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Morte Cerebral
Morte Cerebral
INTRODUÇÃO
Morte cerebral ou morte encefálica é o termo preferido para descrever o indivíduo apneico que não apenas está em coma
irreversível, consequente a lesão cerebral maciça, como também não tem reflexos do tronco encefálico e apresenta diurese
descontrolada e hipotensão consequente a perda do tônus vascular. Essa condição só pode ser explicada por morte encefálica e,
caracteristicamente, é decorrente de lesão diencefálica e bi-hemisférica aguda e irremediável. A morte encefálica ainda é incomum
porque essa evolução exigiria envolvimento dos dois hemisférios cerebrais e perda da função do tronco encefálico. Tipicamente,
essa situação clínica seria uma lesão hemisférica maciça (p. ex., hemorragia cerebral) comprimindo e lesando sequencialmente o
mesencéfalo, a ponte e o bulbo. O tronco encefálico é muito resiliente à lesão e seria necessário um desvio substancial
(consequente a efeito expansivo) ou má perfusão (secundária a oclusão da artéria basilar ou elevação maciça da pressão
intracraniana) para que fosse lesionado de modo permanente. Esse princípio neurológico central – o tronco encefálico é a última
estrutura a perder sua função – é o atributo mais importante para nossa compreensão da morte encefálica. Após a perda de
função do tronco encefálico, a respiração para e, logo em seguida, o coração. Se em uma fase aguda o paciente for intubado,
colocado em ventilação mecânica, oxigenado o suficiente, receber reposição volêmica e agentes vasopressores, essa sequência
agônica pode ser evitada.
Após a comprovação de lesão estrutural neurológica significativa intratável e o desaparecimento dos reflexos do tronco encefálico,
não ocorre recuperação e não existe intervenção clínica ou cirúrgica efetiva. A irreversibilidade é determinada por esse diagnóstico
e envolve a constatação da ausência de respostas motoras, do desaparecimento de todos os reflexos do tronco encefálico e da
observação de apneia após um estímulo de CO2 em um paciente temporariamente desconectado do respirador.
A capacidade de determinar morte encefálica é crucial para o neurologista, mas as oportunidades de exercê-la podem estar
diminuindo. Em muitas regiões a incidência de morte encefálica caiu na última década. É possível que membros da família decidam
suspender o suporte de vida quando a situação do paciente já é irremediável e eles desejam abreviar o sofrimento. A melhora do
cuidado neurocirúrgico, sobretudo a craniotomia descompressiva precoce, também contribuiu para isso.
A determinação da morte encefálica é um processo relativamente objetivo. Os médicos devem obedecer a um conjunto de
critérios e não serem seduzidos por opções supostamente mais fáceis. Esse capítulo explica como realizar essa avaliação e como
evitar equívocos comuns.
Exame clínico
Avaliação clínica para o diagnóstico de morte encefálica – 25 tópicos.
