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QUARTA-FEIRA, 19 DE JANEIRO DE 2022 19:38
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/Lenise Pinheiro/Folhapress
"Por Elise" (2005) - Primeira peça do grupo
Espanca!, de BH, enfileira relatos de uma
dona de casa sobre as dores e delícias de
seus vizinhos, que vão de um lixeiro e a
um cachorro. O texto valeu a Passô um
Prêmio Shell
FILOSOFIA
Foi-se o tempo em que o hipopótamo que devorou o pai de família recomendações do editor
permanecia oculto. A lama na qual ele habita inundou cidades às vistas de
todo o público.
"Mata Teu Pai" , em cartaz até o dia 26 no Galpão Gamboa, no Rio (e a partir
de 31/8, no teatro Poeira, na mesma cidade), é fruto dessa consciência
aflorada.
Convidada pela diretora Inez Viana e pela atriz Débora Lamm a escrever sua
versão de Medeia, Passô afastou-se da trilha aberta por Eurípedes, autor da
tragédia que perpetuou o mito grego, para se concentrar na força de
insubordinação da personagem e em sua possível transposição para o
presente. JORNALISMO
mata as crias para se vingar do marido, que a deixou para casar-se com uma Trump, os nerds do 4chan e a nova
princesa. direita dos Estados Unidos
MÚSICA
"É como se essa Medeia pudesse traduzir a dimensão indomável das mulheres
Em entrevistas, Caetano e Gil
do nosso tempo, que são as manifestantes feministas. É a visão delas que nos
relembram o início da tropicália
mostra a possibilidade de invertermos a lógica da nossa sociedade", diz Passô.
Há 50 anos, tropicália chegava para 'arrombar a festa'
Em cena, Medeia já não deseja a morte da noiva de Jasão, mas sim a dele, CIÊNCIA
numa reação que reconhece também a outra mulher como vítima da Computador quântico está chegando
misoginia. Recém-lançada em livro pela Cobogó, a dramaturgia do espetáculo e vai levar tecnologia a uma nova era
ecoa a do monólogo "Vaga Carne" (2016).
FILOSOFIA
"Esse foi um trabalho em que me permiti radicalizar em alguns pontos, o que Os africanos que propuseram ideias
é muito importante para um artista. Ele expandiu minha experiência de iluministas antes de Locke e Kant
escrita e de atuação", afirma, referindo-se às experimentações formais com as
quais revolve a linguagem para criar uma dissociação entre uma voz e o corpo revolução russa
do qual ela se apossa.
VOO SOLO
significações.
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"Mata Teu Pai" e "Vaga Carne" (a ser editado pela Javali neste ano), os
trabalhos mais recentes da autora, atestam o vigor do voo solo que ela iniciou Fotos
Vídeos
Relatos
Desde então, a mineira estreitou laços com antigos parceiros e encontrou RECEBA NOSSA NEWSLETTER
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Não lhe interessa, com esse périplo, tornar-se uma "artista diversificada" EM ILUSTRÍSSIMA
(versátil, porém sem profundidade), mas adensar a própria voz e aguçar sua + LIDAS + COMENTADAS ÚLTIMAS
capacidade de criação.
Racismo de negros contra brancos
1 ganha força com identitarismo
Desde a estreia de "Vaga Carne" no Festival de Curitiba de 2016, liberdade é a
palavra mais ouvida por Passô na boca de espectadores que a procuram para
'Racismo reverso' de Risério busca
dizer o que os cativou na montagem (ou o que sentiram diante dela).
2 deslegitimar luta por igualdade racial
"Esse texto funda um modo de narração na dramaturgia. Uma voz que invade
um corpo e o manipula nos coloca de novo frente à palavra e transforma o
sentido do teatro", opina Inez Viana, em alusão a uma teatralidade que já não Bem-estar via consumo individual não
se direciona nem às relações externas, como no drama, nem à interioridade 3 pode orientar a esquerda, diz Tatiana
Roque
de um eu lírico, mas à própria constituição do sujeito pela linguagem. Esquerda associou-se à intolerância e a
4 dogmas obscuros, diz jornalista
VIRADA
Movimentos negros repetem lógica do
Para o diretor da Companhia Brasileira, Marcio Abreu, o solo marca um 5 racismo científico, diz antropólogo
Comprar
Se é verdade que todo artista orbita ao redor de um ou de alguns poucos
temas ao longo de sua trajetória profissional, o mote principal de Grace Passô
seria o descompasso entre corpos, palavras e imagens.
Horizonte.
