Você está na página 1de 12

Desenvolvimento da Consciência Linguística e Ensino da Gramática

 
Os textos normativos em vigor referem uma competência curricular a desenvolver,
denominada,no Currículo Nacional do Ensino Básico, ‘conhecimento explícito’ e, nos
programas,‘funcionamento da língua’. Contudo, é evidente para qualquer professor
que estes termos estãode algum modo relacionados com o conceito de gramática.
 
Importa, portanto, que tenhamos um entendimento comum sobre os conceitos que os
termos‘gramática’, ‘consciência linguística’ e ‘conhecimento explícito’ designam no
contexto educativo.
gramática
No contexto educativo, o termo ‘gramática’ tem uma acepção alargada, designando
tanto oestudo do conhecimento intuitivo da língua que têm os falantes de uma dada
comunidade comoos princípios e regras que regulam o uso oral e escrito desse
conhecimento.
conhecimentoexplícitoPor seu lado, o termo ‘conhecimento explícito’ designa o
conhecimento reflexivo e sistemático do sistemaintuitivo que os falantes conhecem e
usam, bem como o conhecimento dos princípios e regras que regulamo uso oral e
escrito desse sistema. Este estádio de conhecimento caracteriza-se pela
capacidade deidentificar e nomear as unidades da língua (por exemplo, fonemas,
sílabas, morfemas, palavras, grupossintácticos, frases), de caracterizar as suas
propriedades, as suas regras de combinação e os processosque actuam sobre as
estruturas formadas; caracteriza-se igualmente pela capacidade de selecção
dasunidades e estruturas mais adequadas à expressão de determinados
significados e à concretização dedeterminados objectivos em situações concretas
de uso oral e escrito da língua (por exemplo, informar,persuadir, exprimir um desejo
ou um ponto de vista).consciêncialinguísticaUm estádio intermédio entre o
conhecimento intuitivo da língua e o conhecimento explícito, caracterizadopor
alguma capacidade de distanciamento, reflexão e sistematização, é a chamada
consciência linguística.
 
Ensinar gramática no 1.
º
ciclo visa desenvolver a consciência linguística das crianças, a qual, ao longo doseu
percurso escolar, evoluirá para o estádio de conhecimento explícito.As actividades
que o professor tem de proporcionar às crianças para prosseguir este objectivo podem
edevem ser de vários tipos e podem e devem abranger as várias áreas da gramática.
Algumas destasactividades, as de natureza classificatória e de formulação de regras,
envolvem o recurso a termosgramaticais. Os termos gramaticais são instrumentos que
permitem que toda a classe saiba exactamentede que unidade, propriedade ou regra se
está a falar quando se usa esse termo. De facto, como todossabemos, o domínio
comum de um conjunto de termos que designem sem ambiguidade
determinadosconceitos é indispensável em qualquer área do saber. Por isso, tal como
acontece com a Matemática e como Estudo do Meio, também na língua as crianças do
1.º ciclo têm de aprender algumas etiquetasgramaticais, que são o “envelope” de
conceitos relevantes para a compreensão do modo como se organizae funciona a
língua. (...)
 
Mas existem muitas actividades que promovem o desenvolvimento da consciência
linguística das crianças eque não exigem o recurso a metalinguagem gramatical.
 
Quer umas quer outras ganham em ser inscritas na perspectiva mais geral de um
laboratório gramaticalque proporcione às crianças oportunidades para adquirirem,
exercitarem e desenvolverem um "olhar decientista": por outras palavras, que as
iniciem na forma de interrogar a realidade (neste caso, a língua e osseus usos) e sobre
ela reflectir que caracteriza o pensamento científico.
PO
Esta iniciação segue as seguintes etapas:Formular uma
pergunta
acerca de um conjunto de dados fornecidos à criança ou apresentarum
problema
, por exemplo, a partir de uma produção oral ou escrita da classe.Levar a criança
a
 
