama de
um canteiro, ao lado da quadra, a poucos
metros de uma viatura da Polícia Militar.
“Nenhuma mãe deveria ver uma cena
dessas. Quando o vi no chão, comecei a
passar mal. Até hoje, quero acreditar que é
tudo mentira, que vou acordar e ele vai es-
tar em casa”, rememorou, com os olhos vol-
tados para o lugar onde o filho fora baleado
havia exatos seis meses.
Moradores ainda tentaram socorrer o ado-
lescente: colocaram-no numa Kombi para ser
levado para um hospital. Policiais intercepta-
ram o veículo na saída da favela, e os agentes
GUILHERME PINTO/AGÊNCIA O GLOBO GUILHERME PINTO/AGÊNCIA O GLOBO
determinaram que o adolescente fosse trans-
ferido para uma viatura. Atingido por qua-
tro tiros, ele morreu antes de dar entrada no
já chegaram mortos — cada um deles foi a chegada de Wilson Witzel (PSC) ao gover- Acumulam-se os casos
em que famílias dizem
O “excludente de ilicitude” defendido pelo Hospital Carlos Chagas. Na parede do fundo
atingido por ao menos três disparos no peito. no do estado e Jair Bolsonaro (sem partido) governo Bolsonaro já acontece na prática nas do campo de futebol, amigos pintaram, com
que inocentes foram
A mãe de Albuquerque afirmou à DH que à Presidência. Em 2019, os casos aumenta- mortos pela polícia. tinta preta, o rosto sorridente de Alan.
seu filho não era traficante e que “foi morto por ram 17% em relação ao ano anterior e atingi- A corporação reluta ruas; mesmo com sinais de erro em ações, Policiais militares do batalhão de Irajá, o
estar passando pela rua na hora do tiroteio”. ram o mais alto patamar da série histórica, em reconhecer erros
nessa ações
nenhum policial foi afastado nem denunciado 41º BPM, acusam Alan de ter atacado a patru-
Nas investigações dos crimes de 60% das com 1.810 mortes — embora os últimos cin- nos quase 200 casos analisados por ÉPOCA lha, que entrara na favela para “reprimir o
vítimas, a Polícia Civil não fez perícia no local, co meses venham registrando queda. Segun- Acima, à direita, as pilhas tráfico de drogas”, conforme relataram agen-
já que as vítimas foram levadas para hospitais do os dados mais recentes, de cada dez mor- de processos para tes que participaram da ação à DH. O crime
investigar falhas
e as cenas dos crimes foram desfeitas. Em to- tes provocadas pela polícia no Brasil, quatro nas operações. Eles está preocupado é com a vida do favelado”, foi registrado como “morte por intervenção
dos esses casos, os responsáveis pela investiga- acontecem no Rio de Janeiro. caminham lenta afirmou recentemente. “Nós nos preocupa- de agente do estado”, o popular “auto de re-
ção nem sequer visitaram posteriormente os O recorde na letalidade policial acontece e burocraticamente mos, sim, com os favelados, com as pessoas sistência”, quando o homicídio é cometido
lugares onde os homicídios aconteceram. num momento em que avançam propostas pobres e mais humildes. E queremos pre- em legítima defesa pelo policial, em meio a
Em dois casos, os policiais disseram ter para dificultar punições para agentes que servar vidas. Mas enquanto eles desfilarem um confronto. Dois policiais militares afirma-
apreendido armas de brinquedo com as víti- matam. Desde a campanha, Bolsonaro de- em bailes funk, desafiando a sociedade com ram, em depoimento, que foram atacados a
mas. Num deles, François de Souza Silva, de fende a ampliação do chamado “excludente armas de guerra, estaremos chorando víti- tiros “por cerca de dez indivíduos” quando
24 anos, foi baleado e morto por policiais do de ilicitude”, já previsto no Código Penal mas e recebendo na Delegacia de Homicí- chegaram ao local do baile e reagiram, aper-
batalhão de Nova Iguaçu, na Baixada Flumi- para situações em que policiais agem em le- dios todos os meses...” tando o gatilho de seus fuzis 33 vezes no to-
nense. Os agentes afirmaram que receberam gítima defesa. Depois de eleito, ainda em tal. Em seguida, avistaram Alan caído. Por
denúncia sobre três pessoas que estariam rea-
lizando roubos na região. Em seguida, aborda-
ram o homem, que passava de moto pelo lo-
2018, Witzel sempre pregou uma “política
de abate”, sintetizada em sua diretriz de que
os policiais deveriam “mirar na cabecinha...
A lessandra Ladeira passou em claro a ma-
drugada de 14 de julho. Ela não conse-
gue dormir quando algum de seus três filhos
fim, os agentes disseram que, depois de os
frequentadores do baile tentarem socorrer o
adolescente, “fizeram uma varredura no lo-
cal. Durante a ação, um dos policiais afirmou e fogo!” no caso de bandidos que portassem não está em casa, na favela Para Pedro, em cal” onde ele estava caído e afirmam ter en-
que viu o cabo de uma arma na cintura de Sil- fuzis. Em menos de 20% das mortes anali- Irajá, na Zona Norte do Rio. Era dia de baile contrado uma pistola calibre 9 milímetros.
va e deu dois tiros de fuzil em sua direção. Na sadas por ÉPOCA os criminosos portavam funk (desses onde o governador só enxerga “Eles estão mentindo. Mataram um ino-
delegacia, os policiais apresentaram uma ar- esse tipo de armamento desfiles de criminosos), e seu filho mais ve- cente. Meu filho não era envolvido com o trá-
ma de brinquedo. Parentes da vítima afirmam O governador rebate constantemente lho, Alan, de 18 anos, passara a semana in- fico e não estava armado. Ele estudava e que-
que Silva era dono de uma barbearia na região críticas de que sua política de segurança pe- teira contando as horas para o evento. O ria seguir carreira militar. Ia se apresentar ao
e não portava arma nenhuma. nalizaria os mais pobres que vivem em áreas adolescente saiu de casa às 21 horas, com Exército em outubro, mas não deu tempo”,
dominadas pelo crime. “Quando a oposição seus dois irmãos, Ana Karolina e Fernando, disse Ladeira. Alan estava matriculado no 1º