Criada no bairro Alípio de Melo, na periferia de Belo Horizonte, Passô conta Box Pink Floyd -
que o contato com a literatura na infância, quando a irmã professora a Special Edition (DVD)
obrigava a ler, abriu-lhe as portas para escrever sem pudor. Pink Floyd
"Sou a filha mais nova de uma família de operários vindos do interior de Comprar
Minas e da Bahia, pessoas com aptidões artísticas enormes. Fui a única com
oportunidade real de experimentar a arte como trabalho", diz a caçula de seis.
SEMENTES
E ela não mais se conteve. Dona de "uma imaginação muito solta", nas
palavras de Marcelo Castro, ator e cofundador do Espanca!, Passô fez valer a
infância desfrutada ao ar livre, aquela "vida com espaço para o pensamento".
Para Aline Vila Real, a dramaturga realizou a difícil travessia entre "os
estudos teóricos de homens brancos europeus", aprendidos nos bancos da
escola de teatro (o Centro de Formação Artística e Tecnologia da Fundação
Clóvis Salgado), e uma escrita que representasse sua própria personalidade,
sustentada por raízes profundas e trabalhada à exaustão.
RÓTULOS
Passô conta sentir nela mesma a força perversa dessas etiquetas. "Sempre
achei que havia uma distância enorme entre o que a minha imagem sugere à
sociedade racista e machista e o que ela [efetivamente] é capaz de fazer",
afirma, comparando-se ao silencioso hipopótamo de "Amores Surdos", que
"guarda uma fera muito grande dentro de si".
Por ter lutado para estar em instituições "mais ricas ou mais brancas", a
dramaturga e atriz não subestima a importância de sua presença em cena ser
posta em evidência. Sabe que, de alguma forma, encarna a superação da
opressão. "'Vaga Carne', para mim, é esse grito da imagem do corpo, com tudo
o que ele significa."
A destreza com que ela transita entre a escrita, a direção e a atuação é fruto de
uma formação fora do ambiente acadêmico, num tempo em que a faculdade
de teatro ainda dava os primeiros passos em Belo Horizonte.
Foi na mesma época, em 2002, que Marcelo Castro assistiu à peça "Todas as
Belezas do Mundo", da Cia. Clara, e se encantou pelo desempenho de Passô –
com tal intensidade que logo tratou de se juntar ao grupo. Pouco depois,
acompanhou-a na fundação do Espanca!, em que a artista acumularia funções
de atriz, dramaturga e encenadora. "Essa totalidade já estava colocada",
observa o ator.
Apesar de "Por Elise", com texto de Passô, ter sido sucesso de público e
crítica, os integrantes da companhia cogitaram outros autores para o segundo
projeto da trupe, que originalmente seria dirigido por Marcio Abreu. "No
último momento, a Grace, meio tímida, disse 'eu tenho um texto' e mostrou o
esboço de 'Amores Surdos'", lembra Castro. Ao que Abreu reagiu: "Você tem
que montar isso!".
Ali já estavam dados os contornos do fino comentário social que viria a ser
sua marca. "Grace tem um olhar poético para questões agudas da sociedade,
[cria] uma poética da violência, sem camuflar contradições", avalia Aline Vila
Real.
Entre 2004 e 2013, o Espanca! encenou cinco espetáculos –quatro deles com
textos assinados pela autora. Única peça que ela não escreveu, "O Líquido
Tátil" representou também sua despedida da companhia.
"Levo [o ofício] a sério como uma criança", define a artista, em busca de uma
comparação que dê conta da ideia de se entregar por inteiro àquilo que se faz.
"Ou como um cachorro."
Nadja Naira, parceira na criação de "Vaga Carne" e "Mata Teu Pai", faz coro.
"Ela não consegue realizar nenhum trabalho que não mobilize todas as suas
células. Quando está perdida ou insegura, não esconde. É até engraçado fazer
teatro, lugar da simulação, exatamente o que ela não é."
Ao mesmo tempo, ela prepara uma nova peça do projeto "Grãos de Imagem",
o mesmo que originou "Vaga Carne". O mote agora é a tentativa de um
escritor de colonizar o corpo de uma atriz –ponto de partida que ganha outra
camada de leitura pelo fato de ser ela, uma autora, a "parir" esse personagem.
"Nunca tenho noção da direção que um filme vai tomar. Essa é a grande
diferença para mim [em relação ao teatro]: não estar na concepção das
coisas", diz a atriz.
LUCIANA ROMAGNOLLI, 34, é jornalista, crítica de teatro e editora do site Horizonte da Cena.
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