observar
os dados ou a situação-problema, procurando que identifique padrões comunse
abstraia dos aspectos que considera irrelevantes para responder à pergunta ou para
resolver oproblema.
H
Levar a criança a formular
hipóteses
, a partir das suas intuições sobre a língua e da observação járealizada.
T Testar
as hipóteses formuladas pela classe, orientando a criança para actividades de
manipulação dosdados iniciais e de outros dados carreados pelo professor ou
sugeridos pela classe que permitirãoseleccionar a hipótese com maior grau de
adequação e generalização.
V Validar
a hipótese, pela observação de novos dados ou de problemas análogos que ela
consegue captar,levando a classe a registá-la sob a forma de uma generalização
gramatical (por exemplo, uma classe deunidades linguísticas, uma propriedade, uma
regra).
E
Proporcionar às crianças actividades que lhes permitam
exercitar
o conhecimento atingido, distribuídas aolongo de todo o ano lectivo ou mesmo de
todo o ciclo de estudos. Relativamente a alguns aspectos, comono caso das regras
ortográficas, a exercitação deve levar ao automatismo.
V
No momento considerado oportuno,
avaliar
a aprendizagem relativa à pergunta ou ao problematrabalhado. Resultados de
investigação realizada em vários sistemas educativos têm mostrado as vantagens
cognitivase instrumentais desta forma de conceber o ensino da gramática. Ela não
enjeita a necessidade dememorização de paradigmas e regras, mas insiste no papel
activo da sua descoberta pelas crianças, sob
quando desenvolve um léxico altamente especializado, é
em certas ocasiões inacessível
aos leigos. Isto ocorre no momento em que uma pessoa de
baixa escolaridade ouve um
diagnóstico médico (feito dentro da nomenclatura
específica, mas fora do conhecimento
do ouvinte); em um parecer judicial (quando o juiz,
promotor, advogado expõem os
fatos analisados para um júri, que apesar de ter uma
escolaridade média, não consegue
apresentar compreensibilidade devido aos inúmeros
termos em latim e vocabulário
muitas vezes rebuscado).
Notamos que as pessoas tendem a apresentar desvios
maiores às normas gramaticais na
língua falada, isto talvez pela rapidez com que se efetua a
comunicação. Em
contraposição, observamos que ao se registrar a língua de
forma escrita temos mais
cuidado e preocupação em obedecer as normas
gramaticais, sem contar que na escrita os
desvios ficam mais nítidos do que na fala.
Tomando por base as informações até então, concluímos
que as diversas modalidades
de variação lingüística não existem isoladamente, há
certamente, uma relação mútua
entre elas. Uma variante histórica pode resultar em uma
variante geográfica; assim
como uma variante geográfica pode ser vista como uma
variante social ao se considerar
a migração entre regiões.
Sendo fato real a coexistência de variedades lingüísticas
entendemos que cada forma
particular de se manifestar a língua portuguesa no Brasil,
é uma variante de uma única
vértice . Neste momento vemos o favorecimento e a
eleição da norma formal como
“certa”, uma vez que é essa a ensinada nas escolas e tida
como forma de ascensão
social. Não queremos desmerecer a variante formal,
sabemos o quão importante é seu
papel de sustentação da língua. Vemo-la num caminhar
mais arrastado no processo
renovador da língua, pois está sempre presa às estruturas
mais antigas por ter raízes
mais profundas no português arcaico. Entretanto quando
nos deparamos com a
priorização do ensinamento da norma culta e o
desrespeito as demais variações, vemos
também o preconceito lingüístico se formar.
A norma culta está relacionada à linguagem da classe
dominante. Todavia, esta classe
não é composta por indivíduos de um único meio nem
com a mesma formação. Uma
minoria sente-se capaz e confiante em utilizá-la.
Mas, há uma grande maioria que utiliza a língua de forma
despreocupada; trava a
comunicação conforme seu dialeto e dentro de uma
prática lingüística eficaz –
comprometida com as condições contextuais.
Esta maioria desvincula seu falar da norma padrão
promovendo as variações ora de
forma ocasional – seu dialeto é inerente à sua formação -;
ora de forma intencional –
tem a língua como mediação simbólica de sua identidade.
3. Variação, Manifestação Ocasional Ou Intencional?
Estamos consciente de que a variação lingüística é uma
situação real e abrangente, e que
a simultaneidade da língua padronizada pela gramática
normativa e a existência das
diversas formas que o falante usa para a efetivação da
comunicação, divergem no
campo da praticidade oral e escrita.

Os motivos que proporcionam tantas variedades foram


expostos nos capítulos
anteriores, mas um questionamento surge: “Temos,
enquanto operadores da língua,
consciência da versatilidade do nosso idioma?”
Sob a ótica do usuário da língua como ponto
preponderante na escolha de formas
específicas de efetuação lingüística cremos que podemos
nos portar de maneira
consciente ou inconsciente perante a atuação das
variedades da língua materna.
As variações provocadas pelos fatores geográfico e
histórico tendem a perpassar pelos
falantes sem que estes percebam a ocorrência das
mudanças na língua. Talvez porque
sejam tênues para o indivíduo enquanto as emprega na
comunicação; uma vez que as
mudanças ocorridas por estes fatores são lentas e
gradativas.
Entretanto entendemos que os fatores social e estilístico
agem na configuração de nossa
língua sob a harmonia da sincronia presente, tornando a
comunicação, um processo de
construção de significados em que ocorre interação do
sujeito com a sociedade . A
língua assim será usada como instrumento de definição do
que é a “pessoa” entre “as
pessoas.” A variação lingüística surge intencionalmente.
Uma comunidade humana adota certos comportamentos
constantes em termos de
comunicação. É uma forma de isolamento, de
diferenciação, através de uma linguagem
especial, principalmente no campo léxico. Evidentemente,
esse comportamento
lingüístico é decorrente do próprio comportamento social
e a criação dessa linguagem
específica serve a diversos objetivos como: o desejo de
privacidade, isto é, de ser
entendido apenas por elementos do grupo, como também
de auto-afirmação.
Tomamos como exemplo a linguagem dos internautas. O
advento da internet trouxe
muitas transformações e inovações e dentre elas no
campo textual, que se difere
significativamente de outras formas escritas tradicionais.
Este tipo de texto apresenta
novas características, uma vez que a própria escrita
adquire uma forma nova,
identificada por elementos verbais e não verbais, como
imagem, ícones e som. Ao se
criar uma linguagem peculiar, as comunidades da internet
acabam por criar uma
sociedade lingüística restrita com suas especificidades
próprias como: ausência de
pontuações, ausência de acentuação gráfica, processos de
redução e processos de
alterações ortográficas.
Todas essas modificações têm uma questão humana
presente – construir e agregar
novos amigos. Na ânsia de criar elos com indivíduos que
compartilham os mesmos
interesses ; cria-se um dialeto próprio que os agrupe e ao
mesmo tempo os distancie dos
demais falares.
Atualmente, a rede da internet inaugura uma nova forma
de escrita,
caracterizada por várias tipologias textuais que
“conseqüentemente, pede novas formas
de leitura e escrita que trazem uma outra dimensão para
os papéis de autor e leitor.”
(PRESENÇA, 32) .
Esta necessidade de utilizar a língua como ponto
referencial e particularizador, também
e percebido no grafite e na pichação. Tais manifestações
lingüísticas são entendidas