A escalada de mortes cometidas pela polí-


cia no Rio começou ainda em 2018,
quando foi decretada a intervenção federal
se levanta e diz que eu não valorizo a vida do
favelado, é um discurso absolutamente des-
provido de bom senso e de razão. Se tem
de 16 e 17 anos. Ao contrário dos mais no-
vos, Alan ainda não tinha chegado quando o
sol nasceu. Ladeira, uma dona de casa de 38
ano do ensino médio no Colégio Estadual
República de Cabo Verde, vizinho à favela.
Provas que fazem parte do inquérito que
na Segurança do estado, e se acentuou com algo que eu me preocupo e que nosso governo anos, esperava o filho com um copo de café investiga o caso corroboram a versão da mãe.
26 ILICITUDES EXCLUÍDAS ILICITUDES EXCLUÍDAS 27

Filmagens feitas por frequentadores do baile atingido em 2017, quando 60 mil brasileiros Os três policiais civis que estavam dentro “pode ter havido um confronto no local” por
mostram que o campo de futebol estava foram mortos. Entre os motivos para a me- da casa alegaram que houve uma negociação causa das marcas de tiros nas paredes, com
cheio quando os policiais chegaram. Houve lhora estão o investimento em Inteligência bem-sucedida com os criminosos para que a “direções e sentidos opostos”.
correria, e a atração principal do evento, o policial, como aconteceu no Rio a partir da refém fosse libertada. Os agentes permanece- Antes de o inquérito chegar ao MP, a DH
pagodeiro Mr. Dan, teve de interromper o intervenção federal na segurança, e até uma ram na cozinha e afirmaram ter ouvido de um havia pedido seu arquivamento, argumen-
show em meio aos tiros. Uma testemunha do trégua entre facções, o que leva a um arrefeci- dos traficantes, que estava dentro do banheiro tando que os policiais “cometeram os homi-
crime afirmou à DH que havia traficantes ar- mento dos confrontos entre criminosos. com a refém, que eles faziam a mulher “de es- cídios revidando a injusta agressão”. Os pro-
mados no local, mas eles “não atiraram nos A redução dos homicídios e o aumento cudo”. No entanto, em meio à negociação, a motores do Gaesp, entretanto, discordaram
policiais militares”. A mulher, que estava no da letalidade policial no Rio levaram a uma dona da casa “conseguiu se desvencilhar e sair do parecer, e a investigação segue em anda-
baile, disse que viu o momento em que Alan situação em que as forças de segurança já correndo”. A saída da mulher do local “desen- mento no MP para apurar se os três homens
foi atingido por tiros de fuzil disparados por são responsáveis por uma em cada três mor- cadeou uma intensa troca de tiros no interior foram executados depois de se renderem.
um “policial careca”. Segundo a mulher, o tes no estado. do imóvel”, de acordo com o depoimento de O Gaesp foi criado em 2015, com foco na
adolescente só estava com um copo verde, de um dos agentes à DH. Após a “resistência ar- atuação das forças policiais. Desde dezembro
plástico, na cintura: “Alan não estava arma-
do”. Um exame pericial não encontrou vestí-
gios de pólvora nas mãos do adolescente.
É POCA localizou um inquérito em que o
Ministério Público (MP) apura se os cri-
minosos já estavam rendidos quando foram
mada”, Lucas de Oliveira da Silva, de 17 anos,
Ítalo Kennedy da Silva Santos, de 22, e Breno
Vargas de Souza, de 21, foram encontrados no
de 2016, os promotores ofereceram 38 denún-
cias contra policiais por homicídios cometidos
em serviço, alguns de casos que corriam havia
mortos. Às 6 horas da manhã de 15 de julho, cômodo. Os agentes afirmaram ter apreendido, mais de 20 anos. Em apenas três casos até

