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GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS E PRÁTICAS ACADÊMICAS I

Texto: “O amigo”. Agamben, Giorgio. IN, O amigo & o que é um dispositivo.

Vinícius César Barbosa Lima

São Paulo

Julho de 2021

Prova de arguição a partir de uma questão


Questão: Explique, comente, elabore uma arguição sobre o conceito de amigo
como apresentado por Giorgio Agamben no seu texto “O amigo.”

Ao me deparar com o desafio de escrever sobre o texto O amigo, de Giorgio


Agamben (2009), surgiu-me a dúvida: o que é um amigo, afinal? Fiquei preso em
uma discussão interna sobre o tema sem conseguir definir um conceito em que eu
mesmo acreditasse. Continuei com o meu objetivo de elaborar um ensaio sobre o
conceito de amigo para Agamben e fui confrontado novamente com outras dúvidas
sobre o termo, a amizade é uma relação de benefício mútuo? Há relações de poder
no domínio da amizade? Em seu texto, Agamben propõe uma leitura de
investigação sobre o estatuto ontológico e ao mesmo tempo político da amizade,
isto é, investiga a própria existência da amizade partindo de concepções utilizadas
por Aristóteles, Derrida, Montaigne e Nietzsche.

O autor inicia seu capítulo apresentando a relação existente entre a filosofia


e a amizade, como também a dificuldade presente na maioria dos filósofos em
abordar essa questão. Começa exemplificando a profundidade da intimidade entre
os termos na própria palavra Philosophia, que inclui Philos — que significa amizade.
Com intuito de investigar os sentidos atribuídos ao termo (amigo) e colocar em
pauta um problema analítico, Agamben decide trocar cartas sobre o tema da
amizade com seu amigo Jean-Luc Nancy, decisão que logo o autor menciona ter
tido um efeito contrário ao objetivo, tornando-se, de certa forma, um obstáculo.

Sem sucesso com seu experimento anterior, Agamben prossegue citando


uma discussão com Jacques Derrida sobre o problema filológico — problemas na
tradução, edição, gramática — presente na frase atribuida por Derrida a Aristóteles:
o philoi, oudeis philos, “ó, amigos, não há amigos” (frase que Derrida havia utilizado
como fio condutor de seu livro Politicas da Amizade). Argumenta que basta abrirmos
uma edição moderna de Vidas dos filósofos, no capitulo dedicado à biografia de
Aristóteles (V, 21), não encontramos essa frase, e sim, uma quase identica, com
significado bem diferente: oi philoi, oudeis philos, “aquele que tem (muitos) amigos
não tem nenhum amigo”. Mesmo após Agamben ter avisado a Derrida sobre suas
pesquisas, publicou seu livro com a frase em sua forma originária propositalmente
como estratégia para que a amizade fosse, ao mesmo tempo, afirmada e colocada
em dúvida.

Com a dificuldade de compreender o conceito de amigo através da filosofia,


Agamben recorre aos elementos linguísticos para tentar definir o termo “amigo”. O
autor demonstra pensar que a palavra “amigo”, pertence a classe dos não-
predicativos, ou seja, para Agamben (2009, p. 83) “termos a partir dos quais não é
possível construir uma classe de objetos na qual inscrever os entes a que se atribui
o predicado em questão”. Sendo assim, o “amigo” compartilharia essa mesma
classe de não-predicativos não apenas com os insultos — que não funcionam como
uma predicação constativa e sim como um nome próprio —, mas também com
alguns termos filosóficos que não possuem uma denotação objetiva, tal qual
aqueles definidos como "transcendentes”, significam simplesmente o ser.

Além disso, o autor menciona um quadro de Giovanni Serodine que


representa o encontro dos apóstolos Pedro e Paulo na estrada do martírio, como
uma perfeita alegoria da amizade por conta da proximidade dos, com seus rostos
quase colados um no outro, mas sem serem capazes de se ver. Só que além disso,
com um detalhe importante, suas mãos se apertam embaixo de forma sutil. Sendo
assim, a amizade seria uma proximidade em que não há como fazer uma
representação ou então definir um conceito. Segundo Agamben (2009, p. 85)
reconhecer alguém como amigo significaria não conseguir reconhecê-lo como
qualquer coisa, ou seja, não se poder dizer “amigo” como se dizemos “branco”,
“magro” ou então “frio” — a amizade então não seria uma propriedade ou uma
qualidade de um sujeito.

Seguindo em frente com sua argumentação, o autor cita Aristóteles e


algumas de suas teses mais consolidadas sobre o tratado da amizade presente nos
livros oitavo e nono da Etica nicomachea. Dizia que não se pode viver sem amigos,
que é preciso distinguir a amizade fundada sobre a utilidade ou sobre o prazer da
amizade virtuosa, que não é possível ter muitos amigos, que uma amizade a
distância tende a produzir esquecimento entre outras. A partir desta passagem
Agamben apresenta cinco pontos centrais: o ser puro, o sentir da existência; a
sensação de existir é em si mesma doce; a equivalência entre o ser e viver, sentir e
existir, sentir-se e viver, ou seja, ser para viver; a amizade como um estatuto político
e ontológico, a sensação do ser é dividida e com-dividida, sendo a amizade que
nomeia essa condivisão — não há uma intersubjetividade, mas sim uma divisão
entre o ser, “o não-idêntico a si”; e por último, o amigo como um outro si, um tornar-
se outro do mesmo, a amizade como des-subjetivação da sensação mais íntima de
si.

Por fim, podemos notar o fato já demonstrado anteriormente por Montaigne,


apresentado e acrescentado por Agamben, de que na amizade não há o predomínio
de relações de poder, o que nos leva a entender que o compartilhar a existência
difere substancialmente das tendências políticas modernas e contemporâneas. Nas
palavras de Agamben (2009, p. 92)

Os amigos não condividem algo (um nascimento, uma lei, um lugar, um


gosto): eles são com-divididos pela experiência da amizade. A amizade é a
condivisão que precede toda divisão, porque aquilo que há para repartir é o
próprio fato de existir, a própria vida. E é essa partilha sem objeto, esse
com-sentir originário que constitui a política.

A amizade como um nobre con-sentimento, demonstra uma resistência aos


limites impostos pela estatização da vida. Além disso, Agamben ainda traz uma
reflexão sobre essa sinestesia política e em como ela se tornou, ao longo do tempo,
esse consenso ao qual confiamos hoje nossos destinos às democracias em sua
última fase da sua evolução.

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