como signos presentes no cenário de imagem das grandes


cidades contemporâneas
apresentando o seu caráter dialógico.
Existem na cidade de Belo Horizonte, diversas crews
(grupos de pessoas de uma mesma
região) que aparecem nos muros através de siglas, junto
aos apelidos dos pichadores.
Seus traços lingüísticos em alguns momentos são tão
particulares que para o leitor de
fora do grupo é incoerente e sem estruturação.
O que percebemos nesta manifestação lingüística é a
necessidade de se expressar, de
fazer das ruas uma extensão da individualidade, sob a
forma de rastros escritos em
paredes e muros.
Portanto, há uma intencionalidade de se criar uma
variação própria para a autodefinição
e particularização do usuário da língua. E isso não ocorre
somente agora. Durante o
século XVI, período da colonização brasileira, os errantes
e presos nas galés das
embarcações marítimas, criaram um vocabulário
“especial e secreto”, o calão.
As variações lingüísticas podem ocorrer naturalmente
como resultado dos fatores
espaço e tempo, mas também como recurso de
individualidade, quer por uma pessoa ou
uma comunidade.
Independentemente da intencionalidade ou não no
emprego das variações, torna-se
importante evidenciar os vocabulários diferenciados,
como uma forma dos grupos
marcarem presença na comunidade e seu papel de fator de
projeção no meio social.
É importante desmistificar a íngua padronizada e respeitar
a riqueza cultural presente
nos falares que compõem a “língua brasileira.”
Considerações Finais
A variação de nossa língua é fato incontestável de acordo
com a nova lingüística. Vimos
que as mudanças foram gradativas desde o nascimento do
latim, que é a língua-mãe do
português, até o nosso “abrasileiramento” do português
vindo de Portugal.
Apresentamos fatores geográficos, históricos, sociais e
estilísticos como geradores de
transformações e criação de novos falares dentro do
território nacional.
Entendemos que o crescente distanciamento entre a língua
eleita como “certa” e a
efetivação nas grandes camadas sociais divergem
causando o elitismo de uma e
marginalizando as outras possibilidades. Constatarmos a
permanência da unidade
lingüística, devido à caracteres similares presentes em
todas as variações. Toda forma
de se expressar possui uma gramática que a estrutura
tornando cada variação eficaz no
processo da comunicação.
Ciente do poder simbólico das variações o usuário tende a
utilizá-la como meio de
projeção social, enfim , a Língua Portuguesa torna-se
hoje, fator de inserção no mundo
atual estimulando o sujeito a ser ativo perante a cultura e
história de nossa nação.

Referência
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Língua
Portuguesa: 3º e 4º Ciclos do
Ensino Fundamental. MEC/SEF, 1998.
BUDIN, J. e ELIA, Sílvio. Compêndio de Língua e de
Literatura. 2 ed. São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1954.
CABRAL, Leonor Scliar. Introdução à lingüística. 7 ed.
Rio de Janeiro: Globo, 1988.
CAMACHO, R. A variação lingüística. In: Subsídios à
proposta curricular de Língua
Portuguesa para o 1º e 2º graus. Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo, 1988.
CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da Língua
Portuguesa. 12 ed. Rio de Janeiro:
FAE, 1992.
MARTINET, A. Elementos de lingüística geral. Trad. de
J. Morais-Barbosa. Lisboa,
Liv. Sá da Costa, 1964. (ELG)
NASCENTES, Antenor. Tesouro da Fraseologia
Brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro:
Livraria Freitas Bastos S.A. , 1966.
PRADO MENDES, Soélis T. (2000) A ausência de artigo
definido diante de nomes
próprios no português mineiro da comunidade de Barra
Longa: caso de retenção?,
dissertação de mestrado,FALE/UFMG.
RAMOS, Jânia (1998) “História social do português
brasileiro: perspectivas”, in
CASTILHO, A (org.) Para uma história do português
brasileiro, SP: Humanitas.
P or Ana Lúcia de Assunção
http://www.monografias.brasilescola.com/educacao/varia
cao-linguistica-uma-realidade-

Você também pode gostar