O governo argumenta que a política de


confronto deu resultados. Dados divul-
gados na terça-feira mostraram que o núme-
agentes da Coordenadoria de Recursos Es-
peciais (Core) — a unidade de elite da Polí-
cia Civil — entraram no Morro da Coroa. O
próximo às vítimas, duas pistolas e um fuzil.
Quatro meses após o crime, no entanto, o
caso saiu da DH e passou a ser apurado pelo
agora os policiais serão levados a júri popular.
Para a promotora Andréa Rodrigues Amin,
coordenadora do grupo, a impunidade de ho-
ro de homicídios dolosos caiu ao menor pa- objetivo da operação era auxiliar policiais da Grupo de Atuação Especializada em Segu- micídios cometidos por policiais se relaciona
tamar desde 1991 e pela primeira vez menos 7ª DP, do bairro de Santa Teresa, a cumprir rança Pública (Gaesp), do MP do Rio, que com a má qualidade das investigações e com a
de 4 mil pessoas foram assassinadas no esta- mandados de prisão contra traficantes da auxilia investigações em que há indícios de falta de interesse das instituições em apurar es-
do. A queda em relação a 2018 foi de 19,3%. favela. No meio da ação, os policiais perse- irregularidades por parte de policiais. Em de- se tipo de crime. “Delegados, promotores e
Apesar disso, especialistas dizem que guiram um grupo de homens armados que zembro, a dona da casa prestou depoimento juízes não se enxergam nas vítimas. Falta em-
não é possível apontar uma correlação entre haviam trocado tiros com os agentes. Seguin- à Promotoria. Ela confirmou que ficou em patia ao sistema de Justiça Criminal para con-
o aumento da letalidade policial e a dimi- do um rastro de sangue, os agentes descobri- poder dos traficantes no banheiro e disse que duzir essas investigações e ouvir parentes e
nuição de crimes. O número de assassinatos ram que os traficantes haviam entrado numa um deles mantinha um fuzil encostado em testemunhas com real interesse”, pontuou.
caiu em 22 das 27 unidades da Federação, e casa para se esconder. Dentro do imóvel, sua nuca. Segundo a mulher, durante a nego- Atualmente, só uma pequena parcela dos
inclusive em algumas onde as mortes pro- um homem se apresentou aos policiais e ciação, um policial dizia para os criminosos casos de mortes cometidas por policiais é
vocadas pela polícia também diminuíram, disse que três traficantes estavam fazendo que não queria “dar satisfação aos meus su- investigada pelo Gaesp, que só pode atuar
como Paraíba e Espírito Santo. sua mulher refém no banheiro. A partir des- periores por uma refém ter sido morta”. A num caso quando é acionado por quem já
Segundo estudiosos, uma combinação de se ponto, o inquérito tem duas versões dife- dona de casa, entretanto, afirmou que, após conduzia as investigações: apenas 13 dos 132
fatores levou o Brasil a recuar do recorde rentes para o que aconteceu. dez minutos de negociação, o traficante que inquéritos abertos em julho estão sob res-
“estava com o fuzil apontado para a cabeça ponsabilidade de promotores do grupo.
FABIANO ROCHA
soltou seu cabelo e abaixou a arma, colocan- “Ao contrário de qualquer outra investiga-
O governador Wilson do-a em cima do vaso sanitário, e disse ‘Vou ção, a regra em casos de mortes cometidas
Witzel defendeu desde soltar porque tenho um filho para criar e não por policiais é um inquérito reativo: ou seja,
antes da posse “mirar na
cabecinha” de bandidos quero morrer’”. Nesse momento, ela correu e em vez de a Polícia Civil buscar testemunhas,
com fuzil e estimulou uma deixou o imóvel. Depois de sair do local e se procurar parentes das vítimas, produzir pro-
“política de abate” que, abrigar na casa de uma vizinha, ainda se pas- vas, ela espera que as provas venham até ela.
algumas vezes, também
mata inocentes saram cinco minutos, até que a mulher ouviu Se os parentes das vítimas não procurarem a
uma série de disparos dentro do imóvel. delegacia, não levarem testemunhas para se-
A dona da casa disse ter ficado “aterrori- rem ouvidas, os casos não andam, param nos
zada” com o que aconteceu e nunca mais depoimentos dos policiais”, afirmou o de-
voltou ao local. Ela reconheceu o homem fensor público Daniel Lozoya, do Núcleo de
que portava o fuzil: era Ítalo Santos, o mais Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria
velho entre os três, que parecia ser o “líder” Pública do Rio, que atua em vários processos
do grupo. A autópsia dos três mortos indica contra policiais como assistente de acusação,
que todos foram atingidos por mais de um representando parentes dos mortos.
tiro de fuzil. Santos foi baleado quatro vezes. Todos os policiais envolvidos nos casos
Um disparo o acertou no peito; os outros citados na reportagem não foram punidos
três entraram pelas costas — um deles, na e seguem trabalhando normalmente em
nuca. Uma perícia feita na casa concluiu que suas corporações.

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