Pré-requisitos (todos têm de ser atendidos)
1. Coma, irreversível e de etiologia conhecida
2. Os exames de imagem explicam o coma
3. Não há efeitos residuais de sedativos (se houver indicação, solicitar painel toxicológico)
4. Não há efeitos residuais de substância paralisante (se houver indicação, solicitar painel toxicológico)
5. Ausência de anormalidade acidobásica, eletrolítica ou endócrina grave
6. Temperatura normal ou quase normal (temperatura central ≥ 36°C
7. Pressão arterial sistólica > 100 mmHg
8. Ausência de respiração voluntária
Exame físico (todos têm de ser verificados)
9. Ausência de fotorreatividade à luz brilhante
10. Ausência de reflexos corneanos
11. Olhos imóveis, ausência dos reflexos oculovestibulares (testados apenas se for comprovada a integridade da coluna cervical)
12. Ausência dos reflexos oculovestibulares
13. Ausência de movimento facial aos estímulos nociceptivos no nervo supraorbital ou na articulação temporomandibular ou
ausência dos reflexos de busca e orbicular dos lábios (em recém-nascidos)
14. Ausência de reflexo do vômito (reflexo faríngeo)
15. Não há reflexo de tosse à aspiração traqueal
16. Nenhuma resposta motora a estímulos nociceptivos nos quatro membros (reflexos espinais são permissíveis e a resposta
de tríplice flexão é mais comum)
Teste de apneia (todos têm de ser atendidos)
17. Paciente hemodinamicamente estável (pressão arterial sistólica ≥ 100 mmHg)
18. Respirador ajustado para normocapnia (PaCO2 = 35 a 45 mmHg)
19. Paciente pré-oxigenado com 100% de FIO2 durante 10 min (PaCO2 ≥ 200 mmHg)
20. Paciente mantém oxigenação com uma PEEP de 5 cmH2O
21. Desconectar respirador
22. Fornecer oxigênio via cateter de insuflação introduzido até o nível da carina (6 ℓ/min) ou conectar tubo T na válvula de
CPAP (em 10 cmH2O)
23. Não há respiração espontânea
24. Amostra de sangue coletada para gasometria arterial em 8 a 10 min, paciente reconectado a respirador
25. PaCO2 ≥ 60 mmHg ou elevação de 20 mmHg a partir do valor basal normal ou
Teste de apneia abortado e exame complementar (EEG ou estudo de fluxo sanguíneo cerebral) confirmatório
Documentação
Horário da morte (anotar o horário da última gasometria arterial ou da realização de um exame complementar )
Recomendações da diretriz para comprovar morte encefálica
Recém-nascido (≥ 37 semanas de idade gestacional) até 30 dias: dois exames feitos por dois médicos diferentes com
um intervalo de 24 h
30 dias a 18 anos de idade: dois exames feitos por dois médicos diferentes com um intervalo de 24 h
18 anos de idade ou mais: um exame (um segundo exame é necessário em seis estados dos EUA: CA, CT, FL, IA, KY,
LA)
Nervos cranianos
O exame físico pode ser realizado após a elucidação dos tópicos mencionados anteriormente. O exame começa com a avaliação
das respostas pupilares. As pupilas devem estar na posição média (4 a 6 mm) e não fotorreativas. Uma lupa ou um pupilômetro
portátil pode ser útil, sobretudo quando há dúvidas em relação à fotorreatividade das pupilas. O examinador deve lembrar que a
atropina usada durante a reanimação cardiopulmonar pode provocar dilatação pupilar, contudo, a medicação administração por via
intravenosa (IV) não modifica a reatividade. O reflexo corneano é testado espargindo água na córnea ou tocando a córnea com
uma gaze e não deve ser observada piscadela em resposta a esses estímulos. (Resposta sutis podem ser apenas movimentos dos
cílios.) Os reflexos oculocefálicos (“manobra dos olhos de boneca”) devem estar ausentes bilateralmente (a rotação rápida da
cabeça para os dois lados não induz movimentos oculares). A resposta oculovestibular não deve existir: a cabeça do paciente deve
ser levantada 30° e aproximadamente 50 mℓ de água gelada são infundidos no meato acústico externo. Nenhum movimento
ocular deve ser observado durante 2 min. A seguir, o examinador deve pesquisar os reflexos faríngeo e da tosse, que devem
estar ausentes. O reflexo faríngeo poderia ser testado por um movimento do tubo endotraqueal, contudo, é muito mais fidedigno
introduzir o dedo da mão enluvada na cavidade oral do paciente e mover a úvula. O reflexo da tosse deve ser testado por
aspiração brônquica profunda (pelo menos duas vezes).
De modo geral, ocorre deterioração da situação quando os pacientes em morte encefálica são mantidos sob ventilação mecânica
por períodos prolongados de tempo. Hipotermia, acidose metabólica, insuficiência renal e síndrome de angústia respiratória do
adulto (SARA) podem ocorrer nesses indivíduos. É crucial que o médico esteja ciente dessas complicações para mais bem manejá-
las. Mesmo com atenção meticulosa à homeostase cardiovascular, acidobásica e eletrolítica, a viabilidade dos órgãos na maioria dos
pacientes adultos em morte encefálica só pode ser mantida por 72 a 96 h.